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COORDENADOR
ISBN 85-7359-141-2
00-3297 COD-320.51
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EDITORA
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IÃO PAULO
ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO SENAC NO ESTADO DE SÃO PAULO.
Presidente do Conselho Regional: Abram Szajman
Diretor do Departamellto Regional: Luiz Francisco de Assis Salgado
Superintendente de Operações-. Darcio Sayad Maia
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Nota do editor, 7
Prefácio, 1 1
I. O capitalismo na encruzilhada, 13
II. Ainda a crise do capitalismo, 17
III. Novo capitalismo selvagem, 21
IV. Ética e capitalismo, 25
V. País do faz-de-conta, 29
VI. País da jogatina, 3 3
VII. Estado de Direito fajuto, 37
VIII. Crise da cidadania, 41
IX. Oposição arcaica, 45
X. Refúgios da Esquerda, 49
XI. Estrutura, programação e democracia, 53
XII. Os fins do Estado, 57
XIII. Estado e globalização, 61
XIV. Indivíduo, sociedade e Estado, 65
- 6 -
XXI. A justiça administrativa e tributária, 109 ·
- 6 -
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- 11 -
uma das razões de sua crise permanente, reflexo da falta de
agremiações poli ticas distintas umas das outras em razão de
idéias e programas .
Não se pode dizer que essa seja a causa da crise geral,
porque, em verdade, é a conseqüência de nosso atraso poli tico,
resultante da insuficiência ou primarismo de nossa formação
cultural.
Dir-se-á que , em alguns casos , não se poderia falar
em "omissão do Estado". O que está ocorrendo, na verdade,
são providências insuficientes , podendo-se afirmar que, pelo
menos em parte, elas resultaram de críticas como a que faço
na presente obra.
Feita essa ress alva , e s p ero, com esta oferta d e
perspectivas diversas, estar contribuindo para esclarecer as
razões sociopolíticas, mesmo porque ouso apresentar algumas
soluções que me parecem indispensáveis à nossa reforma do
Estado.
O Autor
- 12 -
O c apit al i s m o
n a e n c r uzilh a d a
-13-
como ideal e perene aspiração de, por todos os meios , ir-se
alcançando maior igualdade entre os homens sem ser
necessário para tanto subverter as estruturas capitalistas,
sendo preservados , concomitantemente, os valores da
liberdade e da democracia.
O que se dá é uma mudança de enfoque ou de
paradigma, passando-se a ter como p6lo referencial, ou como
fulcro do processo de desenvolvimento , não o Estado -
- 14 -
caminhos, socialismo e liberalismo tendem a se compor, neste
fim de milênio, para encontrar uma solução social-liberal,
resultado de recíprocas influências .
Isto posto , não creio que a grave crise do atual
capi talismo , com alarmante desemprego e desigualdades cada
vez mais revoltantes entre nações privilegiadas e nações do
Segundo ou do Terceiro Mundo - sem se olvidarem os
desastres ecológicos que a tecnologia pode acarretar quando
entregue ao livre j ogo dos interesses privados -, poderá ser
resolvida tão- somente através de medidas de natureza
econômica e financeira, máxime em um mundo globalizado
no qual imensas forças capitalistas não obedecem i:;enão ao
imperativo de seu próprio interesse, à margem de qualquer
válida e eficaz interferência por parte dos Estados chamados
soberanos.
Estou convencido de que a superação da crise capitalista
depende tanto de providências econômicas quanto de deter
minações éticas e polí ticas, a fim de que não se assista ao
drama de um mundo no qual cada novo progresso tecnológico
importa em redução nos postos de trabalho, como fria e
inexorável conseqüência da redução do número das máquinas
indispensáveis à produção. É possível que tais desequilíbrios
.p ossam vir a ser superados graças apenas às leis competitivas
do mercado, mas as necessidades vitais dos trabalhadores e
de suas famílias não podem aguardar indefinidamente os
reaj us tes e s p o ntâneo s pregados pelos mentores do
neoliberalismo. A bem ver, o que está em jogo não é apenas
o bem-estar de milhares e milhares de pessoas, expulsas dos
quadros produtivos , mas é o próprio destino da economia
capitalista, exigindo sua revisão.
Era de se esperar, em suma, que o aumento da produti
vidade mecânica gerasse, não o desemprego , mas a redução
das horas de trabalho, com acréscimo das horas de lazer; no
entanto , posta a questão em termos puramente monetários,
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acontece o contrário. Resta ver se pode subsistir para todo o
sempre uma ordem econômica baseada apenas em cálculos
hedoní sticos , feita a abstração dos valores comunitários.
Pois bem, o que acontece no plano das relações
individuais repete-se, em mais trágica escala, nas relações
internacionais, com países cada vez mais ricos e paí ses cada
vez mais pobres, aqueles lançando mão de todos os recursos
para reduzir os preços das mercadorias exportadas pelos
subdesenvolvidos.
Em suma , não me parece razoável que, ao mais leve
indí cio de queda nos valores do mercado , a solução imediata
e inexorável seja a despedida dos empregados , ou as medidas
de proteção alfandegária , como se a saúde do capitalismo
global pudesse suportar por longo tempo tais desequilíbrios ,
a pretexto de que , mais cedo ou mais tarde , a mão oculta da
livre concorrência colocará tudo no seu devido lugar.
171411999
- 16 -
Aind a à' cri s e
d o c apit a l i s m o
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Weber, o racionalismo tem s ido uma das características
inerentes ao capitalismo, o que explica a sua sobrevivência,
apresentando fases que frontalmente se contradizem, desde
o capitalismo selvagem analisado por Marx e Engels até os
diversos sis temas engendrados para assegurar sintonia entre
a política liberal, que lhe corresponde, e a relação trabalho-
capital, fulcro básico do sis tema capitalista.
O ra, s e os processos eletrônicos vêm, di a a dia,
subvertendo a relação trabalho-capital, atingindo profundamente
aquele, devido ao gigantesco desemprego que provocam na
grande maioria das nações, cumpre reconhecer que está em
causa o cerne do capitalismo, impondo-se o seu ajuste às novas
exigências tecnol6gicas . Esse é o grande desafio da civilização
cibernética, envolvendo tanto problemas econômicos como
técnicos e políticos, fazendo incidir o paradi9ma social sobre o
liberalismo, convertendo-o em social-liberalismo. O acréscimo
da palavra "social" a liberalismo não representa mera figura
ret6rica, pois decorre de fatos inegáveis, como, por exemplo, a
socialização acionária do capitalismo norte-americano, com
grande. parte do povo participando do lucro das empres as.
Não obstante esses aspectos positivos , não há como
fechar os olhos ante o alarmante desemprego, que, por
envolver inadiáveis exigências vitais , exige providências
imediatas , dependentes de atenção de juristas, políticos,
economis tas e técnicos no que s e refere às relações de
trabalho, à ampliação do seguro-desemprego, ou a adequados
financiamentos de caráter emergencial. É inadmissível, em
s uma, que a cada conquista tecnol6gica correspondam
milhares de trabalhadores a menos .
Entra pelos olhos a natureza ética de tal questão, mas
não s omente ética, porquanto, consoante já dito, a relação
trabalho-capital é o eixo de gravitação do capitalismo, de tal
modo que, rompida essa relação, é o pr6prio capitalis mo que
fica comprometido.
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Dir-s e-á que , posta a questão nesses termos , melhor
·s eria pen sar em uma sociedade não capitalista , mas esse
ra cio cí nio simplista implica o esquecimento de que a
socialização dos meios de produção é incompatível com a
d emocracia, abrindo campo ao totalitarismo , como o
demonstrou a Rússia soviética.
Imp õ e - s e , p o i s , a r e vi s ã o d o capitali s m o em
consonância com os ideais de liberdade e de democracia,
estando demonstrado que não· há democracia sem livre
empresa, nem esta sem global acesso às fontes de trabalho.
Ademais , cabe ponderar que as medidas a serem
tomadas devem ter caráter universal, visto que a globalidade
é um fato inconteste, não bastando providências isoladas deste
ou daquele Estado , por mais poderoso que seja, mesmo
porque há também um fenômeno marginal mas apavorante,
que é o dos capitais flutuantes de natureza puramente
especulativa, aos quais os meios de comunicação eletrônica
conferem um poder transnacional nunca antes imaginado.
Por outro lado, quando se fala em universalidade, não
se está olvidando , evidentemente, o que nela está implí cito ,
isto é , o valor do particular, no caso o da alta compreensão
que deve existir entre as empresas e seus empregados, como
. se deu no AB CD, onde empresários e trabalhadores se
compuseram mediante acordo apto a evitar novas despedidas,
contando com a colaboração do ilustre governador do Estado
que anuiu em reduzir a incidência tributária . Com isso
comprovaram-se dois fatos fundamentais: primeiro , que não
é fatal, como pregava Marx , o conflito entre o trabalho e o
capital; e, em segundo lugar, que a diminuição dos impostos
não importa em diminuição da arrecadação fiscal.
Outra conclusão que emerge do até aqui exposto
refere - s e à sob erania d o s Estad o s , cuj o fim muitos
apressadamente proclamam , quando , na realidade , é ela
indispensável não somente para estabelecer uma linha de
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eqüidade entre os direitos da livre-empresa e os direitos do
consumidor, lato sensu, mas também para serem preservados
os valores culturais peculiares a cada povo , a começar pelos
de seu idioma.
É, por conseguinte, em um quadro do mais amplo
espectro que deve ser situada a crise do capitalismo, não
para salvar interesses das classes dominantes , como pensaria
um leitor malicioso, mas sim para alcançar uma ordem social
e econômica, na qual se restabeleça, em sua justa concret:µde,
a relação trabalho-capital.
A mera obediência às leis do mercado, com total
confiança na livre concorrência , não lograria superar a crise
atual do sistema capitalista, sendo imprescindíveis medidas
que transcendem o mundo econômico e envolvem todos os
valores da civilização , com base em um sentimento de
universal solidariedade , infenso , por exemplo , ao prote
cionismo alfandegário que oprime os paí ses em desen
volvimento.
}11 / S/ 1999
- 20 -.
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- 21 -
correlação mais eqüitativa entre as forças do capital e as do
trabalho.
Foi a partir desse ajuste de interesses , sempre suj eito
a novas correções para se obter maior justiça e bem-estar
social, que o capitalismo industrial, com o advento da energia
elétrica, se desenvolveu poderosamente , alterando a face da
Terra, tendo como fundamento a harmonia progressiva entre
capital e trabalho, sendo apontada como momento decisivo
desse processo histórico a visão de Henry Ford , segundo a
qual a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e da
s o ciedade em geral seria a alavanca do progresso do
capitalismo. Não sem razão, Gramsci reconheceu o valor
positivo do fordismo , situando a problemática socialista em
novos termos, em função do desenvolvimento cultural, mais
do que em razão do materialismo histórico pregado por
Marx .
O certo é que o capitalism_o industrial, como forma
decisiva do capitalismo moderno , acabou prevalecendo sobre
a pregação do pseudo-socialismo científico que se pode considerar
definitivamente superado após o espetacular soçobro da
economia soviética.
Relembrados esses fatos, cabe reconhecer que o êxito
capitalista se deve a três fatores conjugados : a) o binômiQ
trabalho-capital, um condicionando o outro ; b) o desen
volvimento tecnológico acorde com a equação trabalho
capital; c) o princípio da livre-empresa em uma economia
baseada na li vre concorrência. .
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des emprego que assusta o mundo , com o crescente risco de
.um a economia ieformal caracterizada pela falta de garantia de
formas de trabalho regular e contínuo, cujo acesso esteja
assegurado a todo s .
Concluí o s mencionados artigos afirmando que não
creio que a mera confiança nas leis do mercado - que
continuam a merecer absoluta fé dos . neoliberais, supostos
arautos do neocapitalismo - poderá restituir em tempo hábil,
ou seja, em tempo compatível .com as necessidades vitais
que o desemprego deixa de atender, a justa correlação que
deve existir entre o poder-dever dos empresários e o dos
trabalhadores, parecendo-me necessária uma série de medidas
conjuntas de emer9ência por parte dos Estados e dos pr6prios
empresários visando superar a crise econômico-financeira
que , hoje em dia, se põe em sentido global , negando fontes
de vida a milhões e milhões de pessoas. Creio que nem
mesmo os Estados Unidos da América poderão, por longo
tempo, ficar alheios à 9lobalidade da crise, a qual está exigindo
prontas soluções emergenciais, a fim de que não se recaia em
inesperadasformas de capitalismo selva9em, caracterizado pela
fratura da relação capital-trabalho . Não vej o, em verdade,
que diferença existiria entre o antigo capitalismo selvagem ,
baseado em iní quas quinze horas de trabalho, e o atual que
· fecha as portas ao trabalho, porque o progresso tecnol6gico
permite que çom menos gente se possa alcançar maiores
resultados produtivos .
É inútil anunciar que , com decorrer d o tempo , a
o
- 23 -
seria loucura pensar em Estados empresários, capazes de
restabelecer o apontado equilíbrio rompido, uma vez que já
vivemos duramente a experiência do totalitarismo soviético,
com privação da liberdade em uma comunidade de miséria,
destituído o homem de sua dignidade pessoal.
Ademais, além de medidas de emergência para garantir
aos trabalhadores de todas as categorias sociais o indispensável
a uma vida condigna, é imprescindível que os Estados, sem
exceção, cuidem também de estancar os males causados por
outra forma de capitalismo selva9em representada pelos que se
valem dos gigantescos meios eletrônicos atuais a fim de
movimentar capitais puram ente espoliativos, tendo como fonte
de inspiração e objetivo exclusivo o lucro despido de qualquer
sentido ético e produtivo: trata-se, portanto, de aplicações do
capital totalmente à margem do binômio capital-trabalho e,
como tal, incompatível até mesmo com os valores que têm
inspirado o capitalismo ao longo de sua história.
291511999
- 24 -
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Ét i c a e c apitál ism o
-· 25 -
resultados imediatamente compensadores, sobretudo tirando
partido e proveito do progresso tecnológico , enquanto
decrescem , quando não se anulam , temerosamente , as
oportunidades de trabalho.
O que mais me preocupa, na etapa atual do capitalismo,
é, em verdade, o crescente desemprego que leva alguns Estados
a recorrer a aumentos descomunais de seg uro-desemprego,
desviando , para tal fim ,· disponibilidades monetárias que seriam
necessariamente exigíveis no setor da educação e da saúde. Não
compreendo como não se perceba que, dia a dia, aumenta o
risco de atingir-se a própria galinha produtora de ovos de ouro.
Quando se fala tanto na crise da Previdência Social , e
se dá crescente atenção a modelos cada vez mais capazes de
reconquistar o equilíbrio entre a receita e a despesa, eu me
pergunto se não está sendo esquecida , na apreciação da
matéria, o passivo que os Estados são obrigados a suportar
de maneira assustadoramente crescente em razão das despesas
extraordinárias que , direta ou indiretamente , pesam sobre
os órgãos previdenciários .
Por outro lado , é verdade manifesta que, por mais
que as entidades públicas acresçam seus seguros-desemprego ,
quem não .trabalha não tem meios e modos para sair de uma
vida rotineira para adquirir os novos produtos que emergem
dos mais avançados processos tecnológicos, o que demonstra,
a olhos vistos, que a falta de acesso a postos de trabalho não
constitui um problema que se possa desprezar a pretexto de
as despedidas resultarem das leis do mercado. Verificamos ,
ao contrário, que, a bem ver, estamos em face de uma questão
tão econômica quanto ética, sendo inútil pensar que a omissão
ética do capitalismo terá sempre o suporte do Estado como
sua passiva caixa de compensação de resultados negativos: é
o trabalho , como tal , que é nulificado , romp endo - s e
perigosamente a sua equação com o capital, razão d e ser de
uma eco;nomia capitalista saudável e atuante .
- 26 -
Por tais motivos, não me parece justificável, digo -o
mais uma vez , que a primeira e natural tentação de máxima
pro dutivid ade, graças às conquistas tecnol6gicas , sej a logo
acompanh ada não da idéia de "aporte" de novos capitais por
par te do i nvestidor, mas de dispensa do maior número
po ssí vel de trabalhadores. Há, em suma, um temeroso circulo
· vicios o nesse processo tecnol6gico seguido de desemprego,
0 qual , por sua vez, redunda em quebra inevitável no número
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O curioso é que fatos dessa natureza ocorram na única
nação do mundo sem desemprego e com crescentes índices
de produtividade, demonstrando que não passavam de meras
palavras vãs o pedido do presidente Clinton para serem
reduzidas e até mesmo perdoadas as dívidas dos ppvos mais
pobres, a fim de não ficar comprometido o equilíbrio da
economia globalizada e não apenas por espírito assistencial,
alheio às tendências que vigoram no mundo dos neg6cios.
Longe de mim a tola prevenção contra a idéia de lucro,
a qual tanto prejudicou as nações de formação cat6lica -
como o demonstrou Max Weber -, mas o que critico é o
açodamento em se estancar as fontes de trabalho, cuja
conseqüência, em um bumerangue assustador, acaba
atingindo, mais dia menos dia, as pr6prias fontes da produção
capitalista, máxime se se tem presente que os processos
eletrônicospermitem que um bem econômico possa ser feito,
por partes, em diversos países, fragmentando, a um s6 tempo,
as forças do trabalho e da respectiva representação sindical,
fato este merecedor de especial atenção pelos que postulam
uma democracia social.
241711999
- 28 -
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País d o faz�d'e-o o nt a
- 29 -
Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Jamais se poderá
perdoar a incúria dos parlamentares que, em 1993, movidos
apenas por seus pequeninos interesses eleitorais, perderam a
oportunidade excepcional que tiveram para a correção de
erros já então manifestos. O resultado é que até agora o
processo revisiona! nem sequer atingiu o meio do caminho!
A meu ver, após a reforma de natureza econômica,
inegavelmente a mais urgente porque se contrapunham
odiosos monopólios a prometidas diretriz es liberais,
bloqueando a produção e a circulação das riquezas, a que
devia ter sido logo empreendida era a de caráter político, ou
seja, a relativa ao sistema de poder. Também nesse ponto, o
legislador constituinte reconheceu a debilidade de suas
resoluções, pois estabeleceu a obrigatoriedade de um
plebiscito para saber-se se o eleitorado queria o regime
parlamentar ou o presidencialista. Fez-se a consulta ao povo,
e o presidencialismo foi preferido por larga margem de votos,
mas tudo continuou na mesma; ou seja, em um sistema de
governo que o mais imaginoso dos juristas não logra definir,
porque, na realidade, é um conjunto amorfo de regras de
um e de outro sistema. A rigor, fazemos de conta que o
nosso regime é presidencialista, com um chefe de nação que
tem cara de primeiro-ministro, dependente dos interesses e
das opções do Congresso Nacional. Tudo acabou em uma
simulação de governo semipresidencial, ao qual �
imprescindível, sabe Deus. a que custo, a formação de uma
base de sustentação parlamentar...
O pior é que, sendo a. democracia atual, como ensina
Sartori, necessariamente uma partidocracia, não atendemos a
essa condição, pois nossas agremiações políticas não possuem
qualquer consistência doutrinária ou programática, não
passando de ajuntamentos de interesses pessoais, regionais
ou corporativos. Nesse Jaz-de-conta partidário, o resultado
inevitável foi a instauração de uma legislação baseada fun-
-30-
damentalmente em medidas provisórias despidas de provisoriedade,
0 que é bem a imagem de nossa democracia.
- 31 -
devidas providências. O que me impressiona deveras é o
alheamento dos 6rgãos públicos, responsá veis pela
salvaguarda da ordem democrática, tão solícitos na repulsa
às mínimas ofensas aos valores do meio ambiente, e, no
entanto, totalmente indiferentes às pregações manifestamente
antidemocrá ticas dos que pretendem instaurar seu
totalitarismo socialista na senda, iião de uma reforma, mas
de uma revolução agrária. E fazemos de conta que tudo está
em paz e em boa ordem.
A apontada vida de aparência democrática e de
aparente civilização repete-se em todos os quadrantes do país,
não escapando sequer os centros maiores de cultura, com
universidades públicas que comprovadamente são gratui
tamente freqüentadas por estudantes pertencentes às famílias
mais ricas, enquanto os desprovidos· de fortuna são obrigados
a se matricular em caríssimos estabelecimentos de ensino
privado. Nem se diga que sou contra a universidade pública,
pois meu passado prova o contrário. O que desejo é que,
garantido aos atuais alunos de universidades oficiais o
privilégio da gratuidade, à sombra do direito adquirido, elas.
passem a ser pagas, instaurando-se numerosas bolsas de
estudo, para atender aos que Cesarino Júnior denominava
"hipossuficientes" e que revelarem real vocação e capacidade.
São duras as verdades indispensáveis a pôr termo a
uma organização social e política marcada pela aparência e
pela simulação, como aquela que vegeta no Brasil.
41911999
- 32 -
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�nah.{,\� O'.!.
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País da Jogàt i n a
- 33 -
Antes que o presidente Eurico Gaspar Outra viesse
pudica e ilusoriamente fechar os cassinos - onde o carteado
e a roleta satisfaziam sobretudo aos anseios das classes
abonadas, mas sem exclusão do proletariado - era o jogo do
bicho o encanto do povo, a única oportunidade, não digo de
enriquecimento fácil, mas pelo menos de alcançar alguma
folga no "tran tran" de uma existência considerada mon6tona
e desprovida de agradáveis surpresas. O jogo do bicho,
reconheçamo-lo sinceramente, ê uma das grandes invenções
nacionais, tanto por sua organização como pela honestidade
no pagamento das apostas. Não sei se, transferido para as
mãos do Estado todo-poderoso, seriam atingidos os mesmos
resultados É bem possível que a burocracia venha a
. . .
- 34-
po vo, incitando os espectadores a dar incontinenti o
·telefonema da sorte antes que se escoe o tempo para acionar
0 computador. É uma pantomima revoltante, precedida de
-�R-
que oferece modelos exempl ares de viol ência, . como
haveremos de estranhar que os grandes e pequenos assaltos
se tenham convertido em episódios corriqueiros de nossa
vida comum? N ão se queira mal iciosamente atribuir o
aumento de furtos e assaltos ao crescente desemprego, uma
das deficiências do capitalismo neste sombrio fim de milênio.
Na sociedade não há fatos isolados ou monocórdicos,
visto como todos eles se entrelaçam, dando a fisionomia real
ou integral do povo. O jogo é um vício de mil faces, sendo o
ladrão, sabidamente, um herói às avessas, que se arrisca na
linha do malefí cio e do crime, ·agindo com tanto mais audácia
quanto menos generalizado é o apreço pelos valores éticos.
Donde se deve concluir que a jogatina colossal imperante
subverte, em suma, todos os valores. Para que disciplinar a
inteligência e a vontade, empenhando-se em duros trabalhos,
sacrifí cios e poupanças? Para que amealhar bens p ara
constituir o próprio patrim8nio, se, de repente, a fortuna
entra em casa através da imagem mágica do vídeo?
Sem que se perceba,. é todo um sentido de vida, toda a
mentalidade individual e social que está em jogo, arrastando
de roldão valores essenciais à nacionalidade e à cidadania, à
sombra indiferente dos guardiães da República. Já é tempo,
pois, de os responsáveis pelos valores morais da nação se
erguerem, em uníssono, contra a jogatina eletr8nica que se
instaurou no país, à sombra das concessões de serviço público,
tirando ilícito proveito .da comprometedora omissão do
Estado.
301511 998
- 36 -
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E st a d o d e D i r eit o faj ut o
- 37 -
referido, com ri sco de comprometer sua atuação. É que,
demonstrando pouco conheci mento da Carta Magna, os
senadores transformaram a CPI, de "órgão de investi gação",
como deveri a ser, em verdadei ro " tribunal popular " ,
lembrando tristes episódios da Revolução Francesa. Além
disso, ao invé s de agirem com a circunspecção própria dos
juízes, atuam com alarde, proferindo juízos manifestamente
precipitados. A situação se tornou tão irregular que, em lugar
de serem encaminhadas suas conclusões ao Ministério Público,
foi este que se apressou a abastecer a CPI de dados e
informações . . . Tudo de monstra, em suma, o comum
desconhecimento dos precei tos constitucionais, cujo resp�ito
sereno e imparcial é o primeiro pressuposto do Estado de
Direito.
Por outro lado, o Ministério Público, tão solícito em
apurar as menores ofensas aos valores do meio ambiente,
fecha os olhos à contínua vi olação do direito de propriedade
- que a Lei Maior manda expressamente respeitar no inciso
XXII do artigo 512 - perpetrada em todo o território nacional
pelo Movi mento dos Sem-Terra (MST ) , com invasões
crescentes de propriedades produtivas, como é notório. O s
lí deres do MST chegam a anunciar o local e o dia das invasões,
sem que haja a menor providência, por par te tanto do
Ministéri o Pi,íblico como dos órgãos policiais competentes
do Executivo. A garantia constitucional praticamente inexiste
devido à omissão ou à pusilanimidade de instituições que a
Carta de 1988 revestiu de tão altos poderes.
Esse olvido da lei causa, muitas vezes, não somente
lesões de cará ter i ndivi dual, mas prejuíz os i mensos à
população, tal como se dá no caso de greves em serviços
essenciais. Nesse sentido, seja-me permitido lembrar que,
no seio da C omissão de Estudos Consti tucionais, a chamada
"Comissão Arinos", encarregada de elaborar o anteprojeto
de Constitu�ção a ser apresentado à Assembléia N acional
- 38 -
Constituinte - o que depois não ocorreu devido à lamentável
o missão presidencial -, opus-m e à greve em serviços
essenciais por entender que é o povo mais humilde que
constitui a massa de manobra das reivindicaçõ es dos
trabalhadores, como se dá, por exemplo, na hipótese de greve
no serviço· de transporte urbano. Tendo sido rejeitado meu
ponto de vista, meus pares iludiram-se com a elaboração de
um preceito, depois reproduzido no artigo 92 da Carta de
19 8 8 , pelo qual "a lei definirá os s erviços ou atividades
essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades
inadiáveis da com\midade". Veio a lei e esta, entre outras
obrigações impostas aos grevistas, exige que a paralisação
de um serviço essencial só poderá ser parcial, de tal m odo
que dele não fiquem totalmente privados os usuários.
Pois bem, temos visto que essa lei é aber ta e
repeti damente burlada, sem qualquer reação por parte dos
órgãos administrativos, de tal modo que o povo fica à mercê
das mais revoltantes reivindicações trabalhistas, tardando a
Justiça do Trabalho a declarar o caráter abusivo da greve. . .
Como nem sequer são descontados os dias de paralisação
irregular, esses abusos ficam impunes.
O desrespeito à C onstituição não pára aí . Determinou
ela que, a 7 de setembro de 1993 , fosse realizado um plebiscito
a fim de que o eleitorado definisse qual o sistema de governo
preferido, o parlamentarismo ou o presidencialismo. Há quase
seis anos, ocorreu a consulta popular que foi gritantemente
favorável ao sistema presidencial, mas tudo continuou na
mesma, como sempre acontece, pela simples razão de que o
nosso ê um. Estado de Direito do faz-de-conta, de mera
aparência de legalidade.
As conseqüências desse descumprimento do mandamento
constitucional foram de extrema gravidade, porquanto, se o
Congresso Nacional tivesse obedecido ao pronunciamento do
eleitorado, teria tido a oportunidade de resolver uma das mais
- 39 -
aberrantes falhas da Carta de 1988 , a concernente ao re9ime de
poder, restituindo à medida provisória o efetivo e limitado alcance
que deve ter.
É sabido que foi à últi ma hora que a Assemblé ia
Naci onal Consti tui nt e trocou o parlamentari smo pelo
presi denci ali smo, não tendo tido · tempo de ajustar as
disposições constituci onais sobre o Poder Legislativo às
peculiaridades do regime presidencial. O resultado é que
temos um conglomerado incongruente de disposições sobre
a competência do presidente da República e do Congresso
· Nacional, notadamente no que se refere ao poder de legislar,
de tal modo que dessas normas confusas resultou o presiden
ci alismo imperial que nos governa. Em uma situação anômala
como essa, não é de se estranhar que a medida provis6ria,
prevista para atender a casos de excepcional urgência, tenha
se transformado em processo normal e essencial da legislação
do país, com um Congresso Nacional que somente sobressai
nos momentos de teatralidade das CPis . . .
14/S l i 999
- 40 -
C r i s e d a ci d a d a n i a
- 41 -
O primeiro conflito gira em torno da revisão do. Poder
Judiciário, e, em um primeiro momento, para discutir sobre
a conveniência ou não de se extinguir a Justiça do Trabalho.
Eis aí uma questão que, por sua pr6pria natureza, s6 pode
ser resolvida em razão de dois requisitos complementares:
imparcialidade e conhecimento especial do assunto.
Que a Justiça do Trabalho esteja exigindo modificações
de estrutura e de funções é algo que não pode ser contestado.
O que se não admite, porém, é que se queira que as duas
casas do Congresso Nacional desde logo coincidam quanto à
supressão daquela instituição ou em sua revisão parcial. Nada
mais adverso à missão legislativa do que as idéi as
preconcebidas, porquanto a "verdade da lei", não raro fruto
de uma composição, somente pode emergir do devido debate
das teses contrastantes. Antecipar soluções e pretender impô
las a priori não é atitude compatível co m o livre jo go
democrático, sobretudo em uma nação, cuja Constituição
proclama que nenhuma questão jurídica pode ser resolvida
sem prévio contraditório .
Como se vê, a primeira crise eclodiu em razão de
inexplicável inversão do processo legiferante, por se exigir
conclusão antes da discussão, o que demonstra quão frágil é
a nossa experiência democrática, preferindo-se atitudes de
mando numa época como a nossa que, no dizer dos fil6sofos,
se distingue por ser essencialmente comunicativa ou discursiva,
ou seja, do primado do diálogo sobre o monólogo.
Para que não se alegue que, como jurista, esteja sendo
omisso, declaro que não concordo co m a extinção da Justiça
do Trabalho, mas com a sua revisão glo bal, a principiar pela
eliminaç ão da representação classista em to das as suas
instâncias, até a supressão da norma constitucional que lhe
confere poder para proferir decisões com força de lei. Parece
me, por o utro lado , infeliz a idéia de transferir a competência
da Justiça doTrabalho para a Justiça comum, primeiro porque
- 42 -
há necessidade de crescente especialização jurisdicional, e,
ein segundo lugar, porque os nossos tribunais civis já estão
sobrecar regadíssimos de serviços e atribuições, não podendo
dar conta deles com a indispensável presteza.
Quanto à outra razão de conflito, à do Senado com a
Suprema Corte, a questão é mais delicada, por envolver
múltiplos problemas. O primeiro deles se refe re à má
compreensão do que sej a Comissão Parlamentar de Inquério
(CPI), afoitamente confundida por nossos deputados e senadores
com uma espécie deJustiça Le9islativa, um órgão jurisdicional
dotado de todos os poderes. Essa convicção foi ditada,
evidentemente, por propósitos de populari dade eleitoral, ou
então por vaidade parlamentar, sem ter havido o cuidado
preliminar de verificar e reconhecer que aquele órgão foi
instituído com a finalidade exclusiva defiscalizar os negócios
da República. A bem ver, a CPI é o nosso ór9ão supremo de
investi9ação, motivo pelo qual é ela armada de "poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais [ ] para
. • .
- 43 -
financeiro, se um dos minis tros da Suprema Corte, em
despacho liminar, entender que os senadores teriam extrapolado
e m s uas atribuições , baixando res oluções s e m prévia
j ustificação, ou sem se aterem à mera investigação, sendo,
assim, inconstitucionais. É claro que somente o plenário do
STF res olverá definitivamente o assunto.
Posta a questão nesses termos, não se explica a áspera
reação do presidente do Senado Federal , até o ponto de
vislumbrar na decisão havida um ato de revide do Poder
Judiciário em virtude de estar ele sendo investigado. Lembro
me bem de que, quando da instauração dessa CPI, o então
presidente do SupremoTribunal Federal se declarou favorável
a ela, considerando-a opor tuna à vista dos "fatos de ter
minados" invocados .
Donde se conclui que os dois lamentáveis conflitos
surgidos e ntre poderes s oberanos não s ão senão o resultado
de ignor�ncia da Constituição, por um lado, e , por outro, de
confusão entre autoridade e mandonismo, que gera crise
s ubstancial de cidadania, deplorável em um país que está às
voltas com as mais trágicas exclusões sociais que o denigrem
e m face do mundo.
261611 999
- 44 -
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Oposi ç ã o a r c a i c a
- 45 -
da responsabilidade direta da gestão da coisa pública, mas
não é dito que os membros da oposição - quer na direção
dos partidos, quer no exercí cio de funções públicas - possam
ser considerados irresponsáveis por suas decisões que tenham
impedido o Governo de realizar seus planos e programas.
Posta a questão nesses termos, de conformidade com
o que a ciência polí tica contemporânea a entende, chegamos
a uma nova visão dos direitos e deveres dos parlamentares
da oposição, estabelecendo as normas segundo as quais eles
devem atuar, a partir da Junção crítica que implicitamente
lhes conferiu o eleitorado. Por outras palavras, a oposição,
queira- se ou não, inte9ra o poder nacional, compartilhando da
responsabilidade pelos resultados positivos ou negativos
alcançados no paí s, na medida em que ela tenha falhado em
sua função crí tica, ao se ter oposto às medidas pleiteadas
pelo Governo como essenciais aos interesses da nação.
O que estou aqui procurando esclarecer está implícito
no entendimento comum de que os representantes da oposição
não devem necessariamente votar contra o Governo quando
estiverem em j ogo val ores, cuj a realização sej a de
importância fundamental para o paí s. O bj etivos meramente
partidários ou corporativos não podem, de manefra alguma,
se sobrepor ao bem comum, de tal modo que nada é mais
aberrante e arcaico do que a oposição sistemática e acrí tica,
ou sej a, a atitude adversa e negativista por princí pio.
I nfelizmente, no Brasil, os partidos da oposição
colocam-se perante o Governo como quem toma posição
perante uma trincheira inimiga, atirando sempre contra
FHC, qualquer que seja o mérito de suas proposições, sem
sequer se dar ao trabalho de indagar de sua necessidade para
o povo, nele incluí da a parte do eleitorado que tenha preferido
a legenda oposici onista.
Essa falta de compreensão de que a oposição também
integra o poder polí tico nacional explica o fato de um lí der
- 46 -
político, como Lula, ter podido proclamar que "a oposição
não tem o dever de fazer propostas", quando, na realidade,
na vida política, não tem o di reito de votar contra uma
proposta quem não esteja em condições de ofe recer
alternativa exeqüível àquela que condena e recusa. S6
Mefist6feles tem o poder de sempre dizer não, porque ele é
o espírito que nega. Nessa ordem de idéias, nossas agre
miações políticas poder-se-iam considerar mefistotélicas . . .
A atitude radical da oposição brasileira atinge posições
de um ridículo impagável, como se deu quando o Partido
dosTrabalhadores - que se considera e se proclama diferente,
por ser portador de idéias e programas - condenou pública
e duramente um deputado por ter tido a ousadia de
comparecer ao Paláci o do Planalto para tomar conhecimento
de um projeto presidencial!
Não menos ridícula é a censura e a proibição dos gover
nadores petistas de participar de reunião promovida pelo
presidente da República para estudo de reforma da Pre'vidência
Social, em pontos de interesse tanto para a nação quanto para
os estados.
Tais procedimentos traduzem uma visão seccionada
da democracia, como se o pluralismo político significasse
di,Visão de caráter absoluto e contraste intransponível quando,
ao contrário, importa em diálogo, troca de i déias e opiniões,
visto que, consoante foi exposto, a oposição integra o quadro
político do país, a cujos objetivos e necessidade cabe a todos
atender.
Ante os assinalados processos, onde e como falar-se
em eticidade política, uma vez que esta não se compreende
sem um mínimo de compreensão moral e de respeito à pessoa
do adversá ri o? Como pensar em liberdade de opinião ,
conseqüência direta e imediata do poder de iniciativa, conditio
sine qua non da formulação de um juízo crítico a respeito dos
problemas de governo?
- "'- " -
Não há dúvida, por conseguinte, que os mencionados
representantes do PT, a pretexto de disciplina partidária,
foram atingidos em seus valores ético-políticos, não somente
em sua dignidade pessoal mas também nas prerrogativas
inerentes às fun:çõe s por eles exercidas no quadro
democrático. No fundo, foi-lhes negada a liberdade de
pessoalmente se inteirarem das questões sobre as quais tinham
o dever de exercer função crítica, sem ser atendido o devido
processo legal admissível na regência de nossas agremiações
par tidá rias.
Por outro lado, cabe notar que esse estranho compor
tamento político já nos alerta sobre como seria um governo
direto e dominante do PT, com a nação inteira sujeita a regras
compulsórias de obediência, impostas em razão dos interesses
do partido, confundidos com os interesses gerais do país.
Que m não percebe que tal modo de agir, por sua própria
natureza, outra coisa não significa senão a instauração do
regime totalitário?
Não deve, porém, causar espanto que se tenha chegado
a esses extremos, se recordarmos que, segundo o
ensinamento dos líderes teóricos do PT, os prind pios deste se
distinguiriam dos prind pios da socialdemocracia ou da
democracia social por se pretender alcançar os ideais sociais
com obediência às leis, se possível, mas com recurso à luta
armada, se necessário. Sobre essa tese, consulte-se, data venia,
meu livro O Estado Democrático de Direito e o coriflito das
ideolo9ias, p. 4 e seguintes.
3011011999
- 48 -
l'.f-'f.pr·.u , · ..
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R e fú gi os dà E s qu e r d a
- 49 -
lado, a vit6ria irretorquível de dois valores do liberalismo -
o da livre iniciativa como fator primordial do desenvol
vimento, e a falência do Estado como empresário - e, de
outro, a necessidade de infundir "socialidade" nas artérias da
economia liberal. Ess as opções vinham, em última análise,
coincidir com a tese já levantada pelos defensores do social
liberalismo, segundo a qual não é possível deixar o destino do
homem e da sociedade entregues aos dados do mercado, isto é,
à livre e incontrolada competição dos interesses individuais,
tida ilus oriamente como fonte perene de bem- estar social.
Pois bem, se as forças mais responsáveis da Esquerda
souberam fazer sua necessária autocrítica, firmando novas bases
de ação política, o esquerdismo irresponsável preferiu optar
por soluções demag6gicas, graças à utilização tática de algumas
idéias em vigor, suscetíveis de exploração fácil e atraentes.
Essas idéias convertidas em fulcro das atividades políticas
e proclamadas como sendo as únicas representativas da cultura
e da dignidade humana, são, principalmente, a ecológica, ou da
defesa do meio ambiente; a do anti-racismo, ou da luta pela
igualdade étnica; e a da igualdade total dos sexos, visando sobretudo
ao reconhecimento dos direitos iguais dos gays.
É claro que ninguém há que não reconheça o que é
procedente em cada um desses movimentos , mas uma coisa
é reconhecer a legitimidade dos valores em que se baseiam,
e outra é pretender convertê-l os , demagogicamente, em
obj etivos únicos da vida individual e coletiva. Quando um
valor é exacerbado, até o ponto de tudo ser reduzido a seus
padmetros, está aberto campo para o extremismo ideo-
16gico, com perda do sens o de s ereno equilíbrio que nos deve
orientar para sabermos o que é ou não l ícito defender com
plena liberdade.
O certo é que o ideologi�mo dos três valores acima
discriminados , sempre com a malícia e a irresponsabilidade
pr6prias da "Esquerda festiva", j á está ameaçando, também
- 60 -
no Brasil, a causa da liberdade, sem a qual nenhum valor
subs is te, vis to tornar- s e impos sível a s ua natural ou
espontânea realização, em prejuízo da democracia, a qual
não s e compreende sem o convívio de idéias divergentes ou
contrárias .
F oi o que aconteceu, há poucos dias, em lamentável
epis6dio ocorrido na Pontifícia U niversidade Cat6lica (PUC)
do Rio de Janeiro, onde três estudantes foram covardemente
es pancados a pretexto de racismo , somente por terem
publicado um jornal com o título de Indivíduo, em reação
contra certas pregações coletivistas com que se procura
mascarar o renitente esquerdismo marxista.
O pior é que os dirigentes da PUC não titubearam
em apoiar os agressores, somente para parecerem libertos
de preconceitos conservadores ou arcaicos, ganhando os
aplausos dos mais fortes ou numeros os, que s e autopro
clamam senhores da verdade. Não é a primeira ve� que a
PUC do Rio de Janeiro é vítima do que costumo denominar
"complexo de Torquemada", isto é, da má consciência que
alguns cat6licos têm em raz ão de conhecidos ab usos
perpetrados, no passado, pela Igreja contra a liberdade de
pensamento; fatos esses que de resto devem ser objetivamente
apreciados em função dos valores culturais dominantes em
cada é poca hist6rica, ainda que insuscetíveis de plena
justificação.
É necessário, pois, que os homens de responsabilidade
tomem posição imediata contra certas atitudes de violento
inconformismo que estão surgindo no país, a pretexto de
novas reivindicações ideol6gicas, exigindo que s e contra
ponham idéias contra idéias, e não o uso da força bruta contra
convicções que nos pareçam insustentáveis. Sem tolerância,
em suma, não há democracia, porque ela é o res paldo
insubstituível da liberdade democrática.
41911999
- 51 -
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E st r u t u r a , p r o gr a m a ç ã o
e demo cracia
- 53 -
Executivo e o Judiciário , e de todos com a sociedade civil,
donde a imperativa necessidade de reformas imediatas , de
um nunca acabar de reformas. E triste constatar, com efeito,
que, nestes últimos onze anos de nossa vida democrática,
não temos feito outra coisa, no Congresso Nacional, senão
s u c e s sivas e nunca concluí das e a d equadas revi s õ e s
constitucionais. O pior é que, quando s e pensa nessas reformas,
temos quase sempre presente um problema de estruturas
abstratamente concebidas, sem se levar em conta o respectivo
conteúd o , com o qual s e c onfund e a s u a concreta
programação.
Nesse sentido, ao se reclamar, por exemplo , a revisão
do Poder Judiciário, pensa-se, em geral, na conveniência de
suprimir um ou mais órgãos judicantes (a Justiça do Trabalho
ou a Justiça Militar) sem cuidar da revisão da legislação como
tal, isto é , das lacunas e dos males que inquinam as normas
legais a serem aplicadas pelas entidades judiciárias .
Ora, pode ser que me engane, mas me parece que grande
parte dos males atribuídos à estrutura da Justiça, resulta do
sistema de normas legais vigentes, notadamente de natureza
processual, tanto civil como penal e trabaihista. Dir-se-á que
houve revisão recente no processo civil, mas não creio que
tenham sido estirpados os artifí cios ou os estratagemas
mediante os quais um solerte advogado logra sempre remeter
para as calendas gregas o desfecho de qualquer lide forense. É
que o propósito de assegurar a defesa de direitos - principio
em si mesmo salutar e elogiável - vem sempre acompanhado
de medidas extremadas que abrem campo a delongas e chicanas,
esquecendo-se de que justiça tardia é justiça nenhuma.
A mesma falta de correlação funcional entre estrutura
e programação se dá no que se refere ao "sistema de poder"
ou "sistema de governo", em que o irrealismo foi de tal ordem
que ninguém será capaz, com o texto constitucional à vista,
d e esclarecer q ual o regime que vigora no Brasil , s e o
- 54 -
presidencialista ou o parlamentarista, o que tudo redunda,
como penso ter comprovado em outro artigo, na formação
de uma praxe política à mar9em da Constituição, a cuja custa o
presidente da República vai se entendendo e desentendendo
com o Congresso Nacional, com alarmantes idas e vi ndas, e
não menos comprometedoras palavr�s de confiança ou de
desconfiança.
O certo é que a proclamação, feita por José Sarney,
de que a Carta de 1988 tornara o país ingovernável, constitui
um di agn6stico hoje em dia i nsuscetí vel de contradita,
tornando manisfesto que a nossa sina, não sei por quanto
tempo, é prosseguir no processo da reforma constitucional, não
obstante os obstáculos criados pela pr6 pria Constituição nos
seus devaneios ultrademocráticos. O ex-deputado federal
Vi ctor F acci oni pergunta-me se, ante o desastre do
presi denci ali smo, não seri a o caso de reconhecermos os
méri tos do parlamentari smo, mas como fazê-lo? Como
poderemos fazer de conta que não houve solene plebiscito,
ordenado pela mesma Lei Mai or e esmagadoramente
favorável ao regi me presidencialista? Como pensar em outro
plebiscito que anule o resultado do já cumpri do em data
pr6pria intangível?
A nossa sorti:) é que a consulta popular foi genérica,
de tal modo que nos resta ainda i ndagar, por meio de revisão
constitucional, qual a "forma de presidencialismo" mais erp
consonância com a realidade brasileira. Estou convencido de
que deveria ser um "presidencialismo parlamentarizado", que
seja capaz de compor em unidade funcional o Executivo e o
Legislativo. Eis aí um assunto para o qual deveriam volver
sua atenção os nossos consti tuci onali stas, a fi m de
encontrarmos uma solução que efetivamente sintonize as
estruturas do poder com a ordem de programas a ser por
el es, respecti va e complementarmente, realiz ada. O s
exemplos institucionais da França e de Portugal são ricos de
- 55 -
ensinamento , mas a nossa solução deve vir impregnada de
sentido da realidade brasileira.
Finalmente , vou dar um terceiro exemplo de faita de
correlação entre estrutura e programa em nosso país, já agora
no âmbito das pr6prias casas parlamentares , a Câmara dos
Deputados , o Senado Federal e o Congresso Nacional quando
atua unitariamente. Todos eles se regem por seus respectivos
re9imentos internos, os quais se esmeram em proteger os direitos
das minorias .
Nada m ais j usto do que s alvaguardar, em uma
democracia, os direitos das minorias parlamentares , mas ,
no Brasil, não há democracia que baste , olvidando-se que; no
regime democrático, é a vontade da maioria que deve prevalecer.
Pois bem , esquecidos desse imperativo de governo - sem o
qual nenhuma s o ciedade s e desenvolve e progride - ,
disposições regimentais h á que permitem que um deputado ,
único elemento de seu ínfimo partido, possa pedir destaques
para votação , e lançar mão de todas as artimanhas , a fim de
que o plenário não expresse logo sua vontade soberana.
Tendo a Carta de 1988 sempre ela - outorgado força
-
211011999
- 56 -
Os fi ns dó E st a d o
- 57 -
Para se entender melhor o que quero dizer, é preciso ter
presente que a realidade estatal não pode senão ser configurada
no contexto dos valores caracterizadores da civilização contem
porânea, na qual os processos de comunicação ou de informação
ganham crescente terreno como conseqüência das conquistas
tecnol6gicas que informam a cultura cibernética.
A prop6sito , cabe observar que há exagero quando se
fala em substituição da "era do capitalismo" pela "era da
informação", quando , na realidade, é o capitalismo que muda
de eixo dominante , passando de um capitalismo que aspira
apenas a um constante e crescente volume de bens ou riquezas
para outro em que a informática vem dar significado e forma
ao capital em razão de como é ele programado e posto em
ação , prevalecendo a iriformação sobre a mera posse de bens
materiais , os serviços sobre a produção . .
Em suma, estamos na época do conhecimento e da
técnica que predominam sobre a materialidade do capital ,
dando a este uma feição nova , na qual os valores da
inteligência adquirem virtualidades jamais pensadas .
É a essa luz que deve ser posto o estudo do papel da
soberania, acima de tudo como poder em função do intelecto,
sem mais se prestar atenção somente ao que poderí amos
denominar "a materialidade do poder".
É claro que sem recursos disponí veis , sem uma base
m aterial consubstanciada em instrumentos Útei s , seria
absurdo pensar em desenvolvimento do paí s , mas também é
verdade que , sem a base intelectual adequada e adequados
programas de ação, de nada valeria dispor de meios materiais.
Posta a questão nesses termos, poderemos afirmar que
o .Estado deve estar cada vez mais a serviço da inteligência,
como instrumento atuante em função da informação técnica
que nosso tempo exige de maneira inexorável . Essa mudança
de paradigma vem alterar substancialmente o sentido da
política indispensável à nação.
- 58 -
Nessa ordem de idéias , lembro-me, e lembro com
pena, dos mestres que colocavam os serviços de educação e
saóde entre os acessórios na ação do Estado , que teria por fim
primordialmente cuidar da ordem jurídica, da ordem pública
e da salvaguarda da independência do territ6rio. Penso que a
situação sofre uma inversão de 1 80 graus, passando o fator
educativo a ter primazia, ao partir-se do reconhecimento de
que sem ciência e tecnologia adequadas não há investimento
que efetivamente valha, seja ele de caráter financeiro , ou
destinado à realização de obras, nos planos pedag6gicos ,
hospitalares, rodoviários , etc.
Por outro lado, j á se tornou verdade corrente que o
predomínio tecnol6gico levanta uma barreira a quem queira
trabalhar sem um mínimo de preparo escolar. Nesse ponto,
poder-se-ia dizer que os países se posicionam , na escala do
progresso , segundo o grau de conhecimento exigido nas
relações de trabalho : no lugar inferior da escala estão as nações
que pressupõem , para o emprego , pelo menos o ensino
fundamental, ao passo que , no topo da pirâmide já se está
exigindo formação universitária . Isto posto , quando se
reduzem ou se desviam os recursos orçamentários da área
do ensino , ou se aplicam mal, como acontece no Brasil, o
.que s e está comprometendo é a fonte d e nosso pr6prio
progresso econômico, gerando crescente desemprego.
Isto quer dizer que a riqueza das nações não resulta da
soma de meios materiais de que dispõem , mas , acima de
tudo , do cabedal de conhecimento acumulado e do nómero
dos que sabem tirar dele o maior proveito. Em primeiro
lugar, põe-se a cultura, a ieformação, no sentido mais amplo
desta palavra , o que , p essoalmente , muito .me alegra ,
porquanto tenho participado, na medida de minhas forças ,
do movimento filos6fico denominado culturalismo, o qual
prima pela correlação e a dinamização dos valores da natureza
e da cultura.
- 59 -
Ora, se cada nação representa um patrimônio de bens
materiais e espirituais , com base nos pressupostos ou
condições de sua terra e de sua gente, verifica-se que, ante a
globalização que pode ser massificante , cumpre ao Estado
salvaguardar os valores específicos de sua cultura. Desse
modo , quer interna, quer externamente , é dever do Estado
atuar em função das exigências intelectuais, as quais somente
se satisfazem em sincronia com os imperativos éticos e
políticos , pois quanto mais conquista no campo da ciência,
mais se habilita o homem a realizar em sua plenitude os
valores da personalidade e da cidadania.
191212000
- 60 -
di.�\• .
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E s t ad o e g l o b a l iza ç ã o
- 61 -
certo que, internamente, por força do ideal democrático,
o p oder estatal encontra limitações naturais na pessoa
humana e nos direitos ess enciais a sua salvaguarda e
desenvolvimento.
To d avi a , o fenômeno da glob aliza ção , -com a
configuração hodierna, veio subtrair ao poder estatál novas
e crescentes esferas de agir, tolhendo-lhe a capacidade de
resistência a causas que , em última análise , resultam da atual
tecnolo9ia da iriformação, que se distingue pela instantaneidade
da comunicação e pela capacidade de subtrair-se a qualquer
espécie de controle.
Quando se afirma que a nossa é a era da iriformação,
está-se reconhecendo que esta passou a ser o fator dominante
da vida humana, influindo diretamente sobre a estrutura dos
Estados Nacionais , que devem buscar novos modelos para a
autonomia de seus ordenamentos jurídico-polí ticos .
É que por informação, nos dias de hoje, não se deve
entender mera comunicação de homem para homem , pres
supondo de certa forma relações intersubjetivas, uma vez que
ela adquiriu objetividade de caráter transpessoal, representada
por um quadro global de dados e meios de ação que resulta do
aparelhamento tecnol6gico da informática, desde o computador
individual à Internet, pondo ou impondo imprevisíveis e sempre
mutáveis soluções às expectativas e finalidades dos indivíduos
e dos povos .
Note-se a diferença que há entre a era do capitalismo -
- 62 -
Não ignoro os riscos e abusos que podem ser causados
p ela livre concorrência , mas , de uma forma ou de outra, era
e é p ossível limitar-lhe os efeitos nocivos , ao passo que as
decisões tomadas subitamente pelos aplicadores dos capitais
especulativos no plano internacional geram conseqüências
danosas tanto para os indivíduos como para os Estados, como
vimos quando eclodiram as crises do México , da Ásia e da
Rússia, que redundaram na quebra do Plano Real , impondo
nos a solução do câmbio flutuante que, por sinal, devia ter
sido antes adotada.
Quando falo nos males da informação subitânea e
incontrolável, não me refiro apenas às operações financeiras,
porque se�s efeitos ·atingem os mais diversos campos da vida
social . Bastará lembrar que ela possibilita a criação de
empresas multinacionais que dividem e distribuem s eu
sistema de produção de conformidade com as condições locais
propiciadoras de maior lucro , o que , por sua vez, se reflete
na organização sindical . A relação empresa-sindicato vai
sendo cada vez mais rompida em razão da internacionalização
dos processos produtivos , o que explica que os trabalhadores
de um paí s sejam obrigados a se entenderem com os de outro
para salvaguarda do emprego ou dos níveis salariais .
É claro que é no domínio econômico-financeiro que
as gigantescas alterações imprevistas são mais perceptíveis e
sofridas , mas elas ocorrem na globalidade da existência
universal , desde os quadrantes da vida cotidiana até as mais
altas expressões das artes e das ciências, tornando inseguras
as idéias e diretrizes s em as quais a sociedade se torna
carecedora de sentido.
Pode-se dizer, por outro lado , que o aspecto negativo
da globalização , ao lado dos inegáveis benefí cios resultantes
da universalização dos modos de pensar e de agir, é o fato de
ser posto por ela em crise o ordenamento jurídico-político
de cada nação , o que nos p ermite falar em desinstitu-
- 63 -
cionalização da sociedade. Como a globalização é um fenômeno
inevitável, a tarefa polí tica por excelência, neste fim de
milênio , é encontrar novos modelos para o ordenamento
jurí dico, mediante uma compreensão mais aberta e plástica
das normas de Direito , como há muito tempo venho
reclamando.
Ante um quadro dessa natureza é que deve ser colocado
o destino do Estado Nacional, o qual, longe de desaparecer,
deve adquirir novos processos d e salvaguarda dos direitos
individuais e grupalistas , bem como para a defesa daquilo
que cada povo possui de pr6prio , sej a em sua geoeconomia,
sej a em seus valores culturais .
Dir-se-á que, dado o exposto , a s soluções s 6 poderão
ser universais , mas estas somente poderão ser o resultado de
acordos e convênios entre os Estados, devendo ser superada
a situação atual de abusivo predomínio das nações mais
poderosas , as quais usam a globalização como nova forma de
.
imperialismo.
2711111999
- 64 -
I n d ivfd úó , ·
so c i e d a d e e E st a d o
- 66 -
adquirindo conteúdo e sentido in concreto com o adventó da
sociedade civil, a qual, por sua vez, somente adquire concreção
e garantia com a instauração do Estado , máxima expressão
do esp í rito objetivo, ou da cultura , como se prefere dizer hoj e .
Parece-me que têm razão aqueles que apontam essa concepção
como a raiz pioneira do futuro totalitarismo, embora não
estivesse este na intenção de Hegel .
A idéia da sociedade civil encantou a Karl Marx , até
o p onto de apresentá-la como ponto -final da evolução
política, a qual seria cada vez mais real e autêntica quanto
mais o Estado perdesse forças . É essa a teoria marxista do
Estado evanescente, à medida que a sociedade civil se afirmasse
como expressão de exigências econômicas , uma vez
superadas as diferenças e os conflitos de classe , próprios do
capitalismo. É sabido - sobretudo depois da queda do Muro
de Berlim como foi paradoxal a idéia de um Estado
-
- 66 -
ein função de indivíduos abstratos temos o Estado de Direito
.
fo rmal, que preserva apenas os valores extrí nsecos da ordem
jurídica, sem levar em conta os seus valores substanciais,
como os da educação e da saúde, sem os quais o indiví duo ou
perece, ou não se desenvolve.
Pode-se afirmar que a sociedade civil é o elemento de
mediação entre o indivíduo e o Estado, e que este terá tanto
mais sentido quanto mais se ajustar aos imperativos da
comunidade. Não cabe, pois, ver o indivíduo, a sociedade e o
Estado com o momentos sucessivos da ev olução política,
porquanto esta pressupõe sempre aqueles três elementos em
sincronia, um com os outros dois, e ainda com uma dialética
que, a meu ver, é a dialética de complementaridade, em virtude
da qual os fatores componentes s e im plicam ou se
correlacionam , sem jamais um deles absorver o outro.
Pois bem, a . crise do Estado surge toda vez que há um
desequilíbrio entre os· seus elementos comp onente s, ora
prevalecendo o indivíduo todo-poderoso, em detrimento dos
valores coletivos, ora predominando este, com espezinha
mento dos indivíduos. Por esse motivo, quanto mais um país
se aperfeiçoa politicamente, mais o Estado é a expressão
concreta tanto dos indivíduos como da sociedade civil. É a,
riqueza desta o sinal indicador mais relevante da organização
política ideal.
Isto posto, fácil é perceber quanto estamos, no Brasil,
longe do ideal de uma correlação harmoniosa entre indiví duo,
sociedade e Estado. A nossa incultura politica é manifesta, quer
por parte do cidadão eleitor, quer por parte dos entes sociais,
a partir dos partidos políticos. A bem ver, partidos políticos
entre n6s inexistem, porquanto temos apenas agremiações de
indivíduos em função das benesses do poder, e não em virtude
e em razão de idéias requeridas pelo bem comum.
Se, como diz Sartori, a democracia atual é , na
realidade, uma p artidocrada, a democracia brasileira é de mera
- 67 -
aparência, uma vez que nossa experiência política é a mais
precária p o s sí vel , não s endo n o s s o tí tulo de eleitor
representativo de uma participação ativa , mas apenas de um
direito formal d e m anife star a própria vontade em
determinado dia e hora. Fora disso, o que há é o vácuo p olítico,
em correspondência com o vazio partidário.
Destarte, a crise do Estado brasileiro está na raiz de
nossa desinformação polí tica , o que explica o número
assombroso de legendas partidárias de aluguel, e a falta de
fidelidade de deputados e senadores às agremiações que os
elegeram . O simples fato de se exigir lei para que haj a
fidelidade partidária é a demonstração cabal d e nossa total
falta de empenho político , o que explica que poucos são os
eleitores filiados a partidos políticos, pelo simples motivo
de que eles nada significam no plano das .idéias .
Esta é , a meu ver, a fonte maior de nossa crise política:
a ausência de um mínimo de cultura política por parte de
nosso eleitorado. Enquanto tal situação não for superada, a
crise polí tica será uma realidade inevitável . O resto são
elocubrações em que nos perdemos apenas para justificar a
falta de nossa real participação na vida política do país.
41312000
- 68 -
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L i ç õ e s da
pr a x e p o lít i c a
- 69 -
veio se constituindo à margem da Constituição , tão logo se
percebeu a ingovernabilidade do país tão-somente em função
de seus soberanos preceitos .
Como penso ter demonstrado em artigo anterior (O
Estado de S. Paulo, 4 / 9 / 1 999) , temos vivido, administra
tivamente, no sentido mais amplo deste advérbio , como se o
ordenamento constitucional nada dispusesse no tocante ao
sistema de 9 overno, tendo-se criado um modus vivendi entre os
poderes Legislativo e Executivo , sobretudo no que se refere
à matéria legislativa, com uma partilha de atribuições ditada
pela força das circunstâncias . Bastarão dois exemplos para
confirmar a praxe legiferante estabelecida .
Em primeiro lugar, teve plena vigência e eficácia o
Plano Real, com efeitos benéficos que perduram até agora -
não ob.stante se proclame, às vezes com injustificado júbilo ,
o seu término -, e ele veio se compondo gradativamente,
através de reiteradas promulgações da Medida Provisória
que o instaurara inicialmente , não obstante a manifesta
inconstituçionalidade de tal procedimento. A inconsti
tucionalidade decorria do fato de ser renovada, meses e meses
a fio , a mesma Medida Provisória, sempre com argüição de
ur9ência expressamente exigida pelo artigo 62 da Cons
tituição , não tendo s entido uma urgência que perdura
longamente no tempo. Como se reconheceu, porém , o
benefí cio do plano - sem o qual não lograríamos superar o
mal supremo da inflação galopante -, ninguém, nem mesmo
a aguerrida oposição, levantou a tese da inconstitucionalidade,
de maneira eficaz, perante o Supremo Tribunal Federal, e a
citada disposição constitucional q� edou e:ritre parênteses . . .
Esse foi o maior e o mais feliz dos serviços prestados
por essa entidade espúria que é a medida provisória, criada no
apagar das luzes da Assembléia Nacional Constituinte, ao se
perceber que não havia mais tempo para uma clara definição
de nosso sistema de 9 overno, que acab ou não sendo nem
- 70 -
_ presidencialista, nem parlamentarista e nem sequer uma
razoável combinação dos dois regimes .
Por outro lado, devido a essa estranha figura jurídica
que é a Medida Provis6ria, o processo legislativo sofreu
inesperada inflexão , passando o presidente da República a
ter praticamente o predomínio , quando não o monop6lio,
da iniciativa dos proj etos de lei fundamentais , uma vez
admitida a praxe de amplí ssimos casos de urgência . A
conseqüência foi , como tenho repetidamente afirmado , a
implementação da Medida Provis6ria sem provisoriedade,
tornando-se processo normal de legislar.
Esse primado do Executivo no plano da legislação é
tão marcante que - no concernente ao problema básico das
reformas constitucionais - o Congresso Nacional somente
chamou para si a responsabilidade da iniciativa da revisão
tributária, ante as inexplicáveis tergiversações do Executivo
em cuidar dessa questão.
Em uma situação dessa natureza, como falar-se em
re9ime parlamentarista , do qual o saudoso amigo Franco
Montoro foi o último grande patrocinador? Como insistir
em parlamentarismo quando ainda depende de execução o
resultado do plebiscito ordenado pela Carta Magna e que foi
gigantescamente favorável ao presidencialismo?
Na realidade, o que importa é saber que tipo de
presidencialismo nos é mais conveniente, e somente o exame
da praxe política do último decênio nos permitirá determinar
com segurança qual deles é mais ajustado à so ciedade
brasileira, com uma distribuição equilibrada de competência
entre o Poder Legislativo e o Executivo, Única via que nos
permitirá extinguir a medida provisória ou restringi-la a seus
limites excepcionalíssimos .
Não se pense que estou acolhendo a tese de Duverger,
segundo a qual os problemas contemporâneos são de tamanha
complexidade técnica que as Assembléias Legislativas passam
- 71 -
a ter cada vez mais uma função complementar e controladora
do processo legislativo , perdendo a iniciativa das leis, tarefa
esta atribuível apenas ao Executivo. Não me parece, todavia,
aceitável esse esvaziamento do Legislativo de sua competência
tradicional, mas nem por isso poder-se-á privar o Executivo
do poder de exercê-la com a maior amplitude, com direito
de preferência na apreciação de determinada matéria, quando
entender s er urgente o pronunciamento do Congresso
Nacional, dentro do prazo e na forma fixados na Constituição.
Decorrido o prazo , os projetos considerar-se-iam automa
ticamente aprovados .
É claro que tais cautelas seriam dispensáveis se no
Brasil houvesse mais consciência de responsabilidade por
parte do Poder Legislativo, mas , infelizmente, são notórios
os casos de projetos de lei esquecidos nos escaninhos da
.
Câmara dos Deputados ou do Senado Federal .
Este é apenas um exemplo das soluções que devem
emergir de nossa praxe polí tica, mas. outras há que poderão
dar configuração própria e adequada ao sistema de governo
exigido pela realidade brasileira.
181911999
- 72 -
P e r sp e c tivas d a
r e fo r m a p o l ít i c a 1
-
· - 73 -
na medida do possí vel , alguns pontos que devem ser objeto
de análise .
Em primeiro lugar, não vou desenvolver um assunto
que é o mais candente e p erigoso de todos eles, que é o da
representação política com base nos estados. Ainda ontem
lia um artigo , no qual s e atribuí a ao sistema militar a
responsabilidade d e ter estabelecido um mínimo d e
representação aos estados n o que se refere à composição da
Câmara dos Deputados . Há nisto um engano , sendo preciso
colocar a questão nos seus devidos termos . O diploma
político que na realidade fixou o mínimo de representação
por estados foi a Constituição democrática de 1 946 no seu
artigo 5 8 , ao estabelecer o mínimo de sete deputados para
cada estado. Verdade é, porém , que não estabelecia o máximo,
de maneira que este mínimo tinha um sentido relativo ,
porquanto não se tolhia a cada estado a possibilidade de atingir
um grande número de representantes, segundo critérios então
- 74 -
crescimento uniforme de toda a União Federativa, de tal
forma que vários estados se compensam em expressão
econômica e populacional; no Brasil, ao contrário , a balança
pendeu no sentido do sul, de um número limitado de estados,
enquanto a grande maioria não teria, na realidade, voz na
vida federativa , se prevalecesse um critério puramente
aritmético na composição da Câmara dos Deputados .
Por conseguinte, há certa razão de ser nesta ocorrência,
neste fato fundamental da estrutura política do país. As coisas
não nascem por acaso. Já o grandeVico dizia: "cosaJatta capo a",
repetindo antigo ensinamento de um condottiere: o que ocorre
tem a sua razão de ser. O que se poderá discutir é o
estabelecimento, a fixação de um máximo de representação
estadual, que é puramente aleatória. Esse máximo foi fixado,
isso sim , no regime militar, em sessenta representantes , pela
Constituição de 1 969 . A Constituição de 1 988 elevou o limite
para setenta, que é o caso propriamente de São Paulo.
Antes de prosseguir na análise dessa questão , devo
ainda lembrar que o número mí nimo de rep resentantes de
cada estado , que figura na Constituição , foi o resultado
daquele famoso "Pacote de Abril", que marcou um dos mais
violentos atos legislativos de nossa história polí tica.
D e maneira que há responsabilidade múltipla na
existência desses fatos . A verdade é que a Constituição de
1 9 8 8 , fundamentalmente democrática , consagrou essa
distribuição extremamente desigual e fez apenas um aumento
quase , digamos , simbólico, ao elevar de sessenta para setenta
a maior representação. É uma questão que deveria s er
corrigida.
Dizia, porém , o grande doutrinador Karl Schmidt que
em matéria política não deve merecer a menor atenção aquilo
que de antemão se considera impossível de alcançar, de atingir.
Um dos problemas que me parece de difícil alteração é
exatamente esse, a composição da representatividade dos
- 76 -
estados , ou melhor, o mínimo e o máximo de representação
d o s e s t a do s . É que , quan d o s e criam privilégi o s , é
extremamente difícil fazê-los desaparecer. Não acredito que
no Congresso Nacional poderá haver quorum suficiente de três
quintos dos votos para alterar a Constituição com o intuito
de eliminar esse mínimo de oito deputados para cada unidade
federativa . Somente uma iluminação teórica indispensável é
que p oderia levar a essa mudança , que , no entanto , é
substancial .
Essa questão , em verdade , seria básica para afastar o
mais possível a confusão entre dois problemas tão diversos
como o da representação e o da estrutura federativa.
O problema da estrutura federativa também diz
respeito à reforma política. Uma reforma política que não
cuida da estrutura federativa é uma reforma poli tica frustrada.
É a segunda crí tica que faço na colocação do problema.
Colocou-se o problema da reforma poli ti:ca de maneira muito
estreita, sem levar em conta coisas essenciais , que não se
pode deixar de analisar, porquanto um problema acarreta
necessária e inevitavelmente a consideração do outro. O
federalismo brasileiro precisaria, em suma, ser objeto de
uma análise sob vários aspectos , mas o limite de tempo me
obriga a fazer simples alusão ao assunto.
A terceira questão é aquela a que me referi logo no
iní cio desta minha palestra, que eu não considero uma
conferência: o problema do sistema de poder. É deveras
lamentável a situação em que nos encontramos quanto ao
sistema de poder ou sistema de governo. Foi, aliás, o título
que d ei à primeira conferência que r ealizei no Cop s ,
exatamente h á dez anos.
O sistema de poder já foi objeto de plebiscito. A Cons
tituição de 1 98 8 , verificando que ela não é presidencialista
nem parlamentarista, previu um plebiscito a fim de que o
eleitorado se pronunciasse a favor ou não do presidencialismo
- 76 -
ou do parlamentarismo , e , marcando um saudosismo
nacional, acrescentaram-se monarquia e república.
Houve um plebiscito e, por maioria esmagadora, o
eleitorado se manifestou pelo presidencialismo. Depois disso,
tudo continuou na mesma, como se nada tivesse acontecido.
Não creio que na lústória poli tica de qualquer país um plebiscito
tenha tido efeito tão minguado e nulo , como aconteceu nesse
caso , o que significa que não temos mesmo vocação política
concreta e que tudo se passa no plano da pura abstração. Não
existe concreção poli tica. Faz-se por fazer, por fazer de conta.
O resultado é que o regime de poder que existe é meramente
convencional, pois a Constituição de 1 98 8 não define nem
estrutura um regime de poder de maneira clara e positiva. É
que os avatares da poli tica nacional e sobretudo os interesses
individuais e personalistas p erturbam , e continuarão
perturbando, sempre, o processo político brasileiro.
Por coincidência, é sempre o problema do mandato
do presidente da República, ou a possibilidade de sua
renovação, o fato novo que surge para perturbar o processo
politico , impedindo a análise fundamental das questões .. Como
se sabe, a Assembléia Nacional Constituinte havia prep arado
tudo para um regime parlamentar, um regime parlamentar
esquisito, no qual havia proibição de dissolução da Câmara,
o que, no meu entender, é incompatí vel com o parla
mentarismo verdadeiro. o certo é que, na última hora,
quando surgiu o problema da duração do mandato , a situação
mudou completamente e se formaram grupos políticos do
tipo Centrão, e assim por diante, alterando-se o sentido das
deliberações da Constituinte , com inesperada opção pelo
presidencialismo. Não se cuidou de, incontinenti , corrigir
se a competência do Legislativo , a fim de concili�-la com o
sistema presidencial . Isto não foi feito, de tal maneira que ,
se fôssemos, a rigor, seguir o que dispõe a Constituição atual,
haveria uma série de atos do presidente da República, que
- 77 -
ele não poderia praticar sem a prévia aprovação do Congresso
Nacional , por serem atos de um primeiro -ministro em
sistema parlamentarista . Mas como isto é impossível no
regime presidencialista, faz-se de c onta que o texto
constitucional não existe .
Na realidade , estamos sendo governados por uma
Constituição que entra em eclipse toda vez que a lógica política
ou o interesse político fundamental assim o exige. Essa é a
realidade. Essa é a situação real do país. Não temos, em matéria
de estruturação polí tica , e em outras mai s , um texto
constitucional, mas tudo se passa numa espécie de Common Law
oportunista para atender às circunstâncias. São usos e costumes
que vão se substituindo, segundo o jogo dos interesses e as
necessidades ocasionais que surgem no país . . .
D aí eu considérar fundamental dar execução ao
plebiscito. Porque o plebiscito não foi uma solução, foi a
resposta a uma pergunta. Optou-se pelo presidencialismo.
M a s surge logo a p ergunta : que p r e s i d enciali s m o ?
Presidencialismo puro só existe n o s Estados Unidos da
América. Mas em qualquer outro lugar esse presidencialismo
sempre recebeu uma colóração específica, assim como o
parlamentarismo puro também deixou de existir. É que no
jogo político das últimas dezenas de anos, sobretudo no pós
guerra, o presidencialismo se parlamentarizou e o parlamen
tarismo se presidencializou , até chegar a uma espécie de
parceria, como é · o caso da França e de Portugal, onde há um
misto de presidente e de Conselho de Ministros . Onde nem
sequer poder-se-ia falar em dialética de complementaridade,
mas apenas um ajuste convencional que se resolve conforme
as circunstâncias.
Então , presid encialism o , sim , de acordo com o
plebiscito , mas que espécie de presidencialismo , presi
dencialismo do tipo francês ou presidencialismo do tipo X
ou Y? Seria necessário dar uma resposta, que está tardando.
- 78 -
A mim me parece que esse assunto é muito importante
e deveria ser preferencial na ordem das coisas . Em vez de se
cuidar de problemas secundários, dever-se-ia cuidar desse
proble m a , p o rque ele deveria resolver uma questão
graví ssima, que é a das medidas provisórias .
A medida provisória foi criada no pressuposto de um
sistema parlamentar, em que, portanto, ela teria efeitos muito
r estrito s , mas na estrutura do presidencialismo , ela
transformou o presidencialismo em presidencialismo
imperial. Porque há uma inversão no processo legislativo.
Neste paí s somos obrigados a trabalhar sem estatí sticas e eu
não tenho dados para dar resposta a esta pergunta : quantos
foram os processos legislativos começados por iniciativa do
presidente da República e quantos foram por iniciativa do
próprio Congresso? A praxe, hoje, é começar pelo Executivo,
mediante medida provisória!
A medida provisória reduz-se, hoje, a uma espécie de
iniciativa, fruto de oportunismo poli tico. Para atender a certas
circunstfuicias , em lugar de enviar ao Congresso um projeto
de lei, manda-se uma lei já feita para submetê-la à apreciação
da Câmara dos Deputados e do Senado. Há, portanto, uma
apreciação posterior a um ato que já nasce em si perfeito e já
produz conseqüências desde logo, porque a medida provisória
produz efeitos e conseqüências , que somente cessariam se
houvesse manifestação em sentido contrário. Esta é uma coisa
absolutamente engenhosa, criação de nosso engenho poli tico?
Não. Mas, pela nossa falta de concreção política, mais uma
vez, nos defrontamos com soluções políticas não queridas , não
desejadas, não delineadas , mas que brotaram por força de um
processo anômalo de natureza institucional . . .
Cumpre ponderar que a medida provisória é muito
pior que o decreto-lei da época militar. Esta configurava,
então, um abuso, mas que ao menos tinha certas delimitações,
enquanto a medida provisória tem o mais amplo espectro ,
- 79 -
gerando efeitos imediatos, com restrições muito grandes-na
sua contrasteação.
De maneira que a reforma política , de que se fala,
está sendo mal colocada, devendo-se examiná-la em sua
amplitude, desde a eleitoral até a partidária. No fundo, a
colocação da reforma política em sentido estrito , como
pretende o Governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso, resulta de uma situação de insegurança de poder,
por infidelidade de p artidos. O s partidos políticos s e
estruturaram d e tal maneira que criaram uma situação d e
ingovernabilidade . Neste ponto, não h á dúvida.
Então , surge, em primeiro lugar, a questão da
multiplicidade infinita de partidos no Brasil . Temos mais de
quarenta partidos , dos quais poucos têm significação real . E
somos obrigados a suportar e a viver em função desses
artifí cios . São partidos políticos que obedecem a meros
pressupostos formais, sem real conteúdo doutrinário e sem
consistência eleitoral .
A situação é tão grave que , no iní cio dos tràbalhos da
presente legislatura , houve um episódio lamentável e
revoltant e : mais de cinqüenta deputados em 24 horas
mudaram de partido. D e tal maneira que foi necessário
esperar a opção de última hora para saber qual era, na
realidade, a composição do Congresso Nacional, qual ia ser
o partido majoritário, e assim por diante . Donde se conclui
que nossas agremiações partidárias são, em grande número ,
destituídas de real significação.
Nesse ponfo, aliás, eu não perdôo ao ex-presidente Castelo
Branco, que deu o primeln> exemplo, quando partiu llllla tradição
política que vinha de longa data: De qualquer maneira eram dois
partidos , o PSD e a UDN, que j á vinham formando um
patrimônio e tradição, um patrimônio de valores próprios, de
personalidades que tinham responsabilidade perante a nação, de
pessoas que perant� o eleitorado tinham uma imagem. Havia;
- 80 -
portanto, uma institucionalização partidária, a UDN, o PSD,
mais o PTB e não sei que mais, o PR, Partido Republicano,
grandes, pequenos ou médios, com estruturas válidas. No entanto,
por um desejo de imitação do bipartidarismo norte-americano,
declaramos sem efeito os partidos existentes. Trancados por ato
de força, criaram-se artificialmente aArena e o MDB , que depois
se transformou em PMDB, pensando-se que com isso estaríamos,
no papel, resolvendo os problemas brasileiros .
Esta é outra coisa que caracteriza o senso político
nacional ; julgando-se que basta colocar algo na lei para que
desde logo se torne realidad e . Foi o que aconteceu na
Constituição de 1 98 8 : nela se pôs tudo o que passou pela
cabeça dos constituintes . Como tudo se torna constitucional,
temos uma crise no Supremo Tribunal Federal, que é obrigado
a se manifestar sobre problemas sem qualquer relevância.
Feitas essas referências a certos ví cios de nossa
mentalidade polí tica, estamos em condição de apreciar
melhor as reformas que se pretende fazer em nosso organismo
estatal .
Para isso surgiram receitas mais ou menos conhecidas ,
das quais vou fazer breve análise.
Tem -se falado , por exemplo, na necessidade de se
mudar o sistema eleitoral, pelo menos num ponto : em lugar
de eleição feita através de um único distrito em cada estado,
estabelecer o voto distrital misto. A segunda seria a da
fidelidade partidária e a terceira, a da chamada barragem de
representação.
Esses são os três pontos fundamentais. Os outros são
acessórios, como se depreende do documento que nos foi entjado
pelo conselheiro e senador Jorge Bornhausen, os quais serão
seguramente objeto de análise por parte do Congresso Nacional.
O quarto ponto da reforma polí tica é o da imunidade
parlamentar, que tem causado tanto escândalo e que está
sensibilizando, inegavelmente, o país.
- 8 1 -·
Sou partidário do voto distrital misto, ponto de vista,
aliás, que sustentei na Comissão nomeada pelo Governo para
preparar o projeto de Constituição , que depois deu em nada.
Comissão essa presidida pelo saudoso confrade e amigo Afonso
Arinos . Eu me refiro à que geralmente passou a ser denominada
Comissão Arinos, que propunha um parlamentarismo, também
meio capenga, que teve o meu voto contra, porque eu queria
uma coisa positiva ou nada. Como o presidente Sarney não
concordava com a mudança de regime, preferiu não encaminhar
ao Congresso Nacional um anteprojeto de Constituição que
estava em conflito com suas convicções pessoais. Ele, com muita
· habilidade, convidouAfonso Arinos para uma grande recepção,
fez uma grande festa, condecorou-o com a Ordem do Mérito
Nacional e mais nada. Por essa razão a Assembléia Nacional
Constituinte deu no que deu, por falta de um ponto de referência
na elaboração do trabalho legislativo.
Esse foi um ponto de conseqüências funestas para o
paí s , pois a ausência de um projeto constitucional que servisse
de referência à apresentação de emendas ou de sugestões dos
próprios deputados abriu campo a centenas de proj etos, em
um totalitarismo normativo que caracterizou a Constituição
de 1 98 8 . O resultado é que nesses dez anos não temos feito
outra coisa senão reformar a nova Lei Magna, raiz maior de
muitos de nossos males .
� voto distrital misto vai ser objeto de muita discussão,.
porquanto os deputados não vão querer ser privados de fazer o
seu próprio jogo pessoal, de vez que o voto distrital misto,
instituído pela Lei Fundamental de Bonn, na Alemanha, tem
dupla finalidade : fortalecer os p artidos e estabelecer a
seletividade prévia dos candidatos , conferindo ao eleitor dois
votos , sendo um para o candidato de sua escolha, e o outro
para a lista organizàda pelo partido.
Pelo voto distrital misto, metade dos votos segue a
votação tr�dicionaJ, enquanto a outra metade obedece a uma
- 82 -
lista partidária, que é, digamos assim, uma lista de elite É ,
. . .
- 63 -
de alterar a Constituição. É que somos bombardeados, . na
época eleitoral, por partidos de toda e qualquer espécie. Todo
e qualqu er eleitor se considera no direito de inventar um
partido, criando legendas de aluguel, como todos sabem,
não havendo necessidade, perante um auditório tão culto
como este, de tecer considerações sobre essa questão. A dúvida
vem em como estabelecer essa barragem .
Consoante ponto de vista aceito pela Comissão Arinos ,
penso que se deve estabelecer um quorum de cinco por cento.
O partido político que não atingir ao menos cinco por cento
dos votos válidos não terá representatividade . Ele não
desaparece como partido, mas não tem presença no Congresso
N acional . D ir - s e - á que nesse p onto há uma ofensa à
representatividade democrática, mas democracia não é
microdemocracia. Democracia é um regime destinado à
expressão das forças válidas de uma nação e não daquilo que
está surgindo e tem talvez possibilidade de atingir, por si
mesma, seu lugar. Assim, em um país que já tem quarenta
partidos, haverá uma prova de fogo na próxima eleição,
operando-se uma seleção natural para verificar quais deles, na
realidade, merecem subsistir.
Seria necessário dar a essa reforma vigência imediata,
abrangendo desde logo a próxima campanha eleitoral, a fim
de não surgire� caricatos candidatos à presidência da
República desprovidos de qualquer base eleitoral . Alega-se
que a limitação proposta não seria democrática, mas afirmar
tal asserção corresponde a uma tese abstrata, a uma visão de
democracia puramente artificial, sem levar em conta que a
democracia é um caminho que precisa ser construído e não
está construído desde logo. E só se constrói mediante certas
prudências, certas cautelas , como, por exemplo, um limite
mínimo de representatividade.
Passemos à terceira proposta, que é a da fidelidade
partidária , que, a, bem ver, não chega a ser um princípio
- 84 -
constitucional . É o resultado da falta de educação política e
também de cultura política . Quando , além de cultura
política, um paí s tem responsabilidade política, a fidelidade
partidária é uma coisa natural . Resulta da própria estrutura
e da cultura política do povo. Mas quando não se tem cultura,
nem tradição política, a fidelidade partidária surge por dois
motivos : ou por tática polí tica, ou como uma espécie de
muleta ci precária democracia partidária que vivemos. Visto
que, como disse Sartori , a democracia atual é na realidade
uma partidocracia, parece-me que cuidar bem do partido é
cuidar bem da democracia.
A regra da fidelidade partidária começou a viger, no
Brasil, com a Constituição de 1 969 , e, vaidade ci parte, surgiu
em virtude de proposta de minha autoria, no anteproj eto
elaborado ao temp o do presid ente Costa e Silva . A
Constituição de 1 969, até certo ponto, é a reprodução do
anteprojeto proposto por uma comissão presidida pelo então
vice-presidente Pedro Aleixo. Tive a honra e o prazer de
participar dessa comissão, que durante seis dias de intensivo
trabalho , procedeu ci revisão da Constituição de 1 967,
formulando propostas que , penso eu, teriam sido úteis ao
p aí s , s e não tivesse ocorrido a morte súbita do então
presidente Costa e Silva . Foi esse fato inesperado que
· determinou uma solução de emergência confiada ao depois
ilustre ministro Leitão de Abreu, chamado a pôr ordem
naquilo que poderia ser admitido pela Junta Militar. Esta
não aceitou in totum a nossa proposta - aqui estou fazendo
um pouco de revelação pessoal a respeito de fatos de que
p articipei -, mesmo porque Pedro Aleixo foi impedido de
s e r vic e -presi dente e d e assumir a presidência d e
conformidade com a s normas constitucionais então vigentes,
ci margem dos atos institucionais .
De maneira que fo i improvisada a Constituição de
1 96 9 , que é um arremedo daquilo que tinha sido elaborado
- 85 -
por iniciativa do. presidente Costa e Silva, cuja imagem deveria
ser mudada . Aproveito a oportunidade para lembrar um
epi s 6 di o muito interessante : é qu e , no cap í tulo da
representação política do referido anteproj eto, Pedro Aleixo
trouxe uma porcentagem de representatividade por número
de eleitores que favorecia extremamente a Minas Gerais e
reduzia a posição de São Paulo. Eu reagi e, na sessão seguinte,
apresentei um substitutivo que fazia o inverso. Pude então
verificar que o presidente Costa e Silva não era essa figura
tão apagada intelectualmente, como geralmente se pensa.
"Estamos diante de um problema da maior responsabilidade",
ponderou ele. "A solução do Pedro não pode prevalecer, mas
a do professor Reale também não. Devemos reconhecer que
há, entre n6s , grande desequilíbrio na estrutura social e
política do paí s , com imensas desigualdades entre as regiões ,
havendo n e cessidade d e uma comp o si ção." Ante essa
advertência fez-se uma composição, uma revisão equilibrada,
sem estabelecer um máximo de representação, mas elevando
o quorum de representatividade , a fim de que o Congresso
Nacional tivesse um número proporcional de representantes
segundo uma graduação razoável .
Muito emb ora meu tempo j á estej a esgotado ,
permitam-me dizer, ainda no tocante à fidelidade partidária,
que esta não deve se referir apenas às decisões da convenção ,
abrangendo também aquelas consideradas essenciais ou
fundamentais pela direção do partido , para que o partido
tenha efetiva consistência política . Como diz Braudel, a
hist6ria não é feita de linhas contínuas , mas através de
"durações" ou conjunturas . Depende de conjunturas a verdade
da vida política . Então , diante de um caso concreto , de uma
votação fundamental, como tal firmada pelos 6rgãos de
direção partidária, não se compreende que o parlamentar
possa ter posição discordante.
Passemos rapidamente ao último tema, que é o da
imunidade p arlamentar, que facilmente se converte em
- 86 -
impunidade global, quando , em hediondo corporativismo , o
Congresso Nacional deixa de conceder autorização para um
processo contra um de seus membros , por crime comum .
Há que preservar apenas o caso dos chamados "crimes de
opinião", porque estão eminentemente vinculados à atuação
do parlamentar. Tudo o mais deve estar sujeito à legislação
penal comum . Surge apenas um problema. É que a vida
polí tica é cheia de manhas e artimanhas. Pode ocorrer que,
através de um pseudocrime comum , se queira, na realidade,
afastar um deputado. Parece-me, por isso, que sempre se
deve pedir autorização ao Congresso, mas se esta não for
dada no prazo de trinta dias - prazo bastante para o parla
mentar esclarecer a sua situação - terá início normalmente
a ação penal .
1 7131 1 999
- 87 -
R e fo r m a a g o r a
d e sn e c essá r i a :
a econômica
- 89 -
Em se tratando , porém, da ordem econômica, os cons
tituintes perderam-se no mais estreito nacionalismo , criando
privilégios para uma suposta "empresa brasileira", além de
consagrar os mais condenáveis monop6lios , mas tudo foi
definitivamente superado graças a pronta e feliz revisão.
Alega - s e , todavia, que a reforma não teria sido
completa pelo fato especioso de ter-s e consagrado o
neoliberalismo , palavra com que s e .indica a teoria segundo a
qual a vida econômica deve ser entregue , por inteiro, à livre
concorrência, ou seja, ao jogo do mercado. Essa acusação é
feita por estar disposto, no artigo 1 74 da Carta Magna, que
"como agente normativo e regulador da atividade econômica,
o Estado exercerá, na forma da lei , as funções de fiscaliz�ção ,
incentivo e planejamento , sendo este determinante para o
setor público e indicativo [note-se] para o setor privado".
Entendem alguns que , dessa forma, teria sido excluída
a hip 6 tese de "planej amento obrigat6rio para todos",
considerado essencial diante dos desajustes crescentes da
sociedade contemporânea, e como peça mestra do Poder
Público para promover o desenvolvimento do paí s .
Não me parece, contudo, que a crítica seja procedente,
pois, em matéria constitucional, a interpretação não deve
ser atômica, isto é, incidente sobre uma regra isolada, visto
que não pode deixar de ser levada em conta a totalidade do
ordenamento. Ora , o artigo 1 70 declara, entre os princípios
diretores da ordem econômica, a defesa do consumidor, a busca
do pleno empre9 0 e a redução das desi9 ualdades sociais, o que
consagra a necessidade da intervenção do Estado a fim de
melhor exercer suas funções reguladoras da economia .
Ademais, o adj etivo indicativo não significa que o plane
j amento poderá ser ou não obedecido , mas sim que é dado às
empresas optar por outras vias , mas ficando privadas das
vantagens e incentivos inerentes ao plano aprovado por lei.
Mais certo é dizer,,por conseguinte, que a Constituição optou
- 90 -
pelo social-liberalismo, doutrina que se situa entre o Estado
omisso , pregado pelos neoliberais , e o intervencionismo
sistemático defendido pelos socialistas .
Além disso , é preciso ter em conta que , segundo o
artigo 1 73 da Lei Maior, ressalvados os casos nela previstos ,
" a exploração direta d a atividade econômica pelo Estado só
será p ermitida quando necessária aos imp erativo s da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo , conforme
definido em lei". Eis aí uma disposição de inegável sabedoria,
porquanto só em casos excepcionalíssimos devemos admitir
a figura do . Estado empresário, cuj a experiência tem sido
desastrosa, tal como o demonstrou sobejamente o malsinado
regime soviético, e há exemplos de sobra no Brasil.
Cabe, por outro lado , ponderar que é afastada a obriga
toriedade total apenas do planejamento econômico, e não a do
planejamento tributário, uma vez que o sistema financeiro
nacional é disciplinado em capí tulo distinto , tendo por fim ,
como dispõe o artigo 1 92 , "promover o desenvolvimento
equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade",
somente podendo ser obj eto de lei especial . O s planos
financeiros são , pois , obrigatórios , como o foi o Plano Real,
por sinal estabelecido mediante medidas provis6rias, não sei
quantas vezes reiteradas , dadas as delongas do Congresso
Nacional.
A vista do exposto , podemos afirmar que o regime
econômico consagrado pela Constituição de 1 98 8 após a
-
- 91 -
indefinidamente renovadas devido ao desleixo ou à incúria
do Legislativo. Só merece encômios, por conseguinte, a idéia
de restringir a aplicação de medidas provisórias, terceira fase
de lastimável deterioração da função legislativa .
A primeira fase tivemos com o Estado Novo quando ,
com o fechamento do Congresso Nacional, o presidente
Getúlio Vargas legislava com decretos-leis a seu bel-prazer. A
segunda ocorreu durante o regime militar, e, verdade seja
dita, foi a mais branda delas , uma vez que os decretos-leis, nos
termos do artigo 5 5 da Carta de 1 96 9 , somente eram
admissíveis em casos de emergência ou de interesse público
relevante , desde que não houvesse aumento de despesa,
versando sobre segurança e fmanças públicas, criação de cargos
públicos e fixação de vencimentos, matéria própria, pois , do
"estado patrimonial" . . .
A terceira e última fase dos decretos-leis disfarçados
em medidas provisórias é a atual, tendo o mais amplo espectro ,
até o ponto de ter-se anomalamente tomado processo normal
de legislar. Em um sistema desses , foi sorte serem os planos
econômicos apenas indicativos no setor privado . . .
1111211999
- D !! -
· · ; f<O• ?7n�'"
" < • rf ..
L e g it i m i d a d e d e u m a
C o n s t it u i nt e R evi s o r a
- 93 -
firmados.Todavia, para tranqüilidade dos espíritos vacilantes ,
nada impede que , no ato convocatório da Constituinte
Revisora, se estabeleça que nela não serão obj eto de deli
beração propostas tendentes a abolir ou a contrariar o
estabelecido naquele dispositivo que fixa os princípios básicos
de nosso Estado Democrático de Direito.
Isto posto , pergunto em que se baseiam os adversários
da Constituinte Revisora para se contrapor a uma proposta
que reduza durante o período de seufuncionamento de três
- -
- 94 -
Embora sejamos um paí s apegado a f6rmulas e mitos
políticos , não vacilo em dizer que seria suficiente a aprovação
da emenda pelo Congresso Nacional , mas , se os senadores e
deputados entenderem o contrário , reputando indispensável,
in casu , a consulta direta ao eleitorado , resta verificar como
deverá ela ocorrer, se antes ou depois de elaborada a reforma.
Analisando novamente o assunto , cheguei à conclusão de que
seria absurdo convocar todos os eleitores para se manifes
tarem concordando ou não com dezenas de alterações in
troduzidas no texto constitucional. É evidente que tal pro
nunciamento não poderia deixar de pressupor um mínimo
de conhecimento jurí dico ou político sobre o conteúdo de
cada emenda acolhida pelo Congresso Nacional, envolvendo
questões de alta indagação. Como se vê, seria desaconselhável
a realização de um referendf!, que é a figura jurídica relativa à
aprovação pelo eleitorado de um texto legislativo.
Tudo indica, por conseguinte, que, na espécie, a via
mais indicada seria a da prévia realização de um plebiscito ,
para autorizar ou não a convocação de uma Constituinte
Revisora com poderes para deliberar por maioria absoluta
de votos, durante certo perí odo de tempo. Como ocorreu
com o plebiscito destinado a escolher entre presidencialismo
e parlamentarismo, ou república e monarquia, o povo votaria
sim ou não, isto é , pr6 ou contra a Constituinte Revisora,
ficando o Congresso Nacional autorizado de antemão a
proceder à reforma segundo o que lhe parecesse mais
conveniente aos interesses do paí s .
Nessa ordem d e idéias , tomo a iniciativa d e oferecer
o seguinte anteprojeto de lei disciplinando a matéria, a saber:
"Arti9oi11 Fica convocado o eleitorado para, dentro
-
- 95 -
Pará9refo único Nos 3 0 (trinta) dias seguintes à
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22181 1 998
- 96 -
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vi o l ê n c ia e a
A
omis são do E stado
- 97 -
os fatores determinantes por excelência dos atos violentos
que atormentam tragicamente a sociedade contemporânea.
Nada mais incita o recurso à força bruta do que o fato
de sentir-se um imenso número de indivíduos excluí dos da
fruição das benesses de que usufrui a minoria, às vezes com a
maior ostentação. O desequilíbrio econômico-fmanceiro, que
cava um abismo entre as categorias soeiais, atua como um
desafio , estimulando atitudes de represália e de confronto ,
dada a crescente convicção de que por meios pacíficos não
será possível alcançar um razoável nível de eqüidade .
Uma situação de tal natureza muito freqüentemente é
agravada pela omissão dos Poderes Públicos, cujos responsáveis
se colocam à margem da questão, não apenas tardando em
tomar providências que possam diminuir os graves dese
quilíbrios coletivos, mas - o que é pior - justificando a falta
de providências sob a alegação de que somente as leis naturais
do mercado poderão pôr cobro às ominosas condições de vida
da maior parte da população.
Em um quadro desse tipo é natural que campeie a
violência, encontrando clima propí cio para seus malefí cios
os indiví duos por natureza e por índole já propensos à prática
de delitos , não raro assumindo posição de liderança.
Experiências realizadas na Região Metropolitana de São
Paulo têm vindo demonstrar que, quando o Estado se omite
na prestação dos serviços exigidos pela comunidade - desde os
policiais até os judiciais, desde os de caráter urbanístico aos da
saúde pública -, o lugar do Estado é assumido pelos líderes do
crime organizado, passando eles a exigir da comunidade desam
parada tanto contribuições ilícitas como atos de vassalagem
impostos pelo temor.
Tenho conhecimento de atividades salutares, promo
vidas p ela Secretaria da Justiça do Estado de São Paulo e pela
Polí cia Militar, respectivamente, no Itaim Paulista e no
J ardim  ngelà , que comprovam , p lenam ente , que a
- 98 -
criminalidade, quer de adultos , quer de menores, decresce
de maneira bastante significativa quando o Estado se faz
presente , promovendo atos de colaboração positiva também
por parte de entidades não governamentais , todos empe
nhados na luta comum contra a violência.
Trata-se, em ambos os casos, de bairros imensos , com
mais de quatrocentos mil habitantes , sem qualquer espaço
de lazer, e que, no entanto, viviam ou sobreviviam à margem
de qualquer serviço público, entregues assim à iniciativa e
ao predomínio dos marginais .
N o Itaim Paulista, a Secretaria d a Justiça instaurou,
em boa hora , um Centro Integrado da Cidadania , que
congrega, em unidade concomitante, serviços da Justiça, do
Ministério Público e da Polí cia, além de postos de assistência
social e de recreio, estando sendo programada a abertura de
um teatro.
Com essas providências , alterou-se radicalmente o
panorama social, passando a população a ter a quem recorrer,
nos momentos graves de crise, assim como para a solução
dos problemas do dia-a-dia.
Para demonstrar qual o resultado de medida desse
alcance bastará· dizer que , após a instalação do mencionado
Centro , não houve um só homicídio durante o Carnaval,
com redução da criminalidade ao longo do ano.
O mesmo fenômeno ocorre no Jardim  ngela, onde
a Polí cia Militar instalou dois pontos comunitário s de
policiamento, construindo-se duas quadras esportivas abertas
ao público até mesmo de madrugada. O resultado espantoso
foi a redução , em mais de cinqüenta por cento , rio número
de homicídios.
Bastam esses exemplos para ficar comprovado que o
problema da violência não se resolve apenas ou tão-somente
com novas leis, mas depende substancialmente de medidas
conjugadas do Poder Público e da sociedade civil.
- 99 -
Não é demais salientar que providências como as
· acima apontadas tiveram como conseqüência modificar a
figura delituosa, com queda impressionante dos casos de
homicí dio. A esse respeito , observo que nos tão falados
crimes perpetrados por menores prevalecem as hipóteses de
furto e roubo, e não de homicídio, o que revela a possibilidade
de dar solução ao problema com mais facilidade, bastando
que se tirem os menores da rua.
É aqui que se põe urna questão básica, que é a da educação.
Em primeiro lugar, não posso deixar de me referir à crise
geral que, do ponto de vista ético e religioso, atinge a sociedade.
O desrespeito ao valor da vida humana tornou-se um fato
corriqueiro, como se dá com os assaltantes à porta de um
caixa eletrônico ou se valendo das paradas dos veículos nos
semáforos , matando-se apenas por matar.
O "não matarás" bíblico não tem mais ressonância nas
almas empedernidas , tão irrelevante se tomou a formação
moral e religiosa, o que deveria ser mais lembrado por
entidades que, às vezes , se preocupam de preferência com
questões sociais e políticas .
Consoante acab o de expor entre as causas deter
minantes da violência que campeia na sociedade contem
porânea, deve-se ressaltar a exclusão social e a omissão do
Estado, as quais atuam de maneira convergente. Por exclusão
social entendo a situação atual de desigualdade entre os
indivíduos e as diversas categorias sociais , que priva a grande
maioria da participação dos bens de vida que o progresso
tecnológico deveria cada vez mais proporcionar. Ela abrange
um vastíssimo campo social que se estende desde a linha da
pobreza até estágios sociais de dura privação de bens essenciais
à saúde e à educação.
Essa não-participação no patrimônio vital torna-se
sempre mais causa de desemprego , visto que as exigências
tecnológicas opez;am uma rude seleção entre os candidatos
- 1 00 -
aos postos de trabalho, não assegurando acesso senão àqueles
que superam a faixa do ensino fundamental , impondo-se, de
maneira crescente, a formação no ensino médio e mesmo
superior. Estamos perante um círculo vicioso acabrunhador,
porquanto o desemprego somente é superado graças à
instrução recebida, e esta é inacessível a quem esteja sem
trabalho. É aqui que já se começa a sentir a correlata omissão
do Estado , cuj as entidades educacionais se convertem em
privilégio dos mais abonados .
É compreensível que , em uma situação dessa natureza,
de insuperáveis adversidades, surja e se forme o sentimento
de revolta que freqüentemente abre portas à violência. Como
se vê, estou reconhecendo que os atos violentos não são mera
conseqüência da índole ou do temperamento dos indivíduos
que, premidos pela necessidade , desafiam as regras do beni
estar social e agridem a sociedad.e que os abandona . Não há,
com efeito , como reduzir o fenômeno da violência a fatores
de ordem p sicológica, embora não se possa negar que a
resistência à exclusão social depende da condição psíquica de
cada um . Quando ela atua sobre pessoas propensas ao emprego
da força como resposta imediata às ofensas ou privações
sofridas, temos os casos de violência que não raro descambam
para o plano da conduta delituosa, cuja prática tem como
conseqüência a repressão penal, pondo um novo ciclo de
"círculo vicioso" que parece condicionar sempre o fenômeno
da exclusão social, no qual o Estado se omite ou somente se
faz presente quando o maior mal está feito , em razão do
desamparo de que os indivíduos foram ví timas .
No que se refere à impossibilidade de aquisição de
conhecimentos exigidos pela estrutura tecnológica que
preside atualmente as relações de trabalho , compreendo que
se queira lançar mão de medidas extremas , como , por
exemplo, a "reserva de matrí cula" nos cursos médios e
superiores para assegurar o ingresso a maior número de
- 101 -
candidatos desabonados - e , por isso , sem a vantagem do
ensino ministrado pelos melhores estabelecimentos -, mas é
fácil compreender os efeitos nocivos que tais expedientes
provocariam no campo da educação e da cultura, mesmo
porque será absurdo despir um santo para vestir outro ,
permanecendo as razões da desigualdade. Em tal conjuntura,
penso que o papel assistencial do Estado é desempenhado por
uma corajosa política de aperfeiçoamento do ensino público ,
completada por uma não menos arrojada política de bolsas
de estudo , notadamente para complementação de nosso
conhecimento em institutos altamente especializados do
.
exterior. O que não se admite é que o Estado fique de braços
cruzados ante os problemas que emergem da relação entre
emprego e as condições de instrução por ele exigidas .
Eis aí uma questão que reclama a participação assis
tencial da União , dos estados e dos municípios , interpre
tando-se criadoramente a Constituição e a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional , as quais se perdem às vezes
em esferas abstratas de competência . . . Impõe-se corrigir
a situação existente, em que a União destina às univer
sidades a quase totalidade de seus recursos orçamentários
destinados à educação e ao ensino. Vê-se, por aí , como o
problema da violência repercute em todo o corpo social ,
r e clamando revi s õ e s em uma s é r i e de problemas à
.
primeira vista a ele inteiramente alheia . Mas é somente
com uma visão global como essa que poderemos superar
o mal do crescente desemprego , proporcionando vagas a
centenas de milhares de candidatos que ap.ualmente surgem
no mercado de trabalho.
Dir-se-á que esse absenteísmo resulta da Constituição
liberal , mas julgo ter demonstrado que a nossa é mais
propriamente "social-liberal", não se devendo esquecer que a
nossa Carta Magna figura entre as mais compreensivas no
que se refere à �ducação e ao ensino, domínios em que a
intervenção do Estado é prevista com a maior amplitude .
Passando a outro aspecto da questão , parece-me
necessário salientar que uma das causas da violência é o
desolado confronto que se faz entre o status social de que se
dispõe e aquele que é desfrutado por uma afortunada minoria.
Nessa linha de idéias , cabe dizer que no Brasil - uma das
nações de mais acintosa desigualdade na distribuição da
riqueza - os detentores do maior poder econômico primam
pela ostentação, sendo o desejo de aparecer tão forte como o
de dominar, tornando mais gritante o contraste e o confronto
com os que o saudoso amigo Cesarino Júnior denominava
hipossuficientes . Obj etar-se-á que esse é um fenômeno
universal e que a chamada ".era da informação" , com a
vertiginosa aceleração dos meios de comunicação, cria, dia
a dia, novos motivos de atração , novas fontes de apetites e
desejos, mas não creio se possa negar que, entre n6s , não
primam os valores mais altos do espírito , mas antes as
atrações mais vulgares , prevalecendo a fatuidade sobre a
seriedade da vida individual e coletiva. Ora , tal modo de
viver, de situar os valores existenciais, já é de p er si propí cio
a extremar as posições sociais, fortalecendo as razões de luta
e contestação e alargando os horizontes da violência.
Pois bem, não há quem não perceba como, em nossa
chamada civilização cibernética , filha das comunicações
eletrônicas , é relevante o papel da televisão , sobretudo no
que concerne à exposição e ministração do que é fátuo e
vazio , assim como de todas as formas de violência, com
exemplares lições na arte de delinqüir. É incontestável que
as empresas televisivas - perdidas em dura concorrência
econômico-financeira - não titubeiam em lançar mão de
todos os recursos para domínio do mercado. Para tal fim,
predominam os programas e os espetáculos capazes de
conquistar o apoio fácil das multidões , descambando para a
mais baixa vulgaridade . Nessa ordem de coisas , muito
freqüentemente a violência se converte em m otivo e
instrumento na conquista das preferências do telespectador.
- 1 03 -
Daí a exclusão dos temas de caráter cultural ou educativo ,
para a apologia do que é mais brutal , notadamente com a
apologia da força física poderosamente municiada.
E o Estado? O Estado esquece-se de que, no caso da
televisão, é ele titular de uma concessão de serviço público
- sendo dotado, por conseguinte , de poderes para ética e
intelectualmente discipliná-lo. Mais uma vez, porém , o
Estado se omite , prometendo apenas o Governo obter do
Congresso Nacional uma lei especial , quando em verdade, é
absolutamente dispensável qualquerlei reguladora do assunto.
O que está faltando é apenas coragem para cumprir o próprio
dever de pôr a televisão a serviço dos altos valores do espírito.
8 / 1 /2000 e 5 /2/2000
- 1 04 -
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�
�i��;r lf���:i.i,,. A · . l i��:üüf� �l.:lt}.V{:.(l)
� 1�����r.r������ : :;1;;� :
·
A c r i s e d o Ju d i c i á r i o
- 1 05 -
constrangidos , em face desse inaceitável comportamento
governamental, a ingressar em juízo , gerando , desse modo ,
uma desnecessária multiplicação de demandas contra o Poder
Público".
Não há como contestar essa observação, ante a
dominante "litigância temerária" que se estende desde a União
até os municípios. Estes e os estados talvez se justifiquem ,
dizendo que o fazem em virtude de carência de recursos
(devido, em grande parte, à falta ou à má aplicação de sua
competência tributária) , mas nada justifica a atitude da União
e suas autarquias , principais responsáveis pelo congestio
namento gerado por ações e recursos de caráter meramente
protelatório .
Nesse sentido, assiste razão ao presidente do Supremo,
quando lembra que uma súmula da Advocacia Geral da União,
com base na Lei Complementar n11 7 3 / 9 3 , teria a virtude de
estancar, de maneira substancial, a deslealdade processual
prevalecente, proibindo a todos os órgãos jurídicos federais
ingressarem em j uízo , ou recorrerem inutilmente , para
sustentar teses reiteradas vezes rejeitadas pelos tribunais
superiores . O problema, por conseguinte, é, antes de mais
nada, de probidade administrativa.
Adverte o presidente do STF que é urgente a adoção,
no Brasil, do writ ef certiorari, instrumento que permite à
Suprema Corte dos Estados Unidos rechaçar in limine
recursos desprovidos de relevincia j urí dica , polí tica ,
econômica ou social, à semelhança do que já o corre na
Argentina . Peço vênia, porém , para discordar quanto à
necessidade de lei para instituir essa medida. No meu entender,
o Supremo Tribunal Federal, como órgão de cúpula do Poder
Judiciário , tem poder-dever bastante para disciplinar uma
questão que, afinal de contas , versa sobre critérios a serem
seguidos no exercí cio da atividade jurisdicional. Data maxima
venia , o Supremo , apegado a exagerado legalismo , nem
- 1 06 -
· -
sempre exerce o poder soberano , que lhe é próprio , quanto à
criação de modelos j urídicos prescritivos .
De lei h á necessidade, sem dúvida, para determinar a
obrigatoriedade de obediência às súmulas pelos juízes das
instâncias inferiores , na forma estatuída pelo legislador, mas
sem privar o juiz de sua autonomia crí tica, inclusive porque
a ação pode se basear na necessidade de alterar-se uma súmula,
por ter-se tornado obsoleta. As súmulas não são intocáveis e
correspondem , consoante costumo dizer, ao horizonte da
jurisprudência, horizonte que recua à medida que a ciência
avança .
Como bem acentua o presidente do Supremo, só o
Congresso Nacional pode estabelecer as sanções cabíveis na
hipótese de serem ajuizadas ou contestadas pelas partes
demandas em flagrante conflito com o direito sumular
itinerantemente firmado. Aproveito, aliás , a oportunidade
para reiterar o que já escrevi, no artigo de 1 0/ 1 / 1 998 , quanto
à absurda possibilidade de um magistrado de primeira
instância conceder liminares contra a aplicação de leis
federais, com eficácia fora de sua jurisdição.
Folgo em registrar que foi aceito pelo ilustre ministro
Celso de Mello a minha prop � sta de criação de um
Contencioso Administrativo com função j urisdicional ,
m o tivo pelo qual prefiro abandonar d e vez o t ermo
Contencioso Administrativo , vinculado a o ord enamento
buro crático, p ara dizer, pura e simplesmente , Justiça
Administrativa e Tributária, visto destinar-se a disciplinar
as causas pertinentes ao sistema administrativo e tributário
das unidades federativas. Nem se estranhe que entre estas se
incluam os munidpios , tese por mim sustentada há muito
tempo , por terem eles suas atribuições diretamente declaradas
nas próprias matrizes da Constituição.
Muito embora não disponha de dados estatí sticos
confiáveis , tenho a impressão de que as questões admi-
- 1 07 -
nistrativas e tributárias são as que mais atravancam nossos
órgãos judiciários .
Folgo , outrossim , em verificar que o ministro Celso
de Mello não hesita em proclamar que "no Brasil, hoje, o
processo de reorganização do Poder Judiciário há de iniciar
se p o r sua base fundamental , que reside na primeira
inst�cia", salientando a relevância dos órgãos colegiados de
primeira instância.
É claro que não posso, em um artigo, analisar toda a
riqueza da proposta do ministro Celso de Mello , mas o meu
obj etivo é apoiá-lo em seu propósito primordial de situar a
reforma do Judiciário no primeiro plano das urgências
nacionais , porquanto a crise da Justiça é crise da sociedade e
do Estado. Com a crise da Justiça está em jogo a própria
cidadania .
181411998
- 1 08 -
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A j u s t i ç a a d m i'Iii s t r at iva
e t r ib ut á r i a
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e da televisão, se baseia cada vez mais na oralidade, sem amor
pelos valores primordiais da língua e o hábito da leitura
cotidiana . D edica-se sempre menos amor aos bons autores ,
para não me referir aos clássicos d o idioma, sendo , o que é
pior, impressionante a carência de correção gramatical, que
as gerações mais velhas aprendiam com o estudo do latim e ,
ao depois, quando este caiu e m desgraça, e m virtude d e
exercí cios d e "análise lógica", cujo exagero sofisticado fo i a
causa maior de seu lamentável repúdio.
Neste artigo, escrito a pedido de vários espectadores ,
vou fo calizar, porém , o que me parece o problema mais
urgente, que consiste em inserir a Justiça Administrativa e
Tributária nos quadros da Justiça em geral, dedicando-lhe
lugar próprio. Com estas palavras , já estou desfazendo mais
dois equívocos, compreensíveis dada a natureza do programa
Roda Viva, de marcado cunho dinâmico : o primeiro seria o
da criação do Contencioso Administrativo , que considero ,
.
atualmente , uma instituição superada, ademais fora de nossa
tradição , mais própria dos paí ses europeus ainda apegados a
uma herança monárquica imbuída de poderes jurisdicionais;
o segundo equív � co seri � o da instituição de uma Justiça
Administrativa e Tributária autônoma acrescida à Justiça que
a Constituição atual consagra e que , ademais , goza da
prerrogativa de propor ao Poder Legislativo respectivo as
propostas relativas à sua organização (Constituição, artigo
95 , II) .
Ainda não possuímos dados estatísticos absolutamente
fidedignos, mas, pelo que tem sido publicado, pode-se ter como
certo que um dos grandes entulhos judiciários, se não o maior
deles, é devido ao imenso número de processos pertinentes a
questões administrativas e tributárias, desde os municípios
até a União.
Como a regra é adiar indefinidamente os pagamentos
(e o drama dos pr � catórios está aí a demon� trá-lo de maneira
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gritante) , a Administração Pública jamais se conforma com
a pletora de decisões favoráveis aos contribuintes , recebendo
os procuradores instruções para recorrer sempre, por mais
evidente que seja a improcedência da pretensão do Fisco.
Sendo not6rio esse visceral incorformismo das auto
ridades administrativas , empenhadas em empurrar o s
processos "com a barriga" , conforme dito sumamente
expressivo , a fim de se transferir às administrações futuras a
responsabilidade de pagar os débitos legítimos, há necessidade
de medidas urgentes para coibir tais abusos . Não creio que a
instauração da súmula vinculante , de que se cogita em boa
hora, seja remédio bastante .
Ante um quadro dessa natureza, e por motivos outros
que não creio imprescindível ora alinhavar, é que me ocorre
a idéia de uma solução que me parece prática, sem necessidade
de alterar as estruturas essenciais do Poder Judiciário.
Em primeiro lugar, nada há, penso eu, a modificar na
organização do Supremo Tribunal Federal, como cúpula da
atividade jurisdicional, a não ser para dar mais ênfase à sua
primordial competência como Corte Constitucional, liberando
ª • por exemplo , do pe�sistente conhecimento de habeas-corpus,
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É claro que , nos estados e no Distrito Federal, os
tribunais de Justiça deverão obedecer a. iguais parâmetros ,
sendo criados tribunais d e Alçada Administrativa e Tributária,
de acordo com as necessidades locais .
No que se refere à l1 Instância, haverá necessidade da
criação de Varas Administrativas e Tributárias nas Comarcas
com grande número de ações movidas contra as pessoas
jurídicas de Direito Público , matéria esta, como as anteriores,
que independe de reforma constitucional, tudo se resol
vendo no âmbito de legislação ordinária .
É claro que uma reorganização dessa natureza impor
tará em vultosas despesas, mas as vantagens são manifestas,
inclusive no concernente à adequada especialização dos juízes .
Estou convencido , em suma, de que a Justiça tem
condições de superar em breve tempo sua crise , desde que
não lhe faltem os indispensáveis recursos financeiros , nunca
em demasia quando em jogo os valores da cidadania. Outros
aspectos do problema seriam resolvidos mediante a esperada
aprovação das súmulas vinculantes dos tribunais superiores ,
aos quais, em contrapartida, caberá o poder-dever de sempre
atualizá-las , a fim de que não se torne realidade o tão apre
goado engessamento do Direito. ·
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A qu e s t ã o d a s
s ú mu l a s vi n c u l a nt e s
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cuidar da reforma do Poder Judiciário, da qual pouco se fala,
apesar de sua manifesta urgência .
Atendo-me , p o r ora , apenas ao estudo da súmula
vinculante, observo que a reforma proposta não será suficiente
se não houver mudança de mentalidade, notadamente por
parte de nossas autoridades administrativas , as quais , verdade
seja dita, às vezes insistem em recursos inviáveis por absoluta
carência de meios financeiros , preferindo ganhar tempo até
haver pronunciamento definitivo do 6rgão judicial com
petente.
É que , na experiência jurí dica dos povos filiados à
tradição da Codificação Justiniana, como é o caso do Brasil ,
a lei representa a expressão por excelência do Direito ,. de tal
sorte que, apesar da imperatividade outorgada a uma decisão
judicial, haverá sempre modo de se invocar uma disposição
legal em caráter transit6rio . . .
Já o. mesmo não acontece nas nações do Common Law,
como a Inglaterra e os Estados Unidos da América, em cujo
amplí ssimo campo das relações privadas prevalecem as
normas estabelecidas pelos usos e costumes consagrados pelas
decisões judiciais , segundo o principio do stare decisis, o que
faz com que os ingleses se declarem mais romanistas do que
n6s , por serem fiéis ao Direito Romano clássico , obra da
doutrina e das decisões dos pretores , e não ao Direito Romano
cristão codificado pelo imperador Justiniano.
Ora, a idéia da súmula surgiu , sobretudo , graças aos
méritos do saudoso e douto ministro Vítor Nunes Leal, como
um enxerto feliz do Common Law no ordenamento de nosso
Civil Law, e, aos poucos, foi ganhando força e virtude, não,
contudo, até o ponto de alterar nosso tradicional e formalista
apego à lei até suas últimas conseqüências .
Como se v ê , ao lado da revisão constitucional
necessária para dar força vinculante às súmulas, permanecerá
sempre um probl�ma de natureza social, ligado à nossa
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tradição jurí dica, sem esquecer que o acúmulo dos serviços
judiciários é também reflexo da crise econômico-financeira
que atormenta os entes da administração direta e indireta,
bem como do obsoletismo e formalismo que caracterizam
nossa legislação, sem falar no totalitarismo normativo da Carta
em vigor. Basta lembrar que há quem considere inconsti
tucional a recente e oportuna lei sobre juí zo arbitral!
Não concordo, como j á disse várias vezes , com a tese
de que a adoção da súmula vinculante terá como conseqüência
o engessamento do Direito. Ninguém mais do que eu enaltece
o poder criador da doutrina, a qual, embora não sendo , a
meu ver, fonte do Direito, visto carecer de força coagente,
nem por isso deixa de estar na vanguarda da vida jurí dica,
pois cabe à hermenêutica jurí dica dizer o que as fontes
significam in concreto.
Não devemos esquecer, em suma, que a súmula já é o
resultado de um longo processo doutrinário e jurisdicional,
s endo certo que a convergência de várias decisões nas
instâncias superiores constitui demonstração do acerto na
apreciação das normas jurí dicas cm cons onância com
determinado quadro de fatos e valores .
Assim s endo, se se justifica plenamente a vinculação
dos juízes às súmulas , devemos, outrossim , nos prevenir
contra o indefinido congelamento delas , a despeito d e
exigências essenciais supervenientes e m razão d e mudanças
operadas no plano dos valores , dos fatos e da própria ordem
normativa. O aggiomamento das súmulas será, assim, um dever
primordial dos tribunais , pois elas, como costumo dizer,
representam um horizonte normativo suj eito a ser atualizado
à medida que a ciência avança.
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ÜBRAS FILOSÓFICAS
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(2 . ed. Saraiva, 1 9 9 8 ) ; Fontes e modelos do Direito (Saraiva,
1 994) .
OBRAS LITERÁRIAS
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Face oculta de Euclides da Cunha (Topbooks , 1 99 3) ; Das letras à
Filosefia (Academia Brasileira de Letras , 1 9 9 8 ) .
ÜBRAS DIVERSAS
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