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330/2015-AsJConst/SAJ/PGR
DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 28/01/2015 19:50.
DE POLÍCIA. LEI 12.830/2013. INVESTIGAÇÃO CRIMI-
NAL CONDUZIDA POR DELEGADO DE POLÍCIA. ART.
2o, CAPUT: AFRONTA AO ART. 144 DA CONSTITUIÇÃO.
NATUREZA ADMINISTRATIVA DO CARGO DE DELE-
GADO DE POLÍCIA. ART. 2o, § 1o: EXCLUSIVIDADE DA
CONDUÇÃO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL POR DE-
LEGADO DE POLÍCIA. VIOLAÇÃO AOS PODERES IN-
VESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DE
OUTROS ÓRGÃOS. ART. 2o, § 2o: PODER DE REQUISI-
ÇÃO DE DELEGADO DE POLÍCIA. CONTRARIEDADE
A ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E À RE-
SERVA DE JURISDIÇÃO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5o, XII, E
129, I,VII E VIII, DA CR. ART. 2o, § 5o: FUNDAMENTAÇÃO
DE ATO DE REMOÇÃO. COMPATIBILIDADE COM A
SUBORDINAÇÃO DA POLÍCIA AO PODER EXECU-
TIVO (ART. 144, § 6o, DA CR). ART. 2o, § 6o: INDICIA-
MENTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE, À FUNÇÃO CONSTITUCIO-
NAL DOS DELEGADOS DE POLÍCIA E DO MINISTÉ-
RIO PÚBLICO. INUTILIDADE DO ATO E ESTIGMA DO
INVESTIGADO. ART. 3o: REQUISITO DO CARGO DE
DELEGADO DE POLÍCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL. RESERVA DE INICIATIVA DO CHEFE DO
PGR Ação direta de inconstitucionalidade 5.073/DF
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4. É compatível com a subordinação da polícia ao Poder Execu-
tivo (art. 144, § 6o, da Constituição) exigência de fundamentação
para remoção de delegados de polícia, contida no art. 2o,§ 5o, da
Lei 12.830/2013.
5. É inconstitucional o art. 2o, § 6o, da Lei 12.830/2013, que
dispõe sobre indiciamento, por atribuir a delegados de polícia
função de análise técnico-jurídica da conduta investigada, des-
virtuando as atribuições investigatórias desse cargo, previstas no
art. 144, § 4o, da Constituição. O dispositivo fere igualmente os
princípios da finalidade e da proporcionalidade, por prever ato
administrativo desprovido de relevância processual e que gera es-
tigma para o investigado, sem nenhum ganho para o interesse
público.
6. Afronta a reserva de iniciativa do Chefe do Executivo para le-
gislar sobre regime jurídico de servidor público (art. 61, § 1o, II,
c, da CR), o art. 3o da Lei 12.830/2013, pois estabelece trata-
mento protocolar para delegados de polícia e fixa requisito de
bacharelado em Direito para o cargo.
7. Parecer pela procedência parcial do pedido.
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I RELATÓRIO
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inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei,
que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da
materialidade e da autoria das infrações penais.
§ 2o. Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de
polícia a requisição de perícia, informações, documentos e
dados que interessem à apuração dos fatos.
§ 3o. (VETADO).
§ 4o. O inquérito policial ou outro procedimento previsto
em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribu-
ído por superior hierárquico, mediante despacho fundamen-
tado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de
inobservância dos procedimentos previstos em regulamento
da corporação que prejudique a eficácia da investigação.
§ 5o. A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente
por ato fundamentado.
§ 6o. O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-
se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurí-
dica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e
suas circunstâncias.
Art. 3o. O cargo de delegado de polícia é privativo de ba-
charel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tra-
tamento protocolar que recebem os magistrados, os
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vício formal, por contrariar a Emenda Constitucional 19, de 4 de
junho de 1998, que alterou substancialmente o art. 241, e por dei-
xar de equiparar delegados de polícia à carreira da Defensoria Pú-
blica.
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ação direta (peça 21).
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petição inicial.
III MÉRITO
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rio para instruir denúncia a ser oferecida pelo Ministério
Público.2
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ção com o mundo do direito marcariam a diferença com o
ethos policial.3
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tada. Isso, porém, não implica atribuir-lhe natureza que não é sua
nem demanda enxergar o papel dos delegados de polícia como de
natureza jurídica. Sua natureza é administrativa e específica, com
importante componente técnico, voltado à investigação, à coleta e
à análise de dados, à coordenação de equipes e à extração de signi-
ficado desses dados. Não é papel da polícia criminal a análise jurí-
dica dos fatos, a elaboração de peças processuais, a postulação na
ação penal (conquanto o líder da investigação possa comunicar-se
ocasionalmente com o órgão jurisdicional). Essas atividades, que
parte da obsoleta legislação infraconstitucional brasileira ainda co-
mete a delegados de polícia, distanciam esses valorosos agentes pú-
blicos de sua missão precípua, na área da investigação, que é a de
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coletar dados para subsidiar a atividade do Ministério Público. As-
sim deve ser no Brasil, assim como o é nos países mais avançados
do Ocidente.
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CAPÍTULO III
DA SEGURANÇA PÚBLICA
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e res-
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ponsabilidade de todos, é exercida para a preservação da or-
dem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1o. A polícia federal, instituída por lei como órgão perma-
nente, organizado e mantido pela União e estruturado em
carreira, destina-se a:(Redação dada pela Emenda Constitu-
cional 19, de 1998)
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social
ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou
de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim
como outras infrações cuja prática tenha repercussão interes-
4 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Comentário ao art. 144. In: CANO-
TILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK,
Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva/Almedina, 2013, p. 1.584.
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tina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das
ferrovias federais. (Redação dada pela Emenda Constitucio-
nal 19, de 1998)
§ 4o. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as
funções de polícia judiciária e a apuração de infrações pe-
nais, exceto as militares.
§ 5o. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a pre-
servação da ordem pública; aos corpos de bombeiros milita-
res, além das atribuições definidas em lei, incumbe a
execução de atividades de defesa civil.
§ 6o. As polícias militares e corpos de bombeiros militares,
forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, junta-
mente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados,
do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 7o. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos
órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a ga-
rantir a eficiência de suas atividades.
§ 8o. Os Municípios poderão constituir guardas municipais
destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,
conforme dispuser a lei.
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outra forma, de maneira que não é cabível aplicação de analogia.5
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As polícias civis integram a estrutura institucional do Poder
Executivo, encontrando-se em posição de dependência ad-
ministrativa, funcional e financeira em relação ao Governa-
dor do Estado (artigo, 144, § 6o, CF).
2. Orçamento anual. Competência privativa. Por força de
vinculação administrativo-constitucional, a competência para
propor orçamento anual é privativa do Chefe do Poder Exe-
cutivo.
3. Ação direta de inconstitucionalidade. Norma infraconsti-
tucional. Não-cabimento. Em sede de controle abstrato de
constitucionalidade é vedado o exame do conteúdo das nor-
mas jurídicas infraconstitucionais.
4. Prerrogativa de foro. Delegados de Polícia. Esta Corte
consagrou tese no sentido da impossibilidade de estender-se
a prerrogativa de foro, ainda que por previsão da Carta Esta-
dual, em face da ausência de previsão simétrica no modelo
federal.
5. Direito Processual. Competência privativa. Matéria de di-
reito processual sobre a qual somente a União pode legislar
(artigo 22, I, CF).
6. Aposentadoria. Servidor Público. Previsão constitucional.
Ausência. A norma institui exceções às regras de aposenta-
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funcional e financeira em relação ao Governador do Estado,
conforme determina o artigo 144, § 6o, da Constituição Fe-
deral.
Ademais, é notar-se que a vinculação hierárquico-adminis-
trativa dos órgãos que compõem a Administração é tão forte
que até mesmo ao tratar do Poder Judiciário, o Constituinte
quis assegurar-lhe expressamente a “autonomia administra-
tiva e financeira” (CF, artigo 99). Ao Ministério Público con-
feriu, também “autonomia funcional e administrativa”,
dispondo que lhe compete, ainda elaborar “sua proposta or-
çamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretri-
zes orçamentárias” (CF, artigo 127, §§ 2 o e 3o). Também às
universidades ficou expresso na Constituição que lhes assiste
“autonomia didático-científica, administrativa e de gestão fi-
nanceira e patrimonial” (CF, artigo 207).”
No entanto, ao cuidar da Segurança Pública, a Constituição
não garante autonomia de espécie alguma às polícias milita-
res, aos corpos de bombeiros militares e às polícias civis. An-
tes, deixa claro que essas corporações “subordinam-se aos
Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territó-
6 STF, Plenário, ADI 882/MT, Rel.: Min. MAURÍCIO CORRÊA, 19/2/2004,
un., DJ, 23 abr. 2004.
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polícia, em todo o país, já há vários anos, exatamente com a finali-
dade de distanciar delegados dos demais policiais e de apro-
ximá-los das carreiras verdadeiramente jurídicas, indicadas no
parágrafo anterior, tanto no tratamento normativo quanto no
plano remuneratório. De maneira alguma se cogita de menospre-
zar a enorme importância desses agentes públicos. Não se deve ad-
mitir, todavia, que, devido àqueles movimentos corporativos, a
legislação infraconstitucional desnature o sistema constitucional da
segurança pública, dê à função policial feitio que não lhe é pró-
prio, aprofunde (em vez de corrigir) as disfunções do direito posi-
tivo pré-constitucional e empreste tratamento normativo análogo
a funções que são intrinsecamente distintas.
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A Emenda Constitucional 19, de 4 de junho de 1998, ao al-
terar substancialmente o teor do art. 241 da Constituição, demons-
traria que a carreira de delegado de polícia não mais poderia ser
equiparada às carreiras de defensor público e de procurador de Es-
tado. Confira-se a redação original e a atual do dispositivo:
7 Disponível em:
< http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessi
onid=09E6E649811186C86A3B5C06CD00306E.proposicoesWeb2?
codteor=596424&filename=PEC+293/2008 >. Acesso em: 28 maio 2014.
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carreiras jurídicas e mais os de delegados? Não há como co-
gitar de tal hipótese.
Em primeiro lugar, a exegese sistemática do texto constituci-
onal levaria a interpretar restritivamente qualquer dispositivo
que se chocasse com os seus princípios básicos. Mas, como
visto, tal choque não existe. Os dois princípios relevantes o
da isonomia e o da não equiparação correm em paralelo.
Em segundo lugar, porque o art. 135 não determinou ao le-
gislador que desse os mesmos vencimentos aos vários cargos
das referidas carreiras, mas apenas explicitou que a elas se
aplica o disposto no § 1o do art. 3o, como também no art. 37,
XII. O que somente permite concluir que a isonomia é
dentro de cada carreira e não entre as carreiras.
Em terceiro lugar, porque, como demonstrado na letra “a”
do item 2.2 acima, a palavra “assemelhados” contida naquele
§ 1o não comporta conotação de particípio passado do verbo
assemelhar, pelo menos no sentido de tornar semelhante. E,
portanto, não é crível que a constituição quisesse assemelhar
alguém a alguém. Se o quisesse, não teria enveredado pelo
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Desse modo, foi erradicado o único resquício de compatibili-
dade constitucional da classificação do cargo de delegado de polí-
cia como carreira de natureza jurídica – embora, na verdade, a
Constituição nunca tenha admitido essa indevida comparação.
Por esse conjunto de razões, não resta dúvida de que o art. 2o,
caput, da Lei 12.830/2013 afrontou o art. 144 da Constituição da
República, ao dispor sobre o cargo de delegado de polícia e con-
ferir natureza jurídica às suas funções.
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III.2 ART. 2 , §§ 1
O O
E 2 , DA LEI: AFRONTA AO PODER INVESTIGATÓRIO
O
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parlamentares de inquérito) e em leis (Receita Federal e Conselho
de Controle de Atividades Financeiras, por exemplo), conforme
destaca a petição inicial.
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VII – exercer o controle externo da atividade policial, na
forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de
inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas
manifestações processuais;
[...].
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advertência, vale lembrar o postulado que J. J. GOMES CANOTILHO
invoca, de que normas infraconstitucionais devem ser interpretadas
à luz da Constituição, não o inverso (interpretação da constituição
conforme as leis – gesetzkonforme Verfassungsinterpretation).11 O ver-
dadeiro autor da ideia, WALTER LEISNER, fala de “interpretação da
Constituição segundo a lei”.12 O intérprete e aplicador do direito
deve fazer as leis e demais normas infraconstitucionais adapta-
rem-se ao ordenamento constitucional, não este àquelas, a fim de
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puro), compete ao Ministério Público dirigir a investigação crimi-
nal, no sentido de definir quais provas considera relevantes para
promover a ação penal, com oferecimento de denúncia ou promo-
ção de arquivamento. Isso, claro, não exclui o importante trabalho
da polícia criminal nem implica atribuir ao MP a chamada “presi-
dência” do inquérito policial, quando esse procedimento for ne-
cessário. Vale relembrar que, no plano do direito legislado
infraconstitucional, pelo menos desde o Código de Processo Penal
13 CANOTILHO, Direito Constitucional e teoria da constituição, obra citada, p.
1.106.
14 DIAULAS COSTA RIBEIRO, não sem razão, critica a doutrina e a jurisprudência
brasileiras que amiúde interpretam a ordem constitucional de 1988 à luz
de parâmetros antigos e diz que ela “sofre de uma das patologias crônicas
da hermenêutica constitucional no Brasil: a interpretação retrospectiva,
pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não
inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo”
(RIBEIRO, Diaulas Costa. Ministério Público: dimensão constitucional e re-
percussão no processo penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 259).
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Como diz MARCELLUS POLASTRI LIMA, sendo titular da ação
penal pública, o órgão ministerial é o primeiro interessado no bom
andamento das investigações.18 Titularidade da acusação implica
atribuição do ônus da imputação (nullum crimen, nulla culpa sine ac-
cusatione) e do ônus probatório (carga probandi) ao Ministério Pú-
blico, um dos elementos essenciais do sistema acusatório, como
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fase do inquérito policial, tem justificativa na sua própria missão de
titular da ação penal, sem que se configure usurpação da função
policial, ou venha a ser impedimento a que ofereça a denúncia”.21
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1. O inquérito policial é procedimento de investigação que
se destina a apetrechar o Ministério Público (que é o titular
da ação penal) de elementos que lhe permitam exercer de
modo eficiente o poder de formalizar denúncia. Sendo que
ele, MP, pode até mesmo prescindir da prévia abertura de in-
quérito policial para a propositura da ação penal, se já dispu-
ser de informações suficientes para esse mister de deflagrar o
processo-crime.
2. É por esse motivo que incumbe exclusivamente ao Par-
quet avaliar se os elementos de informação de que dispõe são
ou não suficientes para a apresentação da denúncia, enten-
dida esta como ato-condição de uma bem caracterizada ação
penal. Pelo que nenhum inquérito é de ser arquivado sem o
expresso requerimento ministerial público. [...]
5. Ordem denegada.24
22 STF. Plenário. Medida cautelar na ADI 5.104. Rel. Min.: ROBERTO
BARROSO. 21/5/2014, maioria. DJe 213, 29 out. 2014.
23 STF. 2a Turma. RHC 58.849/SC. Rel.: Min. MOREIRA ALVES, 12/5/1981,
un. DJ, 22 jun. 1981, p. 6.064; Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 103, n. 3,
p. 979.
24 STF. 1a Turma. HC 88.589/GO. Rel.: Min. CARLOS BRITTO, 28/11/2006,
un. DJ 1, 23 mar. 2007, p. 107.
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tério Público, como titular privativo da ação penal pública, ou, nos
casos excepcionais em que cabe ação penal privada, ao ofendido.27
A parte na relação processual penal encarregada de provocar a per-
25 Muito embora, como se sabe, o Ministério Público atue como parte espe-
cial, pois, diferentemente das partes privadas, seu compromisso precípuo é
com a defesa da ordem jurídica (CR, art. 127, caput), de modo que pode –
e costuma fazê-lo quotidianamente – postular contra a acusação, como
quando pede a absolvição ou a declaração de extinção da punibilidade, e
até recorrer ou impetrar habeas corpus em favor do réu. Está ultrapassada a
figura do membro do Ministério Público como “acusador sistemático”, na
esfera criminal.
26 STF. 1a Turma. HC 73.271-SP. Rel.: Min. CELSO DE MELLO, 19/3/1996, un.
DJ 1, 4 out. 1996, p. 37.100. Na mesma linha, apontando o Ministério Pú-
blico como único destinatário da investigação criminal (ao lado, excepcio-
nalmente, do ofendido, nos casos de ação penal privada): CALABRICH,
Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites
constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. Temas fundamen-
tais de Direito. p. 62.
27 LIMA, Ministério Público, ob. cit., p. 53-54.
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rio Público deve observar e o seu caráter de parte. Imparcial
ele deve ser apenas na fiscalização, na vigilância, no zelo da
lei.
É fato que a dualidade de funções do Ministério Público faz
dele uma parte sui generis, parte pública, parte a que se come-
tem também funções que não são de parte, mas sem lhe tirar
esse caráter.28
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DOUTRINA (RUI BARBOSA, JOHN MARSHALL,
JOÃO BARBALHO, MARCELLO CAETANO, CASTRO
NUNES, OSWALDO TRIGUEIRO, v.g.) – OUTORGA,
AO MINISTÉRIO PÚBLICO, PELA PRÓPRIA CONS-
TITUIÇÃO DA REPÚBLICA, DO PODER DE CON-
TROLE EXTERNO SOBRE A ATIVIDADE
POLICIAL – LIMITAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA
AO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO – HABEAS CORPUS INDEFERIDO. NAS
HIPÓTESES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA, O INQUÉ-
RITO POLICIAL, QUE CONSTITUI UM DOS DI-
VERSOS INSTRUMENTOS ESTATAIS DE
INVESTIGAÇÃO PENAL, TEM POR DESTINATÁRIO
PRECÍPUO O MINISTÉRIO PÚBLICO. – O inquérito
policial qualifica-se como procedimento administrativo, de
caráter pré-processual, ordinariamente vocacionado a subsi-
diar, nos casos de infrações perseguíveis mediante ação penal
de iniciativa pública, a atuação persecutória do Ministério
Público, que é o verdadeiro destinatário dos elementos que
compõem a informatio delicti. Precedentes. – A investigação
penal, quando realizada por organismos policiais, será sempre
dirigida por autoridade policial, a quem igualmente compe-
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mos de informação, fundados em base empírica idônea, que
o habilitem a deduzir, perante juízes e Tribunais, a acusação
penal. Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA CLÁU-
SULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A
ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA. – A cláusula de exclusi-
vidade inscrita no art. 144, § 1o, inciso IV, da Constituição da
República – que não inibe a atividade de investigação crimi-
nal do Ministério Público – tem por única finalidade confe-
rir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos policiais
que compõem o aparato repressivo da União Federal (polí-
cia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária fe-
deral), primazia investigatória na apuração dos crimes
previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em
tratados ou convenções internacionais. – Incumbe, à Polícia
Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada
a competência da União Federal e excetuada a apuração dos
crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilí-
citos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder
investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o
Ministério Público. – Função de polícia judiciária e função
de investigação penal: uma distinção conceitual relevante,
que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Pú-
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Rel. Min. ELLEN GRACIE – HC 91.661/PE, Rel. Min. ELLEN
GRACIE – HC 85.419/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC
89.837/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. CONTROLE JU-
RISDICIONAL DA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA
DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO: OPO-
NIBILIDADE, A ESTES, DO SISTEMA DE DIREITOS E
GARANTIAS INDIVIDUAIS, QUANDO EXERCIDO,
PELO PARQUET, O PODER DE INVESTIGAÇÃO PE-
NAL. – O Ministério Público, sem prejuízo da fiscalização
intra-orgânica e daquela desempenhada pelo Conselho Na-
cional do Ministério Público, está permanentemente sujeito
ao controle jurisdicional dos atos que pratique no âmbito
das investigações penais que promova ex propria auctoritate,
não podendo, dentre outras limitações de ordem jurídica,
desrespeitar o direito do investigado ao silêncio (nemo tenetur
se detegere), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem
constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe
recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedi-
mento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à
reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-
se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas
restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas pro-
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ao Ministério Público, tais como promoção privativa da ação penal
pública, requisição de diligências investigatórias e controle externo
da atividade policial, voltadas à defesa da ordem jurídica, do re-
gime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponí-
veis. Dessa maneira, os meios necessários para realizar essas
atribuições são garantidos implicitamente pela Constituição, como
é o caso da investigação criminal direta. Não faz sentido que justa-
mente o órgão constitucionalmente encarregado de ajuizar a ação
penal de iniciativa pública se veja proibido de ele próprio colher
provas para formar sua convicção – prerrogativa que qualquer pes-
soa e qualquer órgão público possui, para as ações em que detenha
legitimidade ativa, desde que o faça obedecendo à lei. Veja-se, a
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Público, o reconhecimento de competências genéricas im-
plícitas que possibilitem o exercício de sua missão constitu-
cional, apenas sujeitas a proibições e limites estruturais da
Constituição Federal.
Entre essas competências implícitas, parece-nos que não po-
deria ser afastado o poder investigatório criminal dos pro-
motores e procuradores, para que, em casos que entenderem
necessário, produzam as provas necessárias para combater,
principalmente, a criminalidade organizada e a corrupção,
não nos parecendo razoável o engessamento do órgão titular
da ação penal, que, contrariamente ao histórico da institui-
ção, teria cerceado seus poderes implícitos essenciais para o
exercício de suas funções constitucionais expressas.
Não reconhecer ao Ministério Público seus poderes investi-
gatórios criminais implícitos corresponde a diminuir a efeti-
vidade de sua atuação em defesa dos direitos fundamentais
de todos os cidadãos, cuja atuação autônoma, conforme já
reconheceu nosso Supremo Tribunal Federal, configura a
confiança de respeito aos direitos, individuais e coletivos, e a
certeza de submissão dos poderes à lei.
[...]
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pública, de exercer poder requisitório e de controle externo da
atividade policial. Apurar infrações penais é inerente ao exercício
dessas funções constitucionais.
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que se vale a Constituição, como sendo “todas as funções referen-
tes ao apoio material e humano necessário para a prática de deter -
minados atos ou para o cumprimento de decisões judiciais”.33
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dade, empírica e logicamente controlável, de suas motivações 36 –
tudo isso, claro, no seio de processo dominado pelo princípio acu-
satório e com plena garantia dos direitos individuais.
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Uma investigação, qualquer que seja ela, tem por escopo
o esclarecimento de fatos. Os fatos apurados podem ou
não caracterizar um ilícito penal – ou civil, ou adminis-
trativo, ou tributário, ou político etc. –, precisamente
porque, ontologicamente, não há distinção entre as di-
versas espécies de ilícito. [...]37
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mentais e considerando que o sigilo das comunicações tele-
fônicas deve ser entendido como a regra, é indubitável que a
autorização para a interceptação telefônica depende de fun-
damentação, nos termos do art. 93, IX. CF, por meio da qual
se justifique a necessidade – ou indispensabilidade – de sua
realização, visto que não é qualquer investigação que pode
acarretar a limitação de direitos fundamentais, invadindo a
privacidade de cidadãos, bem como se indique quais os mei-
os deverão ser empregados no cumprimento da diligência,
em atenção à inutilidade de provas obtidas ilicitamente. As-
sim, uma fundamentação adequada pressupõe que o juiz,
quando da apreciação do pedido de interceptação no caso
concreto, deve observar se a escuta/interceptação é o meio
adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado –
a produção da prova criminal –, sem esquecer, contudo que
esse meio será adequado apenas quando a sua utilização for
imprescindível para que se alcance o resultado desejado e
será necessário somente quando não houver outro meio para
a realização da prova, igualmente eficaz, porém que não li-
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de desobediência. A aplicação da norma poderia acarretar afasta-
mento da garantia de reserva de jurisdição para quebra de sigilo de
comunicações telefônicas.
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contrário, estabeleceu, no art. 144, § 6º, cláusula expressa de su-
bordinação, com as polícias militares e corpos de bombeiros mili-
tares, aos governadores de Estado.
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É um erro fazer da gestão policial, que tem seus próprios in-
teresses e problemas, a materialidade da governança de polí-
cia. Primeiro, porque isso apenas cria mais um espaço em
que se pode alargar a autonomia policial, que é o que ocorre
quando se concede que é a própria polícia que define as me-
tas a serem cumpridas, ou estabelece a forma pela qual estas
metas seriam avaliadas, ou define os termos da política pública
que deveria governá-la. Segundo, porque isso é de fato uma
renúncia à existência de uma governança de polícia cuja pri-
meira lealdade, cuja razão de ser, é permitir ao governo go-
vernar a polícia e controlar sua autonomia, aferir sua adesão
à democracia em termos de finalidades, meios e modos. Isso
permite desdobrar, de maneira qualificada, o elemento dife-
rencial que explica porque a governança de polícia não se
confunde, ao contrário, contém e subordina a governança poli-
cial.
O propósito da governança de polícia é governar a polícia
assegurando sua aderência à democracia como anterioridade,
39 BATTIBUGLI, Thaís. A difícil adaptação da polícia paulista ao estado de
direito (pós-1946 e pós-1985). Dilemas. Revista de Estudos de Conflito e
Controle Social, v. 1, p. 39-62, 2009. p. 53-4.
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tado que a cláusula de subordinação inscrita no art. 144, § 6º, da
Constituição da República denota vinculação de índole adminis-
trativa, funcional e financeira da polícia civil ao governador de
Estado, uma vez que o organismo policial integra a administração
direta estadual, por intermédio da secretaria correspondente 41
(ordinariamente a secretaria de segurança pública, de defesa social
ou equivalente).
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do Poder Executivo (CR, art. 61, § 1º, II, e),42 que recebe essa au-
toridade não de sua própria pessoa ou de suas próprias virtudes,
mas do povo, por meio de eleições legítimas. Limitar a atuação
do Executivo, no que se refere à remoção de delegado de polícia,
importa em conferir autonomia administrativa a delegados de
polícia incompatível com a cláusula específica de subordinação
inscrita no art. 144, § 6º, da Constituição da República.
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[...].
1. Ordenamento constitucional. Organização administrativa.
As polícias civis integram a estrutura institucional do Poder
Executivo, encontrando-se em posição de dependência ad-
ministrativa, funcional e financeira em relação ao Governa-
dor do Estado (artigo 144, § 6o, CF).
2. Orçamento anual. Competência privativa. Por força de vin-
culação administrativo-constitucional, a competência para pro-
por orçamento anual é privativa do Chefe do Poder Executivo.
[...].43
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relação, ou, ao contrário, quando os mobilizam como instru-
mento de perseguição de desafetos de qualquer ordem.
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cia que não possui nem deve possuir, no contexto da investigação
criminal e do processo penal. Um inquérito pode transcorrer todo
o tempo necessário a apurar a infração e não ter indiciamento ou
tê-lo apenas ao final, como é frequente. Indiciamento é simples re-
gistro administrativo da opinião do delegado de polícia, mas não
tem reflexos em futura ação penal, pois não vincula o Ministério
Público nem o juiz. Alguém indiciado pela polícia pode não ser
denunciado pelo Ministério Público, assim como alguém não in-
diciado pode ser acusado.
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para qualquer cidadão investigado e para dar ares de decisão judi-
cialiforme a análise de delegado de polícia, desviando-o de sua
função de investigador de crimes, sem com isso gerar benefício al-
gum para a investigação, muito menos para o processo criminal.
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dor e ao administrador, devem ambos sopesar as desvantagens dos
meios empregados em face dos benefícios a serem alcançados ao
fim, observadas adequação e necessidade da medida a aplicar na
extensão e no alcance estritamente necessários (a “justa medida”) a
atender relevante interesse público.47 A restrição de direitos deve
ser apropriada para atingir o fim almejado, e o meio deve ser indis-
pensável para isso.
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e parecem destinados exclusivamente a fortalecer interesses corpo-
rativos de delegados de polícia.
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Conforme bem apontou a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS
48 “Art. 144. [...] § 4o. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polí-
cia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.”
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seria contestado após a denúncia e caso recebida pelo juiz.
A judicialização prematura da investigação alterará de forma
negativa a eficácia da persecução penal. Ora, interposto o
habeas corpus contra o indiciamento, o juiz, à vista das infor -
mações prestadas, decidirá pela denegação ou concessão da
ordem. Se denegar, por reconhecer a regularidade do indici-
amento, estará antecipando e até subtraindo a opinio delicti do
Ministério Público; se, porém, a ordem for concedida, para
anular o indiciamento, ficará inviabilizado, na prática, o ofe-
recimento da denúncia, sem que o Ministério Público tenha
podido sequer avaliar as circunstâncias do caso.49
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III.6 ART. 3O
DA LEI: AFRONTA AO ART. 61, § 1 , II, C, DA CONSTITUIÇÃO
O
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RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PEDIDO DE IN-
TERVENÇÃO COMO ASSISTENTE SIMPLES. Ação
Direita de Inconstitucionalidade em que se discute a valida-
de dos arts. 161, IV, f e 199, §§ 1o e 2o da Constituição do
Estado de Minas Gerais, com a redação dada pela Emenda
Constitucional Estadual 47/2000. Alegada violação dos arts.
61, § 1o, II, b, 165, III, 167, IV e 212 da Constituição. Viola a
reserva de iniciativa do Chefe do Executivo para propor lei
orçamentária a norma que disponha, diretamente, sobre a
vinculação ou a destinação específica de receitas orçamentá-
rias (art. 165, III, da Constituição). A reserva de lei de inicia-
tiva do Chefe do Executivo, prevista no art. 61, § 1o, II, b, da
Constituição somente se aplica aos Territórios federais. Ine-
xistência de violação material, em relação aos arts. 167, IV e
212 da Constituição, na medida em que não há indicação de
que o valor destinado (2% sobre a receita orçamentária cor -
rente ordinária) excede o limite da receita resultante de im-
postos do Estado (25% no mínimo) Ação Direta de Inconsti-
tucionalidade julgada procedente.50
50 STF. Plenário. ADI 2.447/MG. Rel.: Min. JOAQUIM BARBOSA. 4/3/2009, un.
DJe 228, 3 dez. 2009.
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regime jurídico da carreira de delegado de polícia, porquanto de-
fine tratamento protocolar a ser dispensado a delegados de polícia
e fixa requisito de bacharelado em Direito para ocupação desse
cargo. Reveja-se o dispositivo:
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ART. 54,VI DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PI-
AUÍ. VEDAÇÃO DA FIXAÇÃO DE LIMITE MÁXIMO
DE IDADE PARA PRESTAÇÃO DE CONCURSO PÚ-
BLICO. OFENSA AOS ARTIGOS 37, I E 61, § 1o, II, c E f,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Dentre as regras básicas
do processo legislativo federal, de observância compulsória
pelos Estados, por sua implicação com o princípio funda-
mental da separação e independência dos Poderes, encon-
tram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1o, II da CF,
que determinam a iniciativa reservada do Chefe do Poder
Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regi-
me jurídico e o provimento de cargos dos servidores públi-
cos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, D.J. 26.02.99, ADI 2.115, rel. Min.
ILMAR GALVÃO e ADI 700, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA. Esta
Corte fixou o entendimento de que a norma prevista em
51 STF. Plenário. Medida cautelar na ADI 1381/AL. Rel.: Min. CELSO DE
MELLO. 7/12/1995, un. DJ 6 jun. 2003.
52 Confiram-se os seguintes julgados: STF. Plenário. ADI 3.564/PR. Rel.:
Min. LUIZ FUX, 13/8/2014, un. DJe 174, 8 set. 2014; STF. Plenário. ADI
3.167/SP. Rel.: Min. EROS GRAU. 18/6/2007, un. DJ 6 set. 2007.; STF. Ple-
nário. ADI 2.856/ES. Rel.: Min. Gilmar Mendes. 10/2/2011, un. DJe 28
fev. 2011.
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III.7 COMPATIBILIDADE COM O PRINCÍPIO DA ISONOMIA
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9. Em outras palavras, para cumprir o seu mister constitucio-
nal de apurar infrações criminais, o delegado de polícia de
carreira tem de presidir o inquérito policial, modalidade de
investigação que tem seu regime jurídico traçado a partir da
própria Constituição Federal, mecanismo que é das ativida-
des genuinamente estatais de “segurança pública”. Segurança,
que voltada para a preservação dos superiores bens jurídicos
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patri-
mônio, é constitutiva de explícito “dever do Estado, direito e
responsabilidade, de todos” (art. 144, cabeça, da CF).
10. É o quanto me basta para julgar procedente o pedido
desta ação direta e declarar a inconstitucionalidade da ex-
pressão “podem ser exercidas por policial civil ou militar e corres-
pondem, exclusivamente, ao desempenho das atividades de direção e
chefia das Delegacias do interior do Estado” [...].54
54 STF. Plenário. ADI 3.441/RN. Rel.: Min. CARLOS BRITTO. 5/10/2006, un.
DJ 9 mar. 2007.
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IV OBSERVAÇÕES FINAIS
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jurisdição prevista no art. 5o, XII, da Constituição da República.
V CONCLUSÃO
RJMB/WS/CCC-Par.PGR/WS/1.929/2015
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