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Mestre internacionalmente reconhe­

cido do direito há várias décadas, 0

ensaísta e poeta Miguel Reale tem sido


também um observador perspicaz da
realidade brasileira.
Muitos leitores, já acostumados a
acompanhar a opinião de Reale nos
jornais, vão surpreender-se com a
unidade desta coletânea de seus arti­
gos, a formar coerente e progressiva
crítica do capitalismo (sem o consi­
derar superado), indicando soluções
possíveis para a reforma do Estado
contemporâneo.
Obra inaugural da Série Livre Pensar,
esta reflexão sobre as "crises" de nosso
tempo é mais uma contribuição do
SENAC de São Paulo à formação cul­
tural de um país que busca seu me­
lhor destino.
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º�' dfvki.�·
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COORDENADOR

Lourenço Dantas Mota


Dados Internacionais de Catalogação na PubUcaçlo (CIP)
(Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Reale, Miguel, 1910-


Crise do capitalismo e crise do Estado /Miguel Reale. -
São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000. - (Série Livre
pensar; 1)

ISBN 85-7359-141-2

1. CapitalisDK> 2. Direito e política 3. O Estado 4. Justiça


social 5. Pol!tica 1. Titulo. li. Série.

00-3297 COD-320.51

fndices para <alálogo sistemático:


1. Capitalismo e Estado: Ci6ncia polltica
320.51
MIGUEL REALE

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EDITORA
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DO
IÃO PAULO
ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO SENAC NO ESTADO DE SÃO PAULO.
Presidente do Conselho Regional: Abram Szajman
Diretor do Departamellto Regional: Luiz Francisco de Assis Salgado
Superintendente de Operações-. Darcio Sayad Maia

EDITORA SENAC SÃO PAULO


Conselho Editorial: Luiz Francisco de Assis Salgado
Clairton Martins
Décio Zanirato Junior
Darcio Sayad Maia
A. P. Quartim de Moraes

Editor: A. P. Quartim de Moraes (quartim@sp.senac.br)

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© Miguel Reale, 2000


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Nota do editor, 7
Prefácio, 1 1
I. O capitalismo na encruzilhada, 13
II. Ainda a crise do capitalismo, 17
III. Novo capitalismo selvagem, 21
IV. Ética e capitalismo, 25
V. País do faz-de-conta, 29
VI. País da jogatina, 3 3
VII. Estado de Direito fajuto, 37
VIII. Crise da cidadania, 41
IX. Oposição arcaica, 45
X. Refúgios da Esquerda, 49
XI. Estrutura, programação e democracia, 53
XII. Os fins do Estado, 57
XIII. Estado e globalização, 61
XIV. Indivíduo, sociedade e Estado, 65

XV. Lições da praxe política, 69


XVI. Perspectivas da reforma política, 73
XVII. Reforma agora desnecessària: a econômica, 89
XVIII. Legitimidade de uma Constituinte Revisora, 93
XIX. A violência e a omissão do Estado, 97
XX. A crise do Judiciário, 1 05

- 6 -
XXI. A justiça administrativa e tributária, 109 ·

XXII. A questão das súmulas vinçulantes , 113


Principais obras do autor, 117

- 6 -
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A Série Livre Pensar, da Editora SENAC São Paulo,


propõe-se exatamente como isto: ser uma tribuna aberta à
opinião plural do país . Nela, a democracia brasileira, em seu
esforço permanente de afi rmação, vai encontranr as condições
necessárias para expressar-se .
É uma coleção· destinada a acolher não apenas as
diversas tendências do pensamento no aspecto ideol6gico ,
mas também a amplí ssima gama de assuntos e gêneros que
dão substância à vida social do país: a ciência, a arte, a política,
a economia, a religião, o esporte e tudo o mais que couber
no cadinho em que se engendra o espírito da nacionalidade .
Ao publicá-la, o SENAC de São Paulo tem a certeza
de estar ajudando a construir uma nova cidadania que indicará
os rumos da sociedade brasileira no século XXI.
Para abrir a série, esta obra de Miguel Reale revela­
se um admirável exe mplo de livre pensar. o grande mestre
do direito , que ao longo de uma carreira de escritor iniciada
em 1933 tem sido um observador atento e participante da
realidade brasileira, mostra-se nesta coletânea de artigos e
palestras com a integridade e a inteligência que pautam sua
vida sempre . E mostra que, além de toda a cultura amealhada
em tantos anos de leitura e meditação, conserva vibrante a
alma de poeta que lhe inspirou quatro livros publicados de
poemas.

- 7 -
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A

Antonio Paim
joão de Scantimbur90
Milton Var9as
Ubiratan de Macedo
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Este volume reúne artigos que escrevi para o j ornal O


Estado de S. Paulo, referentes à crise do capitalismo e à crise
convergente do Estado, com especial destaque ao Estado
brasileiro. A eles acresci o texto de uma palestra proferida
na Fiesp sobre reforma política.
Todos os artigos receberam cuidadosa revisão para
esta edição. Aqui eles não obedecem à ordem cronol6gica da
publicação , mas os diferentes assuntos versados têm sempre
como eixo os dois temas centrais, que se complementam ao
longo da exposição.
Não quero com isso subordinar o processo político ao
fenômeno econômico , pois a crise do capitalismo é bem mais
ampla, abrangendo diversos aspectos da cultura, como resulta
da natureza comunicativa de nosso tempo , no qual prevalece
a informação, vista como fator que dá nova configuração ao
capitalismo, que, a meu ver, não se pode considerar superado.
Observo que, nesses trabalhos , não me foi possível
evitar de fazer referência à distinção entre Direita, Centro e
Esquerda, mas o faço com cautela, pois , a bem ver; nossa
época se distingue pela convergência das ideologias , como o
demonstra a composição dos governos dos paí ses avançados ,
notadamente na Europa.
No Brasil, o Governo é organizado , não segundo
princípios , mas tão-somente em função de contingências
eleitorais , o que denota a imaturidade do Estado Nacional,

- 11 -
uma das razões de sua crise permanente, reflexo da falta de
agremiações poli ticas distintas umas das outras em razão de
idéias e programas .
Não se pode dizer que essa seja a causa da crise geral,
porque, em verdade, é a conseqüência de nosso atraso poli tico,
resultante da insuficiência ou primarismo de nossa formação
cultural.
Dir-se-á que , em alguns casos , não se poderia falar
em "omissão do Estado". O que está ocorrendo, na verdade,
são providências insuficientes , podendo-se afirmar que, pelo
menos em parte, elas resultaram de críticas como a que faço
na presente obra.
Feita essa ress alva , e s p ero, com esta oferta d e
perspectivas diversas, estar contribuindo para esclarecer as
razões sociopolíticas, mesmo porque ouso apresentar algumas
soluções que me parecem indispensáveis à nossa reforma do
Estado.

O Autor

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O c apit al i s m o
n a e n c r uzilh a d a

Quando desabou, como um castelo de cartas, o conglo­


merado da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas,
URSS, houve quem dissesse estar demonstrado que, enquanto
o capitalismo é uma realidade, o socialismo seria uma utopia.
Abstraindo da desavisada proclamação do "fim da
hist6ria", insubsistente, qualquer que seja sua interpretação,
o. certo é que, passados poucos anos, o socialismo ressurgiu

em surpreendentes comb inações com agremiações


conservadoras do capitalismo, tal como se verifica da
Inglaterra à Alemanha, da Espanha à Itália.
Ante essas ocorrências que denotam uma inesperada
''convergência de ideologias", tal como penso ter demonstrado
em meu último livro O Estado Democrático de Direito e o coeflito
das ideolo9ias, é preciso reexaminar o assunto, com serena
objetividade, chegando-se à conclusão de que o que soçobrou
foi o socialismo real, ou melhor, o socialismo cient!fico que, com
base nos ensinamentos de Karl Marx, pretendia ter comprovado
a tese da catástrofe inevitável do capitalismo, de cujas ruínas
surgiria a vitoriosa sociedade comunista, como o reino da
igualdade e da justiça social.
A bem ver, podemos dizer que, ao contrário da
pretensiosa profecia marxista, o que subsiste é antes o tão
criticado e renegado socialismo utópico, isto é , .o socialismo

-13-
como ideal e perene aspiração de, por todos os meios , ir-se
alcançando maior igualdade entre os homens sem ser
necessário para tanto subverter as estruturas capitalistas,
sendo preservados , concomitantemente, os valores da
liberdade e da democracia.
O que se dá é uma mudança de enfoque ou de
paradigma, passando-se a ter como p6lo referencial, ou como
fulcro do processo de desenvolvimento , não o Estado -

concebido como instrumento do advento comunista, ou então


como instrumento do capitalismo -, mas sim a sociedade civil,
base hist6rica natural de qualquer progresso positivo.
As diversas combinações político-partidárias de nossos
dias , que apresentam antigos adeptos do comunismo de mãos
dadas com not6rios conservadores , para exercerem em
conjunto as tarefas governamentais , resultam do novo e
realístico prop6sito de que o que importa é adequar cada
vez mais as. soluções políticas e administrativas às diversas e
distintas conjunturas da sociedade civil, superados os conflitos
ideológicos vigentes no segundo ap6s-guerra.
Ora, é à luz desse paradigma inovador que devemos
analisar o Jato capitalista, ,indagando de seu destino , o que
evidentemente não poderá ser feito por um economista
convicto de que tudo já estaria de antemão resolvido , visto
não haver outro remédio senão aguardar, com passiva
confiança, os resultados que , mais cedo ou mais tarde, seriam
propiciados pelas própriasforças do mercado, em virtude do
suposto valor intocável da livre concorrência, mãe de to.das as
possíveis benesses . É com base nessa crença absoluta que
Hayek e seus seguidores não hesitam em considerar a justiça
social uma expressão sem sentido , mera ilusão de quem ignora
as leis positivas do mundo econômico.
Pois bem, estou convencido de que esse pretenso
capitalismo científico é tão insubsistente e ilus6rio quanto o
socialisrlio cientifico, razão p ela qual , através de múltiplos

- 14 -
caminhos, socialismo e liberalismo tendem a se compor, neste
fim de milênio, para encontrar uma solução social-liberal,
resultado de recíprocas influências .
Isto posto , não creio que a grave crise do atual
capi talismo , com alarmante desemprego e desigualdades cada
vez mais revoltantes entre nações privilegiadas e nações do
Segundo ou do Terceiro Mundo - sem se olvidarem os
desastres ecológicos que a tecnologia pode acarretar quando
entregue ao livre j ogo dos interesses privados -, poderá ser
resolvida tão- somente através de medidas de natureza
econômica e financeira, máxime em um mundo globalizado
no qual imensas forças capitalistas não obedecem i:;enão ao
imperativo de seu próprio interesse, à margem de qualquer
válida e eficaz interferência por parte dos Estados chamados
soberanos.
Estou convencido de que a superação da crise capitalista
depende tanto de providências econômicas quanto de deter­
minações éticas e polí ticas, a fim de que não se assista ao
drama de um mundo no qual cada novo progresso tecnológico
importa em redução nos postos de trabalho, como fria e
inexorável conseqüência da redução do número das máquinas
indispensáveis à produção. É possível que tais desequilíbrios
.p ossam vir a ser superados graças apenas às leis competitivas
do mercado, mas as necessidades vitais dos trabalhadores e
de suas famílias não podem aguardar indefinidamente os
reaj us tes e s p o ntâneo s pregados pelos mentores do
neoliberalismo. A bem ver, o que está em jogo não é apenas
o bem-estar de milhares e milhares de pessoas, expulsas dos
quadros produtivos , mas é o próprio destino da economia
capitalista, exigindo sua revisão.
Era de se esperar, em suma, que o aumento da produti­
vidade mecânica gerasse, não o desemprego , mas a redução
das horas de trabalho, com acréscimo das horas de lazer; no
entanto , posta a questão em termos puramente monetários,

- 16 -
acontece o contrário. Resta ver se pode subsistir para todo o
sempre uma ordem econômica baseada apenas em cálculos
hedoní sticos , feita a abstração dos valores comunitários.
Pois bem, o que acontece no plano das relações
individuais repete-se, em mais trágica escala, nas relações
internacionais, com países cada vez mais ricos e paí ses cada
vez mais pobres, aqueles lançando mão de todos os recursos
para reduzir os preços das mercadorias exportadas pelos
subdesenvolvidos.
Em suma , não me parece razoável que, ao mais leve
indí cio de queda nos valores do mercado , a solução imediata
e inexorável seja a despedida dos empregados , ou as medidas
de proteção alfandegária , como se a saúde do capitalismo
global pudesse suportar por longo tempo tais desequilíbrios ,
a pretexto de que , mais cedo ou mais tarde , a mão oculta da
livre concorrência colocará tudo no seu devido lugar.

171411999

- 16 -
Aind a à' cri s e
d o c apit a l i s m o

Um prezado leitor, cuja crítica tenho em alta conta, a


prop6sito de meu artigo "O capitalismo na encruzilhada" (O
Estado de S. Paulo, 17-4-1999) , telefonou-me indagando da
possibilidade de prever-se o fim do capitalismo, na linha do
que é pregado por representantes da Igreja cat6lica, ou por
adeptos do marxismo.
É claro que, em se tratando de uma categoria hist6rica,
ou seja, de um conjunto unitário de relações culturais surgido
em dado momento da experiência do homem ocidental ,
abrangendo fatores éticos, sociais, políticos, econ&micos, etc . ,
não é dito que o capitalismo não possa ser, algum dia ,
substituído por outra forma de organização d a produção e
do trabalho, não subordinada à idéia fundamental da obtenção
de lucro graças à livre concorrência entre empresa,s , em
função das leis do mercado , com a menor interferência
possível do Estado.
Todavi a , na atual conj untura mundial - como a
economia dos Estados Unidos da América, do Canadá ou da
Austrália o comprova - não vejo como se possa anunciar o
fim pr6ximo do capitalismo , que tem se caracterizado pelo
dinamismo de alterações e adaptações feitas para atender a
super venientes mudanças operadas no plano social ou
tecnol6gico. Como foi demonstrado cabalmente por Max

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Weber, o racionalismo tem s ido uma das características
inerentes ao capitalismo, o que explica a sua sobrevivência,
apresentando fases que frontalmente se contradizem, desde
o capitalismo selvagem analisado por Marx e Engels até os
diversos sis temas engendrados para assegurar sintonia entre
a política liberal, que lhe corresponde, e a relação trabalho-­
capital, fulcro básico do sis tema capitalista.
O ra, s e os processos eletrônicos vêm, di a a dia,
subvertendo a relação trabalho-capital, atingindo profundamente
aquele, devido ao gigantesco desemprego que provocam na
grande maioria das nações, cumpre reconhecer que está em
causa o cerne do capitalismo, impondo-se o seu ajuste às novas
exigências tecnol6gicas . Esse é o grande desafio da civilização
cibernética, envolvendo tanto problemas econômicos como
técnicos e políticos, fazendo incidir o paradi9ma social sobre o
liberalismo, convertendo-o em social-liberalismo. O acréscimo
da palavra "social" a liberalismo não representa mera figura
ret6rica, pois decorre de fatos inegáveis, como, por exemplo, a
socialização acionária do capitalismo norte-americano, com
grande. parte do povo participando do lucro das empres as.
Não obstante esses aspectos positivos , não há como
fechar os olhos ante o alarmante desemprego, que, por
envolver inadiáveis exigências vitais , exige providências
imediatas , dependentes de atenção de juristas, políticos,
economis tas e técnicos no que s e refere às relações de
trabalho, à ampliação do seguro-desemprego, ou a adequados
financiamentos de caráter emergencial. É inadmissível, em
s uma, que a cada conquista tecnol6gica correspondam
milhares de trabalhadores a menos .
Entra pelos olhos a natureza ética de tal questão, mas
não s omente ética, porquanto, consoante já dito, a relação
trabalho-capital é o eixo de gravitação do capitalismo, de tal
modo que, rompida essa relação, é o pr6prio capitalis mo que
fica comprometido.

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Dir-s e-á que , posta a questão nesses termos , melhor
·s eria pen sar em uma sociedade não capitalista , mas esse
ra cio cí nio simplista implica o esquecimento de que a
socialização dos meios de produção é incompatível com a
d emocracia, abrindo campo ao totalitarismo , como o
demonstrou a Rússia soviética.
Imp õ e - s e , p o i s , a r e vi s ã o d o capitali s m o em
consonância com os ideais de liberdade e de democracia,
estando demonstrado que não· há democracia sem livre­
empresa, nem esta sem global acesso às fontes de trabalho.
Ademais , cabe ponderar que as medidas a serem
tomadas devem ter caráter universal, visto que a globalidade
é um fato inconteste, não bastando providências isoladas deste
ou daquele Estado , por mais poderoso que seja, mesmo
porque há também um fenômeno marginal mas apavorante,
que é o dos capitais flutuantes de natureza puramente
especulativa, aos quais os meios de comunicação eletrônica
conferem um poder transnacional nunca antes imaginado.
Por outro lado, quando se fala em universalidade, não
se está olvidando , evidentemente, o que nela está implí cito ,
isto é , o valor do particular, no caso o da alta compreensão
que deve existir entre as empresas e seus empregados, como
. se deu no AB CD, onde empresários e trabalhadores se
compuseram mediante acordo apto a evitar novas despedidas,
contando com a colaboração do ilustre governador do Estado
que anuiu em reduzir a incidência tributária . Com isso
comprovaram-se dois fatos fundamentais: primeiro , que não
é fatal, como pregava Marx , o conflito entre o trabalho e o
capital; e, em segundo lugar, que a diminuição dos impostos
não importa em diminuição da arrecadação fiscal.
Outra conclusão que emerge do até aqui exposto
refere - s e à sob erania d o s Estad o s , cuj o fim muitos
apressadamente proclamam , quando , na realidade , é ela
indispensável não somente para estabelecer uma linha de

- 19 -
eqüidade entre os direitos da livre-empresa e os direitos do
consumidor, lato sensu, mas também para serem preservados
os valores culturais peculiares a cada povo , a começar pelos
de seu idioma.
É, por conseguinte, em um quadro do mais amplo
espectro que deve ser situada a crise do capitalismo, não
para salvar interesses das classes dominantes , como pensaria
um leitor malicioso, mas sim para alcançar uma ordem social
e econômica, na qual se restabeleça, em sua justa concret:µde,
a relação trabalho-capital.
A mera obediência às leis do mercado, com total
confiança na livre concorrência , não lograria superar a crise
atual do sistema capitalista, sendo imprescindíveis medidas
que transcendem o mundo econômico e envolvem todos os
valores da civilização , com base em um sentimento de
universal solidariedade , infenso , por exemplo , ao prote­
cionismo alfandegário que oprime os paí ses em desen­
volvimento.

}11 / S/ 1999

- 20 -.
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Novo c apit ali s m o


s e lva g em

Capitalismo selva9em foi a denominação que recebeu a


fase inicial do capitalismo industrial , na segunda metade do
século XIX, quando a utilização da energia a vapor vinha
alterar radicalmente o processo de produção , provocando a
ganância desmedida dos empregadores . Daí a imposição de
jornadas de quatorze ou quinze horas de trabalho , bem como
a exploração desumana de mulheres e crianças nas fábricas
destituídas de qualquer proteção contra os acidentes laborais
e os males por elas causados à saúde .
Foi essa fase d o capitalismo que deu lugar às famosas
críticas de Marx e Engels , dando nascimento ao chamado
. socialismo dentijlco, o qual, com base no princípio do determinismo
histórico, sustentava que não havia outro remédio, para ter-se
um mínimo de justiça na organização econômica, senão a
"socialização dos meios. de produção", pondo termo ao
predomínio do individualismo capitalista.
É sabido, no entanto, que, após Choques violentos entre
empresários e trabalhadores , quando marxismo e anarquismo
se confundiam em uma luta heróica, foi o próprio progresso
da tecnologia que criou as condiÇões materiais indispensáveis
para tornar possível a composição dos interes s es dos
capitalistas com as reivindicações dos trabalhadores , graças
ao reconhecimento de direitos sociais básicos, com uma

- 21 -
correlação mais eqüitativa entre as forças do capital e as do
trabalho.
Foi a partir desse ajuste de interesses , sempre suj eito
a novas correções para se obter maior justiça e bem-estar
social, que o capitalismo industrial, com o advento da energia
elétrica, se desenvolveu poderosamente , alterando a face da
Terra, tendo como fundamento a harmonia progressiva entre
capital e trabalho, sendo apontada como momento decisivo
desse processo histórico a visão de Henry Ford , segundo a
qual a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e da
s o ciedade em geral seria a alavanca do progresso do
capitalismo. Não sem razão, Gramsci reconheceu o valor
positivo do fordismo , situando a problemática socialista em
novos termos, em função do desenvolvimento cultural, mais
do que em razão do materialismo histórico pregado por
Marx .
O certo é que o capitalism_o industrial, como forma
decisiva do capitalismo moderno , acabou prevalecendo sobre
a pregação do pseudo-socialismo científico que se pode considerar
definitivamente superado após o espetacular soçobro da
economia soviética.
Relembrados esses fatos, cabe reconhecer que o êxito
capitalista se deve a três fatores conjugados : a) o binômiQ
trabalho-capital, um condicionando o outro ; b) o desen­
volvimento tecnológico acorde com a equação trabalho­
capital; c) o princípio da livre-empresa em uma economia
baseada na li vre concorrência. .

Pois bem, nos dois artigos anteriores (O Estádo de


S. Paulo, 17/4/1999 e 12/5/1999) penso ter demonstrado
que , na presente passagem para uma nova fase do capitalismo
- marcada pela substituição da energia elétrica pela eletrônica
e por todos os elementos técnicos que compõem a "civilização
cibernéti ca" , assistimos , inegavelmente , à ruptura d e
equilíbrio entre capital e trabalho , dado o gigantesco

- 22 -
des emprego que assusta o mundo , com o crescente risco de
.um a economia ieformal caracterizada pela falta de garantia de
formas de trabalho regular e contínuo, cujo acesso esteja
assegurado a todo s .
Concluí o s mencionados artigos afirmando que não
creio que a mera confiança nas leis do mercado - que
continuam a merecer absoluta fé dos . neoliberais, supostos
arautos do neocapitalismo - poderá restituir em tempo hábil,
ou seja, em tempo compatível .com as necessidades vitais
que o desemprego deixa de atender, a justa correlação que
deve existir entre o poder-dever dos empresários e o dos
trabalhadores, parecendo-me necessária uma série de medidas
conjuntas de emer9ência por parte dos Estados e dos pr6prios
empresários visando superar a crise econômico-financeira
que , hoje em dia, se põe em sentido global , negando fontes
de vida a milhões e milhões de pessoas. Creio que nem
mesmo os Estados Unidos da América poderão, por longo
tempo, ficar alheios à 9lobalidade da crise, a qual está exigindo
prontas soluções emergenciais, a fim de que não se recaia em
inesperadasformas de capitalismo selva9em, caracterizado pela
fratura da relação capital-trabalho . Não vej o, em verdade,
que diferença existiria entre o antigo capitalismo selvagem ,
baseado em iní quas quinze horas de trabalho, e o atual que
· fecha as portas ao trabalho, porque o progresso tecnol6gico
permite que çom menos gente se possa alcançar maiores
resultados produtivos .
É inútil anunciar que , com decorrer d o tempo , a
o

tecnologia e a livre concorrência restabelecerão o equilíbrio


partido, porquanto afome não espera, sendo uma das causas
da violência social que nos assombra, embora esta dependa,
evidentemente, de outros fatores de natureza cultural, com
as deficiências educacionais na vanguarda.
Como já disse, não me parece que estej a em j ogo o
capitalismo , como forma hist6rica de organização social, pois

- 23 -
seria loucura pensar em Estados empresários, capazes de
restabelecer o apontado equilíbrio rompido, uma vez que já
vivemos duramente a experiência do totalitarismo soviético,
com privação da liberdade em uma comunidade de miséria,
destituído o homem de sua dignidade pessoal.
Ademais, além de medidas de emergência para garantir
aos trabalhadores de todas as categorias sociais o indispensável
a uma vida condigna, é imprescindível que os Estados, sem
exceção, cuidem também de estancar os males causados por
outra forma de capitalismo selva9em representada pelos que se
valem dos gigantescos meios eletrônicos atuais a fim de
movimentar capitais puram ente espoliativos, tendo como fonte
de inspiração e objetivo exclusivo o lucro despido de qualquer
sentido ético e produtivo: trata-se, portanto, de aplicações do
capital totalmente à margem do binômio capital-trabalho e,
como tal, incompatível até mesmo com os valores que têm
inspirado o capitalismo ao longo de sua história.

291511999

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Ét i c a e c apitál ism o

Em artigos anteriores apontei, entre outros, os males


que o capitalismo internacional vem causando aos países
subdesenvolvidos e emergentes, em virtude de ser dado valor
exclusivamente aos interesses econômicos imediatos, valendo­
se cada empresa de sua posição dominante, para impor
soluções unilaterais excessivamente vantajosas.
Já estou ouvindo a objeção que os neoliberais por certo
desde logo me farão de que a atividade econômica, não sendo
de natureza necessariamente ética ou assistencial, obedece
apenas e tão-somente à lei do retorno que propicie ao
aplicador de recursos a maior vantagem e no mais breve
tempo possíveis, sendo inútil criticar essa atitude que está
no cerne do mundo capitalista.
Pois bem, o que ouso afirmar é que, na situação atual
de economia globalizada, já é tempo de se ir alterando a
mentalidade de economismo estrito que ainda prevalece nos
meios internacionais, reconhecendo-se que uma preocupação
extremada, que não vise senão à retribuição maior possível,
implica não apenas conseqüências eticamente criticáveis mas
também economicamente nocivas.
Dúvida inexiste, com efeito, de que a economia
capitalista tem como fulcro essencial a relação capital­
trabalho, e a experiência já tem demonstrado que, não raro,
_
o capital cresce desmedidamente em termos de volume de

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resultados imediatamente compensadores, sobretudo tirando
partido e proveito do progresso tecnológico , enquanto
decrescem , quando não se anulam , temerosamente , as
oportunidades de trabalho.
O que mais me preocupa, na etapa atual do capitalismo,
é, em verdade, o crescente desemprego que leva alguns Estados
a recorrer a aumentos descomunais de seg uro-desemprego,
desviando , para tal fim ,· disponibilidades monetárias que seriam
necessariamente exigíveis no setor da educação e da saúde. Não
compreendo como não se perceba que, dia a dia, aumenta o
risco de atingir-se a própria galinha produtora de ovos de ouro.
Quando se fala tanto na crise da Previdência Social , e
se dá crescente atenção a modelos cada vez mais capazes de
reconquistar o equilíbrio entre a receita e a despesa, eu me
pergunto se não está sendo esquecida , na apreciação da
matéria, o passivo que os Estados são obrigados a suportar
de maneira assustadoramente crescente em razão das despesas
extraordinárias que , direta ou indiretamente , pesam sobre
os órgãos previdenciários .
Por outro lado , é verdade manifesta que, por mais
que as entidades públicas acresçam seus seguros-desemprego ,
quem não .trabalha não tem meios e modos para sair de uma
vida rotineira para adquirir os novos produtos que emergem
dos mais avançados processos tecnológicos, o que demonstra,
a olhos vistos, que a falta de acesso a postos de trabalho não
constitui um problema que se possa desprezar a pretexto de
as despedidas resultarem das leis do mercado. Verificamos ,
ao contrário, que, a bem ver, estamos em face de uma questão
tão econômica quanto ética, sendo inútil pensar que a omissão
ética do capitalismo terá sempre o suporte do Estado como
sua passiva caixa de compensação de resultados negativos: é
o trabalho , como tal , que é nulificado , romp endo - s e
perigosamente a sua equação com o capital, razão d e ser de
uma eco;nomia capitalista saudável e atuante .

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Por tais motivos, não me parece justificável, digo -o
mais uma vez , que a primeira e natural tentação de máxima
pro dutivid ade, graças às conquistas tecnol6gicas , sej a logo
acompanh ada não da idéia de "aporte" de novos capitais por
par te do i nvestidor, mas de dispensa do maior número
po ssí vel de trabalhadores. Há, em suma, um temeroso circulo
· vicios o nesse processo tecnol6gico seguido de desemprego,
0 qual , por sua vez, redunda em quebra inevitável no número

dos consumido res .


N o Brasi l , ve·m o s , claramente , e s s e d e s o lador
fenômeno na área da produção automobilística, cujas empresas
vivem a se lamentar de crise e queda nas vendas , sem se
lembrarem de que elas mesmas se situam entre as fontes que
acarretam a diminuição das compras , com a eliminação dos
que possam comprar.
É por isso que, ante um mercado francamente compro­
metido , causa-me estranheza que tanto se tenha pelejado para
posiciónar a Ford na Bahia, quando , a olhos vistos, a produção
automobilí stica cada vez mais se sobressai como geradora
de desemprego. No caso, talvez sej am os trabalhadores de
São Paulo as ví timas mais diretas de uma concorrência que
somente se explica porque a multinacional americana recebe
de mão beijada, concomitantemente , favores federais ,
.
estaduais e municipais, sem se falar que , com tais exemplos,
vemos renovadas as distorções de nossa estrutura federativa,
com uma violenta e inadmissível competição fiscal entre os
estados federados .
O pior é que esse vezo de resolver sempre as questões
econômicas à custa do mais fraco se estende também aos
Estados mais poderosos , prontos a estabelecer barreiras
alfandegárias tão logo estejam em desvantagem os produtores
locais , como ainda recentemente ocorreu com os Estados
Unidos da América no caso da importação de aço do Brasil,
sem razão acusado de dumpin9 .

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O curioso é que fatos dessa natureza ocorram na única
nação do mundo sem desemprego e com crescentes índices
de produtividade, demonstrando que não passavam de meras
palavras vãs o pedido do presidente Clinton para serem
reduzidas e até mesmo perdoadas as dívidas dos ppvos mais
pobres, a fim de não ficar comprometido o equilíbrio da
economia globalizada e não apenas por espírito assistencial,
alheio às tendências que vigoram no mundo dos neg6cios.
Longe de mim a tola prevenção contra a idéia de lucro,
a qual tanto prejudicou as nações de formação cat6lica -
como o demonstrou Max Weber -, mas o que critico é o
açodamento em se estancar as fontes de trabalho, cuja
conseqüência, em um bumerangue assustador, acaba
atingindo, mais dia menos dia, as pr6prias fontes da produção
capitalista, máxime se se tem presente que os processos
eletrônicospermitem que um bem econômico possa ser feito,
por partes, em diversos países, fragmentando, a um s6 tempo,
as forças do trabalho e da respectiva representação sindical,
fato este merecedor de especial atenção pelos que postulam
uma democracia social.

241711999

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País d o faz�d'e-o o nt a

Quando se afirma que uma nação deve desenvolver


suas atividades com base em um ordenamento 9lobal resultante
da harmônica integração constitucional de subordenamentos
de natureza jurídica, política, econômica, social, fiscal,
educacional, científica, etc. , fico a pensar se isto ocorre no
Brasil, dada a contínua improvisação de decisões e com­
portamentos por parte dos indivíduos, dos grupos e das au­
toridades públicas, à margem da ordem global correspon­
dente à verdadeira conjuntura do país.
Em princípio, o ordenamento 9lobal é o fixado pela Carta
Magna em suas diretrizes gerais, sendo enunciados
mandamentos para plena validade e eficácia, não podendo se
dar na sociedade civil e no Estado nada que entre em conflito
com suas determinações soberanas, mas, infelizmente, não é
o que na prática acontece.
Não se diga que a ,causa primordial da desorganização
existente, com graves danos para as pessoas e a coletividade,
seja a Constituição de 1988, que, nem bem promulgada, já
exigiu profundas reformas, ainda bem longe de estarem
concluídas. Verdade se diga que o legislador constituinte teve
consciência da fragilidade do ordenamento por ele concebido,
tanto assim que previu sua total revisão dentro de um
qüinqüênio, em sessão unicameral no Congresso Nacional,
por maioria absoluta e não por três quintos dos votos da

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Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Jamais se poderá
perdoar a incúria dos parlamentares que, em 1993, movidos
apenas por seus pequeninos interesses eleitorais, perderam a
oportunidade excepcional que tiveram para a correção de
erros já então manifestos. O resultado é que até agora o
processo revisiona! nem sequer atingiu o meio do caminho!
A meu ver, após a reforma de natureza econômica,
inegavelmente a mais urgente porque se contrapunham
odiosos monopólios a prometidas diretriz es liberais,
bloqueando a produção e a circulação das riquezas, a que
devia ter sido logo empreendida era a de caráter político, ou
seja, a relativa ao sistema de poder. Também nesse ponto, o
legislador constituinte reconheceu a debilidade de suas
resoluções, pois estabeleceu a obrigatoriedade de um
plebiscito para saber-se se o eleitorado queria o regime
parlamentar ou o presidencialista. Fez-se a consulta ao povo,
e o presidencialismo foi preferido por larga margem de votos,
mas tudo continuou na mesma; ou seja, em um sistema de
governo que o mais imaginoso dos juristas não logra definir,
porque, na realidade, é um conjunto amorfo de regras de
um e de outro sistema. A rigor, fazemos de conta que o
nosso regime é presidencialista, com um chefe de nação que
tem cara de primeiro-ministro, dependente dos interesses e
das opções do Congresso Nacional. Tudo acabou em uma
simulação de governo semipresidencial, ao qual �
imprescindível, sabe Deus. a que custo, a formação de uma
base de sustentação parlamentar...
O pior é que, sendo a. democracia atual, como ensina
Sartori, necessariamente uma partidocracia, não atendemos a
essa condição, pois nossas agremiações políticas não possuem
qualquer consistência doutrinária ou programática, não
passando de ajuntamentos de interesses pessoais, regionais
ou corporativos. Nesse Jaz-de-conta partidário, o resultado
inevitável foi a instauração de uma legislação baseada fun-

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damentalmente em medidas provisórias despidas de provisoriedade,
0 que é bem a imagem de nossa democracia.

Nesse quadro, a despeito da Constituição ser avessa a


planificações econômicas obrigatórias no setor privado,
vivemos sob o jugo·de determinações compulsórias que se
esparramam desde Brasília até os mais longínquos e insig­
nificantes municípios, pelo simples motivo de o Congresso
Nacional, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Mu­
nicipais não se destinarem precipuamente a legislar, :mas a
deliberar, mais freqüentemente, sobre questões de imediato
alcance. eleitoral.
Ainda agora, vemos o Congresso Nacional às voltas
com um projeto de lei que visa perdoar nada menos de 40%
das díVidas aos ruralistas, em um suposto movimento colossal
de pequenos agricultores, quando todos sabemos que, por
trás deles, atuam conhecidos latifundiários, devedores
contumazes que levam uma vida de revoltante ostentação.
Nem por isso, porém, tais postulações deixaram de merecer
o apoio do Partido dos Trabalhadores, movido pela idéia de
conquistar, posteriormente, para si a massa dos agrkultores
menos abonados ... Não se esqueça, poré m, de que o PT
pretende atingir o poder por meios democráticos, se possível,
mas pela forÇa, se necessário.
Por outro lado, se a Lei Maior desenha com grande
apuro os mandamentos ao Estado Democrático de Direito,
proclamando a igualdade de todos perante a lei, com a
garantia de uma ordem social fundada tão-somente em
disposições legais, assistimos, todos os dias, a invasões de
propriedades agrícolas, produtivas ou não, pelos sem-terra,
aos quais é permitida a violação do direito de propriedade,
inclusive com recursos recebidos do estrangeiro. E, como se
isso não bastasse, os líderes do MST não escondem seus
objetivos reais, com pregação aberta de medidas subversivas,
sem que qualquer autoridade policial se lembre de tomar as

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devidas providências. O que me impressiona deveras é o
alheamento dos 6rgãos públicos, responsá veis pela
salvaguarda da ordem democrática, tão solícitos na repulsa
às mínimas ofensas aos valores do meio ambiente, e, no
entanto, totalmente indiferentes às pregações manifestamente
antidemocrá ticas dos que pretendem instaurar seu
totalitarismo socialista na senda, iião de uma reforma, mas
de uma revolução agrária. E fazemos de conta que tudo está
em paz e em boa ordem.
A apontada vida de aparência democrática e de
aparente civilização repete-se em todos os quadrantes do país,
não escapando sequer os centros maiores de cultura, com
universidades públicas que comprovadamente são gratui­
tamente freqüentadas por estudantes pertencentes às famílias
mais ricas, enquanto os desprovidos· de fortuna são obrigados
a se matricular em caríssimos estabelecimentos de ensino
privado. Nem se diga que sou contra a universidade pública,
pois meu passado prova o contrário. O que desejo é que,
garantido aos atuais alunos de universidades oficiais o
privilégio da gratuidade, à sombra do direito adquirido, elas.
passem a ser pagas, instaurando-se numerosas bolsas de
estudo, para atender aos que Cesarino Júnior denominava
"hipossuficientes" e que revelarem real vocação e capacidade.
São duras as verdades indispensáveis a pôr termo a
uma organização social e política marcada pela aparência e
pela simulação, como aquela que vegeta no Brasil.

41911999

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�nah.{,\� O'.!.

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País da Jogàt i n a

Ninguém ignora que o jogo, como a embriaguez, faz


parte da natureza humana, tendo ambos as mesmas raízes.
Para certas pessoas é difícil, seja por pendor pessqal, seja em
razão das circunstmcias, conformar-se com o ritino normal
de vida cotidiana, distribuindo suas esperanças e atividades
segundo um provável enquadramento.
Pelo álcool, e já agora pelas asas temerosas da droga,
o que se quer é fugir da seqüência monótona das horas e dos
dias, para se alcançar, em pouco tempo, o reino do sonho e
da fantasia. É inútil, em grande número de casos, advertir
que essa evasão é perigosamente transitória, pois, passada a
ilusão etílica, sua vítima vê redobrada a linha de aflição e de
. desespero.
O jogo assinala, por sua vez, um escape acompanhado
da tentação de obter, em pouco tempo, a tão almejada
riqueza. Tudo se resume numa aposta contra o tempo, na
sofreguidão de obter gratuitamente o que em geral é fruto
de muito trabalho e sacrifício.
Tociavia, se o álcool e o jogo acompanham como
sombras o processo vital da espécie humana, há momentos
em que eles quebram todas as previsões e se transformam
em graves sintomas de decadência e de doença social. É o
que está acontecendo, de uns tempos para cá, no Brasil,
superando todas as experiências do passado.

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Antes que o presidente Eurico Gaspar Outra viesse
pudica e ilusoriamente fechar os cassinos - onde o carteado
e a roleta satisfaziam sobretudo aos anseios das classes
abonadas, mas sem exclusão do proletariado - era o jogo do
bicho o encanto do povo, a única oportunidade, não digo de
enriquecimento fácil, mas pelo menos de alcançar alguma
folga no "tran tran" de uma existência considerada mon6tona
e desprovida de agradáveis surpresas. O jogo do bicho,
reconheçamo-lo sinceramente, ê uma das grandes invenções
nacionais, tanto por sua organização como pela honestidade
no pagamento das apostas. Não sei se, transferido para as
mãos do Estado todo-poderoso, seriam atingidos os mesmos
resultados É bem possível que a burocracia venha a
. . .

corrompê-lo ainda mais.


Passamos, a seguir, para o "jogo de massa", graças à
informá tica que, em poucos instantes, permite sejam
conhecidos os vencedore.s. Primeiro, foi com a semanal
"loteria esportiva" (que nome sugestivo!) que se tornou
possível amealhar imensas fortunas em razão de pequenas
ou gordas apostas.
Já agora entra em cena a televisão que, com a refinada
técnica eletrônica, põe diariamente a prêmio bens sedutores,
desde televisores do último tipo até fascinantes autom6veis.
Valendo-se do contrato de concessão que .o Estado lhes confere,
as empresas de tevê são, hoj�, o reino por excelência da
jogatina, tendo como parceiro o sistema telefônico, que é,
não o esqueçamos, um serviÇo público. Pode-se dizer que,
desse modo, é o pr6prio Estado que possibilita e asseg4ra,
querendo ou não, o novojogo gigantesco envolvendo milhões
de pessoas de todos os níveis sociais, com a hipotética
declaração de ser proibida a participação de menores...
Estamos, repito, perante a '1ogatina de massa", sendo
de um ridículo atroz ver os seus executores figurarem no
vídeo como se estivessem prestando um imenso favor ao

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po vo, incitando os espectadores a dar incontinenti o
·telefonema da sorte antes que se escoe o tempo para acionar
0 computador. É uma pantomima revoltante, precedida de

uma campanha solerte, acompanhada de gritos sedutores e


de blandiciosos apelos.
Mas, se um fato tão lastimável acontece à revelia ou
-

com a imperdoável autorização do Poder Público - não


bastará dizer que tudo decorre dos sortilégios da informática
e da comunicação eletrônica, pois nada aconteceria se a
sociedade não estivesse tão doente, tomada da dupla doença
do despreparo e da desesperança. O que prevalece em todos
os setores da comunidade nacional é a ansiedade ou a angústia
de compartilhar do complexo de benesses de que dispõem os
ricos.
Em um país, que figura entre os que apresentam os
índices mais revoltantes de desigualdade social, tanto regional
quanto individual, colossais fortunas contrastando com a mais
esquálida miséria, é natural que o"espírito lúdico", isto é, do
jogo e da aposta, tenha se tornado algo natural e disponível,
do que gananciosamente se aproveitam os grandes senhores
dos instrumentos de comunicação de massa, em complemento
ao que já fazem em seus espetáculos de orgia e violência.
Cumpre, poré m, perguntar de onde provêm os
recursos para a aquisição e distribuição de tão vultosos
prêmios como autom6veis, televisores, aparelhos de som,
etc. É 6bvio que, em geral, não são fornecidos por pessoas
abonadas, mas sim desviados de parcos salários, esvaziados
de importâncias normalmente destinadas à compra de
alimentos, remédios, roupas, livros ou cadernos escolares.
Tudo é destruído inexoravelmente pelo novo vício que a
tecnologia de ponta propicia, para gáudio de poucos
afortunados.
Em um cenário desse tipo, que estimula todas as
formas de enriquecimento ou jogo fácil, ao mesmo tempo

-�R-
que oferece modelos exempl ares de viol ência, . como
haveremos de estranhar que os grandes e pequenos assaltos
se tenham convertido em episódios corriqueiros de nossa
vida comum? N ão se queira mal iciosamente atribuir o
aumento de furtos e assaltos ao crescente desemprego, uma
das deficiências do capitalismo neste sombrio fim de milênio.
Na sociedade não há fatos isolados ou monocórdicos,
visto como todos eles se entrelaçam, dando a fisionomia real
ou integral do povo. O jogo é um vício de mil faces, sendo o
ladrão, sabidamente, um herói às avessas, que se arrisca na
linha do malefí cio e do crime, ·agindo com tanto mais audácia
quanto menos generalizado é o apreço pelos valores éticos.
Donde se deve concluir que a jogatina colossal imperante
subverte, em suma, todos os valores. Para que disciplinar a
inteligência e a vontade, empenhando-se em duros trabalhos,
sacrifí cios e poupanças? Para que amealhar bens p ara
constituir o próprio patrim8nio, se, de repente, a fortuna
entra em casa através da imagem mágica do vídeo?
Sem que se perceba,. é todo um sentido de vida, toda a
mentalidade individual e social que está em jogo, arrastando
de roldão valores essenciais à nacionalidade e à cidadania, à
sombra indiferente dos guardiães da República. Já é tempo,
pois, de os responsáveis pelos valores morais da nação se
erguerem, em uníssono, contra a jogatina eletr8nica que se
instaurou no país, à sombra das concessões de serviço público,
tirando ilícito proveito .da comprometedora omissão do
Estado.

301511 998

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E st a d o d e D i r eit o faj ut o

Por Es tado de Dire ito entende -se aquele que ,


constituído livrem.ente com base na lei, regula por esta todas
as suas decisões . Os constituintes de 1988 , que deliberaram
ora como i luminis tas , ora como il uminados , não s e
contentaram com a juridicidade formal, preferindo falar e m
Estado Democrático de Direito, que se caracterizaria por levar
em conta também os valores concretos da igualdade.
Infelizmente, es�a alteração fundamental não logrou
possibilitar o alcance da sonhada democracia social, · pois
estamos bem longe do ideal almejado, avolumando-se os casos
de ofensa reiterada aos mandamentos legais. Poucos exemplos
bastarão para comprovar esta minha assertiva.
A começar pelas CPis, que estão na moda, é fácil
verificar que nossos legisladores as decretam e executam à
margem da C ons tituição. Estatui e sta, com e fe it o, no
parágrafo 32, de s e u artigo 5 8 , que as C omiss õe s
Parlamentares de Inquérito terão "poderes de investi9ação
próprios das autoridades judiciais [. . ] para apuração deJato
.

determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o


caso, encaminhadas ao Ministério Público para que promova
a responsabilidade civil ou criminal dos infratores".
Pois bem, o que estamos vendo no caso da "CPI do
Sis te ma F inance iro" - cuja conv ocação es tá mais que
jus tificada - s ão infrações ao texto constitucional supra-

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referido, com ri sco de comprometer sua atuação. É que,
demonstrando pouco conheci mento da Carta Magna, os
senadores transformaram a CPI, de "órgão de investi gação",
como deveri a ser, em verdadei ro " tribunal popular " ,
lembrando tristes episódios da Revolução Francesa. Além
disso, ao invé s de agirem com a circunspecção própria dos
juízes, atuam com alarde, proferindo juízos manifestamente
precipitados. A situação se tornou tão irregular que, em lugar
de serem encaminhadas suas conclusões ao Ministério Público,
foi este que se apressou a abastecer a CPI de dados e
informações . . . Tudo de monstra, em suma, o comum
desconhecimento dos precei tos constitucionais, cujo resp�ito
sereno e imparcial é o primeiro pressuposto do Estado de
Direito.
Por outro lado, o Ministério Público, tão solícito em
apurar as menores ofensas aos valores do meio ambiente,
fecha os olhos à contínua vi olação do direito de propriedade
- que a Lei Maior manda expressamente respeitar no inciso
XXII do artigo 512 - perpetrada em todo o território nacional
pelo Movi mento dos Sem-Terra (MST ) , com invasões
crescentes de propriedades produtivas, como é notório. O s
lí deres do MST chegam a anunciar o local e o dia das invasões,
sem que haja a menor providência, por par te tanto do
Ministéri o Pi,íblico como dos órgãos policiais competentes
do Executivo. A garantia constitucional praticamente inexiste
devido à omissão ou à pusilanimidade de instituições que a
Carta de 1988 revestiu de tão altos poderes.
Esse olvido da lei causa, muitas vezes, não somente
lesões de cará ter i ndivi dual, mas prejuíz os i mensos à
população, tal como se dá no caso de greves em serviços
essenciais. Nesse sentido, seja-me permitido lembrar que,
no seio da C omissão de Estudos Consti tucionais, a chamada
"Comissão Arinos", encarregada de elaborar o anteprojeto
de Constitu�ção a ser apresentado à Assembléia N acional

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Constituinte - o que depois não ocorreu devido à lamentável
o missão presidencial -, opus-m e à greve em serviços
essenciais por entender que é o povo mais humilde que
constitui a massa de manobra das reivindicaçõ es dos
trabalhadores, como se dá, por exemplo, na hipótese de greve
no serviço· de transporte urbano. Tendo sido rejeitado meu
ponto de vista, meus pares iludiram-se com a elaboração de
um preceito, depois reproduzido no artigo 92 da Carta de
19 8 8 , pelo qual "a lei definirá os s erviços ou atividades
essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades
inadiáveis da com\midade". Veio a lei e esta, entre outras
obrigações impostas aos grevistas, exige que a paralisação
de um serviço essencial só poderá ser parcial, de tal m odo
que dele não fiquem totalmente privados os usuários.
Pois bem, temos visto que essa lei é aber ta e
repeti damente burlada, sem qualquer reação por parte dos
órgãos administrativos, de tal modo que o povo fica à mercê
das mais revoltantes reivindicações trabalhistas, tardando a
Justiça do Trabalho a declarar o caráter abusivo da greve. . .
Como nem sequer são descontados os dias de paralisação
irregular, esses abusos ficam impunes.
O desrespeito à C onstituição não pára aí . Determinou
ela que, a 7 de setembro de 1993 , fosse realizado um plebiscito
a fim de que o eleitorado definisse qual o sistema de governo
preferido, o parlamentarismo ou o presidencialismo. Há quase
seis anos, ocorreu a consulta popular que foi gritantemente
favorável ao sistema presidencial, mas tudo continuou na
mesma, como sempre acontece, pela simples razão de que o
nosso ê um. Estado de Direito do faz-de-conta, de mera
aparência de legalidade.
As conseqüências desse descumprimento do mandamento
constitucional foram de extrema gravidade, porquanto, se o
Congresso Nacional tivesse obedecido ao pronunciamento do
eleitorado, teria tido a oportunidade de resolver uma das mais

- 39 -
aberrantes falhas da Carta de 1988 , a concernente ao re9ime de
poder, restituindo à medida provisória o efetivo e limitado alcance
que deve ter.
É sabido que foi à últi ma hora que a Assemblé ia
Naci onal Consti tui nt e trocou o parlamentari smo pelo
presi denci ali smo, não tendo tido · tempo de ajustar as
disposições constituci onais sobre o Poder Legislativo às
peculiaridades do regime presidencial. O resultado é que
temos um conglomerado incongruente de disposições sobre
a competência do presidente da República e do Congresso
· Nacional, notadamente no que se refere ao poder de legislar,
de tal modo que dessas normas confusas resultou o presiden­
ci alismo imperial que nos governa. Em uma situação anômala
como essa, não é de se estranhar que a medida provis6ria,
prevista para atender a casos de excepcional urgência, tenha
se transformado em processo normal e essencial da legislação
do país, com um Congresso Nacional que somente sobressai
nos momentos de teatralidade das CPis . . .

14/S l i 999

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C r i s e d a ci d a d a n i a

Q uando se vêe m altos pode re s da Re pública se


digladiarem com acusações ásperas e deselegantes, é sinal de
que e stamos perante uma gravíssima crise de cidadania.
Cidadania não signifi ca apenas consciência dos próprios
direitos e prerrogativas individuais, mas também consciência
dos vínculos que prendem cada indivíduo, de maneira
condigna, aos supremos interesses do país.
. Esquecidos desses liames essenciais de educação e soli­
dariedade d vicas, estão aí às turras o presidente do Senado
Fede ral e o da Câmara dos Deputados, bem como aquele e
os ministrÇ>s do SupremoTribunal Federal, estes, na realidade,
mais agredidos do que agressores. E, como se isto não bastasse,
assistimos, pelo menos até a data em que escrevo o presente
artigo, à omissão do pre sidente da República que te m
autoridade bastante para restabelece r o mútuo respeito
constitucional.
O pior é que tais desavenças se dão quando estão em
pauta problemas de natureza constitucional, visto que se trata
de sabe r se h á efetiva me nte e sfe ras de compe tência
indevidamente invadidas, o que exige deslinde sereno no plano
puramente jurídico. Se analisarmos, todavia, os motivos
invocados, verificamos que a questão, ao contrário, é posta
e m termos de preconceitos e de vaidades poli tJcas feridas.
Senão vejamos.

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O primeiro conflito gira em torno da revisão do. Poder
Judiciário, e, em um primeiro momento, para discutir sobre
a conveniência ou não de se extinguir a Justiça do Trabalho.
Eis aí uma questão que, por sua pr6pria natureza, s6 pode
ser resolvida em razão de dois requisitos complementares:
imparcialidade e conhecimento especial do assunto.
Que a Justiça do Trabalho esteja exigindo modificações
de estrutura e de funções é algo que não pode ser contestado.
O que se não admite, porém, é que se queira que as duas
casas do Congresso Nacional desde logo coincidam quanto à
supressão daquela instituição ou em sua revisão parcial. Nada
mais adverso à missão legislativa do que as idéi as
preconcebidas, porquanto a "verdade da lei", não raro fruto
de uma composição, somente pode emergir do devido debate
das teses contrastantes. Antecipar soluções e pretender impô­
las a priori não é atitude compatível co m o livre jo go
democrático, sobretudo em uma nação, cuja Constituição
proclama que nenhuma questão jurídica pode ser resolvida
sem prévio contraditório .
Como se vê, a primeira crise eclodiu em razão de
inexplicável inversão do processo legiferante, por se exigir
conclusão antes da discussão, o que demonstra quão frágil é
a nossa experiência democrática, preferindo-se atitudes de
mando numa época como a nossa que, no dizer dos fil6sofos,
se distingue por ser essencialmente comunicativa ou discursiva,
ou seja, do primado do diálogo sobre o monólogo.
Para que não se alegue que, como jurista, esteja sendo
omisso, declaro que não concordo co m a extinção da Justiça
do Trabalho, mas com a sua revisão glo bal, a principiar pela
eliminaç ão da representação classista em to das as suas
instâncias, até a supressão da norma constitucional que lhe
confere poder para proferir decisões com força de lei. Parece­
me, por o utro lado , infeliz a idéia de transferir a competência
da Justiça doTrabalho para a Justiça comum, primeiro porque

- 42 -
há necessidade de crescente especialização jurisdicional, e,
ein segundo lugar, porque os nossos tribunais civis já estão
sobrecar regadíssimos de serviços e atribuições, não podendo
dar conta deles com a indispensável presteza.
Quanto à outra razão de conflito, à do Senado com a
Suprema Corte, a questão é mais delicada, por envolver
múltiplos problemas. O primeiro deles se refe re à má
compreensão do que sej a Comissão Parlamentar de Inquério
(CPI), afoitamente confundida por nossos deputados e senadores
com uma espécie deJustiça Le9islativa, um órgão jurisdicional
dotado de todos os poderes. Essa convicção foi ditada,
evidentemente, por propósitos de populari dade eleitoral, ou
então por vaidade parlamentar, sem ter havido o cuidado
preliminar de verificar e reconhecer que aquele órgão foi
instituído com a finalidade exclusiva defiscalizar os negócios
da República. A bem ver, a CPI é o nosso ór9ão supremo de
investi9ação, motivo pelo qual é ela armada de "poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais [ ] para
. • .

apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas


conGlusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público,
para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos
infratores" (artigo 58, parágrafo 3.11 da Constituição) .
Consoante resulta, pois, dessa regra constitucional,
não está dito expressamente que a CPI possa suspender o
sigilo bancário e fiscal dos acusados, ou determinar o bloqueio
de seus bens, mas tem-se entendido com acerto que pelo
menos aqueles poderes, dada a sua natureza investigatória,
caberiam à Comissão, desde que a decisão sej a precedida da
devida exposição de motivos. Isto posto, ninguém contestará
que a última palavra sobre a extensão da competência da
CPI caberá ao Supremo Tribunal Federal, por ser ele, no
dizer do artigo 1 02 da Carta Maior, o guarda precípuo desta.
Assim sendo, não há ofensa alguma ao Senado Federal,
que está procedendo a CPls sobre o PoderJudiciário e o sistema

- 43 -
financeiro, se um dos minis tros da Suprema Corte, em
despacho liminar, entender que os senadores teriam extrapolado
e m s uas atribuições , baixando res oluções s e m prévia
j ustificação, ou sem se aterem à mera investigação, sendo,
assim, inconstitucionais. É claro que somente o plenário do
STF res olverá definitivamente o assunto.
Posta a questão nesses termos, não se explica a áspera
reação do presidente do Senado Federal , até o ponto de
vislumbrar na decisão havida um ato de revide do Poder
Judiciário em virtude de estar ele sendo investigado. Lembro­
me bem de que, quando da instauração dessa CPI, o então
presidente do SupremoTribunal Federal se declarou favorável
a ela, considerando-a opor tuna à vista dos "fatos de ter­
minados" invocados .
Donde se conclui que os dois lamentáveis conflitos
surgidos e ntre poderes s oberanos não s ão senão o resultado
de ignor�ncia da Constituição, por um lado, e , por outro, de
confusão entre autoridade e mandonismo, que gera crise
s ubstancial de cidadania, deplorável em um país que está às
voltas com as mais trágicas exclusões sociais que o denigrem
e m face do mundo.

261611 999

- 44 -
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Oposi ç ã o a r c a i c a

O processo democrático, conforme se acha deter­


minado na Constituição de 1 98 8 , está condicionado, entre
outras, por quatro diretrizes fundamentais: a) a de etiddade,
que converteu em princípio constitucional o da moralidade
de todos os atos públicos (artigo 37) ; b) a da livre iniciativa,
ao mesmo tempo fundamento da ordem democrática e da
ordem econômica (artigos 111, IV e 1 70 , IV); c) a do pluralismo
político (artigo 111, V); e d) a da legalidade, da qual deflui que
ninguém pode ser privado de sua liberdade e de seus bens
sem o devido processo legal ( artigo 511, LIV) . São esses os
imperativo s que devem nortear as decisões e os modos de
agir de todos os cidadãos, quer estejam ou não exercendo
postos de governo, sendo indispensável, todavia, esclarecer
o que se entende por "postos de governo".
Há um equívoco, de graves conseqüências, quando se
pensa que, em uma democracia, possam ser considerados
alheios à função governamental o s parlamentares, senadores
e deputados, que não com ponham a maioria, à qual o
eleitorado tenha confiado a responsabilidade direta de governar.
Com esse entendimento falho �:: inde-se o Estado em Governo
e oposição, quando, na realidade, esta compartilha do Governo,
é omo pólo negativo da vontade popular. A rigor, é aquela
revestida de competência direta e esta de competência indireta no
exercício do poder político. Denomina-se Governo o conjunto
das autoridades, do E xecutivo e do Legislativo, detentoras

- 45 -
da responsabilidade direta da gestão da coisa pública, mas
não é dito que os membros da oposição - quer na direção
dos partidos, quer no exercí cio de funções públicas - possam
ser considerados irresponsáveis por suas decisões que tenham
impedido o Governo de realizar seus planos e programas.
Posta a questão nesses termos, de conformidade com
o que a ciência polí tica contemporânea a entende, chegamos
a uma nova visão dos direitos e deveres dos parlamentares
da oposição, estabelecendo as normas segundo as quais eles
devem atuar, a partir da Junção crítica que implicitamente
lhes conferiu o eleitorado. Por outras palavras, a oposição,
queira- se ou não, inte9ra o poder nacional, compartilhando da
responsabilidade pelos resultados positivos ou negativos
alcançados no paí s, na medida em que ela tenha falhado em
sua função crí tica, ao se ter oposto às medidas pleiteadas
pelo Governo como essenciais aos interesses da nação.
O que estou aqui procurando esclarecer está implícito
no entendimento comum de que os representantes da oposição
não devem necessariamente votar contra o Governo quando
estiverem em j ogo val ores, cuj a realização sej a de
importância fundamental para o paí s. O bj etivos meramente
partidários ou corporativos não podem, de manefra alguma,
se sobrepor ao bem comum, de tal modo que nada é mais
aberrante e arcaico do que a oposição sistemática e acrí tica,
ou sej a, a atitude adversa e negativista por princí pio.
I nfelizmente, no Brasil, os partidos da oposição
colocam-se perante o Governo como quem toma posição
perante uma trincheira inimiga, atirando sempre contra
FHC, qualquer que seja o mérito de suas proposições, sem
sequer se dar ao trabalho de indagar de sua necessidade para
o povo, nele incluí da a parte do eleitorado que tenha preferido
a legenda oposici onista.
Essa falta de compreensão de que a oposição também
integra o poder polí tico nacional explica o fato de um lí der

- 46 -
político, como Lula, ter podido proclamar que "a oposição
não tem o dever de fazer propostas", quando, na realidade,
na vida política, não tem o di reito de votar contra uma
proposta quem não esteja em condições de ofe recer
alternativa exeqüível àquela que condena e recusa. S6
Mefist6feles tem o poder de sempre dizer não, porque ele é
o espírito que nega. Nessa ordem de idéias, nossas agre­
miações políticas poder-se-iam considerar mefistotélicas . . .
A atitude radical da oposição brasileira atinge posições
de um ridículo impagável, como se deu quando o Partido
dosTrabalhadores - que se considera e se proclama diferente,
por ser portador de idéias e programas - condenou pública
e duramente um deputado por ter tido a ousadia de
comparecer ao Paláci o do Planalto para tomar conhecimento
de um projeto presidencial!
Não menos ridícula é a censura e a proibição dos gover­
nadores petistas de participar de reunião promovida pelo
presidente da República para estudo de reforma da Pre'vidência
Social, em pontos de interesse tanto para a nação quanto para
os estados.
Tais procedimentos traduzem uma visão seccionada
da democracia, como se o pluralismo político significasse
di,Visão de caráter absoluto e contraste intransponível quando,
ao contrário, importa em diálogo, troca de i déias e opiniões,
visto que, consoante foi exposto, a oposição integra o quadro
político do país, a cujos objetivos e necessidade cabe a todos
atender.
Ante os assinalados processos, onde e como falar-se
em eticidade política, uma vez que esta não se compreende
sem um mínimo de compreensão moral e de respeito à pessoa
do adversá ri o? Como pensar em liberdade de opinião ,
conseqüência direta e imediata do poder de iniciativa, conditio
sine qua non da formulação de um juízo crítico a respeito dos
problemas de governo?

- "'- " -
Não há dúvida, por conseguinte, que os mencionados
representantes do PT, a pretexto de disciplina partidária,
foram atingidos em seus valores ético-políticos, não somente
em sua dignidade pessoal mas também nas prerrogativas
inerentes às fun:çõe s por eles exercidas no quadro
democrático. No fundo, foi-lhes negada a liberdade de
pessoalmente se inteirarem das questões sobre as quais tinham
o dever de exercer função crítica, sem ser atendido o devido
processo legal admissível na regência de nossas agremiações
par tidá rias.
Por outro lado, cabe notar que esse estranho compor­
tamento político já nos alerta sobre como seria um governo
direto e dominante do PT, com a nação inteira sujeita a regras
compulsórias de obediência, impostas em razão dos interesses
do partido, confundidos com os interesses gerais do país.
Que m não percebe que tal modo de agir, por sua própria
natureza, outra coisa não significa senão a instauração do
regime totalitário?
Não deve, porém, causar espanto que se tenha chegado
a esses extremos, se recordarmos que, segundo o
ensinamento dos líderes teóricos do PT, os prind pios deste se
distinguiriam dos prind pios da socialdemocracia ou da
democracia social por se pretender alcançar os ideais sociais
com obediência às leis, se possível, mas com recurso à luta
armada, se necessário. Sobre essa tese, consulte-se, data venia,
meu livro O Estado Democrático de Direito e o coriflito das
ideolo9ias, p. 4 e seguintes.

3011011999

- 48 -
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R e fú gi os dà E s qu e r d a

Com a queda súbita do Muro de Berlim e a debacle


irreparável do chamado socialismo real, é compreensível que
os e squerdistas tenham caído em orfandade, pois, até então,
se abrigavam lia fortaleza do marxismo, o qual, no dizer de
RaymondAron, foi, durante quase meio século, o "ópio dos
inte lectuais" .
Houve um primeiro momento de perplexidade e até
mesmo de desespero, mas, como é natural, os ex-adoradores
de Marx passaram logo a rever suas posições, procurando
novos refúgios para suas pretensões e atividades, recorrendo,
se possível, a novas ideologias.
Nesse sentido, duas foram as vias preferidas. A mais
importante delas, e a mais consciente e honesta, foi propiciada
pe los e xage ros do ne olibe ralismo, cujos adeptos, não
contentes com a verificação de que o capitalismo era uma
"realidade" perante a "ilusão" marxista, pretenderam não só
minimizar a compe tência dos Estado s Nacionais, mas
tamb ém re du zir toda a ação política aos proble mas
econômico-financeiros, com olvido dos valores sociais, até o
ponto de julgarem a justiça social uma expressão meaningless,
ou seja, desprovida de sentido.
Foi mérito, primeiro, dos trabalhistas b ritWcos de
Tony Blair e, depo is, dos socialistas france ses de Jospin
assumir uma posição de equilíbrio, reconhecendo, de um

- 49 -
lado, a vit6ria irretorquível de dois valores do liberalismo -
o da livre iniciativa como fator primordial do desenvol­
vimento, e a falência do Estado como empresário - e, de
outro, a necessidade de infundir "socialidade" nas artérias da
economia liberal. Ess as opções vinham, em última análise,
coincidir com a tese já levantada pelos defensores do social­
liberalismo, segundo a qual não é possível deixar o destino do
homem e da sociedade entregues aos dados do mercado, isto é,
à livre e incontrolada competição dos interesses individuais,
tida ilus oriamente como fonte perene de bem- estar social.
Pois bem, se as forças mais responsáveis da Esquerda
souberam fazer sua necessária autocrítica, firmando novas bases
de ação política, o esquerdismo irresponsável preferiu optar
por soluções demag6gicas, graças à utilização tática de algumas
idéias em vigor, suscetíveis de exploração fácil e atraentes.
Essas idéias convertidas em fulcro das atividades políticas
e proclamadas como sendo as únicas representativas da cultura
e da dignidade humana, são, principalmente, a ecológica, ou da
defesa do meio ambiente; a do anti-racismo, ou da luta pela
igualdade étnica; e a da igualdade total dos sexos, visando sobretudo
ao reconhecimento dos direitos iguais dos gays.
É claro que ninguém há que não reconheça o que é
procedente em cada um desses movimentos , mas uma coisa
é reconhecer a legitimidade dos valores em que se baseiam,
e outra é pretender convertê-l os , demagogicamente, em
obj etivos únicos da vida individual e coletiva. Quando um
valor é exacerbado, até o ponto de tudo ser reduzido a seus
padmetros, está aberto campo para o extremismo ideo-
16gico, com perda do sens o de s ereno equilíbrio que nos deve
orientar para sabermos o que é ou não l ícito defender com
plena liberdade.
O certo é que o ideologi�mo dos três valores acima
discriminados , sempre com a malícia e a irresponsabilidade
pr6prias da "Esquerda festiva", j á está ameaçando, também

- 60 -
no Brasil, a causa da liberdade, sem a qual nenhum valor
subs is te, vis to tornar- s e impos sível a s ua natural ou
espontânea realização, em prejuízo da democracia, a qual
não s e compreende sem o convívio de idéias divergentes ou
contrárias .
F oi o que aconteceu, há poucos dias, em lamentável
epis6dio ocorrido na Pontifícia U niversidade Cat6lica (PUC)
do Rio de Janeiro, onde três estudantes foram covardemente
es pancados a pretexto de racismo , somente por terem
publicado um jornal com o título de Indivíduo, em reação
contra certas pregações coletivistas com que se procura
mascarar o renitente esquerdismo marxista.
O pior é que os dirigentes da PUC não titubearam
em apoiar os agressores, somente para parecerem libertos
de preconceitos conservadores ou arcaicos, ganhando os
aplausos dos mais fortes ou numeros os, que s e autopro­
clamam senhores da verdade. Não é a primeira ve� que a
PUC do Rio de Janeiro é vítima do que costumo denominar
"complexo de Torquemada", isto é, da má consciência que
alguns cat6licos têm em raz ão de conhecidos ab usos
perpetrados, no passado, pela Igreja contra a liberdade de
pensamento; fatos esses que de resto devem ser objetivamente
apreciados em função dos valores culturais dominantes em
cada é poca hist6rica, ainda que insuscetíveis de plena
justificação.
É necessário, pois, que os homens de responsabilidade
tomem posição imediata contra certas atitudes de violento
inconformismo que estão surgindo no país, a pretexto de
novas reivindicações ideol6gicas, exigindo que s e contra­
ponham idéias contra idéias, e não o uso da força bruta contra
convicções que nos pareçam insustentáveis. Sem tolerância,
em suma, não há democracia, porque ela é o res paldo
insubstituível da liberdade democrática.
41911999

- 51 -
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E st r u t u r a , p r o gr a m a ç ã o
e demo cracia

A tantas vezes invocada distinção entre estrutura


(hardware) e programaçã o (seftware) tão relevante em
cibernética, não o é menos em todos os quadrantes da vida
social e democrática.
Toda vez que eclode uma crise na sociedade, com
funestas conseqüências, pode-se afirmar que ela resulta, ou
de vício estrutural ou de vício programático, sendo que, mais
freqüentemente, o desequilíbrio decorre ao mesmo tempo
da falta de correlação entre esses dois termos, comple­
mentares por sua própria natureza.
Foi o que se deu quando da organização polí tica, social,
· econômica, tributária, etc. da nação brasileira, em razão do
irrealismo com que atuou aAssembléia Nacional Constituinte
de 1 988, na qual os parlamentares, mais iluminados do que
iluministas, cuidaram de criar, a torto e a direito, estruturas
estatais e paraestatais, sem atentar à necessidade de sua
funcionalidade com programas dotados de um mínimo de
eficiência. Daí poder-se dizer que a raiz primeira dos males
que atormentam o país está na Carta Magna, então elaborada,
cujo erro essencial consistiu em pensar que, tudo submetendo a
normas constitucionais, tudo estaria automaticamente resolvido.
A conseqüência dessa ilusão foi a falta de correspon­
dência entre si dos três ·poderes do Estado, o Legislativo, o

- 53 -
Executivo e o Judiciário , e de todos com a sociedade civil,
donde a imperativa necessidade de reformas imediatas , de
um nunca acabar de reformas. E triste constatar, com efeito,
que, nestes últimos onze anos de nossa vida democrática,
não temos feito outra coisa, no Congresso Nacional, senão
s u c e s sivas e nunca concluí das e a d equadas revi s õ e s
constitucionais. O pior é que, quando s e pensa nessas reformas,
temos quase sempre presente um problema de estruturas
abstratamente concebidas, sem se levar em conta o respectivo
conteúd o , com o qual s e c onfund e a s u a concreta
programação.
Nesse sentido, ao se reclamar, por exemplo , a revisão
do Poder Judiciário, pensa-se, em geral, na conveniência de
suprimir um ou mais órgãos judicantes (a Justiça do Trabalho
ou a Justiça Militar) sem cuidar da revisão da legislação como
tal, isto é , das lacunas e dos males que inquinam as normas
legais a serem aplicadas pelas entidades judiciárias .
Ora, pode ser que me engane, mas me parece que grande
parte dos males atribuídos à estrutura da Justiça, resulta do
sistema de normas legais vigentes, notadamente de natureza
processual, tanto civil como penal e trabaihista. Dir-se-á que
houve revisão recente no processo civil, mas não creio que
tenham sido estirpados os artifí cios ou os estratagemas
mediante os quais um solerte advogado logra sempre remeter
para as calendas gregas o desfecho de qualquer lide forense. É
que o propósito de assegurar a defesa de direitos - principio
em si mesmo salutar e elogiável - vem sempre acompanhado
de medidas extremadas que abrem campo a delongas e chicanas,
esquecendo-se de que justiça tardia é justiça nenhuma.
A mesma falta de correlação funcional entre estrutura
e programação se dá no que se refere ao "sistema de poder"
ou "sistema de governo", em que o irrealismo foi de tal ordem
que ninguém será capaz, com o texto constitucional à vista,
d e esclarecer q ual o regime que vigora no Brasil , s e o

- 54 -
presidencialista ou o parlamentarista, o que tudo redunda,
como penso ter comprovado em outro artigo, na formação
de uma praxe política à mar9em da Constituição, a cuja custa o
presidente da República vai se entendendo e desentendendo
com o Congresso Nacional, com alarmantes idas e vi ndas, e
não menos comprometedoras palavr�s de confiança ou de
desconfiança.
O certo é que a proclamação, feita por José Sarney,
de que a Carta de 1988 tornara o país ingovernável, constitui
um di agn6stico hoje em dia i nsuscetí vel de contradita,
tornando manisfesto que a nossa sina, não sei por quanto
tempo, é prosseguir no processo da reforma constitucional, não
obstante os obstáculos criados pela pr6 pria Constituição nos
seus devaneios ultrademocráticos. O ex-deputado federal
Vi ctor F acci oni pergunta-me se, ante o desastre do
presi denci ali smo, não seri a o caso de reconhecermos os
méri tos do parlamentari smo, mas como fazê-lo? Como
poderemos fazer de conta que não houve solene plebiscito,
ordenado pela mesma Lei Mai or e esmagadoramente
favorável ao regi me presidencialista? Como pensar em outro
plebiscito que anule o resultado do já cumpri do em data
pr6pria intangível?
A nossa sorti:) é que a consulta popular foi genérica,
de tal modo que nos resta ainda i ndagar, por meio de revisão
constitucional, qual a "forma de presidencialismo" mais erp
consonância com a realidade brasileira. Estou convencido de
que deveria ser um "presidencialismo parlamentarizado", que
seja capaz de compor em unidade funcional o Executivo e o
Legislativo. Eis aí um assunto para o qual deveriam volver
sua atenção os nossos consti tuci onali stas, a fi m de
encontrarmos uma solução que efetivamente sintonize as
estruturas do poder com a ordem de programas a ser por
el es, respecti va e complementarmente, realiz ada. O s
exemplos institucionais da França e de Portugal são ricos de

- 55 -
ensinamento , mas a nossa solução deve vir impregnada de
sentido da realidade brasileira.
Finalmente , vou dar um terceiro exemplo de faita de
correlação entre estrutura e programa em nosso país, já agora
no âmbito das pr6prias casas parlamentares , a Câmara dos
Deputados , o Senado Federal e o Congresso Nacional quando
atua unitariamente. Todos eles se regem por seus respectivos
re9imentos internos, os quais se esmeram em proteger os direitos
das minorias .
Nada m ais j usto do que s alvaguardar, em uma
democracia, os direitos das minorias parlamentares , mas ,
no Brasil, não há democracia que baste , olvidando-se que; no
regime democrático, é a vontade da maioria que deve prevalecer.
Pois bem , esquecidos desse imperativo de governo - sem o
qual nenhuma s o ciedade s e desenvolve e progride - ,
disposições regimentais h á que permitem que um deputado ,
único elemento de seu ínfimo partido, possa pedir destaques
para votação , e lançar mão de todas as artimanhas , a fim de
que o plenário não expresse logo sua vontade soberana.
Tendo a Carta de 1988 sempre ela - outorgado força
-

parlamentar às mais reduzidas e inexpressivas agremiações


partidárias , estas pululam desmedidamente, sem qualquer
outra razão que não seja a de seus pequeninos interesses e
ambições individuais, em conflito com as finalidades mais altas
da coletividade . E , desse modo, como as estruturas partidárias
são concebidas sem se cuidar de suas reaisfunções, a nação acaba
sendo governada por insignificantes minorias oposicionistas,
sem qualquer reação por parte da maioria, em cujas mãos o
eleitorado confiou o destino do paí s .

211011999

- 56 -
Os fi ns dó E st a d o

Fala-se, freqüentemente, que seria a perda da soberania


a característica fundamental do Estado contemporâneo , por
se achar cada vez mais na dependência de fatores externos,
sem capacidade, pois, de autodeterminação. São exageros como
esse que fazem perder de vista os aspectos essenciais da
problemática do poder, comprometendo de vez a ação política.
É claro que não há, hoj e em dia, cultor da ciência
política ou da teoria do Estado que teça loas incondicionais à
soberania estatal entendida como "poder de império" capaz
de traçar livremente os limites de suas decisões e de suas
atividades . Há várias décadas , a soberania é entendida como
poder condicionado , tal a sua natural inserção no sistema de
forças internacionais , mas nem por isso se poderá falar, não
obstante a crescente globalização, em Estado evanescente ou
de força aparente . Enquanto houver nações distintas , com
seu campo próprio de valores e interesses, será impossí vel
abandonar o conceito de soberania, que tão-somente deixa
de ser absoluto para converter-se em poder relativo.
O que ocorre, atualmente, é que, ao invés de "redução
de poder", melhor será reconhecer a necessidade de uma
mudança de enfoque, prevalecendo a idéia defunção sobre a
d e m and o . Cada vez mais predomina o conceito d e
funcionalidade , à cuja luz se poderá melhor compreender
qual é o papel do Estado em um mundo globalizado.

- 57 -
Para se entender melhor o que quero dizer, é preciso ter
presente que a realidade estatal não pode senão ser configurada
no contexto dos valores caracterizadores da civilização contem­
porânea, na qual os processos de comunicação ou de informação
ganham crescente terreno como conseqüência das conquistas
tecnol6gicas que informam a cultura cibernética.
A prop6sito , cabe observar que há exagero quando se
fala em substituição da "era do capitalismo" pela "era da
informação", quando , na realidade, é o capitalismo que muda
de eixo dominante , passando de um capitalismo que aspira
apenas a um constante e crescente volume de bens ou riquezas
para outro em que a informática vem dar significado e forma
ao capital em razão de como é ele programado e posto em
ação , prevalecendo a iriformação sobre a mera posse de bens
materiais , os serviços sobre a produção . .
Em suma, estamos na época do conhecimento e da
técnica que predominam sobre a materialidade do capital ,
dando a este uma feição nova , na qual os valores da
inteligência adquirem virtualidades jamais pensadas .
É a essa luz que deve ser posto o estudo do papel da
soberania, acima de tudo como poder em função do intelecto,
sem mais se prestar atenção somente ao que poderí amos
denominar "a materialidade do poder".
É claro que sem recursos disponí veis , sem uma base
m aterial consubstanciada em instrumentos Útei s , seria
absurdo pensar em desenvolvimento do paí s , mas também é
verdade que , sem a base intelectual adequada e adequados
programas de ação, de nada valeria dispor de meios materiais.
Posta a questão nesses termos, poderemos afirmar que
o .Estado deve estar cada vez mais a serviço da inteligência,
como instrumento atuante em função da informação técnica
que nosso tempo exige de maneira inexorável . Essa mudança
de paradigma vem alterar substancialmente o sentido da
política indispensável à nação.

- 58 -
Nessa ordem de idéias , lembro-me, e lembro com
pena, dos mestres que colocavam os serviços de educação e
saóde entre os acessórios na ação do Estado , que teria por fim
primordialmente cuidar da ordem jurídica, da ordem pública
e da salvaguarda da independência do territ6rio. Penso que a
situação sofre uma inversão de 1 80 graus, passando o fator
educativo a ter primazia, ao partir-se do reconhecimento de
que sem ciência e tecnologia adequadas não há investimento
que efetivamente valha, seja ele de caráter financeiro , ou
destinado à realização de obras, nos planos pedag6gicos ,
hospitalares, rodoviários , etc.
Por outro lado, j á se tornou verdade corrente que o
predomínio tecnol6gico levanta uma barreira a quem queira
trabalhar sem um mínimo de preparo escolar. Nesse ponto,
poder-se-ia dizer que os países se posicionam , na escala do
progresso , segundo o grau de conhecimento exigido nas
relações de trabalho : no lugar inferior da escala estão as nações
que pressupõem , para o emprego , pelo menos o ensino
fundamental, ao passo que , no topo da pirâmide já se está
exigindo formação universitária . Isto posto , quando se
reduzem ou se desviam os recursos orçamentários da área
do ensino , ou se aplicam mal, como acontece no Brasil, o
.que s e está comprometendo é a fonte d e nosso pr6prio
progresso econômico, gerando crescente desemprego.
Isto quer dizer que a riqueza das nações não resulta da
soma de meios materiais de que dispõem , mas , acima de
tudo , do cabedal de conhecimento acumulado e do nómero
dos que sabem tirar dele o maior proveito. Em primeiro
lugar, põe-se a cultura, a ieformação, no sentido mais amplo
desta palavra , o que , p essoalmente , muito .me alegra ,
porquanto tenho participado, na medida de minhas forças ,
do movimento filos6fico denominado culturalismo, o qual
prima pela correlação e a dinamização dos valores da natureza
e da cultura.

- 59 -
Ora, se cada nação representa um patrimônio de bens
materiais e espirituais , com base nos pressupostos ou
condições de sua terra e de sua gente, verifica-se que, ante a
globalização que pode ser massificante , cumpre ao Estado
salvaguardar os valores específicos de sua cultura. Desse
modo , quer interna, quer externamente , é dever do Estado
atuar em função das exigências intelectuais, as quais somente
se satisfazem em sincronia com os imperativos éticos e
políticos , pois quanto mais conquista no campo da ciência,
mais se habilita o homem a realizar em sua plenitude os
valores da personalidade e da cidadania.

191212000

- 60 -
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E s t ad o e g l o b a l iza ç ã o

Entre os e feitos da globalização das relações sociais


figura a diminuição do poder decis6rio por parte dos Estados,
o que tem sido genericamente apontado como a crise mais
grave do Estado Nacional, até o ponto de proclamar-se a sua
fatal evanescência.
Não é de hoje a convicção de que a soberania estatal
não é absoluta, mas re lativa, a começar pela observação
preliminar de que, se todos os Estados são soberanos, s6 o
podem ser na medida em que reciprocamente se respeitam e
se autolimitam, devendo, e m princí pio, .prevale cer os
inte re sse s da comunidade inte r nacional. A simple s
coexistência de nações independentes já implica a idéia de
uma ordem solidária que se espelha na Declaração Universal
dos D ire itos .Hu manos, da qual defluem su cessivos
pronunciamentos visando à realização dos mais dive rsos
objetivos de natureza individual ou coletiva.
Por aí se vê que, mesmo antes da globalização, que
assume atualmente um papel ao mesmo tempo omnicom­
preensivo e muitas vezes opressivo da convivência mundial,
j á pre dominava, na civilização moderna, a idé ia de um
respeito mútuo e ntre os países, o que deve constituir um
valor perene da civilização.
Por outro lado, se necessidades de natureza externa
impõem restrições a cada um dos E stados, não é menos

- 61 -
certo que, internamente, por força do ideal democrático,
o p oder estatal encontra limitações naturais na pessoa
humana e nos direitos ess enciais a sua salvaguarda e
desenvolvimento.
To d avi a , o fenômeno da glob aliza ção , -com a
configuração hodierna, veio subtrair ao poder estatál novas
e crescentes esferas de agir, tolhendo-lhe a capacidade de
resistência a causas que , em última análise , resultam da atual
tecnolo9ia da iriformação, que se distingue pela instantaneidade
da comunicação e pela capacidade de subtrair-se a qualquer
espécie de controle.
Quando se afirma que a nossa é a era da iriformação,
está-se reconhecendo que esta passou a ser o fator dominante
da vida humana, influindo diretamente sobre a estrutura dos
Estados Nacionais , que devem buscar novos modelos para a
autonomia de seus ordenamentos jurídico-polí ticos .
É que por informação, nos dias de hoje, não se deve
entender mera comunicação de homem para homem , pres­
supondo de certa forma relações intersubjetivas, uma vez que
ela adquiriu objetividade de caráter transpessoal, representada
por um quadro global de dados e meios de ação que resulta do
aparelhamento tecnol6gico da informática, desde o computador
individual à Internet, pondo ou impondo imprevisíveis e sempre
mutáveis soluções às expectativas e finalidades dos indivíduos
e dos povos .
Note-se a diferença que há entre a era do capitalismo -

de natureza fundamentalmente econômica, com relações que


direta ou indiretamente sempre se prendiam à livre iniciativa
e ao livre mercado e, por conseguinte, a algo de relativa
transparência, como trama de interesses suj eitos a certas
normas identificáveis - e a era da ieformação, cuja característica
é a imprevisibilidade dos eventos que podem subverter, de
um momento para outro , a situação estabelecida, objeto de
confiança generalizada.

- 62 -
Não ignoro os riscos e abusos que podem ser causados
p ela livre concorrência , mas , de uma forma ou de outra, era
e é p ossível limitar-lhe os efeitos nocivos , ao passo que as
decisões tomadas subitamente pelos aplicadores dos capitais
especulativos no plano internacional geram conseqüências
danosas tanto para os indivíduos como para os Estados, como
vimos quando eclodiram as crises do México , da Ásia e da
Rússia, que redundaram na quebra do Plano Real , impondo­
nos a solução do câmbio flutuante que, por sinal, devia ter
sido antes adotada.
Quando falo nos males da informação subitânea e
incontrolável, não me refiro apenas às operações financeiras,
porque se�s efeitos ·atingem os mais diversos campos da vida
social . Bastará lembrar que ela possibilita a criação de
empresas multinacionais que dividem e distribuem s eu
sistema de produção de conformidade com as condições locais
propiciadoras de maior lucro , o que , por sua vez, se reflete
na organização sindical . A relação empresa-sindicato vai
sendo cada vez mais rompida em razão da internacionalização
dos processos produtivos , o que explica que os trabalhadores
de um paí s sejam obrigados a se entenderem com os de outro
para salvaguarda do emprego ou dos níveis salariais .
É claro que é no domínio econômico-financeiro que
as gigantescas alterações imprevistas são mais perceptíveis e
sofridas , mas elas ocorrem na globalidade da existência
universal , desde os quadrantes da vida cotidiana até as mais
altas expressões das artes e das ciências, tornando inseguras
as idéias e diretrizes s em as quais a sociedade se torna
carecedora de sentido.
Pode-se dizer, por outro lado , que o aspecto negativo
da globalização , ao lado dos inegáveis benefí cios resultantes
da universalização dos modos de pensar e de agir, é o fato de
ser posto por ela em crise o ordenamento jurídico-político
de cada nação , o que nos p ermite falar em desinstitu-

- 63 -
cionalização da sociedade. Como a globalização é um fenômeno
inevitável, a tarefa polí tica por excelência, neste fim de
milênio , é encontrar novos modelos para o ordenamento
jurí dico, mediante uma compreensão mais aberta e plástica
das normas de Direito , como há muito tempo venho
reclamando.
Ante um quadro dessa natureza é que deve ser colocado
o destino do Estado Nacional, o qual, longe de desaparecer,
deve adquirir novos processos d e salvaguarda dos direitos
individuais e grupalistas , bem como para a defesa daquilo
que cada povo possui de pr6prio , sej a em sua geoeconomia,
sej a em seus valores culturais .
Dir-se-á que, dado o exposto , a s soluções s 6 poderão
ser universais , mas estas somente poderão ser o resultado de
acordos e convênios entre os Estados, devendo ser superada
a situação atual de abusivo predomínio das nações mais
poderosas , as quais usam a globalização como nova forma de
.
imperialismo.

2711111999

- 64 -
I n d ivfd úó , ·
so c i e d a d e e E st a d o

Durante cerca de 250 anos , prevaleceu na filosofia


política do Estado Moderno a idéia de que a sociedade e o
Estado teriam sido fruto de um contrato concluí do entre os
indiví duos , estabelecendo os poderes e as competências
recíprocos . Desde Grocio foi essa a compreensão dominante
na teoria política, passando por Espinosa, Hobbes , Locke e
Rousseau, até Kant. Já com este a concepção perdia força,
por ser a idéia de contrato , não um modo de fundação da
sociedade e do Estado, mas sim um modo de sua explicação,
isto é , uma conjetura, passando-se a pensar "como se" (als ob)
tivesse efetivamente havido um contrato Não é demais
• .

lembrar que este era concebido com estas ou aquelas cláusulas,


de conformidade com ó modelo de poder que cada autor
tinha em vista admitir : o contratualismo estatizante de
Hobbes foi seguido pelo contratualismo liberal de Locke , na
realidade o jdealizador do Estado de Direito , no qual o
indiví duo não abre mão de suas prerrogativas pessoais em
benefí cio do Estado.
Pois bem, coube a Hegel pôr fim definitivo à era con­
tratualista, demonstrando, com apoio nos estudos deVico e
Herder, que a sociedade e o Estado são realidades históricas
resultantes da natureza social do próprio indiví duo. Na
concepção hegeliana a pessoa humana surge abstrata, só

- 66 -
adquirindo conteúdo e sentido in concreto com o adventó da
sociedade civil, a qual, por sua vez, somente adquire concreção
e garantia com a instauração do Estado , máxima expressão
do esp í rito objetivo, ou da cultura , como se prefere dizer hoj e .
Parece-me que têm razão aqueles que apontam essa concepção
como a raiz pioneira do futuro totalitarismo, embora não
estivesse este na intenção de Hegel .
A idéia da sociedade civil encantou a Karl Marx , até
o p onto de apresentá-la como ponto -final da evolução
política, a qual seria cada vez mais real e autêntica quanto
mais o Estado perdesse forças . É essa a teoria marxista do
Estado evanescente, à medida que a sociedade civil se afirmasse
como expressão de exigências econômicas , uma vez
superadas as diferenças e os conflitos de classe , próprios do
capitalismo. É sabido - sobretudo depois da queda do Muro
de Berlim como foi paradoxal a idéia de um Estado
-

evanescente pelo criador do comunismo moderno , o qual


iria, por seu sentido materialista , redundar na formação
da mais violenta realidade estatal, a do Estado bolchevista .
Ora, o totalitarismo emergente de Hegel ou de Marx
tem, a meu ver, a sua explicação no fato de ambos terem
concebido a pessoa como ente abstrato, cuja consciência seria
resultante das contribuições da: sociedade civil, as quais , na
doutrina marxista, seriam apenas de natureza econômica,
um dos dogmas do materialismo histórico.
O indivíduo , porém , não surge como ente abstrato, mas
desde logo como p essoa, ou seja, como um ente que implica
uma relação entre o eu e o tu, o que quer dizer que a sociedade
está, in nuce, na raiz do ser humano como tal, desde logo
com . um valor concreto a ser obrigatoriamente salva­
guardado. Na realidade o ordenamento político pressupõe
sempre trê s elementos comp onentes que s e exigem
reciprocamente, sob pena de perda de significado: o indivíduo,
a sociedade civil e o Estado. Quando este é concebido apenas

- 66 -
ein função de indivíduos abstratos temos o Estado de Direito
.
fo rmal, que preserva apenas os valores extrí nsecos da ordem
jurídica, sem levar em conta os seus valores substanciais,
como os da educação e da saúde, sem os quais o indiví duo ou
perece, ou não se desenvolve.
Pode-se afirmar que a sociedade civil é o elemento de
mediação entre o indivíduo e o Estado, e que este terá tanto
mais sentido quanto mais se ajustar aos imperativos da
comunidade. Não cabe, pois, ver o indivíduo, a sociedade e o
Estado com o momentos sucessivos da ev olução política,
porquanto esta pressupõe sempre aqueles três elementos em
sincronia, um com os outros dois, e ainda com uma dialética
que, a meu ver, é a dialética de complementaridade, em virtude
da qual os fatores componentes s e im plicam ou se
correlacionam , sem jamais um deles absorver o outro.
Pois bem, a . crise do Estado surge toda vez que há um
desequilíbrio entre os· seus elementos comp onente s, ora
prevalecendo o indivíduo todo-poderoso, em detrimento dos
valores coletivos, ora predominando este, com espezinha­
mento dos indivíduos. Por esse motivo, quanto mais um país
se aperfeiçoa politicamente, mais o Estado é a expressão
concreta tanto dos indivíduos como da sociedade civil. É a,
riqueza desta o sinal indicador mais relevante da organização
política ideal.
Isto posto, fácil é perceber quanto estamos, no Brasil,
longe do ideal de uma correlação harmoniosa entre indiví duo,
sociedade e Estado. A nossa incultura politica é manifesta, quer
por parte do cidadão eleitor, quer por parte dos entes sociais,
a partir dos partidos políticos. A bem ver, partidos políticos
entre n6s inexistem, porquanto temos apenas agremiações de
indivíduos em função das benesses do poder, e não em virtude
e em razão de idéias requeridas pelo bem comum.
Se, como diz Sartori, a democracia atual é , na
realidade, uma p artidocrada, a democracia brasileira é de mera

- 67 -
aparência, uma vez que nossa experiência política é a mais
precária p o s sí vel , não s endo n o s s o tí tulo de eleitor
representativo de uma participação ativa , mas apenas de um
direito formal d e m anife star a própria vontade em
determinado dia e hora. Fora disso, o que há é o vácuo p olítico,
em correspondência com o vazio partidário.
Destarte, a crise do Estado brasileiro está na raiz de
nossa desinformação polí tica , o que explica o número
assombroso de legendas partidárias de aluguel, e a falta de
fidelidade de deputados e senadores às agremiações que os
elegeram . O simples fato de se exigir lei para que haj a
fidelidade partidária é a demonstração cabal d e nossa total
falta de empenho político , o que explica que poucos são os
eleitores filiados a partidos políticos, pelo simples motivo
de que eles nada significam no plano das .idéias .
Esta é , a meu ver, a fonte maior de nossa crise política:
a ausência de um mínimo de cultura política por parte de
nosso eleitorado. Enquanto tal situação não for superada, a
crise polí tica será uma realidade inevitável . O resto são
elocubrações em que nos perdemos apenas para justificar a
falta de nossa real participação na vida política do país.

41312000

- 68 -
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L i ç õ e s da
pr a x e p o lít i c a

Demonstrada, de maneira cabal , a inviabilidade da


institucionalização do país com base nos mandamentos mais
iluminados do que iluministas da Constituição de 1 98 8 , dadas
as contradições que a maculam , resta verificar como temos
conseguido viver até agora com razoável ordem e harmonia,
nestes onze anos de governo, ou seja, qual foi a praxe política
que veio, por força natural das coisas , preencher ou com­
pensar a falta de um exeqüível sistema constitucional de poder,
É que é impossível deixar de haver organização política
em uma nação , surgindo inevitavelmente o aj uste e a
.
composição onde há carência de quadros predeterminados ;
impondo-se o sucedâneo onde faltam estruturas d e gove'rno
autêntica e cuidadosamente preestabelecidas .
Ora, esse processo de governo ditado pelas circuns­
tâncias e conjunturas ocorrentes , por serem �esultantes . de
imperativos naturais da experiência, revela-se de grande valor
e significado para o cientista político ou o constitucionalista
que se disponha a fixar as diretrizes que deverão guiar a tão
reclamada e tão pro crastinada reform a polí tica , cuj a
urgêncfa, nos dias at:Uais, somente cede à d a reforma tributária .
Isto quer dizer que , ao invés de situarmos os problemas
políticos de forma abstrata , segundo modelos te6rkos,
devemos partir, realisticamente, da situação vigente, que

- 69 -
veio se constituindo à margem da Constituição , tão logo se
percebeu a ingovernabilidade do país tão-somente em função
de seus soberanos preceitos .
Como penso ter demonstrado em artigo anterior (O
Estado de S. Paulo, 4 / 9 / 1 999) , temos vivido, administra­
tivamente, no sentido mais amplo deste advérbio , como se o
ordenamento constitucional nada dispusesse no tocante ao
sistema de 9 overno, tendo-se criado um modus vivendi entre os
poderes Legislativo e Executivo , sobretudo no que se refere
à matéria legislativa, com uma partilha de atribuições ditada
pela força das circunstâncias . Bastarão dois exemplos para
confirmar a praxe legiferante estabelecida .
Em primeiro lugar, teve plena vigência e eficácia o
Plano Real, com efeitos benéficos que perduram até agora -
não ob.stante se proclame, às vezes com injustificado júbilo ,
o seu término -, e ele veio se compondo gradativamente,
através de reiteradas promulgações da Medida Provisória
que o instaurara inicialmente , não obstante a manifesta
inconstituçionalidade de tal procedimento. A inconsti­
tucionalidade decorria do fato de ser renovada, meses e meses
a fio , a mesma Medida Provisória, sempre com argüição de
ur9ência expressamente exigida pelo artigo 62 da Cons­
tituição , não tendo s entido uma urgência que perdura
longamente no tempo. Como se reconheceu, porém , o
benefí cio do plano - sem o qual não lograríamos superar o
mal supremo da inflação galopante -, ninguém, nem mesmo
a aguerrida oposição, levantou a tese da inconstitucionalidade,
de maneira eficaz, perante o Supremo Tribunal Federal, e a
citada disposição constitucional q� edou e:ritre parênteses . . .
Esse foi o maior e o mais feliz dos serviços prestados
por essa entidade espúria que é a medida provisória, criada no
apagar das luzes da Assembléia Nacional Constituinte, ao se
perceber que não havia mais tempo para uma clara definição
de nosso sistema de 9 overno, que acab ou não sendo nem

- 70 -
_ presidencialista, nem parlamentarista e nem sequer uma
razoável combinação dos dois regimes .
Por outro lado, devido a essa estranha figura jurídica
que é a Medida Provis6ria, o processo legislativo sofreu
inesperada inflexão , passando o presidente da República a
ter praticamente o predomínio , quando não o monop6lio,
da iniciativa dos proj etos de lei fundamentais , uma vez
admitida a praxe de amplí ssimos casos de urgência . A
conseqüência foi , como tenho repetidamente afirmado , a
implementação da Medida Provis6ria sem provisoriedade,
tornando-se processo normal de legislar.
Esse primado do Executivo no plano da legislação é
tão marcante que - no concernente ao problema básico das
reformas constitucionais - o Congresso Nacional somente
chamou para si a responsabilidade da iniciativa da revisão
tributária, ante as inexplicáveis tergiversações do Executivo
em cuidar dessa questão.
Em uma situação dessa natureza, como falar-se em
re9ime parlamentarista , do qual o saudoso amigo Franco
Montoro foi o último grande patrocinador? Como insistir
em parlamentarismo quando ainda depende de execução o
resultado do plebiscito ordenado pela Carta Magna e que foi
gigantescamente favorável ao presidencialismo?
Na realidade, o que importa é saber que tipo de
presidencialismo nos é mais conveniente, e somente o exame
da praxe política do último decênio nos permitirá determinar
com segurança qual deles é mais ajustado à so ciedade
brasileira, com uma distribuição equilibrada de competência
entre o Poder Legislativo e o Executivo, Única via que nos
permitirá extinguir a medida provisória ou restringi-la a seus
limites excepcionalíssimos .
Não se pense que estou acolhendo a tese de Duverger,
segundo a qual os problemas contemporâneos são de tamanha
complexidade técnica que as Assembléias Legislativas passam

- 71 -
a ter cada vez mais uma função complementar e controladora
do processo legislativo , perdendo a iniciativa das leis, tarefa
esta atribuível apenas ao Executivo. Não me parece, todavia,
aceitável esse esvaziamento do Legislativo de sua competência
tradicional, mas nem por isso poder-se-á privar o Executivo
do poder de exercê-la com a maior amplitude, com direito
de preferência na apreciação de determinada matéria, quando
entender s er urgente o pronunciamento do Congresso
Nacional, dentro do prazo e na forma fixados na Constituição.
Decorrido o prazo , os projetos considerar-se-iam automa­
ticamente aprovados .
É claro que tais cautelas seriam dispensáveis se no
Brasil houvesse mais consciência de responsabilidade por
parte do Poder Legislativo, mas , infelizmente, são notórios
os casos de projetos de lei esquecidos nos escaninhos da
.
Câmara dos Deputados ou do Senado Federal .
Este é apenas um exemplo das soluções que devem
emergir de nossa praxe polí tica, mas. outras há que poderão
dar configuração própria e adequada ao sistema de governo
exigido pela realidade brasileira.

181911999

- 72 -
P e r sp e c tivas d a
r e fo r m a p o l ít i c a 1

Vou apreciar a presente questão de maneira muito


ampla, procurando apresentar um quadro geral do tema, ao
invés de oferecer soluções positivas a respeito desse ou daquele
assunto , mesmo porque eu tenho repetidamente sustentado
que a grandeza da filosofia está mais em oferecer problemas
do que propriamente soluções. A matéria polí tica é também
cheia de perplexidades, de maneira que nela é preferível adotar
uma posição conjetural.
O termo reforma política pode ter um sentido muito
ampl o , envolvendo , na realidad e , a reforma toda da
Consti tuição. Num s entido médio, porém , envolveria
·questões que ultrapassam os limites daquilo que assinala o
propósito atual do G overno , que é mais o da polí tica
partidária, a estrutura dos partidos , sem sequer avançar no
campo eÍeitoral , tão intimamente vinculado ao problema da
representação partidária. Sem falar em outras questões, às
quais vou fazer referência.
Não vou ficar vinculado ao ângulo demasiado estreito
em que o Governo e o Congresso Nacional vão de iní cio
tratar a matéria, porquanto me parece necessário elucidar,

1 Palestra proferida no Conselho de Orientação Politica, da Federação das Indústrias do


Estado de São Paulo (Fiesp).

-
· - 73 -
na medida do possí vel , alguns pontos que devem ser objeto
de análise .
Em primeiro lugar, não vou desenvolver um assunto
que é o mais candente e p erigoso de todos eles, que é o da
representação política com base nos estados. Ainda ontem
lia um artigo , no qual s e atribuí a ao sistema militar a
responsabilidade d e ter estabelecido um mínimo d e
representação aos estados n o que se refere à composição da
Câmara dos Deputados . Há nisto um engano , sendo preciso
colocar a questão nos seus devidos termos . O diploma
político que na realidade fixou o mínimo de representação
por estados foi a Constituição democrática de 1 946 no seu
artigo 5 8 , ao estabelecer o mínimo de sete deputados para
cada estado. Verdade é, porém , que não estabelecia o máximo,
de maneira que este mínimo tinha um sentido relativo ,
porquanto não se tolhia a cada estado a possibilidade de atingir
um grande número de representantes, segundo critérios então

estab elecidos da proporcionalidade , s egundo o í ndice


populacional de cada estado : até 1 50 mil, um deputado , acima
de 1 5 0 mil, um para cada 250 mil habitantes, numa escala
que estabelecia certo peso, digamos assim , na representação
de cada estado.
Há de se observar, desde logo, que a partir 1 946 houve
uma mistura de dois assuntos diferentes, porque no fundo a
fixação de um mínimo de representação para os estados tem
algo de federativo , é mistura do problema de representação
p olí tica com o problema divers o , que é o problema
propriamente da estrutura federativa.
Devemos , por conseguinte, fazer a primeira indagação:
por que surgiu no Brasil essa situação? Por que houve esse
baralhamento de problemas da representação política, por
um lado, e problema federativo, por outro? É em virtude da
situação especial de nosso paí s . Nos Estados Unidos o
federalismo não criou esse problema, porquanto houve um

- 74 -
crescimento uniforme de toda a União Federativa, de tal
forma que vários estados se compensam em expressão
econômica e populacional; no Brasil, ao contrário , a balança
pendeu no sentido do sul, de um número limitado de estados,
enquanto a grande maioria não teria, na realidade, voz na
vida federativa , se prevalecesse um critério puramente
aritmético na composição da Câmara dos Deputados .
Por conseguinte, há certa razão de ser nesta ocorrência,
neste fato fundamental da estrutura política do país. As coisas
não nascem por acaso. Já o grandeVico dizia: "cosaJatta capo a",
repetindo antigo ensinamento de um condottiere: o que ocorre
tem a sua razão de ser. O que se poderá discutir é o
estabelecimento, a fixação de um máximo de representação
estadual, que é puramente aleatória. Esse máximo foi fixado,
isso sim , no regime militar, em sessenta representantes , pela
Constituição de 1 969 . A Constituição de 1 988 elevou o limite
para setenta, que é o caso propriamente de São Paulo.
Antes de prosseguir na análise dessa questão , devo
ainda lembrar que o número mí nimo de rep resentantes de
cada estado , que figura na Constituição , foi o resultado
daquele famoso "Pacote de Abril", que marcou um dos mais
violentos atos legislativos de nossa história polí tica.
D e maneira que há responsabilidade múltipla na
existência desses fatos . A verdade é que a Constituição de
1 9 8 8 , fundamentalmente democrática , consagrou essa
distribuição extremamente desigual e fez apenas um aumento
quase , digamos , simbólico, ao elevar de sessenta para setenta
a maior representação. É uma questão que deveria s er
corrigida.
Dizia, porém , o grande doutrinador Karl Schmidt que
em matéria política não deve merecer a menor atenção aquilo
que de antemão se considera impossível de alcançar, de atingir.
Um dos problemas que me parece de difícil alteração é
exatamente esse, a composição da representatividade dos

- 76 -
estados , ou melhor, o mínimo e o máximo de representação
d o s e s t a do s . É que , quan d o s e criam privilégi o s , é
extremamente difícil fazê-los desaparecer. Não acredito que
no Congresso Nacional poderá haver quorum suficiente de três
quintos dos votos para alterar a Constituição com o intuito
de eliminar esse mínimo de oito deputados para cada unidade
federativa . Somente uma iluminação teórica indispensável é
que p oderia levar a essa mudança , que , no entanto , é
substancial .
Essa questão , em verdade , seria básica para afastar o
mais possível a confusão entre dois problemas tão diversos
como o da representação e o da estrutura federativa.
O problema da estrutura federativa também diz
respeito à reforma política. Uma reforma política que não
cuida da estrutura federativa é uma reforma poli tica frustrada.
É a segunda crí tica que faço na colocação do problema.
Colocou-se o problema da reforma poli ti:ca de maneira muito
estreita, sem levar em conta coisas essenciais , que não se
pode deixar de analisar, porquanto um problema acarreta
necessária e inevitavelmente a consideração do outro. O
federalismo brasileiro precisaria, em suma, ser objeto de
uma análise sob vários aspectos , mas o limite de tempo me
obriga a fazer simples alusão ao assunto.
A terceira questão é aquela a que me referi logo no
iní cio desta minha palestra, que eu não considero uma
conferência: o problema do sistema de poder. É deveras
lamentável a situação em que nos encontramos quanto ao
sistema de poder ou sistema de governo. Foi, aliás, o título
que d ei à primeira conferência que r ealizei no Cop s ,
exatamente h á dez anos.
O sistema de poder já foi objeto de plebiscito. A Cons­
tituição de 1 98 8 , verificando que ela não é presidencialista
nem parlamentarista, previu um plebiscito a fim de que o
eleitorado se pronunciasse a favor ou não do presidencialismo

- 76 -
ou do parlamentarismo , e , marcando um saudosismo
nacional, acrescentaram-se monarquia e república.
Houve um plebiscito e, por maioria esmagadora, o
eleitorado se manifestou pelo presidencialismo. Depois disso,
tudo continuou na mesma, como se nada tivesse acontecido.
Não creio que na lústória poli tica de qualquer país um plebiscito
tenha tido efeito tão minguado e nulo , como aconteceu nesse
caso , o que significa que não temos mesmo vocação política
concreta e que tudo se passa no plano da pura abstração. Não
existe concreção poli tica. Faz-se por fazer, por fazer de conta.
O resultado é que o regime de poder que existe é meramente
convencional, pois a Constituição de 1 98 8 não define nem
estrutura um regime de poder de maneira clara e positiva. É
que os avatares da poli tica nacional e sobretudo os interesses
individuais e personalistas p erturbam , e continuarão
perturbando, sempre, o processo político brasileiro.
Por coincidência, é sempre o problema do mandato
do presidente da República, ou a possibilidade de sua
renovação, o fato novo que surge para perturbar o processo
politico , impedindo a análise fundamental das questões .. Como
se sabe, a Assembléia Nacional Constituinte havia prep arado
tudo para um regime parlamentar, um regime parlamentar
esquisito, no qual havia proibição de dissolução da Câmara,
o que, no meu entender, é incompatí vel com o parla­
mentarismo verdadeiro. o certo é que, na última hora,
quando surgiu o problema da duração do mandato , a situação
mudou completamente e se formaram grupos políticos do
tipo Centrão, e assim por diante, alterando-se o sentido das
deliberações da Constituinte , com inesperada opção pelo
presidencialismo. Não se cuidou de, incontinenti , corrigir­
se a competência do Legislativo , a fim de concili�-la com o
sistema presidencial . Isto não foi feito, de tal maneira que ,
se fôssemos, a rigor, seguir o que dispõe a Constituição atual,
haveria uma série de atos do presidente da República, que

- 77 -
ele não poderia praticar sem a prévia aprovação do Congresso
Nacional , por serem atos de um primeiro -ministro em
sistema parlamentarista . Mas como isto é impossível no
regime presidencialista, faz-se de c onta que o texto
constitucional não existe .
Na realidade , estamos sendo governados por uma
Constituição que entra em eclipse toda vez que a lógica política
ou o interesse político fundamental assim o exige. Essa é a
realidade. Essa é a situação real do país. Não temos, em matéria
de estruturação polí tica , e em outras mai s , um texto
constitucional, mas tudo se passa numa espécie de Common Law
oportunista para atender às circunstâncias. São usos e costumes
que vão se substituindo, segundo o jogo dos interesses e as
necessidades ocasionais que surgem no país . . .
D aí eu considérar fundamental dar execução ao
plebiscito. Porque o plebiscito não foi uma solução, foi a
resposta a uma pergunta. Optou-se pelo presidencialismo.
M a s surge logo a p ergunta : que p r e s i d enciali s m o ?
Presidencialismo puro só existe n o s Estados Unidos da
América. Mas em qualquer outro lugar esse presidencialismo
sempre recebeu uma colóração específica, assim como o
parlamentarismo puro também deixou de existir. É que no
jogo político das últimas dezenas de anos, sobretudo no pós­
guerra, o presidencialismo se parlamentarizou e o parlamen­
tarismo se presidencializou , até chegar a uma espécie de
parceria, como é · o caso da França e de Portugal, onde há um
misto de presidente e de Conselho de Ministros . Onde nem
sequer poder-se-ia falar em dialética de complementaridade,
mas apenas um ajuste convencional que se resolve conforme
as circunstâncias.
Então , presid encialism o , sim , de acordo com o
plebiscito , mas que espécie de presidencialismo , presi­
dencialismo do tipo francês ou presidencialismo do tipo X
ou Y? Seria necessário dar uma resposta, que está tardando.

- 78 -
A mim me parece que esse assunto é muito importante
e deveria ser preferencial na ordem das coisas . Em vez de se
cuidar de problemas secundários, dever-se-ia cuidar desse
proble m a , p o rque ele deveria resolver uma questão
graví ssima, que é a das medidas provisórias .
A medida provisória foi criada no pressuposto de um
sistema parlamentar, em que, portanto, ela teria efeitos muito
r estrito s , mas na estrutura do presidencialismo , ela
transformou o presidencialismo em presidencialismo
imperial. Porque há uma inversão no processo legislativo.
Neste paí s somos obrigados a trabalhar sem estatí sticas e eu
não tenho dados para dar resposta a esta pergunta : quantos
foram os processos legislativos começados por iniciativa do
presidente da República e quantos foram por iniciativa do
próprio Congresso? A praxe, hoje, é começar pelo Executivo,
mediante medida provisória!
A medida provisória reduz-se, hoje, a uma espécie de
iniciativa, fruto de oportunismo poli tico. Para atender a certas
circunstfuicias , em lugar de enviar ao Congresso um projeto
de lei, manda-se uma lei já feita para submetê-la à apreciação
da Câmara dos Deputados e do Senado. Há, portanto, uma
apreciação posterior a um ato que já nasce em si perfeito e já
produz conseqüências desde logo, porque a medida provisória
produz efeitos e conseqüências , que somente cessariam se
houvesse manifestação em sentido contrário. Esta é uma coisa
absolutamente engenhosa, criação de nosso engenho poli tico?
Não. Mas, pela nossa falta de concreção política, mais uma
vez, nos defrontamos com soluções políticas não queridas , não
desejadas, não delineadas , mas que brotaram por força de um
processo anômalo de natureza institucional . . .
Cumpre ponderar que a medida provisória é muito
pior que o decreto-lei da época militar. Esta configurava,
então, um abuso, mas que ao menos tinha certas delimitações,
enquanto a medida provisória tem o mais amplo espectro ,

- 79 -
gerando efeitos imediatos, com restrições muito grandes-na
sua contrasteação.
De maneira que a reforma política , de que se fala,
está sendo mal colocada, devendo-se examiná-la em sua
amplitude, desde a eleitoral até a partidária. No fundo, a
colocação da reforma política em sentido estrito , como
pretende o Governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso, resulta de uma situação de insegurança de poder,
por infidelidade de p artidos. O s partidos políticos s e
estruturaram d e tal maneira que criaram uma situação d e
ingovernabilidade . Neste ponto, não h á dúvida.
Então , surge, em primeiro lugar, a questão da
multiplicidade infinita de partidos no Brasil . Temos mais de
quarenta partidos , dos quais poucos têm significação real . E
somos obrigados a suportar e a viver em função desses
artifí cios . São partidos políticos que obedecem a meros
pressupostos formais, sem real conteúdo doutrinário e sem
consistência eleitoral .
A situação é tão grave que , no iní cio dos tràbalhos da
presente legislatura , houve um episódio lamentável e
revoltant e : mais de cinqüenta deputados em 24 horas
mudaram de partido. D e tal maneira que foi necessário
esperar a opção de última hora para saber qual era, na
realidade, a composição do Congresso Nacional, qual ia ser
o partido majoritário, e assim por diante . Donde se conclui
que nossas agremiações partidárias são, em grande número ,
destituídas de real significação.
Nesse ponfo, aliás, eu não perdôo ao ex-presidente Castelo
Branco, que deu o primeln> exemplo, quando partiu llllla tradição
política que vinha de longa data: De qualquer maneira eram dois
partidos , o PSD e a UDN, que j á vinham formando um
patrimônio e tradição, um patrimônio de valores próprios, de
personalidades que tinham responsabilidade perante a nação, de
pessoas que perant� o eleitorado tinham uma imagem. Havia;

- 80 -
portanto, uma institucionalização partidária, a UDN, o PSD,
mais o PTB e não sei que mais, o PR, Partido Republicano,
grandes, pequenos ou médios, com estruturas válidas. No entanto,
por um desejo de imitação do bipartidarismo norte-americano,
declaramos sem efeito os partidos existentes. Trancados por ato
de força, criaram-se artificialmente aArena e o MDB , que depois
se transformou em PMDB, pensando-se que com isso estaríamos,
no papel, resolvendo os problemas brasileiros .
Esta é outra coisa que caracteriza o senso político
nacional ; julgando-se que basta colocar algo na lei para que
desde logo se torne realidad e . Foi o que aconteceu na
Constituição de 1 98 8 : nela se pôs tudo o que passou pela
cabeça dos constituintes . Como tudo se torna constitucional,
temos uma crise no Supremo Tribunal Federal, que é obrigado
a se manifestar sobre problemas sem qualquer relevância.
Feitas essas referências a certos ví cios de nossa
mentalidade polí tica, estamos em condição de apreciar
melhor as reformas que se pretende fazer em nosso organismo
estatal .
Para isso surgiram receitas mais ou menos conhecidas ,
das quais vou fazer breve análise.
Tem -se falado , por exemplo, na necessidade de se
mudar o sistema eleitoral, pelo menos num ponto : em lugar
de eleição feita através de um único distrito em cada estado,
estabelecer o voto distrital misto. A segunda seria a da
fidelidade partidária e a terceira, a da chamada barragem de
representação.
Esses são os três pontos fundamentais. Os outros são
acessórios, como se depreende do documento que nos foi entjado
pelo conselheiro e senador Jorge Bornhausen, os quais serão
seguramente objeto de análise por parte do Congresso Nacional.
O quarto ponto da reforma polí tica é o da imunidade
parlamentar, que tem causado tanto escândalo e que está
sensibilizando, inegavelmente, o país.

- 8 1 -·
Sou partidário do voto distrital misto, ponto de vista,
aliás, que sustentei na Comissão nomeada pelo Governo para
preparar o projeto de Constituição , que depois deu em nada.
Comissão essa presidida pelo saudoso confrade e amigo Afonso
Arinos . Eu me refiro à que geralmente passou a ser denominada
Comissão Arinos, que propunha um parlamentarismo, também
meio capenga, que teve o meu voto contra, porque eu queria
uma coisa positiva ou nada. Como o presidente Sarney não
concordava com a mudança de regime, preferiu não encaminhar
ao Congresso Nacional um anteprojeto de Constituição que
estava em conflito com suas convicções pessoais. Ele, com muita
· habilidade, convidouAfonso Arinos para uma grande recepção,
fez uma grande festa, condecorou-o com a Ordem do Mérito
Nacional e mais nada. Por essa razão a Assembléia Nacional
Constituinte deu no que deu, por falta de um ponto de referência
na elaboração do trabalho legislativo.
Esse foi um ponto de conseqüências funestas para o
paí s , pois a ausência de um projeto constitucional que servisse
de referência à apresentação de emendas ou de sugestões dos
próprios deputados abriu campo a centenas de proj etos, em
um totalitarismo normativo que caracterizou a Constituição
de 1 98 8 . O resultado é que nesses dez anos não temos feito
outra coisa senão reformar a nova Lei Magna, raiz maior de
muitos de nossos males .
� voto distrital misto vai ser objeto de muita discussão,.
porquanto os deputados não vão querer ser privados de fazer o
seu próprio jogo pessoal, de vez que o voto distrital misto,
instituído pela Lei Fundamental de Bonn, na Alemanha, tem
dupla finalidade : fortalecer os p artidos e estabelecer a
seletividade prévia dos candidatos , conferindo ao eleitor dois
votos , sendo um para o candidato de sua escolha, e o outro
para a lista organizàda pelo partido.
Pelo voto distrital misto, metade dos votos segue a
votação tr�dicionaJ, enquanto a outra metade obedece a uma

- 82 -
lista partidária, que é, digamos assim, uma lista de elite É ,
. . .

e m suma, um voto para a legenda partidária. O voto distrital


misto exige uma legislação precisa e prudente , capaz de
conciliar os dois tipos de votação. Tal legislação apresenta várias
modalidades , conforme a situação em que repercute o modelo
germânico. Prefiro ficar com o modelo alemão na sua
originalidade, que me parece o mais legítimo , aquele que na
realidade permite urna concreção política maior, porque a
escolha é feita com maior conhecimento do fato político.
Na situação atual, um deputado em São Paulo , neste
imenso colégio eleitoral de milhões de eleitores , capta votos
desde o muni cí pio de São P aulo até às barrancas do
Paranapanema. Ele arranja e soma votos pela imensa extensão
do distrito eleitoral, o que não aconteceria se o eleitorado
estadual fosse distribuído em distritos, como era na tradição
da chamada Repú.blica Velha. Lembro que antes de 1 9 30, havia
o deputado de distrito. No Vale do Paraíba havia dois ou três
deputados conhecido s , que se renovavam por ineio do
conhecimento direto e pessoal do eleitor - o candidato teria
de ter vinculação direta com o eleitorado. Na situação amorfa
agora existente não há como pensar em vinculação de qualquer
natureza. Surgem, então, vinculações espúrias, como as corpo­
rativas, de mero jogo de interesses, ou as de motivação religio­
sa, extrapolando a esfera polí tico-partidária.
O voto distrital misto vem ferir os compromissos
corporativos , porque a eleição terá razões concretas , segundo
as condições econômicas , sociais, culturais de cada seção
distrital, de cada distrito. De maneira que sou favorável ao
voto distrital misto , mas , ressalvo , de conformidade com as
diretrizes fixadas pela legislação alemã, inclusive quanto à
proporcionalidade entre os partidos .
A segunda proposta da Lei Fundamental alemã é a da
barragem da representação. Este me parece um ponto da
maior importância, que s6 por si já justificaria a iniciativa

- 63 -
de alterar a Constituição. É que somos bombardeados, . na
época eleitoral, por partidos de toda e qualquer espécie. Todo
e qualqu er eleitor se considera no direito de inventar um
partido, criando legendas de aluguel, como todos sabem,
não havendo necessidade, perante um auditório tão culto
como este, de tecer considerações sobre essa questão. A dúvida
vem em como estabelecer essa barragem .
Consoante ponto de vista aceito pela Comissão Arinos ,
penso que se deve estabelecer um quorum de cinco por cento.
O partido político que não atingir ao menos cinco por cento
dos votos válidos não terá representatividade . Ele não
desaparece como partido, mas não tem presença no Congresso
N acional . D ir - s e - á que nesse p onto há uma ofensa à
representatividade democrática, mas democracia não é
microdemocracia. Democracia é um regime destinado à
expressão das forças válidas de uma nação e não daquilo que
está surgindo e tem talvez possibilidade de atingir, por si
mesma, seu lugar. Assim, em um país que já tem quarenta
partidos, haverá uma prova de fogo na próxima eleição,
operando-se uma seleção natural para verificar quais deles, na
realidade, merecem subsistir.
Seria necessário dar a essa reforma vigência imediata,
abrangendo desde logo a próxima campanha eleitoral, a fim
de não surgire� caricatos candidatos à presidência da
República desprovidos de qualquer base eleitoral . Alega-se
que a limitação proposta não seria democrática, mas afirmar
tal asserção corresponde a uma tese abstrata, a uma visão de
democracia puramente artificial, sem levar em conta que a
democracia é um caminho que precisa ser construído e não
está construído desde logo. E só se constrói mediante certas
prudências, certas cautelas , como, por exemplo, um limite
mínimo de representatividade.
Passemos à terceira proposta, que é a da fidelidade
partidária , que, a, bem ver, não chega a ser um princípio

- 84 -
constitucional . É o resultado da falta de educação política e
também de cultura política . Quando , além de cultura
política, um paí s tem responsabilidade política, a fidelidade
partidária é uma coisa natural . Resulta da própria estrutura
e da cultura política do povo. Mas quando não se tem cultura,
nem tradição política, a fidelidade partidária surge por dois
motivos : ou por tática polí tica, ou como uma espécie de
muleta ci precária democracia partidária que vivemos. Visto
que, como disse Sartori , a democracia atual é na realidade
uma partidocracia, parece-me que cuidar bem do partido é
cuidar bem da democracia.
A regra da fidelidade partidária começou a viger, no
Brasil, com a Constituição de 1 969 , e, vaidade ci parte, surgiu
em virtude de proposta de minha autoria, no anteproj eto
elaborado ao temp o do presid ente Costa e Silva . A
Constituição de 1 969, até certo ponto, é a reprodução do
anteprojeto proposto por uma comissão presidida pelo então
vice-presidente Pedro Aleixo. Tive a honra e o prazer de
participar dessa comissão, que durante seis dias de intensivo
trabalho , procedeu ci revisão da Constituição de 1 967,
formulando propostas que , penso eu, teriam sido úteis ao
p aí s , s e não tivesse ocorrido a morte súbita do então
presidente Costa e Silva . Foi esse fato inesperado que
· determinou uma solução de emergência confiada ao depois
ilustre ministro Leitão de Abreu, chamado a pôr ordem
naquilo que poderia ser admitido pela Junta Militar. Esta
não aceitou in totum a nossa proposta - aqui estou fazendo
um pouco de revelação pessoal a respeito de fatos de que
p articipei -, mesmo porque Pedro Aleixo foi impedido de
s e r vic e -presi dente e d e assumir a presidência d e
conformidade com a s normas constitucionais então vigentes,
ci margem dos atos institucionais .
De maneira que fo i improvisada a Constituição de
1 96 9 , que é um arremedo daquilo que tinha sido elaborado

- 85 -
por iniciativa do. presidente Costa e Silva, cuja imagem deveria
ser mudada . Aproveito a oportunidade para lembrar um
epi s 6 di o muito interessante : é qu e , no cap í tulo da
representação política do referido anteproj eto, Pedro Aleixo
trouxe uma porcentagem de representatividade por número
de eleitores que favorecia extremamente a Minas Gerais e
reduzia a posição de São Paulo. Eu reagi e, na sessão seguinte,
apresentei um substitutivo que fazia o inverso. Pude então
verificar que o presidente Costa e Silva não era essa figura
tão apagada intelectualmente, como geralmente se pensa.
"Estamos diante de um problema da maior responsabilidade",
ponderou ele. "A solução do Pedro não pode prevalecer, mas
a do professor Reale também não. Devemos reconhecer que
há, entre n6s , grande desequilíbrio na estrutura social e
política do paí s , com imensas desigualdades entre as regiões ,
havendo n e cessidade d e uma comp o si ção." Ante essa
advertência fez-se uma composição, uma revisão equilibrada,
sem estabelecer um máximo de representação, mas elevando
o quorum de representatividade , a fim de que o Congresso
Nacional tivesse um número proporcional de representantes
segundo uma graduação razoável .
Muito emb ora meu tempo j á estej a esgotado ,
permitam-me dizer, ainda no tocante à fidelidade partidária,
que esta não deve se referir apenas às decisões da convenção ,
abrangendo também aquelas consideradas essenciais ou
fundamentais pela direção do partido , para que o partido
tenha efetiva consistência política . Como diz Braudel, a
hist6ria não é feita de linhas contínuas , mas através de
"durações" ou conjunturas . Depende de conjunturas a verdade
da vida política . Então , diante de um caso concreto , de uma
votação fundamental, como tal firmada pelos 6rgãos de
direção partidária, não se compreende que o parlamentar
possa ter posição discordante.
Passemos rapidamente ao último tema, que é o da
imunidade p arlamentar, que facilmente se converte em

- 86 -
impunidade global, quando , em hediondo corporativismo , o
Congresso Nacional deixa de conceder autorização para um
processo contra um de seus membros , por crime comum .
Há que preservar apenas o caso dos chamados "crimes de
opinião", porque estão eminentemente vinculados à atuação
do parlamentar. Tudo o mais deve estar sujeito à legislação
penal comum . Surge apenas um problema. É que a vida
polí tica é cheia de manhas e artimanhas. Pode ocorrer que,
através de um pseudocrime comum , se queira, na realidade,
afastar um deputado. Parece-me, por isso, que sempre se
deve pedir autorização ao Congresso, mas se esta não for
dada no prazo de trinta dias - prazo bastante para o parla­
mentar esclarecer a sua situação - terá início normalmente
a ação penal .

1 7131 1 999

- 87 -
R e fo r m a a g o r a
d e sn e c essá r i a :
a econômica

Quando s e fizer a história desse nunca acabar de


reformas constitucionais , a que o ilusionismo otimista da
Assembléia Nacional Constituinte deu lugar - ao converter
tudo em matéria constitucional, sem perceber as múltiplas
contradições em que se enredava -, o historiador estará
ante o mais rebarbativo dos episódios de nossa experiência
jurí dica.
É que a raiz de todos os males é a Constituição de
1988 , não deixando de ser caricato verificar que estão cuidando
em vão de revê-la aqueles mesmos que a proclamaram com
tanta ênfase e orgulho.
Há, nela, não há dúvida, pontos altos merecedores de
elogios , e não posso deixar de assinalá-los, para evitar se
diga que estaria julgando com espírito prevenido , pois a nova
Carta Magna se distingue, mais do que qualquer outra, pelo
cuidado de salvaguardar os direitos que cabem à pessoa
humana. Nessa ordem de idéias, ela é deveras excepcional,
assim como no tocante aos direitos sociais, e pela criação de
um Tribunal Superior de Justiça, como Corte mais alta no
plano infraconstitucional, ou pela atribuição da mais ampla
competência conferida ao Ministério Público.

- 89 -
Em se tratando , porém, da ordem econômica, os cons­
tituintes perderam-se no mais estreito nacionalismo , criando
privilégios para uma suposta "empresa brasileira", além de
consagrar os mais condenáveis monop6lios , mas tudo foi
definitivamente superado graças a pronta e feliz revisão.
Alega - s e , todavia, que a reforma não teria sido
completa pelo fato especioso de ter-s e consagrado o
neoliberalismo , palavra com que s e .indica a teoria segundo a
qual a vida econômica deve ser entregue , por inteiro, à livre
concorrência, ou seja, ao jogo do mercado. Essa acusação é
feita por estar disposto, no artigo 1 74 da Carta Magna, que
"como agente normativo e regulador da atividade econômica,
o Estado exercerá, na forma da lei , as funções de fiscaliz�ção ,
incentivo e planejamento , sendo este determinante para o
setor público e indicativo [note-se] para o setor privado".
Entendem alguns que , dessa forma, teria sido excluída
a hip 6 tese de "planej amento obrigat6rio para todos",
considerado essencial diante dos desajustes crescentes da
sociedade contemporânea, e como peça mestra do Poder
Público para promover o desenvolvimento do paí s .
Não me parece, contudo, que a crítica seja procedente,
pois, em matéria constitucional, a interpretação não deve
ser atômica, isto é, incidente sobre uma regra isolada, visto
que não pode deixar de ser levada em conta a totalidade do
ordenamento. Ora , o artigo 1 70 declara, entre os princípios
diretores da ordem econômica, a defesa do consumidor, a busca
do pleno empre9 0 e a redução das desi9 ualdades sociais, o que
consagra a necessidade da intervenção do Estado a fim de
melhor exercer suas funções reguladoras da economia .
Ademais, o adj etivo indicativo não significa que o plane­
j amento poderá ser ou não obedecido , mas sim que é dado às
empresas optar por outras vias , mas ficando privadas das
vantagens e incentivos inerentes ao plano aprovado por lei.
Mais certo é dizer,,por conseguinte, que a Constituição optou

- 90 -
pelo social-liberalismo, doutrina que se situa entre o Estado
omisso , pregado pelos neoliberais , e o intervencionismo
sistemático defendido pelos socialistas .
Além disso , é preciso ter em conta que , segundo o
artigo 1 73 da Lei Maior, ressalvados os casos nela previstos ,
" a exploração direta d a atividade econômica pelo Estado só
será p ermitida quando necessária aos imp erativo s da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo , conforme
definido em lei". Eis aí uma disposição de inegável sabedoria,
porquanto só em casos excepcionalíssimos devemos admitir
a figura do . Estado empresário, cuj a experiência tem sido
desastrosa, tal como o demonstrou sobejamente o malsinado
regime soviético, e há exemplos de sobra no Brasil.
Cabe, por outro lado , ponderar que é afastada a obriga­
toriedade total apenas do planejamento econômico, e não a do
planejamento tributário, uma vez que o sistema financeiro
nacional é disciplinado em capí tulo distinto , tendo por fim ,
como dispõe o artigo 1 92 , "promover o desenvolvimento
equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade",
somente podendo ser obj eto de lei especial . O s planos
financeiros são , pois , obrigatórios , como o foi o Plano Real,
por sinal estabelecido mediante medidas provis6rias, não sei
quantas vezes reiteradas , dadas as delongas do Congresso
Nacional.
A vista do exposto , podemos afirmar que o regime
econômico consagrado pela Constituição de 1 98 8 após a
-

eliminação das normas xenófobas e dos absurdos monopólios


- é o do social-liberalismo, o qual prevalece no mundo contem­
p orâneo como uma terza via entre o individualismo liberal e
o socialismo. A meu ver, não tem cabimento qualquer nova
reforma constitucional no concernente à ordem econômica.
O que tem faltado não são boas normas legais, mas
sim intérpretes bem preparados e executores fiéis . Daí o
recurso freqüente a medidas provis6rias, máxime quando

- 91 -
indefinidamente renovadas devido ao desleixo ou à incúria
do Legislativo. Só merece encômios, por conseguinte, a idéia
de restringir a aplicação de medidas provisórias, terceira fase
de lastimável deterioração da função legislativa .
A primeira fase tivemos com o Estado Novo quando ,
com o fechamento do Congresso Nacional, o presidente
Getúlio Vargas legislava com decretos-leis a seu bel-prazer. A
segunda ocorreu durante o regime militar, e, verdade seja
dita, foi a mais branda delas , uma vez que os decretos-leis, nos
termos do artigo 5 5 da Carta de 1 96 9 , somente eram
admissíveis em casos de emergência ou de interesse público
relevante , desde que não houvesse aumento de despesa,
versando sobre segurança e fmanças públicas, criação de cargos
públicos e fixação de vencimentos, matéria própria, pois , do
"estado patrimonial" . . .
A terceira e última fase dos decretos-leis disfarçados
em medidas provisórias é a atual, tendo o mais amplo espectro ,
até o ponto de ter-se anomalamente tomado processo normal
de legislar. Em um sistema desses , foi sorte serem os planos
econômicos apenas indicativos no setor privado . . .

1111211999

- D !! -
· · ; f<O• ?7n�'"
" < • rf ..

L e g it i m i d a d e d e u m a
C o n s t it u i nt e R evi s o r a

O s que se contrapõem à idéia de uma Constituinte


Revisora proclamam , como se fosse tese insuscetível de
dúvida, a sua inviabilidade constitucional . Não encontro ,
porém, na Carta Magna, texto algum que sirva de supedâneo
a essa afirmação dogmática. Senão vejamos .
O mandamento que rege a matéria é o do artigo 60
que prevê a forma de apresentação e aprovação de emenda à
Constituição, estabelecendo , em seus incisos , que ela deve ser:
a) proposta pelo presidente da República; por um terço , no
mínimo , dos membros da Câmara dos D eputados ou do
Senado Federal; ou por mais da metade das Assembléias
Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada
uma delas , pela maioria relativa de seus membros ; b)
discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos,
três quintos dos votos dos respectivos membros .
A única restrição constante da Carta Maior refere-se
às chamadas normas pétreas enumeradas no parágrafo 4-2 desse
mesmo artigo 60. Por mais que analise, no entanto, os quatro
itens desse parágrafo , não encontro motivo algum para
afirmar que deles resulta a tão alardeada proibição de uma
Constituinte Revisora , pois esta j á estaria de antemão
obrigada a resp eitar os mandamentos intocáveis nele

- 93 -
firmados.Todavia, para tranqüilidade dos espíritos vacilantes ,
nada impede que , no ato convocatório da Constituinte
Revisora, se estabeleça que nela não serão obj eto de deli­
beração propostas tendentes a abolir ou a contrariar o
estabelecido naquele dispositivo que fixa os princípios básicos
de nosso Estado Democrático de Direito.
Isto posto , pergunto em que se baseiam os adversários
da Constituinte Revisora para se contrapor a uma proposta
que reduza durante o período de seufuncionamento de três
- -

quintos para maiori a absoluta o quorum indispensável à


aprovação de emenda à Constituição. Só a paixão e o espírito
preconcebido poderão encontrar razões contrárias a essa
possibilidade constitucional. A bem ver, não haveria proibição
nem mesmo se, em caráter permanente, se quisesse alterar o
parágrafo 2.11 do artigo 60, a fim de declarar que a emenda à
Constituição será considerada aprovada se obtiver, em ambas
as casas do Congresso , em dois turnos , dois terços , quatro
quintos , ou a maioria absoluta dos votos dos membros da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal !
Onde, em que mandamento constitucional se apóiam
os solertes hermeneutas para sustentar o contrário? O quorum
de dois terços , três quintos, ou outro qualquer, é porventura
intangível, por ferir imperativo fundamental de nosso Direito
Público? Positivamente, o que há é apenas uma afirmação
baseada no próprio e pretensioso "poder de querer", sem
fulcro em disposição constitucional que lhe dê guarida.
Assim sendo , se o Congresso Nacional - obedecido o
quorum atual de três quintos dos votos de seus membros -
pode aumentá-lo ou reduzi-lo, impõe-se a conclusão , de
maneira manifesta, de que inexiste óbice a que ele possa
convocar uma Constituinte Revisora com poderes para
deliberar por maioria absoluta, durante o tempo limitCido previsto
de sua duração, com a finalidade específica de pôr o texto
constitucional em consonância com urgentes necessidades do
povo brasileiro.

- 94 -
Embora sejamos um paí s apegado a f6rmulas e mitos
políticos , não vacilo em dizer que seria suficiente a aprovação
da emenda pelo Congresso Nacional , mas , se os senadores e
deputados entenderem o contrário , reputando indispensável,
in casu , a consulta direta ao eleitorado , resta verificar como
deverá ela ocorrer, se antes ou depois de elaborada a reforma.
Analisando novamente o assunto , cheguei à conclusão de que
seria absurdo convocar todos os eleitores para se manifes­
tarem concordando ou não com dezenas de alterações in­
troduzidas no texto constitucional. É evidente que tal pro­
nunciamento não poderia deixar de pressupor um mínimo
de conhecimento jurí dico ou político sobre o conteúdo de
cada emenda acolhida pelo Congresso Nacional, envolvendo
questões de alta indagação. Como se vê, seria desaconselhável
a realização de um referendf!, que é a figura jurídica relativa à
aprovação pelo eleitorado de um texto legislativo.
Tudo indica, por conseguinte, que, na espécie, a via
mais indicada seria a da prévia realização de um plebiscito ,
para autorizar ou não a convocação de uma Constituinte
Revisora com poderes para deliberar por maioria absoluta
de votos, durante certo perí odo de tempo. Como ocorreu
com o plebiscito destinado a escolher entre presidencialismo
e parlamentarismo, ou república e monarquia, o povo votaria
sim ou não, isto é , pr6 ou contra a Constituinte Revisora,
ficando o Congresso Nacional autorizado de antemão a
proceder à reforma segundo o que lhe parecesse mais
conveniente aos interesses do paí s .
Nessa ordem d e idéias , tomo a iniciativa d e oferecer
o seguinte anteprojeto de lei disciplinando a matéria, a saber:
"Arti9oi11 Fica convocado o eleitorado para, dentro
-

de 90 (noventa) dias a partir da publicação da presente


lei , manifestar-se , em plebiscito , pr6 ou contra a
realização de uma Constituinte Revisora, com poderes
para proceder à reforma da atual Constituição.

- 95 -
Pará9refo único Nos 3 0 (trinta) dias seguintes à
-

publicação desta lei , o Tribunal Superior Eleitoral


expedirá a resolução que j ulgar indispensável à
regulamentação do plebiscito e à sua apuração.
Arti90 2!l Publicado o resultado da votação favorável
-

à realização da Constituinte Revisora, o Congresso


Nacional dará iní cio aos trabalhos da reforma dentro
de 1 0 (dez) dias , devendo concluí -lo no prazo
improrrogável de 1 80 (cento e oitenta) dias .
Arti9032 - A proposta de emenda ou de conjunto de
emendas · à Constituição será discutida e votada em
cada Casa do Congresso Nacional , em turno único,
considerando-se aprovada se obtiver maioria absoluta
dos votos dos respectivos membros .
Arti90 4!l - A Constituinte Revisora terá poderes para
deliberar sobre as seguintes reformas : 1 ) a político­
partidária; 2) a eleitoral; 3) a do sistema de poder; 4)
a tributária e financeira; · 5) a trabalhista.
Arti9 0 S!l Não serão obj eto de deliberação propostas
-

tendentes a abolir ou contrariar o disposto no parágrafo


4-2 do artigo 60 da Constituição Federal .
Arti9 0 62 O Congresso Nacional dedicará o perí. odo
-

matutino à Constituinte Revisora, sem prejuízo de


suas demais atribuições constitucionais".
Somente assim, graças a uma Constituinte Revisora,
será possível realizar a definitiva reforma da Constituição
de 1 98 8 , a qual, em virtude de seu malsinado totalitarismo
normativo tantos males tem causado ao paí s . Superar-se-á,
desse modo , a situação atual que permite a uma insignificante
minoria bloquear a revisão da Carta Magna exigida com
urgência pelos mais altos interesses nacionais .

22181 1 998

- 96 -
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vi o l ê n c ia e a
A
omis são do E stado

Cada época histórica s e caracterizà por valores


positivos e negativos preponderantes , sendo a nossa marcada
p ela violência em todos os quadrantes da sociedade , até o
ponto de já ser considerada o maior de nossos males . Daí a
necessidade de se indagar das causas desse flagelo.
Em primeiro lugar, é ela um sintoma de crise moral
e material . Começando por esta, pode-se dizer que ela gera
condições propícias ao emprego da força fl sica como meio
de sobrevivência. É inegável que a fome , ou a carêneia dos
elementos mais necessários à vida leva à prática de atos
vi o l e n to s , muito embora não s ej a e l a a m o tivação
prevalecente, como pode parecer à primeira vista.
Estatísticas confiáveis demonstram que a pobreza não
é a fonte maicir da violência, mesmo porque os locais mais
violentos são , ao contrário do que se supõe , os que dispõem
de maiores recursos econômicos, figurando entre os mais
desenvolvidos do paí s . 1 Mais acertado será dizer que são a
exclusão social, por um lado, e , por outro , a omissão do Estado

1 Lê·se nojurnal da Tarde, de 1 6 de fevereiro de 2000, que uma pesquisa do Departamento


do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro (Desipe) mostra que 7 1 % dos presos sob sua
custódia moravam em casa própria e 80% sempre foram sustentados por seus pais. Desses
jovens de classe média, 5 0,9"/o foram condenados por tráfico de drogas e 30, 1 % por
assalto à mão armada.

- 97 -
os fatores determinantes por excelência dos atos violentos
que atormentam tragicamente a sociedade contemporânea.
Nada mais incita o recurso à força bruta do que o fato
de sentir-se um imenso número de indivíduos excluí dos da
fruição das benesses de que usufrui a minoria, às vezes com a
maior ostentação. O desequilíbrio econômico-fmanceiro, que
cava um abismo entre as categorias soeiais, atua como um
desafio , estimulando atitudes de represália e de confronto ,
dada a crescente convicção de que por meios pacíficos não
será possível alcançar um razoável nível de eqüidade .
Uma situação de tal natureza muito freqüentemente é
agravada pela omissão dos Poderes Públicos, cujos responsáveis
se colocam à margem da questão, não apenas tardando em
tomar providências que possam diminuir os graves dese­
quilíbrios coletivos, mas - o que é pior - justificando a falta
de providências sob a alegação de que somente as leis naturais
do mercado poderão pôr cobro às ominosas condições de vida
da maior parte da população.
Em um quadro desse tipo é natural que campeie a
violência, encontrando clima propí cio para seus malefí cios
os indiví duos por natureza e por índole já propensos à prática
de delitos , não raro assumindo posição de liderança.
Experiências realizadas na Região Metropolitana de São
Paulo têm vindo demonstrar que, quando o Estado se omite
na prestação dos serviços exigidos pela comunidade - desde os
policiais até os judiciais, desde os de caráter urbanístico aos da
saúde pública -, o lugar do Estado é assumido pelos líderes do
crime organizado, passando eles a exigir da comunidade desam­
parada tanto contribuições ilícitas como atos de vassalagem
impostos pelo temor.
Tenho conhecimento de atividades salutares, promo­
vidas p ela Secretaria da Justiça do Estado de São Paulo e pela
Polí cia Militar, respectivamente, no Itaim Paulista e no
J ardim  ngelà , que comprovam , p lenam ente , que a

- 98 -
criminalidade, quer de adultos , quer de menores, decresce
de maneira bastante significativa quando o Estado se faz
presente , promovendo atos de colaboração positiva também
por parte de entidades não governamentais , todos empe­
nhados na luta comum contra a violência.
Trata-se, em ambos os casos, de bairros imensos , com
mais de quatrocentos mil habitantes , sem qualquer espaço
de lazer, e que, no entanto, viviam ou sobreviviam à margem
de qualquer serviço público, entregues assim à iniciativa e
ao predomínio dos marginais .
N o Itaim Paulista, a Secretaria d a Justiça instaurou,
em boa hora , um Centro Integrado da Cidadania , que
congrega, em unidade concomitante, serviços da Justiça, do
Ministério Público e da Polí cia, além de postos de assistência
social e de recreio, estando sendo programada a abertura de
um teatro.
Com essas providências , alterou-se radicalmente o
panorama social, passando a população a ter a quem recorrer,
nos momentos graves de crise, assim como para a solução
dos problemas do dia-a-dia.
Para demonstrar qual o resultado de medida desse
alcance bastará· dizer que , após a instalação do mencionado
Centro , não houve um só homicídio durante o Carnaval,
com redução da criminalidade ao longo do ano.
O mesmo fenômeno ocorre no Jardim  ngela, onde
a Polí cia Militar instalou dois pontos comunitário s de
policiamento, construindo-se duas quadras esportivas abertas
ao público até mesmo de madrugada. O resultado espantoso
foi a redução , em mais de cinqüenta por cento , rio número
de homicídios.
Bastam esses exemplos para ficar comprovado que o
problema da violência não se resolve apenas ou tão-somente
com novas leis, mas depende substancialmente de medidas
conjugadas do Poder Público e da sociedade civil.

- 99 -
Não é demais salientar que providências como as
· acima apontadas tiveram como conseqüência modificar a
figura delituosa, com queda impressionante dos casos de
homicí dio. A esse respeito , observo que nos tão falados
crimes perpetrados por menores prevalecem as hipóteses de
furto e roubo, e não de homicídio, o que revela a possibilidade
de dar solução ao problema com mais facilidade, bastando
que se tirem os menores da rua.
É aqui que se põe urna questão básica, que é a da educação.
Em primeiro lugar, não posso deixar de me referir à crise
geral que, do ponto de vista ético e religioso, atinge a sociedade.
O desrespeito ao valor da vida humana tornou-se um fato
corriqueiro, como se dá com os assaltantes à porta de um
caixa eletrônico ou se valendo das paradas dos veículos nos
semáforos , matando-se apenas por matar.
O "não matarás" bíblico não tem mais ressonância nas
almas empedernidas , tão irrelevante se tomou a formação
moral e religiosa, o que deveria ser mais lembrado por
entidades que, às vezes , se preocupam de preferência com
questões sociais e políticas .
Consoante acab o de expor entre as causas deter­
minantes da violência que campeia na sociedade contem­
porânea, deve-se ressaltar a exclusão social e a omissão do
Estado, as quais atuam de maneira convergente. Por exclusão
social entendo a situação atual de desigualdade entre os
indivíduos e as diversas categorias sociais , que priva a grande
maioria da participação dos bens de vida que o progresso
tecnológico deveria cada vez mais proporcionar. Ela abrange
um vastíssimo campo social que se estende desde a linha da
pobreza até estágios sociais de dura privação de bens essenciais
à saúde e à educação.
Essa não-participação no patrimônio vital torna-se
sempre mais causa de desemprego , visto que as exigências
tecnológicas opez;am uma rude seleção entre os candidatos

- 1 00 -
aos postos de trabalho, não assegurando acesso senão àqueles
que superam a faixa do ensino fundamental , impondo-se, de
maneira crescente, a formação no ensino médio e mesmo
superior. Estamos perante um círculo vicioso acabrunhador,
porquanto o desemprego somente é superado graças à
instrução recebida, e esta é inacessível a quem esteja sem
trabalho. É aqui que já se começa a sentir a correlata omissão
do Estado , cuj as entidades educacionais se convertem em
privilégio dos mais abonados .
É compreensível que , em uma situação dessa natureza,
de insuperáveis adversidades, surja e se forme o sentimento
de revolta que freqüentemente abre portas à violência. Como
se vê, estou reconhecendo que os atos violentos não são mera
conseqüência da índole ou do temperamento dos indivíduos
que, premidos pela necessidade , desafiam as regras do beni­
estar social e agridem a sociedad.e que os abandona . Não há,
com efeito , como reduzir o fenômeno da violência a fatores
de ordem p sicológica, embora não se possa negar que a
resistência à exclusão social depende da condição psíquica de
cada um . Quando ela atua sobre pessoas propensas ao emprego
da força como resposta imediata às ofensas ou privações
sofridas, temos os casos de violência que não raro descambam
para o plano da conduta delituosa, cuja prática tem como
conseqüência a repressão penal, pondo um novo ciclo de
"círculo vicioso" que parece condicionar sempre o fenômeno
da exclusão social, no qual o Estado se omite ou somente se
faz presente quando o maior mal está feito , em razão do
desamparo de que os indivíduos foram ví timas .
No que se refere à impossibilidade de aquisição de
conhecimentos exigidos pela estrutura tecnológica que
preside atualmente as relações de trabalho , compreendo que
se queira lançar mão de medidas extremas , como , por
exemplo, a "reserva de matrí cula" nos cursos médios e
superiores para assegurar o ingresso a maior número de

- 101 -
candidatos desabonados - e , por isso , sem a vantagem do
ensino ministrado pelos melhores estabelecimentos -, mas é
fácil compreender os efeitos nocivos que tais expedientes
provocariam no campo da educação e da cultura, mesmo
porque será absurdo despir um santo para vestir outro ,
permanecendo as razões da desigualdade. Em tal conjuntura,
penso que o papel assistencial do Estado é desempenhado por
uma corajosa política de aperfeiçoamento do ensino público ,
completada por uma não menos arrojada política de bolsas
de estudo , notadamente para complementação de nosso
conhecimento em institutos altamente especializados do
.
exterior. O que não se admite é que o Estado fique de braços
cruzados ante os problemas que emergem da relação entre
emprego e as condições de instrução por ele exigidas .
Eis aí uma questão que reclama a participação assis­
tencial da União , dos estados e dos municípios , interpre­
tando-se criadoramente a Constituição e a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional , as quais se perdem às vezes
em esferas abstratas de competência . . . Impõe-se corrigir
a situação existente, em que a União destina às univer­
sidades a quase totalidade de seus recursos orçamentários
destinados à educação e ao ensino. Vê-se, por aí , como o
problema da violência repercute em todo o corpo social ,
r e clamando revi s õ e s em uma s é r i e de problemas à
.
primeira vista a ele inteiramente alheia . Mas é somente
com uma visão global como essa que poderemos superar
o mal do crescente desemprego , proporcionando vagas a
centenas de milhares de candidatos que ap.ualmente surgem
no mercado de trabalho.
Dir-se-á que esse absenteísmo resulta da Constituição
liberal , mas julgo ter demonstrado que a nossa é mais
propriamente "social-liberal", não se devendo esquecer que a
nossa Carta Magna figura entre as mais compreensivas no
que se refere à �ducação e ao ensino, domínios em que a
intervenção do Estado é prevista com a maior amplitude .
Passando a outro aspecto da questão , parece-me
necessário salientar que uma das causas da violência é o
desolado confronto que se faz entre o status social de que se
dispõe e aquele que é desfrutado por uma afortunada minoria.
Nessa linha de idéias , cabe dizer que no Brasil - uma das
nações de mais acintosa desigualdade na distribuição da
riqueza - os detentores do maior poder econômico primam
pela ostentação, sendo o desejo de aparecer tão forte como o
de dominar, tornando mais gritante o contraste e o confronto
com os que o saudoso amigo Cesarino Júnior denominava
hipossuficientes . Obj etar-se-á que esse é um fenômeno
universal e que a chamada ".era da informação" , com a
vertiginosa aceleração dos meios de comunicação, cria, dia
a dia, novos motivos de atração , novas fontes de apetites e
desejos, mas não creio se possa negar que, entre n6s , não
primam os valores mais altos do espírito , mas antes as
atrações mais vulgares , prevalecendo a fatuidade sobre a
seriedade da vida individual e coletiva. Ora , tal modo de
viver, de situar os valores existenciais, já é de p er si propí cio
a extremar as posições sociais, fortalecendo as razões de luta
e contestação e alargando os horizontes da violência.
Pois bem, não há quem não perceba como, em nossa
chamada civilização cibernética , filha das comunicações
eletrônicas , é relevante o papel da televisão , sobretudo no
que concerne à exposição e ministração do que é fátuo e
vazio , assim como de todas as formas de violência, com
exemplares lições na arte de delinqüir. É incontestável que
as empresas televisivas - perdidas em dura concorrência
econômico-financeira - não titubeiam em lançar mão de
todos os recursos para domínio do mercado. Para tal fim,
predominam os programas e os espetáculos capazes de
conquistar o apoio fácil das multidões , descambando para a
mais baixa vulgaridade . Nessa ordem de coisas , muito
freqüentemente a violência se converte em m otivo e
instrumento na conquista das preferências do telespectador.

- 1 03 -
Daí a exclusão dos temas de caráter cultural ou educativo ,
para a apologia do que é mais brutal , notadamente com a
apologia da força física poderosamente municiada.
E o Estado? O Estado esquece-se de que, no caso da
televisão, é ele titular de uma concessão de serviço público
- sendo dotado, por conseguinte , de poderes para ética e
intelectualmente discipliná-lo. Mais uma vez, porém , o
Estado se omite , prometendo apenas o Governo obter do
Congresso Nacional uma lei especial , quando em verdade, é
absolutamente dispensável qualquerlei reguladora do assunto.
O que está faltando é apenas coragem para cumprir o próprio
dever de pôr a televisão a serviço dos altos valores do espírito.

8 / 1 /2000 e 5 /2/2000

- 1 04 -
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A c r i s e d o Ju d i c i á r i o

O preclaro presidente do Supremo Tribunal Federal,


ministro José Celso de Mello Filho , teve a gentileza de enviar­
me a sua proposta de reforma do Poder Judiciário. Trata-se
de trabalho que se põe como documento fundamental nessa
o r d e m de estudo s , d a d a a integralid a d e d o s temas
desenvolvidos com grande discernimento e equilíbrio , por
saber preservar a liberdade dos magistrados no exercí cio de
sua jurisdição, sem deixar de traçar-lhes prudentes diretrizes .
Em primeiro lugar, são deveras alarmantes os dados
sobre o aumento progressivo das causas julgadas e em curso
perante a Suprema Corte, desde a promulgação da Constituição
de 1 98 8 , elevando-se de 6 637 em 1 989 para 40 8 2 3 em 1 997!
.Essa é, a meu ver, mais uma · das conseqüências da demagogia
triunfalista que imperou na Assembléia Nacional Constituinte,
a qual, perdida em seu "totalitarismo normativo", elevou para
o plano constitucional - a pretexto de aperfeiçoamento do
Estado Democrático de Direito - inúmeras questões da
competência do legislador ordinário, ensejando, assim , uma
pletora de recursos, a pretexto de inconstitucionalidade.
O segundo motivo desse tormentoso desequilíbrio é
apontado pelo ministro Celso de Mello e resulta, não da Carta
de 1 9 8 8 , mas da "oposição [muitas vezes infundada] e da
resistência estatal [nem sempre justificável] a pretensões
legí timas manifestadas por cidadãos de boa-fé que se vêem

- 1 05 -
constrangidos , em face desse inaceitável comportamento
governamental, a ingressar em juízo , gerando , desse modo ,
uma desnecessária multiplicação de demandas contra o Poder
Público".
Não há como contestar essa observação, ante a
dominante "litigância temerária" que se estende desde a União
até os municípios. Estes e os estados talvez se justifiquem ,
dizendo que o fazem em virtude de carência de recursos
(devido, em grande parte, à falta ou à má aplicação de sua
competência tributária) , mas nada justifica a atitude da União
e suas autarquias , principais responsáveis pelo congestio­
namento gerado por ações e recursos de caráter meramente
protelatório .
Nesse sentido, assiste razão ao presidente do Supremo,
quando lembra que uma súmula da Advocacia Geral da União,
com base na Lei Complementar n11 7 3 / 9 3 , teria a virtude de
estancar, de maneira substancial, a deslealdade processual
prevalecente, proibindo a todos os órgãos jurídicos federais
ingressarem em j uízo , ou recorrerem inutilmente , para
sustentar teses reiteradas vezes rejeitadas pelos tribunais
superiores . O problema, por conseguinte, é, antes de mais
nada, de probidade administrativa.
Adverte o presidente do STF que é urgente a adoção,
no Brasil, do writ ef certiorari, instrumento que permite à
Suprema Corte dos Estados Unidos rechaçar in limine
recursos desprovidos de relevincia j urí dica , polí tica ,
econômica ou social, à semelhança do que já o corre na
Argentina . Peço vênia, porém , para discordar quanto à
necessidade de lei para instituir essa medida. No meu entender,
o Supremo Tribunal Federal, como órgão de cúpula do Poder
Judiciário , tem poder-dever bastante para disciplinar uma
questão que, afinal de contas , versa sobre critérios a serem
seguidos no exercí cio da atividade jurisdicional. Data maxima
venia , o Supremo , apegado a exagerado legalismo , nem

- 1 06 -
· -
sempre exerce o poder soberano , que lhe é próprio , quanto à
criação de modelos j urídicos prescritivos .
De lei h á necessidade, sem dúvida, para determinar a
obrigatoriedade de obediência às súmulas pelos juízes das
instâncias inferiores , na forma estatuída pelo legislador, mas
sem privar o juiz de sua autonomia crí tica, inclusive porque
a ação pode se basear na necessidade de alterar-se uma súmula,
por ter-se tornado obsoleta. As súmulas não são intocáveis e
correspondem , consoante costumo dizer, ao horizonte da
jurisprudência, horizonte que recua à medida que a ciência
avança .
Como bem acentua o presidente do Supremo, só o
Congresso Nacional pode estabelecer as sanções cabíveis na
hipótese de serem ajuizadas ou contestadas pelas partes
demandas em flagrante conflito com o direito sumular
itinerantemente firmado. Aproveito, aliás , a oportunidade
para reiterar o que já escrevi, no artigo de 1 0/ 1 / 1 998 , quanto
à absurda possibilidade de um magistrado de primeira
instância conceder liminares contra a aplicação de leis
federais, com eficácia fora de sua jurisdição.
Folgo em registrar que foi aceito pelo ilustre ministro
Celso de Mello a minha prop � sta de criação de um
Contencioso Administrativo com função j urisdicional ,
m o tivo pelo qual prefiro abandonar d e vez o t ermo
Contencioso Administrativo , vinculado a o ord enamento
buro crático, p ara dizer, pura e simplesmente , Justiça
Administrativa e Tributária, visto destinar-se a disciplinar
as causas pertinentes ao sistema administrativo e tributário
das unidades federativas. Nem se estranhe que entre estas se
incluam os munidpios , tese por mim sustentada há muito
tempo , por terem eles suas atribuições diretamente declaradas
nas próprias matrizes da Constituição.
Muito embora não disponha de dados estatí sticos
confiáveis , tenho a impressão de que as questões admi-

- 1 07 -
nistrativas e tributárias são as que mais atravancam nossos
órgãos judiciários .
Folgo , outrossim , em verificar que o ministro Celso
de Mello não hesita em proclamar que "no Brasil, hoje, o
processo de reorganização do Poder Judiciário há de iniciar­
se p o r sua base fundamental , que reside na primeira
inst�cia", salientando a relevância dos órgãos colegiados de
primeira instância.
É claro que não posso, em um artigo, analisar toda a
riqueza da proposta do ministro Celso de Mello , mas o meu
obj etivo é apoiá-lo em seu propósito primordial de situar a
reforma do Judiciário no primeiro plano das urgências
nacionais , porquanto a crise da Justiça é crise da sociedade e
do Estado. Com a crise da Justiça está em jogo a própria
cidadania .

181411998

- 1 08 -
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A j u s t i ç a a d m i'Iii s t r at iva
e t r ib ut á r i a

No conceituado programa R.oda Viva da TV Cultura, a


que tive o prazer de comparecer, dia 2 2 de dezembro de
1 9 9 7 , prestigiado por ilustres interlo cutores , tive a
oportunidade de focalizar, entre outros, o candente problema
da crise da Justiça.
Esclareço , desde logo, que houve equívoco em me
atribuírem a afirmação de que a crise da Justiça seria d�vida,
em grande parte, ao despreparo da magistratura, pois não
ignoro que a seleção desta tem sido submetida a concursos
rigorosos . O que disse é que , isso não obstante , os novos
juízes padecem do mesmo mal que aflige hoje em dia o s
.
· cultores do Direito em geral, que, não raro , demonstram
conhecimento de questões jurí dicas , mas padecem de
alarmante incapacidade de expressá-lo com correção e
elegância.
É claro que há sempre exceções , não faltando juízes ,
mesmo jovens, que se mantêm fiéis à tradição paulista das
sentenças tão justas quanto belas , assim como não faltam
magistrados pernósticos como aquele que não titubeou em
condenar as razões de um advogado , de quem dissentia,
apodando-as de "labilidade dogmática e licença retórica" . . .
Ora, a pobreza expressional constitui um mal da nossa
época, pois a cultura contemporânea, sob o impacto do rádio

- 1 09 -
e da televisão, se baseia cada vez mais na oralidade, sem amor
pelos valores primordiais da língua e o hábito da leitura
cotidiana . D edica-se sempre menos amor aos bons autores ,
para não me referir aos clássicos d o idioma, sendo , o que é
pior, impressionante a carência de correção gramatical, que
as gerações mais velhas aprendiam com o estudo do latim e ,
ao depois, quando este caiu e m desgraça, e m virtude d e
exercí cios d e "análise lógica", cujo exagero sofisticado fo i a
causa maior de seu lamentável repúdio.
Neste artigo, escrito a pedido de vários espectadores ,
vou fo calizar, porém , o que me parece o problema mais
urgente, que consiste em inserir a Justiça Administrativa e
Tributária nos quadros da Justiça em geral, dedicando-lhe
lugar próprio. Com estas palavras , já estou desfazendo mais
dois equívocos, compreensíveis dada a natureza do programa
Roda Viva, de marcado cunho dinâmico : o primeiro seria o
da criação do Contencioso Administrativo , que considero ,
.
atualmente , uma instituição superada, ademais fora de nossa
tradição , mais própria dos paí ses europeus ainda apegados a
uma herança monárquica imbuída de poderes jurisdicionais;
o segundo equív � co seri � o da instituição de uma Justiça
Administrativa e Tributária autônoma acrescida à Justiça que
a Constituição atual consagra e que , ademais , goza da
prerrogativa de propor ao Poder Legislativo respectivo as
propostas relativas à sua organização (Constituição, artigo
95 , II) .
Ainda não possuímos dados estatísticos absolutamente
fidedignos, mas, pelo que tem sido publicado, pode-se ter como
certo que um dos grandes entulhos judiciários, se não o maior
deles, é devido ao imenso número de processos pertinentes a
questões administrativas e tributárias, desde os municípios
até a União.
Como a regra é adiar indefinidamente os pagamentos
(e o drama dos pr � catórios está aí a demon� trá-lo de maneira

- 110 -
gritante) , a Administração Pública jamais se conforma com
a pletora de decisões favoráveis aos contribuintes , recebendo
os procuradores instruções para recorrer sempre, por mais
evidente que seja a improcedência da pretensão do Fisco.
Sendo not6rio esse visceral incorformismo das auto­
ridades administrativas , empenhadas em empurrar o s
processos "com a barriga" , conforme dito sumamente
expressivo , a fim de se transferir às administrações futuras a
responsabilidade de pagar os débitos legítimos, há necessidade
de medidas urgentes para coibir tais abusos . Não creio que a
instauração da súmula vinculante , de que se cogita em boa
hora, seja remédio bastante .
Ante um quadro dessa natureza, e por motivos outros
que não creio imprescindível ora alinhavar, é que me ocorre
a idéia de uma solução que me parece prática, sem necessidade
de alterar as estruturas essenciais do Poder Judiciário.
Em primeiro lugar, nada há, penso eu, a modificar na
organização do Supremo Tribunal Federal, como cúpula da
atividade jurisdicional, a não ser para dar mais ênfase à sua
primordial competência como Corte Constitucional, liberando­
ª • por exemplo , do pe�sistente conhecimento de habeas-corpus,

exceto os casos previstos no artigo 102 , 1, letra d da Carta


· Magna . O mesmo se diga, em linhas gerais, do Superior
Tribunal de Justiça, o qual, todavia, segundo a reorganização
judiciária que estou sugerindo , deveria contar com tantas
turmas ou Câmaras dedicadas a processos administrativos e
tributários quantas forem determinadas pelo gigantesco
volume de tais ações . Desse modo , graças a uma reforma
interna corporis, além de atender, quanto mais possível, a razões
de especialização , será mais fácil reagir contra os expedientes
da Administração Pública, máxime se consagrado o princípio
da súmula vinculante, que, a bem ver, está na raiz do Common
Law, sem que se acoime de "engessar" o Direito anglo­
americano . . .

- 111 -
É claro que , nos estados e no Distrito Federal, os
tribunais de Justiça deverão obedecer a. iguais parâmetros ,
sendo criados tribunais d e Alçada Administrativa e Tributária,
de acordo com as necessidades locais .
No que se refere à l1 Instância, haverá necessidade da
criação de Varas Administrativas e Tributárias nas Comarcas
com grande número de ações movidas contra as pessoas
jurídicas de Direito Público , matéria esta, como as anteriores,
que independe de reforma constitucional, tudo se resol­
vendo no âmbito de legislação ordinária .
É claro que uma reorganização dessa natureza impor­
tará em vultosas despesas, mas as vantagens são manifestas,
inclusive no concernente à adequada especialização dos juízes .
Estou convencido , em suma, de que a Justiça tem
condições de superar em breve tempo sua crise , desde que
não lhe faltem os indispensáveis recursos financeiros , nunca
em demasia quando em jogo os valores da cidadania. Outros
aspectos do problema seriam resolvidos mediante a esperada
aprovação das súmulas vinculantes dos tribunais superiores ,
aos quais, em contrapartida, caberá o poder-dever de sempre
atualizá-las , a fim de que não se torne realidade o tão apre­
goado engessamento do Direito. ·

1011 1 1 998

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A qu e s t ã o d a s
s ú mu l a s vi n c u l a nt e s

Parece-me que tem sido posto em plano puramente


pragmático o problema da subordinação obrigat6ria dos
juízes inferiores às súmulas dos tribunais superiores, ou seja,
às decisões que consagram seu entendimento sobre dada
matéria, firmando , conforme linguagem forense, jurispru­
dência mansa e pacífica. A bem ver, esta torna meramente
protelat6rios os recursos interpostos , determinando insu­
portável sobrecarga nos serviços de Justiça, corno tem sido
demonstrado , com razão e veemência , pelo ilustre ministro
Sepúlveda Pertence, ex-presidente do Supremo Tribunal
Federal.
Não obstante a alta relevância desse aspecto do
problema, não creio que somente ele seja bastante para
superar ou amenizar a atual crise do Poder Judiciário. Esta é
devida também - e é apenas um exemplo - ao amplo poder
que a Constituição de 1 98 8 outorga aos magistrados de
primeira instância, os quais com freqüência deferem liminares
que suspendem, em todo o territ6rio do país ou dos estados ,
a aplicação de leis federais e estaduais, extrapolando assim o
âmbito de sua jurisdição, o que obriga as partes vencidas a
recorrer às Cortes mais altas , a fim de restabelecer a eficácia
dos mandamentos legais . Eis aí um dos problemas que não
poderá deixar de ser devidamente examinado quando se

- 113 -
cuidar da reforma do Poder Judiciário, da qual pouco se fala,
apesar de sua manifesta urgência .
Atendo-me , p o r ora , apenas ao estudo da súmula
vinculante, observo que a reforma proposta não será suficiente
se não houver mudança de mentalidade, notadamente por
parte de nossas autoridades administrativas , as quais , verdade
seja dita, às vezes insistem em recursos inviáveis por absoluta
carência de meios financeiros , preferindo ganhar tempo até
haver pronunciamento definitivo do 6rgão judicial com­
petente.
É que , na experiência jurí dica dos povos filiados à
tradição da Codificação Justiniana, como é o caso do Brasil ,
a lei representa a expressão por excelência do Direito ,. de tal
sorte que, apesar da imperatividade outorgada a uma decisão
judicial, haverá sempre modo de se invocar uma disposição
legal em caráter transit6rio . . .
Já o. mesmo não acontece nas nações do Common Law,
como a Inglaterra e os Estados Unidos da América, em cujo
amplí ssimo campo das relações privadas prevalecem as
normas estabelecidas pelos usos e costumes consagrados pelas
decisões judiciais , segundo o principio do stare decisis, o que
faz com que os ingleses se declarem mais romanistas do que
n6s , por serem fiéis ao Direito Romano clássico , obra da
doutrina e das decisões dos pretores , e não ao Direito Romano
cristão codificado pelo imperador Justiniano.
Ora, a idéia da súmula surgiu , sobretudo , graças aos
méritos do saudoso e douto ministro Vítor Nunes Leal, como
um enxerto feliz do Common Law no ordenamento de nosso
Civil Law, e, aos poucos, foi ganhando força e virtude, não,
contudo, até o ponto de alterar nosso tradicional e formalista
apego à lei até suas últimas conseqüências .
Como se v ê , ao lado da revisão constitucional
necessária para dar força vinculante às súmulas, permanecerá
sempre um probl�ma de natureza social, ligado à nossa

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tradição jurí dica, sem esquecer que o acúmulo dos serviços
judiciários é também reflexo da crise econômico-financeira
que atormenta os entes da administração direta e indireta,
bem como do obsoletismo e formalismo que caracterizam
nossa legislação, sem falar no totalitarismo normativo da Carta
em vigor. Basta lembrar que há quem considere inconsti­
tucional a recente e oportuna lei sobre juí zo arbitral!
Não concordo, como j á disse várias vezes , com a tese
de que a adoção da súmula vinculante terá como conseqüência
o engessamento do Direito. Ninguém mais do que eu enaltece
o poder criador da doutrina, a qual, embora não sendo , a
meu ver, fonte do Direito, visto carecer de força coagente,
nem por isso deixa de estar na vanguarda da vida jurí dica,
pois cabe à hermenêutica jurí dica dizer o que as fontes
significam in concreto.
Não devemos esquecer, em suma, que a súmula já é o
resultado de um longo processo doutrinário e jurisdicional,
s endo certo que a convergência de várias decisões nas
instâncias superiores constitui demonstração do acerto na
apreciação das normas jurí dicas cm cons onância com
determinado quadro de fatos e valores .
Assim s endo, se se justifica plenamente a vinculação
dos juízes às súmulas , devemos, outrossim , nos prevenir
contra o indefinido congelamento delas , a despeito d e
exigências essenciais supervenientes e m razão d e mudanças
operadas no plano dos valores , dos fatos e da própria ordem
normativa. O aggiomamento das súmulas será, assim, um dever
primordial dos tribunais , pois elas, como costumo dizer,
representam um horizonte normativo suj eito a ser atualizado
à medida que a ciência avança.

1511 1 1 997

- 115 -
ÜBRAS FILOSÓFICAS

Atualidades de um mundo antigo Qosl: Olympio , 1 93 6 ;


2 . ed . UnB , 1 983); A doutrina de Kant n o Brasil (USP, 1 949) ;
Filosefia em São Paulo (Grijalbo, 1 962) ; Horizontes do Direito e
da História (Saraiva, 1 95 6 ; 2 . ed 1 977; 3 ed . 2000) ; Introdução
e notas aos cadernos de Filosefia de Diogo Antônio Feijó (Grijalbo,
1 967) ; Experiência e cultura ( Grijalbo , 1 977) ; Estudos de Filosefia
e ciência do Direito (Saraiva, 1 978); O homem e seus horizontes
(Conví vio, 1 9 8 0 ; 2 . ed. Topbooks , 1 997) ; A Filosefia na obra
de Machado de Assis (Pioneira, 1 982) ; Verdade e conjetura (Nova
Fronteira, 1 983 ; 2 . ed. Lisboa, Fundação Lusí ada, 1 996);
Introdução à Filosefia (Saraiva, 1 9 88 ; 3. ed. 1 994) ; O belo e
outros valores (ABL, 1 989); Estudos de Filosefia brasileira (Lisboa,
Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, 1 994) ; Paradigmas da
cultura contemporânea (Saraiva, 1 996) .

ÜBRAS DE FILOSOFIA DO DIREITO

Fundamentos do Direito (Edição do Autor, 1 940 ; 3 . ed .


Revista dos Tribunais , 1 99 8) ; Filosefia do Direito (Saraiva,
1 95 3 ; 1 9 . ed. 1 999) ; Teoria tridimensional do Direito (Saraiva,
1 968; 5 . ed . 1 994) ; O Direito como experiência (Saraiva, 1 968 ;
2 . ed . 1 992); Lições preliminares de Pireito (4. - 24. ed. Bujawski ,
1 973 ; Saraiva, 1 999 ; e d . portuguesa, Almedina, 1 982) ; Estudos
de Filosefia e ciência do Direito (Saraiva, 1 978) ; Direito Natural I
Direito Positivo (Saraiva, 1 984) ; Nova fase do Direito moderno

- 1 17 -
(2 . ed. Saraiva, 1 9 9 8 ) ; Fontes e modelos do Direito (Saraiva,
1 994) .

OBRAS DE POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO

O Estado moderno (3 . ed. José Olympio, 1 9 3 3 ; 4. ed.


UnB) ; Formação da política burguesa Qosé Olympio, 1 9 3 5 ; 2.
e d . UnB , 1 9 8 3 ) ; O capitalismo internacional (José Olympio ,
1 9 35 ; 2 . e d . UnB, 1 9 8 3 ) ; Teoria do Direito e do Estado (Martins,
1 940 ; 4. ed . Saraiva, 1 9 84) ; Parlamentarismo brasileiro ( 1 . - 2 .
ed . Saraiva, 1 9 6 2 ) ; Pluralismo e liberdade (Saraiva, 1 9 6 3 ; 2.
ed. Expressão e Cultura, 1 9 9 8 ) ; Imperativos da Revolução de
Março (Martins , 1 9 65 ) ; Da Revolução à democracia (Conví vio,
1 9 69 ; 2. ed. Martins, 1 977) ; Política de ontem e de hoje (Saraiva,
1 9 7 8 ) ; Liberdade e democracia (Saraiva, 1 9 8 7 ) ; O Estado
Democrático de Direito e o coriflito das ideologias (Saraiva, 1 99 8 ;
2 . ed . 1 999) .

O BRAS DE DIREITO POSITIVO

Nos quadrantes do Direito Positivo (Michelamy, 1 9 60) ;


Revogação e anulamento do ato administrativo (Forense , 1 9 6 8 ;
2. ed. 1 9 8 0) ; Direito Administrativo (Forense, 1 9 69) ; Cem anos
de ciência do Direito no Brasil (Saraiva, 1 99 3 ) ; Qyestões de Direito
(Sugestões Literárias , 1 9 8 1 ) ; Teoria e prática do Direito (Saraiva,
1 9 8 4) ; Por uma Constituição brasileira (Revista dos Tribunais,
1 9 8 5 ) ; O projeto do novo Código Civil (Saraiva, 1 9 8 6) ; Aplicações
da Constituição de 1 9 8 8 (Forense, 1 99 0) ; Temas de Direito Positivo
( Revista dos Tribunais , 1 9 9 2 ) ; Qgestões de Direito Público
(Saraiva, 1 997) ; Qgestões de Direito Privado (Saraiva, 1 99 7) ; O
projeto do novo Código Ci vil (Saraiva, 1 9 99) .

OBRAS LITERÁRIAS

Poemas do amor e do tempo (Saraiva, 1 9 65 ) ; Poemas da


noite (Soma, 1 9 8 0) ; Figuras da inteligência brasileira (Tempo
Brasileiro , 1 9 84 ; 2 . ed. Siciliano , 1 997) ; Sonetos da verdade
,
(Nova Fronteira; 1 9 84) ; Vida oculta (Massao Ohno, 1 990) ;

- 1 18 -
Face oculta de Euclides da Cunha (Topbooks , 1 99 3) ; Das letras à
Filosefia (Academia Brasileira de Letras , 1 9 9 8 ) .

ÜBRAS DIVERSAS

Atualidades brasileiras Qosé Olympio, 1 9 37; 2 . ed . UnB ,


1 9 8 3 ) ; Problemas de nosso tempo (Grijalbo , 1 9 69) ; Reforma uni­
versitária (Convívio, 1 9 8 5 ) ; Mi9uel Reale na UnB, Universidade
de Brasília (UnB , 1 9 8 1 ) ; Memórias, v. I (Saraiva, 1 9 8 6 ; 2 . ed.
1 9 8 7) ; v. II (Saraiva, 1 9 8 7) ; De Tancredo a Collor (Siciliano,
1 99 2 ) ; De olhos no Brasil e no mundo (Expressão e Cultura,
1 99 7) ; füriações (G RD, 1 999) .

PRINCIPAIS OBRAS TRADUZIDAS

Filosefia del Diritto (trad . Luigi Bagolini e G. Ricci ,


Turim, Giappichelli , 1 9 5 6) ; 11 Diritto come esperienza (ensaio
introdut6rio de Domenico Coccopalmerio , Milão , Giuffre,
1 97 3 ) ; Teoria tridimensional de] Derecho (trad . J. A . Sardina­
P aramo , Santiago de Compostela, Imprenta Paredes , 1 97 3 ;
2 . e d . em juristas perenes, Valparaí so, Universidad d e Chile;
3. e d . rev. trad . Angeles Mateos , Madri , Editorial Tecnos ,
1 9 97) ; Funda�entos de] Derecho (trad . Julio O. Chiappini ,
Buenos Aires , Depalma, 1 97 6) ; Introducción al Derecho (trad .
Brufau Prats , Madri, Pirámide , 1 97 6 ; 1 0 . ed . 1 979) ; Filosofi a
del Derecho (trad . Miguel Angel Herreros , Madri, Pirámide,
1 979) ; Expérience et culture (trad . Giovanni Dell' Anna,
Bordeaux, É ditions Biere , 1 99 0) .

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Com fotolitos fornecidos polo Editor

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ll) (1 1 ) 5549-8344 • FAX (1 1 J 5571-91170
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