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dez escritos
de história
Regional
comparada
PORTO ALEGRE, RS
GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Antônio Britto
Governador
SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO
João Carlos Brum Torres
Secretário
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA
Siegfried Emanuel Heuser
CONSELHO DE PLANEJAMENTO: Presidente: Rubens Soares de Lima. Membros:
Daniel loschpe, Egídio Pedro Backes, José Renato Braga, Manoel Luzardo de Almeida,
Pedro César Dutra Fonseca e Frederico Lanz.
CONSELHO CURADOR: Dante Carlos Schuch, Élbio Renato Moreira Martins e João Felipe Dreyer.
DIRETORIA:
PRESIDENTE: RUBENS SOARES DE LIMA
DIRETOR TÉCNICO: ÁLVARO ANTÔNIO LOUZADA GARCIA
DIRETOR ADMINISTRATIVO: ANTÔNIO CÉSAR GARGIONI NERY
CENTROS:
ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS: Maria Isabel Herz da Jornada
CONTABILIDADE SOCIAL E INDICADORES: Adalberto Alves Mala Neto
DOCUMENTAÇÃO: Marilene Brunel Ludwig
PROCESSAMENTO DE DADOS: Júlio César Berleze
EDITORAÇÃO: Elisabeth Kurtz Marques
RECURSOS: João Carlos S. Pretto
SUMARIO
Apresentação e agradecimentos / 5
Prefácio/7
por Luiz Roberto Pecoits Targa
O Rio Grande do Sul: fronteira entre duas formações históricas /17
por Luiz Roberto Pecoits Targa
As diferenças entre o escravismo gaúcho e o das plantations do Brasil / 49
por Luiz Roberto Pecoits Targa
Violência revolucionária e fundação do Estado burguês / 81
por Luiz Roberto Pecoits Targa
A gestação das condições materiais da implantação da indústria gaúcha / 93
por Pedro Fernando Cunha de Almeida
As razões materiais da posição periférica da indústria gaúcha na industrialização
restringida brasileira /117
por Pedro Fernando Cunha de Almeida
Trabalho e indústria na Primeira República /141
por Ronaldo Herrlein J r. e Adriana Dias
A política fiscal dos Estados e as funções de acumulação e de legitimação /181
por Maria Lúcia Leitão de Carvalho
As políticas de gasto público dos Estados e a promoção do desenvolvimento / 211
por Paulo Roberto Dias Pereira
1920-1985: percursos das estruturas de posse da terra / 243
por Fernando Gaiger Silveira
Permanências na longa duração / 271
por Luiz Roberto Pecoits Targa
Bibliografia 7281
FEE-CEDOC
BIBLIOTECA
APRESENTAÇÃO
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PREFACIO
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Mas é necessário acrescentar que também estão em questão, atualmente, os pa-
péis político e econômico de alguns dos estados que foram, historicamente, muito
importantes, estando em pauta, igualmente, os seus respectivos pesos na política naci-
onal. A atualização dos papéis históricos desses estados imbrica-se, desse modo, nas
convulsões mais amplas de afirmação de uma democracia no Brasil e de uma convi-
vência federativa. No bem dizer de Aspásia Camargo (1992, p.7)" (...) as regiões ou
estados são, desde o Império, atores políticos autônomos e destacados no jogo do
poder".
E mais, alguns desses estados chegaram a constituir, ao longo da História, "personas
regionais", que atuaram, enquanto tal, na cena política nacional. A atual reavaliação
do pacto regional no Brasil envolve também questões de confirmação de papéis histó-
ricos de alguns estados, de redefinições de papéis ou, até de perda dos mesmos. É
assim que as próprias "personas regionais " podem, hoje em dia, estar mudando de
máscara.
Dentre essas "regiões-personas" do Brasil, duas interessam-nos no presente li-
vro; elas desempenharam papéis fundamentais na elaboração da fisionomia que o Bra-
sil apresenta atualmente: são as regiões-estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo.
Os nossos estudos confrontam as histórias dessas duas sociedades regionais. No en-
tanto não são estudos de Antropologia Social, por isso não se ocupam diretamente
com as "personas regionais ", mas trabalham, comparativamente, com e sobre os ele-
mentos macroestruturais que circunscreveram a confecção dessas máscaras. Salienta-
mos, ademais, que o simples fato de que essas sociedades regionais tenham podido
tanto elaborar suas máscaras como usá-las no jogo político nacional é uma justificati-
va de peso para a realização desse tipo de estudo regional.
Entretanto, mesmo não sendo um livro de Antropologia Social, ele guarda como
questão de fundo algumas perguntas pela identidade dos gaúchos. Quem somos nós?
Por que nossa situação presente é esta nas cenas política e econômica do Brasil? Qual
foi a nossa trajetória histórica? Que valor tiveram as nossas criações econômicas e
políticas? Quem são os gaúchos, quais foram as suas instituições e que papel, eles e
elas, desempenharam na história do Brasil? Pensamos que essas questões não apre-
sentam resposta no "absoluto interno" dos gaúchos, mas que podem ganhar em nitidez
quando comparamos a fisionomia do gaúcho com os traços de um outro sujeito, no
caso, o paulista. Voltaremos, ao longo do livro e deste prefácio, a dimensões variadas
desse olhar sobre o outro e sobre o olhar do outro sobre nós. Como introdução a esse
aspecto do problema, pensamos que a apresentação de uma página memorável de
Capistrano de Abreu, escrita em 1900 - e depois renegada a pedido do gaúcho Assis
Brasil -, pode mostrar como os gaúchos eram vistos por esse eminente historiador.
Essa página encerra um ensaio de Capistrano sobre a Colônia de Sacramento, onde o
autor historia lutas, razões e tratados na disputa espanhola-portuguesa pelos territórios
do Uruguai e do Rio Grande do Sul, versando, as derradeiras páginas, sobre a Provín-
cia Cisplatina; a página segue no português da época:
- 8-
significando o Rio Grande do Sul? Que se lucrava em, derribadas as muralhas
de nion, guardar o cavalo de Troya?
"A resposta não se fez esperar. Em 1835 rebentou uma revolução que durou
dez annos. Desde então ou doutrinário, ou sanguinário, ou pecuário, ou
caudatario ou federatario, - as fôrmas variam, o fundo permanece, - grassa o
artiguismo além do Cabo de Santa Martha. O doutor Francia poude prender o
corpo; mas a alma de José Artigas (chacal conjugado a Moloch) ulula, duente
impropiciável, pela campanha e sobre as coxilhas.
"Haveria médico, diz Wilhelm Roscher, incumbido do tratamento de um tysico,
que em falta de medicamento efficaz, não querendo ficar sem fazer nada, coses-
se a boca do paciente para impedir os escarros de sangue?
"Si ha!
"Desde mais de meio século não teem estado outros á cabeceira do enfermo
Brasil." ( a Ia. edição do presente texto foi em 1900; o texto é o Prólogo à
"Historia topographica e bellica da Colônia de Sacramento"; utilizamos o texto
reeditado em Ensaios e Estudos: (Crítica e Historia), 3a. série, Ed. Sociedade
Capistrano de Abreu & Livraria Briguiet, 1938 )
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de um Estado de "feição positivista" e uma relação Estado-sociedade de características
muito singulares e modernizadoras lançariam as bases fundamentais sobre as quais
viria a erguer-se o Estado desenvolvimentista que presidiu a história republicana do
Brasil de 1930 até 1990.0 leitor encontrará valiosos subsídios para essas questões nos
Escritos n™ 7 e 8.
Para que o leitor possa situar os estudos ora apresentados, é interessante enunciar
as hipóteses mais amplas que presidem a linha de pesquisa Estudos Regionais Compa-
rados, cujo produto parcial é aqui apresentado. As considerações que cercam essas
hipóteses indicam que sempre se retorna à necessidade de valorizar as particularidades
das histórias regionais.
A primeira dimensão importante dessa problemática geral pode ser expressa atra-
vés da seguinte hipótese básica de trabalho: a verdadeira unificação da história econô-
mica e política do Brasil só começou a efetivar-se quando da integração do mercado
interno brasileiro, capitalista e industrial, na década de 50 deste século. Até esse mo-
mento - e estão, portanto, fora desse período de unificação os próprios processos regi-
onais de transição do escravismo para o capitalismo —, o Brasil viveu várias histórias
regionais mais ou menos descosidas ou fracamente relacionadas, mas, sobretudo, his-
tórias regionais profundamente singulares e descompassadas. Pensamos que a
continentalidade do País em relação ao estado das artes nos transportes e nas comuni-
cações até meados dos anos 50 do presente século justifica essa nossa asserção. Assim,
podemos partir da questão referente à unidade da história das regiões brasileiras e
perguntar: temos uma história do Brasil e ativemos una desde sempre, ou vivencíamos
várias histórias regionais?
Somos de opinião de que houve mais do que isso, que nós, os "povos" do Brasil,
temos sido, historicamente, muitas "nações", que foram convergindo progressivamen-
te — com marchas, contramarchas, acelerações, retardamentos, mas sempre sob a égide
de um Estado centralizador impiedoso - para formar uma só nação; unidade
custosamente construída e ainda hoje difícil e questionável, pois continua defrontada
com um espaço histórico e social profundamente variegado.
Essa hipótese de coexistência de formações sociais e históricas diversas ao longo
das muitas regiões do Brasil tem sido fundamental para o desenvolvimento da pesqui-
sa que vimos realizando. A medida da importância dessa hipótese de simultaneidade
das muitas formações pode ser aferida pelas perguntas que ela pode colocar: o que
ocorre quando fenômenos essenciais ao desenvolvimento histórico do futuro desse
todo nacional em fabricação não tiverem ocorrido no epicentro político (Rio de Janei-
ro) ou econômico (São Paulo) do País? É possível que tenha ocorrido algo de impor-
tante para a história do Brasil fora dos territórios desses dois epicentros? Pode, alhu-
res, ter ocorrido algo que viesse a se tornar decisivo para a continuação da história
desse conjunto uno, todavia futuro, das histórias regionais? Ou os fatos e os processos
só se tornam históricos, decisivos, transformadores e integrantes da história nacional
se tiverem ocorrido nas histórias regionais daqueles dois epicentros? Repetimos: só
tem sido decisivo "historicamente" para a construção do todo o que se passou nas
histórias regionais daqueles dois epicentros? E se algo de decisivo, uma ruptura brutal
no processo histórico, tiver ocorrido no que hoje se constitui em uma das regiões que
integram a imensa periferia econômica e política do Brasil? Por exemplo, no Rio Grande
do Sul? Se ocorreu algo fora dos atuais epicentros, o fenômeno deixa de existir? Ou
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rcci-ocuuu
I EtSüOTECA
deixa de ter importância? Ou, e mais simplesmente, não pode ter sido importante? É
a questão da anulação das histórias das, hoje, periferias. Hoje, pois não o foram desde
sempre, como é o pensamento que tantas análises parecem praticar: onde se pensa que
aquilo que veio a ser deriva de o ter sido sempre, ou seja, que, se uma região é periferia
hoje, o é porque sempre o foi; e, em sendo assim, tudo que nela se passou não pode ter
sido importante; onde o que veio a ocorrer no futuro - a periferização - determina,
seleciona, organiza e limpa o passado, desproblematizando-o, em nome de uma coe-
rência que conduza diretamente ao presente, por uma via de mão única - coerência
justíficatória, férrea e inestancável, a coerência do poder econômico e político, triun-
fante e arrasador.
Pois, economicamente, a relação regional polar do tipo centro-periferia só viria a
concretizar-se plenamente quando da integração do mercado interno capitalista e in-
dustrial nos anos 50; antes disso, não houve verdadeira polarização, desigualdade e
hierarquização econômica entre as regiões do Brasil. A ordenação e a hierarquia espa-
ciais vieram somente quando da unificação articulada dos mercados industriais regio-
nais. Só então as regiões econômicas se constituíram em central-periféricas. Essa es-
trutura espacial que terminou por prevalecer, a de regiões central e periféricas, não
elimina as histórias vividas pelas regiões, nem retira delas ou anula nelas os fatos e
os processos que foram realmente decisivos para a história do todo em construção.
E o que ficou dito é importante tanto para a discussão do caso da revolução bur-
guesa no Brasil ter ocorrido no Rio Grande do Sul nos primeiros anos da República —
cujos primeiros passos são ensaiados no Escrito n° 3 - quanto para os surpreendentes
achados do Escrito n° 6, onde uma indústria como a gaúcha, que vai-se tornar periféri-
ca, apresentava, em 1920, níveis de produtividade e de intensidade de capital superio-
res aos da indústria paulista, níveis estes que coexistiam com melhores níveis de salá-
rios industriais. Esse resultado é novo, não esperado e inquietante.
No entanto essa nossa posição não pode ser dogmática ou intransigente, e, em
sendo assim, não deixamos de explorar as possibilidades do uso da teoria da polariza-
ção centro-periferia em dois dos estudos comparados desse livro; neles buscamos, no
último quartel do século XIX, as razões primeiras da periferização da indústria gaú-
cha, assim como as condições de sua articulação periférica à indústria paulista no final
dos anos 20 deste século. Neles também levantamos uma outra hipótese ao assumir-
mos a integração do mercado industrial nacional já em 1930. Nesses dois escritos, a
comparação realizada é qualificada pela relação centro-periferia.
É interessante, então, situar o leitor no âmbito das conseqüências sobre os resul-
tados da análise quando não é considerada a simultaneidade de muitas formações soci-
ais no Brasil. Um exemplo disso é a produção de conhecimento em história econômi-
ca, onde a história do capitalismo em São Paulo tem sido apresentada como sendo a
história econômica do capitalismo no Brasil. Lá, por exemplo, os "personagens soci-
ais" que conduziram a passagem do escravismo ao capitalismo no Brasil aparecem
como sendo categorias sociais que encontram correspondência somente dentro da his-
tória da sociedade paulista. Com isso, são negadas outras passagens regionais do
escravismo ao capitalismo. São abolidas outras histórias econômicas regionais ao ser
apresentada a história da região de São Paulo como sendo a história nacional.
Essa dimensão da problemática possui também uma outra vertente, que pode ser
exemplificada com o trabalho do sociólogo paulista Fernando Henrique Cardoso so-
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bre a sociedade escravista do Rio Grande do Sul. Esse trabalho de Cardoso é, segura-
mente, um dos melhores sobre a história do Rio Grande do Sul. Ora, Cardoso estudou
o escravismo do Rio Grande do Sul como se fosse uma forma incompleta — ou de
realização imperfeita - do escravismo brasileiro. E ele pensou, implicitamente, no
escravismo dasplaníations de açúcar e de café. Cardoso não realizou a comparação de
modo explícito, como seria necessário na utilização do método comparativo, e é por
isso, também, que ele pôde incorrer em um viés regionalista.
Esse viés regionalista (e paulista) do pesquisador impediu-o de ver que o
escravismo gaúcho não era um caso imperfeito de realização do escravismo clássico
brasileiro (na verdade, paulista e nordestino), mas que ele estava diante de um outro
escravismo, de uma outra realidade social e econômica. O que estamos afirmando é
que a história de uma outra região - a do Rio Grande do Sul, neste caso - foi produzi-
da desde o ponto de vista da realidade histórica de São Paulo. Ao não perceber que se
tratava de uma outra realidade e não meramente de um caso menos perfeito do que o
paulista, Cardoso borrou a peculiaridade do escravismo gaúcho, impedindo-se de ver
a diferença e, por assim dizer, anulando características importantes dessa outra histó-
ria regional, a do escravismo no Rio Grande do Sul. Fazendo isso, Cardoso des-
caracterizou a sociedade escravista gaúcha, ao apresentá-la como um caso incomple-
to do escravismo paulista, e, assim, despojou o Rio Grande do Sul de sua própria
história. Chegamos, então, a uma outra dimensão da problemática geral da nossa linha
de pesquisa, a que diz respeito à utilização do método comparativo.
Assinalamos, em primeiro lugar, que a utilização do método comparativo em
História, tal como na Sociologia, busca, geralmente, as semelhanças; no entanto, para
nós, são as diferenças que interessam. Nosso uso do método comparativo é, desse
modo, oposto àquele proposto por Marc Bloch (1983) no seu texto Pour une histoire
comparée dês sociétés européennes. Ali, Bloch buscava o patrimônio comum que
poderia unificar os europeus. Mas nós estamos buscando o que separou, aquilo que
distinguiu as sociedades regionais brasileiras. E isso porque pensamos que, no Brasil,
a urgência da construção do "nacional" provocou o esvaziamento das histórias regio-
nais e que os próprios historiadores regionais as "pilharam", aqui, sim, tudo sacrifi-
cando no altar unificador da pátria. O problema com o qual se deparavam os historia-
dores brasileiros era o da "construção" do Estado capitalista, e a solução era a fabrica-
ção de sua correspondente "nacionalidade". A idéia de Nação não era um pressuposto
que pudesse ser posto em questão: ao contrário, a produção do conhecimento histórico
fazia-se no sentido de tornar a Nação, e a sua unidade, uma realidade. Nesse movimen-
to, dimensões fundamentais das histórias regionais foram perdidas. É por isso que
restauramos o valor das diferenças inter-regionais.
Um outro aspecto geral da nossa problemática responde à formulação da seguinte
questão: por que realizar o estudo comparando a evolução da sociedade gaúcha com a
da paulista? Por que não realizar o estudo articulando a história gaúcha diretamente
com a história do Brasil? Em primeiro lugar, porque a relação com o nacional não
permite uma visibilidade maior das especificidades da região. Mas também por uma
referência que já realizamos, pois, se a história econômica do capitalismo em São
Paulo vem sendo apresentada como sendo a do Brasil, metodologicamente é mais
preciso e mais rico confrontar as histórias das duas regiões do que realizar o confronto
entre a história econômica do Rio Grande do Sul e a de São Paulo, quando esta se
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apresenta disfarçada de história do Brasil. Somente assim a história do Rio Grande não
aparecerá como um mero caso especial, talvez bizarro, da história brasileira, mas sur-
girá como ela deve ser realmente vista, isto é, como um caso diverso de outro.
Desse modo, a utilização de São Paulo como contraponto regional justifica-se
pela importância econômica dessa região para a história do capitalismo e da indústria
no Brasil, mas também, e muito, pela sua importância na produção intelectual brasilei-
ra e pelo tipo de viés que o regionalismo paulista (etnocêntrico) introduziu na produ-
ção do conhecimento econômico e social no Brasil. Esse viés regionalista é um fenô-
meno que precisa ser ponderado, explicitado e criticado.
Colocadas essas intenções maiores, é preciso indicar que os escritos aqui apre-
sentados realizam essa comparação de modo sistemático somente em cinco casos: o do
escravismo, o do trabalho na Primeira República, os que se referem às receitas e às
despesas públicas e o que examina as trajetórias das estruturas fundiárias no século
XX. Nos demais casos, a comparação é sobretudo implícita. Vejamos as razões. Em
primeiro lugar, porque o conjunto de textos expressa a trajetória da linha de pesquisa,
possuindo, assim, textos "fundadores", que enfatizam o contexto sul-rio-grandense.
Ao mesmo tempo, esses textos representam momentos em que se privilegia tal contex-
to com o objetivo de realizar uma pressão maior sobre os traços originais da sociedade
do Rio Grande do Sul na sua dupla acepção: a de originário e a do ineditismo. É o caso
do texto que situa o Rio Grande do Sul no contexto fronteiriço, o que versa sobre a
revolução de 1893 e o que encerra o livro. Também são textos que se referem somente
ao Rio Grande do Sul os escritos sobre as condições materiais de surgimento da indús-
tria gaúcha e o da periferização da mesma, uma vez que são produzidos pela ótica da
análise centro-periferia e que o conhecimento dos eventos produzidos no centro é dado
como suposto.
Ainda um último aspecto metodológico deve ser salientado e diz respeito ao con-
ceito de região que preside nossos estudos. Ele é, forçosamente, um conceito de região
integral. Queremos dizer, com isso, que somente reconhecemos como região um es-
paço onde vive um conjunto humano com dimensão histórica, e é por isso que nosso
trabalho utiliza tanto os conteúdos de ordem econômica quanto os de ordem social e
política. É preciso, também, que a sociedade que plasma a região tenha sido capaz de
elaborar uma identidade para si mesma que permita o reconhecimento mútuo dos seus
membros, ao mesmo tempo em que a diferencie dos demais grupamentos humanos do
Brasil, sejam eles propriamente regionais - no sentido que estamos dando aqui -,
sejam meros agrupamentos populacionais sobre um território "qualquer", isto é, popu-
lações que ainda não conseguiram, ou não puderam, plasmar suas imagens coletivas.
Não analisamos essas dimensões antropológicas das duas regiões em exame, mas elas
só são regiões, nesse sentido integral, porque possuem também essa dimensão cultural
e histórica de identidade. Elas só são regiões porque conseguiram elaborar suas
"personas regionais". Trabalhamos com as condições históricas e macroestruturais
que presidiram a elaboração dessas máscaras. É esse conceito de região integral que
permite a nossa correspondência com as duas unidades administrativas da Federação
brasileira que estamos submetendo à comparação. Dentre os estados federados do Bra-
sil, nem todos podem corresponder a esse conceito de região, mas o Rio Grande do Sul
e São Paulo podem-no.
Neste livro, o Escrito n° l explora as conseqüências sobre a formação social gaú-
cha e, sobretudo, sobre a composição das classes sociais da região que advieram do
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fato de o Rio Grande do Sul ter sido a fronteira em guerra do Brasil durante todo o
século XIX. A questão que preside este ensaio indaga pelas relações entre a sociedade
gaúcha e a guerra, o militarismo e a ditadura.
No Escrito n° 2, a comparação entre as sociedades escravistas de São Paulo e do
Rio Grande do Sul faz emergir as diferenças mais importantes entre as sociedades das
duas regiões, através da análise de suas economias e de suas respectivas firmas típicas
- a fazenda de café e a charqueada -, evidenciando que a sociedade escravista gaúcha
não foi um mero "caso imperfeito" da sociedade escravista àasplantations de café e de
açúcar.
O terceiro estudo é de natureza pré-teórica e arrola argumentos para levantar a
hipótese de que o Estado burguês brasileiro foi confeccionado pelos gaúchos durante a
Primeira República. Ele considera que a Revolução Maragata de 1893 foi a contra-
revolução empreendida pelo poder patrimonial tradicional em oposição ao projeto de
Estado burguês que fora implantado pelos positivistas no Rio Grande do Sul. Desse
modo, a Revolução de 1893 aparece como o verdadeiro e sangrento rito político de
passagem para a modernização conservadora do Brasil.
Os Escritos n08 4 e 5 são os nossos artigos que utilizam o referencial centro-
periferia para reconstituir o passado industrial das duas regiões. Todo o material teóri-
co utilizado é explorado com raro e apurado rigor lógico. O primeiro estudo trata de
caracterizar o movimento de transformação social e econômica que teve lugar no Rio
Grande do Sul entre 1870 e 1930, viabilizando a implantação da indústria gaúcha a
partir da última década do século passado. A caracterização referida descreve tanto os
traços mais importantes como os agentes promotores da transformação em tela, esta-
belecendo os limites da mesma transformação e comparando-a com a que ocorria con-
comitantemente na economia regional de São Paulo. Já o segundo artigo se preocupa
com a relação entre as condições materiais do aparato produtivo industrial gaúcho no
final da década de 20 do presente século e a inserção periférica da expansão industrial
sul-rio-grandense na industrialização restringida brasileira.
O sexto estudo aborda as diferenças na constituição dos mercados de trabalho
industrial nas duas regiões entre 1889 e 1930. Ele identifica a existência de um quase
pleno emprego da força de trabalho no Rio Grande do Sul, onde, em comparação com
São Paulo, são observadas melhores condições de trabalho e melhores salários. Essas
condições, entretanto, não ameaçaram a performance industrial relativa da indústria
gaúcha, pois seus níveis de produtividade e de intensidade de capital eram superiores
aos da indústria paulista, superando, assim, as desvantagens decorrentes dos mais ele-
vados custos com salários.
Os dois escritos que seguem versam sobre a relação Estado-sociedade nas duas
regiões, durante a Primeira República. Os resultados analíticos apresentados vêm ao
encontro da idéia de que a modernização do Estado no Brasil ensaiou seus primeiros
passos no Rio Grande do Sul, sob a direção e a dominação dos positivistas gaúchos.
O Escrito n° 7 mostra que as diferenças nas políticas fiscais dos governos dos dois
Estados durante a Primeira República se ligam, fundamentalmente, a duas ordens de
razões: em termos gerais, elas são decorrentes da própria concepção do Governo gaúcho
e do Governo paulista sobre o desenvolvimento da sociedade e da maneira pela qual
cada um deles encarou as suas funções de legitimação e de acumulação; em termos
específicos, vinculam-se à importância assumida pela política tributária como instru-
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mento de política econômica e ao papel de tal política no exercício das mencionadas
funções.
No estudo, seguinte são analisados os gastos orçamentários dos dois Estados, e a
questão central indaga pelas estratégias adotadas pelos respectivos governos que con-
tribuíram para consolidar, ou alterar, a estrutura econômica das duas regiões; isto é, as
perguntas que norteiam o Escrito n° 8 são: como esses governos se portaram frente aos
problemas econômicos de suas regiões? Que prioridades pautaram suas políticas de
gastos? E quais setores ou grupos econômicos foram privilegiados em função das pri-
oridades estabelecidas?
No Escrito n° 9 são estudadas as estruturas de distribuição da posse da terra no
Rio Grande do Sul e em São Paulo, de 1920 até 1985, demonstrando-se que a singula-
ridade das respectivas histórias agrárias foi marcada por diferentes "móveis de apro-
priação das terras". Ou seja, as vocações propriamente agrícolas, de um lado, e os
móveis dos agentes sociais que se apropriaram do espaço agrário, de outro, determina-
ram não somente diferentes estruturas de posse da terra, como também, diferentes
percursos dessas estruturas em cada um dos dois Estados.
Por fim, o estudo que encerra o nosso livro pergunta-se pela explicação possível
para que as condições globais de vida sejam melhores no Rio Grande do Sul do que em
São Paulo em 1987-88. A pergunta que guia o estudo pode ser assim formulada: como
é possível que uma economia regional - a gaúcha - tida por subordinada e periférica
forneça à sua população melhores condições de vida do que a economia regional
capitalisticamente mais avançada do País? Este escrito vai buscar as razões desse fato
nas distribuições de "ativos sociais" que ocorreram no Rio Grande do Sul durante o
Império e a Primeira República, antes, portanto, da ocorrência da fase mais aguda e
intensa do processo de industrialização brasileiro. As conclusões indicam, também,
que criações econômicas estruturais gaúchas tiveram um elevado poder de resistência
face ao modelo de crescimento econômico, concentrador de renda e altamente ex-
cludente, que possuiu por sede principal o território de São Paulo.
- 15 -
FEE-CEOOC
IE-OÜOÜ6778-9 HBUOTECA
Escrito n° l
Introdução
* Esta é uma versão modificada e bastante corrigida do estudo publicado em Ensaios-FEE, Ano 11, vol.
2, p.308-344.
** Pesquisador do NEHESP-FEE e do CNPq.
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l - O repto
À guisa do repto, apresentaremos um "retrato" dos gaúchos feito por José Honório
Rodrigues. Daremos como ilustração esta página, que se encontra num estudo em que
o autor critica as teses de Oliveira Viana no O Campeador Rio-Grandense. O estudo
de José Honório, polêmico e ensandecido em si mesmo, é uma violenta crítica às teses
de Viana sobre a superioridade dos gaúchos frente às outras populações regionais do
Brasil. Precisamos alongar a citação, pois é difícil passar ao leitor toda a indignação e
a virulência de José Honório face ao texto de Viana, face aos gaúchos e ao papel que
Viana lhes atribuiu, assim como face ao papel que o próprio José Honório lhes atribui
na história do Brasil. Nesta página, José Honório utilizou-se de Capistrano de Abreu
para iniciar a refutação das teses de Viana. Neste texto de 1984, diz José Honório:
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"Disso tudo, desse louvor exaltado do caudilho, ao gaúcho do Extremo-
Sul, irmão do uruguaio e do argentino mais do que do brasileiro, faz ele
(O. Viana) nascer o espírito democrático do Sul e as singularidades da
história política rio-grandense. Sim, a singularidade de Júlio de Castilhos,
que, se a morte não levasse cedo, talvez se tivesse perpetuado no poder,
assim como Borges de Medeiros foi o ditador mais longo de toda a his-
tória do Brasil, e esses generais, sob o disfarce de sucessão, escolhida
por eles, com exclusão inclusive de companheiros melhores, perpetua-
ram um sistema ditatorial, autoritário, totalitário de vinte anos até agora
(1964-1984), e que levou o Brasil à maior e mais grave crise de sua
história colonial e nacional" (os grifos são nossos) (RODRIGUES, 1988,
p. 56-7, 63).
- 19 -
2 - O pano de fundo: formação de Estados e de fronteiras
l O Ciclo de guerras e os eventos mais significativos podem ser resumidos da seguinte maneira: *
1811-14, José Artigas organiza a sublevação do Uruguai contra a Espanha, forças militares portugue-
sas e rio-grandenses invadem a Banda Oriental. * 1816, Artigas organiza a resistência contra os por-
tugueses. * 1820, Artigas é derrotado e refugia-se no Paraguai, onde Francia é ditador desde 1814. *
1821, tratado entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, pelo qual o território do Uruguai passa a fazer
parte do Reino Unido de Portugal, Algarves e Brasil com o nome de Província Cisplatina. * 1822,
recomeça a resistência no Uruguai. * 1828, independência do Uruguai. Em 1830, a Inglaterra, as
Províncias Unidas do Prata (futura Argentina) e o Brasil reconhecem a existência da República Orien-
tal do Uruguai. * 1835, início da ditadura de Rosas na Argentina. * 1835-45, os estancieiros do Rio
Grande do Sul promovem uma guerra civil contra o Império (inicialmente federalista, depois separa-
tista). * 1848-51, Guerra Grande onde o Brasil intervém no Uruguai apoiando caudilhos da oposição.
A situação uruguaia era apoiada por Rosas (PEREGALLI, 1984, pp. 58-61). Vitória "brasileira". *
1851 -2, o Brasil faz guerra à Argentina; derrota e deposição de Rosas. * 1864-70, guerra do Brasil, e
depois do Uruguai e da Argentina, contra o Paraguai de Solano Lopes (PESAVENTO, 1982, p. 57-9).
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Brasil e as Províncias Unidas do Prata (futura Argentina) tentaram apoderar-se do
território do Uruguai.2
No entanto, ainda em 1864, os estancieiros do Rio Grande do Sul com proprieda-
des no Uruguai forçaram o Império a intervir militarmente nesse país para defender
seus interesses particulares (POMER, 1986, p. 36-7). Essa intervenção serviu de pre-
texto final para que o Paraguai se sentisse ameaçado na sua saída para o mar e decla-
rasse guerra ao Brasil.3
Grosso modo, o domínio de um só Estado sobre a Bacia do Prata ou a sua
internacionalização gerou o ciclo de guerras que terminou por dar origem aos Estados
de hoje. A Argentina esposava o controle único sobre o Prata, enquanto o Brasil, o
Paraguai, mas também a França e a Inglaterra desejavam a sua internacionalização. A
variedade de soluções alternativas e sucessivas demonstram a complexidade dos inte-
resses em jogo e as dificuldades de constituição desses Estados. Assim, por exemplo,
além dos projetos brasileiro e argentino de simples anexação do Uruguai, em 1832,
uma das soluções fazia do Uruguai e do Rio Grande do Sul um só Estado (SOUSA,
1985, p. 114); uma outra, aventada em 1844, reunia Comentes e Entre-Rios - hoje
províncias argentinas - ao Uruguai e ao Brasil numa Federação (LOVE, 1975, p. 15);
Piccolo assinala que o projeto de Artigas visava à integração do quadrilátero formado
pelo Uruguai, Missões (inclusive as rio-grandenses), Entre-Rios e Comentes em um
Estado (PICCOLO, 1985, p. 34-5). Por fim, desde 1810, Buenos Aires estava interes-
sada na independência do Rio Grande do Sul para enfraquecer os esforços portugueses
em direção ao Prata. Para Buenos Aires, era interessante a criação de um Estado "tam-
pão" entre o Império Português e as Províncias Unidas do Prata (LEITMAN, 1979, p.
51-2).4 Mais tarde, entre 1825 e 1828, quando Rivera e depois Lavalleja retomaram as
lutas pela independência do Uruguai, ambos tentaram organizar a sublevação dos
pecuaristas do Rio Grande do Sul (LEITMAN, 1979, p. 53-6).
Caudilhos de várias Províncias do Prata, do Uruguai e do Rio Grande do Sul
( possuíam suas alianças particulares (militares ou não) que eram estabelecidas e desfei-
tas ao sabor das necessidades econômicas e de suas lutas pelo poder. Essas alianças -
que envolviam a cedência de homens, cavalos, alimentos, dinheiro, armas e a conces-
são de asilo - se faziam à revelia mesmo das políticas e alianças dos governos dos
- 21 -
respectivos "Estados Nacionais", entre eles o Brasil. Esses caudilhos possuíam "polí-
ticas externas" autônomas, por assim dizer. Em outras palavras, os Estados não esta-
vam formados.5
Para os estancieiros do Rio Grande do Sul, as lutas internas do Uruguai eram
importantes, pois, em 1857, calcula-se que "(...) os rio-grandenses possuíam um total
de 428 estâncias sobre a fronteira, ocupando 1.780 léguas quadradas, ou seja, 30% do
território Oriental" (PEREGALLI, 1984, p. 69). Por seu lado, Leitman indica que, em
1860, a população brasileira no Uruguai representava 11% da população total
(LEITMAN, 1979, p. 169).6 Segundo Piccolo, a luta armada era o único meio para que
a oposição uruguaia chegasse ao poder. Assim, a fronteira tornou-se fonte de asilo
político para os excluídos do poder e base para a ação política dos caudilhos uruguai-
os. Piccolo diz, então: "Os caudilhos uruguaios, ao fazerem da fronteira a base de sua
ação política, envolveram o Rio Grande do Sul" (PICCOLO, 1985, p. 42).7
Essa visão mais geral se complexifica se apresentarmos outros elementos das
formações históricas do Uruguai e do Paraguai. Chamamos atenção para as opções
realizadas por essas formações no que tange ao acesso à terra ou à sua propriedade
pelas populações desfavorecidas e para o projeto realizado no Paraguai, até a guerra de
1864-70, de um "desenvolvimento voltado para dentro" nos marcos de um monopólio
de Estado.
Em 1815, a revolução que Artigas promoveu na região que hoje é o Uruguai
distribuiu terras a índios, negros e aos "pobres do lugar".8 Artigas atraiu os escravos,
aí compreendidos os do Rio Grande do Sul, para a luta de independência com a pro-
messa de liberdade e terra (PEREGALLI, 1984, p. 48). Isso não só o afastou das Pro-
víncias Unidas do Prata (cuja independência era promovida pela burguesia comercial
de Buenos Aires) como preocupou os senhores de terra e os charqueadores escravistas
do Rio Grande do Sul. De uma forma mais longínqua, a proposta de Artigas ameaçava
Helga Piccolo assinala que as disputas entre os caudilhos uruguaios pelo poder, que em geral se
faziam através da luta armada, afetaram tanto o Rio Grande do Sul como a Argentina, e, vice-versa, a
guerra civil do Rio Grande do Sul contra o Império e as lutas entre as facções argentinas intervieram
nas lutas internas uruguaias (PICCOLO, 1985, p. 51).
Bem mais tarde, em 1883, os rio-grandenses representavam 5.500 dos 18.237 proprietários do Uru-
guai (LEITMAN, 1979, p. 169).
Assinala-se que a autora, aparentemente, imprimiu, no trecho referido, um cunho passivo as ações
dos pecuaristas do Rio Grande do Sul diante das lutas internas uruguaias, como se eles tivessem sido
envolvidos e não como se eles fossem agentes imediatamente interessados nos resultados dessa luta,
como ela deixara transparecer em outras passagens desse seu texto. Em um texto anterior (PICCOLO,
1979, p. 101-2), ela havia sido muito clara a respeito dessa interferência causada pela existência de
propriedades de rio-grandenses no Uruguai. De qualquer forma, ela negou explicitamente a passivi-
dade dos pecuaristas rio-grandenses (PICCOLO, 1989) e forneceu um belo exemplo ao assinalar que
os rio-grandenses aceitavam com entusiasmo a idéia de fazer guerra ao Uruguai, mas que "espernearam"
quando da convocação para a Guerra do Paraguai, dizendo "essa guerra não nos diz respeito". Ela
assinala, então, que eles não possuíam propriedades no Paraguai.
A liderança de Artigas é um dos fenômenos mais impressionantes da história latino-americana. Em
1811, quando Artigas não concordou com a decisão da Junta Governativa de Buenos Aires que deci-
dira pela interrupção do cerco de Montevidéu e foi enviado para o norte como "Teniente Gobernador
dei Departamento de Yapeyú", ele deslocou-se com seus 6.000 combatentes; o povo seguiu atrás do
seu exército, em 846 carretas com 4.435 pessoas (ROMERO, ABADIE, 19 -. pp.305-08).
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também as bases de toda a sociedade brasileira. Forças militares luso-rio-grandenses
invadiram o território do Uruguai, esmagando a revolução de Artigas. A proposta de
Artigas foi vista como um sinal de perigo tanto pelas classes dominantes luso-brasilei-
ras em geral quanto pelas do Rio Grande do Sul em particular, assim como pelas que
governavam em Buenos Aires. Entre 1810 e 1820, a população do Uruguai (excluída
a de Montevidéu) reduziu-se de 30.000 habitantes para 6.000 (PEREGALLI, 1984, p.
46-8).9
Derrotado, Artigas refugiou-se no Paraguai, onde o Doutor Francia concretizava
um projeto semelhante ao seu. Francia assumira o poder no Paraguai em 1814 e, em
1816, foi designado Ditador Perpétuo, governando até 1840. Foi sucedido por Carlos
Lopes e, depois, por Francisco Solano Lopes, seu filho, homens estes que continuaram
as políticas traçadas por Francia até a derrota do Paraguai em 1870...'°
Celso Furtado indicou que a formação dos Estados latino-americanos com a con-
seqüente delimitação de fronteiras "que possuíam precária base histórica" provocaram
- 23 -
a eclosão de guerras e também a modernização das forças militares desses países,
através de assistência técnica militar, sobretudo européia. Furtado assinala também
que as primeiras instituições a se modernizarem nesses países foram as militares (FUR-
TADO, 1979, p. 5).
Assim, os Estados constituíram-se ao longo do século XIX, realizando experiên-
cias sociais, políticas e econômicas diferenciadas; o Rio Grande do Sul foi a parte do
território brasileiro mais afetada pelos problemas criados pela fronteira, pela vizinhan-
ça de projetos políticos e sociais que eram opostos aos interesses de sua classe domi-
nante e pelas guerras engendradas pelo processo de formação desses Estados. Por fim,
até o final da guerra dos Farrapos (em 1845), não era clara a opção da classe dominan-
te do Rio Grande do Sul pela integração ao Brasil, como veremos a seguir.
11 José Honório Rodrigues sustenta que as revoluções populares no Nordeste do Brasil foram reprimidas
a ferro e fogo, enquanto esta do Rio Grande, assim como a de São Paulo e Minas Gerais em 1842 não
sofreram o mesmo tratamento. A razão, para o autor, está no fato de as rebeliões do Rio Grande do
Sul, Minas Gerais e de São Paulo terem sido rebeliões entre iguais (isto é, rebeliões de frações regio-
nais da classe dominante) e que eram, portanto, rebeliões que não desejavam mudar as estruturas do
País, em oposição às rebeliões nordestinas (RODRIGUES, 1988, p. 49). Nestas, não só as elites regi-
onais se revoltaram, mas também o povo. Essas elites regionais optaram pela submissão ao poder do
Rio de Janeiro diante do levante popular (FREITAS, 1985, p. 114) e da ameaça das rebeliões de
escravos.
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No entanto, os historiadores dividem-se na interpretação dessa guerra civil: as-
sim, Alfredo Varela compreendeu-a como republicana, separatista e como fazendo
parte do ciclo de guerras platinas.12 Em resposta, historiadores como Dante de Laytano
a viram como pertencente ao ciclo de guerras civis que explodiram durante as décadas
de 30 e 40 do século passado em todo o país e que expressavam a luta federativa (se
necessário separatista), republicana e liberal das províncias contra o centralismo e a
monarquia do Rio de Janeiro. De qualquer modo, Laytano afirmou que o nacionalismo
(brasileiro) dos Farroupilhas não poderia ser posto em discussão (LAYTANO, 1983,
p. 17-36).»
Para a nossa questão, a de que a formação histórica do Rio Grande do Sul é
diversa da brasileira das Regiões Leste e Nordeste, a simples existência do debate é
suficiente, pois ela atesta a dificuldade de determinação da appartenance histórica
dessa Revolução.
Historiadores de hoje, como Pesavento, preferem compreendê-la dentro dos mar-
cos do processo de descolonização do início do século XIX (PESAVENTO, 1985a, p.
9). Mas foi Helga Piccolo quem precisou a questão da descolonização para os pecuaristas
do Sul, ao assinalar que eles não somente não tinham acesso ao poder decisório supe-
rior do Império como não tinham forças para enfrentar os interesses opostos dos gru-
pos dominantes das outras regiões, mas também porque eles atribuíam ao sistema de
tributação colonial "todos os males de sua economia", e este continuava em vigor, ou
seja, para os pecuaristas do Sul, a descolonização não se completara (PICCOLO, 1985,
p. 36). Do ponto de vista deles, a Independência não alterara o estatuto colonial das
regiões, o poder centralizador de Lisboa fora substituído pelo do Rio de Janeiro
(FREITAS, 1985, p. 112); o que se alterara fora somente o centro, não a relação do Rio
Grande do Sul com o mesmo.
- 25 -
A "lista" das reclamações gaúchas frente ao Governo Imperial era extensa. Em
primeiro lugar, o sistema fiscal continuava o mesmo do período colonial: 2% sobre o
gado enviado ao Uruguai, um quinto do valor do couro exportado ao Uruguai e 15%
do gado importado do Uruguai (LEITMAN, 1979, p. 133). Esses tributos afetavam o
deslocamento do gado para a engorda no Uruguai e oneravam o couro. Roberto
Simonsen indicou que, em 1835, segundo o Manifesto da República Rio-grandense,
os pecuaristas reclamavam da existência de pagamentos de direitos de entrada dos
animais em cada uma das províncias no percurso até São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro (SIMONSEN, 1962, p. 177, 197). Isso elevava, sobremaneira, o preço dos
animais e restringia o mercado. Mas os pecuaristas também desaprovavam as despesas
da Corte no Rio de Janeiro e se sentiam roubados pelo Governo Imperial: Leitman
indica que o Rio Grande do Sul acumulava superavits todos os anos; o Governo Impe-
rial pagava as suas dívidas com as outras províncias, mas não as com o Rio Grande do
Sul. E mais, a parte mais importante da dívida interna do Governo Imperial era a favor
de credores particulares do Rio Grande do Sul (soldados, agricultores, pecuaristas) e
derivavam de dívidas de guerra. O Governo Imperial deslocava dinheiro diretamente
dos cofres públicos do Rio Grande do Sul (superavitários) para pagar suas dívidas com
os bancos ingleses (LEITMAN, 1979, p. 126-7).
Do ponto de vista do resultado dessa guerra, uma vez que o Rio Grande do Sul
acabou por fazer parte do Brasil, a segunda interpretação seria, talvez, a mais correta.
Pensamos, no entanto, que esse resultado político não estava definido. Os pecuaristas
do Sul possuíam o mesmo modo de vida dos platinos (o que poderia aproximá-los),
conviviam com suas experiências republicanas, eram o único segmento das classes
dominantes brasileiras que se defrontara militar e continuamente com outras naciona-
lidades, e a política centralista do Império contrariava seus interesses. Por outro lado,
os mercados de sua economia estavam no Brasil, assim como seus povoadores eram
provenientes de São Paulo, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e dos Açores - sobre os
povoadores ver Rodrigues (1986, p. 34). Pensamos, então, que a classe dominante
regional hesitou entre a solução federativa e a separatista.
Durante o século XIX, a sociedade que se foi estruturando no Rio Grande do Sul
foi fruto da fronteira em guerra. Essa sociedade foi então simultaneamente produzida
pelo "Estado-Nação" em fase de constituição — o Brasil - e pelas forças regionais
propriamente ditas. Esse território, assolado pela guerra intermitente, lastreou a for-
mação de uma sociedade peculiar em relação às de outras regiões do Brasil. Com
efeito, essa sociedade alcançou o final do século XDÍ com uma estrutura social inédita
para o Brasil de então. Essa estrutura social multiplicou e aprofundou os laços já exis-
tentes entre a economia do Rio Grande do Sul e as cidades dos subsistemas
agroexportadores do Brasil; e o Rio Grande do Sul tornou-se o único subsistemà bra-
sileiro voltado para as trocas inter-regionais. Como veremos ao longo deste texto, a
precocidade da sociedade que se gestou no Sul não se limitou ao destino que dava à
sua produção. Em primeiro lugar, veremos como essa sociedade brotou da fronteira
- 26 -
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em guerra e que forças - internas e externas à região - entraram em jogo para estruturar,
no Sul, uma sociedade original em relação à sociedade brasileira do século XIX.
Sublinhamos, inicialmente, a peculiar estrutura fundiária do Rio Grande do Sul
em relação à do resto do Brasil. Na magnitude da experiência sulina, nenhum outro
estado do Brasil possuiu sua área rural estruturada dessa forma: de um lado, uma re-
gião de grandes propriedades (região da pecuária), de outro, uma região de pequenas
propriedades (primitivamente região de policultura-pecuária).14 Essa estrutura, que
marca até hoje a paisagem agrária do Estado, teve sua origem na situação fronteiriça
do Rio Grande do Sul.
Faremos, então, um inventário das estruturas econômicas, sociais e políticas do
Rio Grande do Sul que derivaram da sua situação fronteiriça.
Os preadores de gado que inicialmente ocuparam o território do Rio Grande do
Sul o fizeram à revelia do Império Português. A Espanha protestava contra sua presen-
ça, e o Estado português remetia admoestações aos preadores de gado. Mas a ocupação
privada do território foi ocorrendo mesmo assim. Décio Freitas denomina-os de "em-
presários-guerreiros" e assinala que o Rio Grande do Sul foi "(...) a única porção do
território brasileiro conquistada pelos próprios moradores, através de guerras contra
uma potência européia" (FREITAS, 1985, p. 115). O Estado português veio a reboque,
distribuindo títulos que legitimavam a propriedade e, assim, caucionando o controle
privado dos rebanhos e da terra (RODRIGUES, 1988, p. 47). Dessa ocupação resultou
a formação dos latifúndios pecuários do Rio Grande do Sul.15
Ainda segundo Rodrigues, eram os bandos armados, criados e comandados pelo
poder privado que possuíam eficácia militar nos combates fronteiriços e não o exército
regular do Império Português (RODRIGUES, 1988, p. 48). De 1821, data da incorpo-
ração militar do Uruguai ao Reino de Portugal, até o final da Guerra do Paraguai
(1870), foram as populações do Rio Grande do Sul que forneceram grande parte dos
contingentes humanos e materiais necessários às guerras. Os Impérios, tanto o portu-
guês quanto o brasileiro, negligenciaram o pagamento das indenizações devidas aos
habitantes do território.
A produção das estâncias e das charqueadas destinava-se, predominantemente,
ao mercado brasileiro, fato que criava conflitos de interesse entre os pecuaristas do Sul
e os senhores de terras e escravos do resto do País. O produto era utilizado para ali-
mentação dos escravos no Brasil, não possuía tarifa protecionista em relação ao simi-
lar platino e era onerado pelas taxas de importação sobre o sal de Cádiz. Como, em
geral, predominaram os interesses dos fazendeiros agroexportadores do resto do País,
derivamos, desse fato, uma menor força política dos senhores de terra do Sul face a
seus congêneres de outras regiões do Brasil.
14 Em outro texto, já indicamos as diferenças maiores entre as estruturas fundiária, agrícola e social que
foram criadas no Rio Grande do Sul e as do Brasil em geral (TARGA, 1988). Assinalávamos, então,
que elas repousavam sobre trinômios básicos diferentes: a grande propriedade no Sul não era
agroexportadora, nem essencialmente escravista. No presente texto, limitar-nos-emos à exposição
dos traços particulares do Rio Grande do Sul como derivação de sua condição de fronteira em guerra.
15 Helga Piccolo vê de outra forma: dado que o Estado português e os preadores tinham, no fundo, os
mesmos interesses, Portugal simplesmente "fingia" frente aos espanhóis, posto que era mais fraco
(PICCOLO, 1989).
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É necessário salientar que para os agroexportadores escravistas brasileiros era tão
importante manter dentro do território brasileiro uma área fornecedora de charque e de
animais de transporte, quanto deixar as portas abertas à concorrência estrangeira, dada
a importância estratégica dos dois produtos. No caso particular do charque, o Rio de
Janeiro podia então jogar com a oferta interna e a externa do produto.
Ora, a fraqueza da classe dominante gaúcha não era senão relativa, ela possuía
sua contrapartida. Pois, se os pecuaristas e charqueadores do sul não conseguiram a
reserva do mercado brasileiro para o seu produto, eles se tornaram um segmento
contestador dentro da classe dominante dos grandes proprietários de terra no Brasil
(PICCOLO, 1988). E mais, constituíram um segmento que possuía um poder militar
privado não desmobilizável, posto que necessário, dada a existência da fronteira sem-
pre virtualmente em conflito. Assim, em função da fronteira em guerra, do que produ-
ziam, dos mercados dos seus produtos, de seus concorrentes e da posição que ocupa-
vam em relação aos outros segmentos dos grandes proprietários de terra do Brasil, os
latifundiários pecuaristas do sul estabeleceram uma relação com o Estado do Brasil
que era de mútua complementaridade, dependência e oposição.
Se a preação do gado criou a fronteira e foi responsável pela formação da grande
propriedade no Rio Grande do Sul, em seguida foi a fronteira que determinou tanto o
tipo de grande proprietário-soldado quanto a criação de uma região de pequenas pro-
priedades no sul. Vejamos por quê.
No final do século XVIII, existiram tentativas de criação de uma classe média
rural não escravista durante a administração pombalina. Fizeram parte dessa iniciativa
as experiências de colonização açoriana no Brasil, aí compreendida a que se realizou
no Rio Grande do Sul, no século XVIII. Um dos determinantes do fracasso dessas
experiências foi que os colonos se transformavam em senhores de escravos
(OBERACKER Jr., 1985, p. 221).
Por outro lado, a historiografia aceita que a idéia da tentativa seguinte de criação
de uma área de pequenas propriedades no Rio Grande do Sul partiu da Imperatriz
Dona Leopoldina, esposa de Dom Pedro I, que era de origem austro-húngara.16 O
cinturão de pequenas propriedades que existiam nas fronteiras do Império Austro-
Húngaro com a Turquia teria sugerido seu estabelecimento nas fronteiras do sul do
Brasil (OBERACKER Jr., 1985, p. 223). Mas era também um projeto que se referia à
necessidade de introduzir o trabalho livre (e branco) no País, respondendo, assim,
também às pressões inglesas pela abolição do tráfico negreiro (abolição esta que ame-
açava a existência do Estado escravista a médio e longo prazo).
George Browne17 assinalou com extrema pertinência que o projeto do Trono de
criar suas próprias bases sociais (fora do latifúndio escravista) envolvia a criação de
colônias militares de pequenos proprietários, necessariamente imigrantes europeus, e
16 Existem outras, também, como a que se refere à admiração que José Bonifácio de Andrada e Silva
possuía pelos cossacos (como veremos mais adiante).
17 Tomamos conhecimento do texto de Browne através de um participante do Seminário de História
Econômica realizado em 1979 na Universidade Federal de Santa Catarina, quando este estudo foi
apresentado.
- 28 -
a importação de mercenários para constituir tropas de elite, a fim de manter as guerras
externas e de evitar os movimentos separatistas ou republicanos internos (BROWNE,
1979, p. 1-2).
Considerado o Brasil de então, o significado desse projeto era de transformação
da estrutura social via introdução da pequena propriedade e do trabalho livre. Para o
Trono, a função desse projeto era criar um apoio político alternativo ao da grande
propriedade; esse projeto poderia liberar a Coroa, a longo prazo, da sua dependência
vis-à-vis ao latifúndio escravista. Somente no Rio Grande do Sul, a experiência con-
cretizou-se plenamente e com sucesso, através da Fundação de São Leopoldo. E foi aí
que, ao longo do século XIX, ela foi sendo ampliada.18 Mais adiante, neste texto (na
parte referente à ditadura), veremos que, a longo prazo, o projeto terminou por atingir
seu objetivo: ele acabou transformando a sociedade, não diretamente a brasileira, mas
uma parte dela, a sociedade do Rio Grande do Sul. Com efeito, Browne deixou muito
claro:
18 É verdade que em Santa Catarina houve uma outra experiência de sucesso com os imigrantes alemães,
nas regiões de Blumenau e Joinville. Mas a magnitude da experiência foi consideravelmente menor
do que no Rio Grande do Sul. Um dos motivos residiu na ausência de um mercado urbano significa-
tivo nos arredores. Essa experiência não teve as repercussões históricas e políticas da que ocorreu no
Rio Grande do Sul. Por outro lado, Santa Catarina não teve nenhum papel no jogo político do Império
e da I República.
19 No que diz respeito, particularmente, ao projeto de colonização no Rio Grande do Sul, Pesavento
sublinha a intenção de criar uma classe Gel ao Governo Imperial para contrabalançar o poder dos
latifúndios (PESAVENTO, 1985, p. 13).
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mais aos interesses dos portugueses e de Portugal do que os dos brasileiros e do Bra-
sil.20 O conflito estendeu-se até 1831, quando Dom Pedro I foi forçado a abdicar.
O que importa reter é que esse projeto de implantação da pequena propriedade
emanou do Estado, representando uma solução para as dificuldades da monarquia no
seu relacionamento com a classe proprietária do País. De fato, ele foi concebido como
alternativo ao poder da grande propriedade, mesmo que tenha sido um projeto que se
vinculou à necessidade de povoamento de uma região de fronteira. Nesse sentido, esse
projeto era uma solução a vários problemas que o poder central do Estado brasileiro
enfrentava: por um lado, frente à pressão inglesa pela abolição da escravidão, às con-
vulsões advindas da formação dos Estados do Prata e ao conseqüente estabelecimento
de fronteiras; por outro, esse projeto permitia ao Trono dar-se uma base social alterna-
tiva à dos criadores-soldados, dentro da própria região dominada por eles.
Do fato de não terem conseguido a reserva do mercado nacional para o seu produ-
to, havíamos derivado a "fraque/a relativa" dos pecuaristas e charqueadores do sul
face aos outros segmentos da classe dos grandes proprietários de terra e de escravos do
Brasil. Dessa fraqueza, teria decorrido a aceitação do estabelecimento de pequenas
propriedades no Rio Grande do Sul. Por certo que os pequenos proprietários seriam
assentados em áreas que não interessavam à pecuária, pela presença de florestas, de
montanhas e de índios, ou seja, no Rio Grande do Sul, a pequena e a grande proprieda-
de não disputariam o mesmo solo, nem mesmo se avizinhariam. No entanto os grandes
proprietários das províncias do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de São Paulo conse-
guiram afastar de suas regiões a instituição da pequena propriedade. Dessa forma,
seguimos Helga Piccolo (PICCOLO, 1988) quando afirma que a instituição de um
poder agrário alternativo ao da grande propriedade se tornava mais necessária na re-
gião onde os grandes proprietários mais contestavam o poder central, ou seja, no Rio
Grande do Sul.
- 30 -
As tropas de elite do Imperador, como já referimos anteriormente, foram recruta-
das entre populações da Alemanha e da Irlanda. Os emigrantes eram atraídos como
colonos a quem eram prometidas pequenas propriedades. Mas os emigrantes eram
informados tardiamente da condição imposta de prestação de serviço militar por seis
anos antes de terem acesso à terra. Os irlandeses só foram informados quando de sua
chegada ao Brasil, e as populações do sul da Alemanha, que já haviam vendido seus
bens, eram informadas quando de sua chegada ao porto de Hamburgo. Alguns desses
soldados acabariam por integrar o primeiro núcleo colonial alemão do Rio Grande do
Sul - o de São Leopoldo, fundado em 1824 — depois que a Assembléia do Império
dissolveu os batalhões de mercenários em 1828.
Vejamos as instruções que José Bonifácio de Andrada e Silva dera ao emissário
que fora tratar com Francisco I, em Viena, o reconhecimento da independência do
Brasil; o texto é exemplarmente claro no que tange às intenções e objetivos:
Browne assinalou que, entre 1823 e 1830, o projeto do Imperador atraiu de 12.000
a 15.000 mercenários e imigrantes. Os imigrantes foram distribuídos em colônias agrí-
colas no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina (as entradas dos caminhos de tropas na
floresta com índios) e uma a 300 quilômetros de São Paulo (onde o caminho saía da
floresta). Segundo Browne, a distribuição dos colonos foi a seguinte:
Tabela l
Número de imigrantes colocados nas colônias estratégicas.
COLÔNIAS IMIGRANTES
São Leopoldo (Rio Grande do Sul) 4.856
São Luís da Leal Bragança (Rio Grande do Sul) 100
São Pedro de Alcantra das Torres (Rio Grande do Sul) 360
São Pedro de Alcantra (Santa Catarina) 635
Rio-Negro (Paraná-São Paulo) 247
TOTAL 6.198
FONTE: BROWNE, George P. (1979). Soldados ou colonos: uma visão da estrutura
política do 1° Reinado. In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA ECONÔ-
MICA. /SANTA CATARINA/.UFSC. (mimeo), p.26.
- 31 -
Entre as colônias criadas pelo projeto do Trono, São Leopoldo foi de longe a mais
importante, e sua prosperidade esteve atrelada à proximidade do mercado urbano de
Porto Alegre. Torres é, ainda hoje, uma pequena cidade, e as outras desapareceram. O
projeto do Trono não foi continuado por decisão da Assembléia em 1830, quando de
um mesmo golpe desapareceram as tropas de elite e a continuidade do projeto de colo-
nização.
Por fim, não é demais repetir que a criação de uma área de pequenas propriedades
agrícolas no Rio Grande do Sul procurava também sanar outros problemas que deriva-
vam da fronteira: alimentos para as tropas, contingentes populacionais mobilizáveis,
população sedentária, concentração populacional, liquidação dos índios nas flores-
tas.21
Mostramos, até aqui, como a fronteira e a guerra engendraram as estruturas eco-
nômica, fundiária e social do Rio Grande do Sul: seu latifúndio pecuário e sua classe
dominante, o poder privado armado dessa classe, mas também a formação de uma
classe de pequenos proprietários rurais que valorizavam a terra através do trabalho
familiar livre. Emanaram, portanto, da fronteira e da guerra tanto os projetos privados
daqueles que se tornaram a classe dominante regional como os projetos criados pela
monarquia do Brasil. O projeto do Governo Central - de formação de uma classe
média rural no sul - devia constituir um duplo contrapeso no poder regional dos gran-
des proprietários: por um lado, contra-arrestar o poder da grande propriedade em geral
e, por outro, contra-arrestar o poder militarizado (e não obrigatoriamente fiel ao Impé-
rio) da classe dominante da região.
Vejamos, então, nessa inovação social - concretizada no território do Rio Gran-
de do Sul pelo Governo Imperial - o verdadeiro fundamento da idéia que Antônio
Barros de Castro formulou: a economia do Rio Grande do Sul foi precocemente volta-
da para o mercado interior brasileiro (CASTRO, 1980, p. 42). Ora, essa precocidade
econômica foi efeito de uma precocidade social que derivou das necessidades do Tro-
no (ou, do Estado em formação), tal como foram acima expostas. Essa inovação social
foi concretizada no Rio Grande do Sul: por razões políticas foi criada uma classe
média rural proprietária.22 Num país onde a segmentação social era simplificada ao
máximo,23 criou-se, por necessidades políticas, uma classe proprietária rural diversa
da que detinha o poder. Insistimos, o quadro era agrário e, do ponto de vista do tipo de
poder que era a monarquia brasileira, a solução encontrada para contra-arrestar o po-
der dos grandes proprietários foi a de criar uma classe, também proprietária, mas cuja
organização da produção fosse outra que a escravista.
21 Havia embutido no projeto de colonização em pequenas propriedades com europeus um projeto racis-
ta de branqueamento da população do Brasil (Piccolo, 1988). De fato, a pergunta que o Trono poderia
fazer a si próprio era: o que é um Imperador que reina sobre uma massa de negros-escravos?
22 Essa é uma "classe média" em relação à estrutura social da época. Os pequenos proprietários podem
tornar-se, mais tarde, camponeses pobres e serem expropriados.
23 Por onde se olhar, existiam sempre e somente dois pólos: grandes proprietários e escravos; homens
livres-proprietários-ricos e homens livres-despossuídos-pobres.
- 32 -
FEE-CEDOC
BIBLIOTECA
O território do Rio Grande do Sul serviu de palco para um experiência original no
Brasil de então: a diversificação social. Nesse sentido, a estrutura social clássica bra-
sileira foi precocemente transformada no Rio Grande do Sul na medida em que foi
criada uma nova classe social rural. Podemos afirmar, também, que a sociedade agrá-
ria do Rio Grande do Sul se modernizou precocemente em relação à sociedade brasi-
leira.24
Na verdade, o binômio fronteira em guerra mais diversificação social resume,
por excelência, o traço original da trajetória histórica do Rio Grande do Sul. No final
das contas, foi bem desse binômio que penderam todas as outras originalidades econô-
micas, sociais e políticas da história regional, como veremos mais adiante. Nesse caso,
o primeiro termo do binômio criou a possibilidade do segundo, mas, em definitivo, foi
exatamente a diversificação social que encaminhou a história do Rio Grande do Sul
por uma estrada diferente da percorrida pelo conjunto da sociedade brasileira.
A experiência do Rio Grande do Sul foi única no Brasil, pelo conjunto (simultâ-
neo, portanto) dos argumentos que apresentaremos a seguir:
a) somente três estados desempenharam um papel político decisivo na I Repúbli-
ca: por um lado, São Paulo e Minas Gerais, que se alternaram na Presidência da Repú-
blica, e, por outro, o Rio Grande do Sul, que substituiu a Bahia depois de 1910;
b) a partir do final do Império, em nenhum estado a diversificação social rural
alcançou o nível de concretitude atingido pela sociedade do Rio Grande do Sul;
c) a existência de um segmento de pequenos proprietários rurais alternativo ao
dos grandes proprietários não provocou em qualquer outro estado da Federação as
conseqüências políticas, econômicas e históricas que ela criou no Rio Grande do Sul.
Em São Paulo, porque ele não existiu, uma vez que se formou a partir da I República,
nas crises do café, mas, sobretudo depois de 1930, e em Minas Gerais, porque ele era
politicamente inexpressivo.
Pelo bem ou pelo mal, a diversificação social do sul teve um peso definitivo na
história da região. Foi por sua causa, por exemplo, que a classe dominante gaúcha
pôde se cindir, e daí o sangue corrido entre 1893 e 1895, como veremos mais adiante.
Um exercício muito simples é o de tentar imaginar a história do Rio Grande do Sul na
ausência dessa classe de pequenos proprietários: sem sua presença na cena, qual teria
sido a história do Rio Grande do Sul? Qual seria o seu presente? Sem eles, os cenários
social, econômico e político do Rio Grande do Sul teriam sido outros, irreconhecíveis.
A história teria percorrido outras estradas, a sociedade se teria colocado outros proble-
mas, mas seguramente não os que a sociedade rio-grandense se colocou na passagem
(brasileira) do escravismo para o capitalismo. E mais, salientamos que a origem dessa
inovação social, ou seja, o móvel do agente empreendedor, foi fundamentalmente po-
- 33 -
lítica e não econômica. No caso do Rio Grande do Sul, insistimos na inovação política
do social e não na sua inovação econômica. A cadeia seria a seguinte: as necessidades
políticas (da Coroa), a criação do social (a nova classe proprietária rural), o resultado
econômico (a diversificação econômica e a articulação ao mercado brasileiro).25
Podemos afirmar, então, que foi a fronteira conflituada que engendrou as estrutu-
ras sociais no Sul. De forma imediata ou não, a partir das necessidades das populações
locais ou das necessidades do poder central do Brasil, as estruturas sociais do Sul
podem ser sempre referidas à situação criada pela fronteira em guerra. De fato, a fron-
teira é uma questão de Estado. Essas estruturas foram a resposta do político às neces-
sidades criadas pela guerra. Elas atestam o surgimento de uma sociedade nova no
Brasil de então; uma sociedade cujo aparecimento viria a ter conseqüências importan-
tes para a história nacional. É por isso que afirmamos que o Rio Grande do Sul foi uma
encruzilhada entre duas formações sociais - a platina e a brasileira - e que, ao terminar
por fazer parte do Brasil, se tornou, até um certo ponto, uma formação histórica estra-
nha a ele.
- 34 -
gaúcha, do Exército nacional e dos tenentes no poder central da República em 1930,
encerrando a República oligárquica e iniciando os 15 anos de Vargas no poder.26
Bóris Fausto indicou os seguintes itens como os laços mais importantes entre o
Partido Republicano Rio-Grandense e o Exército nacional: o Rio Grande do Sul era a
região onde se concentravam os maiores efetivos do Exército fora da Capital Federal;
Porto Alegre era a sede do Comando da III Região Militar do Exército (criada em
1919), e, nesse Comando, foram recrutados muitos Ministros da Guerra; durante a I
República, foram os militares gaúchos que forneceram o maior número de Ministros
da Guerra e de presidentes do Clube Militar, organização do Exército aparentemente
recreativa e realmente política (FAUSTO, 1977, p. 404).27 A Tabela 2, malgrado a
imprecisão e insuficiência das informações28, é o exemplo quantitativo disponível para
o que acabou de ser dito.
A intermitente luta armada na região aproximou os políticos dos oficiais e co-
mandantes militares; a elite política do Rio Grande do Sul da I República professava
uma versão regional crioula do positivismo de Auguste Comte, o Exército nacional
também possuía um bom número de oficiais positivistas (LOVE, 1975, p. 110). A
Constituição estadual reforçava o Poder Executivo, fato que já então agradava aos
militares de formação positivista, e a política econômica e financeira preconizada pelo
PRR coincidia com as opções dos tenentes que também se opunham às políticas do
bloco do café: tanto o PRR quanto os tenentes preconizavam preços estáveis e equilí-
brio orçamentário (FAUSTO, 1977, p. 404).
26 No entanto, essas três forças não foram as únicas a participar da Revolução. A oligarquia de Minas
Gerais, apoiada numa produção cafeeira em decadência, recebera um golpe de parte da oligarquia
paulista que rompera com o pacto de rotatividade, impondo um segundo candidato sucessivo à Presi-
dência. Enfim, as oligarquias do Nordeste faziam-se representar no candidato à Vice-Presidência na
chapa da oposição, João Pessoa, cujo assassinato serviu de estopim para a Revolução.
27 Lemos, em Love:
"O mito em torno da vocação militar do gaúcho, de fato, tinha sua base na época republicana, tanto
quanto na imperial. O Rio Grande continuou a contribuir com mais do que lhe cabia, para as lideran-
ças militares. Neste aspecto, o contraste com Minas e São Paulo é particularmente relevante: em 1895,
oito dos 30 generais-de-divisão e de brigada haviam nascido no Rio Grande; nenhum era de Minas e
somente um de São Paulo. No fim da República Velha, oito dos 30 generais novamente eram gaúchos,
sem nenhum paulista ou mineiro. Dos 25 Presidentes do Clube Militar, na República Velha cinco
vieram do Rio Grande, um de São Paulo e nenhum de Minas. E dos 20 Ministros da Guerra entre 1889
e 1930, sete eram do Rio Grande, nenhum de São Paulo e apenas um de Minas - o único civil que
ocupou o cargo. Tendência que persistiu na década de 20" (LOVE, 1975, p. 124).
28 Assinalamos, por exemplo, que os dados referentes as duas primeiras colunas apresentam, em bloco,
os "generais" e os "militares no Congresso" provenientes do Rio Grande do Sul e da Corte para o
período 1860-89 e do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal para o ano de 1890. Não existem
informações sobre a origem de 12 dos Ministros da Guerra da I República.
- 35 -
Tabela 2
Origem geográfica dos oficiais do Exército no Brasil-1860-930.
Por fim, assinale-se ainda que de 20% a 30% do Exército nacional (tanto no
Império quanto na I República) estavam lotados no Rio Grande do Sul, como se pode
ver na Tabela 3. Além disso, Porto Alegre sediava a única escola de oficiais militares
fora do Rio de Janeiro. Esses fatos suportam a idéia de convivência, de interesse co-
mum e de coincidência de pensamento entre os políticos no poder, na região, e os
oficiais do Exército.29 Observe-se, na Tabela 3, a importância relativa dos efetivos do
Exército no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro e a relação com as respectivas
populações quando comparados com os de São Paulo e Minas Gerais.
- 36 -
Tendo presente a magnitude da presença militar no Rio Grande do Sul, assinala-
mos que Murilo de Carvalho mostrou que o recrutamento de oficiais se fazia predomi-
nantemente entre as famílias dos próprios oficiais (CARVALHO, 1977, p. 204), por
isso era freqüente a existência de oficiais gaúchos. Carvalho indica ainda que as guar-
nições militares decisivas para qualquer atitude que o Exército fosse tomar eram as do
Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul (CARVALHO, 1977, p. 204).30
Tabela 3
Efetivos do Exército com a população em províncias e estados escolhidos do Brasil-
1888-1920.
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cia de pontos de vista ou de tomadas de posição poderiam levar a enfrentamentos
militares. Em 1920, os efetivos da Brigada Militar e dos corpos provisórios gaúchos
somavam cerca de 12.000 homens, contra uma força de 9.000 homens do Exército no
Rio Grande do Sul. Em outras palavras, deveria haver afinidade entre o Governo do
Estado e o Comando da III Região (transformada depois em III Exército).32 Vejamos
na Tabela 4 a importância dos números.
O Exército desejava ser reconhecido e ter prestígio social. Ele queria o monopó-
lio do poder armado sobre o território do País. Durante a I República, ele conseguiria
somente a extinção da Guarda Nacional, o que viria a ser um passo importante para
deter o monopólio virtual do recrutamento no País. Mas removido esse poder concor-
rente, logo surgiram os exércitos estaduais de Minas Gerais, de São Paulo e do Rio
Grande do Sul.33
Os tenentes, por seu lado, representam um tipo de força com propostas muito
difusas, com um ideário não claro ou definido. O mais simples tem sido identificá-los
com as classes médias urbanas e suas insatisfações com uma estrutura política rural (o
coronelismo) que não deixava espaço para a participação e a representatividade das
novas camadas sociais urbanas. Os tenentes eram insurretos simultaneamente em rela-
ção aos seus oficiais superiores, portanto à organização da sua própria corporação e ao
Presidente da República. Assim, é mais seguro indicar contra o que eles lutavam do
que pelo que lutavam.
Insistimos, enfim, no fato de que tanto o Exército quanto os tenentes insurretos,
assim como o Partido Republicano Rio-Grandense eram forças em expansão no qua-
dro político brasileiro da I República. A imutabilidade do poder da República, pela
força do coronelismo com o peso do seu voto rural e pelo poder da oligarquia mineiro-
paulista controlando o acesso à Presidência da República, terminou por soldar aquelas
três forças que se encontravam bloqueadas nos seus avanços. Em 1930, elas reuniram
seu máximo poder de fogo contra a república oligárquica.
32 Um exemplo eloqüente porque tardio da importância dessa relação de forças foi dado em 1961, quan-
do da tentativa de golpe militar para impedir a posse de João Goulart à Presidência da República: um
dos fatos militares significativos parece ter sido a coincidência de posições entre Brizola, Governador
do Rio Grande e a Comandância do III Exército. Nelson Werneck Sodré cita telegrama desta
Comandância, que indica a eclosão de uma guerra civil caso o Comandante do III Exército se
posicionasse a favor da junta militar golpista. Brizola teve a Brigada Militar unida dentro de seu
propósito legalista, distribuiu armas à população e protegeu com um cerco o Palácio do Governo. Os
Ministros golpistas ordenaram o bombardeio aéreo de Porto Alegre, fato que não ocorreu (Werneck
Sodré, 1979, p. 378-80). Esse fato aconteceu dentro de um quadro em que, após 1930, o equilíbrio
entre os efetivos militares estaduais e federais no Rio Grande do Sul já havia sido rompido em favor
do Exército.
33 Segundo Love, por expressivo que fosse o volume de efetivos da polícia baiana, ele se dispersava por
um território muito maior e era muito mal-armado e desorganizado (LOVE, 1975, p. XIV, 123).
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Tabela 4
Efetivos das Polícias Militares e do Exército em províncias e estados escolhidos do
Brasil-1889-1920.
Províncias 1889 1920
e Polícia Exército Polícia Exército
Estados
Bahia 779 712 3019 1 545
Corte e Distrito Federal .. 1.096 1.839 3.987 11.236
Mato Grosso 37 1.296 734 1 116
Minas Gerais 1 230 113 2874 3787
Pernambuco 908 651 1402 706
Rio Grande do Sul 780 3658 2052 9304
São Paulo 1.424 386 7.538 3.675
TOTAL 9892 11 748 30564 42920
FONTE: Adaptado de: CARVALHO, José Murilo de (1977). As forças armadas na
Primeira República: o poder desestabilizador. In:
FAUSTO, Boris, org. História geral da civilização bra-
sileira, III. O Brasil Republicano 2. Sociedade e Insti-
tuições (1889-1930). Rio de Janeiro. Difel. p.203.
Por fim, a oligarquia política do Rio Grande do Sul, unida após o Pacto de Pedras
Altas, que encerrou a Revolução de 1923, podia pretender disputar o poder central da
República.34 A presença da oposição armada e o tipo de poder exercido pelo Executivo
no Rio Grande do Sul da I República serão analisados no próximo item.
34 Na Nota 26 deste ensaio, já indicamos as outras forças que participaram desse movimento.
- 39 -
veis durante a I República. Em outras regiões, essas cisões ou não aconteceram ou
ocorreram mais tarde.35 Antonacci pergunta-se, então, pela razão dessa precocidade e
encontra sua resposta na diversificação da estrutura produtiva do Rio Grande do Sul
(ANTONACCI, 1981, p. 19). Essa diversificação teria tornado possível e oportunizado
a formulação de dois projetos políticos divergentes para a sociedade rio-grandense,
dentro da classe dominante regional.
No entanto, como já estabelecemos páginas atrás, definitivamente não poderia ter
sido a diversificação econômica o ponto de referência, pois ela pode ser compatível
com outras estruturas sociais e econômicas na produção de mercadorias. No caso do
Rio Grande do Sul, foi a diversificação social que jogou a cartada decisiva.
Durante o Império, tanto no Brasil quanto na Região da Campanha do Rio Gran-
de do Sul, o poder político tradicional estruturava-se segundo a rede coronelística,
território por excelência da classe dominante regional. Nos anos que antecederam a
Proclamação da República, a expressão política maior desse poder congregava-se no
Partido Liberal, que controlava politicamente o Rio Grande do Sul. Era na Campanha
que estava a base tradicional do controle político do Rio Grande do Sul; território dos
monarquistas liberais, depois dos federalistas e, por fim, dos revolucionários de 1923.
Nos primeiros anos da República (1889-93), o grupo de ativistas republicanos
que disputava o controle do aparelho de Estado do Rio Grande do Sul, o qual contro-
laria de maneira intermitente nesse período, não era somente minoritário, como não
possuía a rede tradicional de apoio coronelístico que estava nas mãos dos Liberais, no
final da monarquia. Não que os republicanos não fossem também grandes proprietári-
os de terras e pecuaristas, mas eram uma geração sem compromisso histórico com a
política imperial e sem prática de controle do aparelho de Estado. Enquanto os repu-
blicanos de outras regiões do País saíram de divergências do Partido Liberal (PINTO,
1986, p. 105), no Rio Grande do Sul eles se formaram autonomamente.
35 Existe uma tese sobre uma diferenciação entre dois grupos de cafeicultores paulistas nos anos que
antecederam à abolição da escravidão. Grosso modo, ela define dois grupos com posições diversas
face à escravidão: os das regiões novas, do oeste paulista, que utilizavam trabalho assalariado e que
seriam contra a escravidão; e os das regiões velhas, do Vale do Paraíba, que "se agarravam" à escravi-
dão. Entre outros, a tese encontra-se em Viotti da Costa (1989, 36-7, 50-2). Essa tese parece ter
relação com as afirmativas freqüentemente veiculadas por economistas paulistas a propósito da
"modernidade" de um segmento da classe dos cafeicultores. Porém, Eisenberg, estudando as diferen-
ças de mentalidade dos fazendeiros no Congresso Agrícola de 1878, não só não encontrou evidências
suficientes em apoio a essa tese na sua dimensão espacial como desenvolve uma argumentação que se
opõe a ela (EISENBERG, 1980, p. 167-94). De qualquer forma, essas diferenças não apresentaram,
mesmo remotamente, um conteúdo que permita uma analogia com a cisão da classe dominante que
ocorreu no Rio Grande do Sul durante a I República.
36 Muitas das informações apresentadas neste item e no seguinte (5.1 e 5.2) serão retomadas no Escrito
n" 3; a repetição é inevitável pois sua supressão no presente escrito deformaria a demonstração da
idéia geral que estamos trabalhando.
- 40 -
os restauradores da monarquia. Em nível de Brasil, fora estabelecida uma ditadura
militar.
Essa ditadura reinstalou no poder do Rio Grande do Sul o Partido Republicano
Rio-Grandense, pois, entre novembro de 1889 e janeiro de 1893, 17 governadores
haviam passado pelo Governo do Estado (FERREIRA FILHO, 1960, p. 124-7). Júlio
de Castilhos, chefe do PRR, elaborara uma Constituição para o Estado do Rio Grande
do Sul que era sui generis no contexto brasileiro. Ela trazia embutida uma ditadura
(mais adiante, voltaremos a falar dessa Constituição). Contra o domínio do PRR e
contra a sua Constituição para o Estado, levantaram-se em armas os federalistas37 e,
unidos aos monarquistas e aos republicanos dissidentes do PRR, iniciaram uma guerra
civil. Pensamos que essa conjuntura de violência teve muito a ver com o autoritarismo
das instituições republicanas rio-grandenses.
A revolução partiu do Uruguai, onde cerca de 10.000 pessoas haviam se refugia-
do entre junho de 1892 e fevereiro de 1893 (LOVE, 1975, p. 64-5). O fato de utiliza-
rem mercenários uruguaios fez com que o PRR caracterizasse a guerra civil como uma
invasão estrangeira, pois os mercenários eram de uma região do Uruguai povoada por
gente oriunda da Maragateria (Espanha); eles dariam o nome aos revolucionários:
maragatos. No entanto também o PRR recrutava soldados mercenários entre os uru-
guaios.
Partindo do Uruguai, por três vezes os maragatos invadiram o Rio Grande do Sul.
Essa guerra de 31 meses levou à morte de 1% a 1,2% da população do Rio Grande do
Sul que, na época, estava em torno de um milhão (LOVE, 1975, p. 77). No período
anterior ao início da revolução, os assassinatos de chefes políticos das duas facções e
de suas famílias culminariam com a bestialização das populações rurais desfavorecidas,
envolvidas na guerra (LOVE, 1975, p. 77). Toda a sociedade rural rio-grandense foi
enleada nas atrocidades. Duas batalhas são exemplares para dimensionar a brutalida-
de: a batalha do Rio Negro, vencida pelos maragatos, onde 300 dos 1.000 prisioneiros
forma degolados, segundo a lenda, por um só homem, Adão Latorre, peão de fazenda
e tenente-coronel do exército maragato (REVERBEL, 1985, p. 54-5) - nessa batalha,
foram degolados também oficiais do Exército, o que aproximou mais os laços entre o
PRR e o Exército brasileiro; a segunda batalha foi a do Boi Preto, vencida pelo PRR,
onde 300 prisioneiros maragatos foram degolados, como vingança pelos mortos de
Rio Negro.
Essa revolução extrapolou os limites do Rio Grande do Sul. O general maragato
(uruguaio-brasileiro) Gumercindo Saraiva chegou a capturar Curitiba, enviando um
ultimato ao Presidente da República. Por fim, a revolta da esquadra no Rio de Janeiro
associou-se aos revoltosos gaúchos. A revolta da marinha fora um fracasso, e os navi-
os revoltados acabaram se exilando em Buenos Aires. José Maria Bello diz que o Rio
37 Os federalistas não eram "federativos", eles propunham a predominância do poder federal sobre o
estadual, ao contrário do que resultará da Constituição Federal republicana. O PRR havia pugnado
por uma ainda maior autonomia dos estados do que a Constituição Federal consagrara; os federalistas
apareciam, assim, como centralizadores e unitários, propondo também o parlamentarismo, tal como
havia existido durante a monarquia (FERREIRA FILHO, 1960, p. 126).
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Grande do Sul foi o campo de provas para a sobrevivência do regime republicano no
Brasil (LOVE, 1975, p. 70). Entre as seqüelas menores da guerra, esteve o fato de
circularem rumores de iminentes invasões federalistas, quase todos os anos, entre 1895
e 1923 (LOVE, 1975, p. 141). Segundo Carlos Reverbel, os ódios que restaram das
atrocidades dessa guerra fizeram com que os historiadores do Rio Grande do Sul che-
gassem a se recusar a falar dela (REVERBEL, 1985).
Desde 1893, quando da eclosão da Revolução Federalista, Júlio de Castilhos ini-
ciara a construção de uma das principais bases do poder do PRR, a estruturação da
Brigada Militar, exército regional sob o comando do Governador do Estado, freqüen-
temente melhor treinada e equipada que o Exército nacional. Joseph Love assinalou
que a Brigada Militar possuía mais rifles que as outras polícias militares estaduais e
que somente após 1930 o Exército nacional passou a ser melhor equipado que essa
força estadual (LOVE, 1975, p. 123). Essa corporação foi um instrumento de poder
decisivo nas mãos do Executivo do Rio Grande do Sul para enfrentar tanto as desobe-
diências internas do PRR quanto a oposição gaúcha e para intimidar os adversários do
PRR na política nacional. No contexto nacional, por exemplo, a Brigada Militar
desencorajava qualquer tentativa de intervenção militar da Presidência da República
no Rio Grande do Sul.
38 Essa relação positiva entre o PRR e a zona colonial é um dos pontos controversos para a Professora
Helga Piccolo, que sustenta que a criação dos municípios visava a enfraquecer politicamente as de-
mandas oriundas da zona colonial.
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FEE-CEDOCI
R8LK)TECA
possuindo por horizonte a manutenção-ampliação de sua participação na divisão inter-
nacional do trabalho e professando um livre-cambismo liberal.
Para garantir a reprodução do PRR no poder, o líder do PRR, Júlio de Castilhos,
dotou o Estado de uma Constituição muito peculiar e, tal como já foi assinalado, essa
Constituição serviu não somente de pomo de discórdia entre o PRR e as oposições
gaúchas, como entre o PRR e os outros partidos republicanos do Brasil. Vejamos algu-
mas de suas características básicas: um Executivo muito forte e ausência de Legislati-
vo. Ausência de Legislativo, pois a Assembléia eleita, que se reunia durante dois
meses ao ano, tinha como finalidade aprovar o orçamento e verificar as contas do
Executivo (OSÓRIO, 1982, p. 3). O Executivo legislava através de decretos-leis. Quan-
do o Presidente do Estado promulgava um decreto, as câmaras municipais tinham um
prazo de 90 dias para discuti-lo, fazer sugestões de alteração, discordar, etc.; se tal não
ocorresse no período, o decreto tornava-se lei. Na prática, a emissão pública do decre-
to fazia-se acompanhar de telegramas-circulares, onde era exigido o silêncio obedien-
te das câmaras municipais (ANTONACCI, 1981, p. 25).
A estrita disciplina partidária jogou um papel decisivo na organização e na manu-
tenção do poder do PRR no Rio Grande do Sul. São traços como esse, de uma estrita e
rígida disciplina partidária, que permitem que se afirme que o PRR foi o primeiro
partido moderno do Brasil. Joseph Love, por exemplo, diz que era gritante a diferença
entre o PRR e os demais partidos republicanos do País, por ele qualificados de amorfos
(LOVE, 1975, p. 78). Além de tudo, era um partido que possuía um ideário (o
positivismo) que foi insistentemente destilado em todos os pronunciamentos do Exe-
cutivo - discursos, justificativas, mensagens, etc. -, nos discursos dos membros da
Assembléia e no belicoso jornal do Partido: A Federação. Era um partido com princí-
pios e que procurava administrar o Estado em função desses princípios, assim como
justificar suas opções através deles. Isso era realmente uma novidade no Brasil!
Arrolaremos alguns exemplos. Seguindo Comte, os positivistas gaúchos
propugnavam por impostos diretos e não indiretos; o Rio Grande do Sul foi o único
estado da Federação onde vigorou o imposto territorial, que chegou a ser um dos pri-
meiros itens da arrecadação estadual e que sempre guardou importantes postos na hi-
erarquia tributária estadual. Um outro exemplo: o Governo Estadual não deveria favo-
recer, com a sua ação, grupos ou classes; competia a ele cuidar do "bem comum", fazer
o que atendesse "às necessidades de toda a sociedade": o PRR dedicou-se à construção
de estradas de rodagem, encampou ferrovias e o único porto marítimo do Estado e,
diante das dificuldades para reunir fundos para abrir o único frigorífico nacional no
Estado (cuja abertura era importante para impedir o monopólio estrangeiro), ele parti-
cipou do empreendimento.39 Por fim, pertencia ao ideário desses positivistas a crença
de que a sociedade era irremediavelmente formada por capitalistas e operários, que era
assim que deveria ser, e que uma das maneiras de o Estado e, por extensão, de o capital
se responsabilizarem pelos pobres era dando-lhes instrução. Assim, à originalidade
39 Mais uma vez, as diferenças em relação a São Paulo são gritantes: lá, tudo para o café, e só para ele.
Os cafeicultores no poder, em São Paulo e na Presidência da República, expressaram bem o "comitê
executivo" dos plantadores e dos grupos envolvidos nos negócios do café, utilizando o aparelho db
Estado em seu único beneficio.
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das receitas oriundas do imposto territorial somava-se esta de gastos importantes com
educação, isso era outro fato inédito no Brasil. Somente durante os períodos de guerra,
as despesas militares foram mais importantes que as da educação (LOVE, 1975, p.
109). Certamente que um plano de instrução pública que se somasse às escolas católi-
cas e protestantes para os imigrantes obrava no sentido de ampliar os contingentes
eleitorais. Deve ser registrado que o Rio Grande do Sul apresentou os mais elevados
níveis de alfabetização do Brasil na I República. Love assinalou-nos que, em 1907, o
Rio Grande do Sul escolarizava 228 sobre l .000 crianças em idade escolar, enquanto
os números eram de 162 para São Paulo e de 141 para Minas (LOVE, 1975, p. 116).
A Constituição de 14 de julho, elaborada por Castilhos e contestada dentro e fora
do Rio Grande do Sul, é uma versão local de aspectos do positivismo de Auguste
Comte. Enquanto tal, a administração da República foi vista como uma questão de
competência e não de representatividade; aos "sábios" cabia a tarefa de administrar
"cientificamente" a sociedade, pairando acima das classes e dos interesses de grupos.
Era a ditadura republicana. A partir dessa proposta, era sempre o bem comum que era
visado pelas ações do Executivo, o interesse geral do corpo social e não os interesses
de uma classe ou de uma fração de classe. O capitalismo era concebido como eterno, e
ao Governo cabia a promoção da conciliação entre os interesses do capital e do traba-
lho. Tudo dentro da ordem e do progresso. Celi Pinto indicou que o PRR construiu um
discurso não oligárquico, diverso, portanto, dos demais discursos regionais brasilei-
ros.40
É evidente que essa posição foi utilizada para arrefecer as demandas dos pecuaristas
da oposição, ao mesmo tempo que permitia a promoção de iniciativas do Executivo
estadual no sentido de promover e beneficiar outros grupos, tais como o dos agriculto-
res imigrantes e dos industriais. Pensamos, no entanto, que os Executivos dos estados
cafeicultores e, por extensão, o Executivo federal da I República expressavam uma
identidade entre o Estado e o bloco do café, ou seja, eram os interesses desse bloco que
ocupavam o Executivo. Era o Estado de um bloco de interesses, os do café. O Execu-
tivo rio-grandense concebia-se como um Estado acima das classes sociais e dos inte-
resses particularistas. Note-se que esse Executivo precisava "conceber-se", ou seja,
ele não era dado "naturalmente". Nesse sentido, ele se construía com um cunho de
modernidade, pois a proposição de neutralidade abria espaço para a promoção de gru-
pos e classes emergentes.
Nós já fizemos alusão, repetidas vezes neste ensaio, à Revolução de 1923, esta foi
a última guerra movida pela oposição ao PRR. A solução encontrada, no Pacto de
Pedras Altas, soldou num só bloco a oligarquia gaúcha, estabelecendo as condições
finais para que ela se propusesse a disputa da Presidência da República. Vamos examiná-
la.
40 Celi Pinto resumiu assim o papel do positivismo na construção do discurso político do PRR:
"Portanto, se por um lado foi no positivismo que o PRR foi buscar um modelo para as instituições
políticas autoritárias que implantou no estado, por outro, foi através dele que construiu um discurso
não-oligárquico e que apresentou estas instituições (as republicanas) como as únicas capazes de res-
ponder às necessidades (do conjunto) da população do estado" (PINTO, 1986, p. 106)
- 44 -
Dado que os resultados das eleições de 1922, como sempre fraudulentas, confir-
maram a vitória de Borges de Medeiros, que iniciaria, assim, o seu quinto mandato
como Governador do Estado (cada mandato era de cinco anos), as oposições unidas na
Aliança Libertadora levantaram-se novamente em armas sob a liderança de Assis Bra-
sil, candidato derrotado (LOVE, 1975, p. 217-8). Através da guerra civil, a oposição
desejava provocar a intervenção político-militar do Governo Federal no Rio Grande
do Sul (ANTONACCI, 1981, p. 98) e assim conseguir a revisão da Constituição do
Estado e a deposição de Borges de Medeiros. O término da Revolução de 23 possibi-
litou a união da classe dominante regional (o PRR e a oposição passaram a representar
uma única força política), cuja coesão foi acentuada por Getúlio Vargas, quando se
tornou Governador do Rio Grande do Sul, em 1928. Essa união possibilitou a base
política regional para que Getúlio aceitasse a candidatura à Presidência da República
em 1929, perdesse a eleição e liderasse a Revolução de 30 que acabou com a Repúbli-
ca oligárquica.
Os pontos mais importantes reivindicados pela oposição gaúcha em 1923 eram:
a) estabelecer a ilegitimidade do novo mandato de Borges de Medeiros; b) promover a
revisão da Constituição Estadual de forma a permitir a rotatividade nos cargos públi-
cos, impedindo a reeleição do Governador; c) tornar elegível o cargo de vice-governa-
dor; e d) dar mais poderes à Assembléia Legislativa do Estado.
O verdadeiro vencedor dessa revolução parece ter sido o Presidente da Repúbli-
ca, que não fora apoiado por Borges quando de sua eleição. Ele desejava encetar uma
intervenção militar no Rio Grande do Sul, mas seus desentendimentos com o Exército
não lhe davam condições de arriscar-se nessa aventura. A intervenção diplomática do
Governo Federal encaminhou a aceitação da legitimidade do novo mandato de Borges
e da revisão da Constituição nos termos da Aliança Libertadora.41
41 Por fim, antes da Revolução de 30, o Rio Grande do Sul envolveu-se ainda em três episódios militares,
segundo Ferreira Filho.
1) Em junho de 1924, estourou em São Paulo uma rebelião militar de unidades do Exército e da Força
Pública de São Paulo; os rebeldes tomaram a capital e cidades do interior. A pedido da Presidência da
República, o Governo do Rio Grande do Sul enviou cerca de 1.000 homens da Brigada Militar do
Estado para ajudar a sufocar a rebelião. Os rebeldes refugiaram-se em Foz do Iguaçu, fronteira com
Argentina e Paraguai, onde se uniram à Coluna Prestes, movimento que subia do Sul (indicado abai-
xo).
2) No mesmo ano, unidades do Exército nacional, sediadas na fronteira do Rio Grande do Sul com a
Argentina, rebelaram-se sob a liderança de Luis Carlos Prestes. Os rebeldes convulsionaram a zona
missioneira do Rio Grande do Sul durante algum tempo. Subiram em direção ao Norte, perseguidos
pela Brigada Militar. A coluna dos revolucionários atravessou o Brasil tentando "levantar as massas
rurais" contra a Presidência. Foram ao Sul da Bahia e terminaram exilando-se na Bolívia. Essa mar-
cha de 24.000 quilômetros foi considerada o símbolo da insatisfação com o poder rural das oligarqui-
as da I República. Prestes levou o título de "cavaleiro da Esperança".
3) Em novembro de 1926, tenentes do Exército rebelaram-se em Santa Maria. Caudilhos invadiram o
Rio Grande do Sul vindos do Uruguai, mas as forças legalistas do Governo do Estado forçaram sua
retirada (FERREIRA FILHO, 1960, p. 167-169).
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Do ponto de vista da intenção de Júlio de Castilhos, homem que concebeu e
construiu as bases do sistema do PRR, os objetivos foram alcançados. O PRR ocupou
ininterruptamente o poder de 1893 até 1930, da seguinte maneira: 1893-98, Júlio de
Castilhos; 1898-908, Borges de Medeiros; 1908-13, Carlos Barbosa; 1913-28, Borges
de Medeiros; 1928-30, Getúlio Vargas. Quando Castilhos passou o poder do Executi-
vo Estadual para Borges de Medeiros, conservou a direção do PRR. Borges fez a mes-
ma coisa quando seus prepostos, Carlos Barbosa e Getúlio Vargas, ocuparam o Execu-
tivo Estadual.
Conclusão
Esses três últimos levantes referidos expressam rebeliões simultâneas contra os poderes regionais e contra
a Presidência da República. São manifestações dos tenentes do Exército, que expressam sua insatisfação
com o domínio das oligarquias rurais-regionais e do sistema coronelístico brasileiro da I República.
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Abstract
First ofall we showed that—right from the beginning—Rio Grande do Sul made
up a speclfic social formation in Brazil, since this region was always confronted to
frontier wars because ofthe characteristics and the setting-up period ofthe frontier
States. We then examined a series of structural features which were particular for
Rio Grande do Sul society in relation to the rest of Brazil and wich derivedfrom its
frontier wars. These features are: its land-owning structure; its rural social classes
as well as the relation o f its regional rulling class with the government ofthe Empire.
That is why the Rio Grande do Sul territory was the scene ofa new social experience
in XIXth century Brazil. As we can see along this essay, it was the first agrarlan
society that cante to differentiate itself socially and the new rural land-owning class
did not rely basically on slavework. Rio Grande do Sul society faced itself with totally
new problems with regards to the Brazilian context ofthe transitionfrom slavery to
capitalísm. Moreover, during the ollgarchic Republic, the governlng polltlcal party
in the region established on one hand closed links with the Brazilian Army and on
the other hand, it became the first modern polltlcal party in Brazil and achieved at
regional levei a long experience ofdictatorship. That is why we wonder ifthe Brazilian
conservative modernization did not start first in Rio Grande do Sul.
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IC-00006779-7
Escrito n° 2
Introdução
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Note-se que não estamos dizendo, com isso, que não tenha havido escravidão no
Rio Grande do Sul ou que a sociedade que aí se construiu tivesse sido mais democrá-
tica que a das plantations do Brasil. Queremos mostrar tão-somente que o tipo de
sociedade escravista que se constituiu nas regiões das plantations do Brasil não existiu
na formação social do Rio Grande do Sul.
É conveniente desde já indicarmos, sumariamente e de modo contrastante, a dis-
tribuição dos escravos e das atividades econômicas na Província do Rio Grande do
Sul. Nas informações para o ano de 1858, para alguns dos municípios mais representa-
tivos das várias sub-regiões da Província, pode-se observar, por exemplo, a elevada
participação dos escravos na população total de Pelotas (37,13%), município onde
havia a mais importante concentração de charqueadas da Província; pode-se verificar
também que essa participação não chegava a 10% para um município de pequenos
proprietários imigrantes como o de São Leopoldo, malgrado este município colonial
detivesse 6,61 % da população total da Província, enquanto Pelotas detinha 4,53%. Por
fim, o peso da escravidão nos serviços e no artesanato urbanos, assim como a escravi-
dão doméstica, pode ser bem exemplificado com Porto Alegre, mesmo que o municí-
pio contasse também com suas charqueadas, que, detendo 10,52% da população total
da Província, concentrava 11,87% do total dos escravos. Em 1858, no Rio Grande do
Sul, 25,08% da população era escrava (FEE, 1981, p.66). Fica claro que, por "pesada"
que fosse a participação dos escravos na estrutura social sul-rio-grandense, a escravi-
dão se distribuía espacialmente de maneira desigual no território da Província.
Convém também registrarmos, inicialmente, os números mais significativos no
que tange à comparação com outras províncias do Brasil. Assim, podemos verificar
que, pelas estimativas de Robert Conrad (1978, p.345) para o ano de 1874, o peso
relativo da população escrava no Rio Grande do Sul era dos mais elevados do Brasil,
ou seja, de 21,3% contra 15,9% na Província de Minas Gerais, 20,4% na de São Paulo
e 39,7% na Província do Rio de Janeiro. Mas os dados absolutos da população escrava
fornecem outras indicações. Naquele ano, no Rio Grande do Sul, viviam 98.450 escra-
vos, e eles eram 106.236 em Pernambuco, 165.403 na Bahia, 311.304 em Minas Ge-
rais, 301.352 na Província de Rio de Janeiro e 174.622 na de São Paulo (CONRAD,
1978, p.347). Acrescente-se, ainda, que, nas províncias cafeicultoras, os escravos es-
tavam concentrados nas mãos dos maiores produtores de café e proprietários de terras.
Em 1884, antes de ocorrer o movimento abolicionista no Rio Grande do Sul 3 , a
população escrava era de 60.136 nesta província, enquanto ela era de 303.125 na de
Minas Gerais, de 258.238 na Província do Rio de Janeiro e de 167.493 na de São
Paulo. Por fim, a Lei Áurea, de 1888, libertou 8.442 escravos no Rio Grande do Sul,
contra os 461.702 que foram libertados nas três grandes províncias cafeicultoras
(CONRAD, 1978, p.359).
Como veremos mais adiante, houve um importante movimento abolicionista no Rio Grande do Sul,
após a realização do recenseamento de 1884. Esse movimento "liberou" uma quantidade importante
de escravos antes de 1888.
- 50 -
FEE-CtUUi;
BIBLIOTECA
As razões para as magnitudes desses números e para seus movimentos ao longo
do tempo emergirão da leitura deste ensaio. Procuraremos salientar as singularidades
regionais do escravismo no Sul, partindo do exame das determinações que emanaram
da situação fronteiriça da Província para particularizar o escravismo gaúcho; em se-
gundo lugar, analisaremos a relação do escravismo com o sistema de produção da
grande propriedade no Rio Grande do Sul; em terceiro lugar, estudaremos a firma
escravista gaúcha por excelência, a charqueada, em comparação com a plantation,
para, por fim, encontrar, em uma reflexão sobre a colonização e a situação do setor
charqueador gaúcho - na conjuntura e nos debates que cercaram as campanhas pela
abolição e pela imigração no Rio Grande do Sul - o "acabamento" dos argumentos em
prol da diferenciação entre o escravismo da sociedade dasplantations e o da sociedade
sul-rio-grandense.
Antes de passarmos à execução do plano deste ensaio, no entanto, é conveniente
fazermos um comentário geral, mesmo que breve, à bibliografia utilizada. Tal como
deve ter ficado claro até aqui, interessam-nos produções históricas, teóricas ou outras
que forneçam elementos para as "operações analíticas diferenciadoras" que pretende-
mos realizar entre as sociedades regionais submetidas à comparação.4 Nesse sentido,
um texto como O Capitalismo Tardio, de João Manuel Cardoso de Mello (1984), ou
um outro excelente texto como Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colo-
nial, de Fernando A. Novais (1986), ou mesmo, por paradoxal que pareça, um Capita-
lismo e Escravidão no Brasil Meridional, do mestre Fernando Henrique Cardoso
(1977), não apresentam nenhum instrumento analítico útil para a tarefa que queremos
empreender. O último caso é particularmente notório: pois nossa intenção é identificar
as diferenças do escravismo que vigeu na sociedade gaúcha em relação ao de outras
sociedades regionais brasileiras, e o estudo de Fernando Henrique Cardoso continua
sendo, seguramente, o melhor estudo já realizado sobre a sociedade escravista do Rio
Grande do Sul e, diga-se de passagem, um dos melhores e mais criativos estudos sobre
a sociedade do Rio Grande do Sul em qualquer época. Sobre esse trabalho de Fernando
Henrique Cardoso, cuja primeira edição ocorreu em 1962, devemos registrar, também,
que se constitui em uma verdadeira e intocável "vaca sagrada" dos sociólogos e eco-
nomistas gaúchos e, quiçá, também de historiadores e antropólogos. Nesse sentido, as
observações críticas que se possam endereçar ao trabalho de Fernando Henrique Car-
doso, mesmo que muito simples, talvez auxiliem na construção de uma revisão crítica
dos gaúchos sobre si próprios. Mas, tendo por verdadeiro - porque é - que o trabalho
de Cardoso se constitui em um estudo qualitativamente ímpar para o conhecimento da
história da sociedade sul-rio-grandense, devemos acrescentar que os seus correspon-
dentes em imaginação criadora na história econômica do Rio Grande do Sul são o
texto de Paul Singer (1977) e o ensaio de Antônio Barros de Castro (1980). Parece
desnecessário frisarmos que nenhum dos três autores é gaúcho.
4 Nossas posições sobre a relação entre a análise regional e o método comparativo foram expressas em
Targa (1991).
- 51 -
Acreditamos que os estudos de Cardoso de Mello, de Fernando Novais e de Fer-
nando Henrique Cardoso são fundamentalmente índiferenciadores, não podendo for-
necer, assim, os instrumentos analíticos úteis para a identificação - nosso objetivo -
das diferenças entre aspectos fundamentais das sociedades regionais durante o período
escravista. Explicamo-nos: segundo esses autores, gmsso modo, o escravismo que vigeu
no Brasil foi um caso da expansão do capitalismo mundial, embutido e "praticamente"
indiferenciado em relação ao mesmo, salvo pela presença dos escravos.
O que é curioso é que essa primeira indiferenciação entre a sociedade escravista
brasileira e o capitalismo em expansão parece haver impedido a geração de outros
instrumentos analíticos que levassem à identificação de particularidades regionais. É o
que podemos registrar, porque, examinando as análises desses autores, não consegui-
mos recolher instrumentos para o tipo de operação diferenciadora que pretendemos
realizar. Essa observação é particularmente interessante no caso do estudo de Fernando
Henrique Cardoso, pois permite assinalar que, em sua análise da sociedade gaúcha, ele
procura explicitamente borrar a maior parte das diferenças mais significativas entre os
escravismos regionais por ele considerados. Nós tentaremos mostrar, ao longo deste
ensaio, onde e por que razões isso ocorre.
Por ora, assinalamos somente que a tese de Fernando Henrique Cardoso sobre o
capitalismo e a sociedade escravista no Rio Grande do Sul, realizada no rastro dos
trabalhos de Roger Bastide e de Florestan Fernandes sobre os negros em São Paulo
(GRAHAM, 1979, p. 15-23), necessitava provar a existência de uma sociedade
escravista no Brasil meridional. Fato que não era per se evidente e que fora acompa-
nhado por uma produção histórica gaúcha que apresentava a sociedade sul-rio-grandense
como democrática e não escravista. Isso provocou, pensamos, uma exageração das
características do escravismo no sul, o que pode ser muito criticado no trabalho de
Cardoso. Entretanto muitas das conclusões do autor estão repletas de bom senso, in-
clusive muitas das suas indicações - aproximada ou implicitamente - comparativas
entre as sociedades em questão. Nós guardaremos uma parcela muito importante dos
fatos trazidos por Fernando Henrique Cardoso, mas, em geral, adotaremos uma posi-
ção crítica face a algumas de suas interpretações.
Ora, Fernando Henrique Cardoso foi estudar o escravismo em uma sociedade que
se jactava de um passado não escravista e que se mistificava como democrática em
conseqüência desse seu pretenso não-escravismo.5 Cardoso foi, assim, forçado a exa-
gerar a importância de certos aspectos da realidade escravista da sociedade sul-rio-
grandense para desmistificar um discurso regional.
No entanto essa automistificação dos gaúchos somente foi possível graças a cer-
tas características do escravismo na região. Acreditamos que havia, por parte dos gaú-
chos, pelo menos em algum grau, uma comparação implícita6 com o escravismo do
resto do Brasil e que essa comparação subjacente realizava uma operação de curto-
5 O segundo capítulo da tese de Cardoso (1977) leva por título A Sociedade Escravista (Realidade e
Mito).
6 Já apontamos, em um comentário anterior (TARGA, 1991), nossa exigência metodológica de
explicitação das comparações regionais apresentadas de maneira implícita.
- 52 -
circuito, afirmando como não existente um escravismo que era tão somente de tipo
diverso daquele escravismo mais conhecido e praticado nas plantations brasileiras.
Acreditamos, então, que essa concepção automistificadora dos gaúchos foi passível de
construção por que existiam diferenças de fundo entre a sociedade agrária e escravista
que emergira no Leste e no Nordeste do Brasil e aquela que existiu no Sul.
Entretanto, parece-nos, a desmistificação dos gaúchos - combate vital no qual se
empenhou Fernando Henrique Cardoso - esfumou a possibilidade de uma sua percep-
ção mais conseqüente das diferenças entre as sociedades regionais. É como se o seu
ímpeto desmistificador lhe houvesse criado uma armadilha que o impediu de ver até
onde iam as diferenças regionais, assim como o levou a interpretar "incorretamente"
certas dimensões de fenômenos interagentes ao da escravidão, tais como o do
imigrantismo, o da situação do setor escravista e o do abolicionismo no sul. Nós apon-
taremos as posições de Fernando Henrique Cardoso e seus "equívocos" no momento
em que tratarmos cada uma dessas questões.
Gostaríamos de assinalar, além disso, que esses aspectos do trabalho de Cardoso
que derivaram de suas intenções iniciais podem também ser interpretados como posi-
ções que exprimem o seu regionalismo paulista. Insistimos na existência de um viés
regionalista na interpretação do escravismo gaúcho por Fernando Henrique Cardoso.
Uma das manifestações desse regionalismo é a tentativa de mostrar que a sociedade do
sul era tão escravista quanto a paulista. Explicamo-nos, indicando que Fernando
Henrique Cardoso não está só. Existe uma conduta regionalista em grande parte das
análises produzidas em São Paulo, sejam as sociológicas, sejam as econômicas. Seria,
acaso, manifestação de um etnocentrismo paulista? Todas as coisas que acontecem, só
podem acontecer e só aconteceram em São Paulo? Acreditamos que a forma que toma
o regionalismo em São Paulo é a de apresentar-se como sendo a "Nação": São Paulo
detém e esgota toda a história do "nacional" brasileiro em si mesmo.7
É assim que, por exemplo, se São Paulo foi uma das províncias mais escravistas
do Brasil, é preciso "inventar" um segmento da classe dos cafeicultores - os do "novo
oeste" paulista - que teria sido o agente da modernização no Brasil, pois teria erguido
a bandeira da promoção da substituição dos escravos pelos trabalhadores livres. Ou
seja, se São Paulo concentrou os escravos sediando o que havia de mais retrógrado, é
urgente colocar também lá o contrapeso da vanguarda.
Mas é preciso, além disso, mostrar que a classe dominante agrária regional de
São Paulo foi a mais moderna e até mesmo que foi ela que "inventou" o capitalismo
no Brasil. O que poderia, através da história dessa fração de classe e do que ela promo-
veu, justificar uma determinada supremacia daquela região sobre a "Nação". Pensa-
mos que o "ufanismo" de muitos dos intelectuais paulistas (não obrigatoriamente na-
turais de São Paulo), sobretudo dos economistas mas também de uma politicóloga -
como Paula Beiguelman -, decola de uma necessidade de justificar tanto a concentra-
Somente alguns exemplos onde, de uma forma ou de outra, esse tipo de conduta aparece: no O Capi-
talismo Tardeio, de João Manuel Cardoso de Mello (1984); no Expansão do Café e as Origens da
Indústria no Brasil, de Sérgio Silva (1986); no Limiar da Industrialização, de Liana Maria Aureliano
(1981); no A Crise do Escravismo e a Grande Imigração, de Paula Beiguelman (1985).
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cão na região da maior parte do aparelho produtivo industrial nacional quanto a força
econômica da região, ou a pujança avassaladora do "seu capitalismo". Enfim, os inte-
lectuais justificam uma pretensa "supremacia" ou "dominação regional", que, de fato,
não é da região, mas das classes dominantes localizadas nessa região. Ou a apresenta-
ção da história econômica regional de São Paulo como sendo a história econômica do
Brasil não significa exatamente uma justificativa da dominação econômica das classes
dominantes da região sobre toda a sociedade brasileira? É evidente que o mergulho
dos autores em um embuste dessa natureza não é voluntário e também que nem mesmo
isso que apontamos desvaloriza o trabalho realizado por eles. Os resultados que eles
encontraram devem ser tão-somente relativizados, postos em sua justa perspectiva re-
gional.
No que tange à questão do regionalismo paulista, assinalamos somente que a
história se escreve para justificar a existência de segmentos sociais e de seus interes-
ses. A fabricação da história de um grupo social qualquer justifica sua existência (KULA,
1974, p.11-12) e as suas pretensões.8 Pode-se, também, servir aos interesses de um
grupo social, defendendo explicitamente não ele próprio, mas a região na qual ele
sedia seus interesses, qual seja, a defesa ou promoção da região passa a servir de justi-
ficativa dos interesses do grupo, da classe ou fração em questão.
Uma outra maneira de constatar isso é dizendo simplesmente que os comporta-
mentos e atitudes regionalistas continuam muito vivos no Brasil e que eles atuam no
sentido de comprometer a clareza das análises (TARGA, 1991a, p.309-11).
Entretanto nem a crítica da indiferenciação nem a do regionalismo podem ser
aplicadas ao caso da produção de conhecimento realizada por Jacob Gorender (1988)
em O Escravismo Colonial e por Décio Saes (1985) no seu controvertido estudo A
Formação do Estado Burguês no Brasil. Tanto esses autores levam em conta e sali-
entam analiticamente contextos sociais regionais diferenciados, quanto, especifica-
mente, Jacob Gorender fornece instrumentos teóricos que se constituem em elementos
decisivos para tornar possível a "construção" das diferenças procuradas seja em nível
das sociedades regionais como todos sociais - quando aplica o conceito de classes
fundamentais ao escravismo colonial -, seja em nível microeconômico das caracterís-
ticas da firma escravista clássica, a plantation.
Citando Witold Kula (1974, p.ll): "A função social da história consistiu durante muito tempo em
fornecer uma legitimação histórica a certos fenômenos da época e a seus direitos sobre o futuro:
às famílias da realeza e às aristocráticas, às instituições seculares e às religiosas, a certos princípios e
costumes, às hierarquias estabelecidas de valores sociais, assim como aos critérios sociais de valori-
zação. Esta afirmação é, de certo modo, uma simplificação, mas não há como generalizar sem simpli-
ficar. 'O testemunho da antigüidade' possuía uma força que foi obedecida durante um milênio. O
argumento de que 'assim era no passado' possuía tanto uma força demonstrativa na sociedade quanto
força da lei. A vida social estava construída sobre esta força. Daí a necessidade da história (grifo
nosso)".
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l - Fronteira e escravidão
O território do Rio Grande do Sul era fronteiriço à região platina do Império
Espanhol. No Prata, a escravidão de negros, malgrado existisse, não era elemento funda-
mental do sistema econômico. Em 1801, Félix de Azara assinalava que quase todo o
trabalho das fazendas da região do Prata era realizado por trabalhadores livres e que a
proporção de escravos entre as estâncias platinas e as sul-rio-grandenses era de 1:100
(AZARA, 1980, p.70). Como veremos mais adiante, é provável que Azara se referisse
ao Rio Grande do Sul como um todo e não tão-somente às estâncias, embora certamen-
te as do Rio Grande do Sul utilizassem mais escravos que as platinas.
É verdade que se contrabandeavam escravos pelo Rio Grande do Sul para a Amé-
rica Espanhola; mas os escravos para lá fugidos não eram obrigatoriamente submeti-
dos à escravidão. Pelo menos é isso que se pode depreender da Memória Rural do Rio
da Prata, texto de Félix de Azara datado de 1801, onde ele criticou a disposição da
Coroa Espanhola para que seus súditos voltassem a cumprir o tratado de devolução de
escravos fugidos. Azara defendia a anterior disposição da Coroa de não-cumprimento
do tratado, argumentando que os escravos da região do Prata fugiam menos; que a
diferença de tratamento sofrida pelos escravos nas duas regiões provocaria a fuga só
no sentido da região do Prata, onde eram melhor tratados; que, dado existirem muito
mais escravos no Rio Grande do Sul, os espanhóis perderiam poucos escravos e ga-
nhariam muitos; que a região espanhola aumentaria, assim, seus contingentes de mão-
de-obra, ao mesmo tempo em que enfraqueceria o lado português; e, enfim, porque
Sua Majestade O Rei da Espanha afirmara que a "(...) fuga era um meio lícito de
conseguir a liberdade, fundado no direito natural" (AZARA, 1980, p.69-70).9
Mais tarde, a independência das colônias espanholas na América levou à aboli-
ção da escravidão. Em 1811, quando Artigas iniciou sua luta pela independência do
Uruguai, atraiu escravos do Rio Grande do Sul com promessas de liberdade e terra,
caso lutassem ao seu lado. Mesmo que a revolução de Artigas tenha malogrado, derro-
tada pelas forças de Buenos Aires e, sobretudo, pelas do Império Português, ainda
assim o Uruguai se manteve como um pólo de atração para os escravos sul-rio-
grandenses.
O papel decisivo jogado pela fronteira para solapar o escravismo gaúcho foi cla-
ramente resumido por Piccolo (s.d.a, p.9), quando afirmou que a "(•••) fronteira afrou-
xava os laços de dependência, dificultava a coerção e possibilitava a insubordinação".
Durante a Revolução Farroupilha (1835-45), episódio do processo de constitui-
ção dos Estados do Prata e do Brasil, os pecuaristas revoltosos usaram a promessa de
liberdade para os escravos dos senhores que haviam permanecido fiéis ao Império,
caso eles viessem a lutar pela República. No entanto esses pecuaristas não libertaram
os seus próprios escravos.
Félix de Azara era oficial da marinha espanhola e chefiou, de 1781 a 1801, a comissão de limites do
Paraguai; seu porte ímpar - intelectual e político-administrativo - pode ser depreendido das informa-
ções apresentadas por Décio Freitas (1980, p. 53-4).
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A promessa de liberdade justificava-se pelas necessidades de aumento dos con-
tingentes militares e de enfraquecimento do inimigo, tal como Azara (1980) já expuse-
ra para o caso das lutas entre espanhóis e portugueses; mas também porque os maiores
contingentes de escravos eram propriedade dos charqueadores, e estes, em sua maio-
ria, haviam permanecido fiéis ao Império.
A existência desse comportamento paradoxal que promete liberdade aos escravos
dos outros sem libertar os seus próprios ou exprimia fissuras e/ou incompletudes na
ordem escravocrata do Sul, ou foi, pelo menos, uma fissura potencial. Isto porque a
escravidão não aparecia mais como dada de uma vez por todas, único ponto de vista
que justificaria uma expectativa de eternização do sistema. E, note-se, essa possibili-
dade de revogação da instituição da escravidão era uma proposta dos próprios pecuaristas
que também eram senhores de escravos. Essa atitude encontra uma outra justificativa
na importância menor da escravidão na produção pecuária, como veremos mais adian-
te.
Assim, é possível concluir com Fernando Henrique Cardoso (1977, p.156-7) que
a instabilidade e o risco gerados pela fronteira em processo de definição e pelas guer-
ras tiveram o seu papel na limitação do pleno desenvolvimento da sociedade escravocrata
no Rio Grande do Sul, impossibilitando o desenvolvimento do "estilo senhorial", dado
que não houve uma camada social que se estabilizasse durante um período suficiente-
mente longo. Isso diferenciou a sociedade escravista gaúcha das sociedades
escravocratas geradas pelas produções do açúcar e do café, mesmo que isso não desse
lugar à formação de uma sociedade "mais democrática".
No entanto não acreditamos que se pudesse concluir essa não-realização da soci-
edade escravista senhorial no Sul a partir desses e de outros argumentos trazidos por
Cardoso ao longo de sua tese. Mais adiante, mostraremos que os instrumentos analíti-
cos fornecidos por Jacob Gorender (1988) é que permitem, definitivamente, estabele-
cer as razões dessa não-realização de uma sociedade escravista igual à da plantation
no Rio Grande do Sul e das diferenças de fundo entre os escravismos regionais consi-
derados.
Da mesma forma que em todo o Brasil, no Rio Grande do Sul a ocupação e depois
a apropriação do solo fizeram-se através de grandes propriedades, durante o século
XVIII. Os grandes proprietários do Rio Grande do Sul exploravam a pecuária de
maneira extensiva. As estimativas indicam que eram suficientes seis homens para
pastorear 5.000 reses (CARDOSO, 1977, p.52-3). Assim, os requisitos de mão-de-
obra eram mínimos.
A pecuária do resto do Brasil, nos períodos Colonial e Imperial, compartilhava
aproximadamente essas mesmas características. Ela representou sempre a retaguarda
dos subsistemas agroexportadores: no Maranhão, no sertão nordestino, em Minas Ge-
rais e em São Paulo. Era o setor subsidiário que fornecia animais para corte, mas
sobretudo a reposição dos animais utilizados nos trabalhos da fazenda, nos engenhos e
no transporte da produção até os portos. No Brasil, a zona de produção mais importan-
te, pela qualidade das pastagens, pela magnitude dos rebanhos e pela qualidade do
- 56 -
r e. c - u L. u w w
I BíBLK)T£CA
plantei - mas que, comparativamente ao plantei do Prata, era de inferior qualidade -,
era a do Rio Grande do Sul. E foi por essas razões que as charqueadas nele se concen-
traram.
O trabalho de pastoreio do rebanho na estância gaúcha era realizado por índios
egressos das missões jesuíticas destruídas, por mestiços de índios com brancos, por
indivíduos pobres e por escravos. Os relatos de viajantes indicam essa variedade de
origens para o trabalhador da estância; os trabalhadores não escravos eram, no fundo,
populações excluídas: vagabundos e salteadores. Essa variedade de fontes para requi-
sitar os trabalhadores da estância já evidencia que essa produção não era fundamental-
mente escravista. Fernando Henrique Cardoso (1977, p.66) apresentou referências onde
fica indicado que o escravo não era essencial para os trabalhos da estância. O trato do
gado não dependia, como a produção do açúcar e, mais tarde, a do café, essencialmen-
te da mão-de-obra escrava. O instrumento básico de trabalho do peão era o cavalo.
Pensamos que ele podia ser transformado facilmente em meio de fuga para uma região
não escravista. De qualquer forma, não era no trabalho de peonagem que ordinaria-
mente se utilizavam escravos na estância gaúcha.
As Instruções para o Capataz indicavam os trabalhos que deveriam ser executa-
dos pelos escravos, assim como a assistência que lhes devia ser prestada em termos de
alimentação (artigo n° 11), de vestuário (artigo n° 14), de fumo e ponche (artigo n° 31)
e em casos de doenças (artigo n° 13). À parte os trabalhos domésticos (um só escravo
deveria cozinhar para todos, para que não houvesse perda de tempo e má alimentação
- artigo n° 20), os escravos eram utilizados na agricultura de subsistência da estância:
plantio de árvores frutíferas e para lenha, assim como deveriam cultivar milho, feijão,
abóboras, hortaliças e "algum trigo","(...) para que haja de tudo com fartura" (artigos
n° 11 e n° 12). Eles poderiam criar galinhas, se tivessem "milho para as sustentar",
assim como perus e marrecos (artigos n° 30 e n° 38). Os escravos deveriam também ser
alimentados com leite e com carne, ou charque na entressafra. No artigo n° 8, as
Instruções indicam que cada um dos três ou quatro posteiros (peão que vive afastado
da sede da estância) deveria ter à sua disposição uma manada de éguas para o serviço,
quatro vacas de leite e um escravo para auxiliá-lo (ver Instruções na obra de CÉSAR,
1978, p.37-48).
Ficou claro que o trabalho escravo era utilizado nas atividades de apoio à ativida-
de produtiva da estância. Aos escravos cabiam as tarefas de produção dos meios de
subsistência, exceto a carne bovina, para si e para os demais trabalhadores. Seu traba-
lho não era, portanto, essencial para a reprodução do rebanho da estância, ou seja, da
mercadoria produzida nesse latifúndio pecuário. Se fosse o caso de estabelecer uma
analogia, poderíamos dizer que o trabalho do escravo não era, em geral e sistematica-
mente, trabalho produtivo nas lides da estância.
O peso menor da escravidão na pecuária gaúcha pôde, assim, derivar do número
pouco importante de empregados necessários ao funcionamento da estância, mas deri-
vou também da existência simultânea de uma população indígena errante, saída das
Missões, que podia satisfazer essa demanda pouco importante de mão-de-obra da pe-
cuária sul-rio-grandense e que já era uma mão-de-obra treinada nas lides do campo. A
destruição das Missões, então primeira expropriação, justaposta à apropriação privada
dos rebanhos (que, em não sendo apropriados, permitiam a reprodução dessa popula-
ção) e aliada à perícia dos índios na utilização dos cavalos e na condução do gado,
gerou uma mão-de-obra que podia ser alternativa à utilização de escravos.
- 57 -
Existem poucas informações sobre a pecuária nas outras regiões do País. Gorender
(1980, p.432-7), no entanto, afirmou que a pecuária nordestina foi essencialmente
escravista pelo menos até o início do século XIX. A partir daí, aparecem também os
índios como trabalhadores. Isso evidencia que, mesmo na pecuária do Nordeste, o
trabalho escravo não impedia, como na lavoura exportadora, a utilização de mão-de-
obra livre. Mas, em Minas Gerais, no Paraná, no Rio de Janeiro e em São Paulo os
trabalhadores eram escravos, tendo sido encontrados muitos escravos como adminis-
tradores das fazendas de criação de gado. Em 1870, próximo ao final da escravidão, na
Província de Santa Catarina, a região pecuária de Lages aumentava seus contingentes
em mão-de-obra escrava (GORENDER, 1988, p.437). No inventário de Gorender
sobre a pecuária escravista no Brasil, somente no sertão do Nordeste e no Rio Grande
do Sul o trabalho livre conviveu com o trabalho escravo.
Então, diversamente da agricultura exportadora, mesmo que a pecuária brasileira
não fosse incompatível com o trabalho escravo, pelo menos a presença dos escravos
não impedia a utilização do trabalho livre onde e quando outras condições permitis-
sem que isso ocorresse. No caso do Rio Grande do Sul, restariam como fatores
explicativos básicos para uma utilização não fundamental dos escravos na produção
pecuária: a existência dos índios missioneiros expropriados e a da fronteira com a
região do Prata, inicialmente menos escravista e depois não escravista. É por isso que
Fernando Henrique Cardoso, no final da sua análise do escravismo na pecuária do Rio
Grande, foi forçado a colocar tantas ressalvas para poder afirmar a simples presença de
escravos no pastoreio gaúcho, sem chegar mesmo a discutir a questão de sua
essencialidade para a produção. Vale a pena reproduzir suas conclusões:
"No conjunto pode-se, pois, afirmar que, sem ter sido exclusiva ou pre-
dominante e variando de importância relativa conforme as diversas áre-
as e períodos da economia de criação, houve utilização do escravo negro
na vida pastoril gaúcha desde quando a estância substituiu os currais"
(CARDOSO, 1977, p.69).
E é também por isso que ele foi levado a afirmar, no final do seu livro, que o
escravismo foi "acessório ou ocasional" na atividade pecuária e que, conclusão funda-
mental, "A posse de escravos não era decisiva para garantir o êxito econômico(...)" na
pecuária gaúcha (CARDOSO, 1977, p.273).
É preciso acrescentar ainda que o tipo de escravismo que vigorou nas estâncias de
criação do Sul não foi, definitivamente, o mesmo que ocorreu nas plantations. Uma
das características mais evidentes da estrutura produtiva das fazendas agroexportadoras
era a presença de um importante aparelho repressivo dentro das fazendas: a coação ao
trabalho era realizada pelos feitores e seus açoites. A existência desse aparelho era
decisiva para a caracterização do sistema de exploração do trabalho naplantation. Isso
corria paralelamente à concentração dos escravos. Um aparelho desse tipo seria inviável
em uma estância gaúcha, e Décio Freitas (1980, p.35) assinalou com muita lucidez que
teria sido necessário um feitor para cuidar de cada escravo peão, o que tornaria a
utilização da escravidão uma aberração econômica, pois a estância não necessitava
concentração de trabalhadores. Essa escravidão das estâncias deve ter-se assemelhado
mais às formas de escravidão urbana dos escravos domésticos e dos negros de ganho.
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Vimos, portanto, que o latifúndio no Sul não foi agroexportador para o mercado
mundial e que ele não foi fundamentalmente escravista. Assim, nem o produto nem a
estrutura produtiva da grande propriedade reproduziram, no Sul, o trinômio básico da
estrutura social e econômica do Brasil: latifúndio, lavoura de exportação e escravismo.
É por isso que nos causam estranheza as afirmações que grifamos no texto de
Helga Piccolo que reproduzimos a seguir:
10 Para se ter uma idéia nossa que se contrapõe frontalmente a essa idéia de Piccolo, ver a última seção
deste ensaio, assim como Targa (1991a).
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4 - As charqueadas, os saladeros e o mercado
No entanto, houve um setor da produção regional que foi fundamentalmente
escravista: o da fabricação de charque. Produto fabricado com carne bovina, salgada,
prensada e secada ao sol, o charque era rubrica importante na alimentação da escravaria
brasileira e das camadas pobres da população urbana do País. As charqueadas "indus-
trializavam" também os subprodutos: sebo, banha, couros, chifres e fabricavam adu-
bos com as cinzas dos ossos (GORENDER, 1988, p.226). Essas firmas escravistas
concentraram produtivamente os escravos do Rio Grande do Sul. Alguns viajantes
afirmaram que as condições do trabalho escravo nas charqueadas eram as mais peno-
sas do Brasil: o ar saturado pelo fedor dos restos das carcaças em decomposição; os
corpos dos escravos cobertos pelo sangue dos animais e por um enxame de moscas.
Ora, o setor charqueador ocupava a posição-chave da estrutura produtiva da Pro-
víncia. Era através dele que o gado vacum das estâncias era transformado num produ-
to que podia chegar aos mercados consumidores; a atividade criatória para abate só
produzia mercadoria porque esse setor charqueador existia. É compreensível que ele
tenha concentrado os escravos produtivos da Província: era o setor da região onde a
riqueza podia ser acumulada e era uma atividade produtiva que exigia concentração de
trabalhadores. No entanto a charqueada nunca concentrou tantos escravos quanto a
agricultura de exportação. Enquanto uma boa charqueada possuía de 60 a 90 escravos
(Couty apud CARDOSO, 1977, p. 177), no século XVI, na Bahia, os engenhos de
açúcar concentravam entre 100 e 200, e grande parte das fazendas de café do Vale do
Paraíba possuíam um plantei de 200 a 400 escravos (GORENDER, 1988, p.85-7).
Um fato extremamente significativo e diferencial no âmbito da organização da
produção, ou seja, das diferenças entre a organização da firma escravista típica do café
e do açúcar e da firma escravista típica do Rio Grande do Sul, foi que a charqueada,
contrariamente às outras firmas escravistas - das plantations às de mineração -, não
comportou uma produção de subsistência (GORENDER, 1988, p.228).
Esse setor de subsistência era essencial à estrutura da firma escravista e nas
plantations chegava a ocupar, segundo Gorender (1988, p.237-64), entre 30 e 35% da
força de trabalho escrava de uma fazenda de café na década de 70 do século XIX
(GORENDER, 1988, p.250). Foi a existência desse setor de subsistência que tornou as
fazendas escravistas imensas unidades de produção, com elevado grau de autonomia
em relação ao resto da sociedade. Foi isso também que, ao lado do escravismo, fez do
latifúndio brasileiro um entrave à expansão da divisão social do trabalho e, portanto, à
aparição do mercado interno. A plantation era a unidade de produção mercantil por
excelência do Brasil e ela não criava interações sociais." As suas compras da socieda-
de para a alimentação dos seus escravos, por exemplo, limitavam-se à aquisição de sal,
charque e bacalhau. Essa produção de subsistência das plantations incluía não somen-
te a de alimentos, como a de fiação e tecidos, de mobiliário e carpintaria, de edificação,
de calçados, de arreios e selas, etc. (GORENDER, 1988, p. 238-9).
11 Viotti da Costa (1989, p.105-6) chega a indicar que as plantations inviabilizavam com a sua autono-
mia a formação de unidades de produção que necessitassem de interação social, ao dizer que foi a
existência dessa auto-suficiência que impediu o florescimento da pequena propriedade em São Paulo;
a plantation teria tornado-a economicamente inviável ao não permitir a formação do mercado.
- 60 -
FEE-CEDOC
E3UOTECA
Assim, uma conjuntura de depressão dos preços do produto mercantil da fazenda
provocava o deslocamento de mais escravos para a produção de subsistência. Isso
conferiu às plantations uma capacidade de sobrevivência - literalmente secular no
caso dos engenhos de açúcar do Nordeste - muito além do final dos ciclos de produto
que as haviam feito surgir (GORENDER, 1988, p.251).
Para que se possa ter uma idéia da importância da existência dessa produção de
subsistência, basta indicar a sua conseqüência para os problemas de abastecimento dos
centros urbanos. Dado que as plantations ocupavam as melhores terras, pouco espaço
sobrava para uma produção mercantil de alimentos com vistas ao abastecimento urba-
no. É interessante exemplificarmos com o fato de que, quando os senhores rurais se
deslocavam para sua temporada nas cidades, levavam junto consigo sua produção de
subsistência. Isso fez com que as cidades brasileiras do período escravista apresentas-
sem um problema crônico de abastecimento alimentar que jamais pôde ser sanado
(LINHARES & SILVA, 1981, p. 107-70). É também pela existência dessa produção de
subsistência que Celso Furtado pôde afirmar, conforme Cardoso (1977, p. 177), que a
economia escravocrata era pouco dinâmica e que podia "subsistir independentemente
dos estímulos do mercado".
Retornando à organização da charqueada, assinalamos que ela não possuía esse
setor de subsistência, e esse fato não só a impedia de utilizar a escravaria numa ocupa-
ção alternativa à da produção do produto mercantil da firma — afetando, também por
esse lado, a possibilidade de racionalizar o processo de produção do charque -, como
tornava-a extremamente vulnerável às conjunturas de depressão do preço de seu pro-
duto no mercado, pois ela não possuía uma produção interna que permitisse a reprodu-
ção dos escravos. Os problemas de reprodução da charqueada eram mais complexos
do que os das plantations, pois a firma charqueadora se organizou fora dos padrões
normais da firma escravista brasileira.
As vicissitudes de realização do charque afetavam a produção pecuária, e esses
dois setores eram praticamente toda a estrutura produtiva da Província. Ora, para que
essa produção se realizasse no mercado brasileiro, ela dependia do comportamento
dos saladeros do Prata.12 Uma vez implantados os saladeros, a produção das charqueadas
só conseguia monopolizar o mercado brasileiro quando, por efeito das guerras regio-
nais, a produção dos saladeros estivesse desorganizada.13 Era assim que, por exemplo,
o Brasil importava a metade das exportações argentinas de charque durante os últimos
50 anos do século XIX (GORENDER, 1988, p.226). A razão fundamental era o preço
do produto. O charque platino alcançava o mercado brasileiro com um preço inferior
ao do charque gaúcho. Arrolemos as razões.
O saladero era uma usina capitalista. Utilizava mão-de-obra assalariada; a divi-
são do trabalho e a especialização desenvolveram-se muito comparativamente aos li-
mites que a escravidão impunha ao desenvolvimento da divisão do trabalho na
charqueada. Assim, por exemplo, um escravo desempenhava na charqueada as tarefas
- 61 -
que correspondiam a quatro ou cinco operários em um saladero uruguaio. A diferença
de produtividade da mão-de-obra fazia com que 100 operários abatessem 500 bois,
enquanto 100 escravos abatiam 250 (Couty apud GORENDER, 1988, p.227). O modo
de controlar o trabalhador escravo indicava a ausência de divisão do trabalho: no final
da jornada, o escravo devia apresentar o número de orelhas dos animais que preparara;
isto quer dizer que ele realizava todas as tarefas de preparação da carne (Couty apud
CARDOSO, 1977, p. 181). Na entressafra, os assalariados platines eram dispensados,
enquanto a charqueada deveria continuar sustentando seus escravos; isso fazia com
que o período de produção do saladero terminasse em agosto, enquanto que o da
charqueada era estendido pelo ano inteiro, de dezembro de um ano até novembro do
ano seguinte. Além disso, os saladeros possuíam uma capacidade de produção superi-
or à das charqueadas: 12 estabelecimentos uruguaios abatiam 500 mil bois por ano,
enquanto eram necessárias 32 charqueadas para abater 400 mil (GORENDER, 1988,
p.226-8).
E mais, sem a associação com a agricultura de subsistência para ocupar alternati-
vamente a escravaria tal como na lavoura de exportação e na mineração, a produção da
charqueada era muito menos flexível às conjunturas de baixos preços do seu produto.
Quando comparada aos saladeros, verificamos que ela não podia reduzir o volume de
produção de maneira importante. Assim, enquanto o saladero podia contrair o abate
até 60% ou 75% de sua capacidade, a charqueada o reduzia no máximo em 30% (Couty
apud GORENDER, 1988, p.231). Desde que a charqueada estava mais comprometida
a manter-se na produção independentemente do comportamento dos preços no merca-
do, isso afetava suas negociações também em torno do preço da matéria-prima
(GORENDER, 1988, p.232).
As charqueadas não só esterilizavam uma parte de seus fundos na aquisição do
plantei de escravos, como eram obrigadas a impedir o desenvolvimento da divisão do
trabalho, interna à firma, e da especialização, com a finalidade de poder ocupar todo o
tempo de todos os escravos de uma safra à outra. Porque arcavam com as despesas de
reprodução do trabalhador e com os custos de vigilância para o exercício da violência
necessária para manter a disciplina do trabalho, as charqueadas eram incompatíveis
com a "inatividade" do trabalhador escravo.
Entretanto esses fatos não justificam os desenvolvimentos realizados por Fernando
Henrique Cardoso sobre uma pretensa irracionalidade capitalista da charqueada
escravista (CARDOSO, 1977, p. 176-7), ou sobre a inviabilidade capitalista do traba-
lho escravo (CARDOSO, 1977, p.183). Os charqueadores não eram capitalistas, eles
eram senhores de escravos: não perseguiam nem obtinham lucro, senão renda escravista.
Sua racionalidade era escravista; assim sendo, eles não eram capitalistas irracionais,
mas, sim, escravistas racionais. O fundo esterilizado na aquisição do plantei não inte-
grava os custos de produção no escravismo, ele se constituía em dedução do fundo
passível de ser utilizado na acumulação tout court.™
14 Não faz sentido desenvolver aqui, passo a passo, a crítica e a refutação da utilização de conceitos do
capitalismo para a análise do escravismo colonial, porque essa crítica já foi realizada minuciosamente
por Jacob Gorender. Ele examina a argumentação e mostra as conseqüências das posições teóricas
"confusas" de Fernando Henrique Cardoso nesse aspecto de sua obra (GORENDER, 1988, p.226-33
e p.301-15).
- 62 -
Dado que eram unidades de produção capitalistas, ossaladeros platinos enfrenta-
ram a mútua concorrência que entre eles se desenvolvia através da redução dos custos
de produção. A charqueada, como qualquer outra unidade de produção escravista, era
incapaz de enfrentar uma estrutura concorrencial, já que seus custos de produção não
eram comprimíveis e que o escravismo não era compatível seja com melhores formas
de organização do processo de trabalho, seja com a introdução de progresso técnico.
Tal como na agricultura escravista, também a produção quase industrial da charqueada
era incapaz de garantir seus mercados fora de um contexto de monopólio.
Os charqueadores enfrentaram, a partir da abolição do tráfico negreiro e da eleva-
ção dos preços dos escravos no mercado brasileiro, o problema da penúria de mão-de-
obra. Essa produção, subsidiária à economia de exportação, não podia arcar com os
dispêndios em escravos que as plantations podiam se permitir (CARDOSO, 1977,
p. 169). Uma vez que as charqueadas gaúchas não possuíam recursos para disputar a
mão-de-obra com a agricultura de exportação, durante quase toda a segunda metade
do século XIX, o Rio Grande do Sul foi um exportador de escravos.
Alguns charqueadores também tentaram, como os fazendeiros paulistas, utilizar
mão-de-obra imigrante. Eles lançaram mão do mesmo estratagema do Senador Vergueiro
e importaram contingentes de imigrantes bascos, que se haviam mostrado bons operá-
rios nos saladeros platinos (CARDOSO, 1977, p.207).
Para que muito do que vamos dizer adiante neste ensaio faça sentido, é preciso
que descrevamos o mais sucintamente possível essa tentativa de utilização do trabalho
imigrante na cafeicultura escravista paulista. Nós vamos apresentar os fatos muito
resumidamente e segundo Warren Dean (1977, p.97-124), cujos fatos, versão e inter-
pretação nós adotamos.
Em 1847, três anos antes da abolição do tráfico negreiro, Nicolau de Campos
Vergueiro, Senador do Império, ex-comerciante de escravos, segundo algumas fontes,
e dos mais importantes fazendeiros da zona produtora do chamado primeiro oeste
paulista15, conseguiu um financiamento do Império para promover a vinda de imigran-
tes alemães e suíços para fazer o mesmo trabalho dos seus escravos na sua fazenda de
Ibicaba, em Rio Claro, São Paulo.
Foram assinados contratos de parceria, e cada família de "colonos" era solidária
na dívida, e, assim, por exemplo, se os pais morressem, os filhos deveriam trabalhar
até saldar as dívidas. O total da dívida compreendia: o preço da viagem marítima, o
preço da viagem até a fazenda (quase metade do preço da viagem transatlântica), mais
as compras no barracão do fazendeiro - com preços fixados por ele -, mais aluguel do
barraco onde moravam, etc. Exceto para este último item, sobre todos os demais incidiam
juros fixados pelo fazendeiro. Segundo Viotti da Costa, essas dívidas eram impagáveis
(COSTA, 1989, p.131-6). Para Warren Dean (1977), foi a queda dos preços internaci-
onais do café que tornou as dívidas impagáveis.
15 A cultura itinerante do café partiu do Vale do Paraíba e de seus arredores (sub-regiões do Rio de
Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais) para ocupar o primeiro oeste paulista, ou oeste antigo, que
era sub-região polarizada por Campinas na metade do século XIX, depois foi avançando mais para o
norte e o noroeste - sub-região polarizada por Ribeirão Preto, o novo oeste - até o final do século.
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Ameaçados pela abolição do tráfico de escravos, os fazendeiros vizinhos adota-
ram a mesma solução de Vergueiro, e o Senador montou uma firma de importação de
colonos. O sistema espalhou-se pelas fazendas vizinhas. A queda dos preços internaci-
onais do café e a provável manipulação dos débitos e créditos dos colonos pelos fazen-
deiros fizeram com que rebentasse a Revolta dos Parceiros, sob a liderança de Thomas
Davatz, colono suíço de Ibicaba. Vergueiro, ao violar a correspondência do colono,
descobriu suas intenções de delação de irregularidades ao seu Cantão suíço. Davatz foi
ameaçado de morte pelos Vergueiro. Os colonos souberam, organizaram-se e arma-
ram-se. Cartas foram contrabandeadas para fora da fazenda com queixas, manifestan-
do desconfiança sobre a honestidade do fazendeiro e com pedidos de intervenção às
autoridades. Aconteceram inquéritos do Governo Imperial e dos Cônsules. Davatz e a
maioria dos colonos que participaram dos eventos deixaram as fazendas ou foram
enviados de volta à Europa.
Uma vez de volta à Suíça, Davatz escreveu suas Memórias de um Colono no
Brasil (1980), que serviram de contrapropaganda à emigração para o Brasil. Esse
movimento de contrapropaganda acabou por provocar medidas restritivas dos gover-
nos europeus à emigração para o País. O fracasso dessa experiência com os colonos
fez os cafeicultores voltarem-se para a importação de escravos das outras províncias
brasileiras.
Pensamos que a melhor interpretação para a Revolta dos Parceiros é mesmo a de
Warren Dean (1977), que credita aos fazendeiros escravocratas a responsabilidade pelo
fracasso da experiência, pois eles foram incapazes de tratar com homens livres - que
sabiam organizar-se e apelavam para autoridades outras que não as da fazenda para a
solução dos conflitos. Na verdade, seja pelas leis brasileiras de locação de serviços16,
seja pelo comportamento dos fazendeiros, os colonos sofriam escravidão por dívidas,
eram considerados propriedade dos fazendeiros e, assim, podiam ser "vendidos" e não
tinham os direitos mais elementares da sua época na Europa, tais como receber visitas
ou ausentar-se da fazenda sem aviso prévio ao fazendeiro, ou gozar da inviolabilidade
da correspondência, assim como eles também pagavam multas por bebedeiras, por
baterem nas suas mulheres e por vagabundagem. Evidentemente eram os fazendeiros
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que estabeleciam a ocorrência dos fatos e as respectivas multas. E, se, por acaso, uma
questão fosse parar na Justiça, ela era julgada por um outro fazendeiro, na sua própria
residência urbana. Não é preciso insistir para que o leitor perceba em palpos de que
poderosa e insaciável aranha estavam os estrangeiros.17
Uma vez havendo fornecido o mínimo necessário para a compreensão dessa ex-
periência com os trabalhadores imigrantes na cafeicultura, podemos voltar a tratar dos
imigrantes bascos nas charqueadas sul-rio-grandenses.
Eles foram colocados no trabalho especializado das caldeiras e de outros equipa-
mentos "modernos", convivendo com o trabalhador escravo nas demais tarefas. A ex-
periência fracassou, aparentemente pelos mesmos motivos que determinaram o fracas-
so da experiência de Ibicaba: da mesma maneira que os fazendeiros paulistas em 1850,
os charqueadores também tentaram reproduzir com o trabalhador livre o padrão de
relação que possuíam com os seus escravos (CARDOSO, 1977, p.210). Por outro lado,
a utilização de escravos nessas tarefas de operar os equipamentos modernos parecia
implicar um aumento muito importante dos gastos de vigilância, o que pode ter torna-
do inviável a modernização com a manutenção do trabalho escravo. Diante disso, os
charqueadores optaram pelo sistema escravista, abandonando as tentativas de moder-
nização.
Segundo Couty, alguns charqueadores ensaiaram ainda um tipo misto de escravi-
dão e assalariamento como uma outra tentativa de resolver seu problema de penúria de
mão-de-obra, tentando elevar a produtividade do trabalho escravo. Foi estabelecido
um quantum de produção mínimo entre seis e oito animais. Caso o escravo conseguis-
se preparar um número superior de animais, era pago em dinheiro pelo excedente.
Couty assinala que um trabalhador ativo podia preparar entre 12 e 14 animais. Ele
assinala também que alguns escravos conseguiram comprar desse modo sua liberdade.
O expediente era evidentemente contraditório, remunerava-se uma parte do trabalho
de quem não tinha propriedade de sua própria pessoa e muito menos, portanto, de sua
força de trabalho. Além disso, que sistema escravista pode permitir que o escravo
consiga comprar a si próprio? Uma tentativa de solução deste gênero já mostrava que
o sistema tinha avançado muito no seu processo de desagregação. Além disso, esse
modo de emancipação não interessou sobremaneira os escravos (Couty apud CAR-
DOSO, 1977, p.206-7).18
17 Sobre a Revolta dos Parceiros, além dos textos referidos de Dean (1977), de Viotti da Costa (1989) e
o do próprio Davatz (1980), onde consta uma importante introdução de Sérgio Buarque de Holanda,
pode-se ler também a Revolta dos Parceiros, de Witter (1986), na coleção Tudo é História, n° 110.
18 Uma vez que essa "solução" implicava um aumento da intensidade do trabalho, ela possuía poucas
possibilidades de interessar aos escravos. Fernando Henrique Cardoso foi impressionante ao mostrar
que, no sistema escravista, a liberdade era sinônimo de não-trabalho e que o trabalho era sinônimo de
escravidão. Ou seja, se alguém trabalha, é por que é escravo e, se não trabalha, é porque é um homem
livre. No sistema escravista, a liberdade é ócio, e o trabalho, a escravidão (CARDOSO, 1977, p.207-
9). Um exemplo colhido no texto de Joseph Hõrmeyer pode ser esclarecedor. O autor está explicando
para populações "alemãs" - num texto de propaganda a favor da emigração para o Rio Grande do Sul
- como se vivia na Província em 1850. Ele conta sobre os negros de ganho e os de aluguel e diz, então:
"Disso resulta que uma família pobre que possui dois a três escravos, possa viver decentemente,
apesar da sua ociosidade (grifo nosso)" (HÕRMEYER, 1986, p.78-9). Somente para insistir: uma
família pobre, ociosa, poderia viver decentemente se tivesse dois ou três escravos.
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Uma razão menos importante para o diferencial dos preços do produto platino e
do sul-rio-grandense estava na política tarifária diversa dos Estados do Prata e do
Brasil. No Prata, os pecuaristas e saladeiristas participavam do poder presidencial das
repúblicas. O sal importado de Cádiz, insumo importante, não era taxado, assim como
as tarifas de exportação eram reduzidas. Outra era a situação do charque gaúcho. Já em
1835, a recusa do Governo Imperial em aumentar a tarifa de importação sobre o charque
platino, para que o charque sul-rio-grandense se tornasse mais competitivo, servira de
estopim para iniciar uma guerra civil de 10 anos. Os conflitos em torno do nível de
remuneração para o charque gaúcho eternizaram-se durante todo o Período Imperial.
Desde que o charque alimentava a escravaria e as populações urbanas pobres, as
classes dominantes das outras regiões do País podiam esconder-se atrás do "interesse
nacional" para não atender às demandas de privilégio do charque gaúcho no mercado
brasileiro.19 Não havia razão para que outras frações regionais da classe dominante
(sobretudo as que dirigiam o Império) onerassem os custos de reprodução dos seus
próprios planteis de escravos.
Essa situação vivida pelos charqueadores colocou em evidência alguns dos limi-
tes mais importantes da formação social escravista do Sul. O charque gaúcho era
concorrenciado pela produção capitalista dos saladeros, suas dificuldades poderiam,
in abstractu, ser sanadas com a adoção do mesmo comportamento capitalista. Em vez
disso, mesmo quando derrotados em suas pretensões de privilégio para o seu produto
no mercado brasileiro pelo interesse das frações que controlavam o poder do Império,
eles não foram capazes de abandonar o escravismo. Sua luta pelo estabelecimento de
tarifas de importação sobre o charque platino que tornassem o seu produto competiti-
vo no mercado brasileiro fazia-se no próprio âmbito das soluções possíveis dentro do
Estado escravista, sem alterar as relações de produção dentro da charqueada.
Pois, ao contrário dos senhores do Nordeste açucareiro do Brasil, cujo produto
fora concorrenciado e marginalizado pelas produções das Antilhas20, regiões igual-
mente coloniais e escravistas, os charqueadores tinham conhecimento da forma alter-
nativa de exploração do trabalho praticada pelos seus concorrentes platinos (CARDO-
SO, 1977, p. 160). A nível do trabalho assalariado, da organização da produção e do
tipo de empresa, o exemplo estava ao seu lado. E mais, eles sabiam porque seu produto
atingia um preço mais elevado e o seu poder de negociação - para a obtenção de tarifas
protecionistas - dentro do Estado escravista havia-se mostrado nulo. Mesmo assim
eles foram incapazes de se transformar.
Podemos ver, desse modo, as dificuldades que se antepuseram à transformação
dos charqueadores escravistas em empresários capitalistas. Para explicar essa, diga-
mos, "obstinação pelo escravismo", nós não podemos senão apelar para a mesma ra-
19 Sobre a questão, Fernando Henrique Cardoso reproduz o debate travado, em 1855, entre dois jornais:
O Pelotense (de Pelotas - Rio Grande do Sul) e o Correio do Brasil (do Rio de Janeiro). A proposta
de O Pelotense era de aumento da tarifa de importação do charque platino, de forma a eliminar no
preço o diferencial existente nos gastos de produção (CARDOSO, 1977, p.162-7).
20 Essa informação fica incompleta se não acrescentarmos que ocorreu também uma reorganização da
oferta de açúcar no mercado mundial. Essa reorganização implicou a instalação de um setor colonial
produtor de cana-de-açúcar para cada um dos impérios existentes ou em construção.
- 66 -
zão invocada por Warren Dean (1977) para justificar o fracasso da experiência levada
a efeito pelo Senador Vergueiro com os imigrantes-parceiros no Rio Claro da década
de 50 do século passado.
Também no caso dos charqueadores, foi a existência do sistema escravista que
determinou o fracasso da experiência, e isso porque os senhores de escravos eram
incapazes de entrar em um outro tipo de relação de trabalho que não fosse a relação de
exploração escravista. Também para os charqueadores era inimaginável, era inconce-
bível, o estabelecimento de uma relação de exploração diversa daquela obtida através
da coação extra-econômica.21 Assim, era o próprio sistema que impedia a construção
de alternativas eficazes para e pelos senhores de escravos das charqueadas. Sua trans-
formação em empresários capitalistas só poderia dar-se através de uma hipotética e
impossível reforma comportamental, e nós sabemos que esse tipo de reforma não pode
ocorrer fora dos quadros desenhados por imperiosas necessidades. Por si próprios,
isoladamente, os homens e os grupos sociais não conseguem empreender reformas que
bulam com comportamentos tão profundamente enraizados. Assim era o sistema
escravista que se fechava sobre si próprio, inviabilizando qualquer transformação den-
tro dele. No Sul, o segmento escravista ficou imobilizado: morreu de pé, incapaz de se
tornar outro.
Fernando Henrique Cardoso (1977, p.205) alude a um fato importante quando
lembra que no Rio Grande do Sul não foi dos charqueadores que surgiram os empresá-
rios industriais nem dos escravos que surgiram os operários. Pelo que toca aos
charqueadores, essa é uma outra diferença fundamental em relação a São Paulo. Nesta
última região, pelo menos alguns dos capitalistas industriais importantes que surgiram
após a abolição da escravidão provinham da classe dos cafeicultores. Outro foi o caso
no Rio Grande do Sul, onde essa fração da classe dominante regional não forneceu
quadros de capitalistas industriais e onde praticamente todos os grupos industriais que
se formaram tiveram origem nas famílias de imigrantes - não obrigatoriamente, é cla-
ro, nas dos pequenos proprietários -, assim como foram as populações de imigrantes
que forneceram grande parte dos contingentes que formaram a classe trabalhadora
sul-rio-grandense.
Da mesma forma que no resto do Brasil, a escravidão doméstica e a urbana (arte-
sanato, trabalhos de reparação, pequeno comércio e serviços) desenvolveram-se am-
plamente no Rio Grande do Sul. Porém elas não foram a forma fundamental do
escravismo no Brasil. Malgrado a presença de escravos em quase todas as atividades
econômicas do Rio Grande do Sul, eles só desempenharam um papel produtivo essen-
cial na produção de charque.
Ora, podemos determinar, seguindo as pegadas de Jacob Gorender (1988), que a
"classe" explorada fundamental da sociedade escravista brasileira havia sido a dos
escravos rurais, a classe dos escravos que eram empregados nos trabalhos do eito nas
plantations. Os escravos das charqueadas não eram escravos rurais. As charqueadas
foram uma atividade completamente especializada - sem possuir nem mesmo a lavou-
21 Conforme Cardoso (1977, p.153), a concepção escravista de exploração do trabalho era fundada em
relações de violência extra-econômica.
- 67 -
rã de subsistência -, quasi industrial e quasi urbana, na medida em que se localizaram
obrigatória e predominantemente nas proximidades de cidades-portos.
Desse modo, fica evidente que a classe explorada fundamental da sociedade
escravista brasileira não esteve presente na estrutura social e produtiva do Rio Grande
do Sul. Isso não nega a existência do escravismo no Sul, mas afirma uma sua diferença
de fundo em relação ao escravismo das plantations. Pensamos que teria sido a identi-
ficação dessa ausência absolutamente fundamental — e somente essa identificação -
que poderia ter permitido que Fernando Henrique Cardoso concluísse que, no Sul, o
escravismo nunca se tivesse cristalizado na forma rígida e senhorial que ele assumiu
nas sociedades construídas em torno da produção do café e do açúcar (CARDOSO,
1977, p. 156). O escravismo no Sul não poderia mesmo, pois não era um escravismo do
mesmo tipo daquele que vigorara nas plantations, mas um outro.
Enfim, a economia escravista no Sul estava encurralada econômica e politica-
mente. Isto porque os charqueadores se deparavam com inúmeros obstáculos a nível
da exploração do trabalho, da organização da produção, da penúria de mão-de-obra,
do poder econômico dos saladeros seus concorrentes e da impossibilidade de contro-
lar o mercado brasileiro, dada a sua incapacidade de fazer prevalecer seus interesses
face aos das outras frações regionais da classe dominante do País. Isso fez com que o
ritmo da expansão da produção e o da acumulação de riqueza escapassem fortemente
do controle das classes dominantes da região (CARDOSO, 1977, p. 157). Por outro
lado, a fronteira, as guerras e a conseqüente intervenção do Governo Imperial na re-
gião reduziram as possibilidades de definição e imposição autônomas dos interesses
dessa classe mesmo a nível da própria região que ela dominava (CARDOSO, 1977,
p.155).
Em resumo, a classe dominante do Sul - os grandes proprietários pecuaristas, os
grandes comerciantes de exportação de produtos derivados da pecuária e os
charqueadores - assentava seu poder econômico sobre uma produção subsidiária aos
subsistemas agroexportadores do açúcar e do café. Essa atividade subsidiária não po-
dia comparar-se com as agroexportadoras em termos de capacidade e de ritmo de acu-
mulação. A hierarquização do poder das regiões subordinava os interesses das classes
dominantes do Sul aos interesses das classes dominantes de outras regiões do Brasil.
- 68 -
i
EMBLIOTESA f
tas -; essa criação só poderia ser feita, segundo ele, longe da região das charqueadas.
Com isso, Piccolo deixa muito claro que o impulso dado à imigração, no Rio Grande
do Sul, não estava sendo concebido para resolver os problemas virtuais de penúria de
mão-de-obra dos senhores de escravos (PICCOLO, 1988).
E não somente isso, a escravidão era interditada nas áreas das colônias. A pre-
sença de escravos nas colônias de imigrantes derivava de sua existência no período
anterior à fundação da colônia - caso de São Leopoldo - ou no período posterior à sua
emancipação. O sucesso econômico das colônias de imigrantes permitia a aquisição de
escravos, mas as leis imperiais e provinciais interditavam o seu uso. A colonização no
Sul fazia-se, também nesse sentido, em oposição à sociedade escravista. A intenção
imperial explícita era a de criar uma classe de pequenos proprietários que valorizas-
sem suas propriedades com o trabalho familiar. O que o Trono desejava era criar uma
classe média rural que servisse de contrapeso ao latifúndio escravista dasplantations.
Para isso, o Governo Imperial incentivava o assentamento de novas relações de propri-
edade e de produção. Por isso, as pequenas propriedades e as relações de produção não
escravistas (TARGA, 1991a).
Entretanto Fernando Henrique Cardoso (1977) é muito discreto sobre essa ques-
tão, indicando que o problema de penúria de mão-de-obra do setor charqueador não
era o principal leitmotiv da imigração, mas que poderia aparecer secundariamente.
Ora, essa relação entre imigração e abolição do escravismo é uma relação basilar para
o exame dos processos de liquidação do escravismo em São Paulo, e parece que so-
mente nele.22 A forma que essa relação tomou em São Paulo foi que a abolição da
escravidão, a desagregação do sistema escravista, provocou a imigração. O que parece
ser incontestável, pois uma das fontes de temor dos imigrantes e que impedia sua
vinda para o Brasil era exatamente o medo de serem transformados também eles em
escravos. Nós já vimos que esse temor não era desprovido de razão, dada a experiência
de Ibicaba. E, de fato, foi a abolição que abriu espaço para o trabalho livre na cafeicul-
tura paulista, trabalho livre que não é o mesmo que assalariado, pois o regime de
trabalho utilizado foi de semi-assalariamento.23
22 Ana Lúcia Lanna (1987) mostra - em uma das raras análises regionais comparadas que conhecemos -
que a relação inexistiu na cafeicultura de Minas Gerais. Pois, na cafeicultura mineira, o escravo foi
substituído pelo trabalhador livre nacional e não pelo imigrante. Mais uma vez, uma questão de São
Paulo é "imposta" como uma questão de todo o País.
23 Gorender (1988, p.594) fornece informações que permitem uma visualização numérica do processo
de desagregação do escravismo através do aumento paulatino do número de imigrantes que entram
em São Paulo. Não parece deixar dúvidas sobre o espaço aberto à imigração pelo desabamento do
escravismo, o que nos leva a pensar a relação causai no sentido de que o abolicionismo - ou a desagre-
gação do sistema - provocou a grande imigração.
Ingresso de imigrantes europeus em São Paulo - 1875-88.
- 69 -
Antes de passarmos adiante na nossa argumentação, é necessário que abramos
um parêntese para mostrar como uma "historiadora", na verdade uma cientista política
paulista, apresenta a questão da relação entre o imigrantismo e o abolicionismo. Nós
precisamos deste parêntese, pois ele traz muita água ao nosso moinho do regionalismo
paulista. Paula Beiguelman (1985) pensa que foi exatamente inversa essa relação. A
autora fala do itinerário do café deslocando-se para o Oeste de São Paulo e disputando
a mão-de-obra escrava com as áreas antigas, através do tráfico interprovincial dos
escravos. O melhor mesmo é citá-la:
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fazendeiros do Oeste paulista resistiram intransigentemente o quanto puderam à abo-
lição (GORENDER, 1988, p.596).25
A última observação é que, em sendo assim como a autora apresenta a questão, o
setor de "vanguarda" da cafeicultura sentiu a necessidade do trabalho livre, tomou
atitudes conseqüentes optando pelo trabalho livre e pelo abolicionismo, fatos estes
que sinalizaram o caminho do futuro para a "Nação". Supomos que são desnecessários
outros comentários que reforcem o que já afirmamos na introdução deste ensaio sobre
a necessidade paulista de vanguardismo.26
25 Sobre o desinteresse dos fazendeiros do segundo Oeste paulista pela escravidão, é interessante ver as
estimativas relativas às redistribuições espaciais dos escravos de São Paulo pelas suas sub-regiões
entre 1836 e 1886. Os dados brutos estão em Conrad (1978, p.357).
Distribuição percentual da população escrava pelas sub-regiões
de São Paulo- 1836-1886
SUB-REGIÕES
ANOS Leste e Litoral Central Oeste e
Paraíba Norte
1836 31,1 15,6 48,8 4,5
1854 28,9 13,2 40,6 17,2
1886 25,7 2,4 31,8 39,8
26 No entanto o texto de Beiguelman possui muitas outras excentricidades, do gênero, por exemplo: que
o trabalho do europeu na cafeicultura foi "nitidamente assalariado" (BEIGUELMAN, 1985, p.24),
tese que já foi há muito refutada por Stolke (1986) e por José de Souza Martins (1979) e que, na
medida em que não é verdadeira, só é apresentada para colocar o início do capitalismo brasileiro na
cafeicultura. Supomos que não é necessário comentar a impossibilidade de compreender a aplicação
do advérbio - nitidamente - nesse contexto. Beiguelman diz também:
"De qualquer forma, no caso do complexo cafeeiro paulista, o referencial analítico a ser elaborado é
especialmente diverso e peculiar. Com efeito, considerando-se que a destruição do escravismo geral-
mente se esgota na criação de um trabalhador formalmente livre mas destituído de capacidade aquisi-
tiva, e que o setor cafeeiro optou pela introdução de mão-de-obra de tipo diverso, temos, já de início,
a dissociação do braço não escravo em duas categorias, compondo, com o escravo, três tipos - ao
invés da mera antinomia escravo-livre. (...) o que os distingue (e isto é o verdadeiramente relevante
no caso) é o fato de o trabalhador que aqui designamos como nitidamente assalariado conjugar ao
braço uma tendência à capacidade de consumo - o que lhe permitiria atuar dinamicamente sobre uma
economia que já havia gerado um embrião de mercado interno" (BEIGUELMAN, 1985, p.26-7).
Neste último trecho aparecem coisas incompreensíveis como as três categorias de trabalho, mas o
mais interessante é que o trabalho assalariado que é utilizado tem "tendência à capacidade de consu-
mo". Não sabemos se é uma grave imprecisão teórica, crassa ignorância ou simplesmente uma gigan-
tesca tolice. Gostaríamos de imaginar salários que não apresentassem "tendência a serem gastos". Se
isso existisse, por que as pessoas se assalariariam? Ou, o que pensar dessa curiosidade extraordinária
que é a falta de "tendência à capacidade de consumo" por parte dos escravos que seriam emprega-
dos? E, no caso de serem empregados, seria em troca do quê? Ou, o que imaginar dos fundamentos
teóricos necessários para justificar a existência de escravos que não possuíam "tendência a consu-
mir", pois não possuíam capacidade aquisitiva? Qual é o escravo que pode ter, legalmente, capacida-
de aquisitiva? Que escravo poder ter tendência a consumir, se o seu consumo é determinado pelo seu
proprietário? É incompreensível, vamos deixar por aí que, digamos, a passagem não é séria... Seria
caso para invocar o velho Stanislau Ponte Preta?
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No entanto, no Rio Grande do Sul, a relação abolição-imigração não existiu nesse
sentido em que ocorreu em São Paulo, mas num outro que ficará claro até o final desta
seção. E, mais uma vez, é possível desconfiar de uma interferência do viés regionalista
paulista de Cardoso ou da sua necessidade de mostrar que o escravismo e os problemas
dele decorrentes no Sul não eram tão diversos assim dos problemas, questões e rela-
ções que a escravatura em vigor em São Paulo havia apresentado.
Mas Fernando Henrique Cardoso também nos informa de que a promoção da
imigração não era motivada somente pelos problemas dos charqueadores, pois os
agentes promotores a justificavam, na metade do século XIX, como necessária para
"renovar os processos e as relações de trabalho", quando insistiam em suas demandas
ao Governo Imperial pelo envio de técnicos para o ensino de novas técnicas agrícolas,
pelo envio de modelos de maquinaria agrícola moderna, assim como de sementes com
o objetivo de aumentar a produtividade na região (CARDOSO, 1977, p. 192-3). As-
sim, Cardoso conclui - e esta é uma diferença importante por ele encontrada - que a
imigração era "representada" pelos agentes promotores da imigração no Sul como
uma solução para os problemas da região e não para os dos senhores de escravos (CAR-
DOSO, 1977, p. 195).
Já em 1866, Homem de Mello, analisando as estatísticas de produção e de expor-
tações da Província, assinalava o sucesso da agricultura colonial face ao marasmo da
pecuária e das charqueadas (CARDOSO, 1977, p. 199-200). Segundo Cardoso, o mun-
do que tomava forma nas colônias representava uma crítica, pelo menos implícita, ao
escravismo e aos problemas dos senhores de escravos. Viajantes apontaram a liberda-
de de trabalho existente no Rio Grande do Sul, como Avé-Lallemant, que visitou o Rio
Grande do Sul em 1858, cantou loas à liberdade do trabalho existente na Província
contrapondo-a aos problemas que o trabalho enfrentava na Europa, no Egito e na índia
(transcrição parcial em CARDOSO, 1977, p. 199), ou como Joseph Hõrmeyer (1986,
p.75), que apresentou a Província como sendo a Canaã do trabalho para os artesãos
alemães. Certamente que o exagero é gritante, no entanto deveria haver um imenso
contraste entre a região colonial e a escravista do Rio Grande do Sul, assim como entre
aquele embrião de sociedade nova e a sociedade escravista do café.
Mergulhados em uma sociedade escravista e latifundiária, em uma região e em
uma época em que o trabalho livre dos imigrantes se vinha afirmando como única
saída alternativa diante dos impasses que se erguiam para a produção escravista, é
possível que os imigrantistas gaúchos27 pensassem que o trabalho livre não teria ne-
nhuma chance nesse Brasil agrário, senão quando apoiado sobre a propriedade indivi-
dual da terra.28 De uma maneira pelo menos implícita, os imigrantistas do Rio Grande
do Sul manifestavam-se contra a implantação do trabalho livre de tipo assalariado-
proletário, pois, para eles, a introdução do trabalho na Província não tinha por objetivo
resolver os problemas dos charqueadores. Essa posição, como se pode ver, era exata-
- 72 -
mente oposta àquela praticada pelos cafeicultores paulistas — os verdadeiros promo-
tores da imigração em São Paulo -, que propunham explicitamente a manutenção da
condição de expropriados para os trabalhadores imigrantes. Na cafeicultura, os imi-
grantes estavam sendo trazidos para ocupar o lugar que seria deixado vago pelos es-
cravos. Portanto, a proposta da cafeicultura paulista era a de manter os trabalhadores
imigrantes na situação de força de trabalho assalariável, sem acesso aos meios de pro-
dução e de vida, verdadeiramente livres para serem utilizados pelo capital.
Para os imigrantes, o que o Rio Grande do Sul oferecia estava em pólo oposto.
Piccolo encontrou uma informação preciosa no relatório de 1874 de um outro Presi-
dente da Província e que possuía um ponto de vista oposto ao do Presidente anterior-
mente referido sobre a imigração para a Província do Rio Grande do Sul. Dizia ele:
"(...) a exploração dos grandes prédios rurais não encontra braços que a
auxiliem; o preço do salário agrícola não guarda proporção com o resul-
tado do trabalho; (...) o sistema de colonização atualmente seguido pro-
duz, a par de todas as suas vantagens, o inconveniente de dificultar a
união do capital e do trabalho (grifo nosso), afastando os imigrantes
dos estabelecimentos já criados, e convidando-os a formarem pequenos
prédios rústicos (...)" (PICCOLO, s.d.a, p.9).
O relatório registra com uma lucidez sem precedentes e com todas as letras que o
sistema de colonização do Rio Grande do Sul não colocava a força de trabalho à dispo-
sição do capital e da grande propriedade e que o acesso do imigrante à propriedade da
terra encarecia o trabalho assalariado. Essa resistência do trabalho em ficar "livre"
para "entregar-se" ao capital seria uma verdade duradoura na história da sociedade do
Rio Grande do Sul, pois foi somente quando o século XX já ia adiantado, nos seus
idos, que as pequenas propriedades começaram realmente a liberar contingentes ex-
pressivos de mão-de-obra para o capital.
Assim, em 1884, um artigo imigrantista saído em um cotidiano de Pelotas mani-
festava-se contra a própria Lei de Locação de Serviços. O articulista reclamava, para
os imigrantes, o acesso à propriedade da terra, imediato ou futuro, opondo-se radical-
mente a todo o embaraço à mobilidade dos imigrantes, tanto quando o embargo decor-
resse de endividamento quanto por não importar qual razão (CARDOSO, 1977, p. 197).29
O afloramento de um tal tipo de crítica à imobilização do trabalhador indica uma
tomada de posição radicalmente oposta tanto à imobilização dos trabalhadores imi-
grantes, estabelecida pelos efeitos das leis de locação de serviços, quanto a um projeto
de exploração de imigrantes-parceiros como o que fora praticado pelo Senador Vergueiro
em Rio Claro. Nem é preciso chamar a atenção do leitor de que essa desejada imobili-
29 Conforme o artigo Imigração e Colonização IV, do jornal A Discussão: "(•••) a mais plena liberdade
de ação e de locomoção ou de deslocamento" (transcrição parcial em CARDOSO, 1977, p. 197).
- 73 -
zação do trabalhador dito livre não era senão a reprodução, com os imigrantes, da
condição do trabalhador escravo, este sim, o trabalhador que era literalmente imobili-
zado. Ou seja, a proposta dos cafeicultores para os imigrantes era a de escravidão
disfarçada, que era o verdadeiro sentido dessa "escravidão por dívidas" proposta aos
imigrantes.
Dado que, no Sul, a administração provincial e parte da opinião pública possuíam
os pontos de vista apresentados sobre a imigração, nós podemos então imaginar o
isolamento do setor escravista, assim como a impossibilidade de dar aos seus proble-
mas com a penúria de mão-de-obra a mesma solução imigrantista que os cafeicultores
terminaram por utilizar (CARDOSO, 1977, p.210).30
Fernando Henrique Cardoso identifica no movimento imigrantista sulino e no
sucesso da pequena propriedade dos imigrantes no Rio Grande do Sul dois dos princi-
pais fatores que encurralaram os charqueadores (CARDOSO, 1977, p.211), deixando-
os sem possibilidades de atrair os imigrantes que desembarcavam no porto de Rio
Grande - no seu próprio porto regional - e, conseqüentemente, sem saída para sua
crise de mão-de-obra. De fato, que imigrante se assalariaria nas charqueadas possuin-
do informação sobre as promessas de acesso à terra própria 400 quilômetros mais para
o norte, logo depois de Porto Alegre? E essa já seria uma cabal diferença nos efeitos
dos dois diferentes processos imigrantistas regionais sobre os seus respectivos seg-
mentos escravistas.
Ficou claro, pensamos, que o movimento imigrantista foi, em São Paulo, uma
promoção dos cafeicultores escravistas com o objetivo de resolver seus problemas de
penúria de mão-de-obra com a aceleração da desagregação do sistema escravista, en-
quanto, no Sul, o movimento imigrantista isolava e inviabilizava o setor escravista.
Isso reflete uma diferença estrutural radical entre essas duas sociedades regionais. E
mais, em oposição a Piccolo (s.d.a, p.17), isso nos induz também a pensar que o movi-
mento abolicionista, no Sul, foi muito diverso do que se desenrolou na Região Leste
do Brasil, porque ele atuou sobre uma outra estrutura social, com outras classes sociais
em cena e com uma outra situação para o segmento escravista dentro da economia
regional.
Acrescente-se ainda que, nos anos 80 do século passado, enquanto o setor escravista
em São Paulo era o responsável pela produção das exportações mais importantes do
Brasil - logo, núcleo essencial da economia regional e brasileira - e, portanto, um
setor que possuía em suas mãos a "chave econômica" não somente da sua própria
região, mas também a da economia do País, no Sul, esse setor escravista era um seg-
mento importante, mas estagnado já há mais de 40 anos e, desde há muito tempo,
reconhecido como "condenado", sofrendo a ameaça dentro da sua região de uma pro-
dução agropecuária colonial em expansão (Homem de Mello apud CARDOSO, 1977,
p. 199-200). Foi por isso que, em 1° de agosto de 1884, Júlio de Castilhos pôde escre-
30 Em linhas gerais, a fórmula abolicionista propunha a pura e simples extinção da escravidão. As fór-
mulas emancipacionistas que foram as vitoriosas durante a maior parte do tempo eram gradualistas.
Assim, leis como a do Ventre Livre ou como a dos Sexagenários eram leis de caráter emancipacionista.
Também o eram medidas tais como as de indenizar os senhores de escravos caso a abolição da escra-
vidão fosse realizada ou as trocas da liberdade por anos de trabalho complementar ao senhor.
- 74 -
ver no editorial de A Federação: "A economia do Rio Grande do Sul nada sofrerá no
dia em que desaparecer do seu solo o último escravo" . Pois, dizia ele, nem a pecuária
nem a agricultura dependiam do trabalho escravo (CARDOSO, 1977, p.203).
Não somente o Poder Executivo Provincial, mas também a imprensa e uma parte
da população mobilizaram-se pela imigração e pelos pequenos proprietários. No Rio
Grande do Sul, foram criadas comissões de proteção aos imigrantes antes que apare-
cessem os clubes abolicionistas (CARDOSO, 1977, p.200). Desse modo, não foram
somente os proprietários de escravos que estavam isolados, mas também os próprios
escravos. Mais do que isso, eles foram praticamente esquecidos. Assim, a famosa idéia
abolicionista da "redenção pelo trabalho" não passava, de fato, pelos negros (CAR-
DOSO, 1977, p.201,214-5); uma vez liberados, eles seriam deixados à própria sorte.
Em 1888, a Lei Áurea não libertou senão 8.442 escravos no Rio Grande do Sul,
mas eles foram quase 470.000 nas três maiores províncias cafeicultoras e na Capital do
Império (CONRAD, 1978, Quadro n° 18). Esse pequeno número de escravos liberta-
dos no Rio Grande do Sul foi uma conseqüência do movimento abolicionista gaúcho,
que crescera fortemente em 1884. Neste último ano, no Rio Grande do Sul, o movi-
mento abolicionista gaúcho conseguiu libertar quase 33.000 escravos dos 60.136 exis-
tentes. Alguns eram escravos domésticos, outros eram negros de ganho, outros de
aluguel e outros pertenciam a charqueadores. A Província hipocritamente proclamou-
se livre, pois esse "estado" de liberdade era desmentido por dados sobre o número de
escravos existentes em 1885 e pelos libertados pela Lei Áurea. Seja como for, pressi-
onados pelo movimento abolicionista de 1884, muitos charqueadores emanciparam
seus escravos com a cláusula de prestação de serviços por um período de três a cinco
anos. Isso não era senão escravidão disfarçada. Assim, em Pelotas, por exemplo, hou-
ve a emancipação de um escravo de 60 anos com cláusula de prestação de serviços por
três anos (CARDOSO, 1977, p.237).
Vejamos, rapidamente, como aconteceu essa abolição da escravidão no Rio Gran-
de do Sul, em 1884. Num primeiro momento, a promoção da abolição foi uma inicia-
tiva política - melhor, de politicagem - da Presidência da Província. Nessa época, o
Partido Liberal dirigia tanto o Executivo Imperial quanto o Provincial (CARDOSO,
1977, p.204-7). Quando a campanha abolicionista foi desencadeada no Rio Grande do
Sul, o Primeiro Ministro liberal tentava fazer passar no Parlamento do Império mais
uma lei de caráter reformista sobre a escravidão - o denominado Projeto Souza Dantas.
O Presidente da Província queria que o Rio Grande do Sul já tivesse abolido a escravi-
dão no seu território para que os deputados liberais gaúchos pudessem votar a favor da
Lei Souza Dantas com o respaldo da inexistência de escravos em sua Província. Esse
projeto de lei não chegou sequer a ser votado no Parlamento.
No entanto, essa promoção abolicionista da Presidência da Província foi
vigorosamente apoiada pela imprensa e pelos clubes abolicionistas, transformando-se
em um movimento que ganhou as ruas. As associações de gráficos, de alfaiates, de
sapateiros, de funileiros, operários e funcionários públicos aderiram ao movimento
(CARDOSO, 1977, p.229-30). Os abolicionistas formaram comitês que iam de porta
em porta, de rua em rua, nas cidades de Pelotas e Porto Alegre, pressionando - intimi-
dando mesmo - os proprietários de escravos domésticos, de negros de ganho e de
aluguel para que os alforriassem. Parece-nos, enfim, que na prática prevaleceu a atitu-
de emancipacionista, pois uma parte importante dos escravos das charqueadas, dos
- 75 -
negros de ganho, dos de aluguel e dos domésticos foi "libertada" contra a cláusula de
prestação de serviços. Fernando Henrique Cardoso observa sarcasticamente, com toda
a razão, que essa fórmula emancipacionista era: "Suprimir a escravidão conservando o
escravo" (CARDOSO, 1977, p.234).
O efeito desses acontecimentos sobre os escravos gaúchos foi similar ao da abo-
lição do açoite sobre os escravos da cafeicultura. Uma parte dos escravos "aceitou"
essa liberdade com a cláusula condicional e, no dia seguinte, fugiu. No Rio Grande do
Sul, um outro movimento de fugas em massa ocorreu novamente em 1888 (CARDO-
SO, 1977, p.230).
Uma vez que o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) não abrigava
escravagistas nos seus quadros, ele podia ser totalmente abolicionista, sem qualquer
ambigüidade ou hesitação. Esse fenômeno não ocorria no Partido Republicano Paulista
(PRP), no qual existiam escravocratas. Dessa forma, a imprensa republicana gaúcha
foi intransigente e conseqüente em suas manifestações contra a indenização dos pro-
prietários de escravos. Eles foram abolicionistas e não meramente emancipacionistas.
Fernando Henrique Cardoso explica esse comportamento radical dos republicanos
gaúchos com a inexistência, na Região Sul, de um eleitorado controlado por
escravagistas e que devia ser disputado pelos republicanos tal como era a situação em
São Paulo (CARDOSO, 1977, p.228-9). Então, segundo Cardoso, os republicanos
paulistas, ao não serem abolicionistas, teriam sido hábeis políticos, enquanto, no Rio
Grande do Sul, os republicanos só foram radicais porque não possuíam o mesmo pro-
blema de disputa eleitoral que se apresentava para os republicanos paulistas.
É evidente que nós não podemos estar de acordo com essa interpretação. Senão
vejamos: o Partido Republicano Paulista era um partido que contava em seus quadros
mais importantes com homens que eram simultaneamente escravistas e republicanos,
e era somente por isso que o PRP não podia tomar posições abolicionistas. Os republi-
canos sul-rio-grandenses só foram conciliadores com os escravistas das outras regiões
do País, pois propunham que a questão servil fosse resolvida por cada província se-
gundo seus interesses. Essa conciliação com os escravistas de outras regiões era pelo
menos coerente com o ideário positivista dos republicanos gaúchos que propugnavam
a autonomia provincial. Brevemente, os republicanos gaúchos não conciliaram nem
contemporizaram com os escravistas do seu partido nem da sua região, eles foram
realmente abolicionistas.
A interpretação de Cardoso sobre o abolicionismo dos republicanos gaúchos é
talvez o melhor exemplo de um viés regionalista na sua análise ou de uma "má" inter-
pretação decorrente de sua intenção inicial de desmistificar os gaúchos e que acabou
por tornar-se a sua arapuca. Segundo ele, os republicanos paulistas sabiamente evita-
ram uma tomada de posição abolicionista, não porque os escravistas tivessem um forte
peso no seu quadro partidário, mas por sabedoria política, senão vejamos: "(...) os
republicanos em São Paulo tiveram o cuidado de evitar a discussão do problema da
abolição" (CARDOSO, 1977, p.228). Se nós não estivermos enganados, isso é um
eufemismo. Por outro lado, a intransigência abolicionista do PRR não era mais do que
o fruto de um acaso sem maiores conseqüências: a inexistência de um mesmo eleitora-
do para ser disputado com os escravistas. Assim, nós citamos novamente: "(...) os
republicanos (do Sul) nada perderiam sendo conseqüentes com suas posições, favorá-
veis, em geral, ao trabalho livre do imigrante" (CARDOSO, 1977, p.229).
- 76 -
FEE-CEDOG
Dito isso, pensamos que ficaram claras algumas das diferenças entre os imigran-
tismos e os abolicionismos regionais em pauta. Queremos somente salientar que ações
semelhantes em contextos sociais estruturalmente diversos se tornam ações radical-
mente diferentes. Dados os quadros econômicos e sociais tão diversos da região
cafeicultora e do Rio Grande do Sul, fenômenos aparentemente semelhantes - como o
imigrantismo e o abolicionismo - passam a ser, de fato, radicalmente diferentes. O
significado da ação humana encontra-se no contexto em que ela se inscreve.
É conveniente indicar, neste final, as posições relativas dos diferentes subsistemas
econômicos e sub-regiões do Rio Grande do Sul no período de passagem da Monar-
quia escravista para o Estado burguês. O setor charqueador em crise bloqueava a pecu-
ária a montante. A produção controlada pelas classes dominantes regionais encontra-
va-se contra o muro. Os bloqueios à expansão do setor apresentavam-se tanto pelo
lado dos concorrentes e dos mercados31 quanto pela carência de mão-de-obra e pela
sua fraqueza relativa frente aos interesses das classes dominantes das outras regiões.
No entanto, pior ainda, uma ameaça nova surgira dentro do seu próprio território pro-
vincial: a sub-região das colônias expandia-se economicamente com vigor e organiza-
va-se de um modo totalmente diverso, no que dizia respeito tanto às relações de pro-
priedade quanto às de produção. E mais ainda, o avanço econômico dessa sub-região
ameaçava, no longo prazo, a supremacia regional dos pecuaristas e dos charqueadores.
Uma idéia aproximada das populações envolvidas nos dois contextos econômi-
cos do Rio Grande do Sul - o pecuário-charqueador e o da agropecuária colonial -,
assim como da velocidade comparada de expansão, pode ser fornecida se nos lembrar-
mos que a região colonial não detinha senão 6,6% da população total da Província em
1858. Entretanto essa participação subiu para 18,21% três décadas depois.32 Se adici-
onarmos à população das municipalidades "rurais" as populações das municipalidades
dos centros urbanos mais importantes de cada sub-região33, a sub-região colonial fica
com 24,05% da população, enquanto a das charqueadas e da pecuária fica com 30,52%
em 1890. Pode-se compreender, então, que a classe dominante da Província necessi-
tasse de uma espécie de cirurgia de urgência para manter seus privilégios e seu poder.
O resultado do encurralamento, interno e externo à região, da classe dominante regio-
nal foi a sua cisão em dois grupos políticos inconciliáveis durante quase todo o perío-
do da Primeira República.
Resumindo, no Sul, a imigração não foi empreendida como uma solução para os
problemas do setor escravista, cuja penúria de mão-de-obra parece ter sido mesmo
- 77 -
aumentada com a presença das colônias dos imigrantes pequenos proprietários. Para
os escravistas do Sul era mais difícil atrair a mão-de-obra imigrante que para os do
café, pois havia na própria província a alternativa de vida que era, para os trabalhado-
res, verdadeiramente atraente: poder passar de expropriados na Europa que haviam
deixado para trás a proprietários dos meios de vida e de produção no Brasil meridio-
nal. E mais ainda, não somente uma parte da opinião pública como, por vezes, a pró-
pria administração provincial não se sentiam afetadas pelos problemas dos
charqueadores. E nós vimos também que, ao longo da segunda metade do século XIX,
a economia das colônias vinha se expandindo, enquanto a pecuária e o setor charqueador
se apresentavam estagnados. Enfim, os republicanos no Sul foram radicalmente
abolicionistas, o que não foi o caso do Partido Republicano em São Paulo.
Conclusões
- 78 -
Enquanto firma escravista, a charqueada distinguiu-se de qualquer outra, pois não
possuía produção de subsistência dentro da unidade de produção, o que a tornava vul-
nerável à contração dos preços do charque. Por fim, seu produto afetava o custo de
reprodução da escravaria do Brasil e das camadas urbanas pobres, o que criou conflitos
entre a classe dominante regional e as de outras regiões do Brasil. Nesse conflito, os
charqueadores e pecuaristas gaúchos não conseguiram impor às outras classes regionais os
privilégios de reserva do mercado brasileiro que pleiteavam para o seu produto.
E mais, foi crucial na diferenciação dos escravismos construídos no Sul e nas
plantations a identificação das classes fundamentais do escravismo agrário brasileiro:
a dos senhores e a dos escravos rurais. Essas são as classes sociais que compareceram
nas plantations, ou seja, elas existiram onde houve a grande propriedade, escravista e
agroexportadora. Ora, nenhuma dessas duas classes existiu no Rio Grande do Sul,
desde que os senhores rurais foram pecuaristas e que a atividade pecuária se revelou
não essencialmente escravista. Disso decorre que a classe dos escravos rurais também
não existiu no Brasil meridional. As classes fundamentais do escravismo gaúcho fo-
ram outras: a dos proprietários e a dos escravos das charqueadas. Nem os charqueadores
nem seu escravos constituíam classes rurais. Os proprietários das charqueadas residi-
am nas cidades, enquanto os cafeicultores só foram residir fora das suas fazendas após
a abolição da escravidão. Uma vez que as duas classes fundamentais do escravismo
brasileiro não existiram no Rio Grande do Sul, este é um fato que realmente embasa
uma distinção de fundo entre os dois escravismos que foram examinados.
Mas nós vimos, também, que as concepções e a prática que cercaram a imigração
foram fundamentalmente diversas na região do café e no Brasil meridional. Na primei-
ra, os imigrantes vieram tomar o lugar dos escravos na produção, enquanto no Sul eles
foram encarregados de criar uma nova sociedade totalmente à parte da sociedade
escravista e onde o trabalho escravo era legalmente interditado.
Em São Paulo, a Revolta dos Parceiros expressou bem as dificuldades trazidas
pela substituição de escravos por imigrantes seja para os escravocratas, seja para os
trabalhadores livres. No Sul, essa substituição dos escravos pelos imigrantes no setor
escravista foi dificultada pela natureza tanto do imigrantismo existente quanto a da
colonização que inviabilizavam a captação de mão-de-obra livre pelo setor charqueador
em crise. À manutenção da condição de expropriação para os imigrantes na região do
café correspondia, no Sul, o acesso à propriedade, aos meios de produção e aos de vida.
Em São Paulo, houve uma relação de causa e efeito entre a abolição da escravidão
e a imigração, pois, num primeiro momento, a escravidão fizera fracassar a imigração.
Totalmente outra foi a relação no Rio Grande do Sul, onde o desenvolvimento da
imigração e da colonização asfixiou o escravismo desde que fechou as portas para a
solução do problema de penúria de mão-de-obra do setor charqueador gaúcho.
Por fim, uma outra diferença de fundo que apareceu em nossa análise foi que, na
região cafeicultora, a abolição da escravidão e a substituição do trabalho escravo pelo
livre tocava o próprio coração da produção e da sociedade regional, enquanto no Sul
afetava um setor entre os três que existiam: o pecuário, o colonial e o charqueador. No
Sul, o setor escravista da sociedade e da produção não estava no centro, mas ao lado, e,
assim, ele ficou relativamente isolado com seus problemas.
Nossa reflexão comparativa entre os escravismos partiu de um modo de apresen-
tar a questão onde o escravismo das plantations aparecia como o padrão da sociedade
escravista. Apareceram, assim, expressões comparativas onde se afirmava, por exem-
- 79 -
pio, que a escravidão, no Sul, havia sido "menos completa" que a das plantations, ou
que a sociedade meridional não se "sedimentara" como a das plantations, ou, ainda,
que ela não se "cristalizara" como as sociedades senhoriais do açúcar e do café.
Nessa maneira de apresentar a questão, o escravismo das plantations aparecia
como um modelo, como um padrão de referência, como um ponto de chegada ou,
digamos, como um horizonte tendencial. Ou seja, se a sociedade escravista meridional
pudesse realizar-se plenamente, ela se tornaria igual à das plantations. Ora, a análise
que realizamos mostrou que essa maneira referencial de proceder à comparação não
era satisfatória, uma vez que o escravismo meridional que emergiu da análise se reve-
lou um todo social profundamente distinto dos todos sociais regionais construídos
em torno da produção do açúcar e do café.
Os elementos que configuraram, no Sul, a sociedade escravista foram profunda-
mente diversos, e eles plasmaram uma sociedade regional escravista muito singular.
Nenhum dos determinantes que examinamos pode ser retirado sem que se desfigure a
realidade escravista do Sul, a saber: a ação dissolvente da fronteira sobre as relações
escravistas e a construção da riqueza; a desvinculação entre a grande propriedade e o
escravismo; a produção para o mercado brasileiro; as profundas singularidades da fir-
ma escravista típica do Rio Grande do Sul; as classes sociais fundamentais do escravismo
gaúcho que foram diferentes das classes fundamentais do escravismo das plantations;
a existência de uma sub-região colonizada por pequenos proprietários independentes,
onde a escravidão era interditada e se disputava mão-de-obra com as outras atividades
rurais. Juntos, todos esses elementos configuraram uma sociedade escravista comple-
tamente diversa e que não "tendia" a nenhuma outra forma. Essa forma que o escravismo
tomou no Sul não era uma forma imperfeita. Ela era diversa, era uma outra forma,
somente isso.
Entretanto, no início deste texto, nós justificávamos a feitura deste ensaio argu-
mentando que a sociedade sul-rio-grandense havia sido muito diversa das demais soci-
edades regionais brasileiras durante a Primeira República. Acreditamos, pois, que foi
essa sociedade escravista diversa, e por essa sua singularidade, que fez com que o Rio
Grande do Sul sediasse, ao atravessar o banho de sangue da revolução de 1893, a
primeira experiência brasileira da modernização conservadora. De fato, foi pelo Rio
Grande do Sul que o Brasil iniciou essa sua experiência, que, depois de 1930, Getúlio
Vargas transportou e continuou a nível de todo o País e que se estendeu, no tempo, até
os últimos longos anos da ditadura militar. Modernização frustrada, cujos imensos
custos ainda estamos a amargar.
Abstract
We show that the slavish society in Rio Grande do Sul was not just an
underdevelopedform of the plantations slavery butatotally different one. A hostof
determinations setthis difference: the border situation, the non-slavish large landed
estate, the production for the Brazilian market, the particularities ofthe Province
classical slavish firm - the charqueada -, the presence of the colonization with
immigrants who were small propríetors, butspecially because ofthe absence ofthe
fundamental classes of the Brazilian slavery: the rural slaves and lords of the
plantations.
- 80 -
Escrito n°3 lF-000067fiO-0
Violência revolucionária e
fundação do Estado burguês *
Luiz Roberto Pecoits Targa "
A Revolução de 1893 foi a guerra civil mais violenta ocorrida na história brasilei-
ra; nela se lutou a favor e contra uma concepção e uma prática de Estado e sua relação
com a sociedade. Defrontaram-se, por um lado, os republicanos positivistas, que, en-
tão, controlavam ainda precariamente o aparelho de Estado no Rio Grande do Sul, e,
por outro, os maragatos, onde se agrupavam tanto os dissidentes republicanos quanto,
e mesmo principalmente, os membros liberais e os conservadores dos antigos partidos
monárquicos. Os republicanos positivistas instalados no Governo do Estado procura-
vam impor às elites pecuárias gaúchas uma Constituição positivista, que haviam feito
referendar por uma Assembléia Constituinte eleita fraudulentamente.
Essa guerra civil, iniciada em fevereiro de 1893 e que durou, pelo menos, 31
meses, caracterizou-se pela enormidade das crueldades praticadas por ambos os lados
- assassinatos, degolas e estupros -, tendo liquidado entre 10.000 e 12.000 do milhão
de habitantes do Rio Grande do Sul à época (LOVE, 1975, p.77). Para que se tenha um
parâmetro comparativo, basta indicar que o período clássico do grande terror na Revo-
lução Francesa levou à morte 17 mil pessoas de uma população estimada em 26 mi-
lhões, qual seja, 0,06% dos franceses (GODECHOT, 1969, pp.7 e 238). É o nível
inusitadamente elevado da violência política desencadeada durante a Revolução de
1893 - a mortandade e a crueldade - que suscita, no meu entender, indagações sobre
os porquês do conflito e sobre o contexto que envolveu essa violência absurda, bus-
cando, assim, o seu sentido: o do horror e o do sangue derramado.
Vou relembrar sumariamente alguns itens da violência dessa guerra civil. Em
primeiro lugar, assinalo que a extrema instabilidade que cercou o exercício do Poder
Executivo do então recente Estado do Rio Grande do Sul durante os três primeiros
anos da República, quando se alternaram no poder do Estado grupos rivais, é eviden-
ciada pelo fato de que o cargo de Presidente do Estado mudou de mãos 16 vezes,
Uma primeira versão do presente artigo foi publicado em Ensaios FEE,(14)2:422-437, 1993. Uma
segunda versão integra os Anais do Simpósio "Processos de constitución y desarrollo de Ias burguesias
latinoamericanas y ibéricas en ei siglo XIX"das XIV Jornadas de História Econômica, realizada em
Córdoba, Argentina, em maio de 1994. A presente é a terceira versão.
Pesquisador do NEHESP-FEE e do CNPq.
- 81 -
compreendidas aí as interinidades (FERREIRA FILHO, 1960, p. 124-7). A volta dos
republicanos positivistas ao poder do Estado com a posse de Júlio de Castilhos em
janeiro de 1893 precipitou o desencadear da guerra civil. Os positivistas passaram a
ser os legalistas, e os maragatos, os revolucionários. Naquele momento, a violência já
atingira patamares desconhecidos até então. Estimam-se em 10.000 as pessoas que
haviam sido compelidas a buscar exílio no Uruguai e na Argentina, em decorrência do
clima de insegurança nos últimos nove meses que antecederam ao início aberto e ofi-
cial das hostilidades (LOVE, 1975, p.77). Um emissário da Presidência da República
que viera parlamentar com os exilados, antes da eclosão da guerra civil, solicitou por
telegrama ao Presidente do Brasil uma intervenção militar imediata no Estado, porém
que fosse "alheia às paixões políticas do Rio Grande", uma vez que, e eu cito o telegra-
ma:
l Sérgio da Costa Franco pensa mais uma vez a violência de 1893 e suas possíveis causas em volume
recente (FRANCO, 1993). Não discuto da pertinência dos argumentos utilizados pelo autor, mas
busco em um outro nível, menos imediato, a explicação possível da violência do período.
- 82 -
besta, fera do sul, verdugo do Rio Grande. (...) Morto o bandido, é pre-
ciso enterrá-lo bem fundo na execração pública, para que as exalações
daquela monstruosidade humana não vão (SIC) empestar as páginas da
história da brava terra gaúcha. (...) Maldita seja para sempre a memória
do bandido" (REVERBEL, 1985, p.91).
A denominação de maragatos tem sua origem no fato de que uma parte dos uruguaios mercenários que
integraram as forças da oposição exilada vinham de uma região uruguaia povoada por gente oriunda
da Maragateria, na Espanha. Eles participaram das invasões, e caracterizar os revolucionários como
estrangeiros era uma maneira que os legalistas possuíam para voltar a opinião pública regional e
nacional contra eles. E isso embora os próprios positivistas também recrutassem mercenários no Uru-
guai. Corre pela mesma conta a insistência dos legalistas em apresentar os revolucionários tão-somen-
te como restauradores da Monarquia. Na verdade, essas duas denominações - restauradores e maragatos
— visavam a apresentar o próprio Partido Republicano dos legalistas como sendo a única e verdadeira
força republicana no Rio Grande do Sul. Celi Regina J. Pinto (1986) faz uma análise preciosa e muito
reveladora das transformações do discurso dos positivistas gaúchos. Quase todos os elementos que
estamos apresentando sobre os maragatos e sobre os positivistas foram extraídos do seu livro.
- 83 -
mados simplesmente de gasparistas. Esse cacique liberal exercia realmente um poder
monárquico inquestionável sobre os liberais e a Província.
Essa oligarquia rural que integrava o Partido Liberal no Rio Grande do Sul, igual
a todas as suas congêneres de outras províncias do Brasil Imperial, não importando se
liberais ou conservadoras, só fazia política a favor de seus próprios interesses. Instala-
dos no poder, comportavam-se como o "comitê executivo" da sua classe social: o
poder em seu benefício, nu e cru, sem mediações ou máscaras. No resto do Brasil, em
Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em São Paulo ou na Bahia, essa oligarquia viria a
realizar sua transição para a vida republicana sem maiores percalços, pois as classes
dominantes regionais aderiram, do dia para a noite, ao Partido Republicano (FRAN-
CO, 1962, p. 194). Primeiro, porque fora, em geral, de dissidências do Partido Liberal
que se formaram os partidos republicanos das províncias, inclusive o mais poderoso
deles, o Partido Republicano Paulista. Segundo, porque os conservadores, apeados do
poder no final do Império, foram tornando-se republicanos de última hora. Finalmen-
te, porque todos os partidos republicanos regionais absorveram os políticos imperiais
em seus quadros após a Proclamação da República. Em nenhum outro estado do Brasil
republicano a oligarquia rural tradicional foi desbancada do poder regional, com toda
a sua extensa rede coronelística, como o foi no Rio Grande do Sul pelos republicanos
positivistas; desbancada do poder e sem qualquer perspectiva de ser política e admi-
nistrativamente reabsorvida. Sérgio da Costa Franco (1993, p.50) afirma que a vitória
dos maragatos na Revolução não restauraria a monarquia no País, mas, sim, o poder do
Conselheiro Gaspar no Rio Grande do Sul e no Brasil, e com ele, o de sua camarilha
coronelística.
Esses liberais alijados do poder provincial pelo golpe militar que instaurou a
República no Rio de Janeiro fundaram, sob a liderança de Gaspar Silveira Martins, um
partido que se denominou Federalista. Na realidade, ele não professava nenhuma fé
federalista tal como o federalismo é entendido no Brasil segundo Aspásia Camargo
(1992, p.8), ou seja, como sendo uma união onde a ênfase é dada à descentralização do
poder, à autonomia das partes integrantes. Nessa acepção brasileira clássica para a
palavra federalismo, eram os positivistas os verdadeiros e, inclusive, radicais
federalistas. O partido de Silveira Martins professava o ideário clássico liberal e parla-
mentar e era federalista no sentido de desejar um aumento do poder da União face ao
poder dos estados federados. Não duvido de que, no limite, o modelo verdadeiro fosse
o velho unitarismo do Estado monárquico brasileiro. Por outro lado, o liberalismo do
grupo gasparista era o da clássica proposta liberal da oligarquia rural brasileira: um
espaço político para ser ocupado somente por ela mesma. Próceres conservadores, que
em um primeiro momento estiveram ao lado dos republicanos no poder estadual, en-
traram em conflito com a intransigência da liderança de Júlio de Castilhos e de seu
grupo, terminando por engrossar as fileiras federalistas. Por fim, também importantes
republicanos históricos tomaram o mesmo caminho. Os quadros do Partido Federalista
eram, dessa forma, extremamente heterogêneos, um imenso amálgama de grupos com
procedências e ideologias discrepantes agrupados em uma luta que só poderia ser bem
definida como anti-castilhista. Era somente o inimigo comum que os fundia. Vejamos
quem eram os republicanos no poder.
Os republicanos gaúchos haviam se organizado somente no início dos anos 80 do
século passado; seu primeiro Congresso foi em 1882. Entre eles, que em si mesmos
não eram numerosos, havia um grupo extremamente combativo de positivistas. A
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maioria deles havia estudado Direito em São Paulo e fora lá que haviam absorvido
tanto o republicanismo quanto o positivismo. Eram jovens e não possuíam nenhuma
experiência na administração pública da Província. Jacobinos e profundamente intran-
sigentes, liderados pelo advogado Júlio de Castilhos, que era um estancieiro médio da
serra oriental gaúcha, eles foram os primeiros a ocupar o Executivo do novo Estado
republicano. Com habilidade, chamaram um general conservador para o cargo princi-
pal. As desavenças entre os conservadores e os positivistas não demoraram a aconte-
cer. Os positivistas desmontaram, então, literalmente a máquina político-administrati-
va gasparista. Foram apeados das células de poder local os coronéis liberais e seus
prepostos que ocupavam cargos públicos tais como as delegacias de polícia, as admi-
nistrações das mesas de renda federais ou os postos das Guardas Nacionais. Estes eram
postos-chave no contexto do poder local. Não somente pelo poder conferido e o que
dele decorre como também pelo fato de os rebanhos passarem de um para outro lado
da fronteira. Isso fez com que os liberais compreendessem a magnitude da vontade
política dos positivistas. Entrementes os conservadores aliados a alguns liberais reto-
mam temporariamente o poder no Estado. Pouco depois, o poder volta aos positivistas
e Júlio de Castilhos copiando a proposta de constituição que o Apostolado Positivista
do Brasil apresentara como projeto na Constituinte Nacional (PINTO, 1986, p.36-8)
fá-la aprovar por uma Assembléia Constituinte regional eleita, como já disse, fraudu-
lentamente.
No meu entender, essa Constituição contém os elementos que formam a peça-
chave da convulsão armada que veio depois. O projeto de Constituição do Apostolado
propunha diretamente uma ditadura: a ditadura iluminada dos sábios positivistas que
administrariam a sociedade cientificamente, visando ao interesse de todos e não ao de
grupos particulares - em oposição aberta às práticas políticas das oligarquias brasilei-
ras, até hoje, inclusive -, ditadura que se consubstanciou na Constituição gaúcha, atra-
vés do instituto da reeleição do Presidente do Estado. Era encargo deste a nomeação
do seu vice-presidente. Era o Presidente, também, que legislava através de decretos-
leis que giravam pelas municipalidades, enquanto projetos de lei, para que estas ante-
pusessem objeções ou complementações durante três meses, findos os quais o Presi-
dente julgava o que era melhor fazer, o que aceitar ou não, e a proposta era transforma-
da em lei. Esse mecanismo, adaptado assim à administração estadual, também tinha
origem no projeto do Apostolado Positivista para o Brasil. Na prática, contudo, esses
projetos de lei circularam pelas câmaras municipais acompanhados de telegramas que
exigiam aprovação incondicional.
Não havia Poder Legislativo em separado, visto que o Presidente acumulava as
funções legislativa e executiva. Isto porque os positivistas, pelo seu ideário político,
realmente não acreditavam na representação da sociedade, o que era extremamente
oportuno, frente à máquina coronelística de Gaspar Silveira Martins, para impedir, de
qualquer forma, o acesso das oposições a qualquer segmento do aparelho de Estado.
Franco (1993, p.25) apresenta depoimento do republicano dissidente Assis Brasil no
sentido de que a Constituiçãoíora concebida por Castilhos como uma máquina capaz
de fazer frente às investidas oposicionistas e como modo de silenciar os republicanos
que haviam passado para a oposição. Na verdade, esse foi um mecanismo constitucio-
nal que serviu para manter os cargos eletivos muito longe de qualquer ingerência polí-
tica por parte da sociedade, ingerência esta que, na estrutura social e política da época,
se restringia aos quadros da oposição - a oligarquia do antigo regime -, único segmen-
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to social que poderia pretender ocupar tais postos. Isso quer dizer que as elites políti-
cas e econômicas tradicionais do Rio Grande puderam perceber que jamais voltariam
a ter acesso aos cargos públicos, tais como as delegacias de polícia, os postos de co-
mando das Guardas Nacionais nas municipalidades e postos de administração das mesas
de renda federais. Os positivistas acreditavam que democracia era a administração da
sociedade para todos e não a representação política de segmentos da sociedade; por
isso podiam fraudar todas as eleições, já que eles desacreditavam profundamente da
legitimidade do referendo da sociedade. Fica fora de dúvida a oportunidade desse pon-
to de vista para a prática política, dada a situação minoritária, social e política que eles
enfrentavam. Eles viriam a legitimar-se não pelo voto, mas pela eficiência administra-
tiva (PINTO, 1986, p.25), pela moralidade nos negócios públicos, pela clareza e trans-
parência das contas do Estado, pela prática do orçamento equilibrado e por promove-
rem, através de políticas econômicas, o bem-estar material e o progresso da sociedade
gaúcha. Essa listagem não deixa dúvida nenhuma quanto à ideologia burguesa profes-
sada pelos republicanos gaúchos, muito avançada e bem intencionada quando posta
em confronto com as práticas dos demais partidos republicanos do Brasil. Os grupos
políticos tradicionais não necessitavam dessa busca de uma legitimação outra que não
a dos votos, mesmo que as eleições fossem fraudulentas por toda a parte do Brasil.
Além disso, a classe dominante tinha-se como a única detentora possível dessa legiti-
midade. O monopólio do poder político pelo sistema coronelístico legitimava-se "na-
turalmente" na detenção da propriedade. A busca de um novo tipo de legitimação
proposto pelos positivistas não se reduziu a meras palavras, eles o concretizaram du-
rante os 37 anos em que estiveram ininterruptamente no poder, no Rio Grande do Sul
(1893-1930). Tal legitimação não tradicional, que se fazia pela probidade e pela efici-
ência, era uma forma "pura" de legitimação burguesa.
No lugar de um corpo legislativo, aparecia uma assembléia de fiscais. Os deputa-
dos tinham por função a discussão e a aprovação do orçamento anual do Estado.
Discutiam e aprovavam mudanças nas tarifas públicas, nas isenções e nos níveis dos
impostos e autorizavam o Presidente a contrair empréstimos. Essa Assembléia reunia-
se durante dois meses por ano. Essa proposta seguiu Auguste Comte ao pé da letra,
senão vejamos:
3 Edmílson Nunes da Silva, bolsista do CNPq, realiza um trabalho sobre constituições comparadas na
Primeira República dentro da linha de pesquisa de Estudos Regionais Comparados da FEE.
- 86 -
tá desde que se acredite no jovem advogado, recém-egresso da escola de São Paulo,
Possidônio da Cunha, que defendia a fusão de poderes proposta na Carta em discussão
na Assembléia Constituinte gaúcha, com o argumento de que todos sabiam o "... quan-
to prejudicava o bom andamento dos negócios públicos a ingerência quotidiana do
parlamento nos atos do poder executivo, vítima contínua das intrigas tecidas nos cor-
redores das câmaras" e insistia em que a "pressão exercida pela Assembléia Legislati-
va tirava toda ação aos ministérios" (FRANCO, 1993, p.27). Nunes da Silva também
chama atenção para a questão de que o fato de o Presidente do Estado de São Paulo ter
sido um "prisioneiro" de sua própria Assembléia Legislativa não apresentava maiores
problemas, desde que Executivo e Legislativo eram ocupados, grosso modo, pela mes-
ma classe social, com identificação praticamente total de interesses.
Essas questões que vimos tratando nas últimas páginas não são questões menores
pois o que está embutido aí é um modelo de relação Estado/Sociedade. Dentro dos
parâmetros políticos brasileiros da época este modelo gaúcho evitava a representação
da oligarquia rural, organizada coronelísticamente, no aparelho de Estado. Além de
tudo que se possa discutir no que tange ao ideário autoritário da proposta, o efeito
prático imediato era precioso para um período em que a sociedade brasileira, recém-
egressa da escravidão, começava a dar os seus primeiros passos em direção à constru-
ção de uma sociedade urbana e burguesa e quando a elite rural era invariavelmente
majoritária na ocupação de cargos eletivos. Essa foi uma proposta absolutamente nova
nos quadros políticos do Brasil de então. As elites econômicas e políticas tradicionais
não poderiam se fazer representar no aparelho político estadual. O Executivo estava
liberado dos entraves que poderiam advir desse acesso à política por parte dos interes-
ses rurais. O aparelho de Estado do Rio Grande ficava de fato liberto da possibilidade
de participação da classe dominante rural da região e da ingerência política em favor
dos seus interesses, graças ao exercício, pelos positivistas, da fraude eleitoral perma-
nente. Isso, por si só, já é um resultado muito interessante da reflexão que faço neste
texto pois aponta no sentido de mais uma fonte para o autoritarismo em regiões de
modernização conservadora: ela indica que o autoritarismo do Estado é necessário
para livrar a política de modernização social dos interesses agrários mais poderosos e
entrevadores. Obra dos positivistas autoritários, esse foi um passo decisivo em direção
à modernidade.
No entanto esse não era o único ingrediente de modernidade. Penso que outro
elemento muito importante foi a instituição de uma máquina partidária submetida a
uma férrea disciplina, solidamente organizada e ideologicamente orientada para a cons-
trução da modernidade: o Partido Republicano Rio-grandense (o PRR). Essa máquina
ocupou o jornal do Partido, a administração pública e as bancadas estadual e federal.
Infidelidades e manifestações de indisciplina não eram toleradas. Pertencer aos qua-
dros do Partido era a única possibilidade de participação nos quadros políticos oficiais
no Rio Grande. Todos os atos do Executivo foram exaustivamente justificados através
da doutrina positivista ou de uma produção científica que os embasava. Havia um
corpo de idéias que justificavam as condutas empreendidas, e elas eram proclamadas
tanto no jornal do Partido quanto nos discursos do Presidente e dos deputados. Partido
político com ideário só apareceria no Brasil quase no final do século XX. É curioso
assinalar ainda que a ditadura do Partido Republicano Rio-grandense iniciou-se um
quarto de século antes da ditadura do Partido Comunista na União Soviética, outra
- 87 -
ditadura que deveria conduzir a transformação de uma sociedade agrária em industri-
al.
Essa foi a ditadura que empurrou a sociedade do Rio Grande em direção ao mun-
do urbano e industrial. O pequeno grupo de positivistas precisou recrutar quadros fora
dos espaços sociais controlados ou sob a influência da classe dominante tradicional.
Foi buscá-los nos segmentos rurais que permaneciam à margem da dominação política
dos coronéis da fronteira, criou seus próprios coronéis nos campos do planalto orien-
tal; apoiou-se nas populações das zonas de colonização que precisavam do poder pú-
blico para legalizar a propriedade da terra e cujo crescimento econômico impulsionou
com a estrada de ferro; absorveu uma pequena burguesia urbana que se encontrava
politicamente disponível (FRANCO, 1962, p. 195); contrariamente ao resto dos parti-
dos republicanos, consagrou a intervenção do Estado na economia contra os princípios
contemporâneos do laissez-faire (LINS, 1964, p. 190); fomentou o desenvolvimento
dos bancos — os maiores bancos nacionais privados do País eram gaúchos -; fomentou
o desenvolvimento industrial, protegendo a indústria nascente; contemplou o operari-
ado com leis sociais que já estavam presentes no próprio texto Constitucional de 1891
muito antes de aparecerem na Constituição mexicana e na da Rússia em 1917 , ou na
Constituição da República de Weimar em 1919 (LINS, 1964, p.185). Segundo a frase
tão citada, o grupo queria "promover a incorporação do proletariado à sociedade mo-
derna" e não tratá-lo como questão de polícia, como ocorria em São Paulo. Encampou
o único porto marítimo do Estado e a rede ferroviária estadual. Deliberadamente, dian-
te da crise da pecuária e das charqueadas do Sul, ele promoveu a diversificação econô-
mica, ganhando com isso mais argumentos para resistir às demandas de privilégios das
classes tradicionais. Penso que todos os comportamentos políticos empreendidos pe-
los positivistas estavam profundamente marcados pela modernidade. Eles foram obri-
gados a isto, pois haviam alijado do poder os únicos que "por direito natural" poderi-
am pretender a ocupação do espaço político. É preciso não esquecer o contexto geral;
essas práticas e idéias aconteciam na ambiência gerada pelo agrarismo brasileiro da
época e seu muito recente desvencilhamento das peias da escravidão. Penso que houve
um imenso constraste entre a velocidade do projeto político e social do PRR e o maras-
mo político do Brasil de então, pois a mesmice da prática política imperial continuava
dominante pelo Brasil afora, à parte o ordenamento jurídico do Estado de direito bur-
guês implantado pela República (SAES, 1985), que pairava sobre tudo. Literalmente,
pairava.
Essa absorção política de novas classes sociais, absorção plural malgrado o
enquadramento autoritário, era um indício seguro da modernidade dos republicanos
positivistas. Eles acreditavam, conservadoramente, que o Mundo estaria para sempre
dividido entre o capital e o trabalho mas que sobre o capital e a propriedade recaía a
responsabilidade social pela geração de emprego e de renda dignos, assim como de
fornecer educação e cuidar da saúde do proletariado. Pensavam na responsabilidade
social do capital e da propriedade, pensavam em ordem e progresso. Quando a I Guer-
ra Mundial provocou a subida dos preços dos bens de primeira necessidade, eles proi-
biram a exportação de alimentos para impedir a carestia e a fome no Rio Grande.
Usaram a promoção de direitos sociais concedidos paulatinamente aos funcionários
públicos do Estado para provocar o mesmo fenômeno no setor privado. Na grande
greve de 1917, deram os maiores aumentos salariais aos membros do funcionarismo
- 88 -
IFEE-CüDOC
fóQUGTEGA
público para servir de exemplo ao setor privado. Com isso eles estavam simultaneamente
cuidando da reprodução do capital no longo prazo e contrariando os interesses dos
muitos capitais no curto prazo (POULANTZAS, 1977). Naquela passagem, a política
positivista foi capaz de sobrepor a reprodução da população aos interesses da acumu-
lação capitalista.
Os positivistas conceberam o Estado como estando acima dos interesses de gru-
pos e classes e com isso puderam construir uma postura que era radicalmente diversa
do uso brasileiro tradicional do espaço político, sempre utilizado para satisfação dos
interesses de grupos específicos, fundamentalmente da oligarquia rural de cada região.
E se puderam, com esses argumentos, rejeitar demandas das classes dominantes da
região, puderam também destinar recursos para classes e grupos emergentes que lhes
serviriam de apoio ou de clientela política. Mas, sobretudo, ao apresentarem à socie-
dade um Estado que era árbitro e que se sobrepunha aos interesses particularistas, um
Estado que geria o bem comum, o interesse de todos, eles "construíam" o discurso do
próprio Estado burguês, aquele que é neutro (POULANTZAS, 1977), que paira acima
das classes e que "realmente" incorpora o bem comum, o interesse de todos. O Estado
que os positivistas apresentaram à sociedade gaúcha não era mais o Estado dos gran-
des proprietários de terras, não mais o Estado dos que possuem os grandes patrimôni-
os, não era um Estado de alguns, era o Estado de todos. Eles realizavam assim a apre-
sentação clássica burguesa do seu Estado como sendo o de todos. E mais, os positivistas
não só defenderam em discursos esse tipo de Estado, eles o praticaram, pois o ideário
lhes era absolutamente necessário para enfrentar a maior e mais importante parcela da
classe dominante regional que estava excluída do poder e para criar os seus próprios
grupos de apoio. Não foi só discursado, foi um Estado burguês praticado.
Embora importantíssima, no meu entender, esta última não foi a única dimensão
burguesa do comportamento dos positivistas. Já indiquei que a questão do imposto,
aspecto central na relação do Estado com a sociedade, detinha um lugar de destaque
nas preocupações dos positivistas, pois, antes mesmo de ascender ao poder no Estado,
eles já se manifestavam pela instituição de um único imposto, o territorial rural
(MINELLA, 1985). Este deveria ser o principal responsável pela constituição dos
fundos públicos. Uma vez no poder, a proposta positivista foi de substituir paulatina-
mente o imposto de exportação pelo territorial rural. Em torno dessa questão, os
positivistas e os seus opositores criaram dois projetos econômicos distintos tanto no
que tange às receitas tributárias quanto às prioridades da despesa estadual (MINELLA,
1979, p.XIV).
Durante o período de elaboração da Constituição Nacional, os estados federados,
liderados por São Paulo, haviam abocanhado a mais preciosa fonte de recursos em um
país agroexportador: o imposto de exportação. No entanto, este era um imposto que só
interessava àqueles que colocavam suas produções no mercado internacional. Esse
imposto, no entanto, era também cobrado quando das exportações interestaduais. Ora,
preponderantemente, os produtos do Rio Grande tinham por escoadouro principal as
outras regiões do Brasil; nesse caso, o dito imposto de exportação, se era fonte de
recursos para o erário público estadual, também encarecia o produto nas praças consu-
midoras, o que reduzia a demanda e, então, a base do imposto. Um mau negócio. A
proposta positivista foi substituir a imposição sobre a riqueza exportada pela imposi-
ção sobre a propriedade rural. É evidente que as oposições desejavam exatamente o
oposto, tributar as exportações e não a propriedade rural.
- 89 -
Mas o imposto territorial foi instituído em 1902 e as tarifas adotadas pelo Presi-
dente do Estado foram mesmo aumentadas em 200% em relação às propostas existen-
tes, elaboradas pela Assembléia de Representantes. Posteriormente, em 1913, foi pro-
movida uma reforma fiscal que não só classificou as terras da pecuária segundo três
qualidades distintas (e sobre as quais incidiam três níveis diversos de alíquotas), quan-
to fez com que as benfeitorias deixassem de integrar a base tributável, pois foram
consideradas investimentos de capital e, portanto, desde o ponto de vista dos positivistas,
não deveriam ser tributadas. A não tributação das benfeitorias foi um aperfeiçoamento
do imposto territorial que foi uma conseqüência da expansão recente da lavoura capi-
talista e mecanizada de arroz irrigado, a qual, por sua vez, articulava investimentos
bancários e industriais e que era conduzida por empresários capitalistas arrendatários
de terras. O arroz já ocupava o quinto lugar na pauta de exportações do Estado
(MINELLA, 1979, p.7-17). O objetivo do imposto tornava-se ainda mais claro nessa
reforma, pois o que era desejado era a imposição sobre a propriedade rural e não sobre
o empreendimento capitalista. As benfeitorias, incorporações do capital à terra nua,
ficaram liberadas de impostos.
Nos debates que cercaram a reforma tributária de 1913, os positivistas apoiaram-
se em obra do uruguaio Manuel Herrera y Reissig que, baseado em estudo da legisla-
ção agrária de Rivadávia, nas propostas do americano Henry George e na reforma
tributária inglesa de 1909, pensava que a questão da terra era fundamental e, uma vez
que a renda da terra causava problemas sociais e distribuía desigualmente a riqueza, o
imposto único sobre o solo aparecia como a melhor forma de distribuir eqüitativamen-
te a riqueza (MINELLA, 1979, p.13) A Comissão de Orçamento de 1913 pronunciou-
se a favor do imposto e justificou sua posição dizendo que ele contribuía para um
relativo nivelamento das condições sociais, extinguindo o privilégio dos grandes pro-
prietários e produzindo uma distribuição mais eqüitativa da riqueza (MINELLA, 1979,
p. 13). Eu gostaria realmente de ler, somente ler, discursos deste teor nos debates
legislativos de Pernambuco, de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Não seria nem mesmo
necessário que realizassem qualquer coisa prática. Seria suficiente que aquelas catego-
rias do discurso aparecesem no debate legislativo.
As fontes científicas da argumentação dos positivistas, falavam que a elevação da
participação da renda da terra no produto era acompanhada da redução da parte que
caberia ao capital e ao trabalho (MINELLA, 1979, p. 15). Não interessa discutir o
acerto das justificativas teóricas utilizadas pelos positivistas. Interessa é que funda-
mentavam suas políticas em estudos que eles tinham por científicos e que o sentido
dessa ação fiscal particular era o de liberar o capital e o trabalho das peias da renda da
terra. A intenção burguesa e a busca de fundamentação científica da política fiscal, que
era uma forma de justificá-la ao apresentá-la como racional, são demasiadamente
claras para que se necessite tecer qualquer consideração a mais.
É preciso indicar, mesmo que de maneira sumária, o que tornou possível tanto a
existência dos positivistas quanto a experiência de quase 40 anos que empreenderam
no Rio Grande do Sul. Uma primeira indicação de resposta pode ser encontrada no
modo como os trabalhos escravo e livre foram vividos no Rio Grande do século XIX.
A questão do trabalho escravo, seu papel na produção e sua substituição fora a mais
importante questão do período imperial brasileiro. Já mostrei em outro ensaio (TARGA,
1991 b) que o escravismo gaúcho não foi um caso particular e incompleto do escravismo
- 90 -
clássico das plantations brasileiras, mas um escravismo totalmente outro. O sistema
produtivo não agrícola, a pecuária, a fronteira, as charqueadas e a estagnação e deca-
dência do setor escravista gaúcho nos últimos quarenta anos do Império colocavam de
forma diversa o problema da mão-de-obra servil no Sul. Quando mais não fosse, por-
que a esse mundo, que sobrevivia mal às expensas dos favores concedidos ou negados
pelo Império, se contrapunha um efervescente mundo criado pelo trabalho familiar
dos imigrantes alemães e italianos. Eram pequenas propriedades agrícolas, trabalha-
das com mão-de-obra familiar e onde as famílias eram proprietárias da terra e dos
meios de produção. O campo e as cidades criadas pelos imigrantes faziam um
contraponto de colméia às convulsões agônicas do escravismo do setor charqueador
gaúcho. Por isso, os republicanos gaúchos puderam ser impiedosos e radicais na cam-
panha abolicionista. A ameaça da abolição do trabalho servil era apresentada como
uma liberação de forças sociais. Em São Paulo, o escravismo ocupava o setor produti-
vo mais importante do Brasil, era patrimônio da oligarquia rural mais poderosa do
País, e uma parcela dos próprios republicanos era escravista; a abolição ameaçava
derrocar esse universo.
Já apontei também as conclusões de George P. Browne (1979) que mostram que
houve um projeto do primeiro Imperador tentando criar uma classe média rural com
imigrantes europeus que não baseassem sua produção no trabalho escravo e que deve-
riam servir de contraponto de poder rural aos latifundiários escravistas. O único lugar
do País em que D.Pedro I conseguiu instalar colônias de sucesso foi em São Leopoldo,
no Rio Grande do Sul, em 1824. Mas, penso eu, a experiência frutificou generosamen-
te. A indiferença de uma parcela importante da sociedade gaúcha pelo fim do escravismo
foi fruto dessa presença. Penso que essa classe média rural criada por D.Pedro I sub-
verteu realmente as expectativas sociais em relação ao universo escravista. Isolou-o,
mostrou que ele era decadente e estagnado. A sociedade colonial pôde assistir indife-
rente à agonia do sistema escravista. Essa sociedade de imigrantes foi uma inovação
social radical no mundo agrário brasileiro, pois ela promoveu a existência de uma
diversificação social que tornou a sociedade gaúcha muito mais dinâmica do que suas
congêneres contemporâneas. A sociedade agrária dos imigrantes vivenciava relações
de produção mais avançadas do que aquelas ainda não plenamente capitalistas que os
cafeicultores paulistas manteriam no mundo rural paulista até meados do século XX.
A diversificação social da sociedade agrária do Rio Grande foi o fermento para a pos-
sibilidade de existência dos positivistas e para o exercício de sua obra (TARGA, 1991).
Os fatos estão na mesa. Passo à especulação. O Estado autoritário implantado
pelos positivistas no Rio Grande do Sul, através de uma ditadura que impôs um novo
ordenamento jurídico à sociedade gaúcha, é o Estado de direito burguês. Décio Saes
(1985, p. 182-5) já mostrara que, no Brasil, não houve somente a revolução burguesa
tomada no sentido amplo, ou seja, uma longa transformação social que terminou pela
dominação das relações de produção capitalistas, mas que a seqüência abolição da
escravidão-proclamação da república-assembléia constituinte fora o episódio da re-
volução política burguesa no sentido estrito. Com ela fora implantado no Brasil o
Estado de direito burguês que forneceu o enquadramento jurídico indispensável ao
desenvolvimento de relações capitalistas de produção na sociedade.
Nessa linha, o que questiono é que a entrada no período republicano se tenha
restringido ao aspecto de alteração do ordenamento jurídico de um modo relativamen-
- 91 -
te pacífico e, ainda, que a revolução política burguesa, stricto sensu, no Brasil não
tenha sido acompanhada da violência da guerra civil. Ela seguramente o foi, mas não
na Capital Federal ou em São Paulo, porém no Rio Grande do Sul. A implantação do
Estado burguês na sua "forma castilhista", excluindo as elites agrárias, políticas e eco-
nômicas, gerou o episódio sangrento da revolução política burguesa brasileira. Esse é
o verdadeiro significado da Revolução de 1893: a guerra civil movida pela contra-
revolução para desmontar a forma de Estado burguês implantado, pois este era excluidor
das elites rurais tradicionais. Esse Estado autoritário castilhista, que prescinde de re-
presentação da sociedade, popular ou outra, que acumula em um mesmo poder as
funções legislativa e executiva e que, dessa forma, se libera de uma sociedade que ele
próprio vai transformar de uma maneira "científica e técnica", é a forma particular do
Estado brasileiro que vai promover a expansão da dominação capitalista no Brasil,
desde o universo do capital concorrencial até o do capital monopolista. Foi nesse
Estado "positivista" que começaram a existir os decretos-leis que se apresentam hoje
como medidas provisórias.
É o Estado da modernização conservadora, da revolução que vem do alto, e penso
aqui, é claro, em Barrington Moore e em Luciano Martins. É o Estado autoritário e
tecnocrático. É o presidente no vértice da pirâmide de poder no Leviatã da Sônia Draibe.
O Estado que Vargas levou para o Brasil com a Revolução de 30 e que, no dizer dele
mesmo, deveria pairar acima dos interesses das classes sociais e das regiões (isto é,
dos interesses das oligarquias regionais). Forma de Estado que iniciou a longa trajetó-
ria de transformação do Brasil de sociedade agrária em industrial, sob o domínio de
relações capitalistas de produção. No bem-dizer de Aspásia Camargo (1992) é o Esta-
do de Vargas com Vargas, de Vargas sem Vargas - e penso em Juscelino Kubitschek e
em sua administração paralela, cujos atos e dotações financeiras escapavam totalmen-
te ao controle parlamentar - e,finalmente,o Estado ditatorial dos militares, isto é, o de
Vargas contra Vargas; a forma de Estado que dominaria o Brasil, com fluxos e refluxos
- estes últimos mais aparentes que reais -, de 1930 até 1990.
Abstract
- 92 -
IF-0000678Í- 1 ?
Escrito n° 4
* Este ensaio constitui uma versão revista e reorganizada de um outro publicado sob o mesmo nome em
Ensaios FEE, (13)2:546-577.
** Pesquisador da FEE/NEHESP.
l Sobre a relação entre as características da estrutura produtiva industrial no Rio Grande do Sul ao final
da década de 20 e a posição periférica da economia e da indústria gaúchas no movimento realizado
pela industrialização restringida brasileira, ver, neste livro, o ensaio que publico sob o título de As
Razões Materiais da Posição Periférica da Indústria Gaúcha na Industrialização Restringida
Brasileira. Ver também sobre o mesmo assunto Almeida (1993). Já no que se refere à industrializa-
ção restringida brasileira, consultar Mello (1984) e Tavares (1986).
- 93 -
mia regional de São Paulo ocupa até hoje no movimento brasileiro de acumulação de
capital.2
Como disse, esta seção tem por objetivo precisar em que se consistiu e porque
ocorreu o processo de transformação que, vigendo no Rio Grande do Sul desde, pelo
menos, 1870, tornou viável a implantação da indústria gaúcha a partir da última déca-
da do século passado. Nesse sentido, pretendo caracterizar o dito processo como ten-
do sido o movimento promovido, direta ou indiretamente, pelas ações do capital co-
mercial, do capital externo e do Estado, que, envolvendo as sociedades da Campanha
e da Colônia gaúchas, as impulsionou para a gestação das condições materiais exigidas
para o surgimento da indústria no Rio Grande do Sul.
Para alcançar os objetivos previstos para a presente seção, concebi dois itens a ela
pertinentes. No primeiro, valho-me de diversas teses amplamente aceitas na bibliogra-
fia a respeito da história econômica sul-rio-grandense, para, sinteticamente, destacar o
papel que desempenharam os processos de povoamento e de apropriação do território
gaúcho na determinação do potencial para gestar as condições materiais previamente
exigidas para a implantação industrial nas duas sociedades que historicamente se cons-
tituíram no Rio Grande do Sul: as sociedades da Campanha e da Colônia.
Já no segundo item, apoiado no primeiro, enfrento a questão sugerida pelo título
da presente seção, explicando como as ações do capital comercial, do capital externo e
do Estado contribuíram, de maneira direta ou indireta, para o surgimento das condi-
ções materiais que viabilizaram a implantação da indústria no Rio Grande do Sul.
- 94 -
pecuária, que se localiza ao sul da linha que liga os rios Jacuí e Ibicuí, e a da Colônia,
delimitada pela dos rios que alimentam o Estuário do Guaíba (ROCHE, 1969; SINGER,
1977, pp.145-146).
A sociedade da pecuária - dedicada primordialmente à atividade produtiva vin-
culada ao binômio pecuária-charqueada e cujos produtos se destinavam principalmen-
te a outras economias regionais brasileiras - caracterizava-se, pelo menos até o fim do
século XIX, pela generalização da grande propriedade rural, por reduzido contingente
populacional frente à dimensão do território que o mesmo contigente ocupava, pelo
uso extensivo da terra, pela escassa utilização de tecnologia e por relações de produ-
ção que, na criação, envolviam o proprietário rural e o peão e, nas instalações de
charqueamento, a burguesia comercial e o escravo.
Em vista dessa caracterização, pode-se entender que os empreendimentos típicos
dessa sociedade apresentavam baixos níveis de produtividade e pequena capacitação
para competir no mercado nacional com os seus concorrentes platinos, organizados à
base de força de trabalho assalariada e utilizadores de técnicas de produção mais avan-
çadas (CARDOSO, 1977). Resultavam, por isso, exíguas as acumulações financeira e
produtiva, com o que se impôs, a partir da década de 70 do século passado, um quadro
de desvantagem competitiva e de estagnação econômica. Além disso, o reduzido con-
tingente populacional nas zonas rurais configurava-se em parca oferta de trabalho
assalariável nas cidades. Finalmente, a referida estagnação econômica, combinada à
concentração da renda decorrente das relações de produção que predominavam, impe-
dia que fosse vigoroso o crescimento dos mercados de bens de consumo e de produção
gestados por tal sociedade.
Por essas razões, pode-se dizer que o processo de povoamento e de apropriação
da terra na Campanha gaúcha derivou uma sociedade que, nas últimas décadas do
século passado, era carente de capitais monetários, de mercados e de força de trabalho
disponível para o assalariamento. Dessa forma, a sociedade instalada na Campanha,
envolvida que estava com a estagnação de suas atividades predominantes - a pecuária
e a charqueada —, também não dispunha da potencialidade para viabilizar atividades
produtivas subsidiárias na dimensão suficiente que, no decorrer do tempo, fosse capaz
de contribuir para a superação da estagnação em que se encontrava a mesma socieda-
de. Nesse sentido, apresentava escassas condições para promover o movimento em
exame neste trabalho.
A sociedade da Colônia, por sua vez, apesar de também não apresentar altos ní-
veis de tecnificação, possuía mais intensa vitalidade pelo menos desde a década de 70
do século passado. Embasada na pequena propriedade da terra, contava com numerosa
população, que desenvolvia diversificada atividade agropecuária, cujo produto era,
em significativa proporção, destinado a outros mercados brasileiros pela ação do ca-
pital comercial. Sua capacidade de competição advinha não só da eficiência da rede de
comércio encabeçada por atacadistas exportadores e importadores das maiores cida-
des gaúchas, mas, também, da então recente exploração das terras cultivadas e da es-
cassa diversificação agrícola, que, naquela época, caracterizava as principais econo-
mias regionais no Brasil.
Por isso, de maneira diversa à Campanha, a sociedade da Colônia, com rapidez,
acumulou capital sob a forma comercial, concentrando-o principalmente em empresas
comerciais atacadistas de Porto Alegre. Ademais, o vigor da expansão das exporta-
- 95 -
ções, em combinação com a intensa divisão da terra característica da zona colonial
gaúcha, gerava um importante mercado a ser explorado. Desse modo, acumulava-se
capital e gestava-se significativa capacidade de compra, num meio em que havia uma
numerosa população rural potencialmente transferfvel para as cidades, onde, mais cedo
ou mais tarde, teria de sujeitar-se ao assalariamento. Por essa razão, a expansão do
capital comercial, significando também o crescimento da atividade agropecuária da
Colônia, induzia e, mesmo, exigia uma rápida transformação social.
Para a descrição que, no próximo item, apresento acerca do movimento de trans-
formação que gerou as condições materiais necessárias para a implantação da indús-
tria no Rio Grande do Sul, é importante reter que os processos de povoamento e de
apropriação da terra gaúcha acabaram por gestar as duas sociedades antes referidas, a
da Campanha e a da Colônia. A Campanha apoiava-se na grande propriedade da terra,
desenvolvendo suas atividades produtivas predominantes - a da pecuária e a da
charqueada - através de relações dê produção que envolviam o grande proprietário
rural e o peão na criação do gado e a burguesia comercial e o escravo nas instalações
de charqueação. Dessa configuração resultavam, fiz referência, reduzida oferta de mão-
de-obra para o assalariamento, exíguas acumulações financeira e produtiva, lento cres-
cimento dos mercados de bens de consumo e de produção e, por via de conseqüência,
estagnação econômica. A sociedade da Colônia, por sua vez, assentava-se sobre a
pequena propriedade e sobre o trabalho independente de uma população numerosa de
colonos. Dessa sociedade derivavam rápida acumulação de capital comercial, intenso
crescimento de seu mercado e considerável população, que, no decorrer do tempo,
forneceria importantes contingentes humanos para os processos de urbanização e de
assalariamento. Assim, na sociedade da Colônia, diferentemente do que ocorria na
Campanha, impunha-se uma rápida transformação social.
Essa transformação social esteve na base da implantação industrial no Rio Gran-
de do Sul, marcando-a de forma indelével. No entanto é preciso, desde já, ter em conta
três importantes aspectos.
O primeiro deles se refere ao fato de que as ditas transformações não se limitaram
ao aludido movimento de acumulação de capital sob a forma comercial, à gestação de
mercados que dele decorreu e à transferência de contingentes populacionais da Colô-
nia para as cidades, abrangendo as mesmas transformações um universo mais amplo
de fatores. Dentre esses fatores, deve-se mencionar o desenvolvimento dos serviços
urbanos e da infra-estrutura regional, especialmente aquela relacionada à movimenta-
ção de mercadorias agrícolas e industriais.
O segundo aspecto relaciona-se aos agentes promotores das referidas transforma-
ções. A esse respeito, já deve ter ficado clara a importância atribuída por este trabalho
ao capital comercial enquanto agente responsável pela transformação da sociedade
gaúcha a partir da década de 70 do século passado. Mas o capital comercial não esteve
só na promoção de tais transformações. A ele se somaram o capital externo e o Estado
- nacional e regional — através de ações cuja consideração é indispensável para a
descrição das transformações que se quer caracterizar.
Finalmente, o último aspecto relaciona-se à abrangência espacial das transforma-
ções em exame. Embora, pelas razões anteriormente referidas, a sociedade da pecuária
e seu centro comercial, o eixo Rio Grande-Pelotas, contivessem um reduzido potencial
para a transformação social, também a Campanha foi objeto de importantes modifica-
- 96 -
FEE-CÉDOC
0ISÜOTECA
ções. Isso não porque o avanço da sociedade da pecuária e da charqueada em si mesmo
tenha sido capaz de resultar na consecução das condições materiais para tanto; ao
contrário, por razões diversas a serem esclarecidas, as modificações de que falo se
deram precipuamente pela ação do capital comercial, do capital externo e do Estado -
nacional e regional - na preservação de seus próprios interesses.
- 97 -
poucos, impelida para os centros urbanos em formação, onde seus integrantes se tor-
naram disponíveis para o assalariamento. Contudo formas particulares e, entre si, dife-
renciadas foram assumidas por esse movimento na zona colonial e na Campanha do
Rio Grande do Sul.
Nazona colonial, significativos contingentes populacionais - diante da continui-
dade do fracionamento de suas propriedades e/ou frente à redução da fertilidade do
solo de suas terras - viram-se, desde o final do século passado, ante o dilema dese
dirigirem para as novas regiões de colonização pioneira ou emigrarem para as cida-
des. Parcela substancial da populosa zona colonial deslocou-se para as cidades, onde,
instalando-se, se proletarizou. Em conseqüência, a implantação da indústria em Porto
Alegre e em seus arredores foi viabilizada pelo emprego de populações oriundas das
colônias. Pelo menos, é isso que permite pensar o estudo do caso das usinas Renner.
Nessas usinas, ainda entre 1920 e 1929, a maioria dos operários era de origem coloni-
al- alemã (55%) e italiana (7%) -, enquanto aqueles de origem lusitana eram a mino-
ria (12%). Já entre 1940 e 1949, os de origem alemã tinham reduzido sua participação
(32%), ao passo que os grupos de descendência italiana (15%) e lusitana (39%) se
tomaram mais expressivos, ao ponto de os últimos se transformarem no agrupamento
étnico mais representativo. Mesmo assim, ainda na década de 40, os operários porto-
alegrenses eram em sua maioria ex-camponeses, ou deles descendentes, na proporção
de dois terços (ROCHE, 1969, pp.584-588).
Na sociedade da Campanha, ocorreu um processo similar, embora com caracte-
rísticas próprias e envolvendo uma população menos numerosa. Nessa sociedade, tam-
bém uma parcela importante da população rural viu-se na contingência de se transferir
para as cidades, em razão da ocorrência de importantes modificações econômicas,
sociais e políticas. Dentre elas, citam-se o cercamento dos campos nas fazendas a
partir de 1870 e a instalação da viação férrea, que, em conjunto, diminuíram as neces-
sidades de peões, seja para as atividades de "recorrer o campo", seja para aquelas de
transportar os animais para os centros consumidores ou de abate e de charqueamento.
Além disso, o arrefecimento das atividades guerreiras no Estado, após 1923, contri-
buiu também para diminuir a necessidade de manter volumosa "peonada".
Os contingentes populacionais que resultaram excedentes desse processo se diri-
giram para as cidades. Em alguns casos, os peões transferiram-se para as pequenas
localidades urbanas da própria Campanha, onde aguardavam a oportunidade de se
assalariarem nas atividades de caráter sazonal que o desenvolvimento da cultura de
arroz passou a propiciar principalmente a partir de 1920. Outros dirigiram-se para os
centros urbanos de maior porte, constituindo agrupamentos potencialmente assalariáveis
pela indústria, que começava a tomar-se importante (BESKOW, 1984, pp.72-74,
OHLWEILER, 1982, p.19; SCHILLING, 1982, p.I13-114).
Há ainda que se considerar, é claro, o aumento do contingente populacional dis-
ponível para o assalariamento derivado da libertação, na década de 80 do século passa-
do, da população negra até então escravizada. Essa população, que, em 1872, reunia
cerca de 68 mil pessoas (Censo Geral de 1872, apud. CARDOSO, 1977, p.80, já
estava em sua maioria reunida nas cidades gaúchas - ocupadas nos serviços domésti-
cos - ou em tomo delas - nas charqueadas.
Assim, podemos concluir a respeito dos fatores condicionantes que determina-
ram a consecução do pré-requisito para a implantação da indústria no Rio Grande do
- 98 -
Sul relativo à força de trabalho assalariável. A consecução de tal pré-requisito deu-se
através de uma seqüência temporal de processos, que se iniciou pelo povoamento do
território sul-rio-grandense, o qual, a seu turno, derivou das reduções jesuíticas do
século XVII, dos desejos de ganhos de comerciantes paulistas, das políticas de assen-
tamento populacional praticadas por Portugal e, depois, pelo Brasil e do tráfico de
escravos negros. Uma vez ocorrido o assentamento populacional, constituíram-se as
sociedades da Campanha e da Colônia como sociedades predominantemente rurais.
Finalmente, das características dessas sociedades e de seu processo de desenvolvi-
mento resultou, ao longo do tempo, um movimento populacional em direção às cida-
des, movimento esse que garantiu o provimento da necessária força de trabalho para a
implantação industrial.
Essa taxa foi calculada a partir de informações relativas as exportações de banha, de farinha de
mandioca, de feijão, de fumo e de vinho constantes na Tabela l do Anexo Estatístico de Fonseca
(1985). Como deflator, utilizou-se a taxa de câmbio livre (moeda nacional por dólar) publicada em
Abreu (1989, Anexo Estatístico).
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exportações4 Isso significa que a pecuária e a charqueada, embora se encontrassem
estagnadas desde a década de 70 do século passado, foram atividades responsáveis por
um importante volume de produção. Por isso, apesar de a estrutura da propriedade da
terra e as relações predominantes de produção imporem uma divisão de renda muito
regressiva, desenvolveu-se um mercado local de dimensões que não podem ser des-
prezadas. É também razoável pensar-se que o comércio de exportação e de importação
tenha dado lugar a determinado volume de acumulação comercial, a qual tomou a
forma de empreendimentos como as charqueadas.
Assim, posso dizer que as vinculações da produção agropecuária gaúcha com os
mercados externos, estabelecidas, na maioria dos casos, pelo capital comercial com
outras economias regionais brasileiras, contribuíram destacadamente para que, já ao
final do século XDC, o Rio Grande do Sul contasse com importante desenvolvimento
da produção primária, do mercado regional e da acumulação comercial. Desta manei-
ra, as empresas comerciais induziram, através de suas transações com outras economi-
as regionais do País e mesmo com o Exterior, a viabilização da indústria no Rio Gran-
de do Sul, cuja implantação se iniciou na década de 90 do século XDC.
É importante realçar que, no referente à conquista de tais mercados externos, o
capital comercial, pelo menos a partir do início deste século, contou com a contribui-
ção do Governo Estadual, sob a forma de incentivos fiscais. A esse respeito, muitos
produtos - na maioria dos casos produtos artesanais, embora incluindo também algu-
mas mercadorias de origem industrial - não só tiveram suas alíquotas do Imposto de
Exportação reduzidas, mas, também, depois de algum tempo, tornaram-se isentos. É o
caso das exportações de arreamentos, de artefatos de ferro, de chapéus, de calçados, de
chocolates e caramelos, de licores, de móveis de madeira e ferro, de obras de couro, de
perfumarias e de vinhos. Já as cervejas tiveram suas alíquotas reduzidas de 4% para
2%. Tudo isso, de 1902 a 1914. O têxtil, o mais complexo ramo industrial gaúcho do
início do século, teve a alíquota de seus produtos reduzida de 4% para 3%, em 1904 e
ficou isenta em 1923.5
Em adição, preciso destacar que o Governo Estadual, no decorrer do tempo, foi
implementando um conjunto bastante amplo de incentivos fiscais destinados a esti-
mular a implantação e a expansão de empreendimentos de frigorificação de carnes em
solo gaúcho. Dentre eles, destacam-se os estabelecidos pelas Leis n° 201 e n°215, de
1916. A primeira concedia aos frigoríficos que se instalassem no Rio Grande do Sul a
isenção de impostos sobre exportações que os mesmos efetivassem durante um perío-
do de 30 anos. Já a segunda, com a intenção de viabilizar a implantação de frigoríficos
com capital de origem nacional, oferecia a esses capitais, através de pagamentos de
juros, a garantia de rendimento de 6% sobre o capital aplicado.
4 Entre 1890 e 1927, apesar da crise por que passava a charqueada gaúcha, as exportações de charque
expandiram-se, em termos reais, à taxa anual de 3,2%. Os valores das exportações de charque cons-
tam na Tabela l do Anexo Estatístico de Fonseca (1985). Como deflator, utilizou-se, também para
este caso, a taxa de câmbio publicada em Abreu (1989, Anexo Estatístico).
5 Essas informações são de Domingues (1929 apud REICHEL, 1978, p.30-31).
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Tais incentivos fiscais foram promovidos no contexto da Reforma Tributária de
1902. Esta, em essência, consistia na substituição das receitas do Governo Estadual
oriundas da taxação sobre as exportações pelo Imposto Territorial implantado na oca-
sião.6 O imposto então estabelecido recaía sobre a propriedade rural e tinha seu valor
calculado proporcionalmente à área e ao valor venal dos imóveis tributados. Ao tribu-
tar exclusivamente a propriedade rural, o Imposto Territorial significava a concessão
de privilégio aos proprietários urbanos, especialmente aos comerciantes e aos indus-
triais. Além disso, ao recair mais pesadamente sobre as grandes propriedades, privile-
giava os colonos estabelecidos no norte e no nordeste do Estado. Por isso, a reforma
contou com a oposição da maior parte dos pecuaristas, em geral grandes proprietários.
De qualquer forma, o Governo Estadual induzia as exportações ao crescimento, trans-
ferindo, para os comerciantes e os industriais, renda anteriormente apropriada pela
pecuária.7
Antes disse que a ação do capital comercial contribuiu decisivamente para que o
Rio Grande do Sul, já ao final do século XIX, contasse com importante desenvolvi-
mento da produção primária, do mercado regional e da própria acumulação de capital.
Agora, com a descrição da política de incentivos fiscais praticada pelo Governo Esta-
dual no início do século, verifica-se que, em muitos casos, a mesma ação foi executada
sob a proteção da referida política
A expansão dos fluxos de comércio desde o final do século passado trouxe consi-
go, além do significativo crescimento populacional das cidades gaúchas, importante
diversificação da oferta de serviços urbanos, especialmente em Porto Alegre, centro
comercial da zona colonial. Entre 1858 e 1920, a população da Capital foi multiplica-
da em 9,7 vezes, atingindo quase 180 mil habitantes; no mesmo período, implantaram-
se os serviços de água (1861), de bondes (1864) e de telefonia (1884), bem como
foram criadas as Faculdades Federais de Engenharia (1897), de Farmácia (1898), de
Medicina (1898), de Odontologia (1899), de Direito (1900), de Belas Artes (1908), de
Ciências Econômicas (1909) e de Agronomia e Veterinária (1910). Ainda em 1904, o
serviço de água foi municipalizado; em 1907, introduziram-se os bondes elétricos; e,
em 1908, iniciou o funcionamento de uma usina para iluminação pública. Além disso,
como tratarei quando for abordada a questão dos transportes, entre 1913 e 1929, foi
construída, com recursos públicos, a nova área portuária de Porto Alegre e aumentada
a profundidade do canal que, através da Lagoa dos Patos, liga Porto Alegre a Rio
Grande. Também é importante mencionar que Rio Grande - na época, a segunda cida-
de gaúcha em população, contando, em 1912, com 45 mil habitantes - era objeto de
importante empreendimento, que pretendia instalar naquela cidade um porto marítimo
para navegação de grande calado.8
6 A este respeito, Borges de Medeiros assim se expressava em 1903: "Se estamos convencidos da ne-
cessidade de amparar nossas indústrias, não vejo que outra medida protetora possa ser adotada com
mais eficácia que a supressão gradual e rápida das taxas de exportação". Já em 1907, dizia: "A refor-
ma tributária de 1902, tendo por base o imposto territorial, favoreceu o comércio e as indústrias pela
redução geral dos impostos de exportações". (Mensagens do Presidente do Estado do Rio Grande do
Sul, 1903, p. 30; 1907, p.31-32 apud REICHEL, 1978, p. 28-29).
7 Acerca do Imposto Territorial, ver Fonseca (1985, p.275-277)e Reichel (1978, p.26-31).
8 As informações contidas neste parágrafo foram extraídas de Singer (1977, p. 161,162,181, tabelas III
e X).
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Entre os serviços urbanos, é importante fazer menção à origem e ao desenvolvi-
mento do sistema financeiro. Na segunda metade do século XIX, instalaram-se em
Porto Alegre a sede do Banco da Província (1858), uma agência da Caixa Econômica
Federal (1875), a sede da Companhia Phoenix de Seguros (1879), uma filial do London
& Brazilian Bank (1888) e a sede do Banco do Comércio (1895). Com relação ao
Banco da Província e ao Banco do Comércio, dois dos três maiores bancos comerciais
privados do Rio Grande do Sul até 1930, é importante destacar que os mesmos tiveram
seu capital inicial provido principalmente por comerciantes estabelecidos em Porto
Alegre. Ainda a respeito do sistema financeiro, são de menção indispensável a criação
do Banco Pelotense em 1906 - fruto da incorporação de capitais oriundos da pecuária
e das charqueadas, bem como do comércio de Pelotas -, a instalação em Porto Alegre
de uma agência do Banco do Brasil em 1916 e a criação do Banco do Estado do Rio
Grande do Sul em 1928. Este último, concebido como forma de resolver os proble-
mas de créditos de longo prazo da pecuária gaúcha através de empréstimos hipotecá-
rios com fundos obtidos no Exterior (LAGEMANN, 1985, caps. I e IO)
A descrição apresentada nos parágrafos anteriores permite inferir que as ações do
capital comercial, do Estado e, em alguns casos, do capital externo também resulta-
ram, direta ou indiretamente, em importante desenvolvimento dos serviços urbanos no
Rio Grande do Sul, especialmente na Capital gaúcha. Esse desenvolvimento, por sua
vez, constituiu apenas uma faceta do rápido processo de urbanização sul-rio-grandense,
que começou a tomar corpo em meados do século XIX e que se consolidou no decor-
rer do século XX. Com o avanço do processo de urbanização, o mercado da economia
regional do Rio Grande do Sul reforçou seus mecanismos de expansão, tornando ainda
maiores as possibilidades de acumulação comercial e industrial.
Concluo, assim, que, nas seis décadas posteriores a 1870, as ações do capital
comercial e do Estado se somaram no sentido de promover a expansão do mercado
regional, o desenvolvimento dos serviços urbanos e a própria acumulação comercial,
fatores que, juntamente com o provimento da força de trabalho disponível ao
assalariamento, se antepunham à implantação e ao desenvolvimento da indústria no
Rio Grande do Sul.
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comerciantes utilizaram-se das gabarras - embarcações simples movidas a remo ou à
vela - para o transporte de mercadorias entre Porto Alegre, de um lado, e São Leopoldo
e Caí, de outro. Depois, a partir de 1850, as companhias transportadoras implantaram
os vapores, alargando sua área de ação pelos demais afluentes do Jacuí e pela Lagoa
dos Patos.9
As ferrovias gaúchas
Se pode ser dito que houve preponderância do capital comercial gaúcho na cons-
tituição das primeiras empresas de transportes fluviais no Rio Grande do Sul, o mes-
mo não acontece quando a referência é a instalação dos serviços de transportes que
exigiam grandes aportes de capital e tecnologia. Nesse sentido, é muito elucidativo
notar que o capital comercial do Rio Grande do Sul teve pouca ou nenhuma participa-
ção nas inversões que, nas últimas décadas do século passado e nas primeiras deste,
resultaram na implantação da viação férrea gaúcha e na construção das novas instala-
ções portuárias de Porto Alegre e, especialmente, de Rio Grande, onde os requisitos de
capital eram sensivelmente maiores.
A construção de ferrovias no Rio Grande do Sul iniciou-se nos anos 70 do século
passado, mas foram necessárias mais de três décadas para implantar as vias que esta-
beleceram a estrutura básica da rede ferroviária gaúcha. Na verdade, a referida
estrutura não foi constituída ao acaso, como ocorreu na maioria dos estados brasilei-
ros, pelo aglomerar de vias instaladas por interesses diversos. A viação férrea gaúcha
foi implantada de acordo com um projeto amplamente discutido por autoridades mili-
tares e civis. O projeto, de autoria do Engenheiro J. Ewbank Câmara, tinha como
finalidade, antes de promover o comércio, fazer da rede ferroviária a ser implantada
um instrumento estratégico-militar útil para eventuais situações de conflito com os
países vizinhos.
Dada a finalidade principal da rede, o documento foi discutido e, em essência,
aprovado pela alta oficialidade brasileira da época. Posteriormente, obteve também a
aprovação da Assembléia Geral, resultando daí o Decreto Imperial n° 2.397, de 10 de
dezembro de 1873, que autorizava a construção de duas linhas que, partindo de Porto
Alegre e de Rio Grande, se dirigiriam a pontos estratégicos na fronteira (DIAS, 1981,
P-21).
No projeto, estava previsto o estabelecimento de quatro vias básicas: a primeira
e mais importante via cortaria o Estado de leste a oeste, ligando Porto Alegre a Uru-
guaiana, com passagem por São Gabriel, localidade que assumiria o papel de centro
9 "Dos onze vapores em serviço regular no Rio Grande do Sul em 1858, apenas três serviam as linhas
Porto Alegre-Rio Grande, Rio Grande-Pelotas, Rio Grande-São José do Norte. Todos os outros esta-
vam afetos às linhas do Jacuí e seus afluentes, as das colônias: Porto Alegre-São Leopoldo (dois
vapores e duas viagens semanais), Porto Alegre-Caí (...) Porto Alegre-Taquari (...) (544 viagens men-
sais, em média), Porto Alegre-Rio Pardo-Cachoeira (...) esta última linha fora subvencionada pelo
Governo Provincial em 1857, mas para um vapor apenas, embora possuísse quatro" (ROCHE, 1969,
p. 59-62).
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ferroviário do Rio Grande do Sul;10 a segunda ligaria o centro comercial da Campanha,
Rio Grande e Pelotas, à via Leste-Oeste em São Gabriel, prevendo-se ramificações às
cidades fronteiriças de Jaguarão e de Santana do Livramento; a terceira partiria de São
Gabriel em direção ao Rio Uruguai no norte do Estado, passando por Cruz Alta; por
fim, a quarta, diferenciando-se das demais por possuir caráter preponderantemente
comercial, teria início em Porto Alegre e dirigir-se-ia às colônias alemãs, buscando
atingir São Leopoldo e Novo Hamburgo (DIAS, 1981, p.8-11).
Como se pode reparar, em decorrência de seus objetivos de caráter estratégico-
militar, o Projeto Ewbank deixa transparecer claramente sua intenção de viabilizar
rápido transporte de tropas e materiais bélicos a pontos estratégicos na fronteira gaú-
cha, a partir de Porto Alegre, de Rio Grande e de São Gabriel (DIAS, 1981, p.11-15).
Desse projeto, o Governo Federal financiou a maior parte da construção da via
Porto Alegre-Uruguaiana, concluindo os trechos Estação Taquari-Cacequi em 1883 e
Cacequi-Alegrete em 1902. Partindo de Alegrete, a viação férrea chegou a Uruguaiana
em 1903, através da aplicação de capital da empresa inglesa Brazil Great Southern
Railway. A via Rio Grande-São Gabriel foi construída pela também inglesa Southern
Brazilian Rio Grande do Sul Railway, alcançando Pelotas e Bagé em 1884 e São Gabriel
em 1900. A conexão entre São Gabriel e Cacequi, ligando Rio Grande à Estrada de
Ferro Porto Alegre-Uruguaiana, foi concluída em outubro de 1900 pelo capital belga
da Compagnie Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil. A via que alcançou Cruz Alta
em 1894 e Passo Fundo em 1900 foi também obra da mesma Compagnie Auxiliaire.
Contudo essa via não partiu de São Gabriel, como previra o Projeto Ewbank, mas, sim,
de Santa Maria, ponto integrante da via Leste-Oeste. Por fim, a última via, a que pre-
tendia ligar Porto Alegre às colônias alemãs com o intuito de expandir a atividade
comercial da Colônia, tornou-se realidade antes das demais, através da empresa Porto
Alegre and New Hamburg Brazilian Railway Company Limited, chegando a São
Leopoldo em 1874, a Novo Hamburgo em 1876 e a Taquara em 1903 (DIAS, 1981).
Finalmente, cabe ainda registrar que, em 1910, a viação férrea gaúcha foi interli-
gada ao sistema ferroviário de São Paulo através da linha Rio Grande-São Paulo, de
propriedade da Brazilian Southern Railway (PESAVENTO, 1980, p.36).
Como se viu, a maior parte da rede ferroviária gaúcha foi implantada com o obje-
tivo de incluí-la entre os elementos com que contaria o Estado brasileiro para manter
sua soberania no Rio Grande do Sul. Para levar a cabo o projeto de implantação de tal
rede, o Estado teve que contar com o auxílio do capital externo, dado o exíguo desen-
volvimento capitalista no Rio Grande do Sul e, mesmo, em São Paulo e no Rio de
Janeiro, que continham as economias regionais mais avançadas do País.
A rentabilidade prevista dos empreendimentos a serem realizados era, contudo,
muito reduzida para induzir o capital externo a desenvolvê-los. Isso pode ser percebi-
do através da consideração do fato de que boa parte da rede se localizaria em áreas
onde predominava a atividade pecuária, estagnada economicamente há muitas déca-
10 Não obstante as intenções expressas no projeto, o papel de centro ferroviário do Estado acabou sendo
assumido por Santa Maria, e a via Porto Alegre-Uruguaiana sequer passou por São Gabriel, que so-
mente foi ligada a ela em 1900.
- 104 -
FEE-CEÜOCI
B1BUOTECA j
das. Além disso, deve-se compreender que, durante um espaço de tempo muito longo,
as diversas estradas de ferro permaneceriam isoladas umas das outras, exercendo, por
isso, influência sobre áreas de restrita dimensão. Assim, durante esse longo período de
tempo, as estradas de ferro seriam incapazes de atrair para si grande proporção do
movimento de passageiros e de mercadorias efetivado por formas alternativas de trans-
porte, principalmente a navegação fluvial. Concorrência ainda mais intensa seria exer-
cida pela viação férrea uruguaia. A Ferrocarril Central dei Uruguay possuía linhas
que, partindo de cidades na fronteira com o Brasil, se dirigiam para Montevidéu. É o
caso das Unhas que se iniciavam em Artigas, Rivera e Rio Branco, localidades uru-
guaias conurbadas, respectivamente, a Quaraí, a Santana do Livramento e a Jaguarão."
Em Montevidéu, os exportadores gaúchos, em grande parte charqueadores, contavam
com o porto da cidade, que - diferentemente do porto de Rio Grande, único conjunto
portuário marítimo gaúcho — era capaz de operar com navios de grande calado, mais
eficientes para o transporte marítimo. Por isso, boa parte da produção gaúcha de charque,
cujo destino final eram outras economias regionais brasileiras, fluía primeiramente
para Montevidéu (PESAVENTO, 1980, p.36)
Dessa forma, muitos fatores atuavam no sentido de manter reduzido o volume de
carga transportada e baixa a rentabilidade prevista (e mesmo efetiva) da viação férrea
do Rio Grande do Sul. Dentre eles, destacam-se, como se viu, a estagnação da pecuária
e da charqueada gaúchas, o isolamento que se impunha aos diversos trechos da viação
férrea vigente após os primeiros anos de sua implantação, a possibilidade alternativa
de transporte oferecida pela navegação fluvial, e a concorrência imposta pela viação
férrea uruguaia.
Assim, a implantação da rede ferroviária gaúcha foi sendo realizada à medida que
o Estado financiasse a construção das estradas de ferro e que as explorasse ele próprio
— o que ocorreu com a Estrada de Ferro Porto Alegre-Uruguaiana até 1898 —, ou à
medida que fosse utilizado algum expediente para tornar lucrativas as inversões do
capital externo. Para tanto, duas formas foram encontradas. A primeira consistia no
arrendamento das estradas de ferro de propriedade do Estado. Com isso, para essas
companhias, seriam reduzidos os custos de inversão e elevar-se-ia a rentabilidade pri-
vada da aplicação de capital. A segunda era a aplicação de capital externo já na cons-
trução das próprias ferrovias, através da garantia de lucros prevista contratualmente,
por intermédio do compromisso assumido pelo Governo Federal no sentido de adicio-
nar aos lucros das concessionárias o pagamento necessário para que os mesmos atin-
gissem 6%-sebre o montante da inversão prevista no contrato (DIAS, 1981, p.3-4).
Nesse contexto, o projeto de implantação da viação férrea no Rio Grande do Sul
concretizou-se como uma iniciativa dos Governos Federal e Estadual, no sentido de
preservar a soberania nacional sobre o território gaúcho, iniciativa que não poderia ser
desenvolvida sem a contribuição do capital externo. Essa contribuição, todavia, só foi
possível na medida em que o Estado se dispôs a manter elevada a lucratividade privada
das inversões que seriam realizadas.
11 Também de Paso de Los Libres, localidade argentina situada na fronteira do Brasil, em Uruguaiana,
partia uma linha que alcançava as Cidades de Montevidéu e Buenos Aires.
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Mesmo assim, durante a maior parte do tempo, os serviços oferecidos pelasem-
presas transportadoras não alcançaram qualidade satisfatória, a rentabilidade do capi-
tal externo manteve-se reduzida e os ônus para os cofres públicos situararotse_em
níveis muito elevados. Uma tentativa de solução para os problemas daí advindos foi a
unificação da viação férrea gaúcha, sob o comando da Compagnie Auxiliaire. Essa
solução vigeu desde 1905 até 1920. Para tanto, o Estado do Rio Grande do Sul, em
1905, encampou todas as vias férreas privadas existentes em território gaúcho e trans-
feriu-as para a União, a qual de imediato, as arrendou, junto com as que lhe pertenci-
am, para a Compagnie Auxiliaire (DIAS, 1981, p. 193-203).
A solução da unificação, que parecia ideal, confirmou-se precária. A viação fér-
rea, ante o aumento de suas despesas e a incapacidade para aumentar suas receitas, não
resolveu o problema da má qualidade dos serviços prestados. Os acionistas da
Compagnie Auxiliaire, dada a sua baixa rentabilidade, não se interessavam por reali-
zar os novos investimentos que a viação férrea exigia. Com as dificuldades impostas
pela Primeira Guerra Mundial - referentes à importação de equipamentos —, a situação
agravou-se ainda mais. O desfecho deu-se em 1920, quando o Governo gaúcho obteve
do Governo Federal a encampação do patrimônio belga e sua transferência para a
administração estadual (DIAS, 1981, p.208-227).
Essas foram as características gerais do processo de implantação das ferrovias no
Rio Grande do Sul. Do processo descrito, há dois pontos a destacar. O primeiro diz
respeito ao próprio provimento do sistema ferroviário no Rio Grande do Sul, que
ligou os principais pontos de produção e de consumo da economia regional entre si e
estes com o centro do País, através de um meio de transporte muito superior aos
preexistentes. O segundo destaque relaciona-se à predominância dos motivos e das
ações do Estado e do capital externo para desenvolver os empreendimentos em ques-
tão, dadas as insuficiências de capital e tecnologia que então caracterizavam a econo-
mia privada no Rio Grande do Sul e mesmo no Brasil.
No que se refere às relações mantidas entre o Estado e o capital externo no con-
texto da implantação das ferrovias no Rio Grande do Sul, devo acrescentar duas obser-
vações fundamentais. A primeira aponta a necessidade com a qual se deparou o Estado
nacional no sentido de assumir o ônus de elevar a rentabilidade prevista das inversões
que se pretendia que o capital externo empreendesse. A segunda diz respeito aos resul-
tados obtidos da associação de interesses em pauta. Dessa associação resultou, inega-
velmente, a implantação da ferrovia no Rio Grande do Sul. Isso, ademais, aconteceu
de forma bastante aproximada àquela proposta pelo projeto Ewbank Câmara, que, em
essência, deu origem ao decreto imperial autorizando o início da construção das ferro-
vias. No entanto, a qualidade dos serviços prestados foi tão baixa que derivou a
encampação do patrimônio estrangeiro e a transferência da administração da ferrovia
para o Governo Estadual.
Não existem dúvidas de que os portos de Porto Alegre e de Rio Grande, constitu-
indo-se nos dois mais importantes portos da história sul-rio-grandense, se incluem
entre as condições materiais que contribuíram para o desenvolvimento comercial do
extremo sul do País. Por isso, a construção das novas instalações portuárias em Porto
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Alegre e em Rio Grande no início do século merece destaque na abordagem da trans-
formação ocorrida no Rio Grande do Sul, nas seis décadas posteriores a 1870, a qual
permitiu o florescimento da indústria gaúcha já a partir da última década do século
passado.
Em vista disso, pretendia descrever os processos que viabilizaram e impuseram
as novas instalações portuárias citadas, destacando os interesses neles envolvidos.
Contudo, dada a exigüidade da informação disponível, só me foi possível fazer uma tal
descrição para o caso do Porto de Rio Grande.
De qualquer forma, é útil realçar que a nova área portuária da capital gaúcha foi
construída entre 1913 e 1920, com recursos públicos, incluindo 15 armazéns e cais
capacitados para servir à navegação fluvial e à de cabotagem. Em correspondência, a
profundidade do canal que liga Porto Alegre a Rio Grande e, assim, ao oceano foi
aumentada para 4,5 metros em 1925 e para 5,5 metros em 1929.
Por sua vez, as novas instalações portuárias de Rio Grande, incluindo a constru-
ção do novo porto e a desobstrução de sua barra, tinham grande importância para
destacados setores políticos da sociedade gaúcha de então.
Para os exportadores e os importadores em geral e para os pecuaristas e os
charqueadores especificamente, as mesmas significariam maior rapidez e redução dos
custos de transporte das mercadorias transacionadas.
Para o capital externo com aplicações na viação férrea gaúcha, as obras referidas
representariam maior utilização das linhas que tinham Rio Grande por extremidade.
Isso porque a modernização do porto em questão poderia deslocar parcela significati-
va do fluxo de mercadorias que, contrabandeadas, eram transportadas ao porto de
Montevidéu pela mais eficiente Ferrocarril Central dei Uruguay.
Para o Governo do Estado, as obras em pauta conduziriam a um aumento da
massa dos impostos relativos às exportações, porque o deslocamento para o porto de
Rio Grande de parte do referido fluxo das mercadorias contrabandeadas teria como
resultado aumentar a base de tributação.
Finalmente, os pecuaristas e o Governo do Estado, desde o início do presente
século, interessavam-se pelas obras em questão na medida em que as mesmas consis-
tiam em pré-requisitos para a implantação naquela cidade do Frigorífico Rio Grande
(PESAVENTO, 1980, p.l 13). Esse frigorífico seria, de acordo com a intenção da épo-
ca, financiado por capitais reunidos entre os próprios pecuaristas e se anteporia às
manobras de redução dos preços do gado impostas pelos charqueadores gaúchos e
pelas empresas internacionais do ramo de frigorificação. Afora isso, o Frigorífico Rio
Grande, ao viabilizar que a produção pecuária gaúcha chegasse aos consumidores na
qualidade de carne congelada, e não na de charque, ensejaria a conquista de parcela
dos dinâmicos mercados das nações industrializadas. Nessa medida, as obras em Rio
Grande, enquanto pré-requisitos da implantação do referido frigorífico, eram vistas
como um instrumento da superação da crise que abalava a pecuária gaúcha desde a
sétima década do século XIX.
Em sua essência, as obras de que falo consistiam na construção de um porto ma-
rítimo capaz de servir a embarcações com até 10 metros de calado e na abertura de um
canal que se estendesse do porto às águas profundas do oceano. As exigências de
capital, de equipamento e de experiência específica na edificação de obras portuárias
como a em questão, assim como no caso das ferrovias, superavam em muito as possi-
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bilidades dos capitais nacionais e impunham a participação de empresas estrangeiras,
portadoras dos requisitos necessários para concretizar o empreendimento.
Em vista disso, a Companhie Française du Port de Rio Grande, em 1908, tornou-
se, através de contrato com o Governo Federal, concessionária dos serviços de implan-
tação, de operação e de conservação dos equipamentos portuários em questão.12 O
contrato continha uma cláusula que previa a duração dos direitos cedidos por um prazo
de 89 anos. Além disso, para garantir a rentabilidade privada do empreendimento, que,
de forma similar às inversões nas ferrovias, se apresentava prospectivamente baixa, o
Governo Federal obrigava-se igualmente ao pagamento dos rendimentos que faltas-
sem para que os lucros da Companhie Française atingissem anualmente os 6% sobre o
capital empatado.
No entanto os trabalhos contratados foram realizados com demasiada demora
pela Companhie Française. Somente em 1912 foi iniciada a construção do cais do
novo porto, e, ainda em 1915, esperava-se que, em futuro breve, o canal que ligaria o
porto ao alto mar desse passagem a navios de 5,5 a 6,0 metros de calado.
Em decorrência dessa situação, o Governo do Estado buscou conseguir da Câma-
ra de Deputados a autorização para que o Governo Federal antecipasse a encampação
do porto de Rio Grande, transferindo a concessão para o Estado do Rio Grande do Sul.
A autorização solicitada foi concedida em 1917. Dessa maneira, ainda que, em agosto
de 1918, o Snark, vapor norueguês com 7,3 metros de calado tenha atravessado a barra
e entrado no porto de Rio Grande, em outubro de 1918, a administração estadual to-
mou a si a função de levar a termo as obras do porto e da barra.
Contudo, mesmo assim, o Plano Geral de Viação do Estado, apresentado ao Se-
cretário de Estado dos Negócios das Obras Públicas em 1931, considerava incompleta
a solução alcançada para a barra e para o porto de Rio Grande. Isto porque, nos canais
de acesso ao oceano, haviam sido obtidos entre oito e nove metros de profundidade,
em vez dos 10 metros pretendidos em 1908. Ainda mais grave, no Porto Novo não se
contava, em função da grande sedimentação de areia, com profundidade estável maior
do que seis metros (RS, 1931, p.4). Como se vê, para o estágio de desenvolvimento
alcançado no Rio Grande do Sul, ainda em 1931, a barra tinha mais "querer" do que
pensava Gaspar Silveira Martins.l3
A descrição do processo de construção das novas instalações portuárias em Rio
Grande e da desobstrução de sua barra resulta em conclusões muito semelhantes àque-
las a que cheguei quando da análise do caso da implantação do sistema ferroviário no
Rio Grande do Sul. Tal como naquele caso, proveu-se a estrutura produtiva do Rio
Grande do Sul dos equipamentos e edificações pretendidos, isso contribuindo, sem
- 108 -
dúvidas, para a redução dos custos de transportes nas exportações e nas importações
gaúchas. Há semelhança também no fato de predominarem os motivos e as ações do
Estado e do capital externo na consecução dos empreendimentos pretendidos, assu-
mindo o capital comercial do Rio Grande do Sul uma posição de mero espectador.
Houve ainda similitude no que se refere às relações entre o Estado e o capital
externo. Essas relações, tal como se estabelecera para a implantação das ferrovias,
previam, contratualmente, a garantia pelo Governo Federal de lucros não inferiores a
6% sobre as inversões efetivamente realizadas pelo capital externo. A similitude das
relações é observável também quanto aos resultados obtidos. Apesar da demora para
atingir as inversões que resultassem nas instalações portuárias desejadas e na
desobstrução da barra do Rio Grande, a partir de 1918o único porto marítimo gaúcho
estava capacitado para o atendimento de navios de grande calado. No entanto os servi-
ços de desobstrução da barra e, mesmo, de preservação da profundidade do próprio
porto confirmaram-se muito'precários. Disso resultou, como aconteceu com a ferro-
via, o rompimento do contrato estabelecido com-o capital externo, passando o Gover-
no Estadual a administrar, diretamente, a continuidade das obras envolvidas.
Penso que, dessa forma, qs interesses do Estado brasileiro - em manter sua sobe-
rania sobre o território gaúcho e, em atender às reivindicações de setores políticos
regionalmente importantes -, bem como a estratégia de expansão de algumas empresas
internacionais, resultaram-na implantação de importantes empreendimentos na área de
transportes. Com eles, o Rio Grande d&Sul foi dotado de uma viação férrea que ligou
entre si os principais núcleos econômicos do Estado e estes com o centro do País e com
o Uruguai e a Argentina. Além disso, ao final da segunda década deste século, os
empreendimentos referidos transformaram o único porto marítimo gaúcho, já anteri-
ormente-vinculado à viação férrea e ao sistema de navegação fluvial existente no Esta-
do,-'em porto capaz de receber navios de grande calado, com o que foram reduzidos os
custos de transporte das transações inter-regionais e internacionais.
Nesse processo, o capital comercial do Rio Grande do Sul esteve à margem, se
bem que tais empreendimentos tenham se constituído em itens importantes entre as
condições materiais que viabilizaram a implantação da indústria gaúcha pelo capital
externo e pelos comerciantes do Rio Grande do Sul.
- 109 -
O capital externo, por sua vez, com certeza, não realizaria as referidas inversões
caso não considerasse ser importante a circulação de mercadorias empreendida pelo
capital comercial e não contasse com as benesses do Estado garantindo sua rentabili-
dade.
Finalmente, o Estado só pôde executar suas políticas econômico-financeiras e de
transportes no Rio Grande do Sul porque trabalhou em um ambiente em que não era
desprezível o desenvolvimento mercantil e porque o capital externo contribuiu com
seus aportes financeiro e tecnológico.
Dessa forma, posso dizer que as mutuamente influenciadas realizações do capital
comercial, do capital externo e do Estado envolveram a sociedade gaúcha em um
movimento que, nas seis décadas posteriores a 1870, fez crescer e diversificar a produ-
ção agrícola da zona colonial; que expandiu as exportações e gerou mercado para os
produtos industriais, induzindo-o ao crescimento; que organizou o sistema de trans-
portes fluviais e ferroviários; que modernizou o porto de Porto Alegre e capacitou o
porto de Rio Grande à navegação de grande calado; que concentrou capitais em mãos
dos comerciantes atacadistas dedicados aos negócios de exportação e importação; que
acelerou o processo de urbanização e de implantação de infra-estrutura urbana; e que
viabilizou o surgimento e a expansão do sistema financeiro gaúcho pela aplicação de
capitais localmente gerados ou atraídos do Exterior.
Adicione-se a isso que, como se viu, um importante volume de força de trabalho
se tornou disponível para o assalariamento, na medida em que contingentes
populacionais das sociedades da Colônia e da Campanha eram impelidos para as cida-
des, especialmente para Porto Alegre e para Pelotas e Rio Grande.
Nesse sentido, tal movimento foi também responsável pela viabilidade da trans-
ferência setorial de capitais, que possibilitou a implantação da indústria gaúcha a par-
tir da primeira metade da última década do século passado.
- 110 -
ram 287% entre 1903 e 1909. Contando com tal proteção tarifária e objetivando alcan-
çar os mercados do centro do País, comerciantes gaúchos e, mesmo, profissionais libe-
rais enriquecidos implantaram em terras arrendadas a exploração do arroz em moldes
capitalistas. Nesse contexto, progrediam, de um lado, a parceria e o assalariamento e,
de outro, a utilização de fertilizantes de origem industrial e de máquinas e equipamen-
tos. Dentre estes últimos, destacavam-se os locomóveis, as trilhadeiras e os implementos
agrícolas, os navios de pequeno porte, os carros de transporte, os secadores e os des-
cascadores industriais. Porém foi só a partir da Primeira Guerra Mundial que a produ-
ção orizícola gaúcha capitalista atingiu um nível de generalização significativo.14
Dessa forma, posso dizer que, de uma maneira geral, até meados da segunda
década deste século, ainda que a influência do capital comercial tenha sido capaz de
fazer crescer e diversificar a pecuária e a agricultura do Estado, isso não significou
importantes alterações de suas técnicas e relações de produção. Por isso, garantidos os
ganhos da pecuária pelo monopólio da terra, mantiveram-se as já então atrasadas for-
mas extensivas de criação, e parcos foram os avanços no que diz respeito às condições
sanitárias da atividade cnatória e ao refinamento do rebanho. Já na zona colonial,
técnicas rudimentares de produção foram preservadas durante muitas gerações, em
concomitância com o uso predatório da terra, que incluía a prática da queimada e a
não-utilização de adubos e fertilizantes industriais. Assim, a incapacidade característi-
ca no Rio Grande do Sul de transformar as atividades agropecuárias em atividades
capitalistas tinha por conseqüência manter baixa a produtividade do Setor Primário
gaúcho. Na Campanha, esse processo ia mais longe, expressando-se em grande difi-
culdade para operar também uma diversificação da produção em busca de produtos de
maior potencialidade nos mercados externos, como, por exemplo, os produtos oriun-
dos da agricultura.
Tudo isso se traduzia em obstáculos para aumentar os vínculos com o crescimen-
to capitalista de outras economias regionais e nacionais através das exportações e
mantinha contidas as possibilidades de acumulação de capital no Rio Grande do Sul.
Ainda mais, se a acumulação não era vigorosa, faltavam-lhe forças para transformar as
atividades agropecuárias em atividades capitalistas, para elevar a produtividade, para
diversificar a produção e para expandir as exportações.
Esse círculo vicioso punha limites também na solução dos problemas relativos à
implantação da infra-estrutura adequada à expansão da produção, como transparece
claramente nos casos da viação férrea gaúcha e da barra e do porto de Rio Grande. É
claro que esses limites também encontravam expressão no volume e no grau de diver-
sificação das inversões que, a partir de 1890, foram realizadas em empreendimentos
industriais, no Rio Grande do Sul.
No sentido dos parágrafos anteriores, o volume das exportações gaúchas no iní-
cio do século constitui um bom indicativo da capacidade da estrutura produtiva então
existente no Rio Grande do Sul para estabelecer vínculos com o crescimento econômi-
co de outras áreas. Se as exportações gaúchas não eram maiores, é porque o grau de
avanço dessa estrutura não era suficiente para competir de maneira mais vantajosa
- 111 -
com empreendimentos das outras economias regionais ou nacionais. De outro ponto
de vista, uma reduzida dimensão das exportações - na medida em que estas delimita-
vam o valor da produção excedente regional - impunha poucas possibilidades de avanço
capitalista no Rio Grande do Sul. Desse modo, o volume das exportações sul-rio-
grandenses pode ser tido como uma medida do seu potencial de expansão capitalista.
Como é sabido, a participação de São Paulo nas exportações brasileiras elevou-se
de um terço a um meio do início do século a 1928. Esse dado mostra que, naquele
estado, prevaleceram condições materiais muito mais adequadas do que em qualquer
outro para engajar-se no movimento de expansão capitalista de outras áreas. Por isso,
pode-se utilizar o nível das exportações paulistas como padrão de comparação para
avaliar a importância alcançada, no período em exame, pela vinculação da economia
gaúcha com outras economias regionais e nacionais. Obtém-se, dessa forma, uma idéia
da capacidade de transformação da estrutura produtiva que tinha tal vinculação.
A dimensão das exportações gaúchas frente às de São Paulo deixa claro que era
muito restrita a capacidade do Rio Grande do Sul para engajar-se no movimento de
expansão externa. Como se pode ver na Tabela l, as exportações gaúchas para o mer-
cado internacional oscilaram entre 3,9% e 10,5% do montante das vendas externas
realizadas por São Paulo entre 1901 e 1928. Mesmo adicionando às exportações gaú-
chas o montante equivalente às vendas para outros estados do País - montante este que
assumia valores particularmente elevados frente aos que prevaleciam nas outras eco-
nomias regionais brasileiras -, verifica-se que o total resultante, no período de 1901 a
1928, variou de um mínimo de um sexto a um máximo de um terço das exportações
externas de São Paulo.
Pode-se também comparar o comércio com o exterior do Rio Grande do Sul com
o comércio internacional realizado por São Paulo (Tabelas 2 e 3). O sentido de incluir
as importações nesta comparação não só deriva do fato de que, naquela época, as
importações se materializavam, em boa medida, em aquisições de equipamentos e
matérias-primas não produzidas internamente, mas também advém, igualmente, da
consideração de que o comércio importador propiciava, tal qual o exportador, impor-
tante acumulação concentrada de capital monetário. Excluindo-se 1921, a Tabela 3
mostra que, nos anos para os quais disponho de informação, o comércio com o exterior
total do Rio Grande do Sul, entre 1901 e 1928, correspondeu a valores que oscilaram
entre um quinto e um terço do comércio internacional de São Paulo.
- 112 -
FEE-CEDOC
BIBLIOTECA
Tabela n° l
Proporção das exportações externas e totais do Rio Grande do Sul relativamente às
exportações externas de São Paulo - 1901 a 1928.
(Exportações em contos de réis)
BRASIL SP RS Proporção das
Interaac. Interaac. Totais exportações do RS
(%)das com relação as de
exportaç. SP
ANOS brasileiras Interaac. Totais
Tabela n° 2
Proporção das Importações Totais do Rio Grande do Sul relativamente às impor-
tações realizadas por São Paulo de outras nações.
- 113 -
Tabela n° 3
Proporção do Comércio Externo Total do Rio Grande do Sul relativamente ao Comér-
cio Internacional de São Paulo
Comércio Externo em contos de réis RS/SP
Comércio Externo do Comércio Internacional de
Rio Grande do Sul São Paulo (%)
ANO Exportaç. Importaç. Totais Exportaç. Importaç. Totais
(D (2) (3H2W1) (4) (5) (6)=(4)+(5) (7M3)/(6)
1901 47.159 20.198 67.357 267.717 62.769 330.486 20,4
1915 89.048 42.347 131.395 464.865 1.556.826 621.691 21,1
1921 214.960 303.602 518.562 841.183 490.281 1.331.464 38,9
1925 473.997 599.488 1.073.485 2.191.971 1.286.573 3.478.544 30,9
1928 580.723 620.553 1.201.276 2.096.542 1.481.691 3.578.233 33,6
FONTES: Tabelas n"l e n"2.
Conclusão
Entre 1870 e 1930, teve lugar no Rio Grande do Sul um movimento de transfor-
mação que gestou as condições materiais para a implantação de sua indústria a partir
da última década do século passado. Nesse movimento, a produção agrícola cresceu e
diversificou-se consideravelmente; o mercado para bens industriais tornou-se signifi-
cativo; organizou-se o sistema de transportes fluviais e ferroviários; modernizou-se o
porto de Porto Alegre e o de Rio Grande, capacitando o último para o atendimento de
navios de grande calado; acumulou-se capital sob a forma comercial, concentrando-o
em mãos de grandes comerciantes atacadistas dedicados ao comércio de importações e
exportações; foram acelerados os processos de urbanização e implantação da infra-
estrutura urbana; considerável contingente populacional tornou-se potencialmente
assalariável pelo capital industrial; e o sistema financeiro gaúcho, que já contava com
o Banco da Província desde 1858, expandiu-se através da aplicação de capitais local-
mente gerados ou atraídos do Exterior.
Tal movimento de transformação foi o resultado direto ou indireto das ações
mutuamente influenciadas do capital comercial, do capital externo e do Estado. Nesse
sentido, o crescimento e a diversificação da produção agrícola, o fornecimento de
serviços urbanos, a expansão do mercado industrial e a acumulação concentrada e
prévia de capital resultaram principalmente da expansão do capital comercial, com
importante apoio da ação estatal. Excluindo-se o caso dos empreendimentos ligados à
navegação fluvial, que decorreram de aplicações do capital comercial, a organização
do sistema de transportes - aí incluídas a modernização do porto de Porto Alegre, a
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capacitação do porto de Rio Grande para o atendimento da navegação de grande cala-
do e a implantação das ferrovias gaúchas - esteve precipuamente a cargo do capital
externo e do Estado, em razão das elevadas exigências de capital e tecnologia que tal
sistema pressupunha. O surgimento e o desenvolvimento do sistema financeiro foi
obra do capital comercial, do capital externo e do Estado. Como exceção à regra de
que a transformação que teve lugar no Rio Grande do Sul entre 1870 e 1930 foi o
resultado direto ou indireto das ações do capital comercial, do capital externo e do
Estado, o provimento da mão-de-obra para o assalariamenteo decorreu sobretudo do
desenvolvimento das sociedades da Campanha e da Colônia gaúchas, desenvolvimen-
to este que transferiu consideráveis contingentes populacionais das zonas rurais para
as cidades. Com a transformação em tela, foram geradas as condições materiais para a
implantação da indústria do Rio Grande do Sul a partir da última década do século
passado.
Essa transformação, contudo, manteve-se dentro de estreitos limites. Isto porque
o capital comercial, ainda que tenha sido capaz de fazer crescer e diversificar a produ-
ção agropecuária sul-rio-grandense, não teve força ou estímulos suficientes para adentrar
ao nível dos processos produtivos que tinham curso tanto na Campanha quanto na
Colônia. Por isso, a ação do capital comercial não chegou ao ponto de impor mudanças
significativas e generalizadas na produção das principais mercadorias exportadas
pelo Rio Grande do Sul, mantendo-se reduzida a produtividade do Setor Primário
gaúcho. Essa situação traduzia-se em obstáculos para competir nos mercados de outras
economias regionais ou nacionais e para alcançar níveis de exportações que
viabilizassem maiores produção excedente e acumulação de capital. Por sua vez, os
limites que se impunham à acumulação de capital se transfiguravam em dificuldades
para transformar as atividades agropecuárias, para elevar a produtividade, para diver-
sificar a produção e para expandir as exportações. Essas mesmas dificuldades se ex-
pressavam também como limites que se antepunham à proletarização da força de tra-
balho, à expansão do mercado interno, ao financiamento das matérias primas e equipa-
mentos provindos do Exterior e ao desenvolvimento da infra-estrutura e de serviços
urbanos e de transportes. São esses os limites que se fizeram presentes na implantação
industrial do Rio Grande do Sul iniciada ao final do século passado.
Abstract
- 115 -
Escrito n° 5 IE-00006782-7
Introdução
* Este ensaio foi montado a partir de outro trabalho de minha autoria denominado de O processo de
expansão da indústria do Rio Grande do Sul entre 1930 e 1955 que consiste em minha Dissertação
de Mestrado em Economia, defendida em dezembro de 1993, junto ao Instituto de Economia da
Universidade Estatual de Campinas (UNICAMP). Da Dissertação de Mestrado, utilizei passagens
de seu primeiro capítulo que me interessaram para compor a primeira seção deste ensaio. Do mesmo
trabalho, fiz uso ainda da primeira seção de seu terceiro capítulo. Esta seção, com algumas modifica-
ções, compõe a segunda seção deste ensaio.
** Pesquisador NEHESP/FEE.
l Conforme Mello (1984, p. 110) e Tavares (1986, p. 186)
- 117 -
Através do processo de integração do mercado nacional, a industrialização brasi-
leira assim caracterizada promoveu a unidade das diversas economias regionais na
economia nacional. No entanto, essas economias regionais não desempenharam idên-
tico papel na unidade nacional: à economia regional de São Paulo coube o papel de
constituir o centro dinâmico, enquanto as demais economias regionais compuseram a
periferia nacional.2
Como será visto adiante, é proposição que assumo neste ensaio a de que a posição
cêntrica ou periférica das diferentes economias regionais brasileiras decorreu, respec-
tivamente do elevado ou reduzido grau de integração de suas estrututuras produtivas
industriais, grau este que dependeu do desenvolvimento capitalista pretérito alcança-
do em cada uma das ditas economias regionais.
Nesse sentido o objetivo deste ensaio é o de demosntrar que a posição periférica
da indústria gaúcha no movimento nacional de acumulação de capital consubs-
tanciado na industrialização restringida brasileira (1930-55) foi predeterminada
pelas condições materiais que caracterizavam a indústria sul-rio-grandense ao
início do mesmo movimento, condições estas que expressavam o exíguo desenvol-
vimento capitalista alcançado no Rio Grande do Sul até o fim da década de 20.
Para cumprir seus objetivos, o ensaio foi concebido de forma a conter duas se-
ções, além desta introdução. Na primeira seção, discuto esquematicamente os concei-
tos que adoto para definir e situar as indústrias regionais cêntricas e periféricas e suas
dinâmicas de expansão no movimento nacional de acumulação de capital. Com a dis-
cussão de tais conceitos, mais do que deixar claro o significado que atribuo às indústri-
as em questão e às suas dinâmicas de expansão, desejo explicitar os atributos que, no
meu entender, deve ter uma indústria regional para se constituir como indústria regio-
nal cêntrica ou periférica. Já na segunda seção, com base na primeira, mostro que o
desenvolvimento capitalista no Rio Grande do Sul desembocou em uma específica
estrutura industrial no final da década de 20, a qual, não reunindo os atributos de uma
estrutura industrial cêntrica, foi responável pela posição periférica que assumiu a in-
dústria gaúcha no decorrer da industrialização restringida brasileira.
Esclareço desde já, no entanto, que não pretendo incluir no presente ensaio uma
descrição da expansão industrial sul-rio-grandense no período de 1930 a 1955, no
sentido de provar que, de fato, a indústria gaúcha assumiu posição periférica na indus-
trialização restringida brasileira. Tal posição é suposta no presente ensaio. O que que-
ro destacar é que a estrutura industrial derivada do desenvolvimento capitalista sul-
rio-grandense ao final dos anos 20 não possuía os atributos característicos de uma
- 118 -
FEE-CEDOCI
BIBLIOTECA J
indústria regional cêntrica. Nesse sentido, a posição periférica da indústria gaúcha na
industrialização restringida brasileira foi predeterminada pelas condições materiais
correspondentes ao desenvolvimento capitalista alcançado no Rio Grande do Sul, no
período anterior a 1930.
Para cumprir os objetivos deste item, é preciso mostrar como se vinculam concei-
tualmente o processo de reprodução capitalista em nível nacional, a economia nacio-
nal, a dinâmica interdepartamental, a economia regional, a indústria regional e sua
dinâmica de expansão.
As sociedades nacionais capitalistas, para se reproduzirem, necessitam reprodu
zir as condições materiais de sua existência, isto é, precisam empreender o processo de
reprodução capitalista em nível nacional ou o processo nacional de acumulação de
capital.
Mantidas as suas características essenciais, esse processo se concretiza através de
múltiplas formas específicas, que dependem das peculiaridades da sociedade em que
ele toma corpo. Essas peculiaridades dizem respeito: (a) às relações de forças entre e
intraclasses sociais e à sua solução no que se refere à distribuição de rendas; (b) às
relações com o capital externo; (c) às características do Estado, em especial aquelas
referidas à definição das relações formais intercapitalistas e entre o capital e o traba
lho, bem como às relacionadas às áreas e às formas da intervenção estatal reguladora
ou promotora da atividade capitalista; (d) às características do financiamento corrente
- 119 -
e de longo prazo da economia; (e) as formas e ao grau de avanco do proces~o de
absorcao de tecnologia; e (0 a dimensao e a diversificacao da estrutura produtiva.
Condicionado por este conjunto de peculiaridades, 0 processo nacional de acumulacao
ganha especificidade, configurando-se em urn particular padrao nacional de acumula-
~ao de capital.
o conjunto de atividades produtivas que envolvem a reproducao das sociedades
capitalistas nacionais denomina-se de todo economico ou economia nacional. Esse
todo, contudo, nao e urn todo homogeneo, monolftico, compondo-se da producao de
meios de producao e da producao de meios de consumo. As atividades que dao base a
producao dessas duas categorias de meios materiais diferenciam-se, negam-se, pelas
funcoes diversas que exercem no processo de reproducao da sociedade capitalista.
Nesse sentido, as referidas atividades compoem as partes do todo economico, nele se
articulando e compondo sua unidade.! A cada uma das partes desse todo da-se 0 nome
de secao ou departamento: 0 departamento produtor de meios de producao (departa-
mento I) e 0 departamento produtor de meios de consumo (departamento 11).4 Por sua
vez, cada urn destes departamentos e composto por urn conjunto variado de ramos. ,.
Constituem urn ramo as atividades produtivas destinadas a producao de bens cuja
finalidade e a satisfacao de uma mesma necessidade do consumo produtivo ou impro-
dutivo.
A atividade conjunta dos departamentos da producao social- as partes constitutivas
do todo economico - supre este todo da globalidade dos meios materiais de que 0
mesmo necessita para reproduzir-se atraves da interdependencia que vincula mutua-
mente os referidos departamentos. As necessidades de meios de consumo para a
efetivacao da producao do departamento produtor de bens de producao sao providas
pela atividade no departamento II. A recfproca e verdadeira. As exigencias de meios
de producao para as atividades produtivas no departamento de bens de consumo sao
satisfeitas com os produtos elaborados pelo departamento I. .
Mais do que isso, com a referida interdependencia, a producao levada a cabo em
cada urn dos departamentos da producao social submete-se a coerencia da reproducao
do todo economico, De urn lado, esta coerencia e garantida na medida em que 0 con-
junto das necessidades materiais de reproducao do todo econornico se expressa nos
volumes absolutos e relativos dos mercados que se antepoem aos diversos departa-
mentos e ramos produtivos. De outro, a aludida coerencia e validada porque a concor-
rencia intercapitalista se encarrega de impor que a determinacao dos nfveis correntes
de producao e a alocacao de capitais entre os diferentes segmentos produtivos sejam
compatfveis com os ditos mercados. Desta forma, a interdependencia que envolve os
- 120 -
departamentos e ramos da produção social impõe a estruturação dos segmentos pro-
dutivos que adere às necessidades globais de reprodução capitalista.
No entanto a interdependência dos departamentos da produção social, descrita
nos parágrafos anteriores, contém mais do que a viabilização do suprimento das con-
dições materiais de existência de uma economia nacional; contém também a ra-
cionalidade global da tendência para produzir movimentos de expansão ou, mesmo, de
retração característica das sociedades capitalistas. Se os capitalistas do departamento
I, desejando maximizar seus lucros, aumentam (diminuem) a atividade produtiva em
seus estabelecimentos, ocorre um acréscimo (decréscimo) das necessidades de merca-
dorias oriundas do departamento II, que se expressa na ampliação (retração) do mer-
cado para bens de consumo. Em resposta às maiores (menores) possibilidades de ven-
das, os capitalistas do departamento II, também pelo desejo de maximização de seus
lucros, são induzidos a aumentar (diminuir) sua produção. Em conseqüência, é gestada
nova expansão (redução) do mercado, agora envolvendo bens de produção. Por isto,
da reação do departamento II ao estímulo inicial oriundo da produção de bens de
produção, resulta nova expansão do departamento I. Assim, pode se instalar um
processo circular de gestação de estímulos entre os departamentos da produção social,
cujo resultado final é o contínuo crescimento (decréscimo) da atividade econômica
global. É claro que este mesmo processo pode ter início no departamento produtor de
bens de consumo, com iguais resultados no que diz respeito ao nível global da ativida-
de econômica.
Neste contexto, o conjunto das decisões privadas tomadas com a finalidade de
maximização dos lucros, impõe à sociedade capitalista um movimento que reproduz
incessantemente os meios de que a mesma necessita para reproduzir-se.5 A esse movi-
mento dá-se o nome de dinâmica interdepartamental. A dinâmica interdepartamental
é, assim, concebida em uma primeira formulação, como o movimento condicionado à
obtenção dos lucros que as relações de interdependência dos departamentos e ramos
produtivos de uma economia capitalista impõem a esta economia, garantindo a repro-
dução material da sociedade que constitui o substrato do referido movimento.
Não obstante, a dinâmica interdepartamental não contém apenas relações de
interdependência, mas também relações de liderança. Entende-se por liderança a capa-
cidade que possuem determinados departamentos ou ramos produtivos de uma econo-
mia para gerar estímulos que, difundidos via interdependência departamental, se cons-
tituem na origem das alterações do nível ou da velocidade de expansão da produção
dos demais departamentos ou ramos desta mesma economia. Aos primeiros segmentos
denomina-se de departamentos ou ramos líderes, em oposição aos demais, aos quais se
costuma chamar de departamentos ou ramos subordinados.
Os referidos estímulos em que as relações de liderança tomam forma têm sua
razão de ser na relativa autonomia que subsiste na determinação dos patamares de
produção dos segmentos que assumem a posição de liderança interdepartamental. Com
isso, se quer dizer que o nível da atividade econômica nestes segmentos possui signi-
ficativa liberdade diante das imposições que lhes advêm das relações de interdepen-
dência intrínsecas ao movimento da economia nacional.
- 121 -
Por sua vez, a aludida autonomia relativa deve-se a determinados vínculos que
os departamentos e ramos-líderes estabelecem no processo de expansão capitalista em
que estão inseridos. Estes vínculos podem estar referidos às características gerais do
processo de acumulação de capital ou ainda às peculiaridades de um específico padrão
de acumulação capitalista.
Como exemplo da relativa autonomia referida às características gerais do proces-
so de acumulação de capital, citam-se as oscilações do nível de produção do departa-
mento produtor de bens de capital em decorrência da constante reavaliação pelos inte-
grantes da classe capitalista de suas decisões no tocante à inversão produtiva. Como é
sabido, tais decisões derivam do comportamento muitas vezes instável da lucrativida-
de esperada das novas inversões, o que corresponde a dizer que a produção de bens de
capital tem uma evolução que, em importante grau, independe do nível de atividade
dos segmentos produtivos que lhe constituem os mercados. Dessa maneira, em muitas
situações, a produção destes bens tende a oscilar de forma relativamente autônoma
frente ao nível de produção dos demais departamentos ou ramos produtivos.
Mas, como disse, o movimento relativamente autônomo dos diferentes departa-
mentos e ramos produtivos também pode ter origem nos vínculos que os mesmos
estabelecem com mecanismos que são peculiares do padrão de acumulação vigente.
Mais especificamente, nestes casos, a autonomia relativa resulta da potencialidade
material, de que dispõem os departamentos ou ramos-líderes para expandir (retrair)
sua produção, em razão das características que assumem, em um específico movimen-
to global da economia: o processo distributivo; as relações intercapitalistas — incluí-
das aí as relações com o capital externo —; a estrutura e as formas de atuação do
Estado; os instrumentos destinados ao financiamento corrente e de longo prazo; o
processo de gestação, absorção e difusão de novas tecnologias; e os níveis pretéritos
de expansão e diversificação da estrutura produtiva nacional.
Uma vez dadas as condições que permitem a um departamento ou ramo produti-
vo expandir (retrair) de forma relativamente autônoma a sua produção, a partir dele se
impõe a liderança, através das trocas intra ou interdepartamentais. Da expansão
(retração) dos ramos-líderes resulta o movimento expansivo (depressivo) dos ramos
subordinados. Isto é, no processo de expansão (retração) da economia, fica constituída
uma hierarquia que estabelece a primazia dos ramos-líderes diante dos subordinados.
Assim, ante a consideração das relações de liderança, torna-se necessário introduzir
novo componente na descrição anteriormente feita da racionalidade da tendência glo-
bal de expansão ou de retração que é conferida às economias capitalistas pela interde-
pendência dos seus segmentos produtivos. Este novo componente é o da hierarquização
que se estabelece entre os departamentos e ramos da produção social. Tendo-se pre-
sente tal hierarquização, torna-se claro que os movimentos de expansão e retração das
economias capitalistas têm suas origens determinadas pelos movimentos autônomos
dos ramos-líderes.
Dada a noção de hierarquização, pode-se reformular o conceito de dinâmica
interdepartamental. Por esta reformulação, a dinâmica interdepartamental passa a ser
concebida como o movimento condicionado à obtenção dos lucros que as relações de
liderança e de interdependência dos departamentos e ramos produtivos de uma econo-
mia capitalista impõem a essa economia, garantindo a reprodução material da socie-
dade que constitui o substrato do referido movimento.
- 122 -
Para chegar à definição de economia regional6 como uma derivação da dinâmica
interdepartamental em nível nacional, presume-se uma sociedade nacional capitalista
suficientemente desenvolvida para conter um único processo de reprodução das
condições materiais de sua existência, ou seja, um processo de reprodução material
que se imponha nacionalmente. A presunção de tal processo de reprodução correspon-
de a admitir a existência de uma única dinâmica interdepartamental que organize todos
os capitais integrantes da mesma sociedade em departamentos e ramos da produção
social, independentemente da economia regional em que os mesmos se situam. Para
que isto ocorra, é necessário que a competição intercapitalista tenha avançado sufici-
entemente para integrar os capitais das diferentes regiões ao referido processo de
reprodução ou, dito de outra forma, é preciso que a integração do mercado nacional
tenha atingido significativo desenvolvimento. Válida essa suposição, o todo econômi-
co impõe-se nacionalmente. Por isto, as partes deste todo - seus departamentos e ra-
mos -, bem como a própria dinâmica departamental a ele subjacente têm caráter naci-
onal.
Se a unidade da reprodução capitalista se impõe nacionalmente, no movimento
de expansão do capital em nível regional não há um todo constituído. Sem todo, não
há partes. Por isso, nesse caso, inexistem ramos, departamentos e dinâmica
departamental ao nível das economias regionais. Strictu sensu, sequer pode ser dito
que existam economias regionais quando o mercado nacional se encontra integrado.
Não existindo departamentos e ramos da produção regional, há segmentos ou
frações dos departamentos e ramos da economia nacional instalados nas diferentes
regiões. Desta forma, o que se costuma chamar de economia regional é, na verdade,
um conjunto regionalmente sediado de segmentos das partes, isto é, dos departamen-
tos que compõem a economia nacional.7 Nesse sentido, a economia regional não con-
tém unidade de movimento, não constitui o todo econômico e nem tem lógica própria
de expansão. Mais precisamente, as economias regionais devem ser concebidas en-
quanto manifestações da espacialização da dinâmica interdepartamental em nível na-
cional.
Mas o significado de economia regional não é integralmente captado através da
idéia de espacialização da dinâmica interdepartamental que se impõe à economia naci-
onal. É necessário considerar ainda que as economias regionais são constituídas tam-
bém pela coesão que une as atividades produtivas delas integrantes. A dita coesão é a
que, se opondo à completa integração do mercado nacional, deriva da preferência pe-
las transações locais em função dos custos adicionais que se impõem ao comércio
inter-regional. Dentre os custos a que se está referindo, destacam-se os relativos ao
transporte de mercadorias, aos sistemas de tributação inter-regional e aos investimen-
tos necessários para competir nacionalmente.8
A definição que neste item apresento para economia regional deve ser entendida como parte do
esforço de aperfeiçoamento conceituai que se realiza a partir de FEE (1978), em Almeida e Lima
(1983); Almeida (1989;1993); Souza (1983; 1984); Targa (1984; 1989) e Almeida (1993).
Ver Almeida (1989; 1993) e Targa (1989).
É certo que, à medida em que avança a acumulação em nível nacional, os custos referidos têm sua
importância diminuída. Pouco a pouco, a acumulação capitalista vai aumentando a capacidade dos
capitais para competir nacionalmente, melhoram os sistemas de transportes e, via de regra, impõe-se
a tendência da superação das barreiras inter-regionais de caráter fiscal. Com isto, aprofunda-se a
integração do mercado nacional e torna-se menor a coesão que caracteriza as economias regionais.
Não obstante, atingido certo nível de redução dos custos específicos do comércio inter-regional, tor-
na-se difícil obter ganhos adicionais no mesmo sentido. Por isso, comparativamente às demais, as
transações inter-regionais tendem a se manter mais onerosas, preservando a coesão que une as ativi-
dades produtivas de uma economia regional.
- 123 -
À aceitação da coesão a que estou me referindo corresponde admitir que as rela-
ções de interdependência e de liderança da dinâmica departamental têm maior valida-
de no âmbito intra-regional do que fora dele. Dito de outro modo, os estímulos para o
crescimento (ou retração) derivados das relações departamentais impõem-se de ma-
neira mais decisiva nos limites da economia regional em que eles têm origem e de
forma menos aguda no restante da economia nacional. Dessa maneira, constitui-se em
cada economia regional, sob a forma de um específico mercado a ela vinculado, um
particular ambiente de estimulação à expansão econômica, que depende de sua capa-
cidade para a gestação dos referidos estímulos.
Assim, como disse, não é suficiente conceituar a economia regional como a ati-
vidade produtiva que, levada a cabo em determinada porção do território nacional, é
composta pelo conjunto de segmentos que o mesmo sedia das partes que compõem a
economia nacional. Além disso, é preciso considerar a coesão que, em oposição à
dinâmica interdepartamental, une as atividades produtivas contidas em cada uma das
economias regionais, propiciando-lhes específico ambiente de estimulação, que as in-
dividualizam perante às suas congêneres na economia nacional.
Dessa forma, pode-se dizer que economia regional é o conjunto regionalmente
sediado de segmentos dos departamentos da economia nacional cujo movimento está
referido tanto à dinâmica departamental em nível nacional quanto ao específico ambi-
ente de estimulação derivado da coesão que une as atividades produtivas pertencentes
à mesma economia regional.
t Conceituada a economia regional, posso passar à definição de indústria regional.
Em certo sentido, pode-se dizer que a indústria regional não é mais do que uma fração
específica da economia regional que a contém: a fração envolvida com a produção
industrial. Por isso, também é certo afirmar que, como a economia regional, a indústria
nela contida é igualmente composta por um conjunto de segmentos dos ramos da eco-
nomia nacional, não constituindo um todo econômico e nem possuindo lógica própria
de expansão. Nesse sentido, também a indústria regional deve ser concebida como
uma manifestação da espacialização da dinâmica departamental em nível nacional.
Mas é preciso ressaltar que, ainda que as indústrias regionais não constituam
todos econômicos nem tenham lógica própria de expansão, são portadoras de impor-
tantes peculiaridades materiais que influenciam decisivamente na definição de seu
processo de crescimento e diversificação ou, dito de outra forma, de sua dinâmica de
expansão. Por isso, assume-se que a conceituação das indústrias regionais não pode se
esgotar na sua caracterização como um conjunto indiferenciado de segmentos da eco-
nomia nacional, mas deve levar em consideração também as condições materiais espe-
cíficas que individualizam a sua dinâmica de expansão relativamente à que tem lugar
nas demais economias regionais que integram a economia nacional.
Isso significa dizer que a indústria regional, além de ser vista como uma expres-
são da dinâmica interdepartamental vigente em nível nacional, deve ser considerada
como a atividade produtiva levada a cabo pelo específico conjunto de empreendimen-
tos industriais regionalmente sediados que compõe sua estrutura produtiva. A
especificidade do dito conjunto refere-se tanto ao volume de capital que os mesmos
empreendimentos mobilizam quanto à forma em que este capital se distribui entre os
múltiplos capitais individuais e entre os diversos ramos da economia nacional. Além
disso, deve-se ter presente que a indústria regional é uma atividade produtiva que
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ocorre apoiada também sobre o capital envolvido com a produção primária e terciária,
sobre a força de trabalho assalariável, sobre os recursos naturais e sobre os investi-
mentos em infra-estrutura. Finalmente, não se pode deixar de considerar a particular
estimulação departamental vigente na economia regional em que a referida indústria
se localiza. Essa particular estimulação, se bem que seja fortemente determinada pela
dinâmica interdeparmental que vige nacionalmente, é definida também pelo grau de
diversificação que possui a estrutura produtiva regional.
Assim, a indústria de uma economia regional é a atividade industrial contida
nesta economia, atividade esta que, referida à espacialização da dinâmica departamental
em nível nacional e apoiada em específica estrutura produtiva, se caracteriza por par-
ticular processo de crescimento e diversificação. Esse processo é, nesse trabalho, de-
nominado de dinâmica de expansão das indústrias regionais. Por isso, pode-se dizer
que a dinâmica de expansão das indústrias regionais é o movimento que essas mesmas
indústrias realizam no sentido de sua expansão e diversificação, o qual, ao mesmo
tempo em que consiste em uma manifestação da espacialização da dinâmica
departamental em nível nacional, assume sua especificidade através da influência que
advém das características materiais de sua estrutura produtiva.
Este item tem por objetivo expor os conceitos de indústrias regionais cêntricas e
periféricas a partir da dinâmica particular de expansão que as mesmas indústrias são
capazes de empreender no seio do movimento de reprodução do capital em nível naci-
onal. Somente através de tais conceitos se torna possível afirmar que a indústria do Rio
Grande do Sul assumiu posição periférica no processo da industrialização restringida
brasileira.
As indústrias regionais, dependendo do desenvolvimento capitalista pretérito por
elas alcançado, podem empreender uma dinâmica de expansão que assume no movi-
mento nacional de acumulação de capital a posição cêntrica ou periférica. São cêntricas
ou periféricas as indústrias regionais cujas dinâmicas de expansão tomam respectiva-
mente as posições cêntricas ou periféricas no movimento nacional de acumulação de
capital.
No caso das indústrias regionais cêntricas, isto é, as componentes do centro
dinâmico da acumulação de capital em nível nacional, a dinâmica de expansão indus-
trial se embasa numa estrutura produtiva que supõe um importante desenvolvimento
capitalista pretérito: o conjunto dos capitais regionalmente instalados - especial-
mente os localizados nos segmentos industriais - conta com um generalizado
assalariamento, com uma desenvolvida infra-estrutura urbana e de produção e com um
parque industrial que não só tem grande porte, mas, especialmente, que se caracteriza
por um elevado grau de diversificação, isto é, que abrange a maior parte dos ramos-
líderes e subordinados necessários à reprodução da economia nacional. Por conter um
tal grau de diversificação, isto é, por serem capazes de reproduzir grande parte dos
meios materiais necessários à reprodução capitalista em nível nacional, as estruturas
produtivas das indústrias regionais cêntricas dispõem também de um elevado grau de
integração.
- 125 -
Nestas condições de diversificação e integração, a dinâmica de expansão indus-
trial das economias regionais cêntricas constitui-se num processo relativamente au-
tônomo de expansão e diversificação produtivas.9 Isto não só porque de uma manei-
ra geral, os recursos materiais necessários para tanto estão presentes nas economias
regionais que formam o centro dinâmico da acumulação de capital. A relativa autono-
mia existe também e principalmente porque da presença e da interação dos ramos-
líderes e subordinados, resultam, como se viu no item anterior, movimentos de expan-
são (retração) que envolvem a totalidade dos segmentos produtivos.
Por isso, as indústrias regionais muito diversificadas ou muito integradas contam
com uma particular forma de expansão e diversificação industrial. Uma vez to-
madas as decisões privadas e/ou públicas que determinam o crescimento relativamen-
te autônomo da produção dos segmentos líderes - por exemplo, decisões que digam
respeito a inversões destinadas ao crescimento da capacidade produtiva industrial ou
ao aumento da disponibilidade de infra-estrutura, bem como à difusão de novos pa-
drões de consumo -, generalizam-se estímulos que, através das relações de inter-
dependência, envolvem os demais ramos produtivos.
Estes estímulos departamentais, dada a coesão que constitui as economias regio-
nais, privilegiam o espaço regional em que o crescimento relativamente autônomo tem
lugar, as economias regionais cêntricas. Desta forma, a estimulação departamental
expressa-se no crescimento do mercado regional cêntrico, com o que se viabiliza a
realização da produção em expansão.
É claro, no entanto, que um tal processo não fica restrito às economias regio-
nais que a ele dão início, se é verdadeira a suposição de um mercado nacional
integrado. Em primeiro lugar, porque, mesmo privilegiando os empreendimentos lo-
cais, as possibilidades de realização oferecidas pelas economias regionais em que o
dito processo é gerado envolvem também as atividades produtivas das economias pe-
riféricas, induzindo sua produção ao crescimento. Em segundo, porque a recorrência
do movimento de expansão da capacidade produtiva, implícita na dinâmica que se
descreve, se traduz, obrigatoriamente, no transbordamento do mercado regional. Com
esse transbordamento, as demais economias regionais, dentre as quais as periféricas,
ficam sujeitas à constante intensificação da concorrência intercapitalista em seus mer-
cados. A esse ponto retornarei nos parágrafos seguintes, quando for abordada a dinâ-
mica de expansão industrial periférica.
Por sua vez, o já referido crescimento do mercado regional das economias cên-
tricas tem como resultado a rápida acumulação de fundos que tornam viáveis novas
Chamo atenção para o fato de que, com a expressão processo relativamente autônomo não quero
referir qualquer tipo de desvinculação inter-regional ou de esmaecimento do caráter nacional do pro-
cesso de acumulação de capital em nível nacional no contexto da industrialização brasileira. Pelo
contrário, reafirmo, como usualmente se faz que, desde o início dos anos 30 deste século, a economia
brasileira se envolveu em um intenso e duradouro processo de integração do mercado nacional, que,
de uma maneira cada vez mais profunda, une suas economias regionais no movimento nacional de
acumulação de capital.
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FEE-CEDOC
BIBUOTECA
inversões na infra-estrutura e no aparato produtivo regionais, especialmente o quê Sé
dedica à produção industrial. Estas novas inversões, nas condições de diversificação e
integração das estruturas produtivas características do centro dinâmico, ocasionam
impulsos adicionais ao crescimento da produção industrial e dos demais segmentos
produtivos. Desta forma, a partir da expansão relativamente autônoma de alguns seg-
mentos líderes do setor secundário localizados no centro dinâmico, impõe-se, sobre-
tudo na economia regional que deu origem à dita expansão, um processo de generali-
zada estimulação departamental.
Como se vê, a dinâmica de expansão industrial das economias que compõem o
centro dinâmico da acumulação de capital em nível nacional constitui a forma particu-
lar que assume o processo de crescimento e diversificação da produção industrial em
tais economias. Nesses casos, o crescimento e a diversificação industriais têm como
causa primordial a auto-estimulação departamental oriunda dos movimentos
relativamente autônomos de expansão (de retração) realizados pelos segmentos
industriais que, sediados nessas economias, constituem frações dos ramos-líderes
do movimento nacional de acumulação. Envolvida em tal processo de crescimento e
diversificação, a produção dos demais segmentos produtivos das economias regionais
cêntricas é também levada à expansão e à diferenciação internas. É claro que, como se
viu anteriormente, o movimento expansivo (depressivo) iniciado pelos segmentos lí-
deres acaba, através das relações de interdependência, também envolvendo estes seg-
mentos, de forma a realimentar a dinâmica de expansão industrial.
Mas é preciso destacar que o processo em questão não envolve apenas a produ-
ção corrente dos segmentos direta ou indiretamente por ele englobados. A dinâmica
de expansão industrial das economias regionais cêntricas também viabiliza e induz,
como se viu, à expansão e à diversificação das inversões regionais, sejam estas
inversões realizadas nos segmentos produtivos - industriais ou não - seja na infra-
estrutura urbana e de produção. Desta forma, se uma estrutura produtiva integrada
é o pré-requisito da dinâmica de expansão industrial característica das economi-
as regionais cêntricas, esta dinâmica, por sua vez, envolve tais estruturas produ-
tivas num processo que as torna progressivamente maiores e mais diversificadas
e integradas, reforçando os atributos materiais que conferem a tais economias a
capacidade de realizar, de forma relativamente independente, movimentos ex-
pansivos como o que se acaba de descrever.
Diferentemente do que ocorre no centro dinâmico da acumulação de capital, o
processo de crescimento e diversificação industrial nas economias regionais peri-
féricas apóia-se em estruturas produtivas que, retratando o exíguo desenvolvi-
mento capitalista regional, dispõem de um restrito grau de integração, o qual se
expressa principalmente na escassa presença dos ramos industriais líderes do proces-
so nacional de acumulação.
Estruturas produtivas assim caracterizadas não podem reproduzir a dinâmica
de expansão industrial das economias regionais cêntricas. A impossibilidade de
reproduzir a dinâmica industrial cêntrica é especialmente verdadeira no que diz res-
peito à autonomia relativa para a expansão e diversificação do processo produtivo.
Isto porque a pouco expressiva presença dos ramos industriais líderes impede que, na
periferia nacional, seja gestado um processo de auto-estimulação como o que
consubstancia a dinâmica de expansão industrial das economias regionais integrantes
do centro de acumulação de capital em nível nacional.
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Incapacitadas para dar origem à auto-estimulação departamental, as indústrias
regionais periféricas viabilizam seu processo de expansão e diversificação através do
vínculo que estabelecem com a expansão do centro dinâmico da acumulação de
capital em nível nacional.10
O crescimento das economias regionais cêntricas corresponde ao acréscimo das
importações que as mesmas necessitam realizar junto às economias periféricas. Este
acréscimo em muitas situações acaba por induzir direta e indiretamente a indústria da
periferia nacional à expansão e à diversificação de sua produção. As indústrias regio-
nais periféricas são diretamente induzidas a expandir e a diversificar sua produção
quando atendem as necessidades crescentemente sentidas no centro dinâmico de pro-
dutos industrializados. De maneira diversa, a indução indireta dá-se via acréscimo do
próprio mercado regional periférico em que se situa a indústria que tem sua produção
aumentada. Este acréscimo decorre do aumento da demanda de bens de consumo e de
produção na periferia implícito no incremento da atividade produtiva destinada às
exportações para o centro dinâmico de produtos oriundos da agropecuária. Pode-se
ainda falar em crescimento indiretamente induzido da indústria de uma economia regi-
onal periférica, quando este crescimento deriva do acréscimo das exportações para
outras economias regionais periféricas, acréscimo este, por sua vez, vinculado à ex-
pansão no centro dinâmico da acumulação de capital em nível nacional.
Não obstante, é preciso dizer que, dada a exígua diversificação industrial que
caracteriza as economias regionais periféricas, as exportações inter-regionais de tais
economias tendem a concentrar-se em produtos primários. Por isto, na periferia, a
estimulação industrial ocorre principalmente de forma indireta através dos vín-
culos estabelecidos com a expansão do centro dinâmico pelas exportações de pro-
dutos primários ao próprio centro dinâmico do movimento nacional de acumula-
ção de capital ou às demais economias regionais periféricas.
Em cada uma das economias regionais periféricas, a expansão do mercado assim
descrita pode levar a um mais ou menos intenso processo de crescimento e diversifica-
ção industrial. A intensidade do referido processo será maior ou menor, dependendo,
de um lado, do volume e da aceleração de suas vendas inter-regionais e, de outro, da
potencialidade material de que dispõe a estrutura industrial da mesma economia para
absorver os estímulos que derivam do incremento de seu mercado. Essa potencialidade,
por sua vez, alcança níveis progressivamente mais elevados à medida que é mais
diversificada a estrutura produtiva regional, ou, dito de outra forma, que seu aparato
produtivo se encontra mais preparado para produzir uma proporção maior dos meios
materiais exigidos para a continuidade da expansão periférica.
Contudo é importante não perder de vista que o exíguo grau de integração das
economias regionais periféricas se expressa não só na incapacidade de sua estrutura
produtiva industrial para justificar um processo de estimulação relativamente autôno-
mo, mas também na reduzida potencialidade para produzir os meios materiais - espe-
10 É claro que, concretamente, o processo de expansão das indústrias regionais periféricas muitas vezes
se vincula também ao mercado internacional ou ao exercício da política econômica. Não obstante, na
conceituação que, neste item, faço do referido, processo desejo defini-lo exclusivamente pela relação
que lhe é essencial: a relação centro-periferia.
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cialmente os meios de produção - envolvidos no crescimento da economia regional a
que dão base. Assim, a expansão industrial periférica, para viabilizar-se, necessita de
consideráveis volumes de importações de meios de produção que advêm do centro
dinâmico de acumulação de capital a nível nacional ou do mercado internacional.
Dessa forma, posso concluir que a dinâmica de expansão industrial periférica,
dada a exígua diversificação e integração produtivas que lhe impõe o restrito desen-
volvimento capitalista regional, assume uma forma que difere da que tem curso nas
economias regionais cêntricas. De um lado, a dinâmica de expansão das industrias
regionais periféricas caracteriza-se frente à que ocorre com a das indústrias do
centro dinâmico pela necessidade da importação de elevada proporção dos meios
de produção envolvidos no movimento de expansão de diversificação industrial.
De outro, as dinâmicas de expansão das indústrias regionais cêntricas e periféricas
diferenciam-se pela origem dos estímulos que as levam ao crescimento e à diver-
sificação. As indústrias regionais cêntricas, primordialmente, são impelidas para o
crescimento e para a diversificação pela auto-estimulação departamental derivada das
trocas realizadas ao nível regional. Já as indústrias regionais periféricas, diferente-
mente, são estimuladas através do vínculo que estabelecem as economias regio-
nais que as sediam com a expansão do centro dinâmico da acumulação de capital
a nível nacional, por intermédio das exportações inter-regionais.
11 Essa dinâmica dependeu, é claro, das polítcas monetária e fiscal do período, reconhecidamente ex-
pansivas, e da proteção que a crise cambial brasileira, a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mun-
dial ofereceram. Deste assunto, tratei em Almeida (1993, capítulo segundo, seção 2.1)
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mica industrial que gestasse os próprios mercados assim como ocorria em São Paulo.
Por isto, no movimento de crescente integração do mercado nacional sucedido no pe-
ríodo posterior a 1930, as mesmas economias regionais constituíram a periferia da
economia brasileira.
Aceita tal proposição geral, posso especificar melhor o objetivo desta seção. Esse
objetivo é o de vincular, em uma cadeia de determinação, os seguintes elementos: o
reduzido potencial de desenvolvimento capitalista existente no Rio Grande do Sul
entre 1870 e 1930; a pequena disponibilidade de recursos utilizáveis para implantação
e para operação de uma estrutura produtiva industrial; a adequação da estrutura produ-
tiva industrial efetivamente implantada à pequena possibilidade de recursos utilizá-
veis, de modo a consubstanciar, em fins da década de 20, um parque industrial de
pequeno porte e, especialmente, de reduzidos graus de diversificação e integração; e
finalmente, a posição periférica da indústria gaúcha na industrialização restringida
brasileira. Assim fazendo, pretendo justificar e explicitar o significado da proposição
relativa à predeterminação da posição periférica da indústria gaúcha no movimento da
industrialização restringida brasileira pelas condições materiais da mesma indústria
ao início do aludido movimento.
Nas seis décadas que sucederam a 1870, ocorreu uma importante transformação
da economia sul-rio-grandense no sentido da gestação de uma sociedade capita-
lista, transformação esta que viabilizou e condicionou a implantação e o posterior
avanço do capital industrial no Rio Grande do Sul.12 A transformação capitalista em
referência efetivou-se a partir das ações mutuamente influenciadas do capital ex-
terno, do Estado e do capital comercial gestado na própria economia gaúcha. No
contexto desta transformação, produziram-se significativo crescimento e diversifica-
ção da agropecuária gaúcha, especialmente na zona colonial; expandiram-se as expor-
tações e gerou-se mercado para os produtos industriais; implantou-se um abrangente
sistema de transportes ferroviários; empreendeu-se a modernização do porto de Porto
Alegre e preparou-se o porto de Rio Grande para a navegação de grande calado; con-
centraram-se capitais em mãos dos comerciantes atacadistas exportadores e importa-
dores; aceleraram-se os processos de implantação da infra-estrutura urbana e da pró-
pria urbanização, expandindo-se, com esta última, o potencial de assalariamento da
força de trabalho; e finalmente, através da aplicação de capitais gerados regionalmente
ou atraídos do Exterior, se viabilizou o surgimento do sistema financeiro gaúcho.
Embora importante, a transformação capitalista ocorrida no Rio Grande do Sul,
seguindo a regra geral no Brasil, não foi equiparável à que, concomitantemente, teve
curso na economia regional de São Paulo, única economia regional brasileira a reunir
as condições materiais necessárias para integrar o centro dinâmico do movimento bra-
sileiro de acumulação de capital no período posterior a 1930.
Se a transformações capitalistas que, nos 60 anos posteriores a 1870, ocorreram
nas economias regionais do Rio Grande do Sul e de São Paulo não eram equiparáveis
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é porque havia nas duas economias regionais diferentes potenciais de transforma-
ção. A comparação entre os volumes das exportações sul-rio-grandenses e paulistas
nas primeiras três décadas deste século constitui uma elucidativa expressão do menor
potencial com que contou a economia gaúcha para empreender as transformações em
questão.
A comparação em referência é elucidativa porque, como é sabido, no período
anterior a 1930, em todas as economias regionais brasileiras, o crescimento econômi-
co e, mais precisamente, a expansão do excedente social ficavam na dependência estri-
ta do volume e do dinamismo das exportações regionais. Exercendo tal influência
sobre a determinação do excedente social, as exportações de cada uma das economias
regionais brasileiras delimitavam a dimensão das inversões e, mais amplamente, defi-
niam a extensão das transformações que eram factíveis nestas economias.13
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Além disso, a mesma comparação tem caráter elucidativo, porque a participação
de São Paulo nas exportações brasileiras era singularmente grande: do início do século
a 1928, elevou-se de um terço a um meio do volume exportado pelo Brasil no mesmo
período. Este dado mostra que, na economia regional paulista, prevaleceram condi-
ções materiais muito mais adequadas do que em qualquer outra no Brasil para realizar
as transformações a que estou fazendo referência.14
Dessa forma, a comparação entre o volume das exportações gaúchas e paulistas
tem um sentido específico. Este sentido é o de fornecer uma idéia da dimensão rela-
tiva dos recursos com que contou a economia regional do Rio Grande do Sul para
promover as transformações que viabilizaram e condicionaram a implantação e
o posterior desenvolvimento de sua indústria, tendo como parâmetro as exporta-
ções internacionais da única economia regional brasileira capaz de reunir as con-
dições materiais necessárias para compor o centro dinâmico da acumulação de
capital no decorrer da industrialização restringida no Brasil.
O volume das exportações gaúchas comparado ao das paulistas entre 1901 e 1928
mostra que, pelo menos para os anos citados, era muito restrita a capacidade do Rio
Grande do Sul para financiar as transformações em exame. Isso pode ser dito porque,
nesse período, as exportações gaúchas para o mercado internacional estiveram entre
um mínimo de 3,9% e um máximo de 10,5% do montante das vendas externas realiza-
das por São Paulo. Ainda que se adicione às exportações internacionais do Rio Grande
do Sul o volume de suas vendas intranacionais - volume este que assumia proporções
particularmente elevadas frente às que prevaleciam nas outras economias regionais
brasileiras -, o total resultante variou, no período de 1901 a 1928, entre um sexto e um
terço das exportações externas de São Paulo.
Assim se justifica a afirmativa feita anteriormente segundo a qual a transforma-
ção capitalista ocorrida no Rio Grande do Sul, no período precedente à industrializa-
ção restringida brasileira, embora importante, não foi equiparável à que, concomi-
tantemente, teve curso na economia regional de São Paulo.
Com menor capacidade para expandir suas exportações, o Rio Grande do Sul, no
final do século passado e no início deste, dispunha de menores volumes de recursos
utilizáveis para enfrentar os problemas referentes à acumulação de capital monetário,
à proletarização da força de trabalho, ao mercado interno, ao financiamento das ma-
e 1919. (A respeito da evolução das exportações da borracha e do café, ver IBGE, 1990, tab. 6.40 e
6.43, p. 347 e 350).
Assim, a exploração da borracha na Amazônia, além de ser desenvolvida por relações de produção
pouco aptas a causarem transformações econômicas e sociais, contou com um período muito restrito
para realizar as mesmas transformações. Na ausência das mesmas, o excedente social teria, quase
obrigatoriamente, que se converter em construções suntuárias, em importações de bens de luxo e em
remessas de rendimentos para o exterior.
No entanto, mesmo levando em consideração as ressalvas contidas nesta nota, pode-se dizer que as
histórias das diferentes economias regionais no Brasil confirmam a proposição de que, de um modo
geral, o volume das exportações de tais economias no final do século passado e no início deste cons-
tituem um bom indicador do potencial de transformação que então havia nas mesmas economias.
14 As informações a respeito das exportações gaúchas e paulistas que se expõem neste e nos parágrafos
seguintes foram obtidas no ensaio também integrante deste livro denominado "A gestação das condi-
ções materiais da implantação da indústria gaúcha — 1870-1930".
- 132 -
térias-primas e equipamentos adquiridos do Exterior, ao sistema de transporte, à infra-
estrutura e aos serviços urbanos. Pode-se dizer, assim, que menores também eram os
recursos diretamente mobilizáveis para a implantação da indústria. Por isso, é adequa-
do relacionar a restrita transformação capitalista ocorrida no Rio Grande do Sul à
estrutura industrial implantada na mesma economia regional, entre 1890 e 1930.
Em 1920, último ano censitário antes do início da industrialização restringida
brasileira, a indústria gaúcha já havia alcançado significativo volume de produção. Tal
volume se expressa na Tabela l, através do número de estabelecimentos industriais -
quase 1.800 - e do volume da força de trabalho por ela empregada - mais de 24.000
pessoas.15
Além disso, ao contrário do que muitas vezes se pensa, já em 1920, a produção
industrial gaúcha se concentrava fortemente no estrato de estabelecimentos que
reunia as organizações de caráter capitalista e não no que agregava os empreendi-
mentos não capitalistas.16 Estes últimos, mesmo representando mais de 80% do núme-
ro de estabelecimentos industriais gaúchos, não chegavam a ser responsáveis por um
quinto do emprego oferecido pelos mesmos estabelecimentos. Por sua vez, os empre-
endimentos de caráter capitalista, agregando proporção inferior a 20% das organiza-
ções industriais do Rio Grande do Sul, eram responsáveis por mais de quatro quintos
da produção desenvolvida por tais organizações.
Ademais, a distribuição da produção industrial não se dava uniformemente
também no interior do estrato de estabelecimentos capitalistas. Para justificar tal
afirmativa, basta dizer que, entre os estabelecimentos industriais sul-rio-grandenses,
os de grande porte (2,4%) abarcavam mais de 50% do emprego e, provavelmente, da
produção industrial gaúcha.17
Assim, pode-se concluir que, já uma década antes de se iniciar a industrialização
restringida brasileira, a produção industrial sul-rio-grandense havia alcançado signifi-
cativo volume que derivava preponderantemente da atividade exercida em estabele-
cimentos organizados enquanto empresas capitalistas, dentre as quais se destaca-
vam as de grande porte.
15 Dados mais relevantes seriam os relativos ao Valor da Transformação Industrial (VTI) ou do Valor
Bruto da Produção (VBP), estratificados segundo o número de operários. Não obstante, o Censo
Industrial não oferece tais dados.
16 Em oposição aos empreendimentos não-capitalistas - caracterizados pelo emprego preponderante de
mão-de-obra familiar e pelo consumo como finalidade principal da produção e, muitas vezes, deno-
minados de artesanais - os empreendimentos de caráter capitalista - embora se diferenciem pelos
mais elevados níveis do emprego, da produção e da tecnologia utilizada - são definidos essencial-
mente pela adoção de relações de produção de assalariamento e pela busca do lucro como sua finali-
dade precfpua. Para fins de discriminação dos dados censitários, definiu-se que não-capitalistas se-
riam os empreendimentos que empregavam até nove operários, e capitalistas aqueles que utilizavam
10 ou mais trabalhadores. Tal critério de discriminação, apesar de arbitrário, tem elevado grau de
acerto. A média de pessoas empregadas por estabelecimento relativa ao conjunto de empreendimen-
tos considerados não-capitalistas não ultrapassava em 1920 a 3,6 pessoas, fosse a mesma média
referente ao Brasil, a São Paulo ou ao Rio Grande do Sul. A referida média sugere a adequação de
qualificar o conjunto de empreendimentos em questão como não-capitalistas. Por sua vez, os demais
estabelecimentos, ao empregarem 10 ou mais operários, dificilmente poderiam deixar de ser incluí-
dos no estrato de organizações capitalistas.
17 Similar concentração do emprego (e da produção) industrial em 1920 era observada em São Paulo e
no Brasil, tanto no corte que separa os estabelecimentos não-capitalistas dos capitalistas quanto no
que discrimina estes últimos em pequenos e grandes. Em São Paulo e no Brasil, contudo, eram ainda
maiores as proporções do emprego (e da produção) que correspondiam às empresas capitalistas e,
dentre estas, às de grande porte.
- 133 -
Tabela l
Quantidade e distribuição percentual dos estabelecimentos industriais e de seus operá-
rios segundo a abrangência, o caráter e o porte dos estabelecimentos no Brasil, em São
Paulo e no Rio Grande do Sul - 1920.
- 134 -
estratos de produção sucessivamente maiores. De fato, a Tabela 2 mostra que o empre-
go industrial no Rio Grande do Sul, enquanto proporção do volume da força de traba-
lho absorvida pela indústria bandeirante, cai de mais de quatro décimos no estrato de
empreendimentos não-capitalistas para algo em torno a 8% no agrupamento de indús-
trias que reúne estabelecimentos com mais de 1.000 operários.18
Tabela 2
Dimensão relativa percentual do número de estabelecimentos industriais e de seus
operários no Rio Grande do Sul segundo o seu caráter e seu porte diante dos congêneres
paulistas.
18 Aqui também, como na análise da Tabela l, os dados mais relevantes seriam os relativos ao VTI ou
ao VBP discriminados por estratos de estabelecimentos de acordo com o número de operários. Não
obstante, como se disse, o Censo de 1920 (Recens. Geral BR, 1920) não fornece tais dados.
- 135 -
Considerando indicadores de utilização de energia elétrica e de complexidade
tecnológica, Wilson Cano classificou os principais segmentos industriais brasileiros
de 1907 em três categorias: simples, intermediários e complexos. Estes últimos inclui-
riam os segmentos industriais mais intensivos em energia elétrica, mais mecanizados e
nos quais eram mais decisivas as economias de escala. Por suas exigências de capital,
tais segmentos estariam praticamente fechados à entrada de pequenas empresas e só
em reduzida proporção contariam com estabelecimentos de porte médio." Segundo o
autor, estariam incluídos entre os segmentos industriais complexos de 1907 os de fia-
ção e tecelagem, de fabricação de papel, de cimento, de vidro, de fósforos, a siderur-
gia, a construção naval e os moinhos de trigo.
Aceitando como válida para 1920 a relação dos segmentos complexos da indús-
tria brasileira de 1907 apresentada no parágrafo anterior, elaborei a Tabela 3. Esta
tabela - ainda que não contenha informações sobre a produção de cimento, a constru-
ção naval e os moinhos de trigo - mostra que, comparativamente ao que ocorria em
São Paulo ao início da terceira década deste século, no Rio Grande do Sul os seg-
mentos industriais mais complexos se encontravam muito pouco difundidos. Se o
Rio Grande do Sul contava com 7 estabelecimentos têxteis, São Paulo dispunha de 66;
produzindo vidros e cristais, havia 4 empresas gaúchas e 8 paulistas; para a produção
de fósforos e de papel e papelão que, possivelmente, inexistia no Rio Grande do Sul,
havia em São Paulo 6 e 4 empresas respectivamente. Adiciona-se a informação de que
existiam no Rio Grande do Sul, região onde a pecuária aparecia como setor dominan-
te, 4 empresas de congelação de carne enquanto que em São Paulo existiam 2 empre-
endimentos no mesmo segmento.
Tabela 3
Estabelecimentos industriais considerados complexos nas indústrias de São Paulo e do
Rio Grande do Sul - 1919.
- 136 -
Pelo exposto no parágrafo anterior, pode-se dizer que a restrita transformação
capitalista que envolveu a economia regional do Rio Grande do Sul desde as últimas
décadas do século passado redundou numa estrutura industrial que, frente à congênere
paulista, se caracterizava não só por sua pequena capacidade de produção - a qual era
ainda menor em meio aos grandes estabelecimentos industriais - mas também por
uma exígua presença dos segmentos industriais complexos.
O que acabo de dizer explica uma importante característica da estrutura produti-
va industrial gaúcha em 1920 que diz respeito à pequena participação dos ramos pre-
dominantemente produtores de bens duráveis de consumo e de capital. Tais ramos, na
medida em que tendiam a conter proporções crescentes dos segmentos industriais com-
plexos, encontravam dificuldades para se desenvolverem no Rio Grande do Sul duran-
te as primeiras décadas deste século. Entende-se, assim, porque, no Rio Grande do
Sul, a produção de bens de consumo duráveis e de capital não alcançava, em 1920, os
10% da congênere instalada no Distrito Federal e os 6% da sediada em São Paulo,
conforme se pode ver na Tabela 4. Incapacitada para absorver a produção de meios de
produção em proporção significativa, a estrutura industrial gaúcha permanecia pouco
diversificada.
Tabela 4
Dimensão relativa percentual das maiores indústria regionais brasileiras e dos grupos
industrias que as compunham frente à paulista: 1919.
- 137 -
Além disso, supõe-se que, se eram grandes as diferenças entre as estruturas in-
dustriais paulista e gaúcha de 1920, ao início do processo de industrialização brasilei-
ro, em 1930, tais diferenças eram ainda maiores. A suposição justifica-se porque, du-
rante a década de 20, foram implantados, quase exclusivamente em São Paulo, muitos
empreendimentos nos segmentos industriais necessários à complementação da indús-
tria de bens de consumo em expansão. É o caso dos segmentos de cimento, de fibras
químicas, de laminação de metal e da produção de motores, de aparelhos elétricos e
equipamentos para as indústrias têxtil e de açúcar. O Rio Grande do Sul, como o
restante do País, pouco participou das referidas inversões de complementação indus-
trial.
Chega-se, assim, àquela que é talvez a mais importante diferença entre as estru-
turas produtivas industriais do Rio Grande do Sul e de São Paulo ao início da década
de 30.
O aspecto que quero ressaltar não se refere ao importante fato de que em São
Paulo residia o conjunto de empreendimentos industriais capaz, de longe de implementar
o maior volume de produção secundária do País; e nem diz respeito à significativa
circunstância de que os segmentos tecnologicamente mais sofisticados já tinham al-
cançado destacada concentração naquela economia regional.
Refere-se, isto sim, ao fato de que, entre os novos empreendimentos implantados
em São Paulo, se encontravam empresas produtoras de meios de produção. Embora
esses empreendimentos, de início, fossem pouco numerosos, à medida em que se mul-
tiplicaram, foram dotando a estrutura industrial paulista da capacidade de produzir os
bens destinados à acumulação produtiva, isto é, consubstanciavam-se em rápida di-
versificação da mesma estrutura. Com isto, o aparato produtivo industrial de São Pau-
lo alcançou, no limiar da década de trinta uma diversificação e um grau de integra-
ção que não encontravam similares no Brasil.
Assim, ao final da terceira década deste século, ultrapassavam-se, em São Paulo,
os limites nos quais a acumulação produtiva significava mero crescimento da capaci-
dade de produção. Na medida em que a diversificação e a integração industriais se
tornaram consideráveis, a acumulação produtiva, em si mesma, passou a impor, atra-
vés das relações de interdependência departamental, recorrentemente e em proporções
cada vez maiores, o crescimento dos volumes dos lucros, do emprego, dos salários e
do mercado regional. Gestaram-se assim as condições materiais da auto-estimulação
departamental em São Paulo e da dinâmica de expansão capitalista no Brasil,
ainda que fosse esta última restringida pelas bases técnicas e financeiras do capi-
tal que prevaleciam no País. Nesse contexto, as circunstâncias vigentes na década de
30, de uma política econômica expansiva e de uma elevada proteção à concorrência
externa, tinham que se converter, necessariamente, no crescimento da produção indus-
trial e em ainda maior transformação da estrutura produtiva de São Paulo.
No Rio Grande do Sul, como se viu, a transformação capitalista ocorrida no perí-
odo posterior a 1870 não foi suficientemente vigorosa para viabilizar a implantação de
uma estrutura industrial que contivesse em proporções significativas os segmentos
produtores de meios de produção. Por isso, a indústria sul-rio-grandense, no início da
industrialização restringida brasileira, permanecia pouco diversificada e com baixo
nível de integração. Na ausência dos segmentos referidos, a acumulação produtiva
tinha que se efetivar com produtos oriundos de fora do Rio Grande do Sul e, por isto,
- 138 -
FEE-CEOOCÍ
BjQUOTECA J
não resultava, pelo menos diretamente, na expansão da massa de lucros, do emprego,
dos salários e do mercado regional. Em outras palavras, integrada em reduzido nível, a
indústria gaúcha permanecia materialmente incapaz de envolver a economia sul-rio-
grandense em um movimento expansivo derivado da auto-estimulação departamental.
Entende-se, dessa forma, porque, no processo de industrialização iniciado nos
anos 30 deste século, no Brasil, em oposição ao papel de centro dinâmico da acumula-
ção capitalista assumido por São Paulo, o Rio Grande do Sul teria necessariamente
que se colocar em posição periférica. Entende-se mais, entende-se também porque tal
posição foi predeterminada pelas condições materiais existentes na indústria gaúcha,
no final da terceira década deste século, condições estas que derivaram da exígua trans-
formação capitalista ocorrida no Rio Grande do Sul a partir de 1870.
Abstract
This essay shows why and in what sense the capitalistic transformation that
tookplace in Rio Grande do Sul between 1870 and 1930 gave rise to implantation of
an industrial park which necessarily should assume a perípherical status in the
national moviment of capital accumulation Consolidated by de constrained brasilian
industrialization between 1930 and 1955.
- 139 -
„ .. „,
Escnton°6
Trabalho e indústria na
Primeira República
Ronaldo Herrlein Jr. *
Adriana Dias **
Introdução
Este ensaio constitui-se no resultado preliminar de uma pesquisa mais ampla que
vimos desenvolvendo e cujo objetivo é traçar um paralelo entre os mercados de traba-
lho industrial nas economias regionais do Rio Grande do Sul e de São Paulo, desde os
anos 20 até 1980'. O período que aqui analisamos é o da Primeira República, cujo
interesse para a nossa pesquisa é dado pela possibilidade de identificar com maior
clareza as singularidades regionais dos mercados de trabalho industrial, pois esse período
antecede a regulamentação das relações de trabalho na indústria, levada a efeito atra-
vés da extensa legislação trabalhista implantada no período pós-30.
Para tanto, na primeira seção deste ensaio, discutiremos as origens do mercado de
trabalho nessas regiões, enfocando, nas duas seções seguintes, as condições de funcio-
namento dos mercados regionais de trabalho industrial e as relações que se estabelece-
ram entre burguesia industrial, classe operária e Estado. Na quarta seção, será analisa-
do o desempenho das indústrias regionais diante das evidências levantadas nas seções
anteriores. Segue-se um breve epílogo, que discute o significado da legislação social
que começa a ser debatida e implementada ao longo da década de 20.
Como resultado, pretendemos apresentar, ao longo do ensaio, uma visão geral
sobre como se constituíram e se caracterizaram esses dois mercados regionais de tra-
balho, estabelecendo, assim, as bases para uma comparação de suas trajetórias
evolutivas ao longo do período posterior a 1930.
-141 -
l - As origens dos mercados regionais de trabalho
O extenso período definido pela Primeira República, de 1889 a 1930, foi marca-
do pelo aprofundamento do processo de transição capitalista na sociedade brasileira, a
partir da desestruturação do Império e da economia escravista. A questão nuclear des-
se processo em curso foi a passagem da mão-de-obra escrava para a força de trabalho
assalariada, que exigia a conformação de um mercado de trabalho livre e a elaboração
de novas formas de dominação do capital sobre o trabalho (PESAVENTO, 1989). A
diversidade histórica das formações regionais brasileiras condicionou os processos de
constituição do mercado de trabalho urbano-industrial nas regiões do Rio Grande do
Sul e de São Paulo.
No Sudeste brasileiro, constituíra-se o subsistema do café, fundado no trinômio
grande propriedade fundiária-escravismo-agricultura de exportação, que caracterizava
a maior parte dos subsistemas econômicos brasileiros. A economia cafeeira apresentava
claros sinais de esgotamento ao se iniciarem os anos 70 do século passado, pois a
acumulação com base no trabalho escravo era bloqueada pela progressiva escassez de
mão-de-obra. A questão-chave era a impossibilidade de se obterem trabalhadores
disponíveis, passíveis de assalariamento.2
A superação desse problema implicou a importação de trabalhadores imigrantes,
que resultou na geração de um fluxo abundante de homens pobres rumo à empresa
cafeeira. Suficientemente pobres para que não pudessem comprar sua própria terra ou
abrir pequenos negócios; suficientemente abundantes para que se gerassem baixas ta-
xas salariais. Parece-nos que a reconhecida importância da solução representada pela
imigração para a continuidade da acumulação cafeeira define esse momento histórico
como o início da constituição de um mercado de trabalho para o capital na região
de São Paulo. A subsunção do trabalho ao capital avançava para a forma mais efetiva
das relações de assalariamento.3
Na região do Rio Grande do Sul, desenvolvera-se outro subsistema com caracte-
rísticas que o faziam singular no quadro do final do Império. Essa economia regional
assentava-se sobre uma estrutura fundiária dual, que contemplava a existência de gran-
des e pequenas propriedades situadas em zonas espacialmente separadas. Sua produ-
ção dirigia-se principalmente para o mercado interno brasileiro, atendendo às necessi-
dades dos outros subsistemas. A grande propriedade não era agrícola nem escravista.
Sua atividade econômica característica era a pecuária extensiva, que apresentava um
baixo nível de absorção de mão-de-obra e pouca densidade ocupacional.
"Há homens, mas o mercado de trabalho está vazio, porque os homens, em quantidade superabundante,
não podem ser submetidos pelo capital." (MELLO, 1984, p.77).
É importante assinalar que, tratando-se de um processo histórico, a transição para as relações de
assalariamento não se deu sem percalços. Assim, ao longo de todo o século passado e de parte deste
século, estabeleceram-se formas transitórias de trabalho livre, como os sistemas de parceria e de
colonato (CANO, 1977, pp. 38-39 e 60). Para efeito de nossa argumentação neste ensaio, parece-nos
suficiente um tratamento esquemático dessa transição.
-142-
Por outro lado, a colonização do Rio Grande do Sul, predominantemente italiana
e alemã, havia ensejado o surgimento de uma estrutura agrária com perfil único no
País. Assentada na pequena propriedade, a produção agrícola nas colônias empregava
mão-de-obra familiar, destinando-se, num primeiro momento, à subsistência dos colo-
nos. A vinda dos imigrantes para a região do Rio Grande do Sul, estimulada com
propósitos de ocupação territorial, deu-se de modo a permitir-lhes o estabelecimento
como colonos, com acesso à propriedade rural, e, portanto, não como trabalhadores
livres, passíveis de assalariamento. Dessa forma, no último quartel do século XIX, as
colônias já estabelecidas e a possibilidade de acesso à terra representavam um obstá-
culo para a transformação da capacidade de trabalho em mercadoria - força de traba-
lho.
Para compreender a constituição do mercado de trabalho urbano no Rio Grande
do Sul, é preciso ter em conta os fatores internos e naturais à economia colonial, que
atuavam no sentido de fazer dela exsudarem trabalhadores livres: a limitação da pro-
priedade territorial, a redução da fertilidade do solo e a alta taxa de natalidade.
À medida que cresciam os contingentes populacionais da zona colonial e diante
da impossibilidade de ampliar sua extensão territorial ou proceder ao seu contínuo
fracionamento e manter o nível da produtividade agrícola, estabelecia-se uma pressão
para o êxodo rural.4 A parcela desses emigrantes da colônia que se destinou as cidades
se proletarizou, dando início à formação de um mercado de trabalho no meio ur-
bano, que viabilizou a implantação da indústria em Porto Alegre e arredores. Anteri-
ormente, na zona da Campanha, certas modificações econômicas, sociais e políticas
haviam tornado excedente uma parcela dos trabalhadores empregados como peões nas
estâncias.5 Os excedentes assim gerados dirigiram-se paulatinamente a pequenas loca-
lidades urbanas, ou a centros urbanos de maior porte, como Rio Grande e Pelotas,
fornecendo um contingente de força de trabalho à indústria, que começava a adquirir
importância (ALMEIDA, 1992).
A transição capitalista no subsistema regional do Rio Grande do Sul seguia, as-
sim, contornos distintos daqueles que se desenhavam no subsistema do café. A insti-
tuição de relações capitalistas de produção, com capitais menores e com menor
disponibilidade de força de trabalho6, era fruto de um desenvolvimento mais lento das
-143-
relações mercantis. O momento inicial de constituição do mercado de trabalho era
bloqueado pela possibilidade, mesmo que limitada, de acesso à terra. O mercado de
trabalho urbano-industrial começava a constituir-se de um modo substancialmente dis-
tinto, no qual a força de trabalho necessária não fora posta à disposição do capital num
só golpe, como na imigração que serviu à acumulação cafeeira, mas formara-se pro-
gressivamente, através de mecanismos fundamentalmente endógenos, próprios da
transformação que se operava na sociedade gaúcha. Foi preciso que o desenvolvimen-
to comercial dos subsistemas agrícola e pecuário estabelecesse as condições para o
surgimento da indústria, simultaneamente à urbanização, para que, como parte inte-
grante dessa mesma transformação, o trabalho assalariado fosse introduzido em escala
social, dando início à formação de um mercado de trabalho para o capital.
No caso de São Paulo, a passagem anterior da força de trabalho urbana pelo traba-
lho no campo revestia-se de um caráter totalmente distinto do que se observava para os
ex-camponeses que se assalariavam nas cidades do Rio Grande do Sul. Aquela passa-
gem pelo campo não implicava maiores vínculos, seja com a própria terra, seja com os
empregadores rurais, pois tratava-se de relações de assalariamento no campo, em
empreendimentos capitalistas.
As diferentes origens dos mercados regionais de trabalho determinariam mais
tarde, no Rio Grande do Sul, uma relativa escassez de mão-de-obra ao longo da expan-
são urbano-industrial dessa região. Da mesma forma, as diferentes condições regionais
para a emergência de relações capitalistas de produção condicionariam profundamente
as características da indústria nascente nas duas regiões.
7 Segundo o Recenseamento do Brazil 1920: populaçio (1930) cerca de 12,4% dos trabalhadores
ocupados no País empregavam-se em atividades industriais, definidas estas de forma muito abrangen-
te. A ocupação na agricultura atingia então 66,7%.
-144-
dação dos estabelecimentos industriais existentes em 1920, conforme apresentado na
Tabela l.8 Verifica-se que pelo menos dois terços dos estabelecimentos industriais
existentes em 1919 foram fundados entre 1910el919,o que indica a rápida expansão
da indústria nessa década, também verificada de 1900 a 1904, quando praticamente
dobra o número de estabelecimentos nas regiões consideradas.9 Para o período de 1910-
19, é possível estimar as seguintes taxas de crescimento do número de estabelecimentos:
Brasil, 227%; São Paulo, 255%; e Rio Grande do Sul, 201%. Assim, a partir da aná-
lise da Tabela l, parece-nos aceitável a suposição de que a indústria paulista expandia-
se, no início do século, em ritmo sensivelmente superior ao da congênere gaúcha e ao
da média nacional.
Tabela l
Distribuição dos estabelecimentos industriais, segundo datas de fundação, no Brasil,
em São Paulo e no Rio Grande do Sul - 1919.
Por outro lado, o perfil tecnológico da indústria nascente determinava que a de-
manda por força de trabalho fosse altamente concentrada, e, conseqüentemente, o pró-
prio contingente operário aglutinava-se em poucos estabelecimentos. A Tabela 2, a
seguir, permite avaliar essa concentração da ocupação dos operários, além de possibi-
litar a identificação de algumas diferenças entre as indústrias regionais.
-145-
Tabela 2
Distribuição dos estabelecimentos industriais e dos operários neles ocupados e seu
tamanho médio, segundo o número de operários, por faixa de emprego, em São Paulo
e no Rio Grande do Sul - 1919.
FAIXAS DE SÃO PAULO RIO GRANDE DO SUL DIFERENÇAS
EMPREGO DE
DE TAMANHO
OPERÁRIOS Estabelecimentos Operários Tamanho Estabelecimentos Operários Tamanho MÉDIO(%)
(%) (%) Médio (%) (%) Médio (SP/RS) (1)
Até 9 79,1 13,1 3,4 81,4 19,1 3,3 3,0
De 10 até 99 17,4 22,5 26,1 16,2 29,0 24,8 5,2
Mais de 100 3,5 64,4 368,2 2,4 51,9 104,8 20,8
10 Nos ramos têxtil e da alimentação, os maiores tamanhos médios dos estabelecimentos, segundo o
número de operários, ocorriam na indústria gaúcha, onde os tamanhos médios eram superiores aos da
indústria paulista em 28,9% e 116,9%, respectivamente (Recens.BR. 1920: ind., 1927).
11 Segundo Agnes (1990, p. 126), "(...) as indústrias alimentícias e têxteis que ali [em Pelotas e Rio
Grande] surgiram no final do século XIX acompanharam o grau de desenvolvimento tecnológico das
suas congêneres em outros núcleos de industrialização no Brasil no mesmo período. Majoritariamente
elas não prescindiam da habilidade técnica do trabalhador. Os processos mecânicos relativamente
escassos mesclavam-se com o trabalho artesanal, evidenciando-se a existência de um trabalhador não
totalmente submisso ao capital. A exceção era dada por algumas grandes empresas que já nasceram
'prontas', isto é, com capital e tecnologia superiores à média dos padrões locais". Todaviaé importan-
te considerar que, já em 1920, eram exatamente as grandes empresas que concentravam o grosso da
força de trabalho e da produção industrial.
-146-
FEE-CEDQC
BtBLPTECA
trabalho, bem como a divisão do trabalho dentro da fábrica, conduzindo a um processo
de qualificação-desqualifícação da mão-de-obra.12 O trabalho artesanal qualificado
perdia rapidamente sua importância, e cada vez tornava-se mais fácil substituí-lo por
máquinas ou por trabalhadores semi ou desqualificados (particularmente mulheres e
crianças), ampliando-se, desse modo, a subordinação do trabalho ao capital. As carac-
terísticas da base técnica das indústrias regionais, marcada pela rápida introdução de
processos de trabalho mecanizados, combinavam-se à implantação de grandes estabe-
lecimentos industriais.
Essa configuração da nascente indústria brasileira coloca-nos diante de um apa-
rente paradoxo. Ao mesmo tempo em que se processa a constituição de um mercado de
trabalho para o capital, elemento vital para que a acumulação industrial pudesse afir-
mar-se e prosseguir, é possível perceber que essa acumulação avançava no sentido de
estabelecer processos de trabalho que reduziam a dependência do capital em relação
ao trabalho.
O paradoxo aparente desfaz-se quando se levam em conta as características de
um desenvolvimento capitalista desigual, porém combinado em escala internacional,
que permitiu aos países de capitalismo tardio realizarem rapidamente a transição de
suas estruturas sócio-econômicas em direção ao estabelecimento de relações capitalis-
tas de produção. O capital industrial implantava-se no Brasil, dispondo de uma base
técnica oriunda dos países de capitalismo desenvolvido, a qual representava, no con-
texto brasileiro, uma rápida e profunda ruptura com a rudimentar base técnica artesanal
estabelecida.
A dependência do capital em relação ao trabalho reduzia-se em termos quantita-
tivos e qualitativos. Sob outra base técnica, com maior emprego de força de trabalho,
a acumulação industrial seguramente enfrentaria maiores problemas para obter braços
disponíveis, dado o acentuado ritmo de sua expansão. Nesse sentido, parece que, na
região de São Paulo, uma oferta abundante de força de trabalho não era o único fator
que permitia à indústria uma expansão acelerada sem denfrontar-se com o problema
da falta de braços. Provavelmente, também as características da base técnica adotada
restringiam a progressiva elevação da demanda por força de trabalho a níveis inferio-
res aos que se poderiam observar na ausência de processos de trabalho mais intensivos
em capital.
Através da mesma Tabela 2, também é possível verificar que, no Rio Grande do
Sul, os pequenos estabelecimentos desempenhavam um papel mais significativo quan-
to ao emprego total de operários, respondendo por quase um quinto deste. A respeito
da importância e das características dos pequenos estabelecimentos industriais nessa
região, parece relevante considerar um outro indicador: a proporção existente entre o
-147-
número de operários e o número de proprietários ocupados nos estabelecimentos in-
dustriais, nas duas regiões.13 No Rio Grande do Sul, tal proporção atingia 9,9, enquan-
to em São Paulo era de 15,5, isto é, 57% superior. Esses dados, além de refletir a
diferença de 46% no tamanho médio dos estabelecimentos nas duas regiões, indicam
que havia um maior comando do capital sobre o trabalho na região de São Paulo e
revelam uma maior repartição da propriedade dos estabelecimentos industriais no Rio
Grande do Sul, bem como um maior envolvimento de proprietários com o trabalho
realizado nos estabelecimentos. Havia, portanto, proporcionalmente mais proprietários
industriais nessa região do que em São Paulo, o que se devia, provavelmente, à exis-
tência de um número mais significativo de estabelecimentos industriais de proprieda-
de familiar.
Do ponto de vista do mercado de trabalho, essa circunstância assinala que havia
uma maior margem no Rio Grande do Sul para o estabelecimento de pequenas unida-
des fabris, pouco dependentes do emprego assalariado de operários e, por isso mesmo,
adequadas às condições de uma oferta restrita de força de trabalho. Por outro lado, isso
significa que, nessa região, as condições de expropriação, ou seja, de separação da
força de trabalho em relação aos meios de produção, estavam menos desenvolvidas
também no meio urbano, visto que os estabelecimentos de escala artesanal, além de
existirem proporcionalmente em maior número, também ocupavam proporcionalmen-
te mais operários que em São Paulo.
Como vimos, as informações levantadas sobre o ritmo da expansão industrial no
início do século sugerem que, nas duas regiões, havia uma forte pressão de demanda
sobre o mercado de trabalho. As condições de oferta de força de trabalho, entretanto,
divergiam substancialmente, graças às diferentes trajetórias pretéritas das formações
sociais paulista e gaúcha.
Na região de São Paulo, o estabelecimento de relações capitalistas de produção
no campo favoreceu sobremaneira a formação de um mercado de trabalho urbano-
industrial por dois motivos. De um lado, o assalariamento anterior no campo significa-
va uma maior possibilidade de adaptação dos trabalhadores ao regime assalariado nas
cidades. Por outro lado, o fator decisivo seria exatamente o provimento de força de
trabalho ao meio urbano, em razão dos movimentos cíclicos da economia cafeeira.14
13 Essa proporção, obtida a partir dos dados doRecenseamento do Brazil 1920: indústria (1927)
fornece-nos uma medida do comando exercido por parte de cada capitalista individual sobre o contin-
gente de operários, na forma de um número médio de operários por proprietário.
14 Tais movimentos implicavam que, na sua fase expansiva, a acumulação cafeeira provocasse um fluxo
migratório que, excedendo as suas necessidades, se dirigia ao meio urbano. Na crise, a deterioração
dos preços do café fazia estagnar ou declinar o ritmo de ampliação da zona de plantio (acumulação
cafeeira), o que rebaixava acentuadamente os salários e promovia o êxodo rural (CANO, 1977, p.230-
31; PINHEIRO, 1977a, p.144 e 148).
-148-
A região do Rio Grande do Sul experimentava, como vimos, um processo distin-
to de transição capitalista. Havia uma menor extensão das relações de assalariamento
no campo, bem como o processo de formação de um mercado de trabalho para o capi-
tal transcorria de maneira combinada ao processo de urbanização.
Uma análise do Censo de Salários de 1920 permitiu verificar que a maior exten-
são das relações de assalariamento na zona rural em São Paulo, comparativamente ao
Rio Grande do Sul, mantinha-se vigente ainda no início deste século. Assim, dentre as
15 profissões assalariadas cujas remunerações foram pesquisadas nos municípios com
zona rural, 12 constavam com maior freqüência relativa no conjunto dos municípios
paulistas e três eram mais freqüentes no conjunto dos municípios gaúchos.15 A compa-
ração dessas freqüências relativas de aparecimento das profissões assalariadas nos mu-
nicípios com zona rural altera-se substancialmente quando se consideram apenas os
casos de relação de assalariamento "com sustento" (complemento de salário em espé-
cie). Para esses casos, há maior freqüência relativa de sete profissões no conjunto dos
municípios gaúchos e de oito nos paulistas. Isso também indica uma menor efetividade
da relação salarial na zona rural do Rio Grande do Sul, já que esse tipo de relação "com
sustento" representa um estágio menos desenvolvido de assalariamento. Também foi
possível observar que, sendo os salários "com sustento" inferiores aos salários "sem
sustento" nas duas regiões, a diferença entre os dois tipos de salário era, em geral,
superior no Rio Grande do Sul, indicando uma maior importância relativa desse paga-
mento em espécie para a manutenção do trabalhador. De outro modo, a relativa escas-
sez de força de trabalho no meio urbano na região do Rio Grande do Sul pode ser
aferida pela relação de valor entre os salários pagos na indústria e os salários vigentes
nas zonas rurais, em comparação com a mesma relação na região de São Paulo. Essas
relações salariais nas duas regiões podem ser observadas na Tabela 3.
Os dados revelam uma diferença entre salários industriais e rurais sensivelmente
superior no Rio Grande do Sul em relação a São Paulo para os trabalhadores homens
adultos, parcela amplamente majoritária da força de trabalho urbana e rural. À exceção
das profissões de trabalhador de enxada e tropeiro e do caso dos salários médios pagos
na indústria da alimentação, todos os demais indicadores apontam a existência de um
diferencial superior entre salários industriais e rurais no Rio Grande do Sul.16 De qual-
quer forma, observa-se, nas duas regiões, a superioridade dos salários industriais, o
que provavelmente atuava em ambas como um fator de atração para o deslocamento
de assalariados das zonas rurais para as cidades.
l 5 Ver Tabela l do Apêndice Estatístico, onde são apresentadas as freqüências relativas do aparecimento
das 15 profissões no conjunto dos municípios paulistas e gaúchos com zona rural.
16 Na Tabela 2 do Apêndice Estatístico são apresentadas as relações entre, de um lado, os salários médios
no conjunto da indústria e nos seus três principais ramos e, de outro, os salários normalmente pagos às
10 principais profissões assalariadas nas zonas rurais das duas regiões.
-149-
Tabela 3
Relações salariais entre o salário médio na indústria e os salários normais de diversas
profissões na zona rural, para trabalhadores homens adultos, no Rio Grande do Sul e
em São Paulo-1919.
Note-se que essa diferença regional quanto às relações entre salários industriais e
rurais parece inverter-se para o caso das mulheres adultas, embora se mantenha para os
menores.17 Comparando-se as médias salariais das mulheres adultas no conjunto da
indústria com os salários pagos às mulheres trabalhadoras de enxada, as relações en-
contradas são 1,653 e 1,116, para São Paulo e Rio Grande do Sul, respectivamente. O
significativo diferencial de salários industriais/rurais para as mulheres na primeira re-
gião, aliado a uma diferença de seus salários na indústria frente aos dos homens de
apenas -26,2% (no Rio Grande do Sul era de -41,7%) provavelmente eram circunstân-
cias que favoreciam a inserção das mulheres no mercado de trabalho industrial e o
direcionamento de mulheres assalariadas às cidades na região de São Paulo.18
Uma outra evidência das trajetórias regionais distintas de constituição dos merca-
dos de trabalho é a proporção dos estrangeiros entre os trabalhadores ocupados. Essa
proporção atingia 49,4% na Cidade de São Paulo e 17,9% em Porto Alegre, ainda em
1920, portanto cerca de três décadas após o início do grande fluxo migratório associa-
do ao café (Conforme o Recens. BR 1920: pop., 1930). A elevada proporção de estran-
geiros nas cidades da região de São Paulo, além de condicionar o perfil cultural da
classe operária e de influenciar as definições ideológicas de seu movimento, expressa
uma constituição acelerada do mercado de trabalho nessa região. Esse processo foi
amplamente determinado pela introdução de um elemento externo ao desenvolvimen-
to das relações sociais existentes na região, qual seja, o ingresso maciço de trabalha-
17 Para esses trabalhadores, é possível encontrar no Recenseamento do Brazil 1920: salários (1928)
apenas os salários normalmente pagos para a profissão de trabalhador de enxada.
18 Os valores absolutos dos salários são informados na Tabela 4 do Apêndice Estatístico.
-150-
dores imigrantes despossuídos numa estrutura social prévia, que, dessa forma, foi ra-
dicalmente transformada em poucas décadas.
Em contrapartida, tendo em vista as trajetórias regionais descritas anteriormente,
definimos a constituição do mercado de trabalho urbano na região do Rio Grande do
Sul como um processo de constituição progressiva, essencialmente dependente de ele-
mentos endógenos à estrutura social em transição. Essa característica, associada ao
rápido crescimento industrial do período, determinou uma relativa escassez no provi-
mento de força de trabalho à indústria gaúcha.19
Existem outras evidências que reforçam essa qualificação do mercado de traba-
lho gaúcho, como, por exemplo, a proporção de trabalhadores com ocupação indefini-
da dentre o conjunto de trabalhadores ocupados. Enquanto essa proporção atingia 15,5%
na Cidade de São Paulo, na Cidade de Porto Alegre ela era de apenas 8,0%.20 Essa
condição de ocupação indefinida, provavelmente, refletia a alternância de ocupações
ou a realização de tarefas esporádicas como alternativa de sobrevivência, diante da
impossibilidade de uma ocupação permanente. Trata-se, portanto, de um indicador de
situação de subemprego ou até mesmo de desemprego, que atingia na Cidade de São
Paulo praticamente o dobro do que se verificava em Porto Alegre.21
A análise dos salários e da distribuição salarial na indústria das duas regiões for-
nece-nos importantes indicações sobre as condições dos respectivos mercados de tra-
balho, além de permitir a elucidação de diferenças relevantes na composição da força
de trabalho industrial segundo sexo, bem como do impacto dessas diferenças sobre os
próprios níveis salariais. O salário médio diário pago na indústria do Rio Grande do
Sul superava a média salarial observada na indústria paulista, não apenas no conjunto
da indústria como também na maioria dos ramos, como fica evidenciado na Tabela 4.22
19 Agnes (1990, p. 164) também define como uma situação de escassez relativa de mão-de-obra a que se
apresentava nos mercados de trabalho das cidades da Campanha, a zona onde predominava a pecuária
extensiva.
20 Esses dados foram extraídos doRecenseamento do Brazil 1920: população (1930) v.4, pt.S, ti. Ver
Tabela 3 do Apêndice Estatístico.
21 Essa interpretação para a situação dos trabalhadores que declararam profissão indefinida é sugerida
por Bodea (s.d., p.25). O mesmo indicador de subemprego atingia 5,6% no Rio Grande do Sul, 7,2%
em São Paulo e 4,4% no Brasil.
22 A tabela de salários médios apresentada a seguir permite que se tenha uma percepção correta da
diferença entre os salários diários pagos nas industrias regionais, pois considera a totalidade dos casos
investigados. Evita-se assim o recurso de apresentar as médias salariais de apenas um ramo da indús-
tria como representativas de seu conjunto, como fez Pesavento, citando as médias salariais pagas no
ramo têxtil, constantes na introdução doRecenseamento do Brazil 1920: salários (1928) (p.XI),
como se fossem os dados válidos para o conjunto da indústria (PESAVENTO, 1988, p.48). No Apên-
dice Estatístico (Tabela 4), apresentamos os salários médios diários industriais e rurais, com dados
para a totalidade dos casos pesquisados, por idade e sexo.
-151-
Tabela 4
Salário médio dos operários, segundo os ramos industriais, no Rio Grande do Sul e em
São Paulo-1919.
Essa diferença de salários não pode apenas ser creditada à restrita oferta de força
de trabalho no Rio Grande do Sul, pois reflete também uma composição regional-
mente diferenciada dessa força de trabalho. A existência de uma diferença relevante na
composição dos contingentes de trabalhadores das indústrias regionais é explicitada
quando analisamos a Tabela 5, que fornece a distribuição dos operários ocupados se-
gundo idade e sexo. Em São Paulo, o peso da força de trabalho feminina na indústria
era 54,8% superior ao mesmo peso na indústria gaúcha. Já quanto aos menores, a
inserção destes no trabalho industrial era equivalente nas duas regiões.
A força de trabalho feminina tinha, portanto, um peso significativamente superior
em São Paulo, o que provocava um rebaixamento do salário médio total dos operários
paulistas. Isso ocorria porque os salários pagos às mulheres, embora significativamente
superiores àqueles observados no Rio Grande do Sul, eram inferiores aos salários dos
homens.23 Para ilustrar o argumento, caberia perguntar: qual seria a diferença entre os
salários médios totais, na hipótese de que a composição da força de trabalho, inclusive
23 Conforme foi possível constatar na análise doRecenseamento do Brazil 1920: salários (1928),os
salários médios pagos às operárias paulistas superavam em 22,3% o das operárias gaúchas.
-152-
o peso da força de trabalho feminina, na indústria paulista fosse a mesma observada na
indústria gaúcha? Essa diferença cairia a zero.24
Tabela 5
Distribuição dos operários ocupados na indústria, segundo idade e sexo, em São Paulo
e no Rio Grande do Sul - 1919.
24 O efeito de rebaixamento da média salarial paga pela indústria paulista, ocasionado pelo elevado peso
da participação das mulheres na força de trabalho industrial, já fora indicado sumariamente por Cano
(1977, p.228). A simulação da diferença de salários médios totais aqui apresentada, que indicaria com
precisão uma média 0,2% superior em São Paulo, baseia-se na média ponderada dos salários médios
por sexo e idade observados nessa região, utilizando-se como estrutura de ponderação a composição
da força de trabalho no Rio Grande do Sul, segundo o número de casos constantes no Censo Salarial,
do mesmo modo que os dados apresentados na Tabela 4.
25 A referida distribuição é apresentada na Tabela 5 do Apêndice Estatístico.
26 No Apêndice Estatístico (Tabela 4) constam os salários médios dos operários com menos de 16 anos,
por ramo da indústria.
-153-
incluindo-se entre esses motivos aqueles de natureza cultural. Nesse sentido, cabe ob-
servar que a ausência da mulher do mercado de trabalho tende a estreitar os laços
familiares, ao passo que aumenta a dependência do conjunto da família em relação ao
trabalho do homem.
No Rio Grande do Sul, uma das formas encontradas pela burguesia industrial
para estreitar os vínculos de dependência do trabalhador em relação à fábrica envolvia
exatamente as relações familiares. Ao fornecer ao trabalhador moradia para a sua fa-
mília, escola para seus filhos e outros benefícios assistenciais, os industriais gaúchos
estabeleciam um forte vínculo com a força de trabalho de que dispunham. Por outro
lado, há indícios de que, apesar de ser pequena a diferença entre os salários nominais
nas duas regiões, o poder de compra dos salários era superior no Rio Grande do Sul.
Isso permite supor que, em São Paulo, a inserção das mulheres no trabalho industrial
era, em alguma medida, motivada por uma necessidade mais acentuada de ampliar a
renda familiar por meio do assalariamento das mulheres.
Existem, de fato, alguns indícios de que não apenas o salário médio nominal era
maior no Rio Grande do Sul como de que também nessa região os salários reais eram
superiores. É o que se poderia depreender, com toda certeza, se déssemos crédito as
palavras do deputado gaúcho Simões Lopes, que, em pronunciamento na Câmara dos
Deputados em 1917, advogava as vantagens do operariado urbano gaúcho frente ao
das demais regiões brasileiras.27 Há outros indícios que corroboram a suposição (qua-
se um senso comum) da existência de um custo de vida relativamente inferior no Rio
Grande do Sul, como a extensão regional relativa da área cultivada com culturas ali-
mentares e a maior intensidade de utilização de tratores na agricultura gaúcha à épo-
ca.28
27 "O salário percebido no Rio Grande do Sul pelos operários da cidade também não era tão exíguo.
Toda a gente sabe que o Rio Grande do Sul é, como se disse, um vasto celeiro de gêneros de primeira
necessidade e que, portanto, aqueles operários que se acham mais aproximados e mais em contato com
esse celeiro naturalmente, terão as suas necessidades satisfeitas a um custo mais barato e mais conve-
niente (...) Assim é que reputo que o operário rio-grandense, em vista dos preços dos gêneros de
primeira necessidade e dos artigos de consumo essenciais, não é por certo, no Brasil, a classe que mais
está sofrendo." (apud PESAVENTO, 1988, p. 48).
28 Apesar da dificuldade em se obterem dados sobre preços de produtos de consumo popular nas duas
regiões à época, foi possível aferir que, em 1920, enquanto a população total do Rio Grande do Sul
correspondia a 47,5% da de São Paulo, a área cultivada com arroz, trigo, milho, feijão, batata e man-
dioca nas duas regiões possuía quase a mesma extensão (dados extraídos do Recens. BR. 1920:
pop.,1930, CANO, 1977, p.283-284). Por outro lado, dos 1.706 tratores em uso em 1920 registrados
pelo censo, 47,9% estavam no Rio Grande do Sul e 23,5% em São Paulo (LINHARES e SILVA, 1979,
p.33). Também os dados de uma enquete realizada em 1952 pela Comissão Nacional de Bem-Estar
Social fornecem uma série de indicações sobre preços e consumo de alimentos nas duas regiões, que
podem ser considerados, se imaginarmos que então ainda se refletiam as condições de preços e pa-
drões alimentares vigentes nas décadas anteriores. Assim, a enquete indica que os gastos com alimen-
tação nos orçamentos domésticos atingiam 35,4% em Porto Alegre e 41,1% na Cidade de São Paulo.
Indica também que o consumo médio mensal por adulto masculino ou equivalente de artigos de ori-
gem animal e azeite era em média 21,9% maior no Rio Grande do Sul do que São Paulo, destacando-
se o consumo superior de carnes em 121,0%, galináceos em 58,7% e leite fresco em 84,5%. Por fim,
a mesma enquete fornece os preços de diversos produtos alimentares, com os quais foi possível cons-
tituir para Porto Alegre e São Paulo uma estimativa do custo da ração-tipo essencial, instituída pelo
Decreto-Lei no 399, de 1938, para servir de base ao cálculo do salário mínimo, de sorte que esse custo
era cerca de 30% superior na última capital; dados brutos obtidos em Linhares e Silva (1979, p. 144-
146).
-154-
IFEE-CEDOC
Por outro lado, para avaliar o custo efetivo da força de trabalho para a indústria,
calculamos o salário médio nominal por empregado/ano (massa anual de salários e
ordenados dividida pelo número de empregados). Considerando tal indicador, obser-
vamos que esse custo salarial era 10,1% superior na indústria gaúcha, um diferencial
que supera aquele já apontado para os salários médios diários dos operários nas duas
regiões, de 6,3% (Tabela 4).
As características que vimos levantando indicam que a escassez relativa
de força de trabalho no Rio Grande do Sul (devida à estrutura agrícola anteriormente
descrita e à menor inserção do trabalho feminino), comparada à abundância desta em
São Paulo, era fator determinante não só para explicar a diferença de salários existen-
te entre essas regiões, como também a maior diferença entre os salários industriais e
os rurais no Rio Grande do Sul.
Pretendemos agora voltar nossa atenção para a análise das relações que se estabe-
leceram nas duas regiões entre as classes sociais em constituição diretamente envolvi-
das com a expansão industrial em curso: a burguesia industrial e o proletariado ur-
bano. As características de formação e organização dessas classes emergentes, bem
como suas inter-relações, mediadas em maior ou menor grau pela ação do Estado,
expressavam o próprio o grau de constituição da indústria e compunham as estruturas
dos mercados regionais de trabalho industrial e suas condições de funcionamento.
Nesse sentido, começamos por considerar o nível de organização dos trabalhado-
res industriais nas duas regiões, assinalando que, antes do ciclo de greves de 1917-19,
é precária qualquer referência a um movimento operário. Até então, os sindicatos abran-
giam apenas uma pequena percentagem da classe operária, cuja afluência as entidades
crescia somente nos períodos de atividade grevista. Nas greves, sobressaía-se a influ-
ência das lideranças anarco-sindicalistas, corrente política predominante no movi-
mento operário do início do século. A sindicalização atingia parcelas menos significati-
vas de operários qualificados, sendo muito difícil a organização sindical dos operários
fabris. Também a dispersão da classe operária nascente, suas divisões, seus vínculos
ao decadente segmento dos artesãos e as dificuldades em estabelecer laços internos
duradouros de solidariedade, conduziam à diversidade nas formas de organização sin-
dical e à predominância da luta econômica (PINHEIRO, 1977a).
Essas limitações da organização sindical eram comuns às regiões do Rio Grande
do Sul e de São Paulo, indicando a pouca influência dos sindicatos, pelo menos até
1917, nas condições do mercado de trabalho industrial em ambas as regiões. Contudo,
no Rio Grande do Sul, a organização dos trabalhadores industriais parece ter ocorrido
com certo atraso relativo. Assim, apenas em 1906 era fundada, em Porto Alegre, a
Federação Operária do Rio Grande Sul (FORGS), quando, no mesmo ano, as organi-
zações operárias do centro do País, lideradas pelos anarco-sindicalistas, já se articula-
vam, inter-regionalmente, através da realização do I Congresso Operário no Rio de
Janeiro.
A FORGS, cujo caráter deveria permitir a integração das lutas parciais dos traba-
lhadores e sua identificação enquanto classe, nasceu, todavia, à margem das lideranças
-155-
operárias anarco-sindicalistas, que, também em 1906, conduziram uma greve geral em
Porto Alegre pela jornada de oito horas de trabalho. Os fundadores da FORGS eram
preponderantemente socialistas, influenciados pela social-democracia alemã, e parti-
cipavam de alianças políticas com o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), de-
tentor do poder político regional.29 A entidade somente passou a ter uma atuação mais
efetiva nas lutas operárias quando, em 1910, foi eleita uma diretoria com predominân-
cia dos anarco-sindicalistas, de sorte que mesmo essa predominância se realizava tar-
diamente no Rio Grande do Sul.
As diferenças regionais de organização dos trabalhadores industriais podem ser
relacionadas com as diferentes condições observadas nos mercados regionais de traba-
lho. Elas podem também fornecer uma pista para uma investigação sobre a forma de
constituição do conflito de classes nas duas regiões e sobre como nelas se desenhavam
as relações de trabalho. Para tanto, cabe, de um lado, analisar as características da
composição étnica dos trabalhadores industriais, que nos retratam a formação da pró-
pria classe operária, e, de outro lado, investigar quais eram as reivindicações mais
freqüentes nas suas lutas nas duas regiões.
Como se sabe, a presença de estrangeiros entre os trabalhadores urbanos era um
fator de politização e radicalização das lutas operárias.30 Essa presença era substan-
cialmente inferior entre os trabalhadores do Rio Grande do Sul, como é possível iden-
tificar, para as capitais, tomando-se os dados do Recenseamento Geral de 1920.
A maior parte dos trabalhadores ocupados nos principais setores de atividade na
capital de São Paulo era composta por estrangeiros, ainda em 1920. Nessa região,
predominavam os trabalhadores italianos e, secundariamente, os espanhóis, entre os
quais se encontravam as lideranças anarquistas. Já no Rio Grande do Sul, além do
menor peso dos trabalhadores estrangeiros, também era substancial entre estes a pre-
sença dos alemães, o que favoreceu o surgimento de lideranças sociais-democratas em
disputa com os anarquistas.31
Tabela 6
Proporção de trabalhadores estrangeiros entre os ocupados, segundo o setor de ocupa-
ção profissional, em Porto Alegre e em São Paulo - 1919.
-156-
De outra parte, a influência das condições de trabalho e dos níveis dos salários
sobre as organizações e as lutas operárias pode ser melhor considerada se levarmos em
conta quais eram suas principais reivindicações. Nesse sentido, uma avaliação das
reivindicações contidas nos programas anarco-sindicalistas dos congressos operários
de 1906 e 1913, nos quais houve a predominância quase absoluta dos sindicatos do
centro do País, indica a primazia da luta pela redução da jornada de trabalho sobre o
objetivo do aumento de salários. Em 1907, uma greve iniciada em São Paulo e esten-
dida posteriormente às cidades de Santos, Ribeirão Preto e Campinas envolveu a mai-
or parte dos trabalhadores industriais, reivindicando a jornada de oito horas de traba-
lho. Segundo Pinheiro (1977a, p. 143), tratava-se de uma greve realizada por uma par-
cela significativa da classe operária em busca de um "padrão moderno" de relações de
trabalho, num contexto favorável à luta sindical, pois era um momento de expansão da
economia.
No Rio Grande do Sul, uma análise das greves registradas num relatório da FORGS,
ocorridas entre 1906 e 1913, indica que havia a preponderância das reivindicações
pela redução da jornada, seguidas pelas de melhoria salarial.32 Contudo, numa análise
mais abrangente das greves realizadas nessa região entre 1890el919, Petersen (1979,
p.321) apontou as questões salariais como causa principal das greves, destacando a
freqüência das greves pela redução da jornada para oito horas, sem redução do salário.
Assim, é possível afirmar que uma característica comum às lutas dos trabalhado-
res em ambas as regiões no início deste século era a presença, mesmo que em diferente
grau de importância, das lutas em torno de condições básicas de trabalho, principalmente
através da redução das horas trabalhadas. De fato, as condições de trabalho eram geral-
mente péssimas.33
Entretanto, a predominância das questões salariais nas greves ocorridas no Rio
Grande do Sul, justamente a região onde os salários industriais eram superiores, pare-
ce indicar que os trabalhadores dessa região se defrontavam com condições distintas
de contratação e uso da força de trabalho pelo capital. A primazia daquelas questões
sobre os demais motivos das greves sugere que, nessa região, havia melhores condi-
ções de barganha para os trabalhadores junto aos empregadores. Segundo Petersen
(1979), as greves prejudicavam os industriais gaúchos também por desorganizarem o
equilíbrio entre oferta e procura de mão-de-obra, já que nem sempre era fácil conse-
guir mão-de-obra similar.34
Da mesma maneira, o confronto dos resultados obtidos pelos trabalhadores das
duas regiões nas greves pela jornada de oito horas ocorridas em 1906, em Porto Ale-
gre, e de 1907, em diversas cidades paulistas, traz indicações que diferenciam as con-
dições do mercado de trabalho nas duas regiões. A greve de Porto Alegre encerrou-se,
-157-
após 21 dias, parcialmente vitoriosa, pois "(•••) foi firmado um acordo pelo qual era
fixada para todo o proletariado a jornada de 9 horas de trabalho", sendo que, antes
disso, as jornadas atingiam até 11 horas.35
Na região de São Paulo, a greve de 1907, segundo nos informa Pinheiro (1977a,
p. 156), trouxe a redução da jornada para os gráficos e para os trabalhadores da cons-
trução civil, "alguns resultados" para os operários têxteis, enquanto os metalúrgicos
foram derrotados. Além da diferença nos resultados obtidos pelas diversas categorias,
a greve deixou claro o conflito existente entre as pequenas empresas, que se dispu-
nham a ceder às pressões do movimento operário, e as grandes empresas, que se man-
tinham irredutíveis diante das reivindicações.36 Somente em 1919, através de uma ou-
tra greve, os trabalhadores paulistanos obteriam resultados semelhantes àqueles da
"greve dos 21 dias" de 1906, em Porto Alegre.37
Defrontando-se com condições do mercado de trabalho urbano-industrial que,
como vimos, eram substancialmente distintas entre as duas regiões, suas burguesias
industriais tratavam de modo diverso as questões do trabalho. Para essa diversidade
também contribuía a menor extensão da indústria gaúcha e o peso mais acentuado que
nela tinham os pequenos estabelecimentos que operavam em escala e sobre uma base
técnica ainda artesanal.
Contudo eram os grandes estabelecimentos que, em graus diversos nas duas regi-
ões, concentravam a maior parte do emprego operário. Nesses estabelecimentos, que
dispunham de maquinaria importada, a base técnica assumia outro perfil, dando lugar
a processos de trabalho cuja gestão se inspirava nas formulações tayloristas e fordistas.
Isso se refletia na fábrica, onde a preocupação com a produtividade e o controle abso-
luto do processo de trabalho passaram a dominar o pensamento da burguesia industri-
al. No Rio Grande do Sul, segundo Pesavento (1988), a influência dessas idéias, prin-
cipalmente as fordistas, junto aos industriais gaúchos manifestava-se na preocupação
em "disfarçar" a dominação do capital sobre o trabalho.38
35 Conforme o Relatório de 1913 da FORGS, citado em Marcai (1985, p.24). O grifo é nosso.
36 O mesmo autor, referindo-se à Cidade de São Paulo, nos informa que "(...) por volta de 1900, nas
indústrias têxteis, trabalhavam-se 14 horas diárias; em 1911, de 10 a 12 horas (...)" (PINHEIRO,
1977a, p.149).
37 Na greve de 1919, na Cidade de São Paulo, em inúmeras categorias chegou-se ao acordo dajomada de
oito horas (conforme PINHEIRO, 1977a, p.161-162). Cabe ressaltar que os resultados das greves'
nunca eram definitivos, pois a inexistência de uma regulamentação das condições de trabalho pelo
Estado permita aos patrões ignorarem os acordos firmados, piorando novamente as condições de trabalho
e a remuneração quando a situação de oferta de trabalho fosse conjunturalmente desfavorável aos
trabalhadores (PETERSEN, 1979 e GOMES, 1979).
38 Para avaliar a inserção das idéias fordistas e tayloristas junto aos industriais gaúchos, baseamo-nos em
Pesavento (1988). Parece-nos que tal inserção deve ser entendida enquanto uma apropriação parcial
dos principios dessas correntes de pensamento, particularmente no que tange aos métodos de sub-
missão dos trabalhadores ao capital e ao estabelecimento de uma rotinização de tarefas. Segundo
aquela autora, a concepção fordista combinava-se ao taylorismo, fundamentando as atitudes dos in-
dustriais gaúchos no sentido de ampliar suas margens de lucro e o controle sobre os trabalhadores.
Para uma abordagem sobre a concepção fordista e sua influência sobre o pensamento dos industriais
do centro do País na década de 20, ver Vianna (1978, p.65-77).
-158-
Assim, a influência do fordismo evidenciava-se de um modo singular nessa re-
gião, através da ampla utilização de práticas assistencialistas vinculadas a um discurso
ideológico, destacando-se a constituição de fundos de pensão, a assistência médica
fornecida pelas empresas, a manutenção de escolas para os trabalhadores e para seus
filhos e, em alguns casos, também o provimento de moradias às famílias dos trabalha-
dores. Havia uma clara preocupação, por parte dos industriais gaúchos, de manter,
através dessas práticas, o trabalhador vinculado à fábrica, bem como de amenizar o
caráter antagônico das relações de produção. Tais práticas estavam associadas à inten-
ção dos industriais no sentido de fazer crer aos trabalhadores ser possível a compatibi-
lidade dos interesses de classe, procurando, assim, desestimular a sua organização
sindical. Desse modo, o discurso da burguesia industrial gaúcha não se cansava de
salientar que as condições de trabalho nas fábricas eram "ótimas", descrevendo-as
como lugares da mais absoluta higiene e salubridade, os quais assegurariam aos traba-
lhadores um espírito de ordem e satisfação.
Segundo Pesavento (1988), as condições de trabalho vigentes na indústria gaúcha
eram, de fato, comparativamente melhores em relação àquelas vigentes nos demais
estados, ainda que estivessem muito aquém do que afirmavam os industriais. Dado
que, no Rio Grande do Sul, a burguesia industrial se defrontava com uma escassez
relativa de força de trabalho e dado o acelerado ritmo da expansão industrial no início
do século, é pertinente supormos que a disputa por trabalhadores entre os proprietários
industriais fosse um fator importante para induzir a adoção das referidas práticas
assistencialistas, capazes de cooptar os trabalhadores e vinculá-los à fábrica, ensejando
um desempenho produtivo superior e também melhores condições de trabalho do que
aquelas estabelecidas na região de São Paulo. Em suma, fazia-se necessário na indús-
tria gaúcha que as condições de exploração da força de trabalho fossem parcialmente
atenuadas, em vista da efetiva disputa por trabalhadores entre os industriais.
As práticas assistencialistas também eram freqüentemente utilizadas pela burgue-
sia industrial paulista. Esta não tinha, contudo, uma preocupação sistemática em ate-
nuar o caráter antagônico das relações de trabalho, pois dispunha de um contingente
relativamente abundante de trabalhadores. Nessa região, a vantagem da adoção da-
quelas práticas advinha da possibilidade que ela oferecia aos industriais de contarem
com um "mercado particular" de mão-de-obra em condições nas quais o mercado de
trabalho, ainda em processo de constituição, apresentava fraca fluidez.39 A restrição
do mercado de trabalho colocava-se, assim, de forma distinta para os industriais
paulistas, cujo problema maior consistia não na dimensão absoluta do contingente de
trabalhadores disponíveis, mas, sim, na obtenção, no momento preciso, de um fluxo de
força de trabalho sempre adequado às acentuadas flutuações cíclicas que afetavam a
produção industrial do período.
O atraso relativo da organização da classe trabalhadora no Rio Grande do Sul,
frente à dos trabalhadores de São Paulo, pode ser creditado não apenas à maior exten-
são da indústria e do contingente operário nesta última região, mais concentrado em
39 A caracterização das práticas paternalistas, bem como o seu significado para os interesses dos indus-
triais paulistas são apresentados por Gorender (1988).
-159-
proporcionalmente poucos estabelecimentos - o que favorecia a organização sindical.
É provável que as diferenças de organização e reivindicações dos trabalhadores indus-
triais nas duas regiões se devessem também às diferenças existentes quanto à compo-
sição étnica dos trabalhadores e à ocorrência, no Rio Grande do Sul, de melhores
condições de trabalho, de níveis salariais superiores e de relações de trabalho marca-
das por um assistencialismo patronal que objetivava a vinculação do trabalhador à
fábrica e o seu enquadramento ideológico na perspectiva do capital.
Pretendemos indicar, portanto, que havia diversos fatores, peculiares à região do
Rio Grande do Sul, que desestimulavam a organização autônoma dos trabalhadores.
Tanto era assim que, em muitas fábricas da época, era rara a ocorrência de greves,
como, por exemplo, na empresa Rheingantz de Rio Grande, que ficou por 40 anos sem
experimentar nenhuma greve. No mesmo sentido, informa-nos Pesavento:
-160-
FEE-CEDOC
BÜUOTECA
estreita aos interesses desses dois setores. A ausência de um projeto político mais
abrangente, fundado numa proposta ideológica para o ordenamento social, combina-
va-se a uma ação estatal circunstanciada pelos interesses imediatos da burguesia cafe-
eira. Decorre daí a nossa percepção quanto ao caráter instrumental que assumia essa
fração regional do Estado, o que a distingue da administração pública rio-grandense.40
No Rio Grande do Sul, a condução da administração pública estadual foi marcada
pela presença, durante toda a Primeira República, de um partido com forte inspiração
positivista e uma diversificada base social, o Partido Republicano Rio-Grandense. Vin-
culado a uma fração minoritária dos pecuaristas, o PRR articulara, em torno de um
projeto de desenvolvimento regional diversificado, também os pequenos proprietários
rurais das colônias, camadas médias urbanas, banqueiros, industriais e comerciantes,
além de manter uma forte ligação com o exército nacional, segmento social cuja im-
portância na região advinha da sua condição de fronteira nacional.41
A diversidade da base social dessa fração regional do Estado fundamentou um
caráter específico de sua intervenção em todos os níveis da sociedade, particularmente
quanto às relações entre o capital e o trabalho na transição capitalista da Primeira
República. Desse modo, a administração pública estadual apresentava-se como estan-
do acima dos conflitos e interesses específicos, assumindo a feição de um Estado re-
gente das relações entre as classes.
Mesmo defendendo o privativismo nas relações de trabalho, no que concordava
com os interesses dos empresários, a administração positivista assumiu posturas de
cunho paternalista, favorecendo medidas estatais de proteção aos trabalhadores indus-
triais.42 Diante do crescimento das cidades e do aumento da concentração operária, a
administração pública estadual dessa região atuou de forma abrangente para a garantia
da ordem social e a prevenção dos conflitos. Com esse propósito, o Governo Estadual
empenhou-se decisivamente nas melhorias urbanas, objetivo propugnado pelos
positivistas, nomeadamente através de incentivos fiscais nas áreas de transporte, ha-
bitação e saneamento e na área da educação formal, criando escolas para formação
profissional. Assim, a postura ideológica e o caráter geral da intervenção dessa fração
regional do Estado na sociedade do Rio Grande do Sul foram extremamente singula-
res.
Em 1917, ocorreu a eclosão de uma greve com dimensões nacionais, que alterou
sensivelmente as relações de força entre as classes sociais em constituição e diante da
qual as administrações públicas estaduais assumiram posturas indicativas da diferença
regional que vimos assinalando.
40 A qualificação da ação do Estado paulista nesses termos é sugerida por Pinheiro (1977a, p. 163), ao
comparar as relações entre classe operária e Estado em São Paulo e no Distrito Federal.
41 Parece-nos que o dado fundamental que estabelece uma maior autonomia dessa administração estadu-
al diante das classes dominantes, quando comparada à paulista, é a ausência da classe que, na outra
região, era capaz de impor seus interesses ao conjunto da sociedade, isto é, a ausência de uma forte
burguesia agrário-exportadora.
42 Conforme Petersen (1979, p.280); a autora explica que era próprio do pensamento positivista dos
políticos gaúchos combinar a oposição à regulamentação das relações de trabalho pelo Estado ao
protecionismo estatal sobre os trabalhadores.
-161-
Essa greve generalizou-se para muitas categorias, ocorrendo num momento de
aceleração da atividade econômica. A produção industrial crescia com base na
sobreutilização da capacidade instalada, estabelecida pelas importações anteriores à
Primeira Guerra, e por meio do prolongamento da jornada de trabalho. A compressão
dos salários reais, provocada pelo encarecimento dos gêneros de primeira necessidade,
funcionou como estopim da greve em meio a uma situação crítica que combinava a
intensificação da exploração com o agravamento das condições de vida.43
Em todo o ciclo grevista ocorrido entre 1917 e 1919, o principal objetivo era a
conquista de aumentos salariais, embora outros objetivos se fizessem presentes. Esse
período de greves marca uma crescente organização sindical dos trabalhadores urba-
nos, bem como da própria burguesia industrial, particularmente na região de São Pau-
lo.44
A greve de 1917 obteve êxitos importantes, tanto em São Paulo como no Rio
Grande do Sul. Em São Paulo, a greve foi total e conquistou um aumento salarial de
20%, o pagamento fixo de salários mensais e a recontratação dos grevistas. O Presi-
dente do Estado de São Paulo também se comprometeu com providências que eram
solicitadas ao Governo.
No Rio Grande do Sul, a greve aglutinou os operários e a parcela pauperizada da
população, paralisando a Cidade de Porto Alegre. Nesse contexto, o Governo de Borges
de Medeiros interveio de forma inusitada, recebendo em sua sede uma comissão repre-
sentativa dos grevistas, concedendo reajuste de 25% ao funcionalismo público e a
redução de sua jornada de trabalho, instruindo o Intendente da Capital e a Brigada
Militar para que atuassem junto aos empresários, muitos dos quais acederam às reivin-
dicações operárias.45 O Governo também proibiu, temporariamente, a saída de gêne-
ros alimentícios para fora do Rio Grande do Sul, visando com isso diminuir os aumen-
tos constantes do custo de vida.46
Diante das novas condições criadas pelo ascenso do movimento operário de 1917
a 1919, as burguesias industriais regionais assumiram posturas diferenciadas quanto as
organizações dos trabalhadores. Tais posições alteraram-se ao longo do período da
Primeira República, principalmente diante da pressão exercida pelos próprios tra-
balhadores.
43 Geralmente, aceita-se que as greves del917a!919se deveram à elevação dos preços dos gêneros
alimentícios básicos em decorrência de sua exportação para os países aliados durante a Primeira Guer-
ra. Segundo Pinheiro (1977a, p.160), houve uma forte queda do salário real dos operários entre 1917
e 1921. A eclosão da guerra provocou, assim, uma inflação constante nesse período, no qual trans-
correu um ascenso do movimento operário.
44 Durante o ciclo de greves, as organizações patronais do centro do País reconheceram, pelo menos
momentaneamente, a representatividade dos sindicatos (GOMES, 1979, p.137).
45 Conforme Pesavento (1991) e Petersen (1979, p.281); o caráter dessa intervenção era inusitado, por-
que, na maioria das vezes, a atuação da administração pública estadual fora no sentido de reprimir as
manifestações dos trabalhadores. Para uma análise específica da greve de 1917 no Rio Grande do Sul,
ver Bodea (s.d.).
46 Pouco tempo depois, ainda em 1917, o mesmo governo assumiu o papel de representante dos ferrovi-
ários em greve, com a concordância destes, na reunião com os delegados da Viacão Férrea e do Gover-
no Federal conforme Petersen (1979, p. 281, 310 e 324).
-162-
Segundo Gomes (1979, p. 134-146), basicamente duas posições se firmaram en-
tre a burguesia industrial do centro do País após as greves operárias de 1917, ambas
oriundas de uma mesma vertente liberal. De um lado, havia a posição clássica dos
empresários em defesa da chamada "liberdade de trabalho", que, concretamente, sig-
nificava a liberdade de contratar a quem quisessem, obtendo as maiores vantagens
possíveis, sem interferência do Estado e principalmente das organizações dos traba-
lhadores. Esse posicionamento não reconhecia os sindicatos como interlocutores, e,
quando fosse necessário negociar salários e condições de trabalho, em vista da insatis-
fação manifesta dos trabalhadores, os empresários procuravam tratar diretamente com
os seus operários.
Na verdade, essa posição foi amplamente verificada entre os empresários indus-
triais de todo o País. Mesmo no Rio Grande do Sul, onde as idéias positivistas se
chocavam com os preceitos liberais, empresários e políticos concordavam em circuns-
crever ao âmbito privado o ordenamento das relações de trabalho. Assim, nessa região,
o não-reconhecimento da representação sindical e a realização de negociações diretas
entre os patrões e seus respectivos empregados combinavam-se às atitudes paternalistas
dos industriais gaúchos, que também procuravam afastar os trabalhadores dos sindi-
catos, subtraindo destes sua dimensão assistencial e cultural. O fato de a burguesia
industrial das regiões periféricas, incluindo-se aqui a gaúcha, recusar-se a negociar
com as associações de classe dos trabalhadores pode ser referido também como
contrapartida da menor organização do movimento operário.47
Em decorrência do ascenso das lutas dos sindicatos operários, amadureceu entre
a burguesia industrial, principalmente em São Paulo e no Distrito Federal, outra po-
sição, que reconhecia o direito à associação livre dos trabalhadores como decorrência
natural da fragilidade do operário isolado, na ausência de uma regulamentação da pro-
dução.48 Entre as vantagens suscitadas por esse posicionamento, estava a iniciativa dos
empresários em ordenar o mundo do trabalho através de negociações com as organi-
zações dos trabalhadores, antecipando-se à intervenção do Estado.49 Portanto, foi nos
centros econômico e político do País, onde as condições sociais haviam propiciado,
em grau máximo, a emergência de uma classe operária e onde esta detinha maior poder
de pressão, que a burguesia industrial passou a reconhecer os sindicatos como
interlocutores sociais.
A caracterização das relações entre as duas classes sociais emergentes, envolvi-
das no processo de constituição e expansão da indústria, e do perfil das ações das
47 É importante assinalar novamente aqui que os industriais gaúchos sequer possuíam uma associação
patronal independente, a qual somente seria criada em 1930.
48 Admitia-se que essa situação havia permitido ao capital obter maiores benefícios que o trabalho, acei-
tando-se a negociação com os sindicatos. Desse ponto de vista, "O direito de associação surge como
uma espécie de recomposição da 'liberdade', pois os operários reunidos seriam tão fortes quanto os
patrões para com eles contratarem no mercado" (GOMES, 1979, p. 152-153).
49 Até o final da década 1910-19, diversos parlamentares já haviam apresentado, no Congresso Nacio-
nal, projetos de lei regulamentando as condições de trabalho, embora sem êxito na sua aprovação
(PINHEIRO, 1977a). Essa movimentação no Parlamento sugeria a iminência de uma inserção mais
decisiva do Estado na regulamentação do trabalho.
-163-
administrações públicas estaduais permite indicar que essas classes estavam melhor
organizadas na região de São Paulo. Parece-nos que, nessa região, a maior amplitude
da indústria e do mercado de trabalho e o perfil mais conflitante das relações de traba-
lho conduziram a uma maior organização dos interesses de classe e à estruturação
desse conflito através de entidades representativas de patrões e de trabalhadores.
Á análise das diferenças regionais quanto às formações do mercado de trabalho e
da indústria, bem como das diferentes condições de funcionamento desses mercados,
desenvolvida nas seções anteriores, pode ser agora combinada à identificação do perfil
das relações entre as classes, apresentada nesta seção. A preocupação singular da bur-
guesia industrial gaúcha em cooptar os trabalhadores num quadro de oferta restrita de
trabalho, juntamente com outros indicadores, como o fato dos salários industriais se-
rem maiores no Rio Grande do Sul, onde também a diferença entre os salários industri-
ais e rurais era relativamente maior, permitem-nos caracterizar a existência, nessa re-
gião, de condições do mercado de trabalho que, quando comparadas àquelas vigentes
na região de São Paulo, podem ser definidas como próximas ao pleno emprego da
força de trabalho industrial, ao implantar-se a indústria.
50 Conforme o Recenseamento do Brazil 1920: indústria (1927) cabe ressaltar que o inquérito indus-
trial desse recenseamento restringia, significativamente, o conceito de indústria e estabelecimento
industrial, de modo a tornar este último mais próximo da noção de unidade de capital produtora de
mercadorias. Ver a introdução do referido volume, às páginas III e IV.
51 Conforme Sérgio Silva (1986, cap.IV), embora o autor apresente suas conclusões com base na análise
dos dados para as indústrias de São Paulo e do Distrito Federal.
-164-
Esse nível de concentração técnica das indústrias regionais fica melhor evidenci-
ado através do cálculo dos coeficientes de Gini, que fornecem uma medida da desi-
gualdade entre os estabelecimentos industriais de cada região.
Tabela 7
Coeficientes de Gini para distribuição dos estabelecimentos industriais segundo o nú-
mero de operários, por ramos da produção industrial, no Brasil, em São Paulo e no Rio
Grande do Sul-1919.
52 Para se ter uma idéia mais apropriada sobre o quão elevada era a concentração técnica da indústria
brasileira, é interessante notar que Labini (1986, p. 189) encontrou, para o mesmo tipo de distribuição,
coeficientes bem inferiores relativos à indústria norte-americana: 0,57 em 1919; 0,52 em 1921; e 0,59
em 1947. Embora a indústria norte-americana apresentasse uma distribuição menos concentrada dos
operários nos estabelecimentos industriais, a mediana dessa distribuição era de 284 trabalhadores
(STEINDL, 1990, p.96), extremamente superior à mediana da mesma distribuição para a indústria
brasileira, seguramente inferior a cinco operários (conforme os dados do Recens. BR. 1920: ind.,
1927, que indicam que mais da metade dos estabelecimentos se situavam na classe de emprego até
quatro operários).
53 Note-se que essa é mais uma evidência que refuta, também para o Rio Grande do Sul, a tese de uma
indústria nascente como sendo "o resultado de transformações progressivas de pequenas oficinas -
instaladas pelos imigrantes alemães e italianos - em fábricas" (PINHEIRO, 1977). Esse equívoco de
Pinheiro pode ser atribuído ao papel secundário que confere às características da indústria gaúcha,
como de resto a toda região, visto que o Brasil, praticamente em todos os sentidos, parece resumir-se
ao Rio de Janeiro e São Paulo. É Paul Singer (1968, p. 167), em obra inclusive citada por Pinheiro
(1977), quem, apoiando-se no trabalho de Jean Roche, nos informa que a indústria se instalava, no Rio
Grande do Sul, ocupando um mercado até então suprido basicamente por importações, as quais já
haviam liquidado com o artesanato.
-165-
sés dados também demonstram o caráter de grande indústria dos principais estabeleci-
mentos fabris da época, bem como da grande desigualdade existente entre estes e um
amplo contingente de pequenos estabelecimentos que pouco representavam para o
emprego e a produção industrial.54 Essas condições técnicas e seus resultados do ponto
de vista da capacidade de exploração da força de trabalho podem ser ilustrados pela
análise de diversos indicadores referentes a alguns ramos da indústria nas duas regi-
ões. Esses indicadores são apresentados na Tabela 8, de modo a evidenciar uma impor-
tante correlação entre o nível de utilização de máquinas e equipamentos e os níveis
relativos dos salários, da produtividade e da taxa de exploração da força de trabalho.
A simples observação da Tabela 8 indica que havia um alto nível de coincidência,
mais acentuada no Rio Grande do Sul, entre os ramos que, de um lado, apresentavam
a maior intensidade de capital e, de outro, os que obtinham maiores níveis de produti-
vidade, pagavam menores salários e, conseqüentemente, operavam com maiores taxas
de exploração do trabalho. Parece pertinente, portanto, assinalar que os maiores níveis
de obtenção de produto por operário eram obtidos geralmente naqueles ramos que se
utilizavam de maior valor em máquinas e utensílios por operário, ramos sobre os quais
é possível supor que empregassem forças de trabalho de menor qualificação, os quais,
em geral, eram os que pagavam os menores salários. Enfim, os mesmos ramos nos
quais, como conseqüência das características anteriores, ocorriam as maiores taxas de
exploração.
Essas características da base técnica da indústria e dos processos de trabalho apre-
sentavam-se em graus diferenciados nas duas regiões. É possível verificar que a indús-
tria gaúcha empregava, em valores correntes por operário, 25,4% mais que a con-
gênere paulista em máquinas e utensílios, obtendo 13,7% a mais de produto por operá-
rio empregado.55
-166-
FEE-CEDOC
TabelaS HBUOTECA
Indicadores de intensidade de capital, produtividade, salários e taxa de exploração em
diversos ramos da indústria e no conjunto da indústria no Rio Grande do Sul e em São
Paulo-1919.
RAMOS COM MAIOR RAMOS COM MAIOR RAMOS QUE RAMOS COM MAIOR
INTENSIDADE DE PRODUTIVIDADE (2) PAGAM TAXA DE
REGIÕES CAPITAL (1) (em contos de réis por OS MENORES EXPLORAÇÃO (3)
(em contos de réis por operário) SALÁRIOS
por operário)
Alimentação 2,77 Alimentação 7,33 Alimentação 4.040 Alimentação 4,7
Química 2,63 Química 6,97 Química 4.881 Química 3,6
Madeira 2,47 Madeira 5,99 Madeira 4.999 Madeira 2,6
Rio Grande Têxtil 2,39 Têxtil 4,88 Têxtil 5.004 Têxtil 2,2
do Sul Couros e peles 1,30 Couros e peles 4,61 Couros e peles 5.454 Couros e peles 2,2
Toda indústria 2,17 Toda industria 5,66 Toda industria 5.169 Toda indústria 2,7
Alimentação 3,31 Alimentação 9,92 Alimentação 4.523 Alimentação 4,9
Química 2,12 Química 7,35 Química 4.560 Química 3,9
Madeira 2,11 Madeira 70,2 Madeira 4.565 Madeira 3,0
Slo Paulo Têxtil 2,06 Têxtil 6,30 Têxtil 5.050 Têxtil 2,8
Couros e peles 1,84 Couros e peles 4,44 Couros e peles 5.090 Couros e peles 2,6
Toda industria 1,73 Toda industria 4,98 Toda industria 4.861 Toda indústria 2,7
Relações entre
as regiões (RS/SP) 25,4% 13,7% 6.3% 2,2%
-167-
Contudo os salários médios diários pagos aos operários eram superiores na indús-
tria gaúcha em 6,3%, comparativamente à indústria paulista, enquanto a taxa de explo-
ração era ligeiramente superior (2,2%) para a indústria gaúcha.56
Ao que parece, a indústria no Rio Grande do Sul defrontava-se com o problema
do pleno emprego da força de trabalho de tal forma que, dispondo de um menor provi-
mento de força de trabalho e pagando salários relativamente superiores aos observa-
dos em São Paulo, obtinha um maior nível de produtividade. Isso pode ser atribuído à
maior utilização de máquinas e equipamentos, mas também às formas de subordinação
e enquadramento da força de trabalho ocupada. Esse quadro revela que, sob critérios
qualitativos (níveis salariais, níveis de produtividade, intensidade de capital), a indús-
tria gaúcha apresentava um grau superior de desenvolvimento quando comparada à
indústria paulista em 1919.57
Assim, há fortes indicações de que a burguesia industrial gaúcha buscava outras
formas de garantir a sua margem de lucro, visto que simplesmente não podia proceder
como sua congênere paulista, que pagava salários mais baixos e baseava seu desempenho
em condições de trabalho relativamente piores. Apesar da ocorrência de maiores salá-
rios industriais no Rio Grande do Sul, as parcelas salariais, isto é, as partes dos valores
da transformação industrial apropriadas em cada região pelos respectivos trabalhado-
res, eram bastante próximas nas duas regiões (26,8% no Rio Grande do Sul e de 27,3%
em São Paulo), graças às diferenças observadas nos níveis de produtividade.58
Uma análise de outros indicadores do desempenho das indústrias regionais per-
mite avaliar que a indústria paulista operava com maior lucratividade em comparação
com a indústria gaúcha (Tabela 9). Isto não se devia, contudo, ao fato de que os salá-
rios pagos na indústria gaúcha fossem geralmente superiores àqueles pagos em São
Paulo, pois o peso dos salários no conjunto das despesas correntes de produção era
mais baixo no Rio Grande do Sul do que em São Paulo (14,9% e 16,7%, respectiva-
mente, conforme a Tabela 6 do Apêndice Estatístico). No conjunto das indústrias regi-
onais, a maior produtividade verificada no Rio Grande do Sul era insuficiente para
permitir uma maior lucratividade frente à indústria paulista.
56 Note-se que, como já indicamos anteriormente, a diferença salarial se amplia para 10,1%, quando se
considera o custo médio anual que cada empregado representava para a produção industrial.
57 É interessante notar que, quando estratificamos os estabelecimentos industriais da época segundo o
tipo de organização jurídica, encontramos níveis regionais de produtividade (Valor Bruto da Produção
por operário) superiores para a indústria gaúcha em quase todos os tipos de organização. Enquanto
para os estabelecimentos registrados em nome individual, a produtividade na indústria gaúcha supera-
va em 26,7% à da indústria paulista, nas sociedades em nome coletivo e naquelas por ações (as duas
formas jurídicas mais características dos empreendimentos industriais capitalistas), a diferença dos
níveis de produtividade atingia 88,2% e 9,8% respectivamente (conforme os dados apurados por
ALMEIDA, 1992, a partir doRecens. BR 1920: ind. 1927, p.152-157).
58 Os dados citados foram elaborados a partir dos dados do Recenseamento do Brazil 1920: indústria
(1927).
-168-
Na verdade, mesmo que o valor agregado por operário fosse superior na indústria
gaúcha, a proporção desse valor agregado no Valor Bruto da Produção era ligeiramen-
te inferior à observada em São Paulo (35,7% contra 38,0%). Suficientemente inferior,
contudo, para estabelecer uma base para as diferenças de margem e taxa de lucro em
favor da indústria paulista.59
Tabela 9
Margem bruta e taxa de lucro bruto, no conjunto da indústria e em seus principais
ramos, no Brasil, em São Paulo e no Rio Grande do Sul - 1919.
O baixo valor agregado pela produção industrial gaúcha devia-se ao elevado peso
do ramo da alimentação nessa região.60 Essa circunstância também contribuía para o
rebaixamento da taxa média de lucro bruto da indústria gaúcha, em parte devido à
própria redução da margem, mas também porque o peso desse ramo acrescia sobrema-
neira o capital empregado no conjunto da indústria, dado o grande volume de seus
estoques.61
59 No Apêndice Estatístico (Tabelas 6 a 8), constam detalhadamente, diversos indicadores sobre as ca-
racterísticas do conjunto da indústria e de seus principais ramos, bem como os indicadores de
lucratividade para os demais ramos da indústria.
60 A participação desse ramo no conjunto da indústria afetava negativamente a sua lucratividade em
qualquer das regiões, mas tal participação divergia substancialmente entre elas. As participações dos
valores observados para o ramo da alimentação nos valores totais da indústria são as seguintes, con-
forme os dados do Recenseamento do Brazil 1920: indústria (1927)
ITENS RS SP
Valor da Transformação Industrial 55,3 26,7
Despesas com materiais 73,5 41,1
Capital empregado (total) 66,0 23,7
6 1 Assim, enquanto no conjunto da indústria gaúcha os estoques representavam 44,9% do capital empre-
gado, na paulista esse percentual restringia-se a 36,4%, devendo-se essa discrepância aos diferentes
pesos do ramo da alimentação nas estruturas das indústrias regionais.
-169-
É interessante observar que, se artificialmente excluirmos o ramo da alimentação
das indústrias regionais, observam-se taxas de lucro equivalentes e uma margem de
lucro superior para a indústria gaúcha (Tabela 9). Este último resultado, embora artifi-
cial, demonstra que, para o conjunto dos demais ramos da indústria, havia uma taxa de
lucro equivalente e uma margem de lucro ligeiramente superior no Rio Grande do Sul.
Esses resultados, contudo, não se verificam na análise de cada ramo isoladamente.
Como se pode observar na Tabela 9, a lucratividade era superior para a indústria paulista
no ramo do vestuário, sendo superior para a indústria gaúcha no ramo têxtil. A indús-
tria paulista era mais lucrativa na maioria dos demais ramos.62 Assim, percebe-se que
era o desempenho da indústria têxtil gaúcha que elevava a lucratividade geral do agre-
gado da indústria exclusive o ramo da alimentação.
No ramo têxtil, havia de fato uma superioridade técnica expressiva da indústria
gaúcha sobre a paulista. A diferente estrutura desses ramos nas duas regiões faz com
que a comparação destes, enquanto conjuntos regionais, revele uma lucratividade algo
superior no Rio Grande do Sul.63 Isso decorria da maior agregação de valor verificada
na produção têxtil dessa região (50% do Valor Bruto da Produção, contra 40% em São
Paulo), obtida graças a uma produtividade superior (em 25%), que pode ser atribuída à
maior utilização de máquinas e utensílios por operário (30% a mais que em São Pau-
lo). Note-se que esses resultados são verificados a despeito de o salário médio por
empregado ser cerca de 21% superior na têxtil gaúcha em relação à paulista.64
De um modo geral, é possível afirmar que os condicionantes para o desempenho
da indústria gaúcha, decorrentes de sua disponibilidade restrita de força de trabalho,
tinham uma influência secundária na determinação geral desse desempenho, quando
tal é avaliado exclusivamente pelos indicadores de lucratividade. Os salários geral-
mente maiores pagos pela indústria gaúcha não prejudicavam sua lucratividade relati-
va, pois eram mais que compensados pelos melhores índices gerais de produtividade.
Na verdade, os principais fatores determinantes da menor lucratividade geral da indús-
tria gaúcha frente à paulista eram o elevado peso, em sua estrutura por ramos, daqueles
ramos industriais cuja produção agregava menos valor, bem como a manutenção de
uma parcela expressiva de capital ociosa, na forma de estoques de matérias-primas e
produtos.65
62 Para identificar os valores precisos das margens e taxas de lucro, ver o Apêndice Estatístico, Tabela 8.
63 Convém advertir que tratamos sempre aqui de grandes agregados e de suas médias. Assim, em São
Paulo, do total de 247 estabelecimentos têxteis, 24 (10%) ocupavam SOO ou mais operários, respon-
dendo por 68% do emprego de operários no conjunto do ramo; no Rio Grande do Sul, do total de 20
estabelecimentos, 4 (20%) ocupavam 500 ou mais operários, correspondentes a 77% do emprego de
operários nesse ramo.
64 Ver Tabela 7 do Apêndice Estatístico.
65 Os estoques referidos na análise compõem-se de mercadorias, produtos em transformação, matérias-
primas e combustíveis. Do que se pode depreender doRecenseamento do Brazil 1920: indústria
(1927), o montante dos estoques, não discriminado segundo as rubricas referidas, corresponde a um
registro referente a uma determinada e única data (no caso, 20 de setembro de 1920). Para efeito do
cálculo de uma taxa anual de lucro, o mais adequado seria uma estatística dos estoques médios man-
tidos ao longo do ano. Ver Nota Metodológica ao final do Apêndice Estatístico.
-170-
5 - Epílogo
Na década de 20, despontaram importantes mudanças nas condições dos merca-
dos de trabalho industrial, que refletiam um maior amadurecimento social e político
da classe operária e as novas atitudes da burguesia industrial quanto aos sindicatos, às
greves e à implantação de uma legislação do trabalho. De um modo geral, é possível
assinalar que a ampliação dos contingentes operários, fruto da acelerada expansão do
parque industrial, e o conseqüente crescimento das manifestações da classe operária
provocaram a emergência de uma nova percepção na burguesia industrial e nas elites
brasileiras e de um novo padrão das ações do Estado quanto às questões do trabalho,
com o início da instituição da legislação trabalhista.
Segundo Pinheiro (1977a), o ano de 1919 e o início do ano seguinte marcaram o
momento mais alto do ciclo grevista, devido à crescente articulação entre os movi-
mentos de São Paulo e do Rio de Janeiro e à realização de inúmeras greves em um
curto período. A conquista da jornada de oito horas tornava-se realidade em diversos
ramos da indústria paulista. Paralelamente, emergia no movimento operário a corrente
comunista, cuja influência se tornaria crescente a partir de então, sobrepujando a pre-
dominância anarco-sindicalista.66
Em São Paulo, verificava-se também, na década de 20, uma renovação do contin-
gente operário. Segundo Rodrigues (1966), nessa década, ampliava-se progressiva-
mente a proporção de trabalhadores nacionais ingressos no Estado de São Paulo, em-
bora somente a partir de 1931 essa proporção viesse a superar a de estrangeiros. Tam-
bém essa renovação do contingente operário nessa região contribuiu para estabelecer
uma nova conjuntura para o movimento operário.
No início da década de 20, o peso do contingente operário já era bastante signifi-
cativo na população urbana. Tomando-se como referência os dois centros urbanos princi-
pais das duas regiões, no caso Porto Alegre e São Paulo, foi possível estimar que, em
1920, o peso dos operários industriais sobre o total da população ocupada em Porto
Alegre era de 9,0%, enquanto atingia 15,3% na cidade de São Paulo.67 Essas propor-
ções são bastante expressivas, se levarmos em consideração que, em 1992, as pro-
porções dos operários nas populações ocupadas foram estimadas em 25,0% na Região
Metropolitana de Porto Alegre e em 31,8% na Região Metropolitana de São Paulo.68
-171-
A despeito das enormes dificuldades que ainda se colocavam à organização dos
trabalhadores e sem pretender superestimar a potencialidade do movimento operário
ressurgido ao final da década de 20, queremos indicar que se operava uma transfor-
mação substantiva na presença da classe operária na cena social brasileira. A emergên-
cia da questão social tornava cada vez mais inadiável a discussão das relações de tra-
balho e a sua regulamentação pelo Estado. Pelos mesmos motivos, na década de 20,
tanto acentuou-se a repressão, quanto acelerou-se o processo de instituição das leis do
trabalho.69
O patronato do centro do País, principalmente de São Paulo, havia também,
paulatinamente, mudado de atitude em relação à regulamentação do mercado de traba-
lho, contrariamente aos empresários do Rio Grande do Sul e à postura da bancada
gaúcha no Congresso Nacional, refratários a qualquer discussão em torno do estabe-
lecimento de leis do trabalho. A repressão policial e do próprio patronato era cada vez
menos eficaz para deter as greves, que ocasionavam grandes prejuízos à produção.
Portanto, a burguesia industrial paulista passava também a discutir o que já vinha
sendo debatido no Congresso Nacional, ou seja, as leis sociais. Com isto, o empresariado
paulista buscava aumentar a sua influência nas decisões e garantir que os seus interes-
ses não fossem atingidos. Ao longo da década de 20, a intervenção da burguesia indus-
trial, especialmente seu segmento situado no centro do País, no processo de formula-
ção da legislação trabalhista passava a ser cada vez maior. O objetivo básico dessa
intervenção era a limitação do alcance da nova política social.
Os embates que se travavam no Congresso em torno das leis sociais expressavam
não apenas as diferentes concepções das frações regionais da burguesia industrial,
como também a própria extensão das indústrias regionais e dos respectivos mercados
de trabalho nas regiões. Nesse sentido, a posição dos deputados gaúchos, contrários a
qualquer forma de interferência do Estado nas relações de trabalho, refletia o posiciona-
mento de uma burguesia regional que comandava uma indústria de menores dimen-
sões e com uma classe operária numericamente inferior e politicamente mais frágil do
que a paulista. Em São Paulo, as primeiras propostas dos empresários quanto a alguma
forma de intervenção do Estado nas relações de trabalho já haviam surgido em 1912
(PESAVENTO, 1991). A nosso ver, a força relativamente superior do movimento ope-
rário nessa região implicou o extravasamento da questão operária para fora do âmbito
das fábricas, induzindo os empresários a reconhecerem a necessidade de uma regulamen-
tação e a tentarem direcionar o ordenamento legal das relações de trabalho.
Um aspecto importante a ser referido em todo esse processo foi salientado por
Gomes (1979). No momento em que foi possível perceber que a jornada de oito horas
de trabalho se tornava uma conquista inevitável dos trabalhadores, as próprias entida-
des patronais passaram a pressionar o poder público para que essa medida fosse im-
plantada em todos os setores e regiões. Parece evidente que as motivações dessa pos-
tura se inscreviam no âmbito da concorrência intercapitalista, pois a existência de
jornadas de trabalho diferenciadas seria benéfica àqueles setores e/ou regiões que man-
tivessem uma jornada de trabalho mais extensa.70
69 Pinheiro (1977a) chama atenção para a dupla característica do Governo Artur Bernardes, ao final da
Primeira República, pois foi o que promoveu a mais intensa repressão e as maiores iniciativas de
intervenção nas relações de trabalho, inclusive através da tentativa de estabelecer uma política sindi-
cal, contatando lideranças operárias e apoiando algumas associações.
70 É possível observar aqui também a importância do custo da força de trabalho no que tange à concor-
rência entre os capitais industriais estabelecidos.
-172-
As primeiras leis sociais surgiram a partir de 1919, quando foi estabelecida a lei
regulamentando os acidentes de trabalho. Em 1923, foi aprovada a lei Elói Chaves,
que firmava a estabilidade no emprego e instituía a caixa de aposentadoria e pensão
para os ferroviários, marcando o início da atuação do Estado na previdência social.
Em 1925 era aprovada a lei de férias para os comerciários, e, em 1927, surgiu o código
que regulava o trabalho dos menores.
A consideração da presença crescente da classe operária como ator social rele-
vante, manifesta no ciclo de greves 1917-19, parece-nos, portanto, ser a chave para a
compreensão do significado não apenas das primeiras leis sociais da década de 20,
como também da continuidade e da extensão desse processo de ordenamento do mun-
do do trabalho até o momento decisivo de sua constituição, após 1930. Os embates
travados a esse respeito no Parlamento à época sintetizam, em termos institucionais,
um jogo de forças sociais, no qual a classe operária desempenhou um papel fundamen-
tal. Não exatamente porque suas organizações sociais e políticas ou suas manifesta-
ções pudessem determinar ativa e conscientemente o caráter da legislação que seria
estabelecida, mas, primordialmente, porque sua presença social crescente se constituía
na motivação básica dessa discussão, cujas premissas e resultados se vinculavam à
necessidade de enquadrar essa classe numa nova ordem social, disciplinadora das rela-
ções de trabalho.
Conclusão
-173-
chá em submeter os seus trabalhadores industriais, pois, ao contrário do que se poderia
esperar, a indústria gaúcha pôde desenvolver-se com um mercado de trabalho restrito,
apresentando características de um desenvolvimento social qualitativamente superior
ao da indústria paulista.
Na região de São Paulo, a maior proletarização da força de trabalho permitia à
indústria operar baseada em piores condições de trabalho e salários inferiores, graças
ao emprego proporcionalmente mais numeroso de mulheres. As práticas assistencialistas
também eram adotadas pela burguesia industrial paulista, porém em menor grau, pois
as relações de trabalho na indústria dessa região assumiam um caráter mais conflituoso.
Esse caráter ensejou, desde cedo, a organização sindical de trabalhadores e industriais,
de sorte a promover uma maior estruturação, mesmo no âmbito privado, do conflito de
classes. Isso se refletiu, ao final da Primeira República, na maior aceitação da presença
dos sindicatos de trabalhadores nas negociações junto às organizações patronais, bem
como na inserção efetiva da burguesia industrial paulista na definição das leis traba-
lhistas. Por outro lado, o maior dinamismo da indústria paulista, que gerava um produ-
to e empregava um contingente de trabalhadores equivalentes ao triplo da indústria
gaúcha, permitia-lhe obter uma lucratividade superior.
Como foi possível observar, a heterogeneidade regional das estruturas de merca-
do de trabalho industrial na Primeira República é o traço marcante da análise com-
parativa apresentada neste ensaio. Contudo foi possível verificar a característica co-
mum de elevada concentração das industriais regionais, indicando que um mesmo tipo
de industrialização, definido pela utilização de uma base técnica mecanizada, se de-
senvolvia nas duas regiões. Provavelmente, tais características da indústria nascente
atuavam, já em 1920, como um fator que tendia a aproximar as condições regionais
dos mercados de trabalho industrial.
Por outro lado, as diferenças de atitude das administrações públicas estaduais
quanto as relações de trabalho tendiam a diluir-se, na medida em que se anunciava,
desde a década de 20, a emergência do Estado Nacional como organizador das rela-
ções de trabalho. A implantação das leis sociais passava também a contribuir para a
transformação das condições regionais dos mercados de trabalho industrial. Será
necessário, portanto, elucidar até que ponto esta e outras mudanças passaram a
descaracterizar, parcial ou totalmente, as peculiaridades que existiam nesses merca-
dos.
-174-
FEE-CEDOC
APÊNDICE ESTATÍSTICO MBLIOTECA
Tabela l
Freqüências relativas de aparecimento de profissões assalariadas nas cidades com zona
rural, segundo o tipo de relação de assalariamento, no Rio Grande do Sul e em São
Paulo-1919
-175-
Tabela 2
Média das relações entre os salários médios na indústria e os salários normais de 10
profissões na zona rural, para trabalhadores homens adultos, no Rio Grande do Sul e
em São Paulo-1919.
Tabela 3
Distribuição dos ocupados com declaração de profissão, segundo setor de ocupação
profissional, em Porto Alegre e em São Paulo - 1919.
-176-
Tabela 4
Salários diários médios na indústria, por ramos de produção, e salários diários normais
nas zonas rurais, por profissão, segundo sexo e idade no Rio Grande do Sul e em São
Paulo-1919.
(em réis)
Maiores de 16 anos Menores de
Setor de atividade, Homens Mulheres 16 anos
ramo ou profissão Rio Grande São Rio Grande São Rio Grande São
do Sul Paulo do Sul Paulo do Sul Paulo
INDUSTRIA
Todos os ramos 6.117 5.909 3.567 4.363 2.438 2.188
Têxtil 7.035 5.729 4.062 4.684 2.345 2.249
Alimentação 5.679 5.616 3.011 3.567 2.273 2.181
Vestuário 6.748 6.382 4.176 3.467 2.954 1.915
Química 4.701 5.729 2.807 2.922 2.485 2.030
Metalurgia 7.384 6.986 3.040 3.232 2.614 2.488
Material de transporte ... . 7.057 6.475 4.824 3.625 2.656 1.738
Madeira 5.067 5.796 1.500 4.000 3.068 2.291
Mobiliário 7.761 6.618 2.682 2.807 2.359 2.023
Couros e peles 6.026 5.449 2.000 3.500 1.750 1.883
Cerâmica 5.852 5.662 3.073 2.964 2.576 1.975
Edificação 6.630 6.280 (a) 3.500 1.917 1.754
ZONAS RURAIS
Trabalhador de enxada .... 4.094 3.944 3.197 2.640 2.293 1.805
Arador 4.583 5.391 (c) (c) (c) (c)
Carpinteiro 8.511 7.777 (c) (c) (c) (c)
Carreiro 4.266 4.304 (c) (c) (c) (c)
Carroceiro 4.337 4.374 (c) (c) (c) (c)
Ferreiro 7.896 7.569 (c) (c) (c) (c)
Oleiro 5.737 6.000 (c) (c) (c) (c)
Pedreiro 8.590 7.597 (c) (c) (c) (c)
Tropeiro (d) 6.935 4.062 (c) (c) (c) (c)
Vaqueiro . 3.450 4.115 (c) (c) (c) (c)
Fonte dos dados brutos: RECENSEAMENTO DO BRAZIL 1920: salários (1928).
Rio de Janeiro.
(a) Não consta nenhum caso; (b) Assalariamento "a seco" (sem sustento); (c) Dados
não disponíveis.
(d) Exclusive os casos em que o tropeiro fornece o animal para transporte, elevando o
pagamento em 65% em média; dentre todas as unidades da federação, somente para o
Rio Grande do Sul constam casos desse tipo.
-177-
Tabela 5
Distribuição dos operários com 16 anos ou mais, por sexo, segundo faixas salariais, no
conjunto da indústria, em São Paulo e no Rio Grande do Sul - 1919.
Tabela 6
Indicadores da produção no conjunto da indústria Brasil, São Paulo e Rio Grande do
Sul-1919-20.
INDICADOR BR SP RS
Taxa de Lucro Bruto (%) 22,5 25,4 20,7
-178-
Tabela 7
Indicadores da produção das indústrias da alimentação, têxtil e vestuário em São Pau-
lo e no Rio Grande do Sul - 1919-20.
Indicadores Alimentação Têxtil Vestuário
SP RS SP RS SP RS
Taxa de Lucro Bruto (%) 24,8 18,1 23,0 31,2 24,7 22,3
Margem Bruta de Lucro (%) 36,9 35,0 47,8 72,5 40,5 34,2
Taxa de Exploração 4,89 3,63 2,56 2,63 1,74 1,75
Produtividade(VTI/oper.) (mu réis) 9.917 7.333 3.907 4.883 4.039 3.915
Salário médio Total Anual (mu réis) 1.455 1.442 1.058 1.277 1.358 1.303
Intensidade de Capital (mil réis) 3.307 2.771 1.836 2.290 768 841
Composição da Cap. Empregado (%)
Máquinas e Utensílios 29,2 17,6 28,6 35,1 18,8 21,4
Terras e Edifícios 38,2 35,0 36,2 23,3 20,9 10,6
Estoques 32,6 47,4 35,2 41,6 60,3 68,0
Composição das Despesas (%)
Salários e Ordenados 7,6 9,6 18,7 27,5 23,2 19,6
Materiais 89,3 86,8 78,5 70,3 74,9 78,3
Transporte e Fretes 3,2 3,6 2,8 2,2 1,9 2,1
Relação Capital/Produto
Total 1,14 2,14 1,64 1,39 1,01 1,00
Máquinas e Utensílios 0,334 0,378 0,470 0,489 0,190 0,215
Proporção do Valor Agregado
(VTI/VPB)(%) 30,8 30,9 39.9 50.0 38,9 34,9
Fonte dos dados brutos: RECENSEAMENTO DO BRAZIL 1920: indústria (1927).
Rio de Janeiro, p. 250, 269, 271, 382,406,408.
NOTA: Para um esclarecimento sobre a construção dos indicadores, ver a Nota
Metodológica ao final deste Apêndice.
Tabela 8
Margem bruta de lucro e taxa de lucro bruto em diversos ramos da indústria, em São
Paulo e no Rio Grande do Sul - 1919-20.
Ramos Margem de lucro Taxa de lucro
SP RS SP RS
Química 62 1 60 1 32,8 31,7
Madeira 358 626 19,7 23,8
Metalurgia 49 1 369 27,0 17,5
Mat. de Transporte 49,6 47,1 32,6 22,9
Minerais Não-Metálicos 82,1 72,6 43,8 36,2
Mobiliário 39,6 326 24,0 18,0
Couros e Peles 33,2 40,0 16,5 22,6
Fonte dos dados brutos: RECENSEAMENTO DO BRAZIL 1920: indústria (1927).
Rio de Janeiro, p. 250, 269, 271, 382, 406,408.
NOTA: Para um esclarecimento sobre a construção dos indicadores, ver a Nota
Metodológica ao final deste Apêndice.
-179-
Nota Metodológica
Esta Nota esclarece a metodologia utilizada para o cálculo dos indicadores apre-
sentados na Tabela 9 e nas Tabelas 6 a 8 deste Apêndice e cuja elaboração implicou,
além da utilização direta dos dados fornecidos pelo Censo Industrial de 1920, a defini-
ção de conceitos e critérios de cálculo.
Valor da Transformação Industrial (VTI): corresponde ao saldo do Valor Bru-
to da Produção (VBP) informado no Censo após a dedução das despesas com materiais
(matérias-primas, combustíveis e outros) e com transporte e fretes.
Excedente Bruto: corresponde ao saldo do VTI após a dedução das despesas
com salários e ordenados.
Margem Bruta de Lucro: relação entre o excedente bruto e a soma das despesas
com materiais, transporte e fretes e salários e ordenados.
Taxa de Lucro Bruto: relação entre o excedente bruto e a soma das despesas
consideradas no cálculo da margem bruta de lucro acrescidas do valor total do capital
empregado. Trata-se, aqui, de uma estimativa que reduz a lucratividade efetiva, pois
os dados para o excedente bruto e para as despesas referem-se aos fluxos anuais de
1919, enquanto os dados para o capital empregado são de setembro de 1920. Estes
últimos dados devem estar expressos num nível de preços provavelmente superior aos
demais, devido à inflação ocorrida entre 1919 e 1920.
Taxa de Exploração: relação entre o excedente bruto e as despesas com salários
e ordenados. A soma dessas parcelas corresponde ao VTI.
Produtividade: resulta da divisão do VTI pelo número de operários ocupados na
sua geração; indica o valor agregado por operário.
Salário Médio Total Anual: resulta da divisão do valor total das despesas com
salários e ordenados pelo número de empregados ocupados.
Intensidade de Capital: valor da parcela do capital empregado referente apenas
a máquinas e utensílios dividido pelo número de operários ocupados.
Relação Capital/Produto: Total, valor total do capital empregado divido pelo
VTI; e Máquinas e Utensílios, valor da parcela do capital empregado referente ape-
nas a máquinas e utensílios dividido pelo VTI.
Abstract
This essay studies the regional markets of industrial labour in two Brazilian
regions, during the so-cattedperiod of Primeira República (1889 -1930). It identifies
the existence ofnearfull employment of labourf orce in the region ofRio Grande do
Sul, where, as compared to the region of São Paulo, better work and rewards
conditions were observed. These conditions, however, did notjeopardize the relative
industrial performance offormer region: its productivity and capital intensity leveis
were bigger than those o/São Paulo, overcoming disadvantadged associated with
bigger wages costs.
-180-
Escrito n° 7 I e-000067 34- 3
Introdução
-181-
mulação lucrativa de capital, o Estado deve manter, ou criar, condições de harmonia
social (O'CONNOR, 1977, p. 19).'
Tal idéia servirá de fio condutor tanto para situar o contexto geral em que se
desenvolveu a política fiscal dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo na
Primeira República, como, também, para determinar a forma pela qual os governos
estaduais respectivos encararam as suas funções de acumulação e de legitimação na
condução dessa política.
Para efeitos da abordagem pretendida, o trabalho foi dividido em duas seções. A
primeira, O contexto político e econômico em que se desenvolveram as políticas
estaduais na Primeira República, tem como propósito caracterizar, brevemente, o
meio econômico e político que foi palco das políticas públicas dos estados considera-
dos, de modo a fazer ressaltar as formas particulares pelas quais se deu a relação entre
os governos estaduais e as respectivas economias regionais, no período da Primeira
República.
A segunda, Rio Grande do Sul e São Paulo: uma visão comparativa da políti-
ca fiscal desses estados na Primeira República, objetiva determinar peculiaridades
da política fiscal praticada pelo Rio Grande do Sul e por São Paulo através do realce
das características das estruturas tributárias estaduais, das modificações sofridas por
tais estruturas no período considerado e do tipo de política econômica porventura im-
plícito nessas modificações. Com base em tais aspectos, procurar-se-á destacar a im-
portância conferida à política tributária como instrumento de política econômica por
cada um dos governos estaduais e o papel dessa política na consecução de determina-
dos objetivos de desenvolvimento regional.
l Ao desenvolver essa questão, O'Connor (1977, p.19) acrescenta o seguinte: na medida em que em-
prega abertamente a sua força de coação para favorecer uma classe na acumulação de capital, à custa
de outras classes, o Estado perde a sua legitimidade e, portanto, "abala a base de suas lealdades e
apoios"; porém, na medida em que ignora a necessidade de assistir o processo de acumulação de
capital, arrisca-se a "abalar a fonte de seu próprio poder", ou seja, a capacidade de produzir exceden-
tes econômicos e de arrecadar impostos a partir desse excedente e de outras formas de capital.
-182-
Tendo em conta o propósito de realizar um estudo comparativo, é importante
destacar, a priori, as situações totalmente distintas do Rio Grande do Sul e de São
Paulo, tanto do ponto de vista de suas atividades econômicas principais como no que
respeita à posição das respectivas classes dominantes regionais quanto a tais ativida-
des, no contexto brasileiro do final do século XIX.
O Rio Grande do Sul convivia com uma situação de crise da economia baseada na
grande propriedade rural e ligada à criação e à charqueada - concentrada na Serra do
Sudeste e na região da Campanha -, agravada por uma fraqueza relativa das classes
dominantes regionais relacionadas a essas atividades em fazer prevalecer seus interes-
ses frente às classes dominantes de outras regiões brasileiras. Paralelamente, manifes-
tava-se o dinamismo crescente da sociedade colonial - localizada ao norte e ao nor-
deste do território sul-rio-grandense -, apoiada na pequena propriedade rural, na
policultura e no capital comercial. A ação do capital comercial foi fundamental para
tal dinamismo, na medida em que propiciava a exportação de vários artigos originários
da produção da Colônia para outras regiões do País, tendo Porto Alegre como escoa-
douro. 2 A conseqüência mais palpável de tal situação traduzia-se na perda gradativa
da supremacia regional até então exercida pelos pecuaristas e no fato de que o dinamis-
mo da economia sul-rio-grandense estava, cada vez mais, desvinculado da grande pro-
priedade. Por outro lado, as ligações econômicas principais da região continuariam
verificando-se, predominantemente, com o mercado interno brasileiro, mantendo-se a
posição subsidiária que sempre caracterizou tais ligações em relação às atividades do-
minantes no Brasil, vinculadas ao comércio exterior e então representadas pelo café.
Situação diversa verificava-se em São Paulo, onde a economia permanecia, cada
vez mais intensamente, associada ao desenvolvimento da cafeicultura, concentrando-
se os lucros daí resultantes em atividades ligadas ao comércio, aos bancos, à indústria,
e aos transportes - que, muitas vezes, estavam reunidas nas mesmas mãos.3 Assim,
diferentemente do que acontecia no Rio Grande do Sul, a atividade econômica mais
dinâmica continuava vinculada à grande propriedade, e a classe dominante regional -
representada pelo bloco regional cafeeiro - alçava-se a uma posição de hegemonia
política e econômica no País.4
Conforme assinala Pedro Almeida, a sociedade da Colônia e seu centro comercial - Porto Alegre -,
impulsionados pelo crescimento da produção exportada ao final do século XIX, combinado com uma
distribuição mais eqüitativa da terra, experimentaram uma "(...) rápida e difundida monetização (...)
que logo tomou forma de um mercado regional crescente (...). Neste contexto, o comércio de exporta-
ção e importação configurou-se lucrativo, e uma pequena parcela da burguesia comercial da região,
principalmente a estabelecida em Porto Alegre, prosperou rapidamente." (ALMEIDA, 1992, p.553-
554).
Conforme Castro: "Esta polivalente ação da 'burguesia rural' cafeeira se traduzia numa estreita
vinculação com os setores dominantes da vida urbana, daí resultando uma combinação de interesses,
cujo indiscutido poder se fez sempre presente na formulação da política econômica do Império e da
Velha República" (CASTRO, 1971, p. 60). Sobre a multiplicidade de interesses do bloco regional
cafeeiro e sua hegemonia política, ver Saes, Flávio (1981, p. 244); Saes, Décio (1985, p. 347).
Para uma abordagem mais detalhada dos elementos das formações históricas da sociedade sul-rio-
grandense e da sociedade paulista aqui sintetizadas, ver, por exemplo, Almeida (1992); Antonacci
(1981); Castro (1971); Fonseca (1983; 1985); Love (1975; 1982); Pesavento (1979); Schwartzamann
(1988); Singer (1977); Targa (1991; 1993), entre outros.
-183-
Tais eram as situações em que se apresentavam as duas formações regionais — a
gaúcha e a paulista - por ocasião da instauração da República. A seguir ver-se-á como
se posicionaram, frente a essas situações, os governos que assumiram o poder nas
respectivas regiões, a partir da Proclamação da República, em 1889.
Instaurada a República, a Constituição Federal de 1891 garantiu considerável
autonomia aos estados, dentro do princípio básico da Federação.5 Estes, a partir de
então, tiveram asseguradas algumas prerrogativas de cunho econômico e político, en-
tre as quais: o controle exclusivo sobre o Imposto de Exportação, cuja arrecadação era
anteriormente repartida com o Governo Central; o direito de contraírem empréstimos
no Exterior sem autorização federal; a faculdade de se regerem por suas próprias cons-
tituições, de instituírem suas próprias forças militares, bem como seus códigos eleito-
rais e judiciários.
Assim, as novas prerrogativas assumidas exigiram que os estados contassem com
fontes próprias de captação de recursos. Tais prerrogativas, concomitantemente, cria-
ram para os mesmos novas responsabilidades e novos papéis a serem desempenhados
pelos governos que neles se instalaram.
Essas transformações repercutiram de forma diferente em cada um dos estados -
Rio Grande do Sul e São Paulo. E as repercussões, muitas delas de ordem política e
mesmo administrativa, influenciaram a formulação e a condução das políticas econô-
micas estaduais. É o que se procurará demonstrar a seguir.
Como ponto de partida, é indispensável que se examinem as características dos
aparatos de poder que foram criados não só pela importância dos mesmos para a con-
dução dos projetos econômicos regionais, mas, e sobretudo, porque é aí que sobressai
uma das mais marcantes singularidades do Rio Grande do Sul no contexto brasileiro
pós-República. Tal singularidade reside nas características particulares do partido po-
lítico que assumiu o governo estadual — o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR)
-, e graças às quais o mesmo pôde manter-se no poder praticamente durante toda a
Primeira República, depois de 1893.
As singularidades do PRR, aliás, poderão emergir de forma mais clara, se ca-
racterizarmos a situação comum vivida pela maioria dos partidos republicanos regio-
nais no período - e na qual pode se enquadrar o Partido Republicano Paulista (PRP), a
saber, um partido único, que absorvia a totalidade das forças políticas do Estado e que
apresentava um caráter monolítico a nível federal -, na medida em que as lutas e as
divergências eram canalizadas para o nível intrapartidário - oligárquico quanto à sua
constituição e funcionamento, liberal quanto aos seus princípios e utilizando uma rede
de relações coronelísticas para garantir a sua reprodução no poder (SOUZA, 1990,
p.187).
-184-
Considerando o PRR com relação a tais características, podem ser estabelecidas
algumas distinções marcantes, conforme salienta Pinto (1986, p.10). A primeira dife-
rença já surge quanto à própria natureza dos seus fundadores. Estes, embora fossem
membros da elite econômica sul-rio-grandense (eram estancieiros), não pertenciam à
classe dominante tradicional da Campanha gaúcha. Eram, em sua grande parte, prove-
nientes da região norte do Estado — de ocupação mais recente e menos rica que a
tradicional região da pecuária. Não faziam parte, portanto, da oligarquia coronelística
que dominava politicamente o Estado até a República.
Um outro ponto peculiar do PRR residia em que, ao contrário dos demais parti-
dos regionais, seus membros não se regiam pelos princípios liberais; ao contrário,
eram positivistas.6
Assim, comparativamente ao PRP, o partido sul-rio-grandense apresentava traços
bastante distintos, a saber: não era integrado pela oligarquia da região, enquanto o
PRP era dominado pela oligarquia rural paulista vinculada à cafeicultura; tinha um
projeto político positivista, em oposição ao projeto político liberal que dominava o
partido de São Paulo; não tinha natureza oligárquica quanto ao seu funcionamento e
nem desfrutava das "redes de relações coronelísticas", conforme a caracterização feita
anteriormente.
Os traços acima delineados, além de conferirem ao PRR uma marcante singulari-
dade em relação aos demais partidos estaduais, também colocaram o partido gaúcho
numa posição peculiar, no âmbito interno do Estado. Ou seja, suas características con-
tribuíram para a divisão das forças políticas sul-rio-grandenses em dois grandes blo-
cos - o PRR e o Partido Federalista (PF) -, configurando também uma situação diversa
da do esquema de partido único, que vigorava nos demais estados. Tal divisão assumiu
o caráter de um fracionamento das classes dominantes gaúchas (na medida em que o
PF congregava os elementos da tradicional oligarquia pecuária) e determinou uma
situação sui generis em termos do que aconteceu nas demais unidades da Federação: o
PRR foi o único partido republicano regional, durante a Primeira República, que teve
de conviver, permanentemente, com uma oposição organizada, composta pela elite
local, a qual, muitas vezes, se armou para tentar derrubá-lo do poder.
Um dos pontos fundamentais que embasaram as divergências com as oposições
reside no caráter não-oligárquico do projeto político do PRR. E, nesse sentido, o res-
paldo doutrinário do positivismo foi de uma importância excepcional, já que propiciou
aos membros do Governo Estadual justificativa para a defesa desse projeto frente à
sociedade sul-rio-grandense. Com base nisso, o PRR apresentava-se, aos olhos da opi-
nião pública como algo que pairava "acima dos interesses particulares", assumindo
um papel de "protetor e organizador da sociedade gaúcha em seu conjunto" (PINTO,
1986,p.l2-13).
Conforme Celi Pinto: "O PRR estava profundamente imbuído dos princípios positivistas que nega-
vam tanto o regime democrático como a doutrina liberal." Tais princípios, além de propiciarem aos
membros do PRR uma "(...) percepção específica da questão pública", correspondiam aos interesses e
às necessidades do grupo que ocupou o poder no Rio Grande do Sul durante a Primeira República,
conferindo-lhe subsídios para a criação de um Estado extremamente autoritário no período (PINTO,
1986, p. 13;21).
-185-
Outro foco de divergências permanentes foi a Constituição Republicana Rio-
Grandense (1891), cujos dispositivos - também inspirados no positivismo - fornece-
ram instrumentos legais ao PRR para o controle ininterrupto do Governo, alijando a
representação da oligarquia rural no aparato do poder.
Esse alijamento, entretanto, teve um custo bastante alto, na medida em que deter-
minou a necessidade de um empenho constante do PRR - mais intenso nos primeiros
anos de sua administração -, num processo de legitimação do seu governo frente à
sociedade sul-rio-grandense, como um pré-requisito de harmonia social, indispensá-
vel à criação de condições capazes de possibilitar não só a sua preservação à testa da
administração pública estadual como também o desenvolvimento pretendido para o
Estado.7
Tal questão, especialmente na fase de consolidação do Partido no poder - até o
primeiro Governo de Borges de Medeiros, em 1898 -, esteve intimamente relacionada,
no plano interno do Estado, com a articulação de outras forças de apoio por parte do
Governo Estadual, articulação esta que se concentrou especialmente nos setores não
oligárquicos da sociedade sul-rio-grandense. Essa articulação se resolveu, na prática
política e administrativa do Governo gaúcho, sob os ângulos da eficência e da mora-
lidade e do atendimento a interesses generalizados — significando este último ponto
o não-privilegiamento de uma determinada classe em detrimento da sociedade como
um todo - ao lado de uma extrema austeridade no gerenciamento das finanças públicas
estaduais (PINTO, 1986, p.26).8
Em São Paulo, a situação foi diversa. No partido que assumiu o poder no Estado
paulista, estavam representados os interesses dos grupos oligárquicos regionais, que
determinaram a condução da política estadual no período. Esse tipo de ação - que
privilegiou, sem dúvida alguma, as atividades vinculadas à cafeicultura — foi facilitado
pela situação de propriedade múltipla, que reunia, muitas vezes, como já se viu, nas
mesmas mãos os interesses da produção cafeeira com interesses nas áreas de transpor-
tes, comércio exportador, setor bancário e mesmo a indústria, fazendo do Governo do
Estado o instrumento de preservação de uma única ordem de interesses, a dos cafei-
cultores, que representavam uma elite agrícola com claras tendências burguesas. Por
essa ordem de razões e pelo fato de que, pelas próprias características da estruturação
partidária estadual, São Paulo não teve que enfrentar uma oposição organizada e acir-
rada, como ocorreu no Rio Grande do Sul, o Governo paulista preocupou-se, desde
logo, em apoiar o processo de acumulação de capital no Estado, atuando como o agen-
Segundo consta em Bobbio, a legitimidade pode ser considerada como sendo "(•••) um atributo do
Estado, que consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso
capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos
esporádicos". Essa razão leva a que todo poder busque consenso, "(...) de maneira que seja reconhe-
cido como legítimo, transformando a obediência em adesão", constituindo-se, assim, a crença na
legitimidade, "um elemento integrador na relação de poder que se verifica no âmbito do Estado"
(BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO.1991, p.675).
Conforme salienta Pinto, quanto a esse aspecto, o PRR apresentava-se frente à população como ga-
rantidor do bom funcionamento tanto do setor público como do setor privado. Assim, era responsável
não só pela continuidade e pela eficiência do regime, mas agia como "avalista das garantias necessá-
rias para o desenvolvimento das classes sociais no Estado" (PINTO, 1986, p.26).
-186-
te através do qual os grupos oligárquicos regionais puderam transferir a outras classes
e a frações de classes (e mesmo a outras oligarquias) - no nível do Estado de São
Paulo e no do próprio País — os custos dessa acumulação.9 Isso foi possível já que a
legitimação do PRP no poder era dada pela própria ideologia prevalescente, que iden-
tificava os interesses dominantes - ligados ao café - com os interesses do Estado e
estes com os interesses nacionais.
A ordem de razões anteriormente exposta definiu as políticas econômicas regio-
nais e as formas pelas quais cada um dos dois estados encarou questões de cunho
econômico diretamente vinculadas com o manejo dessas políticas. Permeando tudo
isso, estava implícita a própria concepção dos governos estaduais com relação ao grau
permitido, desejável ou necessário, de intervenção na economia.
Tanto o Rio Grande do Sul como São Paulo assumiram, através da ação dos seus
governos estaduais, durante a Primeira República, responsabilidades consideráveis,
que, muitas vezes, antecipavam a ação do Governo Federal em questões econômicas e
sociais. Ambos os governos atuaram, de forma direta ou indireta e de maneira mais ou
menos articulada, no sentido da consecução de determinados objetivos que configura-
vam, de certa forma, um certo "projeto" de política econômica predeterminado. Fo-
ram, entretanto, profundamente diversos nessa atuação: a própria concepção de cada
governo estadual sobre a intervenção do Estado, o âmbito de ação abrangido pela
intervenção - em termos dos interesses e dos setores envolvidos -, a forma de
envolvimento dos governos e o tipo de instrumentos utilizados.
A postura do Governo sul-rio-grandense com relação à intervenção passou por
nuances diferenciadas no período, deslocando-se de uma posição inicial mais voltada
para a legitimação e consolidação do PRR no poder para uma ação mais efetiva do
Estado no seu papel de empreendedor e propiciador de infra-estrutura e de condições
mais favoráveis à acumulação de capital.
Esse deslocamento encontrou respaldo permanente no discurso proferido pelos
ocupantes do Governo. Assim, era encarado o papel do Estado como o do administra-
dor do bem público, cuja preocupação deveria ser a de garantir a liberdade individual
e regular o desenvolvimento, sem prejuízo da iniciativa privada e, ao contrário, inci-
tando-a, fomentando-a, complementando-a. Sob esse ponto de vista - respaldado na
Constituição Republicana Rio-Grandense -, a administração direta, ou a intervenção
do Estado na economia, seria legítima somente quando dissesse respeito a serviços
públicos que tivessem relação com o interesse da coletividade, quando esses serviços
não pudessem ser explorados por particulares senão sob a forma de monopólio e desde
que isso não ferisse o princípio da neutralidade do poder público frente aos interesses
particulares, favorecendo uma classe ou fração de classe específica. Assim, a
compatibilização da incidência da ação do Estado com a liberdade individual foi efe-
tuada sob a égide da "socialização dos serviços públicos".
Esse tipo de postura, encarado com suficiente flexibilidade para permitir, inclusi-
ve, mudanças de comportamento, serviu de apoio à drástica e ininterrupta intervenção
9 Sobre esse mecanismo de transferência dos custos da acumulação do setor exportador a outras classes
e a regiões do País, ver, por exemplo, Cohn (1990, p.293-294).
-187-
do Governo gaúcho no domínio das relações de produção, contrariando os princípios
contemporâneos do liberalismo.
Frente à situação econômica que se apresentava no Estado, à época de sua ascen-
são ao poder - com a atividade pecuária praticamente estagnada e uma florescente
expansão da produção colonial -, o PRR empenhou-se em incentivar as atividades que
haviam adquirido maior dinamismo no contexto econômico sul-rio-grandense.10 Nes-
se sentido, centrou suas ações no desenvolvimento de uma proposta de diversificação
da produção gaúcha, à qual estavam ligadas outras questões de cunho econômico, tais
como a das exportações e a da auto-suficiência do Estado, a dos transportes e a da
circulação, a da integração estadual e a da concorrência, determinando formas especí-
ficas de condução da política econômica estadual, seja em termos de captação de re-
cursos, seja quanto à aplicação de tais recursos em função de determinadas priorida-
des.
Na esteira desse projeto básico, e apoiado no princípio do atendimento de interes-
ses generalizados, através de uma ação do Estado que se colocasse acima dos interes-
ses específicos - segundo o princípio da neutralidade -, o PRR acabou por fomentar os
interesses de vários setores e atividades. São exemplos disso: o apoio ao desenvolvi-
mento do setor bancário; o fomento à expansão do capital comercial através de ações
de várias ordens, desde o favorecimento da circulação de mercadorias até a adoção de
medidas na área da política fiscal; o estímulo, por várias formas, ao desenvolvimento
industrial, privilegiando as indústrias nascentes; uma ação significativa na área dos
transportes, culminando na encampação do porto e da barra de Rio Grande (único
acesso marítimo ao Estado) e da Viação Férrea.
Através dessa ação diversificada, o Governo gaúcho obtinha argumentos subs-
tanciais para sustentar a sua legitimação e para contra-arrestar as demandas por privi-
légios por parte das atividades pecuárias tradicionais. E, na medida em que sustentava
a sua legitimação por uma série de ações concretas em várias áreas, acabava por
apoiar, de várias formas e decisivamente, a expansão capitalista no Estado (ou seja, ao
ver-se compelido a privilegiar sua função de legitimação, o Governo sul-rio-grandense
atuou no sentido de apoiar firmemente a acumulação de capital no Rio Grande do Sul).
No caso de São Paulo, o PRP, filiado ao liberalismo, também defendia as liberda-
des do indivíduo e admitia apenas uma intervenção limitada na economia e na socieda-
de em geral, exceto no que dizia respeito à sustentação do café. Nesse sentido, a
primeira instância de aprofundamento da intervenção deu-se com a introdução dos
programas de valorização do café (a partir de 1906), sob o patrocínio do Governo do
Estado, que, reticente a princípio, logo aprofundou a sua ação através de uma série de
medidas diretas e indiretas. A intensificação, a partir daí, e, finalmente, a ins-
titucionalização da valorização, transformando-a em defesa permanente (ao final do
10 Sobre essa questão, assim se manifestava o Secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul em 1913
(Relat. 1913, p.21): "É tempo de se pensar na substituição da rotineira indústria do charque, principal
produto da nossa exportação, por outra mais estável e que tenha garantido mercado".
-188-
período), apenas contribuíram para ratificar uma realidade que se consolidou ao longo
do tempo, uma vez que o Estado de São Paulo interviera na economia cafeeira quase
continuamente, desde o primeiro programa de valorização. A intervenção direta e in-
tensa, bem como a defesa contundente de uma participação governamental profunda
no setor cafeicultor eram explicadas, dentro da lógica liberal, como uma situação de
exceção, em que o Estado se envolvia na proteção de uma "indústria" determinada - a
cafeeira - pela importância que a mesma representava na economia paulista e na eco-
nomia brasileira (ou seja, constituía-se em um assunto de interesse nacional e, como
tal, merecedor de tratamento diferenciado não só da parte do Governo do Estado como
também do Governo Federal).
Em regra geral, entretanto, tal como aconteceu no Rio Grande do Sul, a interven-
ção do Governo paulista expandiu-se a outros setores, especialmente àqueles que da-
vam sustentação à cafeicultura. No entanto tal intervenção, em São Paulo, apoiou-se
em premissas e em uma ação prática diferentes das assumidas pelo Governo gaúcho.
Em primeiro lugar, a intervenção praticada concentrou-se em uma atividade econômi-
ca específica, tornando também concentrada a distribuição dos benefícios da interven-
ção; em segundo, apoiou-se, muito mais do que no Rio Grande do Sul, em ações dire-
tas por parte do Estado, o qual, no caso do café, terminou por assumir domínio consi-
derável sobre o processo; finalmente, também ao contrário da postura do Governo sul-
rio-grandense sobre a questão, se caracterizou por um quase completo descaso frente
ao comprometimento das finanças estaduais — cujos recursos se mostravam claramen-
te insuficientes para arcar com as necessidades intervencionistas -, sendo atribuído
papel relevante ao endividamento externo para cobrir essas deficiências.
A necessidade de compatibilizar o gerenciamento das finanças públicas com uma
ação deliberada e intensa na condução do processo econômico remete-nos ao tema
específico deste trabalho, no qual tal questão está implícita - o exame de alguns aspec-
tos peculiares da política fiscal praticada pelos Governos Estaduais gaúcho e paulista
no período da Primeira República. Tal assunto será tratado na segunda seção, a seguir.
-189-
A questão mais ampla a ser investigada nesse sentido reside em definir em que
medida a política fiscal adotada pelos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo
funcionou como um instrumento efetivo de ação dos governos estaduais na direção de
um projeto determinado de desenvolvimento das sociedades regionais respectivas.
Com relação a isso, procurou-se identificar se, efetivamente, as estruturas tribu-
tárias adotadas, as reformas empreendidas nessas estruturas e os efeitos de tais refor-
mas sobre a economia e sobre a sociedade decorreram de uma intenção deliberada de
ajuste e de redirecionamento das políticas econômica e fiscal, ou de respostas — mais
ou menos improvisadas - a pressões conjunturais, internas e externas.
Para operacionalizar a comparação pretendida, dividiu-se a presente seção em
dois itens. O primeiro item tem como propósito principal o de apresentar as concep-
ções do Governo gaúcho e do Governo paulista sobre algumas questões ligadas às
práticas orçamentárias estaduais.
O segundo item visa a estabelecer as diferenças principais entre os sistemas tribu-
tários estaduais, os propósitos implícitos nas reformas tributárias desencadeados pelos
governos dos dois estados no transcorrer da Primeira República e a efetividade de tais
reformas na consecução de determinados objetivos de desenvolvimento regional.
11 A regra a ser seguida era a de que a despesa ordinária estaria vinculada, estrita e rigorosamente, aos
elementos da receita ordinária. Nesse sentido, as despesas classificadas como adiáveis seriam consi-
deradas despesas extraordinárias, a serem atendidas na dependência das condições do Tesouro e a
juízo do chefe do Governo - conforme foi expresso em diversas oportunidades nos documentos
governamentais (ver, por exemplo, o Relatório do Secretário Estadual da Fazenda de 1920,(Relat.
1920, p.III) e o Relatório do Diretor-Geral do Tesouro do Estado de 1921 (Relat. 1921, p.504).
-190-
Tais orientações eram completamente distintas das práticas orçamentárias que, à
época, adotavam os demais estados brasileiros - calcadas, freqüentemente, nosdeficits
e no apelo a empréstimos -, e das quais o Estado de São Paulo lançou mão quase
invariavelmente.
Assim, a atitude da administração sul-rio-grandense frente às finanças públicas
teve como regra constante a subordinação da despesa à receita, usando-se a máxima
prudência na previsão da arrecadação e na programação das despesas, o que determi-
nou, na prática, como conseqüência direta, uma situação predominantemente
superavitária dos orçamentos estaduais durante a Primeira República.
O Estado de São Paulo, nesse sentido, comportou-se de forma totalmente diversa.
Sendo o maior beneficiário das mudanças fiscais introduzidas com a República - den-
tre as quais se destacou a transferência de competência para os estados de parte dos
direitos sobre as exportações, que anteriormente era cobrada pela União (correspon-
dente a 7% ad valorem) -, auferiu as receitas mais expressivas entre as unidades da
Federação graças a tal tributo, cuja arrecadação estava estreitamente associada às ex-
portações de café.12 A despeito disso, as finanças públicas estaduais apresentaram uma
situação quase permanentemente deficitária, por razões que sempre se sobrepuseram a
qualquer empenho em buscar o equilíbrio orçamentário. Tais razões podem ser expli-
cadas tanto por questões técnicas - ligadas à elaboração do orçamento - como pelas
características do sistema tributário adotado pelo Estado de São Paulo, ou, principal-
mente, pela própria dinâmica da economia paulista - todas intimamente interligadas.
Assim, o irrealismo e o escasso compromisso com o rigor nas estimativas e nas previ-
sões derivavam-se, em última análise, da própria fonte de recursos que constituía a
base da arrecadação estadual - o Imposto de Exportação - fortemente sujeita a flutuações
que escapavam ao controle governamental - flutuações estas decorrentes, em grande
medida, das ligações da economia paulista com o mercado internacional e da depen-
dência de tal fonte com relação ao comportamento daquele mercado.13
Funcionou como um agravante para a sistematização da situação deficitária no
orçamento paulista e para a imprecisão nas previsões o tratamento indiscriminado en-
tre as Despesas Ordinárias e as Extraordinárias, ocasionando, ao contrário do que ocorria
12 Pelos padrões brasileiros, as receitas do Estado de São Paulo eram muito mais altas (em termos rela-
tivos) do que as dos demais estados. Tomando-se como referência a média decenal para o período
1901-30 (LOVE, 1982, p.362, tab. 8.2), verifica-se que: a relação entre a arrecadação estadual paulista
e a arrecadação total da União em 1901-10 foi de 11,2%, em 1911-20 de 14,9%, em 1921-30 de
18,8%; a relação entre a receita de São Paulo e a receita combinada dos demais estados, em 1901-10
foi de 29,4%, em 1911-20 de 31,8% e em 1921-30 de 36,1%. Ainda conforme Love (1975, p.53,54),
comparativamente ao Rio Grande do Sul e a Minas Gerais, que competiam por uma segunda posição,
São Paulo arrecadou duas a três vezes mais. Da mesma forma, as suas despesas, dentro do contexto
nacional, eram extremamente significativas. Após 1910 (LOVE, 1982, p. 333), tanto a receita como a
despesa do Governo paulista eqüivaliam a mais de um terço do total dos Estados, e São Paulo era
responsável por mais da metade da dívida externa contraída pelas diversas unidades da Federação em
seu conjunto.
13 Eram freqüentes grandes discrepâncias entre o que estava previsto nos orçamentos, e o efetivamente
realizado, seja quanto à receita, seja quanto à despesa, dando origem a erros que, às vezes, se aproxi-
mavam de 50%.
-191-
no Rio Grande do Sul, a inclusão, no orçamento ordinário, de verbas para grandes
obras e serviços que deveriam, na realidade, ser custeados através da previsão de re-
cursos especiais. Essa situação, na ausência de tal previsão, veio a pressionar,
crescentemente, as previsões das Receitas Ordinárias, as quais, muitas vezes, nem che-
gavam a cobrir o custeio dos serviços comuns da administração pública paulista, trans-
formando o orçamento em uma peça de ficção, destinada, fundamentalmente, a satis-
fazer um preceito constitucional.14 E, para contornar a questão do financiamento dos
gastos, cada vez mais, foi acionado o recurso ao endividamento externo de longo pra-
zo, cujo serviço de juros e de amortizações passava a pressionar, mais ainda, a Receita
Ordinária do Estado. A situação geral que se apresentou em São Paulo até o final da
Primeira República foi, assim, de uma despesa ordinária certa e elevada, frente a uma
receita insuficiente e sujeita a variações imprevisíveis.15
Realçando as principais peculiaridades que afloram ao se comparar a atitude dos
Governos gaúcho e paulista quanto aos aspectos considerados - equilíbrio orçamentá-
rio, precisão nas previsões e postura frente ao endividamento -, constata-se o exposto
a seguir.
Pode-se dizer que, no Rio Grande do Sul, a política fiscal funcionou como um
importante articulador da ação governamental. O Governo gaúcho pôs, efetivamente,
em prática a sua concepção sobre a questão orçamentária. Em quase todo o período
examinado, praticamente, o orçamento gaúcho apresentou superavits, uma reduzida
distorção na estimativa da receita e na programação da despesa e a utilização criteriosa
do endividamento público, dentro de um esquema de rígidas prioridades.16
O Estado paulista, apostando no dinamismo da sua arrecadação, calcada princi-
palmente na tributação das exportações do café, sofreu diretamente os efeitos da insta-
bilidade de tal tributo. E, embora, em termos comparativos, as receitas estaduais fos-
sem elevadíssimas em relação às auferidas pelos demais estados, as despesas também
o eram - para o que contribuíram, substancialmente, os encargos da dívida externa e
da sustentação do setor cafeeiro. Tal situação, agravada pelo tratamento indiscriminado
entre as Despesas Ordinárias e as Extraordinárias, conferiu ao orçamento paulista uma
feição totalmente distanciada da realidade do Estado.
Os Gráficos l, 2, 3 e 4 do Apêndice permitem não só visualizar a expressividade
da arrecadação paulista frente à arrecadação do Rio Grande do Sul na Primeira Repú-
blica, como também, ao se contraporem as Receitas Totais de cada Estado às Despesas
14 Sobre esse tipo de vulnerabilidade do orçamento do Estado de São Paulo, ver, por exemplo, os co-
mentários do Secretário Estadual da Fazenda em seu Relatório de 1914 (Relat. 1914, p.4).
l S Durante a Primeira República, o Estado de São Paulo apresentou uma situação quase constantemente
deficitária, abalada pelos gastos com a proteção ao café e pelo crescente serviço da dívida externa. Em
conseqüência, de forma quase permanente, o ritmo da expansão das despesas superou o das receitas,
verificando-se, entre 1892 e 1929, apenas seis exercícios (1892, 1895, 1899, 1900, 1904 e 1928) nos
quais o orçamento foi superavitário, sobrepondo-se o Estado paulista largamente, quanto a esse as-
pecto, em freqüência e grau, a todos os demais estados brasileiros no período.
16 Os dados brutos que dão fundamento a tais afirmações e a outras que serão feitas no decorrer do texto
são oriundos dos balanços de receitas e despesas dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo,
publicados nos relatórios anuais apresentados aos chefes dos Governos Estaduais pelos Secretários de
Fazenda.
-192-
Totais correspondentes (Gráficos l e 2), possibilitam avaliar a freqüência e a dimensão
dosdeficits enfrentados pelo Estado de São Paulo durante praticamente todo o período
examinado, face à situação superavitária alcançada quase permanentemente pelo Go-
verno gaúcho dentro da sua política de rígido controle das finanças públicas estaduais.
Tal visualização aparece de forma ainda mais clara quando se confrontam apenas as
Receitas Ordinárias com as Despesas Ordinárias (Gráficos 3 e 4) - consideradas as
primeiras como as fontes tradicionais de financiamento das despesas públicas.
-193-
mulações nos sistemas tributários de cada estado; 1923, como um ano em que aparece,
de forma nítida, a ascensão das Receitas Industriais nas arrecadações estaduais, frente
a novas responsabilidades assumidas pelos governos respectivos; 1929, identificado
como o exercício final do período, na medida em que se considerou como atípico, para
efeitos de análise, o ano da Revolução de 1930.
A seguir, com base nos critérios acima identificados, examinar-se-ão as reformas
tributárias estaduais e as suas conseqüências mais relevantes em termos das estruturas
tributárias respectivas; as formas pelas quais se deu, no período 1893-1929, a evolu-
ção da Receita dos Impostos e das Receitas Industriais no grupo das Receitas Ordiná-
rias; e, finalmente, de forma mais detalhada, a distribuição dos principais impostos
entre as categorias impostos diretos e impostos indiretos nas receitas tributárias dos
estados considerados.
O exame das reformas tributárias empreendidas pelos Governos Estaduais gaúcho
e paulista no período da Primeira República permite que sejam colocadas, em princí-
pio, duas observações fundamentais — relativas uma delas às intenções subjacentes a
tais reformas e a outra à efetividade dos resultados colhidos comparativamente às in-
tenções manifestas.
Tanto o Governo sul-rio-grandense como o Governo paulista introduziram modi-
ficações em seus sistemas tributários, a partir da configuração original adquirida por
tais sistemas na era republicana. Em termos da efetivação de mudanças substanciais,
entretanto, somente o Rio Grande do Sul logrou empreender uma reforma significati-
va na estrutura tributária inicial, a partir da qual foi promovido um deslocamento da
ênfase da tributação dos impostos indiretos - nos quais, tradicionalmente, se assenta-
vam os sistemas tributários da União e dos estados no período -, para a tributação
direta. Esse deslocamento traduziu-se, fundamentalmente, na adoção de medidas que
visavam a substituir o Imposto de Exportação por um imposto sobre a propriedade
rural.
Aí se manifesta uma diferença fundamental entre os dois estados. Enquanto São
Paulo pensava em reformas somente em ocasiões de crise do café, em função das quais
as suas receitas eram diretamente afetadas, o Governo do Rio Grande do Sul tinha, já
ao assumir o poder, uma concepção preestabelecida sobre o sistema tributário desejá-
vel para o Estado.
Em termos concretos, o PRR criticava a legislação tributária herdada do Império,
baseada no Imposto de Exportação - regida, segundo a concepção dos seus represen-
tantes, por "princípios antieconômicos" e prejudiciais aos interesses da sociedade -, na
medida em que buscava a mais avultada parte da receita, gravando, pesadamente, a
produção estadual.
Segundo a proposta geral do Governo sul-rio-grandense quanto às fontes de arre-
cadação, ao se encararem possibilidades de reformulações do sistema tributário, seria
fundamental que as alterações assumidas se adequassem à doutrina do PRR, que con-
siderava os impostos diretos como os únicos verdadeiramente eqüitativos e capazes de
desafiar a fiscalização dos contribuintes.17
17 Tais juízos, que expressavam o pensamento de Júlio de Castilhos sobre a questão, já constavam nas
Bases do Programa dos Candidatos Republicanos -1884, ou seja, são anteriores à República con-
forme é citado em Liedke (1972, p. 13).
-194-
Em tal ordem de idéias se apoiou a proposta do PRR a respeito de uma reforma
tributária a ser empreendida desde logo. Inicialmente, eram apregoadas soluções radi-
cais, que levariam à adoção de um imposto único, delimitando-se o imposto direto
aceitável e sustentável - o Imposto Territorial sobre a Propriedade Rural — como o
substituto possível dos impostos indiretos, ou seja, dos impostos sobre a circulação,
representados, basicamente, pelo Imposto de Exportação. Assim, enquanto, em São
Paulo, este último era, e manteve-se, a principal fonte da arrecadação estadual, no Rio
Grande do Sul o Governo do PRR defendia a primazia dos impostos diretos sobre os
impostos indiretos, o que se traduziu na decisão de extinguir o imposto indireto sobre
as exportações e, também, o imposto direto que incidia sobre a transmissão de propri-
edade, substituindo-os pelo imposto direto considerado o mais justo e eqüitativo - o
Imposto Territorial.
Os pontos fundamentais em que se baseou a reforma podem ser resumidos como
segue: sob o aspecto econômico, o propósito de amparar as indústrias e de proteger o
comércio, pela concessão de isenções e de reduções das taxas que pesavam sobre as
exportações; sob o aspecto fiscal, a urgência em fundar o regime orçamentário sobre
uma base mais estável do que a propiciada pelo Imposto de Exportação; sob o aspecto
doutrinário, a justiça fiscal da aplicação de um imposto - o Imposto Territorial - sobre
a matéria considerada pelo Partido como a mais própria a ser tributada - a terra.18
A implantação da reforma, em 1902, envolveu concretamente a adoção de medi-
das no sentido de uma substituição gradativa do Imposto de Exportação e do Imposto
de Transmissão de Propriedade - as duas maiores fontes de arrecadação do Estado até
então (representando cerca da metade da Receita Total do Estado, em conjunto) - pelo
Imposto Territorial sobre a Propriedade Rural. Tal substituição implicava, na realida-
de, transferir os maiores encargos relativos à arrecadação da produção e do comércio
para a propriedade rural agrícola e pecuária.
A introdução do Imposto Territorial, ao ter a sua cobrança assentada uma parte
sobre a área e a outra proporcional ao valor venal da propriedade, gerou resistências
por parte de considerável parcela dos contribuintes, especialmente nos anos iniciais,
em que as benfeitorias estavam incluídas no cálculo do valor venal. Tal inclusão afeta-
va, principalmente, os produtores agrícolas, na medida em que esse procedimento aca-
bava por deslocar o ônus da tributação dos proprietários para os arrendatários ou
locadores. Por outro lado, e contra os propósitos da implantação do tributo, a sistemá-
tica inicialmente adotada de avaliação e de cobrança fazia, ao que tudo indica, com
que os pequenos proprietários rurais - especialmente os da zona da antiga colonização
alemã, onde as terras alcançavam o mais alto valor venal por hectare em todo o Estado
- contribuíssem com parcela significativamente maior na arrecadação, em relação à
18 Nesse sentido, era considerado o valor pago a título de tributo pela propriedade da terra como uma
justa retribuição pela faculdade de utilizar individualmente um bem que era social pela sua própria
natureza, conforme o Relatório do Secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul de 1913 (Relat.
1913, p.56).
-195-
proporção de terras que possuíam (MINELLA, 1979, p.68). Isso foi agravado, pelo
menos até 1913, pela inclusão das benfeitorias no cômputo do valor venal, engloban-
do-se aí a própria moradia dos agricultores. Tal realidade representava uma distorção
na idéia subjacente à implementação do imposto, já que o objetivo não era o de onerar
os pequenos proprietários, mas, sim, o de taxar, proporcionalmente, mais as grandes
propriedades improdutivas.
As distorções mencionadas foram corrigidas na revisão feita nos critérios de apli-
cação do Imposto Territorial, em 1913. A partir daí, não só o ônus passou a incidir
exclusivamente sobre o proprietário rural, como também, pela alteração nos critérios
de classificação das terras, agrupando-as de acordo com a sua valorização, tal ônus
passou a incidir mais intensamente — em termos proporcionais — sobre a região da
Campanha, pressionando, assim, os proprietários de grandes extensões de terras im-
produtivas a que as vendessem, ou as arrendassem. Tal situação possivelmente tenha
vindo a beneficiar algumas atividades de suma importância para a economia estadual,
tais como as vinculadas à lavoura capitalista do arroz, estimulada de diversas formas
pelo Governo sul-rio-grandense.19
A extinção gradativa do Imposto de Exportação tinha o propósito de liberar o
capital comercial — sobre o qual, em última análise, recaía a maior carga do tributo -
dos ônus que o pressionavam. Tal se daria mediante o estabelecimento de taxas dife-
renciadas, ou mesmo de isenções, de forma a deixar claro o que deveria ser mais favo-
recido, ou mais onerado, dentro de uma proposta mais geral de desenvolvimento das
forças produtivas. A política por trás dessas medidas, por um lado, visava a incentivar
a produção para a exportação — que sofria a concorrência de outros estados - com base
na cobrança de taxas reduzidas, ou mesmo pela adoção de isenções; por outro lado,
demonstrava a preocupação com a produção para a oferta interna - através do estabe-
lecimento de taxas mais elevadas -, predominando, na orientação seguida, uma certa
dose de protecionismo que não poderia coexistir com a taxação uniforme. Funcionou
como uma das regras básicas em tal protecionismo a de privilegiar as indústrias nas-
centes, desde que julgada oportuna e útil tal proteção dentro do projeto existente para
o desenvolvimento do Estado. No conjunto geral, considerando as isenções somadas
às reduções de taxas, os artigos industriais de origem animal foram os mais beneficia-
dos, seguindo-se a indústria fabril e a produção agrícola.20
19 Conforme se depreende dos dados apresentados por Minella (1979, p.68) com referência à incidência
do Imposto Territorial por regiões (e consideradas três regiões - região colonial, Campanha e área do
arroz), nos primeiros anos da Reforma (até a revisão de 1913), a região colonial foi sobrecarregada
em proporção à sua área. Tomando como ponto de exame os anos de 1905, 1914 e 1928, essa região
e a região da Campanha participaram, proporcionalmente, mais do que a área do arroz, tendo em vista
a área e a importância arrecadada por conta do tributo. A partir das revisões de 1913, a contribuição
da Campanha passou a ser maior, conforme pode ser constatado na Tabela l do Apêndice.
20 Considerando-se separadamente o montante total de isenções e o total das reduções referentes ao
período 1903-20, a situação de cada setor se apresentou assim: a indústria pastoril beneficiou-se com
54% do valor total das isenções (considerado como tal o que o Tesouro do Estado deixou de arrecadar
disso) e com 31% das reduções de taxas; a indústria fabril, com 18% e 48% respectivamente; e a
produção agrícola, respectivamente, com 28% e 21 % (conforme permitem concluir dados apresenta-
dos pelo Relatório do Secretário da Fazenda de 1921)(Relat. 1921). Segundo os dados anuais con-
tidos nos relatórios governamentais, sobre as isenções e as supressões de taxas consta o seguinte
quanto a artigos industriais de origem animal: em 1916, o charque, que, até então, pagava taxas de
exportação de 2%, havia sido isentado do tributo; os couros vacuns e cavalares secos e salgados
haviam passado de 9% em 1903 para 6%; o sebo, de 5% para 3%; e a lã, de 9% para 7% (estes dois
últimos desde 1913).
-196-
O Imposto de Transmissão de Propriedade também teve suas taxas reduzidas e
várias isenções concedidas. O propósito explícito dessa política era o de evitar uma
dupla taxação sobre a propriedade, frente à instituição do Imposto Territorial. Ao que
parece, entretanto, também estava por trás de tal política o objetivo de dar à terra, via
a desoneração da sua transmissão, a faculdade de ser mobilizada com mais facilidade,
revertendo a seus detentores recursos "(...) para quaisquer iniciativas progressistas, se
aproximando [a terra], quanto possível, da riqueza móvel".21
A substituição radical prevista não se efetivou conforme o esperado, e a evolução
do Imposto Territorial foi lenta, embora segura, sem que este chegasse a assumir, até o
final do período, o papel que a princípio lhe fora reservado, o de substituir totalmente
o Imposto de Exportação e o Imposto de Transmissão de Propriedade. Paralelamente,
foram adotadas medidas paulatinas no sentido de diminuir, aos poucos, a representati-
vidade dos impostos a serem por ele substituídos na Receita Geral do Estado. Ainda
assim, o propósito de assentar o sistema tributário principalmente sobre a arrecadação
proveniente dos tributos diretos foi atingido, como se verá oportunamente.
Considerando a posição de São Paulo quanto aos aspectos examinados, as bases
iniciais do sistema tributário estadual foram semelhantes às do Rio Grande do Sul - o
Imposto de Exportação e o Imposto de Transmissão de Propriedade. Essa situação,
que, por uma política deliberada do Governo gaúcho, tendeu a modificar-se no decor-
rer do período, permaneceu como característica do sistema tributário paulista até o
final da Primeira República, a despeito de algumas tentativas frustradas no sentido de
sua modificação. Além do mais, e ao contrário do que ocorria no Rio Grande do Sul,
em São Paulo o Imposto de Exportação incidia praticamente sobre um único produto -
o café -, dado que os demais produtos, além de pouco numerosos, variaram ao longo
do tempo e sempre mantiveram uma participação totalmente irrelevante na arrecada-
ção total do tributo.22 Assim, a estrutura tributária adotada atrelou a situação financeira
do Estado ao comportamento do mercado do café, diretamente, através do Imposto de
Exportação e, indiretamente, pelo Imposto de Transmissão de Propriedade, o qual, em
grande parte, recaía sobre a transmissão de propriedade agrícola, cujos negócios flutu-
avam muito em função dos sucessos e dos fracassos das transações cafeeiras. Tal
dependência conferia extrema vulnerabilidade ao sistema tributário paulista.
Face ao que ocorreu no Rio Grande do Sul, as reformas tentadas no sentido de
assentar tal sistema em bases mais estáveis e de propiciar uma distribuição mais
equitativa dos impostos pela sociedade revestiram-se de caráter meramente paliativo
e circunstancial, além de serem feitas de forma quase anárquica. Assim, em ocasiões
de queda nos negócios cafeeiros, muitas medidas de estímulo e de defesa da cafeicul-
tura modificaram o sistema tributário através da criação de novos tributos, de reduções
de alíquotas ou da instituição de taxas proibitivas para reduzir o volume exportável do
café.23 Além disso, com vistas a ampliar a abrangência da tributação e a reforçar a
-197-
capacidade de arrecadação do sistema, foram criados impostos com incidência sobre
várias modalidades de capital (atividades comerciais e industriais, sociedades anôni-
mas organizadas com finalidades diversas às da cafeicultura, empréstimos), sobre a
propriedade (imóveis rurais não-cafeeiros, depois denominado Imposto Territorial;
imóveis urbanos para aluguel) e sobre os vencimentos do funcionalismo público. Tais
tributos passaram por diversas modificações quanto à forma de cobrança ou quanto à
incidência durante o período, sem, entretanto, chegar a representar papel de maior
significação na geração das receitas estaduais.
O Imposto Territorial, introduzido no sistema tributário paulista com a reforma
em 1904, como mais uma alternativa para promover a diversificação da tributação,
teve efeito praticamente irrelevante na arrecadação, dado que ficaram excluídas da
área de incidência desse tributo as terras plantadas com café, sob a alegação de que
esse produto já pagava um pesado tributo de exportação. Outras reformas tentadas a
partir dessa primeira iniciativa se basearam mais na reabilitação de impostos que já
haviam vigorado em anos anteriores e em mudanças nos critérios de cobrança de ou-
tros, sem maiores conseqüências em termos de arrecadação.
Avaliando, de forma geral, a envergadura e a efetividade das modificações
introduzidas, em várias ocasiões, no sistema tributário do Estado de São Paulo, duran-
te a Primeira República, bem como as oportunidades em que tais mudanças foram
desencadeadas, pode-se afirmar que essas assumiam maiores proporções nos momen-
tos em que se tornava mais crítica a situação do mercado do café. Nessas ocasiões, era
defendida - e foi várias vezes tentada—a extensão dos gravames da tributação a outros
setores da atividade econômica além da lavoura, identificando a intenção de deslocar
a ênfase do sistema tributário para um elenco de impostos diretos, em busca de uma
substituição adequada ao instável Imposto de Exportação. Essa expansão, entretanto,
revelou escassas possibilidades de interferir sobre o montante da arrecadação, o que se
torna visível ao se considerarem as exíguas receitas produzidas com os títulos criados,
a partir da primeira tentativa efetiva de reforma tributária, empreendida em 1904.24 E
a principal fragilidade de todas as tentativas residiu em que elas nunca partiram de
uma proposta estruturada de mudança, ou de um projeto que indicasse alguma linha a
ser seguida dentro da política tributária e da política econômica estadual - embora, no
âmbito do discurso, isso fosse freqüentemente invocado -, sendo permanentemente
induzidas pela necessidade de enfrentar situações de crise na arrecadação e abandona-
das, ou suavizadas, quando as receitas do Imposto de Exportação voltavam a revigo-
rar-se.
Para concluir,realçar-se-áa diferença mais marcante - e a mais relevante - em
termos da distribuição da carga tributária e da apropriação dos benefícios da tributação
pelos diferentes setores e atividades econômicas nos estados considerados. Tal dife-
24 Conforme salienta Nozoe, a criação de tão extensa lista de tributos " (...) não contrabalançou a queda
da receita arrecadada, já que a maior parte da receita obtida sob os novos títulos não atingiu sequer um
quarto do valor previsto pelo orçamento", dadas a complexidade dos lançamentos dos novos tributos
e as próprias características da economia paulista, baseada, substancialmente, na produção e no co-
mércio de um único produto (NOZOE, 1984, p.22).
-198-
rença torna-se evidente quando se analisa a distribuição da Receita dos Impostos entre
as categorias dos impostos diretos e dos impostos indiretos.
Para tal tipo de análise, é indispensável um breve parêntese, com a finalidade de
determinar a relevância da Receita dos Impostos no grupo das Receitas Ordinárias.
Em ambos os estados, a composição mais geral das Receitas Ordinárias foi semelhan-
te, distribuindo-se, predominantemente, em dois subgrupos: o da Receita dos Impos-
tos e o das Receitas Industriais. Nos dois casos, a Receita dos Impostos constituiu a
principal fonte de arrecadação na maior parte do período, embora, nos anos finais
(década de 20), se tenha manifestado uma ascensão considerável das Receitas Indus-
triais, atestando o crescimento e a diversificação das respectivas economias e uma
substancial intensificação da intervenção dos governos estaduais na condução desse
processo.
No caso do Rio Grande do Sul, essa alteração se deu, basicamente, em função da
incorporação à arrecadação estadual das receitas do porto e da barra de Rio Grande
(1919) e da Viação Férrea (1923), decorrentes das encampações desses serviços pelo
Governo do Estado, o que levou a que as Receitas Industriais passassem a contribuir
com um montante superior ao da Receita dos Impostos na constituição da Receita
Total - 46,88% e 46,22% respectivamente ao final do período (1929), conforme Tabe-
la 2 do Apêndice. Isso veio mais do que a duplicar, praticamente, o valor das Receitas
Ordinárias, em termos nominais, a partir da década de 20.M
Em São Paulo, também, como tendência geral, foi possível observar uma gradativa
queda na participação da Receita dos Impostos tanto no total da arrecadação como nas
Receitas Ordinárias, devida, em grande parte, às arrecadações decorrentes das estra-
das de ferro incorporadas ao patrimônio do Estado (especialmente a Estrada de Ferro
Sorocabana), bem como ao crescimento das receitas auferidas por intermédio dos ser-
viços de águas e esgotos.x
Essa pequena digressão, meramente elucidativa, não nos afasta da análise princi-
pal a ser realizada - a que está centrada na distribuição das receitas tributárias estadu-
ais entre as categorias dos impostos diretos e dos impostos indiretos, que será empre-
endida a seguir.
Embora tanto no Rio Grande do Sul como em São Paulo, inicialmente, tenham
predominado os impostos indiretos - basicamente assentados sobre as exportações -
sobre a tributação direta, foram bastante diversas as trajetórias de cada estado, no
decorrer da Primeira República, com relação à distribuição dos tributos entre tais cate-
gorias. 2?
25 As Receitas Ordinárias passaram de aproximadamente 33 mil e 500 contos de réis em 1920 para 80
mil e 700 contos de réis em 1923, enquanto as Receitas Industriais, no mesmo período, ascenderam de
um montante de 5 mil e 500 contos de réis para 43 mil e 150 contos de réis.
26 Conforme pode ser observado na Tabela 2 do Apêndice, as Receitas Industriais representavam, em
1914, menos de 7% da Receita Total do Estado de São Paulo e, em 1923, já correspondiam a cerca de
28% daquela receita.
27 Para fins de análise, as rubricas enquadradas nas categorias dos impostos indiretos e dos impostos
diretos foram reunidas em algumas subcategorías. Assim, fazem parte dos impostos indiretos as se-
guintes subcategorias: (a) impostos ligados às exportações; (b) impostos ligados ao consumo; e (c)
outros impostos indiretos. Constituem os impostos diretos: (a) impostos com incidência sobre a pro-
priedade; e (b) impostos sobre o capital e sobre os rendimentos.
-199-
Foram os principais responsáveis pela arrecadação pública sul-rio-grandense no
período, em termos de sua participação na Receita Total do Estado, os impostos sobre
produtos exportados, sobre a transmissão de propriedade, sobre a propriedade territorial
rural, sobre indústrias e profissões28 e sobre o consumo, com alternância nas respecti-
vas posições relativas.29 As reformas tributárias empreendidas pelo Governo do Esta-
do a partir de 1902 lograram modificar, substancialmente, uma situação inicial de pre-
dominância dos impostos indiretos - responsáveis, em seu conjunto, por mais de 69%
da receita tributária do Rio Grande do Sul em 1893 e que, ao final do período, repre-
sentavam menos de 40% daquela arrecadação. Os impostos diretos, em contrapartida,
e como conseqüência previsível e programada, tiveram a sua participação significati-
vamente incrementada, de cerca de 30%, para perto de 40%, no mesmo período, con-
forme pode ser verificado na Tabela 3 do Apêndice.x Tal deslocamento correspondeu,
em última análise, à transferência da predominância dos tributos incidentes sobre o
comércio externo (responsáveis, em 1893, por mais da metade da arrecadação prove-
niente de impostos e, em 1929, por menos de 20%) para a tributação direta sobre a
propriedade - através do Imposto de Transmissão de Propriedade e do Imposto
Territorial - e sobre os rendimentos - por meio do Imposto sobre Indústrias e Profis-
sões. Isso determinou uma razoável ascensão dos impostos diretos, que tenderam a
predominar, como grupo, até o final da Primeira República, de forma coincidente com
os objetivos que moveram as mudanças empreendidas no sistema tributário sul-rio-
grandense (conforme a Tabela 3 do Apêndice).
Em São Paulo, o sistema tributário repousou, fundamentalmente, nos impostos
indiretos sobre o comércio exterior, os quais, pelo menos até a Reforma Tributária de
1904, correspondiam a cerca de 70%, em média, da Receita dos Impostos (Tabela 3 do
Apêndice), apoiando-se tal arrecadação, quase exclusivamente, no imposto sobre as
exportações de café. Estreitamente vinculado ao comportamento desse tributo, estava
um imposto direto - o Imposto sobre a Transmissão de Propriedade -, que se consti-
28 O Imposto sobre Indústrias e Profissões incidia sobre todos aqueles que, individualmente, ou em
companhia ou sociedade anônima, exercessem indústria ou profissão, arte ou ofício no território do
Estado.
29 Considerando as diversas rubricas que constituem a Receita dos Impostos no Rio Grande do Sul, no
período considerado, estas foram agrupadas, segundo as categorias em que se inserem, conforme
segue. Na categoria dos impostos indiretos: (a) impostos ligados às exportações - Imposto de Expor-
tação, Taxa sobre as Exportações de Porto Alegre e de Pelotas, Imposto do Cais de Rio Grande, Taxa
de Expediente sobre as Exportações Livres de Direitos e Impostos sobre Gado Exportado e sobre
Gado Abatido para Exportação; (b) impostos ligados ao consumo - Imposto de Consumo (sobre
vários produtos), Imposto sobre o Consumo de Lenha e Imposto sobre Gado Abatido para Consumo;
(c) outros impostos indiretos - Imposto do Selo e Imposto sobre Gêneros em Trânsito. Na categoria
dos impostos diretos: (a) impostos sobre a propriedade - Imposto de Transmissão de Propriedade,
Imposto sobre Heranças e Legados e Imposto Territorial; (b) impostos sobre os rendimentos - Im-
posto de Indústrias e Profissões e Imposto sobre Vencimentos.
30 Não estão computados nos percentuais acima, tanto em 1893 como em 1929, alguns tributos não
enquadráveis nas categorias dos impostos indiretos e dos impostos diretos, os quais, não obstante,
estão incluídos no total da Receita dos Impostos.
-200-
tuiu, durante todo o período da Primeira República, como a segunda fonte da arrecada-
ção estadual, em termos dos montantes das receitas geradas.31
O fato de estarem esses dois tributos ligados, direta ou indiretamente, ao desem-
penho do setor cafeeiro conferiu, como já se comentou, uma extrema instabilidade à
arrecadação paulista, prejudicando consideravelmente as possibilidades do Governo
do Estado para seguir qualquer orientação ou programa que se apoiasse exclusivamen-
te na receita pública estadual.
A criação de uma série de impostos diretos, incidindo basicamente sobre o capi-
tal, com o objetivo não só de ampliar a abrangência da tributação estadual, mas tam-
bém de amenizar uma dependência tão absoluta com relação ao Imposto de Exporta-
ção, não logrou inverter uma situação que se estabelecera desde o início da Primeira
República e que se consolidou firmemente no decorrer do período. Assim, a categoria
dos impostos diretos como um todo, que representava ao redor de um quinto da arreca-
dação proveniente dos impostos até 1904, embora tendo a sua participação aumentada
no período em exame, não chegou nunca a predominar (conforme se verifica na Tabela
3 do Apêndice), tornando-se mais significativa a sua arrecadação, em termos relativos,
somente quando ocorriam quedas acentuadas das receitas derivadas das exportações.
O Imposto de Transmissão de Propriedade dominou, de forma absoluta, a arre-
cadação da categoria até a Reforma Tributária de 1904, e, mesmo após a inclusão de
novas rubricas, a receita proveniente desse tributo continuou crescendo de forma sig-
nificativa em função da intensificação das transações ou da valorização das proprieda-
des, ambas estreitamente ligadas às maiores saídas do café, ou ao aumento do preço do
produto. O Imposto Territorial, a despeito de ser, muitas vezes, colocado como uma
possível solução para a arrecadação pública estadual, nem sequer aproximou-se de tal
finalidade, em virtude da forma adotada para a sua cobrança—ou seja, da exclusão das
terras plantadas com café da área de incidência do tributo.
Os impostos sobre o capital e sobre os rendimentos, apesar da intenção subjacente
à sua implementação — no sentido de diminuir a vulnerabilidade do sistema tributário
de São Paulo às oscilações do comércio internacional do café - não chegaram, em
nenhum momento, a cumprir tal papel. Predominaram, entre os mesmos, os impostos
sobre o capital, e, dentre estes, o Imposto de Comércio, o qual, passando por diversas
reformulações, teve a sua participação ampliada, não chegando, entretanto, a ocupar
posição de maior destaque na arrecadação em todo o período da Primeira República.
31 Na análise relativa a São Paulo, os impostos indiretos e os diretos foram agrupados conforme é discri-
minado a seguir. Na categoria dos impostos indiretos constam: (a) impostos ligados às exportações
- Imposto de Exportação e Taxa de Expediente; (b)impostos ligados ao consumo - Imposto sobre o
Consumo de Aguardente; (c)outros impostos indiretos - Imposto do Selo e Imposto de Viação. Na
categoria dos impostos diretos agrupam-se: (a)impostos sobre a propriedade - Impostos de Trans-
missão de Propriedade Inter-Vivos e Causa-Mortis, Imposto Predial na Capital e Imposto Territorial;
(b)impostos sobre o capital e sobre os rendimentos - Imposto de Comércio, Imposto de Indústria,
Imposto sobre o Capital das Sociedades Anônimas, Imposto sobre o Capital Particular Empregado em
Empréstimos, Imposto sobre a Renda do Capital Imobiliário, Impostos sobre Subsídios e Vencimen-
tos, sobre Aposentadorias e Reformas, sobre Percentagens.
-201-
Conclusão
-202-
rando a política fiscal como um reflexo (e uma das formas de desenvolvimento) de
uma política econômica mais ampla - ao menos, ao que parece, no caso do Rio Grande
do Sul, no período examinado -, podem ser classificadas como extremamente pro-
gressistas as medidas adotadas, não tanto pelo caráter inovador que apresentaram re-
lativamente às práticas tributárias seguidas por São Paulo, mas, de forma especial,
porque se enquadravam dentro de concepções claras sobre as potencialidades apresen-
tadas pela economia sul-rio-grandense. As formas de condução do processo pautaram-
se, inicialmente, em ações de promoção indireta e de alcance mais geral, que, na esfera
fiscal, foram representadas por diversos tipos de isenções e reduções de taxas, confi-
gurando uma política tributária francamente favorável para algumas atividades nas
áreas das produções agrícola e industrial (tais como a lavoura do arroz, o charque, a
banha, as fábricas de conservas, os frigoríficos, o vinho), da mineração do carvão, dos
bancos e do comércio de importação e de exportação, manifestando-se, pelas priorida-
des aí implícitas, o privilegiamento de setores nitidamente burgueses da socieda-
de. Tal ação assumiu, ao final do período, uma dimensão mais direta, que culminou
com processos de encampações levados a cabo pelo Governo gaúcho na área dos trans-
portes.
Isso faz com que se possa afirmar que o Governo do PRR no Rio Grande do Sul
- dentro de um projeto previamente delineado - desempenhou um papel fundamental
no avanço do processo de acumulação de capital que se realizou no Estado durante a
Primeira República. Para tal, a política fiscal então implementada foi extremamente
importante, seja a partir da reestruturação do sistema tributário, seja pela própria
política de estímulos e isenções fiscais praticada, seja pelo direcionamento dos recur-
sos públicos para aplicações determinadas - através do investimento em áreas nas
quais o capital particular não tinha interesse ou possibilidade, ou da dotação de infra-
estrutura necessária ao processo de crescimento.
Comparativamente a São Paulo, pode-se dizer que a política fiscal teve, no Rio
Grande do Sul, um papel mais efetivo como instrumento de atuação do governo na
economia - especialmente porque, no Estado sul-rio-grandense, a tributação não teve
meramente a função de um instrumento de captação de recursos. Ao contrário, foi um
mecanismo relevante de redistribuição de benefícios pela sociedade, dentro de um
propósito subjacente de difundir esses benefícios de forma generalizada, ao invés de
concentrá-los no seio de uma única classe social.
E é aí que surge a diferença fundamental entre os dois estados quanto a esse
aspecto. Em São Paulo, o intenso intervencionismo do Estado pôde conviver com o
discurso liberal vigente, em nome da necessidade de preservação dos interesses da
cafeicultura. E, nesse sentido, os rumos seguidos pela política governamental foram
induzidos pela concentração de poder, tanto político como econômico, num reduzido
segmento da sociedade. É de se salientar a ausência de conflitos intersetoriais, dada a
posição central do café no processo de acumulação de capital, que acabou por gerar
uma comunidade de interesses do setor cafeicultor com outros setores. Tal situação foi
favorecida, inclusive, pela ideologia do grupo dirigente, que se pautou por identificar
os interesses de sua classe com os interesses do Estado de São Paulo, e estes com os
interesses nacionais, levando a que o Governo paulista dispusesse de suficiente legiti-
midade, nos âmbitos estadual e nacional, para privilegiar tais interesses, e para agir,
direta e firmemente, na sua defesa. Dentro desse contexto, a política fiscal não assu-
-203-
miu, em São Paulo, a relevância que lhe foi dada no Rio Grande do Sul, seja porque o
sistema tributário paulista se apoiou, fundamentalmente, em tributos que dependiam
das vicissitudes do café — fora do âmbito de controle do Estado, portanto —, seja por-
que a receita tributária não se constituiu na forma principal de captação de recursos do
Governo, que facilmente se socorreu do endividamento externo para suprir suas ne-
cessidades de financiamento.
-204-
Apêndice Estatístico
Tabela l
Proporção da área e da importância arrecadada para o Imposto Territorial sobre a Pro-
priedade Rural, por regiões, no Rio Grande do Sul - 1905-1928.
Tabela 2
Participação percentual dos grupos e subgrupos da Receita Total do Rio Grande do Sul
e de São Paulo - 1893-1929.
A.l-Receita dos Impostos 89,26 96,02 86,66 42,46 85,70 82,98 41,35 69,51 46,22 72,02
A.2-Receitas Industriais ... 0,25 1,15 0,91 19,08 0,88 6,56 51,38 27,91 46,88 22,04
A.3-Receitas Patrimoniais 0,00 0,13 0,00 0,07 0,00 0,36 0,00 0,04 0,54 0,02
B -Receita Extraordinária 10,49 2,70 12,43 (1)38,39 13,42 10,10 7,27 2,54 6,36 5,92
C -Receita Total (A)+(B) 100.00 100,00 100,00 100,00 100.00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte dos dados brutos: Balanços das Receitas e das Despesas dos Estados do Rio
Grande do Sul e de São Paulo publicados nos Relatórios
dos Secretários Estaduais da Fazenda.
(1) A participação elevada da Receita Extraordinária de São Paulo em 1905 deve-se a
uma arrecadação excepcional das rubricas Indenizações (representadas, em grande parte,
por recursos provenientes da dívida da E. F. União Sorocabana e Ituana, liquidada na
compra da mesma pelo Estado) e Eventuais (incluindo diferenças de câmbio nos juros
dos empréstimos externos contraídos no exercício correspondente).
• 205-
Tabela 3
Participação percentual das categorias Impostos Indiretos e Impostos Diretos e de seus
subgrupos no total da Receita dos Impostos do Rio Grande do Sul e de São Paulo -
1893-1929.
A.l-Ligados às exportações ....... 53,85 70,77 31,20 68,36 24,90 64,17 27,14 33,73 19,54 48,26
A.2-Ligados ao consumo ........... 10,73 0,00 7,51 1,22 7,79 1,02 8,20 0,87 16,31 1,09
A.3-Outros Impostos
Indiretos ....................................... 5,05 7,15 3,47 5,66 2,91 4,35 2,38 10,96 2,27 8,99
B-Impostos Diretos ..................... 30,16 20,01 51,32 21,90 54,87 25,06 47,37 44,13 39,70 34,10
B.l-Sobre a propriedade ............ 20,45 20,01 38,25 16,16 41,62 19,59 34,14 34,22 27,83 23,25
B.2-Sobre o capital e
rendimentos ................................. 9,71 0,00 13,07 5,74 13,25 5,47 13,23 9,91 11,87 10,85
C-Subtotal .................................... 99,79 97,93 93,50 97,14 90,47 94,60 85,09 89,69 77,82 92,44
D-Outros tributos (1) .................. 0,21 2,07 6,50 2,86 (2)9,53 5,40 (2)14,91 10,31 (2)22,18 7,56
E-Receita dos Impostos .............. 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00100,00
Fonte dos dados brutos: Balanços das Receitas e das Despesas dos Estados do Rio
Grande do Sul e de São Paulo, publicados nos Relatórios
Anuais dos Secretários Estaduais das Fazendas.
(1) Incluem-se aí alguns tributos não classificáveis nas categorias analisadas, incluin-
do taxas e impostos com aplicações específicas.
(2) As participações elevadas do item Outros Tributos no Rio Grande do Sul devem-
se, fundamentalmente, a algumas taxas (Taxa Escolar e Taxa Profissional) e também a
alguns impostos incluídos na década de 1920, com vinculação específica com a con-
servação da infra-estrutura de transportes.
-206-
Gráfico l
Receitas e Despesas Totais do Estado do Rio Grande do Sul - 1893-1929.
2} ZB 28
a
• Receitas Totais Despesas Totais
Gráfico 2
Receitas e Despesas Totais do Estado de São Paulo - 1893-1929.
g S
U D
"31
M ~
O
l.
E
E
-207-
Gráfico 3
Receitas e Despesas Ordinárias do Rio Grande do Sul - 1893-1929.
U M n 00 02 04 06 OI 10 12 14 K II 20 22 24 27 29
94 97 99 01 0} 05 07 09 11 1] 15 17 19 21 25 26 2B
Gráfico 4
Receitas e Despesas Ordinárias do Estado de São Paulo - 1893-1929.
450
V "
l 200
3 95 97 OD 02 04 06 OB 1D 12 14 16 1B 20 22 24 26 2B
94 96 99 Dl 03 05 07 09 II 13 15 17 19 21 23 25 27 29
-208-
Absctrat ~ • '-'--VL-u.
tULtOTECA
UV I
In this paper we analyse,from the comparative point ofview, the features of the
fiscal policies practiced in Rio Grande do Sul and in São Paulo during the First
Republic (1889-930) determining, as we compare these two regionalformations, the
peculiarities of such policies in the light of social environment and the political and
economic context in wich they developed. Regarding the fiscal policy as one of the
forms of development of a broaden economic policy, we must emphasize, relatively
to Rio Grande do Sul, the important role assumed by such policy in the conveyance
of a predetermined project of society development by the "gaúcho" government, as
well as the innovatory character of the adopted measures which aimed at shifting
the emphasis of taxation, from the indirect taxes, basically supported on exports, to
a direct taxation on rural estates.
-209-
Escriton°8 IE-OÜ006785-1
Introdução
Neste artigo, temos o propósito de realizar uma análise comparativa entre os gastos
orçamentários dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo, na Primeira Repúbli-
ca, os quais tiveram uma função importante na promoção do desenvolvimento econô-
mico desses estados através das obras e serviços públicos essenciais à coletividade.
Na análise das despesas públicas de apoio ao desenvolvimento econômico, bus-
caremos identificar que fatores - de ordem econômica e política - motivaram a deter-
minação das prioridades do Governo na condução desses gastos; quais foram as prio-
ridades da política de gastos; quais foram os interesses defendidos pelo Governo; e
que grupos este pretendia privilegiar através dessas escolhas e prioridades.
Para realizar tais objetivos, este trabalho será desenvolvido do modo exposto a
seguir. Na primeira seção, serão tecidas algumas considerações teóricas e metodológicas
fundamentais para a análise que nos propomos executar. Na segunda seção, caracteri-
zaremos, de modo sumário, as conjunturas política e econômica do Rio Grande do Sul
e de São Paulo no início da República, buscando identificar quais as diferenças funda-
mentais entre os desenvolvimentos político e econômico dos dois estados. Na terceira
seção, realizaremos a análise das políticas de gastos que tiveram por fim a promoção
do desenvolvimento econômico desses estados. Nessa parte, procuraremos explicar
quais os fatores que determinaram a definição das prioridades estatais, quais foram
essas prioridades e quais os interesses defendidos pelo Governo através dessas priori-
dades. E, por fim, realizaremos a análise comparativa entre as políticas de gastos dos
Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo, buscando identificar quais as diferenças
fundamentais entre essas políticas ao longo da Primeira República.
-211-
l - Considerações teórico-metodológicas
-212-
políticas públicas regionais. Desse modo, será o momento do contraste e não o da
analogia que será privilegiado na análise a que estamos nos propondo.'
Ainda que procuremos com esse estudo comparativo buscar a identificação das
principais diferenças das políticas de gastos com a promoção do desenvolvimento
econômico no Rio Grande do Sul e em São Paulo, todavia, para concretizar tal análise
foi preciso estabelecermos parâmetros homogêneos de classificação das despesas or-
çamentárias. Nesse sentido, no âmbito deste trabalho, utilizaremos o conceito geral de
gastos com a promoção do desenvolvimento econômico, para definir todos os gastos
orçamentários - dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo - que, através de
obras e serviços prestados por esses governos, buscaram modernizar a infra-estrutura
econômica de suas regiões. Essa modernização traduziu-se em obras e serviços presta-
dos por esses governos estaduais na promoção do desenvolvimento da agricultura, da
indústria e do comércio, da infra-estrutura de transportes, da energia e recursos mine-
rais e do saneamento público.
Para empreender a análise comparativa entre os gastos orçamentários de apoio ao
desenvolvimento econômico regional realizados pelos Estados do Rio Grande do Sul
e de São Paulo, tivemos que trabalhar com os dados consolidados da realização orça-
mentária apresentados nos Relatórios das Secretarias da Fazenda dos respectivos Es-
tados, ao longo do período de 1893 a 1929. Devido ao alto grau de desagregação des-
ses dados e à forma como estavam apresentados - isto é, por Secretarias de Estado -,
eles tiveram que ser depurados e reagrupados segundo normas mais adequadas de
classificação orçamentária.2
A classificação adotada buscou, no nível de cada um dos estados, estabelecer as
funções das despesas a partir dos dispêndios realizados pelos respectivos governos
estaduais. Tal classificação - denominada de funcional-programática -, tem por intuito
identificar a forma como se dividem as atividades do setor público do ponto de vista
dos principais objetivos de intervenção governamental na economia. A identificação
dos principais programas reflete as prioridades, explícita ou implicitamente, estabele-
cidas pelo Governo, para aplicação nos diferentes setores. Todavia, à época da execu-
ção desses gastos (1893 a 1929), a classificação das despesas por programas era
inexistente, daí a necessidade de procedermos a um reagrupamento dos dados segundo
o critério mencionado, em função da análise pretendida.
A análise do orçamento público (via balanços) dá apenas uma indicação, confor-
me o setor, do volume de capital aplicado pelo estado e expressa um aspecto da inter-
venção crescente do Governo no processo econômico e social. Nesse sentido, a análise
por programas orçamentários procura dar uma idéia do volume de inversão estatal
-213-
num determinado setor ou subsetor, ou seja, indica o papel e o peso da intervenção do
Estado no processo econômico e social (AFONSO; SOUZA, 1977, p.45-46).
O presente trabalho busca acoplar a análise da estrutura funcional da despesa à
análise histórica das economias regionais no período considerado. Tal tipo de associa-
ção e as diferenças no processo de desenvolvimento em cada uma das regiões conside-
radas fazem com que o período abordado (1893-1929) seja extremamente heterogêneo
quanto à capacidade de gastos de cada estado, revelando conjunturas de expansão ou
de retração dos dispêndios, mas sempre coincidentes no tempo. Assim, para efetuar-
mos a análise, foi necessário estabelecer uma periodização que melhor demonstrasse
as variações conjunturais, bem como que fosse compatível com uma abordagem com-
parativa entre os estados em estudo. Como marco inicial da análise, foi estabelecido o
ano de 1893, em razão de ter sido nesse ano que, em ambos os estados, entrou inte-
gralmente em vigor a partilha das receitas e despesas entre as diversas esferas adminis-
trativas, estabelecida na Constituição Federal e nas correspondentes Constituições
Estaduais, após a instauração da República. O ano de 1929 foi estabelecido como
marco final para a análise em virtude de serem os dados relativos a 1930 incompletos
ou inexistentes, impossibilitando uma classificação adequada. Através do estudo da
evolução dos gastos desses estados ao longo do período mencionado, foi possível
estabelecer quatro subperíodos, sobre os quais realizaremos a análise proposta. Esses
subperíodos, determinados em função da maior expansão ou retração dos gastos esta-
duais, são os seguintes: 1893-1897; 1897-1912; 1912-1916; 1916-1929.3
Na próxima seção, buscaremos caracterizar — de modo sumário — as conjunturas
política e econômica dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo no início da
República. Procuraremos, dessa forma, identificar as diferenças fundamentais entre os
desenvolvimentos econômico e político dos dois estados, ou seja, objetivaremos esta-
belecer as condições que balizaram a atuação dos respectivos governos frente aos pro-
blemas do desenvolvimento econômico, no período em estudo.
Dos subperíodos identificados, os dois primeiros (1893-1897 e 1897-1912) marcam uma conjuntura
de expansão dos gastos com o desenvolvimento econômico; o terceiro (1912-1916) traduz-se por uma
conjuntura de forte retração; o último (1916-1929) representa a retomada dos gastos estatais de apoio
ao desenvolvimento econômico, isso tanto no Rio Grande do Sul como em São Paulo.
-214-
das desse centro agroexportador. De sua parte, a economia sul-rio-grandense coloca-
va-se numa posição subsidiária em relação ao centro exportador nacional, integrando-
se à economia brasileira a partir do comércio dos produtos e subprodutos da pecuária,
principal produção da região. Desse modo, no início da República, havia um desen-
volvimento econômico bastante diferenciado entre os Estados do Rio Grande do Sul e
de São Paulo. Enquanto o primeiro passava por uma crise que se arrastava por décadas
e dependia da colocação de praticamente um único produto no mercado interno do
País - o charque -, o segundo prosperava com as exportações do café ao mercado
internacional. Em conseqüência, ao passo que a produção e a comercialização do café
prosperavam e eram capazes de modernizar a economia e a sociedade de São Paulo,
no Rio Grande do Sul a pecuária mostrava-se incapaz de dinamizar e modernizar a
região. Por outro lado, sobressaía-se - como um setor em nítido processo de expansão
- o da agropecuária colonial, que, porém, no início da era republicana, tinha uma
participação redu/ida no comércio sul-rio-grandense.
No nível político, a Proclamação da República trouxe uma nova correlação de
forças entre as diversas regiões do País e o poder central. O estabelecimento de um
sistema federativo que desse ampla autonomia aos estados federados foi o motivo
principal do engajamento das elites regionais no movimento republicano. A autono-
mia regional era entendida como necessária para que as classes dominantes regionais
pudessem gerir, a partir dos estados nascentes, a política de governo e, desse modo,
atender mais eficazmente às demandas de suas regiões. Todavia o mesmo processo,
que trouxe em seu bojo uma nova correlação de forças entre as regiões e o poder
central, gerou, também, nessas regiões, uma nova composição de classes e frações de
classes, que passaram a lutar pelo poder do Estado. No Rio Grande do Sul e em São
Paulo, a luta desses grupos para dominar o poder estatal deu-se de modo bastante
diferenciado e foi, de certo modo, determinada pelas condições do desenvolvimento
econômico regional.
Com efeito, enquanto em São Paulo a prosperidade econômica advinda com as
exportações do café acabava por gerar um consenso entre a elite política regional quanto
às funções a serem desempenhadas pelo Estado nascente, no Rio Grande do Sul a crise
da economia da pecuária contribuiu para gerar um dissenso entre as elites regionais,
ocasionando uma profunda crise política.
No Estado sul-rio-grandense, dois grupos da elite dominante passaram a se
digladiar na busca do poder estatal e, ao que parece, não compartilhavam da mesma
ideologia política nem, tampouco, dos mesmos planos para a região.4 O grupo vence-
dor, que conseguiu ascender ao controle do aparelho estatal, estava organizado nas
fileiras do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e alijou de maneira radical os
grupos de oposição da administração estadual (LOVE, I975,passim). Esse grupo,
apesar de fazer parte da elite dominante sul-rio-grandense, não pertencia, entretanto, à
tradicional elite pecuária da Campanha gaúcha. Além disso, os membros do PRR não
compartilhavam com os demais partidos republicanos e monárquicos a doutrina libe-
-215-
ral como base de sua luta, mas declaravam-se positivistas e organizaram um programa
político baseado na doutrina política de Augusto Comte (PINTO, 1986).5
Desse modo, os grupos que passaram a gerir as políticas de governo nos Estados
do Rio Grande do Sul e de São Paulo não se identificavam nem quanto à origem sócio-
econômica nem quanto à ideologia política. Enquanto, em São Paulo, o processo his-
tórico que gerou a nova ordem republicana se deu de modo pacífico, possibilitando o
consenso entre as oligarquias dominantes quanto à forma - liberal - e quanto às fun-
ções a serem assumidas pelo Estado, no Rio Grande do Sul, o advento da República
trouxe à tona problemas econômicos e políticos latentes, que estavam escondidos sob
o manto do Império. Assim, a fim de fazer frente à crise política e econômica, os
membros do PRR implementaram um projeto de Estado que não se fundamentava na
ideologia liberal e buscaram na doutrina positivista de Augusto Comte o amálgama
necessário à construção de um Estado totalmente oposto à ideologia do laissezfaire.
Os republicanos sul-rio-grandenses entendiam que ao Estado cabia um papel funda-
mental na organização da sociedade, garantindo a harmonia social (ordem) e promo-
vendo o desenvolvimento econômico (progresso).6
Acreditamos que os aspectos abordados até aqui sejam suficientes para delinear,
de modo sumário, as diferenças fundamentais entre a dinâmica dos processos econô-
mico e político, no início da República, nos Estados do Rio Grande do Sul e de São
Paulo. De um lado, o Rio Grande do Sul apresentava deficiências no nível econômico
muito mais acentuadas que São Paulo. Basicamente, existiam dois setores produtivos
- agricultura e pecuária - demandando obras e serviços de infra-estrutura econômica,
os quais requeriam um grande aporte de investimentos, que ultrapassavam a disponi-
bilidade dos capitais existentes nessa região. Além disso, havia um intenso conflito
político entre as classes dominantes, o que, aliado à crise econômica, contribuía para
configurar o Estado gaúcho como um dos mais instáveis da Federação. Por outro lado,
o Estado de São Paulo apresentava-se como o membro mais próspero da Federação,
capaz de receber um grande aporte de capitais externos em razão das exportações de
café, possibilitando, desse modo, que fossem atendidas com certa facilidade as de-
mandas por obras e serviços necessários à formação de uma infra-estrutura física ade-
quada ao desenvolvimento econômico da região. Além disso, no nível político, a re-
Os membros do PRR "(...) eram em sua maioria provenientes da região norte do Estado, de ocupação
recente e mais pobre do que a Campanha, quer pela ausência da indústria do charque, quer pela
distância dos centros consumidores. Portanto, se eram estancieiros, não eram membros da oligarquia
política rio-grandense"(PINTO, 1986, p.9).
Num discurso de Getúlio Vargas, na Assembléia de Representantes, foi expressa de maneira muito
esclarecedora a opinião dos governantes sul-rio-grandenses quanto às funções reservadas ao Estado
na economia brasileira:
"Permita-me dizer que S. Ex. está filiado à velha teoria econômica do laissezfaire - teoria essa que se
pretende atribuir unicamente à iniciativa particular o desenvolvimento econômico ou industrial de
qualquer país (...) não levando S. Ex. em linha de conta que nos países novos, como o nosso, onde a
iniciativa é escassa e os capitais ainda não tomaram o incremento preciso, a intervenção do Governo
em tais serviços é uma necessidade real" (Getúlio Vargas apud PINTO, 1986, p.68).
-216-
Ftt-utout;
j «8LK)TEGA
gião não apresentava nenhum conflito maior entre as classes dominantes, o que torna-
va possível uma hegemonia dos interesses da cafeicultura na gestão das políticas de
governo.
Por ora, essas considerações são suficientes para podermos dar continuidade a
este estudo. Buscaremos, a seguir, identificar em que medida a política de gastos dos
Governos estaduais foi influenciada pelas condições de desenvolvimento econômico
das regiões consideradas, quais as motivações que determinaram a definição das prio-
ridades desses gastos estatais, que prioridades foram estabelecidas e que interesses
defendiam os governos dos respectivos estados, ao estabelecerem tais prioridades.
-217-
traordinário: a taxa média ultrapassou os 10% anuais nos mesmos anos. Os dados
deixam revelar que, tanto no Rio Grande do Sul como em São Paulo, houve, indiscu-
tivelmente, uma maior atuação do Estado no âmbito econômico - representada, no
nível orçamentário, por obras e serviços realizados pelos respectivos governos estadu-
ais, associados a programas que visavam, basicamente, à formação de uma infra-estru-
tura física mais adequada às condições do desenvolvimento econômico (Conforme os
dados das Tabelas 2 e 3 do Apêndice Estatístico).
A seguir, tentaremos estabelecer as causas que determinaram a expansão dos gas-
tos estatais com a promoção do desenvolvimento econômico ao longo da Primeira
República. Buscaremos, também, definir as motivações que levaram a estabelecer as
prioridades desses gastos, isto é, quais as razões que levaram à atuação desses estados
em certos setores (transportes, saneamento, agropecuária, etc.) e que interesses foram
defendidos pelo Governo através dessas escolhas e prioridades da política estatal.
-218-
Apesar de a pecuária ser o principal eixo de produção econômica do Rio Grande
do Sul, já no início da República despontavam outros setores produtivos independen-
tes desta, localizados nas Sub-regiões Nordeste e Norte do Estado.8 Nessas áreas, deu-
se um processo de desenvolvimento econômico bastante diferenciado do que ocorria
na Sub-região Sul, principal centro pecuarista do Estado. Nas Sub-regiões Norte e
Nordeste do Estado, a forma de apropriação da terra era baseada na pequena proprie-
dade, fundamentalmente agrícola e direcionada ao mercado regional. Conco-
mitantemente, desenvolviam-se o artesanato e pequenas indústrias locais. A mão-de-
obra era abundante e originária, basicamente, das levas de imigrantes. A alta taxa de
crescimento demográfico, aliada à parcelização das pequenas propriedades, provoca-
va a colocação de excedentes populacionais nas cidades, contribuindo para o cresci-
mento dos núcleos urbanos. Além disso, a produção em pequenas propriedades contri-
buía para gerar uma distribuição de renda menos concentrada, que, por conseqüência,
aumentava potencialmente a demanda do mercado da área (BANDEIRA, 1994). Com
efeito, no início da República, a Sub-região Nordeste, apesar de não ser a mais desen-
volvida do Estado, já apresentava características de ser a mais dinâmica. Porém as
Sub-regiões Norte e Nordeste — que, no final do século XIX, eram formadas basica-
mente pela zona colonial e Porto Alegre — dependiam de uma série de fatores que
obstaculizavam o seu progresso econômico. As duas regiões careciam principalmente
de incentivos à produção agrícola e de meios de transportes que viabilizassem a
comercialização de seus produtos no mercado regional. Por exemplo, no fim do Impé-
rio, as lideranças de um município da Sub-região Norte reivindicavam maiores auxíli-
os do Poder Público e denunciavam a negligência do Governo Provincial em atender
aos anseios da população local. Em 1884, o jornal A Federação publicava um artigo
em que a Câmara Municipal de Cruz Alta acusava que seus habitantes sofriam com-
pleto abandono do Governo Provincial. Segundo a Câmara, o Município não tinha
uma ponte, uma estrada, qualquer obra pública Essa mesma câmara, por duas vezes,
apelou pela criação de uma nova província na serra (LOVE, 1982, p.21).
Desse modo, quando o Partido Republicano ascendeu ao governo, existiam duas
áreas, política e economicamente, bem diferenciadas no Estado: uma ao sul, depen-
dente da economia pecuarista em crise e com ampla representatividade política; outra,
ao norte, composta pelas Sub-regiões Norte e Nordeste, basicamente de agricultura
colonial diversificada, com artesanato e pequenas indústrias em desenvolvimento, mas
com quase nenhum peso na política regional. Ambas as regiões apresentavam sérios
problemas infra-estruturais, cuja resolução caberia ao Estado.
Nos primeiros anos da era republicana, no Rio Grande do Sul, o Governo teve
que enfrentar a oposição do Partido Federalista, que arregimentava a grande maioria
dos pecuaristas da Campanha gaúcha (Sub-região Sul). Os membros dessa oligarquia
haviam dominado por décadas o governo da antiga Província e tinham convicções
Adota-se aqui a divisão regional utilizada por Bandeira (1994), todavia, para evitarmos uma possível
confusão sobre a utilização do termo região - já que a análise também será realizada comparando
duas regiões do País - Rio Grande do Sul e São Paulo -, utilizaremos a definição de sub-região para as
três áreas do Rio Grande do Sul: Sub-Regiões Norte, Nordeste e Sul.
-219-
ideológicas — eram, em sua maioria, liberais — completamente opostas às dos republi-
canos liderados por Júlio de Castilhos - que eram fervorosos positivistas. Os conflitos
entre republicanos e federalistas acentuaram-se a tal ponto que degeneraram num con-
fronto armado. A revolução que teve seu início em 1893 é apontada pela historiografia
como a mais sangrenta da história brasileira e teve repercussões não só a nível nacio-
nal, como também nos países fronteiriços ao Rio Grande do Sul (Argentina e Uru-
guai). Ela somente teve fim após 31 meses de lutas e com a participação ativa do
Exército Nacional em favor dos republicanos gaúchos. As suas conseqüências foram
funestas para toda a economia regional: parte dos rebanhos foram dizimados, planta-
ções devastadas e propriedades particulares e públicas destruídas. As finanças estadu-
ais foram seriamente atingidas em razão da diminuição da arrecadação tributária e,
principalmente, em virtude dos altos gastos com a manutenção de corpos militares.
Embora a Revolução tenha tido o seu fim em 1895, até 1897 o Governo Estadual viu-
se obrigado a restringir, drasticamente, as despesas em todos os setores que não esta-
vam relacionados à segurança pública.
Assim, entre os anos de 1893 e 1897, a prioridade dos gastos estaduais esteve
direcionada para a manutenção de um aparato militar fortemente armado, capaz de
garantir a sustentação do Governo republicano. Somente a partir de 1898, com o início
do governo de Borges de Medeiros, pôde o Governo sul-rio-grandense despender re-
cursos em obras e serviços importantes para o desenvolvimento econômico do Estado.
Tal fato somente se tornou possível em razão da diminuição dos gastos com a seguran-
ça pública, do incremento das receitas estaduais e da austeridade na gestão das contas
públicas. Entre 1897 e 1912, as despesas totais do Estado sul-rio-grandense cresceram
a uma taxa média anual pouco superior a 4%, mas os gastos com os programas que
visavam à promoção do desenvolvimento econômico regional se expandiram a uma
taxa média anual de 8% (Conforme pode ser percebido na Tabela l do Apêndice Esta-
tístico).
A política de gastos que passou a ser desenvolvida a partir de 1898, embora
contando ainda com escassos recursos financeiros, já denotava um programa de desen-
volvimento econômico para o Estado. O Governo mostrava-se preocupado em resol-
ver os principais problemas que entravavam o pleno desenvolvimento das forças pro-
dutivas na região e estava consciente de que a solução desses problemas necessaria-
mente dependeria da ação do Estado.9 Dada a escassez dos recursos orçamentários
disponíveis, entretanto, o Governo necessariamente deveria definir as áreas prioritárias
No ano de 1899, Borges de Medeiros tecia as seguintes considerações em mensagem enviada à As-
sembléia do Estado:
"(•••) após a segurança e a justiça, parece que os trabalhos públicos constituem a função mais essencial
do Estado. Este conceito universal nem mesmo sofre desmentido na Inglaterra e na América do Norte,
que se singularizam pela pujança da iniciativa individual arrogada, sem conhecer limites, aos mais
ousados cometimentos de toda ordem. Não é, pois, de estranhar que entre nós tudo se faça ainda
depender da ação do Estado. Enquanto a capitalização bem orientada e a concentração de grandes
fortunas privadas não adquirirem a necessária energia para empreender vastos melhoramentos mate-
riais, força é que a intervenção do poder público se exerça tão amplamente quanto exigem as necessi-
dades sociais, sem excluir, ao contrário estimulando sempre, a livre concorrência dos particulares.
Debaixo desse ponto de vista, o engrandecimento material de nossa terra impõe-se à contínua ativida-
de administrativa" (Mensag. Pres., 1899, p. 15).
-220-
de atuação. Na definição dessas prioridades, a Administração estadual foi motivada
por questões de ordem econômica e política.
No nível econômico, os dois principais setores produtivos da região - a pecuária
e a agricultura colonial - demandavam obras e serviços que requeriam um grande
aporte de capitais, principalmente quanto aos melhoramentos na infra-estrutura de trans-
portes. Os pecuaristas, especialmente, eram os que mais requisitavam a ação do Esta-
do: financiamentos aos produtores; política tarifária protecionista (no nível federal e
estadual), principalmente na defesa do charque; expansão da malha ferroviária e me-
lhoramentos no porto de Rio Grande. Já os agricultores necessitavam de mais terras
para o plantio, orientações no aprimoramento das técnicas agrícolas, instrumentos agrá-
rios modernos, incentivos fiscais e, principalmente, melhoramento da infra-estrutura
de transportes, que, por suas deficiências, impedia a comercialização da produção.
No nível político, o Governo havia enfrentado uma guerra civil comandada justa-
mente pela oligarquia pecuarista. Se a vitória na Revolução de 1893 permitiu ao Par-
tido Republicano manter-se no comando do Estado, todavia, ainda em 1898, a estabi-
lidade política do Governo estava longe de haver sido conquistada. Os membros do
Partido continuavam dependendo substancialmente do Governo Federal no caso de
haver o recrudescimento dos conflitos com a oposição (LOVE, 1982; PINTO, 1986).
Isso contribuiu para que o PRR buscasse uma base de apoio político capaz de dar
sustentação ao seu governo. Uma vez que a zona da Campanha (Sub-região Sul) esta-
va praticamente quase toda sob a influência política dos pecuaristas, a base de apoio
político do PRR deveria ser buscada nas áreas urbanas e nos núcleos coloniais das
Sub-regiões Norte e Nordeste do Estado.
A determinação das prioridades da política de gastos do Governo do Estado seria
motivada pelas circunstâncias delineadas acima. As demandas dos pecuaristas (crédi-
to, protecionismo fiscal, modernização da rede ferroviária e do porto de Rio Grande)
exigiam recursos financeiros e uma ação política que ultrapassavam as possibilidades
do Governo Estadual. Além disso, o atendimento dessas demandas dependia de duas
circunstâncias cuja influência se fez sentir de forma notória, mormente nos anos inici-
ais do período republicano. Em primeiro lugar, pelo lado das oposições, eram justa-
mente os pecuaristas que mais contestavam a legitimidade do Governo republicano.
Em segundo lugar, pelo lado do Governo, este não acreditava que a pecuária fosse
capaz de dinamizar e modernizar a estrutura produtiva do Estado, apresentando-se a
dependência de um só produto, praticamente, como um obstáculo ao pleno desenvol-
vimento econômico da região.10
10 Em várias passagens dos Relatórios da Secretaria da Fazenda e , inclusive, nas Mensagens Presi-
denciais, o Governo tornou público que a pecuária - criação e charqueadas - deveria modernizar-se,
porém essa modernização dependia muito mais da ação dos próprios pecuaristas. Além disso, a diver-
sificação agrícola era indicada como a melhor solução para a dinamização econômica do Estado. Por
exemplo, em 1891, o Governo baixou um ato tratando da desapropriação de terrenos marginais às
vias férreas, estradas de rodagem e rios, necessários para a formação de estabelecimentos agrícolas.
Na justificativa desse ato, eram delineadas as seguintes considerações: "(•••) convém preparar a po-
pulação da campanha para a agricultura que será, em futuro não remoto, a sua principal ocupação,
pela impossibilidade de continuar a exploração da indústria da pecuária"(RS, Ato 109, 14.2.1891).
Em 1903, o Presidente do Estado revelou as preocupações do Governo com relação à agricultura e à
pecuária. Quanto à pecuária, o Presidente deixava claro que ela deveria emancipar-se dos processos
rotineiros que a atrofiavam e que essa emancipação dependia da ação dos próprios pecuaristas (Mensag.
Pres., 1903, p. 18).
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Acreditamos, com base no exposto anteriormente, que a política de gastos públi-
cos implementada a partir de 1898 já denotava uma ação econômica e política estraté-
gica para a dinamização econômica do Estado e para a consolidação do PRR no poder.
A modernização e a diversificação da agricultura, bem como o melhoramento da infra-
estrutura de transportes da zona colonial, seriam as prioridades orçamentárias estabe-
lecidas pela Administração Estadual.
A seguir, tentaremos mostrar como esses gastos foram financiados e que setores
da economia foram contemplados pela ação do Estado.
No Rio Grande do Sul, o financiamento dos gastos estatais com a promoção do
desenvolvimento econômico teve sua origem basicamente, entre os anos de 1897 e
1912, nos saldos positivos verificados na realização orçamentária (Gráfico l do Apên-
dice Estatístico). Uma segunda fonte de financiamento para esses gastos, porém com
uma importância muito menor, foi proveniente dos depósitos de órfãos, sentenciados,
interditos e outros, administrados pelo Governo Estadual, os quais tiveram, a partir de
1908, uma contribuição que, embora importante, era relativamente reduzida, frente
aos superávits orçamentários, no financiamento dessas despesas.
O empenho em obter superávits na execução orçamentária foi uma meta estabele-
cida desde a ascensão do Partido Republicano ao Governo do Estado. Para concretizar
tal objetivo, o Governo entendia que deveriam ser observadas duas regras básicas na
condução do orçamento estadual. Em primeiro lugar, a Assembléia de Representantes
do Estado, órgão colegiado responsável pela aprovação do orçamento, deveria ter sua
atuação limitada pelas diretrizes estabelecidas pela Presidência do Estado. Em segun-
do lugar, o Governo deveria buscar o máximo de austeridade na execução dos gastos,
tentando obter saldos positivos entre a receita e a despesa ordinárias, com os quais
financiaria a maioria das obras necessárias ao desenvolvimento econômico regional.
Para a realização dessas metas, o Governo criou mecanismos de planejamento e de
controle orçamentário que se revelaram extremamente eficientes.
De um lado, a Constituição Política do Rio Grande do Sul, elaborada por Júlio de
Castilhos, investiu a Presidência do Estado na faculdade de elaborar e promulgar leis
(salvo as exceções expressamente estabelecidas na própria Constituição), bem como
conferiu-lhe a competência exclusiva para organizar, reformar ou suprimir os serviços
dentro das verbas orçamentárias (Mensag. Pres., 1903, p.3). Essa forma sui generis de
organização do Estado evitou a possibilidade de conflitos entre os Poderes Executivo
e Legislativo. A iniciativa parlamentar em matéria orçamentária, na concepção do
Governo, somente teria sentido quando fosse relacionada com o controle dos gastos
apresentados pelo Poder Executivo, jamais para aumentar tais gastos." Além disso,
para evitar um virtual conflito com a Assembléia, o Governo republicano deveria ga-
rantir sempre a maioria da representação parlamentar a cada eleição, ação na qual
obteve êxito durante todas as legislaturas da Primeira República. Desse modo, o con-
11 No relatório apresentado pelo Diretor do Tesouro estadual em 1899, ficava clara a posição do Gover-
no perante as funções do Legislativo na área orçamentária: "(...) o mais seguro, o mais prompto, o
mais eficaz é o de suprimir a causa principal desse furor de gastar, isto é, a iniciativa parlamentar em
matéria de despesas. O papel dos Deputados não é por certo o de propor novas despesas, ou de au-
mentar as que são propostas pelo Governo, mas o de as fiscalizar e reduzir o mais possível" (Relat.,
1899, p.46).
-222-
trole da Presidência sobre a Assembléia de Representantes era garantido, desde logo,
por mecanismos institucionais e políticos.
Por outro lado, o orçamento das despesas estaduais foi dividido em dois módulos.
No primeiro módulo, denominado de orçamento ordinário, eram programadas todas as
despesas de caráter permanente do Estado, ou seja, os custos da máquina administrati-
va, as despesas com instrução e saúde pública, o serviço da dívida, a administração da
justiça e da segurança pública. No segundo módulo, chamado de orçamento extraordi-
nário, eram programados todos os gastos com obras e serviços que não afetavam de
modo direto e imediato a administração do Estado e que poderiam ser adiados, apesar
de serem de crucial importância para o desenvolvimento econômico regional. Essas
obras eram priorizadas fundamentalmente para o desenvolvimento da agricultura e da
infra-estrutura de transportes no Rio Grande do Sul. Os gastos do orçamento extraor-
dinário foram, até 1914, financiados basicamente pelos superávits registrados entre as
receitas e despesas ordinárias. A partir desse ano, o Governo ampliou suas fontes de
financiamento através da instituição da Caixa de Depósitos Particulares, a qual adqui-
riu uma importância crescente no financiamento das obras e serviços destinados a
promover o desenvolvimento econômico do Estado.12
Na realidade, o tão propagado equilíbrio orçamentário não era apenas um artificio
de retórica no discurso do Governo republicano. Da realização desse equilíbrio depen-
diam os recursos necessários para o financiamento das obras e serviços indispensáveis
ao desenvolvimento econômico do Estado. Cremos que as despesas realizadas com
tais finalidades buscaram, efetivamente, eliminar os obstáculos que se antepunham ao
pleno desenvolvimento das forças produtivas no Rio Grande do Sul, correspondendo a
uma política deliberada, por parte do Governo do Estado, nesse sentido. E, como vere-
mos, na condução desses gastos, foram priorizadas obras e serviços que privilegiariam
o desenvolvimento agrícola e da infra-estrutura de transportes das Sub-regiões Norte e
Nordeste do Estado, principalmente desta última.
A seguir, procuraremos delinear, de forma sucinta, como se deu o desenvolvi-
mento das mencionadas políticas no Estado e qual o grau de importância que tiveram
as mesmas para o Governo, isto é, se tais políticas se constituíram, efetivamente, em
prioridade para o Partido Republicano Rio-Grandense.
12 A Caixa de Depósitos Particulares foi instituída em 1914, com o propósito de buscar uma fonte de
financiamento das despesas estatais para promover obras e serviços indispensáveis ao desenvolvi-
mento econômico do Estado. Na exposição de motivos do decreto que regulamenta a administração
dos depósitos particulares, o Governo tece algumas considerações importantes que deixam revelar os
princípios e os propósitos da ação estatal:
"(...) considerando que, sem o prejuízo da livre concorrência e da iniciativa individual, pode e deve o
Estado ampliar esse regime aos depósitos particulares não só como incremento ao trabalho e incenti-
vo à economia educativa, mais ainda como meio de congregar e organizar o capital disponível que em
parcelas mínimas existe disseminado por toda a parte (...) o que agora se institui no Estado não tem
por fim exclusivo coletar e imobilizar os dinheiros particulares; mas, ao contrário, invertendo-os a
princípio em obras públicas extraordinárias e reprodutivas e depois em operações de crédito real ou
em auxílios às indústrias rurais, concorrerá para que eles voltem à circulação de modo mais profícuo
ao bem público e à natureza do capital, sempre social em sua origem e em seu destino" (Relat., 1914,
p. 359).
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Os gastos estatais com obras e serviços de apoio direto à economia - ou seja, os
gastos com a promoção do desenvolvimento econômico - além de serem vulneráveis
às conjunturas de expansão ou de retração das economias regional e nacional, também
dependiam da ação eficaz do Governo na gestão das finanças estatais. Desse modo, a
partir da análise dos dados apresentados na consolidação dos balanços anuais, pode-
mos estabelecer três subperíodos distintos no comportamento desses gastos: entre 1897
e 1912, os gastos com a promoção do desenvolvimento econômico cresceram a uma
taxa média de 8% anuais; entre 1912 e 1916, tiveram uma forte retração e revelaram
um crescimento negativo médio de 29% ao ano; no último período, entre 1916 e 1929,
esses gastos voltaram a elevar-se e atingiram um crescimento extraordinário, da or-
dem de 29% anuais (Tabela l do Apêndice Estatístico).
No período de 1897 a 1912, os gastos com os programas de incentivo à agricultu-
ra e com o desenvolvimento da infra-estrutura de transportes tiveram uma importân-
cia crescente no orçamento do Estado do Rio Grande do Sul. Essas despesas aumenta-
ram tanto em valores absolutos quanto no que tange à sua participação na composição
do orçamento (Tabelas 2 e 4 do Apêndice Estatístico).
Os gastos com os programas de incentivo à agricultura cresceram no período
(1897-1912) a uma taxa média de 15% anuais. Em 1897, por exemplo, tais gastos
consumiram pouco mais de 250 contos de réis e absorveram pouco mais de 16% das
despesas realizadas pelo Governo destinadas à promoção do desenvolvimento econô-
mico (Conforme Tabela 4 do Apêndice Estatístico). Em 1912, os mesmos gastos se
elevaram a 2.248 contos de réis e consumiram cerca de 45% das mesmas despesas. A
participação desses gastos na despesa total do Estado também foi crescente: em 1897,
os gastos com agricultura representavam cerca de 2,5% de todos os gastos orçamentá-
rios; já em 1912, alcançaram 12,2%. Como podemos perceber, os gastos com a agri-
cultura tiveram um incremento importante no período e foram empregados em diver-
sos programas de incentivo a esse setor crucial da economia do Estado.
Os programas orçamentários de apoio à agricultura do Estado baseavam-se, por
um lado, na colonização das terras incultas e de domínio público, através de incenti-
vos à imigração espontânea, isto é, não subsidiada pelo Estado. O Governo estadual
buscava atrair colonos nacionais e estrangeiros através do acesso garantido à terra e a
um custo muito baixo. Nesse sentido, a política de demarcação de terras foi de excep-
cional importância para a colonização do Estado. Tal demarcação - compreendendo as
áreas de domínio público e reservadas pelo Governo para a instalação de colonos -
não se deu de modo pacífico. Muitos proprietários entraram em litígio com o Estado
em razão das demarcações realizadas pela Comissão de Terras Públicas. Para o Gover-
no, porém, esses reclamantes não passavam de ilegítimos possuidores de latifúndios
que, além de terem se apossado de terras públicas, tentavam confundir a opinião da'
sociedade e obstaculizar a ação administrativa (Mensag. Pres., 1902, p.16; 1906, p.18).
Por outro lado, o acesso à terra não era a única condição para promover o desen-
volvimento agrícola. Era necessário que o Estado garantisse a produção através de
programas de auxílio à agricultura. Nesse sentido, o Governo, desde 1898, já havia
determinado uma ação estratégica e integrada de apoio ao setor agrícola. Por exemplo,
em 1898, foi criada, em Porto Alegre, a Estação Agronômica Experimental; em 1903,
criavam-se Postos Agronômicos nas Colônias de Guaporé e Ijuí; e, em 1907, foram
instituídas uma escola de capatazes e uma turma de professores ambulantes de agricul-
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tura. Desde 1899, o Governo já havia dado incentivos aos agricultores dos núcleos
coloniais que adquirissem instrumentos agrários aperfeiçoados. Além disso, também
em 1899, o Governo havia determinado que, em cada núcleo colonial, fosse demarcada
uma área para o posterior estabelecimento de uma Estação Experimental de Agrono-
mia.13 Os serviços apresentados acima, ainda que tenham sido prioritários na composi-
ção dos gastos com a promoção do desenvolvimento econômico, não representavam,
todavia, a única esfera de atuação por parte do poder público com o objetivo de auxi-
liar o desenvolvimento agrícola do Estado. A política de incentivos à agricultura esta-
va integrada à política de desenvolvimento da infra-estrutura de transportes.
Convém, nesta altura da exposição, esclarecer certos aspectos da política de gas-
tos na infra-estrutura de transportes implementada pelo Partido Republicano, pois,
além de dominarem os gastos estaduais destinados a promover o desenvolvimento
econômico durante, praticamente, todo o período da Primeira República, acreditamos
que essas despesas permitem perceber a estratégia política da ação do Governo na
condução das despesas do Estado.
Desde 1898, o Governo do Estado deixou transparecer, publicamente, o objetivo
dos investimentos na infra-estrutura de transportes. Embora a construção do porto de
Porto Alegre e a modernização do porto de Rio Grande já permitissem vislumbrar
certas preocupações da política de governo, os recursos financeiros do Estado impos-
sibilitavam qualquer viabilização de uma interferência mais efetiva no setor, em fun-
ção do grande aporte de capitais necessários para tais obras. O mesmo se dava com os
problemas da viação férrea.
Contudo, os gastos com a infra-estrutura de transportes revelariam um ação cres-
cente do Estado nesse setor, crescendo, em média, no período de 1897 a 1912, cerca de
5,4% ao ano, passando de um valor aproximado de 1.199 contos de réis (1897) para
2.637 contos de réis em 1912 (Tabelas l é 2 do Apêndice Estatístico). Os gastos com
transportes distribuíram-se, em média, entre os anos de 1907 a 1912, do seguinte modo:
60% para a construção e a reparação da estrutura rodoviária e 20% para os melhora-
mentos necessários no sistema hidroviário. As obras correspondentes tinham por ob-
jetivo dinamizar a comercialização da produção das Sub-regiões Norte e Nordeste do
Estado, como veremos a seguir.14
13 A Estação Experimental de Agronomia tinha como principais funções o ensaio de novas técnicas
agncolas e o desenvolvimento de culturas que ainda não eram produzidas no território sul-rio-gran-
dense. O propósito do Governo era de que a Estação servisse como pólo tecnológico, viabilizando o
desenvolvimento de novas culturas e, principalmente, qualificando as existentes através da transmis-
são de novas tecnologias aos agricultores da zona colonial. Para tanto, a Estação deveria fazer a aná-
lise dos diferentes solos dos municípios, introduzir o emprego de fertilizantes químicos e experimen-
tar os mais modernos instrumentos agrários e máquinas para a lavoura (RS, Decreto 182, de 1898).
14 As informações apresentadas a seguir apoiaram-se em documentos oficiais (relatórios, Plano Geral
de Viação e mensagens presidenciais) buscando-se, sempre que possível, dados de execução orça-
mentária que pudessem dar maior confiabilidade a essas informações. Desse modo, confirmamos,
quanto aos gastos rodoviários e hidroviários, a disposição do Governo de fazer valer as suas propos-
tas. Isto é, de fato as estradas e os rios do Norte e Nordeste do Estado foram priorizados na política de
transportes. Os dados são dos anos de 1905, 1910 e 1911 apresentados nos Relatórios da Secretaria
da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul (Relat. 1905; 1910; 1911).
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O Governo do Estado, em 1898, assumia publicamente que o objetivo, com res-
peito à navegação e à viação internas, era o de facilitar o imediato escoamento dos
produtos da zona agrícola através de melhoramentos nas vias de comunicação das
diversas colônias com os centros consumidores. Assim, os investimentos no sistema
rodoviário priorizaram as ligações entre as regiões produtoras e destas com Porto Ale-
gre. Do mesmo modo, o sistema hidroviário foi contemplado com obras de melhora-
mento nos rios Jacuí, Taquari, Jaguari, dos Sinos e no Guaíba (Mensag. Pres., 1898, p.
24-25). Posteriormente, em 1913, o projeto do Governo assumiu a forma de lei através
do Plano de Viação Geral do Estado, onde estavam incluídas todas as obras que a
Administração realizaria para melhorar a infra-estrutura de transportes do Estado no
Rio Grande do Sul. Quanto à malha rodoviária, permanecia inalterado o projeto inici-
al do Governo, cujo objetivo era o de interligar a região agrícola ao principal centro
consumidor do Estado. No sistema hidroviário, foi incluído o rio Ibicuí na pauta de
melhoramentos a serem realizados. É importante salientar que o mencionado Plano,
além de colocar Porto Alegre como centro convergente da produção da zona agrícola,
também estabelecia o porto de Rio Grande como a principal ligação marítima do Esta-
do com o resto do País.15
Acreditamos que os dados e as informações apresentados até o momento nos
autorizam a afirmar que a política de gastos de auxílio direto ao desenvolvimento
econômico, conduzida pelo Partido Republicano entre os anos de 1897 e 1912, priorizou
a modernização da estrutura agrícola e da infra-estrutura de transportes rodoviário e
hidroviário das Sub-regiões Norte e Nordeste do Estado. Cremos que o objetivo do
Governo era o de acelerar o desenvolvimento das relações mercantis entre as colônias
e Porto Alegre, através das políticas agrícola e de transportes.16
Entre os anos del912e!916, as prioridades da política de gastos com a promo-
ção do desenvolvimento econômico - modernização agrícola e dos transportes — per-
maneceriam inalteradas. Todavia, a partir dos anos de 1913 e 1914, uma série de per-
turbações nas economias nacional e internacional - decorrentes basicamente da situa-
ção criada pela Primeira Guerra Mundial - determinou um acentuado declínio na ca-
pacidade de gastos do Estado, especialmente quanto a esse tipo de despesas.
A partir do fim da Primeira Guerra Mundial, entretanto, o Governo sul-rio-
grandense retomou a política de gastos em função de projetos que priorizariam o de-
senvolvimento da infra-estrutura de transportes hidroviário e ferroviário, manifestan-
do-se um aumento absoluto e relativo na aplicação dos recursos públicos estaduais na
promoção do desenvolvimento desses setores. No período de 1916 a 1929, somente os
três primeiros anos (1916, 1917, 1918) apresentaram queda nos gastos que visavam
-226-
promover a economia sul-rio-grandense. Todavia, ao longo do período (1916-1929),
com exceção dos exercícios mencionados, os gastos com a promoção do desenvolvi-
mento econômico cresceram a uma taxa média de 29,8% anuais (Tabela l do Apêndice
Estatístico). A despesa total do Estado também teve um acréscimo excepcional, au-
mentando, em média, 13% ao ano. Assim, os gastos estatais com a promoção do de-
senvolvimento econômico passaram de l .244 contos de réis em 1916 - quando perfa-
ziam cerca de 9,3% de todas as despesas do Estado - para 37.244 contos em 1929,
quando contribuíram com mais de 56% das mesmas despesas. A despesa total do Esta-
do evoluiu, no mesmo período, de 13.353 contos de réis em 1919 para 66.050 contos
de réis em 1929 (Tabelas l e 2, e Gráfico 3 do Apêndice Estatístico).
Ao longo do período (1916-1929), além de ter ocorrido uma grande expansão dos
gastos estatais com a promoção do desenvolvimento econômico, também houve uma
reorientação dessas despesas em função de novas prioridades estabelecidas pelo Go-
verno. Tais prioridades dirigiram-se, fundamentalmente, para a modernização da infra-
estrutura de transportes do Estado. Enquanto, em 1916, os programas de apoio à agri-
cultura eram responsáveis por 35,2% desses gastos, em 1929 esses programas perfazi-
am 2,6%. Os gastos com a infra-estrutura de transportes, por sua vez, que contribuíam
com 63,6% em 1916, atingiram, em 1929, 96,3% das despesas com a promoção do
desenvolvimento econômico regional (Conforme Tabela 4 do Apêndice Estatístico).
Também dentro do setor dos transportes, houve uma reorientação dos gastos no perío-
do. Em 1916, as obras de construção e melhoramento das rodovias eram responsáveis
por 33,5% desses gastos. Os gastos com as obras de melhorias do sistema hidroviário
atingiram 30,1%, enquanto os gastos com ferrovias eram inexistentes. Em 1929, as
obras com o sistema rodoviário atingiam somente 7,5%, as melhorias no sistema
hidroviário, 20,19% e as obras e serviços nas ferrovias eram responsáveis por 68,6%
dos gastos com a promoção do desenvolvimento econômico. Assim, além de ter ocor-
rido um aumento da capacidade de gastos na infra-estrutura de transportes, também
houve o crescimento relativo dessas despesas no orçamento do Estado sul-rio-
grandense. Esse crescimento dos gastos se deu em razão de novas obras e serviços que
passaram a ser empreendidas pelo Governo (Tabela 4 do Apêndice Estatístico).
As obras de melhoramento do sistema hidroviário do Estado tiveram uma taxa de
crescimento médio de 25,9% entre os anos de 1916 e 1929 (Tabela l do Apêndice
Estatístico). Entre os anos de 1918 e 1922, essas obras representaram a maior propor-
ção dos gastos realizados pelo Governo na infra-estrutura de transportes, passando de
46% no primeiro ano para 75% desses gastos em 1922. Neste último ano, aliás, tais
despesas atingiram mais de 36% de todas as despesas orçamentárias realizadas pelo
Governo. Entre 1916 e 1919, os gastos com os melhoramentos da navegação foram
contemplados, em média, com três quartos dos recursos destinados à melhoria do sis-
tema de transportes do Estado, ficando o restante com as obras do porto de Porto
Alegre. Entre 1919 e 1922, esse porto passou a ser a prioridade do Governo, angarian-
do, em média, mais de 40% desses recursos; em segundo lugar, seriam contempladas
as obras relativas ao melhoramento da navegação interior (35%); e, em terceiro, as
obras com o porto de Rio Grande (25%). Nos anos de 1923 a 1929, os gastos do
Governo com os melhoramentos no sistema hidroviário guardaram uma maior
proporcionalidade na distribuição entre os portos de Porto Alegre e do Rio Grande e os
melhoramentos na navegação interior.
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Com base no anteriormente exposto, podemos dizer que, no período que vai de
1916 a 1929, o Governo sul-rio-grandense, ao invés de priorizar os investimentos dire-
tos na agricultura colonial, passou a privilegiar crescentemente a modernização do
sistema de transportes, principalmente o hidroviário.17 Contudo ainda prevaleciam os
objetivos estabelecidos no Plano de Viação Geral do Estado, ou seja, esses investimen-
tos no sistema viário deveriam interligar a zona agrícola ao porto de Porto Alegre e
este ao porto de Rio Grande. O projeto do Governo buscava criar, então, a infra-estru-
tura física necessária à dinamização das relações comerciais do Estado, promovendo
as condições materiais necessárias para que Porto Alegre fosse o principal parceiro
comercial da zona agrícola colonial e para que o porto de Rio Grande se constituísse
no centro exportador desses produtos aos mercados nacional e internacional. Nesse
sentido, a incorporação dos portos de Porto Alegre (1913) e Rio Grande (1919) à Ad-
ministração do Estado foi de crucial importância para o desenvolvimento do projeto
do Governo.
A partir de 1923, com a incorporação da viação férrea à Administração Estadual,
o Governo passou a priorizar, fundamentalmente, o sistema ferroviário na pauta de
investimentos públicos. Nesse período, o Estado beneficiou-se de uma expansão
notável das receitas fiscais, a qual, aliada à possibilidade de contratar empréstimos no
Exterior, aumentou substancialmente a capacidade de investimentos do Rio Grande do
Sul, elevando-a a proporções até então nunca atingidas. Nos anos que vão de 1923 a
1929, o Estado investiu, em média, anualmente, cerca de 58% de todas as suas despe-
sas somente na formação da infra-estrutura de transportes, destinando tais recursos
principalmente para a viação férrea (68%), para o sistema hidroviário (25%), para
rodovias (3%).
No que respeita à viação férrea, o Governo gaúcho buscou, fundamentalmente, a
modernização dos serviços através de novos equipamentos importados do Exterior
com recursos financeiros obtidos de banqueiros norte-americanos.
No sistema hidroviário, somente a partir de 1926 as despesas com o porto de Rio
Grande lograram superar as relativas ao porto de Porto Alegre. A desobstrução dos
canais dos rios que formam a bacia hidrográfica do Jacuí continuava, ainda, exigindo
vultosos recursos estaduais, configurando a continuidade da mesma política de inves-
timentos na infra-estrutura de transportes traçada desde o Plano Geral de Viação do
Estado. A partir de 1923, entretanto, priorizava-se também o estabelecimento de li-
nhas ferroviárias mais modernas e de um porto que fosse eficiente nas exportações
estaduais a outros mercados consumidores.
Acreditamos que, com a exposição realizada até esta parte do trabalho, já tenha
sido possível delinear os principais objetivos da política de gastos com a promoção do
desenvolvimento econômico praticada pelo Partido Republicano Rio-grandense. Es-
ses objetivos foram alcançados através de políticas de governo previamente determi-
nadas, que buscaram a modernização da estrutura produtiva da região. Tais políticas
17 Em 1917, Borges de Medeiros tomou público que ao Governo somente restava resolver um sério
problema de ordem econômica, e este não era outro senão o dos transportes (Mensag. Pres., 1917, p.
36).
-228-
FEE-CEDQC
WEUOTE v
traduziram-se em gastos que buscaram a modernização econômica do Estado através
do estímulo à diversificação da sua estrutura produtiva, por meio do incentivo à
policultura, de investimentos na infra-estrutura de transportes e da busca de uma mai-
or integração da economia regional ao mercado nacional. Cremos que a política de
gastos do Governo tenha sido fundamental na dinamização das relações econômicas
do setor agrícola e comercial do Estado. Além disso, essa política contribuiu de modo
substancial para o encaminhamento de uma reorientação do desenvolvimento econô-
mico do Rio Grande do Sul. Se, ao início da República (1890), os principais produtos
da pecuária - charque e couros - representavam cerca de 54% das exportações regio-
nais, já próximo ao fim desta (1927) tal fenômeno não mais ocorria. Na pauta de ex-
portações desse ano, os mesmos produtos derivados da pecuária atingiram uma parti-
cipação total de 24,5%. Os produtos da lavoura e da pequena criação que, em 1890
correspondiam a cerca de 29% do total das exportações estaduais perfaziam, em 1927,
cerca de 44% ,18 Assim, ao final da Primeira República, o Rio Grande do Sul não era
mais um estado eminentemente pecuarista. Os produtos agrícolas haviam passado a se
constituir no principal elo de ligação da economia regional ao mercado nacional, e as
Sub-regiões Norte e Nordeste haviam se transformado nos principais centros produti-
vos e comercias do Estado. Acreditamos que as políticas de gastos desenvolvidas pelo
Partido Republicano Rio-Grandense colaboraram firmemente para tal transformação,
na medida em que visaram reorientar o modo como se dava o desenvolvimento eco-
nômico do Estado - baseado na pecuária — para um "modelo" mais avançado de desen-
volvimento das forças produtivas da região e melhor integrado no mercado nacional.
Além disso, acreditamos que esse apoio ao desenvolvimento econômico centrado na
agricultura mercantil tenha se revelado uma boa estratégia de legitimação do Governo,
haja vista que praticamente a metade do eleitorado gaúcho, já em meados da Primeira
República, era constituído de agricultores.19 Com efeito, acreditamos que o Partido
Republicano tenha sido feliz na busca de uma base de apoio político para sustentação
de seu Governo. Nesse sentido, a política de incentivos à modernização agrícola e a da
infra-estrutura de transportes foram estratégicas tanto para a sua legitimação política
quanto para a reorientação da economia sul-rio-grandense.
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Em São Paulo, durante a Primeira República, prevaleceram condições materiais
muito mais adequadas do que em qualquer outro estado da Federação para que se
gestasse um desenvolvimento capitalista expansivo. O Estado era privilegiado com o
mais desenvolvido sistema bancário do País, em grande parte originário do capital
financeiro internacional, que, além de atuar nesse setor, tinha investimentos no siste-
ma ferroviário, no sistema de comunicações e no comércio externo. Como já nos
referimos, a economia cafeeira era o centro autopropulsor da modernização econômi-
ca da região e, também, era capaz de dinamizar outras regiões do País. Além disso,
dado o peso das exportações de café na receita tributária do Estado, havia, de imediato,
uma identificação entre os interesses da Administração e os dos cafeicultores (NOZOE,
1985, passim). Desse modo, a política do Governo desenvolvia-se fundamentalmente
em função das necessidades da lavoura de café, buscando afastar quaisquer empeci-
lhos ao pleno desenvolvimento de suas forças produtivas. Do mesmo modo, o Estado
buscava atender aos interesses dos comerciantes de café, localizados principalmente
na Capital, em Santos e em Campinas.
Nesse sentido, a política de gastos do Governo priorizou, por um lado, o desen-
volvimento da infra-estrutura física necessária ao sistema de produção e comercializa-
ção do café através de investimentos no sistema ferroviário, em armazéns para a
estocagem da produção, no saneamento urbano dos maiores centros comerciais do
Estado e, fundamentalmente, através de uma política imigracionista, que buscava do-
tar a cafeicultura de mão-de-obra abundante. De outro lado, o Governo, em função das
crises conjunturais por que passava o sistema do café, teve de intervir no mercado, a
fim de regular as relações mercantis desse sistema (produção e comercialização) atra-
vés de uma política de valorização do produto e do crédito direto aos cafeicultores por
meio de um sistema financeiro criado e administrado pelo próprio Estado, mas que
não passava pelo orçamento público estadual. Desse modo, as principais políticas de
intervenção do Estado no sistema de produção e comercialização do café fogem ao
âmbito deste trabalho.
A política de gastos estatais com o objetivo de promover o desenvolvimento eco-
nômico orientou-se pelas exigências determinadas pelo crescimento econômico lide-
rado pela cafeicultura. Nesse sentido, o Estado somente intervinha no âmbito econô-
mico, fundamentalmente, com dois propósitos básicos: atender à demanda por deter-
minadas obras ou serviços que, devido às suas características (bens públicos), eram de
responsabilidade exclusiva do Estado; desenvolver ações voltadas para a promoção
de certos investimentos que, devido aos riscos financeiros ou à baixa lucratividade, a
iniciativa privada não se interessava em administrar. Este último tipo de intervenção
se dava, fundamentalmente, em conjunturas de crise do sistema do café, para cuja
resolução era indispensável a ação do Estado, quer pelos problemas políticos a serem
enfrentados, quer pelo montante de recursos financeiros em jogo. Nesse sentido, po-
dem ser entendidas, por exemplo, a encampação da Companhia Cantareira de Água e
Esgotos, em 1892, e a encampação das Estradas de Ferro Sorocabana e Ituana, em
1905.
Outra peculiaridade da política de gastos de São Paulo reside em que a mesma
não obedeceu a um projeto de governo preestabelecido. Justamente em função da sua
característica de atender às demandas do desenvolvimento econômico, principalmente
em conjunturas de crise, ela se traduziu por ser essencialmente conjuntural e serviu
-230-
para subsidiar determinados setores da economia ligados ao sistema agroexportador.
Assim podem ser entendidas as políticas de imigração de mão-de-obra para a cafeicul-
tura (apoiada em recursos orçamentários), bem como a política de valorização do café
(com recursos extra-orçamentários). Essas intervenções do Estado se deram em con-
junturas diferentes, mas o propósito era o mesmo: aprimorar o modelo de acumulação
de capital dominante, baseado na cafeicultura.
Nesse sentido, a política de gastos com a promoção do desenvolvimento econô-
mico regional do Estado paulista voltou-se basicamente, ao longo da Primeira Repú-
blica, para o objetivo de atender às demandas do desenvolvimento econômico liderado
pela cafeicultura. Constituíram-se, assim, em prioridades do Governo: atender às de-
mandas por bens públicos resultantes do rápido processo de urbanização; auxiliar a
formação de mão-de-obra para a cafeicultura, através de subsídios à imigração; e de-
senvolver a infra-estrutura de transportes ferroviários em regiões que apresentavam
deficiências desse serviço.
O atendimento de tais demandas por parte do Governo do Estado implicava a
criação de novos serviços públicos e obras a serem construídas sob a responsabilidade
do Estado. Assim, ao longo da Primeira República, as funções do Governo paulista, a
exemplo do que aconteceu no Rio Grande do Sul, ampliaram-se consideravelmente,
traduzindo-se por uma expansão das despesas com a promoção do desenvolvimento
econômico regional. Essa expansão se deu de forma mais intensa principalmente entre
os anos de 1916 e 1929, quando a taxa de crescimento dos gastos com obras e serviços
destinadas à promoção do desenvolvimento econômico ultrapassou, em média, 10%
anuais (Tabela l do Apêndice). O crescimento das atribuições do Governo acabou por
pressionar fortemente o orçamento estadual, e o poder público teve que buscar recur-
sos que financiassem a expansão de despesas daí decorrente. Todavia certas peculiari-
dades da organização orçamentária do Estado paulista contribuíram para que a expan-
são das despesas fosse necessariamente financiada através do apelo constante aosdeficits
no orçamento (Gráfico 2 do Apêndice Estatístico).
Ou seja, no Estado de São Paulo, jamais houve uma efetiva preocupação com o
planejamento das despesas do Governo. As previsões de gastos feitas quando da ela-
boração do orçamento enviado ao Legislativo Estadual nunca estiveram próximas das
despesas realizadas. Essa discrepância entre o orçamento previsto e o efetivamente
realizado, se dava em conseqüência tanto do relacionamento institucional entre os
Poderes Executivo e Legislativo como da facilidade de crédito estatal e, até mesmo, da
técnica empregada na confecção do orçamento público.
Diferentemente do que ocorria no Rio Grande do Sul, a Constituição paulista
atribuía amplos poderes ao Legislativo Estadual. Em termos de matéria financeira, o
Congresso paulista participava ativamente na determinação das prioridades de gastos
definidas no orçamento do Estado. Essa participação ativa dos parlamentares acabava
por gerar uma distorção nas previsões feitas pelo Poder Executivo. Diversos Secretá-
rios da Fazenda alertaram, nesse sentido -principalmente nas conjunturas de crise fi-
nanceira -, para a irresponsabilidade dos parlamentares que votavam novas despesas,
sem antes terem previsto a origem dos recursos.
Outro fator que contribuía para a geração de deficits orçamentários era o fato de
não haver, como no Rio Grande do Sul, uma distinção entre despesas ordinárias e
extraordinárias. Ou seja, confundiam-se no orçamento aquelas despesas necessárias à
-231-
manutenção de serviços permanentes da Administração Pública e os investimentos
necessários à realização de obras públicas. A conseqüência disso era a de que obras ou
serviços de caráter temporário e extraordinário eram escriturados no orçamento, sem
terem sido previstos recursos necessários para a sua execução. Tal prática foi, aliás, a
maior responsável pelos crônicos deficits do orçamento paulista.20 Além do mais, o
fácil acesso ao crédito externo, possível por causa das exportações de café, alimentava
o déficit crônico do orçamento do Estado de São Paulo, e, somente em virtude desse
tipo de facilidade, pôde o Governo do Estado realizar gastos importantes com a pro-
moção do desenvolvimento econômico regional.
Desse modo, em 1893, o Governo paulista despendeu com o saneamento das
Cidades de São Paulo, de Santos e de Campinas mais de 58% de todos os recursos
destinados à promoção do desenvolvimento econômico regional, enquanto, em 1897,
tais gastos ultrapassaram 56% daquele total. Para termos uma idéia da importância
dos gastos com o saneamento das cidades citadas acima, em 1893, tais obras e serviços
custaram mais de 9.369 contos de réis aos cofres do Estado de São Paulo (Tabelas 3 e
5 do Apêndice Estatístico). Nesse mesmo ano, a despesa geral do Estado do Rio Gran-
de do Sul, isto é, todos os gastos realizados pelo Governo gaúcho, atingiram 9.680
contos de réis.
A promoção do setor agrícola — vinculada especialmente à formação de mão-de-
obra para as lavouras de café, através da política de imigração - recebeu recursos que
ultrapassaram, em 1893,28% de todos os gastos com a promoção do desenvolvimento
econômico, enquanto,em 1897, tais recursos corresponderam a mais de 29% dessas
despesas (Tabela 5 do Apêndice Estatístico).
Em 1912, as prioridades da política de gastos do Governo de São Paulo permane-
ciam basicamente inalteradas. De um total de 23.850 contos de réis gastos com a pro-
moção do desenvolvimento econômico do Estado, 32% foram destinados à agricultura
- basicamente através dos serviços de imigração e postos agronômicos de apoio à
cafeicultura -, e cerca de 45% ao saneamento e a obras de urbanismo das Cidades de
São Paulo, de Santos e de Campinas. Os gastos com obras nos sistemas ferroviário e
rodoviário passaram a receber um volume maior de recursos, porém, ainda pouco subs-
tanciais comparando-se aos gastos realizados com saneamento, agricultura e imigra-
ção (Tabelas 4 e 5 do Apêndice Estatístico).
A partir de 1916 e até o fim da Primeira República, houve uma maior diversifica-
ção nos gastos de desenvolvimento econômico. O Governo de São Paulo passou a
investir substancialmente mais recursos nos sistemas de transportes ferroviário e rodo-
viário e também na criação de programas de apoio tecnológico à agricultura. Tais gas-
tos, contudo, caracterizaram-se por se ligarem, basicamente, a programas de apoio à
cafeicultura. A única cultura, além do café, que contaria com o apoio financeiro do
Governo seria a lavoura de algodão.
20 Em 1913, o Secretário da Fazenda alertava os deputados de que as obras públicas de caráter extraor-
dinário, por mais relevantes que fossem, jamais poderiam ser custeadas com recursos da renda ordi-
nária do Estado. Grandes obras públicas ou serviços importantes, como a imigração, deveriam ser
financiadas com o produto de empréstimos (Relatório da Secretaria da Fazenda do Estado de São
Paulo, 1913,p.52).
-232-
Nesse subperíodo (1916-1929), a prioridade do Governo paulista orientou-se no
sentido de promover o desenvolvimento da infra-estrutura de transportes, fundamen-
talmente do sistema ferroviário do Estado. Assim, em 1929, as obras e serviços das
ferrovias sob a administração do Governo consumiram mais de 59% de todos os gas-
tos realizados pelo Estado na promoção do desenvolvimento econômico regional rela-
cionando-se, basicamente, com serviços e obras da Estrada de Ferro Sorocabana, que
interligava uma das últimas fronteiras agrícolas do Estado ( Tabela 5 do Apêndice
Estatístico).
Desse modo, podemos concluir que a política de gastos com a promoção do
desenvolvimento econômico do Estado foi orientada, fundamentalmente, no sentido
de subsidiar com obras e serviços setores da economia paulista onde os capitais priva-
dos não se interessavam em atuar -, ou para obras e serviços que, pelas suas próprias
características, somente ao Estado cabia prover (como, por exemplo, os serviços de
urbanização das Cidades de Santos, de São Paulo ou de Campinas). O grande volume
de capitais concentrados na região contribuiu para que a ação governamental fosse
menos requisitada em setores estratégicos da economia. Com efeito, o sistema de trans-
porte ferroviário (com exceção da Estrada de Ferro Sorocabana) era basicamente ad-
ministrado por empresas privadas e apresentava um alto grau de eficiência, expandin-
do-se sob a orientação das novas lavouras de café. O mesmo acontecia com o sistema
de comunicações, e o de rodovias.
Acreditamos que, pelo fato de a economia cafeeira conseguir atrair capitais sufi-
cientes para que outros setores estratégicos se desenvolvessem, sem a necessidade de
interferência do Estado (como ferrovias, sistema financeiro, comércio exportador), a
ação do Governo foi menos requisitada na definição de políticas de gastos necessários
à promoção do desenvolvimento econômico regional. Tal ação se pautou, então - e
dentro dos limites dos gastos orçamentários -, na busca da produção de bens e serviços
que, pelas suas características de apropriação pelo público - como o saneamento, a
urbanização, ou os serviços de imigração - somente poderiam ser prestados pelo Esta-
do.
É fora da análise orçamentária, assim, que se identifica uma incrível identidade
entre os interesses da cafeicultura e os interesses do Estado - consubstanciada na polí-
tica de valorização do café. Nesse sentido, a cafeicultura e o Estado identificavam-se
na defesa de seus interesses, na medida em que os problemas da primeira eram apre-
sentados como problemas a serem resolvidos por toda a sociedade paulista. Essa iden-
tidade de interesses, a partir de 1906, iria ultrapassar o âmbito estadual, atingindo o
federal, através da primeira operação de valorização do café.
Conclusão
-233-
cada região, a ação do poder público, principalmente no Rio Grande do Sul, não foi
somente um reflexo das demandas econômicas regionais.
No nível de suas regiões, os Estados paulista e sul-rio-grandense desenvolveram
políticas que priorizaram um determinado modelo de acumulação de capital. Em São
Paulo, a prioridade da política econômica foi aprimorar o modelo agroexportador do-
minante, baseado nas exportações de café ao mercado internacional. No Rio Grande
do Sul, a prioridade foi reorientar o modelo de acumulação dominante - baseado na
pecuária — para um modelo mais diversificado de desenvolvimento econômico, tendo
por base a agricultura colonial.
Com efeito, a política de gastos com a promoção do desenvolvimento econômico
foi orientada, em São Paulo, no nível orçamentário, no sentido de produzir bens públi-
cos indispensáveis ao desenvolvimento urbano dos principais centros comerciais do
Estado. Além disso, o Governo paulista buscou desenvolver a infra-estrutura física
necessária ao sistema de produção e comercialização do café - através de investimen-
tos estatais especialmente aplicados em ferrovias e em armazéns para estoque do café
- como também procurou promover uma política imigracionista que objetivava basi-
camente a formação de mão-de-obra para as lavouras cafeeiras. Fora da ação orçamen-
tária, o Estado foi requisitado para auxiliar as operações de valorização do café, bem
como para auxiliar, através de créditos, os cafeicultores endividados nos momentos de
crise (LOVE, 1982).
No Rio Grande do Sul, a política de gastos do Governo foi também orientada no
sentido de auxiliar a promoção do desenvolvimento econômico regional. Todavia ela
foi marcada por dois pontos que a distinguiram completamente da política de gastos
do Estado de São Paulo. Em primeiro lugar, foi direcionada em razão das deficiências
apresentadas pela economia estadual. A falta de condições materiais adequadas ao
pleno desenvolvimento da estrutura produtiva da região demandou uma ação mais
intensa do Governo em função da carência de capitais (aspecto sob o qual o Rio
Grande do Sul se diferenciava completamente de São Paulo). Em segundo lugar, a
atuação do poder público com o propósito de promover o desenvolvimento econômico
foi orientada segundo um modelo pré-concebido de Estado e de sociedade e obedeceu
a um projeto de governo que tinha por fim modificar a estrutura produtiva da região,
bem como as relações de poder político a nível estadual. Desse modo, a política de
gastos do Governo buscou reorientar o modelo de acumulação de capital então domi-
nante - baseado na pecuária e nos seus subprodutos - em direção a uma estrutura
produtiva mais diversificada e moderna, tendo por base a agricultura. Assim, as polí-
ticas de gastos desenvolvidas com o objetivo de promover o desenvolvimento econô-
mico nos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo guardaram diferenças funda-
mentais ao longo da Primeira República. Além de ter sido muito mais requisitado no
sentido de promover o desenvolvimento econômico de setores estratégicos do Estado,
o Governo sul-rio-grandense, quando interveio no âmbito econômico, buscou atender
às demandas de setores produtivos que ainda não se haviam constituído como domi-
nantes na região (agricultura colonial). Desse modo, a política de gastos do Governo,
no nível orçamentário, foi decisiva na promoção de transformações na estrutura pro-
dutiva do Rio Grande do Sul, contribuindo para a passagem de uma economia baseada
na pecuária, e em crise constante, para uma economia diversificada e dinâmica tendo
por base a agricultura mercantilizada.
-234-
Acreditamos que, em função das políticas estatais explicitadas ao longo deste
trabalho, deve ser revista a idéia, generalizada entre a historiografia brasileira, de que
foi somente a partk da Revolução de 1930 que o Estado brasileiro passou a desempe-
nhar um papel mais importante na economia nacional. Cremos que, no âmbito estadu-
al, e, principalmente, no Rio Grande do Sul, a atuação do Estado na promoção do
desenvolvimento econômico tenha sido fundamental para modernizar as estruturas
arcaicas herdadas do Império.
-235-
FEE-CEOOC
BÍBLK)TECA
Apêndice Estatístico
Tabela l
Taxa média geométrica de crescimento real, por funções e programas selecionados,
das despesas dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo - 1893-1929.
-237-
Tabela 3
Gastos por funções e programas selecionados anualmente, do Estado de São Pau-
lo-1893-1929.
(valores reais em réis de 1912)
DISCRIMINAÇÃO 1893 1897 1912 1916 1929
PROMOÇÃO DO
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO 15.970.251.650 17.260.247.012 23.850.088.284 10.745.723.412 39.319.366.959
Agricultura 4.497.372.158 5.030.375.558 7.588.757.752 2.052.267.070 7.784.136.376
Indústria e Comércio 39.495.150 31.228.876 165.230.340 25.358.986 218.567.879
Infra-estrutura e Serviços 11.433.384.342 12.198.642.579 16.096.100.192 8.668.097.365 31.316.662.704
Transportes 1.642.355.078 1.922.433.418 4.560.272.345 4.375.130.409 23.662.671.616
Transporte Rodoviário 685.843.660 605.796.525 1.815.039.392 1.223.021.583 0
Transporte Ferroviário 70.501.359 386.637.649 2.504.373.819 2.962.681.899 23.398.693.295
Transporte Hidroviário 48.602.492 32.722.914 240.859.134 189.426.927 263.978.321
Diversas Obras Públicas 837.407.567 897.276.331 0 0 0
Energia e Recursos Minerais 421.220.448 477.634.635 796.440.549 1.549.087.903 1.343.202.928
Habitação e Urbanismo 0 0 3.329.671.900 0 348.295.484
Saneamento Público 9.369.808.816 9.798.574.526 7.409.715.398 2.743.879.054 4.940.429.926
Comunicações 0 0 0 0 1.022.062.751
DESPESA GERAL DO ESTADO 49.899.781.583 48.522.307.701 96.643.449.415 62.190.072.790 162.834.498.040
Fonte dos dados brutos: Relatórios da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo
(1893-1930).
Nota: Deflator: índice de preços 1912=100 (LOVE, 1982, Apêndice C, Coluna Cl).
Tabela 4
Percentuais de participação das funções e dos programas no total dos gastos com a
promoção do desenvolvimento econômico do Estado do Rio Grande do Sul - 1893-
1929.
-238-
Tabela 5
Percentuais de participação das funções e dos programas no total dos gastos com a
promoção do desenvolvimento econômico do Estado de São Paulo - 1893-1929.
Gráfico l
Percentuais sobre a Receita Ordinária dos déficits e/ou superávits orçamentários do
Rio Grande do Sul - 1893-1929.
3D
20
10
O li
-10
-20
-30
-40
93 96 98 00 02 04 06 08 1 0 1 2 14 16 18 20 22 24 27 29
94 97 99 01 03 05 07 09 11 13 15 17 19 21 23 26 28
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Fonte dos dados brutos: Relatórios da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Gran-
de do Sul (1893-1930).
-239-
Gráfico 2
Percentuais sobre a Receita Ordinária dos déficits e/ou superávits orçamentários do
Estado de São Paulo - 1893-1930.
30
20
10
-10 l
-20
-30
-40
-50
-60
-70
939597 OC 02 040508 10 12 U 15 1820 22 2426 28
94 96 99 01 0305 07 09 1 1 13 15 17 19 21 23 25 2729
Fonte dos dados brutos: Relatórios da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo
(1893-1930).
Gráfico 3
Participação percentual na Despesa Geral dos gastos com a promoção do desenvolvi-
mento econômico do Rio Grande do Sul e de São Paulo — 1893-1929.
83 96 9B O! 03 05 07 09 11 13 15 \B 20 22 24 27 28
84 97 00 02 04 06 08 10 12 14 16 !9 21 23 26 28
Fonte dos dados brutos: Relatórios das Secretarias da Fazenda dos Estados do Rio
Grande do Sul e São Paulo (1893-1930).
-240-
Abstract
-241-
Escriton°9 l£-SüOOó786-i
Este estudo apresenta os resultados de um trabalho realizado com base no cálculo dos índices de Gini
e de Theil de concentração e distribuição da posse da terra para vários agregados de São Paulo e do
Rio Grande do Sul.
Engenheiro Agrônomo do Núcleo de Estudos Agrários da FEE e mestrando em Sociologia na UFRGS.
Os dados constantes dos censos agropecuários referem-se aos estabelecimentos agropecuários. Como
o conceito de estabelecimento tem por fundamento a administração da exploração agrícola, os dados
apresentados pelo IBGE dizem respeito à distribuição da posse da terra. De outro lado, os levantamen-
tos realizados pelo INCRA, a partir de 1965, traduzem a estrutura de distribuição da propriedade da
terra, uma vez que a unidade de coleta é o imóvel rural, relacionado à propriedade jurídica.
Acreditamos que as estruturas de distribuição da propriedade e da posse apresentam características
semelhantes, conforme se pode observar comparando os indicadores de concentração dos levanta-
mentos contemporâneos realizados por esses dois órgãos.
Á partir deste momento, regiões será o termo utilizado para denominar os agregados de maior signifi-
cação. Ademais, nesta pesquisa, encaramos que as experiências nesses dois estados na apropriação
das terras têm uma abrangência que supera seus limites políticos. Assim, observa-se um espraiamento,
em termos espaciais, da via de desenvolvimento seguida em cada um dos estados em estudo, sendo
que sub-regiões do Paraná, do Mato Grosso do Sul e de Minas Gerais constituem parte do caso paulista,
assim como o caso gaúcho foi vivenciado em Santa Catarina e em parte do Paraná.
-243-
regionalização exibe as diferenças entre os dois estados e permite demonstrar que dis-
tintos caminhos foram seguidos na apropriação e uso dos solos, fato este que, certa-
mente, determinou, também, diferenças no desenvolvimento econômico de cada um
desses estados.3 Considerando-se que a regionalização aqui proposta relaciona-se di-
retamente aos meios rurais desses dois estados, deve-se ter por fundamento o caráter
histórico da apropriação e do uso dos solos.
Os dados agregados levam-nos a crer que, em ambas as regiões, as estruturas
agrárias se caracterizam pela coexistência de grandes propriedades e pequenas posses,
apresentando uma alta desigualdade na distribuição da terra. Resumidamente, a estru-
tura agrária caracteriza-se pela presença, de um lado, das grandes propriedades, privi-
legiadas nas ações governamentais, sendo administradas pelo próprio proprietário - o
fazendeiro-empresário -, e, de outro, das pequenas posses, numericamente bem supe-
riores, dedicadas, geralmente, à produção de subsistência e funcionando, em vários
casos, como fornecedoras de alimentos e de mão-de-obra. Todavia, no caso gaúcho, a
análise dos dados sub-regionais mostra-nos a presença de outras estruturas agrárias,
existindo, de um lado, áreas em que predomina a pequena propriedade familiar e, de
outro, atividades onde o arrendamento da terra implica a distinção entre proprietário e
empresário.4
Convém salientar que os dados de concentração da distribuição da posse da terra
no Rio Grande do Sul são próximos dos de São Paulo - até superiores -, haja vista
existirem sub-regiões gaúchas, significativamente importantes em termos de superfí-
cie, onde a grande propriedade é dominante, como na parte sul do Estado. É importan-
te, por outro lado, notar que em ambas as sub-regiões gaúchas as terras foram incorpo-
radas tendo por orientação o povoamento e a ocupação do território fronteiriço com os
países platines. Resumidamente, após a apropriação do sul do Estado, a ocupação das
áreas de mata, localizadas, em grande parte, na serra e que não apresentavam atrativos
aos grandes proprietários da região da Campanha, demandou um outro encaminha-
mento por parte dos Governos Central e Provincial. É por essa razão que, nas sub-
regiões da parte norte do Estado se vivenciou uma experiência de apropriação das
terras baseada na pequena propriedade, no trabalho familiar, na policultura, ou seja, o
desenvolvimento por meio da chamada viafarmer.
No caso paulista, uma regionalização já utilizada por diversos autores baseia-se
no "desenho" deixado pela expansão da lavoura cafeeira e das ferrovias. Como nosso
ponto de partida se situa em 1920 (ano do primeiro censo nacional que contém os
dados sobre a estrutura da posse da terra), época em que o desenvolvimento da cultu-
Ver o trabalho de Antônio Barros de Castro, que discute as relações entre a agricultura e o desenvol-
vimento econômico (Castro, 1977).
De modo caricatural, os dados agregados indicam a proeminência de uma via úpojunker para ambas
as regiões, e, de outra parte, os dados sub-regionalizados exibem - especialmente no caso gaúcho - a
coexistência de experiências de tipos farmer, "via inglesa" e junker. É interessante adiantar que a
ocupação do Paraná se dará baseada no encontro ou no embate entre esta primeira via gaúcha e a
paulista baseada na ascendência da grande propriedade.
-244-
rã cafeeira era a principal razão da ocupação e uso dos solos, a regionalização
baseada na expansão cafeeira e na das estradas de ferro mostra-se a mais apropriada
aos nossos objetivos. Além disso, a expansão da lavoura cafeeira foi fundamental na
total apropriação das terras paulistas. Por outro lado, essa regionalização parece-nos
perder sua validade após a década de 40, uma vez que novas determinações econômi-
co-sociais transformaram o desenho espacial gerado pelas estradas de ferro e pelo
desenvolvimento cafeeiro. Ademais, como veremos, as sub-regiões cafeeiras apresen-
tam uma grande homogeneidade no que se refere à estrutura fundiária, sendo, portan-
to, fundamental o uso de outros critérios na construção de uma regionalização, que
levem em consideração fatores diferenciadores - industrialização, atividades
agropecuárias preponderantes, urbanização, etc.5. Um último aspecto a salientar diz
respeito à sua adequação espacial no tempo, uma vez que, somente no interior do
"Oeste Paulista" (Sub-Regiões Araraquarense, Noroeste e Alta Sorocabana), se verifi-
cam variações na superfície territorial.
No caso gaúcho, há um recorte já clássico, no qual se distinguem três segmentos,
a saber: a pecuária tradicional, a agropecuária colonial e a lavoura empresarial.6 Uma
regionalização fundamentada nesse recorte basear-se-ia na escolha de cultivos e cria-
ções típicos de tais segmentos, utilizando-se, portanto, os dados sobre a produção des-
tes nos diversos municípios para, posteriormente, construir os diferentes agregados.
Essa proposta de subdivisão do espaço agrícola gaúcho é, ao nosso ver, falha, uma vez
que existiriam sobreposições espaciais entre a lavoura empresarial e os outros dois
segmentos - pecuária tradicional e agropecuária colonial. O procedimento descrito
acima sofreria diversos problemas, uma vez que se perde a variável histórica,7 além de
associar distintos espaços geográficos - com grandes diferenças topográficas, étnicas
e, principalmente, fundiárias - e distinguir espaços similares. Corre-se o risco, tam-
bém, de criar, em determinados espaços do Estado, especialmente no Planalto Médio e
no Alto Uruguai, uma espécie de colcha de retalhos entre os segmentos, no caso, a
lavoura empresarial e a agropecuária colonial. As culturas da soja e do trigo são as
principais responsáveis por esses problemas, haja vista que suas produções estão pre-
sentes tanto em locais caracteristicamente de agropecuária colonial como de lavoura
empresarial. Outras atividades, principalmente aquelas relacionadas à transformação
agroindustrial (aves, fumo, suínos), são próprias de produtores tipicamente coloniais
(familiares), requerendo, no entanto, grau tecnológico, inserção nos mercados e po-
tencial de acumulação próprios de atividades empresariais. No caso da rizicultura não
O trabalho de Tartaglia e Oliveira (1988) publicado pela Fundação SEAD apresenta outra
regionalização, baseada nas Divisões Regionais Agrícolas (DIRAs), instrumento de ação governa-
mental. Este novo desenho regional de São Paulo hoje vem a ser uma questão importante, mas foge ao
escopo do presente trabalho.
Essa "regionalização" encontra-se presente em Schilling (1961), INCRA (1973), FEE (1978) e Presser
(1978).
Tal afirmação se baseia no fato de determinados cultivos e criações mudarem suas características de
produção, as quais determinam a tipificação (classificação) de agricultura colonial e de lavoura em-
presarial. Em razão disso, por vezes, classificam-se como coloniais regiões empresariais e vice-versa.
-245-
se observam problemas dessa ordem, pois sua ocupação ocorreu, inicialmente, num
espaço regional determinado e apresenta características bem particulares - arrenda-
mento, assalariamento, desenvolvimento tecnológico - diferentemente, inclusive, dos
outros cultivos ditos empresariais. Porém o avanço da rizicultura irrigada na Campa-
nha, região típica da pecuária tradicional, significa, também, sobreposições entre esse
segmento e a lavoura empresarial. O trabalho realizado pelo INCRA utiliza-se de ou-
tros critérios, além da distinção desses três segmentos produtivos, na efetivação de
uma proposta de regionalização, tais como estrutura de distribuição da terra, capacida-
de e uso dos solos, nível tecnológico, produtividade dos recursos, renda e produção,
etc. É importante notar que, dentre os trabalhos citados, este é o único a realizar uma
regionalização, sendo que as sub-regiões constituídas mostram-se muito próximas às
nossas, evidenciando, no nosso entender, a ascendência da estrutura fundiária dentre
os critérios selecionados.
Acreditamos que se deve regionalizar baseando-se nos móveis (motivações) da
apropriação e uso dos solos, restando, é claro, apreender as transformações ocorridas
nessas sub-regiões, que acarretaram, em alguns casos, uma maior similaridade e, em
outros, uma maior diferenciação entre esses espaços. Assim, no Rio Grande do Sul,
realizamos uma regionalização fundamentada em três ordens de móveis de ocupa-
ção: o pecuário-militar, que se estendeu pela Campanha, pela Serra do Sudeste, pelas
margens da Lagoa dos Patos e por áreas da Depressão Central; a imigração e coloni-
zação em pequenas propriedades; e o desenvolvimento da rizicultura na Depressão
Central e nas margens da Lagoa dos Patos.
"De uma zona pioneira, em geral, só falamos quando, subitamente, por uma causa qualquer, a expan-
são da agricultura se acelera, quando uma espécie de febre toma a população das imediações e se
inicia o afluxo de uma forte corrente humana. Em outras palavras: quando a agricultura e o povoa-
mento provocam o que os americanos denominam em sua linguagem comercial um boom ou rush"
(WAIBEL, 1979b, p. 282).
-246-
No caso paulista, o desenvolvimento e a penetração da cultura do café mostram-
se como o principal critério para basear-se a regionalização, uma vez que, em 1920,
era esse cultivo o móvel por excelência da apropriação e do aproveitamento dos solos
do Estado. Cabe observar que algumas áreas do Estado de São Paulo já haviam sido
ocupadas antes do surto cafeeiro, como as zonas de Jundiaí, de Piracicaba e de Sorocaba,
através dos cultivos da cana-de-açúcar e do algodão, das relações com a região da
mineração, especificamente o mercado de animais de trabalho e o fornecimento de
mão-de-obra, e da formação das Bandeiras. Porém esses móveis não acarretaram a
consolidação desses espaços agrários, nem os caracterizaram como zonas pioneiras.
Foi com a atividade cafeeira que essas sub-regiões, Norte e Central, "completa-
ram" a apropriação de suas terras e definiram um desenho de estrutura fundiária. Em
São Paulo, a Sub-Região Norte, que foi a pioneira no cultivo do café, encontrava-se,
em 1920, em decadência. Enquanto isso, a Sub-Região Central vivenciava um proces-
so de estagnação. Nessa época, era nas Sub-Regiões Mojiana, Paulista e Araraquarense
que a lavoura cafeeira vivia seu auge, avançando rumo ao oeste, ou seja, para as Sub-
Regiões Noroeste e Alta Sorocabana. Estas últimas são aquelas que se pode considerar
como as zonas pioneiras do Estado nesse momento, juntamente com a porção mais
ocidental da Araraquarense (MONBEIG, 1984 e MILLIET, 1982).
No Rio Grande do Sul, a regionalização tem por fundamento a distinção geográ-
fica entre as regiões de planícies, ao sul, e a serrana, ao norte, limitadas pela Depressão
Central, onde correm os rios Jacuí e Ibicuí (SINGER, 1977, p. 141). Além da variável
geográfica, há significativas diferenças tanto em relação à época e à forma de ocupa-
ção quanto ao tipo de propriedade e atividade agropecuária existentes nesses espaços.
Na parte meridional, tem-se o predomínio da grande propriedade dedicada à pecuária,
em função da geografia, física e política, dessa sub-região. A Campanha teve como
principais móveis de ocupação a sua situação fronteiriça com a Argentina e o Uruguai
e as apropriadas condições para a criação bovina.9 Acompanhou a delimitação das
fronteiras mais meridionais do Brasil pelas armas, aquela baseada na apropriação e na
exploração dos solos por meio de concessões de propriedades, como, por exemplo, aos
militares, aos milicianos e a outros servidores da Metrópole. Cabe observar, também,
que várias vilas e cidades foram fundadas tanto nessa área como nas margens do rio
Jacuí, ou seja, na Depressão Central. Nestas últimas regiões ocorreu o assentamento
de colonos açorianos, ainda no contexto desse processo de embates na delimitação da
fronteira com os países do Prata, tendo se baseado na distribuição de propriedades
A importância do Rio Grande do Sul no fornecimento de gado para o corte e o transporte está intima-
mente relacionada ao desenvolvimento das Missões. Com a retirada dos jesuítas, pressionados por
espanhóis e portugueses (Bandeirantes), ficaram livres os rebanhos de gado, trazido pelos primeiros.
O arrebanhamento destes nas áreas da Campanha, da Depressão Central e das Vacarias foi um impor-
tante fator na ocupação do Rio Grande do Sul (TARGA, 1991, p. 311).
-247-
médias.10 Tais fatos datam dos séculos XVIII e XIX, encontrando-se algumas dessas
áreas substancialmente apropriadas quando do primeiro cadastro rural existente, reali-
zado em 1785.
Na parte norte, o motor da apropriação das terras foi o processo de colonização
com imigrantes alemães, italianos e seus descendentes. Convém observar que esse
processo teve várias fases, quais sejam: a primeira, de 1824 a 1870, quando da coloni-
zação do "Pé-da-Serra", vales dos rios Caí, Sinos e Taquari, com imigrantes alemães;
a segunda, de 1874 a 1914, principalmente com imigrantes italianos na região conhe-
cida por Encosta Superior da Serra; e, finalmente, após 1914, a colonização ocorreu
em certas áreas do Planalto Médio e, em grande parte, do Alto Uruguai, apresentando
um caráter misto quanto aos grupos étnicos, ou seja, havia alemães, italianos, descen-
dentes dos primeiros colonos e "nacionais"." É fundamental ter presente que essas
regiões não apresentavam nenhum tipo de atrativo aos pecuaristas, visto serem áreas
com vegetação predominantemente de matas e relevo acidentado.
Na parte sul do Estado, pode-se distinguir uma sub-região caracterizada pela evo-
lução do arroz irrigado, a partir dos anos 20 do atual século, localizando-se, inicial-
mente na área compreendida entre o rio Jacuí e a Lagoa do Patos. Essa sub-região,
ainda que apropriada anteriormente nos mesmos moldes da Campanha, atravessou,
nas três primeiras décadas do século, transformações com a introdução da rizicultura
irrigada.
Na porção norte do Estado, construímos duas sub-regiões, a saber: Missões e
Planalto Médio. Essas sub-regiões, em função da topografia menos acidentada e da
vegetação mista — campos e matas -, não foram objeto privilegiado da imigração e
colonização, sendo relativamente atrativas aos grandes proprietários. No caso das
Missões, como vimos, tal área foi o nascedouro dos rebanhos gaúchos, e o Planalto
Médio teve um papel importante na comunicação com o centro do País, quando do
fornecimento desses rebanhos e de animais de carga. Soma-se a isso o desenvolvimen-
to, nesta última sub-região, da triticultura, a partir dos anos 40.
Com a finalidade de facilitar a apreensão do texto, apresentamos a seguir os ma-
pas regionalizados dos dois estados. Estes mapas foram elaborados utilizando-se a
divisão municipal de 1980, pois, dessa forma, poder-se-á visualizar melhor o processo
de delimitação geográfica de cada uma das sub-regiões.
10 Roche (1969, p. 23-25) enumera várias cidades-vilas criadas tanto em função da imigração açoriana
como baseadas na fundação de fortificações e na distribuição de terras aos milicianos. No caso da
Depressão Central e do Vale do Jacuí, criaram-se as seguintes paroquias no decorrer do século XVni:
Rio Pardo (1769), Santo Amaro (1773), Triunfo (1754), Taquari (1795). Outras paróquias na região
do Litoral e da Campanha também foram criadas, como Santo Antônio da Patrulha (1795), Pelotas
(1806, com o povoamento iniciado em 1780), Encruzilhada (estabelecida em 1770), Erval (nascida ao
redor de acampamento em 1791), Canguçu e Caçapava (criados em 1800).
11 A ocupação das terras de áreas do Planalto Médio e do Alto Uruguai iniciou-se em fins do século
passado, tendo, após 1914, ganhado corpo e se expandido para o sudoeste de Santa Catarina. Há que
se salientar que a apropriação de terras pelos descendentes dos imigrantes ocorreu desde meados do
século XDC, com a expansão da colonização alemã, primeiramente italiana, através de suas gerações
seguintes, e, finalmente, com a presença de ambas as etnias e de "nacionais".
-248-
Mapa l
Mapa da Regionalização de São Paulo
Mapa 2
Mapa da Regionalização do Rio Grande do Sul
-249-
Destaca-se que existem áreas dos estados que não foram objeto de análise. Em
São Paulo, foram descartadas, de uma parte, a Região Metropolitana e a Baixada
Santista, devido à quase inexistência de atividades agropecuárias e, de outra, as Sub-
Regiões Litoral Sul e Baixa Sorocabana, cujas terras não foram apropriadas na expan-
são cafeeira, caracterizando-se, ainda hoje, pela presença de terras devolutas. No Rio
Grande do Sul, foram descartadas as áreas litorâneas, a Serra do Sudeste e os Campos
de Cima da Serra (Vacaria e São Francisco de Paula), em função de sua pequena signi-
ficação no conjunto da atividade agrícola do Estado. Concretamente, nos dois estados,
as áreas estudadas perfazem 85% da superfície territorial total.12
Existe uma série de dificuldades na efetivação da regionalização, principalmente
as derivadas da criação de novos municípios. O desmembramento de municípios13
ocorre principalmente nas áreas de fronteira ou de ocupação mais recente, tornando-se
comuns, nessas zonas, variações significativas da superfície territorial. Conseqüente-
mente, as variações, no caso gaúcho, concentram-se no Alto Uruguai, como também
em suas sub-regiões vizinhas, o Planalto Médio e as Missões; enquanto, no caso de
São Paulo, situam-se nas três sub-regiões do Oeste Paulista, principalmente na Noro-
este e na Alta Sorocabana. As demais sub-regiões, grosso modo, não sofreram grandes
modificações em suas áreas territoriais, chamando atenção as estabilidades nos casos
da Campanha e do Norte Paulista. É importante salientar que a delimitação política
das fronteiras sub-regionais ocorreu posteriormente ao desenho agrário (econômico)
das sub-regiões. Tal fato é corroborado pelo estudo dos mapas de divisão municipal,
anteriores e posteriores a 1920, uma vez que, no período entre 1900 e 1940, ocorreram
vários desmembramentos nas sub-regiões de ocupação intermediária e vizinhas às fron-
teiras.
Esses movimentos de acomodação demonstram o caráter restrito da regionalização
baseada na preservação das superfícies territoriais, ou seja, fundamentados nos limites
políticos. O caso do Alto Uruguai, cuja demarcação se encontrava muito frágil nos
censos de 1920 e 1940, demonstrou que o melhor recorte não deve limitar-se à coerên-
cia geográfica; para alguns pesquisadores, estatística. Nesse sentido, a discussão de
Waibel acerca do termo/raníier- fronteira -, em seu trabalho sobre as zonas pioneiras
brasileiras, distingue a fronteira econômica da política.14
12 É interessante observarmos que os dois estados apresentam superfícies territoriais próximas, sendo de
265.037km2 para o Rio Grande do Sul e de 248.600km2, para São Paulo.
13 Outras dificuldades dizem respeito à extinção de municípios, à alteração de seus nomes e à pouca
confiabilidade dos dados (1920, 1950 e 1960).
14 "E, enquanto, a fronteira como limite político representa uma linha nitidamente demarcada, a frontei-
ra no sentido econômico é uma zona, mais ou menos larga, que se intercala entre a mata virgem e a
região civilizada. A esta zona damos o nome de zona pioneira." (WAIBEL, 1979, p. 281)
-250-
FEE-CEDOCÍ
B íi.rT5; i l
Logo, quando se pretende estudar a evolução da estrutura fundiãnaTos limites ~
políticos e, por conseguinte, a preservação dos limites geográficos das sub-regiões é
de menor importância que a apreensão das transformações ocorridas nos limites des-
tas, em razão do processo de apropriação das terras.
É claro que a impossibilidade de se preservar um mesmo contorno geográfico
para algumas sub-regiões dificulta o estudo de uma série temporal longa, e, nesse
sentido, é importante elucidar as transformações ocorridas na delimitação de cada uma
das sub-regiões e o momento em que seus limites são consolidados. Deve-se de outra
parte, considerar que essa delimitação geográfica é demonstrativa da "idade" da ocu-
pação da sub-região em questão.
Concluindo, verificamos que, no caso gaúcho, existem mudanças consideráveis
nos contornos das regiões, enquanto, em São Paulo, ainda que os dados possam indi-
car uma variação importante de superfície territorial, o desenho, "tipo leque", das sub-
regiões cafeeiras já se encontrava razoavelmente determinado, desde 1920, espraian-
do-se ao longo dos eixos ferroviários.
2 - O Censo de 1920
-251-
2.1 - Sub-regiões apropriadas e de fronteira
-252-
Tabela l
Participação percentual da área total na superfície territorial e da área de lavouras na
área total nas regiões gaúcha e paulista - 1920.
-253-
Sérgio Milliet (1982) e Angela Kageyama (1979) também realizam a agregação
das sub-regiões em três grupos, associando, no entanto, a Sub-Região Central às Sub-
Regiões Mojiana e Paulista, denominando-as Zonas Cafeeiras Intermediárias. Acredi-
tamos que essa associação é válida no que se refere à participação na produção cafeeira
regional e à época de penetração dessa cultura, sendo inapropriada quanto ao grau de
concentração da propriedade da terra (índice de Gini e área média).
-254-
Tabela 2
Indicadores da concentração da posse da terra, área média e número de estabelecimen-
tos nas regiões gaúcha e paulista - 1920.
-255-
considerando-se, também, os dados referentes ao Alto Uruguai, observa-se o alto nível
de concentração da posse da terra nas áreas gaúchas da grande e média propriedade,
situando-se pouco acima dos dados paulistas. O reflexo dessa clivagem, no Rio Gran-
de do Sul, entre áreas com altos níveis de concentração da posse da terra e sub-regiões
de pequena propriedade, é um índice de Gini superior ao de São Paulo.
Tabela 3
Concentração da posse da terra, apropriação das terras, utilização dos solos, relação
entre terras e população e participação da população agrícola em São Paulo, no Rio
Grande do Sul e em sub-regiões selecionadas - 1920.
-256-
I FEE-C/cDUÜ
BBUOTECA
370.847ha, enquanto, no caso da Colonial, tais dados somam l .439.860ha e 349.808ha.
Ademais, podemos considerar essas áreas contemporâneas na consolidação de suas
agriculturas.
Assim sendo, o café mostra-se um móvel mais "veloz" de apropriação das terras,
haja vista que as Sub-Regiões Norte e Central já haviam sido varridas pela expansão
cafeeira. Tal velocidade é característica do potencial acumulativo do complexo cafeei-
ro, levando, inclusive, à uma homogeneização do espaço agrário paulista.
Por fim, observamos que o uso dos solos na Sub-Região Colonial é significativa-
mente mais intenso vis-à-vis às Sub-Regiões Mojiana e Paulista, contendo, inclusive,
terras de manejo mais difícil. Isso se deve a dois fatores: o cultivo do café concentrava-
se nas terras de melhor qualidade, e havia a necessidade de uma intensificação na
produção familiar, em razão do esgotamento das terras e do incremento populacional
na Colonial.
Tabela 4
Evolução da participação da área total na superfície territorial em São Paulo e no Rio
Grande do Sul - 1920-1960.
-257-
A interpretação dos dados presentes na Tabela 4 esclarece que, no período 1920-
40, se consolidaram os espaços agrários das regiões com algumas terras "livres" e das
sub-regiões de fronteira de São Paulo. Somente no Alto Uruguai, o nível de apropria-
ção das terras, em 1940, está longe dos dados observados no final da série, verifican-
do-se a extensão do processo de consolidação da estrutura de distribuição da posse da
terra até os anos 50. A velocidade e a magnitude na apropriação e no uso das terras em
São Paulo estão, também, explicitados na participação das áreas de lavouras na área
total, ilustrando o maior poder de crescimento (acumulação) paulista.
Os móveis de apropriação das terras devem ser interpretados na sua relação com
o processo de desenvolvimento econômico nacional, consubstanciado na industriali-
zação, na urbanização e na integração das economias e das sociedades regionais. Nes-
sa direção, o caminho gaúcho da pequena propriedade — voltada para o mercado inter-
no e cujo papel geopolítico é tão importante quanto o econômico - frente ao caso
paulista de ascendência da empresa cafeeira restringia a formação de um mercado de
trabalho urbano, fundamental no processo de industrialização. No Rio Grande do Sul,
não se verificava a existência de um proletariado agrário, presente em São Paulo, e o
móvel de apropriação de boa parte de seu território baseava-se na reprodução da pro-
priedade colonial familiar, reduto dos maiores contingentes populacionais. Vários au-
tores observaram no Censo de 1920 que os níveis salariais gaúchos se situavam em
patamares superiores aos de São Paulo, reflexo do caráter mais "democrático" de aces-
so à terra no Rio Grande do Sul.
-258-
Tabela 5
Evolução de indicadores da concentração da posse da terra em São Paulo e no Rio
Grande do Sul - 1920-1980.
ESTADOS E VARIÁVEIS 1920 1940 1950 1960 1970 1980
Rio Grande do Sul
índice de Gini 0,800 0,766 0,760 0,755 0,756 0,762
Média(ha) 148,7 88,6 77,0 57,0 46,5 50,7
Mediana(D)(ha) 33,7 24,5 22,4 16,3 13,6 14,0
índice de Theil 0,836 0,808 0,819 0,826 0,810 0,805
São Paulo
índice de Gini 0,766 0,772 0,771 0,795 0,779 0,774
-259-
Tabela 6
Evolução do índice de Gini das sub-regiões paulistas e gaúchas - 1920-1985.
SUB-REGIÕES Í92Õ Í94Õ Í95Õ Í96Õ Í97Õ Í975 1980 1985
1° grupo:
Missões-RS ... 0,818 0,805 0,800 0,813 0,810 0,795 0,807 -
Noroeste-SP ... 0,792 0,771 0,772 0,816 0,817 - 0,800 -
Alta Sorocabana ,809 0,785 0,798 0,818 0,810 - 0,783 -
Central-SP ......... 0,706 0,735 0,735 0,755 0,765 - 0,771 -
Campanha-RS ... 0,753 0,781 0,751 0,773 0,768 0,771 0,756 0,753
Orizícola-RS ... 0,803 0,777 0,776 0,763 0,758 0,756 0,755 0,764
2° grupo
Pauüsta-SP ... 0,760 0,761 0,756 0,759 0,754 - 0,748 -
Mojiana-SP ... 0,758 0,768 0,754 0,756 0,749 - 0,743 -
3° grupo
Araraquarense-SP ... 0,723 0,739 0,752 0,760 0,719 - 0,713 -
Norte-SP ... 0,729 0,768 0,723 0,745 0,724 - 0,693 -
Planalto Médio-RS ... 0,788 0,732 0,718 0,711 0,705 0,711 0,716 -
4° grupo
Alto Uruguai-RS ... 0,714 0,526 0,476 0,516 0,524 0,530 0,545 0,550
Colonial-RS ... 0,443 0,439 0,444 0,460 0,469 0,473 0,480 0,488
FONTE DOS DADOS BRUTOS: CENSO AGRÍCOLA 1920-50-60: Rio Grande do
Sul, São Paulo (1926, 1927, 1955, 1956,
1967,1970). Rio de Janeiro: IBGE.
CENSOS ECONÔMICOS; agrícola, industrial,
comercial e dos serviços 1940: Rio Grande
do Sul, São Paulo (1950). Rio de Janeiro:
IBGE.
CENSO AGROPECUÁRIO 1970-75-80-85: Rio
Grande do Sul, São Paulo (1974,1975,1979,
1984, 1991). Rio de Janeiro: IBGE.
-260-
índice de Gini do Estado, deve-se, provavelmente, a sua situação intermediária entre a
Campanha e o Alto Uruguai. Ou seja, em seu interior existem estabelecimentos carac-
terísticos dessas duas áreas, vindo a reforçar a desigualdade, portanto, a concentração
da distribuição da terra.
A Mojiana e a Paulista formam o segundo grupo de sub-regiões presentes na
Tabela 6, nas quais observamos uma alta estabilidade no comportamento do seus índi-
ces de Gini, cujos dados se situam ao redor de 0,75. Ainda dentre as sub-regiões cujos
índices se encontram próximos ou acima de 0,7, temos, no caso de São Paulo, a
Araraquarense e a Norte e, no caso gaúcho, o Planalto Médio. A Sub-Região
Araraquarense apresenta índices de Gini consideravelmente distintos das outras áreas
da fronteira paulista. Observamos, inclusive, uma significativa diminuição dos indica-
dores de concentração da posse da terra no período posterior a 1960, ocorrida, tam-
bém, na Sub-Região Norte.
O caso do Planalto Médio será avaliado com mais detalhes, mas, desde já, evi-
dencia-se, pelos dados da Tabela 6, uma mudança no patamar de seu índice de Gini, de
1920 para 1950, sendo que essa melhora na distribuição da terra se concentra no inter-
valo entre os dois primeiros censos. Tal movimento de desconcentração relaciona-se
diretamente à apropriação de consideráveis parcelas de suas terras baseadas na peque-
na propriedade familiar.
As Sub-Regiões gaúchas Colonial e Alto Uruguai são aquelas que exibem as
melhores distribuições da posse da terra, especialmente a primeira. A Sub-Região Alto
Uruguai, conforme já observamos, teve a maioria de suas terras apropriadas, durante
as primeiras quatro décadas deste século, em moldes similares à Sub-Região Colonial.
O comportamento do índice de Gini dessa sub-região, entre 1920 e 1950, evidencia
que a apropriação de suas terras livres se baseou na democratização da posse da terra,
através do assentamento dos descendentes dos primeiros colonos e de novos imigran-
tes. Jean Roche caracterizou o movimento de ocupação dessa área como uma
"enxamagem" da experiência de imigração-colonização das colônias alemãs e italia-
nas em direção a essas terras. De outra parte, verificamos que, nas décadas de 50 e de
60, ocorreu, nessas sub-regiões um movimento de concentração na distribuição da
posse da terra, apresentando, proporcionalmente, os maiores incrementos no índice de
Gini vis-à-vis a todas as outras sub-regiões.
-261-
Tabela 7
Evolução de indicadores da concentração da posse da terra e as variações absolutas e
percentuais do número de estabelecimentos, da área total e da área de lavouras na sub-
região Alto Uruguai.
VARIÁVEIS 1920 1940 1950 1960
índice de Gini 0,714 0,526 0,476 0,516
Média(ha) 94,1 38,3 27,7 23
Mediana(D)(ha) 34,8 23,9 20,2 14,1
índice de Theil 0,857 0,648 0,562 0,606
50- (1)10,6 19,7 20,7 18,2
10+ (2) 66,8 47,4 40,6 42,3
5+ (3) 59 39,5 32,7 33,9
Número de estabelecimentos
Variação absoluta - 25.872 35.105 25.419
Variação percentual - 339,44 104,81 37,05
Área total
Variação absoluta - 564.726 613.948 264.939
Variação percentual - 78,59 47,84 13,96
Área de lavouras
Variação absoluta - 214.007 316.535 303.147
Variação percentual - 448,51 120,94 52,42
Área total/
população ocupada 34 10 9 7
Área de lavouras/
população ocupada 2,2 2,1 2,7 2,9
FONTE DOS DADOS BRUTOS: CENSO AGRÍCOLA 1920-50-60: Rio Grande
do Sul (1926, 1955, 1970). Rio de
JaneinxIBGE.
CENSOS ECONÔMICOS; agrícola, industrial,
comercial e dos serviços 1940: Rio Gran-
de do Sul (1950). Rio de Janeiro: IBGE.
(1) 50- ^Proporção da área total correspondente aos 50% menores estabelecimentos.
(2) 10+ =Proporção da área total correspondente aos 10% maiores estabelecimentos.
(3) 5+ =Proporção da área total correspondente aos 5% maiores estabelecimentos.
-262-
FEE-CEDQC
BIBLIOTECA
esteve relacionada aos empreendimentos privados e públicos de colonização. De outra
parte, nota-se que a ocupação dessa sub-região esteve baseada no cultivo dos seus
solos, observando-se incrementos constantes das terras dedicadas à lavoura, especial-
mente após a consolidação dessa área.
Antes de passarmos à avaliação das sub-regiões paulistas, é importante analisar-
mos os dados referentes ao Planalto Médio, uma vez que, em alguns espaços dessa
sub-região, a apropriação das terras também se fundamentou na colonização em pe-
quenas posses.
Tabela 8
Evolução de indicadores da concentração da posse da terra e as variações absolutas e
percentuais do número de estabelecimentos, da área total e da área de lavouras na sub-
região Planalto Médio -1920-1960.
VARIÁVEIS 1920 1940 1950 1960
índice de Gini 0,788 0,732 0,718 0,711
Média(ha) 151,1 92,1 81,2 59,7
Mediana(D)(ha) 36,8 28,5 27,3 22,1
índice de Theil 0,847 0,793 0,792 0,811
50-(1)6,2 9,0 9,8 9,8
10+(2) 73,7 68,0 66,6 65,1
5+(3) 63,3 57,8 57,5 56,2
Número de estabelecimentos
Variação absoluta - 10818 5340 12778
Variação percentual - 75,46 21,23 41,9
Área total
Variação absoluta - 150526 158117 108941
Variação percentual - 6,95 6,83 4,4
Área de lavouras
Variação absoluta - 127340 144879 277154
Variação percentual 166,37 71,06 79,47
FONTE DOS DADOS BRUTOS:CENSO AGRÍCOLA 1920-50-60: Rio Grande do
Sul (1926, 1955, 1970). Rio de Janeiro:
IBGE.
CENSOS ECONÔMICOS; agrícola, industrial,
comercial e dos serviços 1940: Rio Grande
do Sul (1950). Rio de Janeiro: IBGE.
(1) 50- =Proporção da área total correspondente aos 50% menores estabelecimentos.
(2) 10+ =Proporção da área total correspondente aos 10% maiores estabelecimentos.
(3) 5+ =Proporção da área total correspondente aos 5% maiores estabelecimentos.
O comportamento dos índices de Gini e de Theil entre 1920 e 1960 indica uma
desconcentração da posse da terra, ainda que bem menos significativa àquela observa-
da no caso do Alto Uruguai. Nessa direção, há um crescimento na participação da área
-263-
total apropriada pelos 50% menores estabelecimentos, acompanhada de uma queda,
mais significativa, das parcelas referentes aos 10% e 5% maiores estabelecimentos.
Conseqüentemente, os percentis intermediários incrementaram significativamente sua
participação na área, sinalizando a proeminência das médias propriedades nessa sub-
região, o que também se evidencia pela evolução da área média.
Os dados referentes às variações, absolutas e percentuais, do número de estabele-
cimentos, área total e área de lavouras mostram-se, na quase totalidade, bem inferiores
aos do Alto Uruguai. No Planalto Médio, os acréscimos, especialmente percentuais,
mais significativos verificam-se no número de estabelecimentos e na área de lavouras,
sendo pouco significativos em termos de área total.
No interior da Sub-Região Planalto Médio, existem duas microrregiões do IBGE,
presentes nos censos de 1970 a 1985, denominadas Coloniais do Ijuí e do Alto Jacuí,
que se caracterizam pela predominância da pequena propriedade familiar. Somente a
primeira nos foi possível reconstituir para os censos anteriores, sendo que, em 1920, só
existia o Município de Ijuí. No caso da Colonial do Alto Jacuí, é no censo de 1960 que,
pela primeira vez, surgem os Municípios de Não-me-Toque e Tapera. Os índices de
Gini dessas duas microrregiôes apresentam dados próximos aos das Sub-Regiões Co-
lonial e Alto Uruguai.
Tabela 9
Evolução do índice de Gini da sub-região Planalto Médio e das Coloniais do Ijuí e do
Alto Jacuí-1920-1985.
-264-
Avaliando-se a evolução da área média dos estabelecimentos nas sub-regiões
paulistas, verificamos uma aproximação de seus dados, levando-nos a crer que o esgo-
tamento das terras livres de São Paulo e o processo de diversificação agrícola - decor-
rente da crise dos anos 30 - significaram a homogeneização das estruturas sub-regio-
nais de distribuição da posse da terra. O Gráfico l a seguir ilustra o comportamento da
área média para cinco sub-regiões paulistas. Observa-se uma queda vertiginosa nos
dados entre 1920 e 1940, para as Sub-Regiões Mojiana, Alta Sorocabana e Noroeste,
ou seja, as zonas cafeeiras intermediárias e novas.
Gráfico l
Evolução da área média dos estabelecimentos agropecuários de São Paulo.
-265-
Tabela 10
Evolução da área média dos estabelecimentos agropecuários das sub-regiões gaúchas
e do Estado do Rio Grande do Sul - 1920-1980.
(ha)
SUB-REGIÕES E 1920 1940 1950 1960 1970 1975 1980 1985
ESTADO
Campanha 637,2 364,9 470,4 389,5 295,6 284,5 297,9 283,5
Missões 285,1 137,1 139,2 106,7 69,8 76,6 76,7 -
Orizícola 101,3 101,3 100,1 67,8 58,2 60,3 64,0 61,8
Planalto Médio 151,1 92,1 81,1 59,7 46,3 51,4 57,7 -
Alto Uruguai 94,1 38,3 27,7 23,0 17,9 19,4 18,8 17,9
Colonial 33,6 27,1 25,1 20,8 17,0 18,1 17,7 17,2
Estado 148,7 88,6 77,0 57,0 46,5 50,2 50,7 48,0
FONTE DOS DADOS BRUTOS :CENSO AGRÍCOLA 1920-50-60: Rio Grande do
Sul (1927, 1955, 1970). Rio de Janeiro:
IBGE.
CENSOS ECONÔMICOS; agrícola, industrial,
comercial e dos serviços 1940: Rio Grande
do Sul (1950). Rio de Janeiro: IBGE.
CENSO AGROPECUÁRIO 1970-75-80-85: Rio
Grande do Sul (1974,1979,1984,1991). Rio
de Janeiro: IBGE.
-266-
Em relação ao comportamento da área média, no caso paulista, nota-se um au-
mento significativo nas Sub-Regiões Alta Sorocabana e Noroeste e, em menor grau,
na Norte. Provavelmente esse comportamento esteja relacionado à modernização da
agricultura, que significou a especialização produtiva das sub-regiões, assim como
uma adequação dos estabelecimentos aos novos requisitos técnicos. No caso das duas
sub-regiões do "Oeste Paulista", em função de suas características ecológicas, parece-
nos ter ocorrido esses dois processos, com a especialização nas atividades pecuárias e
o incremento da área média em resposta às novas demandas técnicas. Todas as outras
sub-regiões não apresentam variações importantes no valor da área média dos estabe-
lecimentos.
No Rio Grande do Sul, os dados da Tabela 10 mostram uma queda na área média
dos estabelecimentos na Campanha, principalmente, e nas Missões.
Por último, apresentaremos os dados referentes à evolução da participação da
área de lavouras na área total, objetivando verificar quais as sub-regiões desses esta-
dos que mais se utilizam dos seus solos.
Tabela 11
Evolução da participação percentual da área de lavouras na área total no Rio Grande
do Sul, São Paulo e nas respectivas sub-regiões - 1920-1985.
ESTADOS E SUB-REGIÕES 1920 1940 1950 1960 1970 1975 1980 1985
Rio Grande do Sul 4,07 8,32 11,34 17,13 20,91 25,06 27,78 27,67
São Paulo 14,30 23,25 22,40 24,70 23,20 - 29,43 -
Alto Uruguai 6,64 20,39 30,48 40,76 54,94 62,25 67,48 69,35
Planalto Médio 3,53 8,80 14,09 24,23 37,15 47,24 52,13 -
Colonial 24,29 28,71 30,10 34,11 36,34 36,61 35,82 34,92
Missões 1,51 5,57 6,70 11,12 20,81 28,91 32,32 -
Orizícola 3,75 8,59 11,10 18,27 17,20 21,65 23,76 23,23
Paulista 18,32 25,13 23,37 28,48 35,67 - 52,08 -
Mojiana 20,33 23,96 23,28 24,40 29,42 - 44,90 -
Araraquarense 18,84 28,67 23,50 27,82 29,72 - 33,50 -
Central 17,20 23,25 21,77 26,08 23,41 - 28,49 -
Noroeste 13,77 31,55 32,57 30,69 20,84 - 22,31 -
Alta Sorocabana 8,15 21,06 23,30 23,55 18,39 - 21,96 -
Norte 10,81 12,61 8,37 7,57 6,21 - 9,13 -
FONTE DOS DADOS BRUTOS:CENSO AGRÍCOLA 1920-50-60: Rio Grande do
Sul, São Paulo (1926, 1927, 1955, 1956,
1967, 1970). Rio de Janeiro: IBGE.
CENSOS ECONÔMICOS; agrícola, industrial,
comercial e dos serviços 1940: Rio Grande
do Sul, São Paulo (1950). Rio de Janeiro:
-267-
Ao nível do conjunto dos estados, notamos que os graus de utilização dos solos
foram se aproximando, apresentando, em 1980, valores semelhantes de participação
das áreas em cultivo na área total. As Sub-Regiões gaúchas Alto Uruguai e Planalto
Médio exibem os maiores índices de uso dos solos, especialmente no caso da primeira.
O alto nível de utilização das terras no Alto Uruguai relaciona-se à necessidade dos
pequenos proprietários de sobreutilizarem seus solos, a fim de garantir a continuidade
e a reprodução da propriedade familiar. Outro fator importante é a realização de dois
cultivos no mesmo ano com o binômio soja-trigo, acarretando uma dupla contagem
das áreas em cultivo.
A sobreutilização das terras pelos pequenos proprietários é visualizada, também,
pelos índices observados na Sub-Região Colonial. Como essa sub-região possui um
alto percentual de terras inapropriadas ao cultivo temporário e de difícil manejo, os
patamares de participação das lavouras na área total, em torno de 30% em todo o
período, são ilustrativos da intensificação das atividades agrícolas pela pequena pro-
priedade familiar. No caso das Sub-Regiões Missões e Orizícola, verificam-se acentu-
ados incrementos no uso dos solos, após os anos 50, mostrando-nos a absorção de suas
terras no boom tritícola - décadas de 50 e 60 - e durante a modernização dos anos 70
e 80.
No caso de São Paulo, observamos que as zonas cafeeiras intermediárias (Sub-
Regiões Mojiana e Paulista) e as Sub-Regiões Araraquarense e Central são aquelas
que exibem os maiores níveis de uso dos solos, especialmente as primeiras. Os incre-
mentos nas áreas de lavouras na Mojiana e na Paulista deram-se no período entre 1960
e 1980, ou seja, no âmbito do processo de modernização agrícola. As Sub—Regiões
Noroeste e Alta Sorocabana apresentam um grande incremento no uso dos solos ainda
durante o período cafeeiro - até meados dos anos 40 - acontecendo, posteriormente,
um arrefecimento na utilização de suas terras com lavouras. Por fim, temos a Sub-
Região Norte que se mostra "escanteada" das atividades de cultivo no Estado de São
Paulo.
4 - Considerações finais
-268-
Abstract
Here an interpretation ofthe census data about the "paulista" and "gaúcha"
structures ofland tenure is made (1920-1985), as well as data about population and
cultivation areas. The wish is to analyse comparatively the evolution and consolidation
of the agrarian spaces of these two states, using, for this purpose, a sub-
regionalization. This is based upon the moving forces and usage ofthe estate which
was consubstantiated in the "paulista" case in the development of coffee and in the
"gaúcho" case in the immigration and colonization. The diverse eharacteristics in
the occupation of the agricultural frontiers (both internai and externai) and the
ehanges and permanences in the distribution ofthe land tenure are primary matters
in this survey. The eonclusion is an intra-regional dijferentiation in Rio Grande do
Sul and a homogenization in São Paulo.
-269-
Escrito n° 10 l E-OOC0673 7-8
Busco, neste ensaio, explicações de corte teórico para realizar uma comparação
das trajetórias sociais e econômicas das sociedades paulista e gaúcha desde o início da
industrialização brasileira. Estou, portanto, inscrevendo na longa duração o meu exa-
me do desenvolvimento regional comparado e deixo registrado que o meu uso do mé-
todo comparativo na análise regional privilegia o momento analítico dos contrastes e
não o das similitudes (TARGA, 1991).
Tomando como ponto de partida constatações sobre diferentes níveis de qualida-
de de vida entre vários estados da Federação brasileira, reexamino minhas posições
sobre o desenvolvimento regional comparado das sociedades gaúcha e paulista, onde
revisite, também, as conseqüências para a análise regional que derivaram do tratamen-
to que dei à questão da totalidade econômica, para, finalmente, após apresentar dados
comparativos novos sobre as regiões em exame, utilizar aspectos da "teoria da pobre-
za" ', a fim de levantar hipóteses explicativas tanto para as diferenças de qualidade de
vida entre os estados do Brasil considerados na análise quanto para estabelecer os
fundamentos da diferença das trajetórias das respectivas sociedades regionais, bem
como, e mais importante ainda, da permanência dessa diferença ao longo de todo este
século.
-271-
heterogêneo quando se passa de uma a outra de suas regiões. A partir de um conjunto
de 12 indicadores2, o autor chega a um índice de desenvolvimento humano (IDH)
calculado para as macrorregiões do Brasil e para os estados da Federação para 1987-
88. Os resultados estão cotejados com resultados internacionais (ALBUQUERQUE,
1991,pp.388-389,395).
Entre todos os tipos de agregados territoriais brasileiros utilizados pelo autor, o
Rio Grande do Sul alcança o nível mais elevado do índice global - o IDH foi de 0,907
em 1987-88 -, seguido pelo Distrito Federal e pelo Estado de Santa Catarina, com o
qual o Rio Grande do Sul possui analogia de traços estruturais de desenvolvimento na
longa duração. O índice referente a São Paulo (IDH = 0,860) aparece numa quarta
posição na hierarquia, apesar da grande diferença no PIB per capita, expresso em
poder de compra de dólares internacionais de 1987, que atingira US$ 7,409 em São
Paulo contra US$ 5,499 no Rio Grande do Sul.3
A sociedade do Rio Grande do Sul apareceu, assim, no topo da listagem brasilei-
ra, e a posição da sociedade paulista é algo abaixo da alcançada pela gaúcha nessa
hierarquia. Note-se que o objetivo do índice não é captar onde se produz mais por
habitante - o que seria informado, por exemplo, pelo PIB per capita -, mas onde a
situação da maioria dos habitantes é melhor, grosso modo, penso eu, onde os benefíci-
os do desenvolvimento econômico estão melhor distribuídos entre as várias classes da
população, pois parece-me que é esse o sentido do comparecimento de indicadores,
em que a variável é a percentagem da população total, com acesso a alguns elementos
de conforto material (energia elétrica, água encanada e geladeira), a percentagem da
população com certo nível educacional e com acesso a veículos culturais, o que perfaz
um total de sete entre os 12 indicadores utilizados para montar o IDH. Sobre os obje-
tivos de mensuração do IDH, ver Albuquerque (1991, p.390) e, sobre o mesmo IDH,
assim como da sua relação com o crescimento econômico, ver PNUD (1991, p.37-57).
-272-
É assim que a sociedade regional mais rica do País, que detém cerca da metade do
parque industrial da Nação desde os anos 1920, apresenta piores condições de vida que
as vigentes em dois dos estados do sul do País. Se o centro dinâmico da riqueza naci-
onal está em São Paulo, ou, ainda, se o comando da acumulação de capital, assim
como a maior e melhor parte do parque industrial do Brasil estão sediados no mesmo
São Paulo, por que não é neste Estado e sim no Rio Grande do Sul que os indicadores
macrossociais de bem-estar da população apresentam os melhores resultados? Por que
uma sociedade de "economia subordinada" e periférica em relação ao centro industrial
do Brasil fornece melhores condições de vida à sua população? O que pode, então,
explicar tal assimetria dos resultados? Qual seja, por que a população do estado mais
rico da Federação não é a que apresenta os melhores indicadores para as condições de
vida dentro do País?
Acrescente-se, ainda, que indicadores macrossociais isolados, como a taxa de
mortalidade infantil e a esperança de vida no Rio Grande do Sul — os dados de 1930
permitem a realização dos cálculos referentes ao ano mais remoto -, sempre foram os
que atingiram os melhores resultados para as condições de vida entre os estados do
País (IBGE, 1990, p.114-13).
-273-
bem, que o fenômeno regional ganhou, política e socialmente, dimensões inusitadas
no contexto da democratização do País e sobretudo pelos efeitos da Constituição de
1988.
Tal como se pode depreender daqueles textos citados, o processo de integração da
economia nacional havia conduzido, inevitavelmente, à supressão das características
econômicas e sociais da região periférica, no caso, o Rio Grande do Sul. E foi sobre
essa idéia que tracei um plano de investigação em que buscava explicitar a trajetória
de dissolução dessa economia regional gaúcha e onde deveria buscar as razões da
eliminação das características da sociedade do Rio Grande do Sul durante o processo
de integração do mercado brasileiro (TARGA, 1989).
Nesse mesmo ensaio, eu ainda assinalava que as economias capitalistas dos dois
estados em questão haviam possuído bases radicalmente diversas, tais como o parcela-
mento da terra entre os imigrantes europeus no Rio Grande do Sul e sua manutenção
nas mãos dos cafeicultores-latifundiários em São Paulo; o extremo fracionamento do
capital comercial no Sul, face à sua relativa concentração em São Paulo; uma produ-
ção gaúcha destinada a outras regiões brasileiras e uma monocultura de exportação
para o mercado mundial em São Paulo; firmas industriais de muito menor tamanho no
Rio Grande do Sul que em São Paulo; mas salários industriais mais elevados no Sul -
decorrentes do fato de que era mais difícil a expropriação dos agricultores pequenos
proprietários do Rio Grande do Sul -, assim como variações dos salários reais que
acompanhavam mais de perto as variações da produtividade industrial no Rio Grande
do Sul do que em São Paulo; e, por fim, decorrente dos últimos fatos enunciados, uma
menor capacidade de acumulação dos capitais individuais no Rio Grande do Sul do
que em São Paulo. E, uma vez que o parque industrial do Sul era muito menor e com
menor capacidade de acumulação, eu aventava a hipótese de liquidação das caracterís-
ticas particulares da economia e da sociedade meridional face ao poder da acumulação
de capital, que tinha por epicentro o território de São Paulo (TARGA, 1989).
Hoje, a palavra eliminação (das particularidades), para mim, deveria ser substitu-
ída por um binômio como o expresso por transformação-permanência (das particulari-
dades), para descrever a evolução dos fenômenos que se referem ao desenvolvimento
das características da sociedade gaúcha no curso do processo de integração do merca-
do interno brasileiro.4 Antes, porém, os resultados e os questionamentos que haviam
provocado o encaminhamento dessa substituição estavam, eles também, em busca de
uma explicação.
Confrontando a hipótese de predomínio das características da economia paulista
sobre a gaúcha com a questão das condições de vida, eu esperaria que as memores
condições de vida encontradas no Rio Grande do Sul - que haviam vigorado até a
integração do mercado interno nos idos dos anos 50, condições estas que advinham de
um tipo de economia capitalista menos perverso e menos excludente do que aquele
que vigorava em São Paulo - se tivessem degenerado rapidamente e que tivessem,
A ênfase é exagerada. Na verdade, penso que alguns traços foram eliminados, que outros permane-
cem e que outros, ainda, se transformam e/ou são transformados.
-274-
FEE-CEDOC
BIBLIOTECA
inclusive, se nivelado às vigentes na "economia regional", que se tornara centro da
economia nacional após a efetiva integração do mercado interior brasileiro.
Essa deterioração das condições de vida no Rio Grande do Sul, no entanto, não
ocorreu, fato que parece evidenciado no valor superior encontrado por Albuquerque
para o índice de desenvolvimento humano no Rio Grande do Sul, fenômeno este que
passou a carecer, então, de explicações.
Segue-se assim que eu estava sendo levado a pensar que algumas das caracterís-
ticas dessa sociedade regional periférica possuíam um poder de resistência face aos
embates advindos do centro da economia nacional que eu inicialmente menosprezara;
ou, desde um outro enfoque, que existiam alicerces da sociedade regional de cuja força
eu não suspeitara ou em cujo poder não acreditara.
A "teoria da pobreza", tal como foi tratada por Irmã Adelman (1986) para forne-
cer subsídios a políticas de desenvolvimento que objetivassem a erradicação da pobre-
za nos países em processo de industrialização do Terceiro Mundo, apresenta dois re-
sultados que são muito interessantes para o problema que me ocupa.
Esses resultados dizem que são necessárias duas distribuições básicas de "ativos"
entre a população que vai ser submetida a um processo de desenvolvimento econômi-
co capitalista: distribuição da propriedade da terra e fornecimento - "distribuição" -
de educação básica (ADELMAN, 1986, p.54). Saliente-se que a autora insiste em que
essas duas distribuições devem ser realizadas antes da industrialização (ADELMAN,
1986, p.57), sendo, portanto, distribuições que precedem o processo de crescimento
econômico, para que os seus frutos e o dos acréscimos de produtividade do trabalho
social possam sofrer uma certa distribuição entre a população, de forma tal a evitar o
crescimento e o aprofundamento da desigualdade social intrínseca ao processo
(ADELMAN, 1986, p.51), conseguindo impedir, ou minorar, assim, a expansão da
exclusão social e da pobreza. Confirmando essa orientação, é interessante invocar a
autoridade de Furtado sobre esse tema, registrando que ele é enfático ao comentar os
resultados dos trabalhos da "teoria da pobreza ", afirmando que os dados indicam que
a tendência concentradora da renda perpassa todas as fases da industrialização, quan-
do o ponto de partida tiver sido o crescimento derivado da exportação de produtos
primários (FURTADO, 1992, p.52).
A distribuição da terra deveria ser efetivada de forma a criar pequenos fazendei-
ros, com possibilidade de realizarem uma agricultura comercial com seu próprio tra-
balho. A existência da grande propriedade, com sua miríade de formas de trabalho a
serem exploradas, com o pagamento de baixos salários e com a extração de alta renda
da terra através da presença de agentes econômicos, como os arrendatários de parcelas
da grande propriedade, os meeiros, os trabalhadores sem terra, ou os produtores de
subsistência que poderiam também assalariar-se na grande plantação, a existência des-
se conjunto de tipos de trabalhadores, concomitante à existência da grande proprieda-
de rural, que antecede e que dura ao longo do processo de industrialização, conduz à
exclusão social e à pobreza. Por essa razão, a distribuição da propriedade da terra,
associada ao fornecimento de crédito rural e de assistência técnica (fomento) e, por
-275-
fim, o acesso a mercados, de tal modo que os pequenos produtores possam apropriar-
se dos frutos do crescimento econômico e da produtividade do trabalho, seriam ele-
mentos fundamentais para evitar a emersão da pobreza.
Por outro lado, o fornecimento de educação básica de maneira a distribuir a "pro-
priedade do capital humano", provocando redução das diferenças salariais (ADELMAN,
1986, p.55), garantiria uma melhor distribuição dos frutos do desenvolvimento econô-
mico, minorando o grau de afloramento da pobreza nessas sociedades.
Penso que as distribuições desses dois "ativos" - propriedade da terra e "capital
humano" - entre a população melhoram o que a autora chama de distribuição primária
da renda. Do que pode ser depreendido do texto de Adelman, a distribuição primária
da renda não é somente o resultado da distribuição-apropriação do produto antes dos
impostos e das transferências (FURTADO, 1992, p. 53; ADELMAN, 1986, p.56), como
possui também a acepção de ser a distribuição de renda que deriva da distribuição
originária dos ativos sociais entre a população no período que antecede a intervenção
de políticas de desenvolvimento (ADELMAN, 1986, p.56, linha l do 1° parágrafo).
O segundo resultado importante da "teoria da pobreza", tal como foi trabalhada
por Irmã Adelman neste texto para a questão de que me ocupo, é de que é muito difícil
alterar essa distribuição primária da renda - e, acrescento eu, também a distribuição
originária dos ativos. A autora assinala que políticas e programas podem muito pouco
para transformá-la. Adelman sustenta que mesmo políticas e programas que se esten-
dam muito no tempo não possuem poder de alterar duravelmente as disposições esta-
belecidas pela distribuição primária da renda, de modo que a interrupção das políticas
faz com que a renda retorne à distribuição anterior ao período da intervenção
(ADELMAN, 1986, p.56). A autora salienta, portanto, a estabilidade dessa distribui-
ção (ou concentração) originária dos ativos sociais entre a população no curso do pro-
cesso de industrialização.
Estes dados foram retirados do trabalho em elaboração no NEHESP que tem por tftulo O Mercado de
Trabalho Industrial no Brasil (1930-1980): Homogeneização e trajetórias regionais comparadas, Rio
Grande do Sul e São Paulo. Este trabalho é realizado por Ronaldo Herrlein Jr. e por Adriana Dias,
bolsista do CNPq, e, parcialmente financiado com recursos da FAPERGS.Os resultados parciais deste
estudo estão apresentados no Escrito n° 6 deste livro.
Os dados são um retrato do ano de 1919. Não estou afirmando que essas características familiares das
empresas industriais gaúchas tenham se mantido assim e nesse grau. O dado serve tão-somente para
evidenciar a pulverização muito mais acentuada do capital industrial e a sua gestão por membros das
famílias dos proprietários no Rio Grande do Sul.
-276-
O segundo conjunto de dados refere-se à concentração e distribuição da posse da
terra7 nos dois estados da Federação e em duas sub-regiões escolhidas, uma em cada
estado. Em São Paulo, a sub-região escolhida é a composta pelos municípios
articuladores economicamente à estrada de ferro Mogiana, que possui como principais
cidades Franca e Ribeirão Preto, e, no Rio Grande do Sul, à sub-região dos municípios
coloniais históricos, reunindo tanto os da Colônia Velha - que possuíram como centro
a cidade de São Leopoldo, fundada em 1824, com predomínio de colonos de origem
germânica - quanto os municípios que se localizam em torno de Caxias do Sul, com
predomínio de colonos italianos e cuja instalação se iniciou em 1875. Foi o comércio
de Porto Alegre com essa sub-região que engendrou a concentração de capital comer-
cial e a posterior industrialização seja de Porto Alegre, seja dessa sub-região (a parcela
mais significativa da indústria do Rio Grande do Sul concentra-se nos arredores de
Porto Alegre e nessa sub-região). A sub-região de São Paulo é uma clássica sub-região
cafeicultora em suas origens, enquanto a do Rio Grande do Sul é profundamente marcada
pelo trabalho dos imigrantes pequenos proprietários.
Quadro l
Número de proprietários de empresas fabris dos gêneros da indústria de transfor-
mação no Rio Grande do Sul e em São Paulo — 1919.
NÚMERO DE NUMERO DE
PROPRIETÁRIOS PROPRIETÁRIOS
RAMOS EM SÃO PAULO NO RIO GRANDE DO SUL
(1.000 OPERÁRIOS) (1.000 OPERÁRIOS)
Cerâmica 88,2 177,3
Indústria de edificação 86,8 153,0
Metalurgia 34,0 115,1
Material de transporte 212,0 152,7
Madeira 116,8 245,4
Mobiliáriao 133,0 59,0
Química 76,7 174,2
Couros e peles 121,4 187,0
Têxtil 10,6 9,1
Vestuário e calçados 90,1 94,6
Produtos alimentares 147,6 83,3
Forças físicas 250,0 0,0
Diversas 42,9 87,0
TOTAL 64,3 101,4
FONTE: CENSO INDUSTRIAL 1920: Brasil (1927). Rio de Janeiro, IBGE, v.5,
pt.l, Tabela 19, p.269,271.
7 Fernando Gaiger da Silveira (s.d.) calculou os índices de Gini de concentração e distribuição da posse
da terra para vários agregados de São Paulo e do Rio Grande do Sul; utilizo, aqui, somente quatro dos
agregados calculados. Esse estudo com os (ndices de Gini foi parcialmente financiado com recursos
da FAPERGS. Os resultados deste trabalho estão no Escrito n.9 deste livro.
-277-
Os resultados mostram que os níveis de concentração da posse da terra em São
Paulo e na sub-região da Mogiana assumem uma magnitude acima de 0,7, bem como
esse índice de Gini para o Rio Grande do Sul como um todo é da mesma ordem de
grandeza. No entanto a melhor distribuição da posse da terra na sub-região das Colô-
nias apresenta como resultado um valor cuja ordem de grandeza é de, no máximo, 0,5.
A diferença é significativa. Ela indica que o acesso ao "ativo" terra na sub-região
colonial do Rio Grande do Sul foi muito mais "democrático" do que no Rio Grande do
Sul como um todo ou do que em São Paulo ou do que na sub-região da Mogiana.
Também, os tamanhos médios, em hectares, dos estabelecimentos agrícolas revelam
grandes diferenças na ordem de grandeza (dados de SILVEIRA no Escrito n.9 deste
livro).
O segundo aspecto que chama atenção no Quadro 2 é a impressionante estabilida-
de de grandeza do indicador de concentração e distribuição da posse da terra: os dados
são praticamente da mesma ordem de grandeza entre o início (1919) e o final do perí-
odo (1980). Entre os extremos permeia mais de meio século de profundas transforma-
ções na agricultura desses estados, mas essas transformações não parecem ter impri-
mido outras orientações à distribuição e concentração da posse da terra nas duas regi-
ões. Ou seja, se o acesso ao uso da terra reflete a distribuição e concentração da propri-
edade da terra, então essa concentração da propriedade da terra em São Paulo mante-
ve-se semelhante ao nível que possuía antes de deslanchar o processo de industrializa-
ção nos anos 30. A mesma estabilidade da distribuição do acesso ao uso da terra apa-
rece nos dados referentes à sub-região Colonial do Rio Grande do Sul. A estabilidade
da concentração da posse da terra em São Paulo e da sua distribuição na sub-região
Colonial do Rio Grande do Sul vem confirmar os resultados avançados por Irmã
Adelman sobre a resistência à alteração da distribuição originária do "ativo" terra.
Enfim, quanto ao outro "ativo", o que distribui "capital humano" através da edu-
cação elementar, ele recebeu um tratamento extremamente privilegiado no Rio Grande
do Sul positivista da Primeira República brasileira (1889-1930), pois o Governo do
Estado promoveu o alargamento do sistema educacional de base e expandiu as escolas
técnicas de nível médio (agrícolas, industriais e comerciais). Joseph Love (1975) indi-
ca que, em 1907, o Rio Grande do Sul possuía 228 crianças matriculadas por 1.000
habitantes em idade escolar, e, em São Paulo, esse número de 162 por l .000. A distri-
buição do ativo "capital humano" foi, assim, mais intensa no Rio Grande do Sul do
que em São Paulo e deve ter garantido menores discrepâncias salariais no processo
ulterior de crescimento industrial.
No meu entender, esses três conjuntos de dados comparativos - a saber, sobre a
partição do capital industrial antes da integração do mercado interior brasileiro, sobre
o acesso à terra e sobre a "distribuição do capital humano" - apontam no sentido de
que as bases e as trajetórias dessas sociedades regionais foram muito diversas. Sobre-
tudo os níveis da concentração do acesso à terra em São Paulo e de sua distribuição na
sub-região Colonial do Rio Grande do Sul, bem como a estabilidade dos coeficientes
de Gini ao longo dos 60 anos de industrialização e de transformações agrícolas pare-
cem indicar que essas características básicas das sociedades regionais, já estabelecidas
ao longo do século XIX, não foram passíveis de alteração ao longo do processo de
industrialização e de totalização econômica por que passou o Brasil.
-278-
Quadro 2
Coeficientes de Gini de concentração da posse da terra e tamanho dos estabelecimen-
tos agrícolas nos Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul e nas sub-regiões
Mogiana (SP) e Colonial (RS) - 1920-1980.
ESTADOS E SUB-REGIÕES 1920 1940 1950 1960 1970 1980
São Paulo
índice de Gini 0,766 0,772 0,771 0,795 0,779 0,774
Média (ha) 171,380 73,596 85,805 60,825 62,483 73,838
Rio Grande do Sul
índice de Gini 0,800 0,766 0,760 0,755 0,756 0,762
Média (ha) 148,801 88,603 76,969 56,969 46,530 50,684
Mogiana
índice de Gini 0,759 0,768 0,754 0,756 0,749 0,743
Média (ha) 208,770 111,475 129,073 101,225 86,150 83,906
Colonial (1)
índice de Gini 0,456 0,443 0,449 0,474 0,485 0,494
Média (ha) 33,961 27,404 25,264 20,926 17,243 17,906
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IBGE, pt.l, Tab.68, p.260-279.
CENSO AGROPECUÁRIO:São Paulo (1984).Rio de Janeiro, IBGE,
Tab.68, p.400-445.
NOTA: O índice de Gini foi calculado por meio de um programa gentilmente cedido
por Rodolfo Hoffmann. As medidas são obtidas estimando a desigualdade dentro dos
estratos, com base em funções de densidade lineares e na distribuição de Pareto; (1)
A sub-região Colonial do Rio Grande do Sul inclui os municípios das áreas coloniais
históricas: a Colônia Velha, que teve por epicentro São Leopoldo (1824), e a Colônia
Nova, que teve por epicentro Caxias do Sul (1875).
-279-
São resultados que confirmam os enunciados de Adelman, que, por sua vez, ex-
plicam por que a sociedade de uma "economia" periférica e dependente apresenta
melhores condições de vida para os seus habitantes. Mas esses resultados também
indicam que, se, por um lado, a concentração da terra que antecede à industrialização
possui a "virtude" perversa de fazer reverter ao seu perfil concentrado as tentativas de
políticas distributivistas da renda, tal como Adelman indicou em seu texto, os resulta-
dos estáveis dos índices de Gini de acesso à terra encontrados para a sub-região Colo-
nial do Rio Grande do Sul também mostram que a distribuição originária deste ativo
possuiu um alto poder de resistência face às características concentradoras e excludentes
do "modelo" de crescimento brasileiro. Somados aos resultados de Albuquerque sobre
as melhores condições de vida no Rio Grande do Sul, que, penso, são em grande parte
um produto daquela distribuição originária de "ativos", esses argumentos representam
um crédito em favor dos resultados de Irmã Adelman, ou seja, se a concentração resis-
te a políticas distributivistas, a distribuição da terra também resiste ao exercício e à
imposição de políticas excludentes e concentracionistas.
Abstract
Assuming the evidence about the better levei ofthe quality oflife ofthe Rio
Grande do SuVs population compared to São Paulo's, as apointofdeparturelreview
several ofmy positions about compared regional development ofthe gaúcha and
paulista societies. At Ias 11 use twofeatures ofthe theory ofpoverty - they treat ofthe
effects ofthe original distribution ofassets (land and human capital) among the
population to lessen the concentrating effects ofthe capitalist economic growth - in
orderto rise explanatory hypotheses bothfor the differences oflife quality between
the populations of the two Brazilian states considered in the analysis, and for
establishing thefoundations ofthe differentroutes ofthe respectives regional societies
as wellas, andmostly, ofthepermanence ofthis difference overthis whole century.
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MENSAGEM enviada à Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande do
Sul pelo presidente Antônio Augusto Borges de Medeiros, na 2a sessão ordinária
da 4alegislatura, em 20 de setembro de 1902. Porto Alegre, 1902.
MENSAGEM enviada à Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande do
Sul pelo presidente Antônio Augusto Borges de Medeiros, na 3a sessão ordinária
da 4a legislatura, em 20 de setembro de 1903. Porto Alegre, 1903.
MENSAGEM enviada à Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande do
Sul pelo presidente Antônio Augusto Borges de Medeiros, na 2a sessão ordinária
da 5a legislatura, em 20 de setembro de 1906. Porto Alegre, 1906.
MENSAGEM enviada à Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande do
Sul pelo Vice-Presidente em exercício General Salvador Ayres Pinheiro Machado,
na 1a sessão ordinária da 9a legislatura, em 20 de outubro de 1915. Porto Alegre,
1915.
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MENSAGEM enviada à Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande do
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