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ANOFOME

GUIA

MUNDO

CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E SOLUÇÕES


PARA UM MAL QUE ASSOLA O PLANETA
PREFÁCIO

FOME
UM PROBLEMA
UNIVERSAL
Não importa a cultura, a religião ou a etnia: a fome nunca vai ser
bem-vinda e o medo de senti-la é um dos sentimentos mais temi-
dos pelas pessoas. Apesar disso, o ser humano convive com esse
mal desde seus princípios e ainda não conseguiu erradicá-lo. Mas se
ninguém é a favor da fome, por que ela ainda persiste em assombrar
a humanidade?
Para que seja possível combater a falta de alimentos, é preciso
conhecer as causas desse problema. Ora causado por guerras e con-
flitos políticos, ora por fenômenos naturais imprevisíveis, o fato é
que a fome é um dos vilões mais mortais da história humana.
Este guia desbrava o triste universo daqueles que, em diversas
partes do mundo, não têm o que comer, para ajudar você a entender a
complexidade desse problema. Nas próximas páginas, você também
descobre como cada pessoa pode colaborar para evitar o desperdício
e melhorar a distribuição de alimentos no Planeta.
Os editores
Sadik Gulec / Shutterstock.com

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6
CAPÍTULO 1
A FOME E O SER HUMANO
Conheça as marcas profundas da fome em

Melih Cevdet Teksen / Shutterstock


vários momentos da história da humanidade
14
CAPÍTULO 2
A BIOLOGIA DA FOME
Os mecanismos do corpo humano na luta contra
a fome e as consequências da falta de comida
22
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CAPÍTULO 3
CAUSAS DA FOME
Crises políticas, guerras e desastres naturais: os
principais responsáveis por esta triste realidade
42
CAPÍTULO 4
A FOME NO MUNDO HOJE
Os países que mais sofrem com a escassez de
comida nos dias atuais
58
CAPÍTULO 5
A FOME NO MUNDO AMANHÃ
Saiba quais são as expectativas para o futuro e
os projetos para eliminar este mal
66
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CAPÍTULO 6
A LUTA BRASILEIRA
A linha do tempo da fome no Brasil e a
perspectiva de progresso para os próximos anos
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CAPÍTULO 7
FAÇA SUA PARTE
Conheça as atitudes que cada um pode tomar
para reduzir o desperdício e melhorar a
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distribuição dos alimentos


ÍNDICE
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

G971

GUIA A FOME NO MUNDO / -- 1. ED. - SÃO PAULO : ON LINE, 2016.


IL.

ISBN 978-85-432-1325-5

1. FOME. 2. ALIMENTOS - CONSUMO. I. TÍTULO.


Michelle D. Milliman / Shutterstock

16-32852 CDD: 363.8


CDU: 364.2:613.2
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06/05/2016 06/05/2016
HISTÓRIA

A FOME
E O SER HUMANO
AINDA HOJE, 800 MILHÕES DE PESSOAS PASSAM FOME NO
MUNDO. ENTENDA OS MOTIVOS POR TRÁS DESTE QUADRO

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C
ERCA DE 800 MILHÕES DE PESSOAS NO MUNDO ou seja, a relação entre peso e
todo sofrem com a fome, segundo a Orga- altura, desta pessoa fica abaixo
nização das Nações Unidas (ONU). “Mais de 18,5%, nível mínimo para ser
do que falta de comida, a fome é uma injus- considerado saudável.
tiça terrível”, afirma o secretário-geral da entida- Mas o termo é mais usado para
de, Ban Ki-moon. retratar casos de má nutrição ou
A palavra fome vem do latim faminem, que privação total de alimentos entre
significa a situação na qual a alimentação que o populações, normalmente devi-
indivíduo consome não é suficiente para o gasto do à pobreza, conflitos ou insta-
energético das atividades básicas diárias. Em mui- bilidades políticos, ou condições
tos casos de pobreza extrema, uma pessoa fica dias agrícolas adversas.
sem ter o que comer ou ingere pouca quantidade O tema não é novo para a
de alimento. O Índice de Massa Corporal (IMC), humanidade. Os primeiros ca-

6
A FOME NO MUNDO

sos de fome de que se tem notícia ocorreram


no Império Romano e datam de 436 a.C. Para
os imperadores, o controle sobre o alimento
que chegava a Roma e sua distribuição entre a
população era uma das muitas formas de domi-
nação. É assim até hoje – basta observar o que
acontece na Síria, país que vive uma guerra civil
com muitas cidades sitiadas, onde a entrada de
alimentos é proibida.
Como se pode observar na linha do tempo que
acompanha estas páginas, são as guerras que res-
pondem pelas maiores fomes já registradas pela
humanidade. Além das cidades sitiadas, as táticas
bélicas incorretas, a destruição de lavouras e es-
toques de alimentos e a destruição dos meios de
transporte explicam como a guerra afeta o abaste-

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cimento de comida para a população.

FOME MATA MAIS QUE


CONFLITOS E TERRORISMO
A agricultura e a segurança alimentar devem ser tra-
tadas como componentes essenciais da construção da
paz e da resolução de conflitos, afirma o diretor-geral da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO), o brasileiro José Graziano da Silva.
Graziano lembra que a história da humanidade sem-
pre foi marcada por círculos viciosos de violência e fome
e que estes conflitos não são restritos às fronteiras nacio-
lucarista / Shutterstock.com

nais. Para evitar a repetição desse padrão, a segurança


alimentar pode ser usada como prevenção e instrumento
de mitigação para os avanços da paz e segurança.
Para ilustrar a dimensão dos efeitos da fome, Graziano SEDE DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A
da Silva compara números de mortes por conflitos e ter-
Agricultura em Roma, na Itália

rorismo às cifras relacionadas ao falecimento por fome.


Entre 2004 e 2009, estima-se que 55 mil pessoas perde- tecer, mas podemos prevenir que ela se transforme em
ram a vida como resultado direto de conflitos e atos terro- fome”, adicionou.
ristas, enquanto apenas na Somália, entre 2010 e 2012, Lembrando que o impacto dos conflitos nas áreas ru-
mais de 250 mil pessoas morreram de fome causada por rais duram muito mais do que a própria violência, o chefe
uma grave seca. da FAO observou que o investimento na agricultura, prin-
“Não podemos esperar uma emergência para reagir. cipal meio de vida da maioria dos países em situação de
Para alcançar a segurança alimentar, precisamos agir pós-conflito, representa uma maneira crucial de aliviar a
antes da crise. Não podemos prevenir a seca de acon- pobreza e garantir o desenvolvimento.

7
HISTÓRIA

Graziano foi o responsável pelo desenho e a im- um sobre Estudos Latino-Americanos, pela University
plementação, em 2003, do programa Fome Zero, que College of London, e o outro sobre Estudos do Meio
obteve grande êxito no Brasil. Antes de ser eleito para Ambiente, pela University of California, em Santa Cruz,
o posto máximo da FAO, Graziano foi diretor-geral ad- Estados Unidos.
junto e representante da FAO para América Latina e Em junho do ano passado, ele foi reeleito para o cargo
Caribe entre 2006 e 2011. É formado em agronomia de diretor-geral da FAO, sendo o único candidato ao cargo
com mestrado em economia rural e sociologia pela – ele foi reconduzido com o voto de 177 dos 182 países
Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em presentes na 39ª conferência da entidade, em Roma, Itá-
ciências econômicas pela Universidade Estadual de lia. Eleito pela primeira vez em junho de 2011, Graziano
Campinas. Além disso, concluiu dois pós-doutorados, ficará no cargo por mais quatro anos, até julho de 2019.
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VOCÊ SABIA?
Muitos alimentos consumidos hoje foram inven- Borden patenteou um méto-
tados para “matar a fome” de soldados durante as do para fabricar leite condensa-
guerras, momentos em que a falta de recursos e do em 1856.
alimentos é problemática. Os M&Ms, por exemplo, A novidade ficou meio esquecida até
tão festejados por adultos e crianças de todo o mun- o início da Guerra de Secessão (1861-1865),
do, surgiram para alimentar soldados. E não surgi- quando o exército dos estados do norte incluiu o
ram nos Estados Unidos – pelo menos não com este produto na ração das tropas.
nome. Eles eram usados pelas tropas espanholas Quando voltavam para casa de licença, os solda-
durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). dos contavam às famílias sobre o novo tipo de leite.
O empresário americano Forrest Edward Mars O produto vendeu tanto que a fábrica de Borden
ficou sabendo das pelotas de chocolate envolvidas mal conseguia atender às encomendas.
numa casca dura açucarada, que impedia o calor de Bem antes disso, na década de 1860, o impera-
derreter a guloseima e, inspirado pela ideia, criou os dor francês Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bo-
confeitos M&M’s, nome originado das iniciais dos naparte, ofereceu um prêmio a quem descobrisse
sobrenomes de Mars e de seu sócio, Bruce Murrie. uma alternativa barata para a manteiga – na época,
Em 1941, o produto já estava no mercado, mas um produto caro e escasso. Até hoje os historiado-
ganhou impulso quando o exército americano pas- res discutem se o imperador fez isso para facilitar a
sou a incluir os chocolates na alimentação dos solda- vida dos franceses pobres ou para abastecer suas
dos da Segunda Guerra. forças armadas, às vésperas da Guerra Franco-Prus-
Com o leite condensado também foi assim. siana (1870-1871). Seja como for, o químico Mè-
Procurando uma forma de prolongar o armazena- ge-Mouriès apresentou a margarina, em 1869,
mento do leite, reduzir seu volume e contornar levando o prêmio de Napoleão III. E a margarina
a falta de refrigeração, o inventor americano Gail também foi à guerra.

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A FOME NO MUNDO

QUEM DISSE?
“Quem tem fome, “Ainda há gente que “Deus é quem nutre
tem pressa” não sabe, quando todos os homens, e
Herbert José de Sousa, se levanta, de onde o Estado é quem os
conhecido como Betinho, virá a próxima reduz à fome”
criador do projeto Ação da
Cidadania contra a Fome, a refeição, e há Walter Benjamin , filósofo e
crianças com fome sociólogo judeu-alemão
Miséria e pela Vida
que choram”
“A alma da fome é Nelson Mandela, líder político
e ex-presidente
política!” da África do Sul
Do mesmo Betinho

“A fome e a
miséria terão que Wikipedia/ domínio público
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estar em todos os
debates, palanques e
comícios”
Betinho “Fome e guerra não
obedecem a qualquer
“No mundo governa lei natural - são
“Um homem com
um czar impiedoso: criações humanas”
fome não é um
fome é o seu nome” Josué de Castro, escritor e
homem livre” Nikolay Nekrasov, político brasileiro, ativista do
Robert-Louis Stevenson, escritor russo combate à fome
escritor escocês

“Se há no mundo
“Quem tem fome
um ocioso, deve
não tem escolha. O
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haver também
seu espírito não vem
alguém prestes a
de onde ele gostaria,
morrer de fome”
mas da fome”
Leon Tolstoi, escritor russo
Max Frisch, escritor suíço

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HISTÓRIA

LINHA DO TEMPO
476 A.C. 1.200 ção e a distribuição de alimentos
nas regiões que não lhes davam
IMPÉRIO ROMANO LONDRES suporte político.
Os primeiros casos de fome de Superpopulação, colheitas ruins O canibalismo é relatado na
que se tem notícia datam de e epidemias ajudam a entender Hungria durante a fome de 1505
436 a.C., quando milhares de os períodos de fome na Europa e 1598 – pais chegavam a se ali-
romanos famintos chegavam durante a Idade Média. As cri- mentar com a carne de seus pró-
até mesmo a se afogar no Rio Ti- ses de escassez de alimentos prios filhos mortos, para garantir a
bre tamanha a fome e a falta de foram causadas principalmente sobrevivência. Em 1600, meio mi-
perspectiva. Para os imperadores, pela rigidez do sistema feudal, lhão de russos morreram de fome,
o controle sobre o alimento que combinado com as precárias quando lavouras foram destruídas
chegava a Roma e sua distribui- práticas culturais e aumento a mando do governo. Na Ásia, a
ção entre a população eram for- excessivo da população urbana. fome na Índia em 1702-1704 ma-
A falta generalizada e contínua tou cerca de 2 milhões.
mas de dominação.
de alimentos provocou a des-
nutrição na população e abriu 1845-1849
1064-1072 as portas para a proliferação
de doenças endêmicas como a IRLANDA
EGITO peste negra. Em 1235, londri- O episódio que ficou conhecido
nos chegavam a se alimentar como “A grande fome da bata-
de casca de árvore para sobrevi- ta” aconteceu na Irlanda, quan-
ver. O saldo de mortos é de 20 do um fungo destruiu as folhas
mil pessoas só em Londres.  e os tubérculos, fazendo com
que as batatas apodrecessem
1.300 devido à praga antes mesmo de
serem colhidas. Praticamente
ITÁLIA toda a cultura de batata foi des-
Na península itálica, as piores truída durante quatro anos con-
crises de fome atingiram princi- secutivos. A batata era um item
palmente a população rural do básico da alimentação irlande-
norte. Além da má distribuição sa e a falta dela provocou fome
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de chuvas, a produção agrícola generalizada, com o registro de


DURANTE O SÉCULO 11 D.C., O EGITO ENFRENTOU foi prejudicada e destruída pelas 1 milhão de mortes.
secas que mataram milhares de pessoas de fome constantes guerras internas.
1876-1879
Durante sete anos consecutivos, 1500-1700
não aconteceram as tradicionais CHINA E ÍNDIA
cheias anuais do Rio Nilo. Não EUROPA ORIENTAL Três anos de seca severa no norte
houve colheita de grãos e legu- A maioria das ocorrências de da China levam a morte de 9 a
minosas e milhares de pessoas fome pode ser considerada como 13 milhões de pessoas por fome.
morreram de fome. Alguns prati- de origem política. A disputa pelo Circunstâncias semelhantes re-
caram o canibalismo como forma poder fazia com que os adminis- sultam em mais 5 milhões de
de sobrevivência. tradores controlassem a produ- mortos na Índia.

10
A FOME NO MUNDO

todo o seu estoque de cereais de pessoas morreram no episó-


confiscado para o abastecimento dio que ficou conhecido como a
das grandes cidades.   A popula- “Grande Fome de Bengala”. A Ín-
ção rural ficou sem alimentos. Fo- dia, então sob domínio britânico,
ram registrados entre seis e oito teve toda a sua comida confisca-
milhões de mortos. da pelas autoridades para garan-
tir a alimentação dos soldados e
1941 operários de guerra britânicos.
LENINGRADO 1958-1961
CHINA
A “Grande Fome da China” pode

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ser explicada por uma série de er-
ros políticos. Durante o programa
comunista “Grande Salto Adiante”,
SELO RUSSO DE 1974 ILUSTRA O CERCO À CIDADE lançado por Mao Tsé-tung, a agri-
cultura foi organizada em comuni-
russa de Leningrado, hoje chamada São Petersburgo

Entre 1941 e 1944, durante dades e o cultivo de terra privado


872 dias, o cerco à cidade rus- ficou proibido. A coletivização for-
sa de Leningrado pelas forças çada reduziu os incentivos para os
armadas da Alemanha e da Fin- camponeses trabalharem correta-
lândia, impedindo a entrada e mente. Além disso, a população era
fortemente incentivada a produzir
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a saída de qualquer alimento,


provocou a morte por fome e ferro e aço – calcula-se que cerca
1928 doenças correlatas de cerca de de 90 milhões de trabalhadores
1 milhão de pessoas. Em 1943 deixaram a lavoura para se dedicar
CHINA o cultivo de hortaliças e legu- às fornalhas. Como consequência,
O rio Huang He inunda, des- mes em todas as áreas dispo- as colheitas apodreceram.
truindo plantações e ocasionan- níveis da cidade minimizou o As técnicas agrárias também
do mais de 3 milhões de morte sofrimento dos moradores, mas mudaram por imposição, o que
por fome. não resolveu a questão. Existem resultou em baixas colheitas. O
relatos de canibalismo. governo incentivava, por exem-
1932-1934 plo, os camponeses a plantar
1943-1960 profundamente no solo, de 1 a 2
URSS metros, porque acreditavam que
Na União Soviética, a crise foi cau- ÍNDIA a terra “bem ao fundo” era mais
sada pelo declínio da produção A ocupação japonesa da Birmâ- fértil. Só que a areia e as pedras
agrícola. O governo comunista nia (União de Mianmar)  durante jogadas por cima das sementes
impôs uma rígida coletivização a Segunda Guerra Mundial cor- enterravam o solo de vez.
dos meios de produção. Alguns tou o transporte de arroz para o O resultado foi 45 milhões de
agricultores reagiram e tiveram leste da Índia. Cerca de 2 milhões mortes por fome.

11
HISTÓRIA

LINHA DO TEMPO

1967-1974 falta de meios de transporte e “revolução rural”, o país precisava


de planejamento não conseguiu regredir à economia camponesa
ÁFRICA fazer chegar os alimentos nas – sem cidades, indústrias, moe-
regiões necessitadas. Morreram da ou educação. Os moradores
500 mil pessoas e 5 milhões de das cidades foram obrigados a
cabeças de gado. se mudar para o campo, sem es-
toque de alimentos ou abrigo.
Isto quebrou a economia do país
e desestruturou toda a produção.
A falta de alimentos provocou a
inanição e a morte de milhares

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de pessoas, principalmente crian-
ças e idosos.
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CRIANÇAS NO CAMPO DE REFUGIADOS DE 1990


Foram milhões de vítimas da Dabaad, na Somália, onde milhares de somalis

fome durante a Guerra Civil que


esperaram por ajuda por causa da fome COREIA DO NORTE
durou de 1967 a 1970. Em 1973, na Etiópia, uma onda A fome resultante de inunda-
Entre 1967 e 1969 aconteceu de seca dizimou 100 mil pessoas e ções, seca e má gestão econômi-
uma guerra civil no estado nige- grande parte do rebanho. O impe- ca matou 3 milhões na Coreia do
riano de Biafra. O líder Ojukwu rador Hailé Selassié (1892-1975) Norte comunista (1995-1999).
queria a independência de três não permitiu a divulgação da si-
estados da Nigéria habitados pela tuação nem ajuda internacional, 1992
etnia Ibo. Tropas federais do go- para não espantar os turistas que SOMÁLIA
verno central, em contra ofensiva, sempre visitavam o país. A fome matou 220 mil pesso-
fecharam todas as fronteiras da re- Na Somália, em 1974, a falta as na Somália, devido à seca alia-
gião, impedindo o suprimento de de chuvas provocou declínio da da à guerra civil que o país vive
alimentos. Morreram cerca de 1,5 produção de alimentos. No ano desde 1991, data da queda do
milhão de pessoas de fome, sede seguinte, a União Soviética, com presidente Siad Barre.
e doenças correlatas. sua frota de aviões, transportou
Entre 1968 e 1974, na região 120 mil famintos e os acomo- 2010-2012
do Sahel, na África, principalmen- dou em fazendas coletivas no
te no Senegal, na Mauritânia, no sul do país. SOMÁLIA
Mali, no Alto Volta, na Nigéria,
no Níger e no Chad, a falta de 1976
chuvas prejudicou a produção
de alimentos. A inanição matou CAMBOJA
milhares de pessoas. Instituições Entre 1976 e 1979, cerca de um
religiosas e de assistência social milhão de pessoas morreram de
solicitaram auxílio internacional inanição causada por motivos
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e os alimentos chegaram em boa políticos. Os “khmers vermelhos”


quantidade. A corrupção desviou (comunistas) que dominavam o
muita coisa, a má distribuição por país, entendiam que para fazer a

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A FOME NO MUNDO

Quase 260 mil somalis morre- 2016 usa a fome e a miséria como ar-
ram de fome entre outubro de mas. De acordo com a organiza-
2010 e abril de 2012. A fome COREIA DO NORTE ção Médicos Sem Fronteiras, pelo
afetou quase quatro milhões de Este ano, enquanto a Coreia do menos 28 pessoas já morreram
pessoas, metade da população Norte celebrava o que classificou de fome em Madaya, uma das
do país, e foi provocada princi- como um teste exitoso da bomba cidades sitiadas, desde dezem-
palmente por uma grave seca no de hidrogênio (ou bomba H, uma bro do ano passado. Fotografias
Chifre da África, agravando a ca- variante mais poderosa e destru- que circulam pelas redes sociais
tastrófica situação da segurança tiva do que as bombas nucleares captam pessoas comendo grama,
no país, que está em guerra civil tradicionais), a ONU lançava um terra e carne de gato.
desde a queda do presidente alerta dizendo que milhares de A guerra civil na Síria, que ma-
Siad Barre, em 1991. crianças estão morrendo de fome tou mais de 220 mil pessoas, já
No período, a Organização das e de diarreia porque o país não dura quase quatro anos e não há
Nações Unidas (ONU) decretou consegue tratar a água e cultivar a indicações de que o conflito es-
que o país vivia uma “epidemia terra. Ano após ano, organizações teja próximo do fim. Os esforços
de fome”. de direitos humanos denunciam para promover um diálogo entre
Enquanto muitos países do a piora do cenário na Coréia do representantes do regime do di-
mundo enfrentam crises de se- Norte. A ONU faz reiterados pedi- tador Bashar al-Assad estão para-
gurança alimentar, com grande dos para que o líder Kim Jong-un lisados. Os protestos contra o re-
número de pessoas famintas e seja levado a julgamento por cri- gime para tirar Assad do poder se
incapazes de obter alimento su- mes contra a humanidade. transformaram em uma violenta
ficiente, raramente as condições guerra civil sectária que dividiu
atendem aos critérios formais da 2016 ainda mais o país. A oposição sí-
comunidade humanitária para ria moderada perdeu espaço com
designar uma epidemia. O ter-
SÍRIA o avanço de diversos grupos ex-
mo foi utilizado na Somália, por Mais de 400 mil pessoas vivem tremistas, sendo o Estado Islâmi-
exemplo, em 1991 e 1992, e de- em zonas sitiadas e o governo co o mais poderoso deles.
pois não mais, apesar de vários
períodos de seca prolongada e
outros problemas terem atingido
o país nos anos seguintes.
A epidemia de fome pode ser
declarada apenas quando certas
medidas de desnutrição, morta-
lidade e fome são atendidas. São
elas: pelo menos 20% das famílias
em uma área enfrentando falta de
alimentos extrema, com uma capa-
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cidade limitada de lidar com o pro-


blema; taxas de desnutrição aguda
excedendo 30%; e a taxa de morta-
lidade superior a duas pessoas por
dia para cada dez mil pessoas. CRIANÇA SÍRIA EM FRENTE À TENDA EM QUE MORA NO CAMPO DE REFUGIADOS DE AMMAN, NA JORDÂNIA

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CORPO FAMINTO

A BIOLOGIA
DA FOME
QUANDO SE DEPARA COM A FALTA DE COMIDA, O CORPO ACIONA
SEUS MECANISMOS DE DEFESA. MAS NEM SEMPRE ISSO É O
SUFICIENTE PARA GARANTIR A SOBREVIVÊNCIA

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F
OME SIGNIFICA CARÊNCIA ALIMENTAR E UMA SENSA- Sobre a quantidade, a equa-
ção incessante de estômago vazio que decor- ção é simples: o corpo preci-
re justamente da não ingestão de alimentos. sa consumir diariamente uma
A energia proveniente dos alimentos em quantidade de calorias no míni-
forma de calorias é a carga de que o corpo pre- mo igual a que é gasta nas ati-
cisa para manter sua sustentação e saúde. E para vidades rotineiras. A Organiza-
saciar a necessidade de alimento do corpo, é pre- ção das Nações Unidas (ONU)
ciso atenção a duas medidas: quantidade e quali- e a Organização Mundial da
dade da comida. Saúde (OMS) definem que, por

14
A FOME NO MUNDO

“Existem duas maneiras de morrer


de fome: não comer nada e definhar
de maneira vertiginosa até o fim,
ou comer de maneira inadequada e
entrar em um regime de carências
ou deficiências específicas, capaz
de provocar um estado que pode
também conduzir à morte.”

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dia, cada pessoa precisa consumir, no mínimo, Castro também afirmou
2.500 calorias. que “existem duas maneiras
A fome que decorre da baixa ingestão de calo- de morrer de fome: não comer
rias recebe o nome de global, energética ou caló- nada e definhar de maneira ver-
rica. No livro “O que é fome” (Brasiliense, 1998), tiginosa até o fim, ou comer de
Ricardo Abramovay define a fome calórica como maneira inadequada e entrar
“um fenômeno quantitativo, que pode ser defi- em um regime de carências ou
nido como a incapacidade de a alimentação diá- deficiências específicas, capaz
ria fornecer um total calórico correspondente ao de provocar um estado que
gasto energético realizado pelo organismo”. pode também conduzir à mor-
Mas não é apenas a quantidade de calorias que te”. Para ele, “mais grave que a
define um corpo bem alimentado. Para isso, é fome aguda e total, devido às
preciso que o corpo receba, com frequência, de- suas repercussões sociais e eco-
terminados elementos nutritivos. nômicas, é o fenômeno da fome
A variedade de alimentos consumidos pelo ho- crônica ou parcial, que corrói
mem deve conter seis classes de nutrientes: carboi- silenciosamente inúmeras po-
dratos, gorduras, proteínas, vitaminas, minerais e pulações do mundo”.
água. A falta deles provoca o mau desempenho do
organismo, que favorece distúrbios e lesões.
Para este tipo de fome, mais discreta que a
calórica, deu-se o nome de parcial, específica ou NÚMEROS
oculta. “É este um dos capítulos mais trágicos
da patogenia alimentar: o dos estados de fome DE QUE SEU CORPO PRECISA
oculta, mal caracterizados, mas que na verda-
de conduzem o organismo a um estado de in- 2.500
é o que o corpo precisa consumir de calorias diárias
capacidade relativa, de baixa produtividade e
de fraca resistência a todo um cortejo de outras para manter seu bom funcionamento
doenças que se vêm enxertar sobre o organismo
depauperado”, destacou Josué de Castro, um 6
são as classes de nutrientes necessários ao bom
dos grandes especialistas brasileiros no tema,
em sua obra Geopolítica da fome: ensaio sobre funcionamento do organismo: carboidratos,
os problemas de alimentação e de população do gorduras, proteínas, vitaminas, minerais e água
mundo (Brasiliense, 1957).

15
CORPO FAMINTO

JOSUÉ DE CASTRO, NOMEANDO A FOME


PESQUISADOR E ATIVISTA
POLÍTICO A CLASSIFICAÇÃO POR TIPO E CAUSA
A fome global, energética ou calórica tende a ser agu-
da, matando rapidamente suas vítimas pela total falta
O HOMEM QUE ENTENDEU A FOME de alimentos, e epidêmica (ou aberta que é outra de-
NO BRASIL nominação para a mesma coisa), ou seja, ela ocorre ge-
Josué de Castro (1908-1973) foi um pensador e ati- ralmente devido a situações específicas de uma dada
vista político brasileiro nascido na cidade de Recife, região ou localidade, como pragas que atingem a agri-
Pernambuco. Apesar de não ser geógrafo de forma- cultura e impedem o fornecimento de comida, catás-
ção (sua graduação era em medicina), tornou-se um dos trofes climáticas como terremotos, inundações e secas
maiores pensadores da Geografia, em virtude, prin- prolongadas, e também por guerras que destroem as
cipalmente, das obras “Geografia da Fome” e “Geo- plantações e acabam com o acesso à comida.
política da Fome”. Já a fome parcial, específica ou oculta, tende a ser
crônica, ou seja, ela mata lentamente suas vítimas pela
GEOGRAFIA DA FOME falta permanente de determinados nutrientes; e en-
Ele exerceu a Presidên- dêmica, ocorrendo sempre em virtude da má nutrição.
cia do Conselho Exe- Hoje, ela ocorre principalmente em países da África,
cutivo da Organização abaixo da região do Saara, e no sul da Ásia, locais em
das Nações Unidas para permanentes guerras civis.
Agricultura e Alimenta-
ção (FAO), e foi também
embaixador brasileiro CONSEQUÊNCIAS DA FOME
junto à Organização das
Nações Unidas (ONU). Os efeitos mais comuns causados pela fome, prin-
Recebeu da Academia cipalmente nos países do terceiro mundo, são a
de Ciências Políticas desnutrição calórico-proteica (provocada pela
Reprodução

dos Estados Unidos falta de calorias e proteínas), a xeroftalmia (de-


o Prêmio Franklin D. ficiência de vitamina A que pode levar à ceguei-
Roosevelt. O Conselho ra), a anemia (deficiência de ferro), o raquitismo
Mundial da Paz lhe ofereceu o Prêmio Internacional (deficiência de vitamina D), o bócio (aumento da
da Paz e o governo francês o condecorou como Oficial tireoide) e os distúrbios causados pela carência
da Legião de Honra. Foi ainda indicado ao Nobel da de vitaminas do grupo B (responsáveis pelo bom
Paz nos anos de 1953, 1963 e 1964. funcionamento do sistema digestivo e pelo apro-
Castro defendia que a fome e a miséria do mun- veitamento energético dos alimentos).
do não eram resultantes do excesso populacional e A subnutrição, ou desnutrição, é um estado pa-
da escassez de recursos naturais. tológico causado pela falta de ingestão ou absorção
Em suas obras, provou que a questão da fome não de nutrientes. Dependendo da gravidade, a doença
se tratava do quantitativo de alimentos ou do número pode ser dividida em primeiro, segundo e terceiro
de habitantes, mas sim da má distribuição das rique- grau. Existem casos muito graves, cujas consequên-
zas, concentradas cada vez mais nas mãos de menos cias podem chegar a ser irreversíveis, mesmo que
pessoas. Por isso, acreditava que a fome não seria re- a pessoa continue com vida. E há casos leves, que
solvida com a ampliação da produção de alimentos, geralmente resultam de uma dieta inadequada.
mas com a distribuição dos recursos e da terra. Ela pode ser primária, causada por dieta ina-
dequada, ou secundária, causada por patologia,

16
A FOME NO MUNDO

como parasitas ou má-absorção dos alimentos.


Também pode ser classificada pelo nutriente que
está em falta no organismo:

• desnutrição seca ou marasmo: falta de fontes


de energia;
• desnutrição molhada ou kwashiorkor: falta de
proteína e vitaminas;
• desnutrição mista ou marasmo-kwashiorkor:
falta de todos nutrientes.

Todas as formas de desnutrição, quando não


afetam suas vítimas diretamente, facilitam o apa-
recimento de outras doenças, que acabam levan-
do o desnutrido à morte. Por exemplo, os óbitos
de crianças pobres nos países do Terceiro Mundo
não apontam a fome ou a subnutrição como cau-
sa dessas mortes. Figuram como causas a pneu-
monia, a desidratação, a tuberculose, o sarampo,
entre outras.
Uma curiosidade: a palavra kwashiorkor é ori-
ginada de um dialeto africano de Gana e possui
Michelle D. Milliman / Shutterstock

vários significados, sendo o mais utilizado o de


“criança desmamada”. O kwashiorkor ocorre
quando um bebê ainda alimentado por leite ma-
terno é desmamado para dar a vez a outro filho
recém-nascido. Geralmente, a criança passa a re-
ceber uma alimentação pobre em leite devido à
condição de extrema pobreza da família. a ter o seu peso 60% inferior CRIANÇA HAITIANA SE
alimenta de pão oferecido
Assim, o kwashiorkor é uma doença causada ao normal. por missionários. Fome
pela falta de proteínas e ocorre em crianças acima Existem ainda os casos de des-
no país foi agravada após
terremoto de 2010
de seis meses de idade. Caracteriza-se por apre- nutrição leve e moderada, cha-
sentar: inchaço do ventre, dando aspecto balofo; mados respectivamente de pri-
lesões na pele; parada do crescimento; retarda- meiro e segundo grau. Trazem,
mento mental, às vezes irreversível; lesões no fí- também, graves consequências
gado, com degeneração gordurosa; descoramen- à saúde e ao desenvolvimento
to dos cabelos; comportamento apático, triste, do ser humano e minam a resis-
retraído. As crianças com kwashiorkor chegam a tência orgânica, abrindo brechas
atingir 2 ou 3 anos de idade indiferentes ao mun- para o estabelecimento de vá-
do que as rodeia: não engatinham nem andam, e rias doenças.
geralmente morrem de doenças como coquelu-
che, rubéola e sarampo.
O marasmo, outra forma de extrema desnu- COMO O CORPO
trição, causada pela deficiência de calorias na
dieta alimentar da criança, ocorre geralmente REAGE À FOME
nas primeiras semanas de vida. Caracteriza-se Sessenta dias é o tempo que o
por emagrecimento, parada do crescimento lon- organismo leva para, literalmen-
gitudinal e extrema debilidade. A criança chega te, morrer de fome. No livro

17
Shutterstock
CORPO FAMINTO

Passados no máximo 20 dias, o corpo começa um para gerar energia; a muscula-


processo de canibalismo interno: o organismo tura perde o relevo e se atrofia.
Isto acontece nos músculos vo-
passa a consumir as próprias proteínas luntários, responsáveis pelos
movimentos, e também nos in-
Fisiologia Humana, do argentino Bernardo A. voluntários, como os das pare-
Houssay (1887-1971), ganhador do Prêmio No- des do estômago, das veias e de
bel de 1947, é possível conferir o que acontece outras vísceras.
com o corpo ao longo deste período. Passados no máximo 20 dias,
Nos três primeiros dias sem ingerir alimentos, o corpo começa um processo de
além do incômodo pela fome persistente e dos canibalismo interno: o organismo
roncos do aparelho digestivo, ocorre o aumento passa a consumir as próprias pro-
da salivação na boca. Também aumenta a secreção teínas, de tecidos e órgãos, para
de sucos gástricos. O cérebro emite alerta infor- suprir sua necessidade de energia.
mando que há falta de combustível nas artérias. Neste momento, o corpo já deve
Todos os sentidos ficam mais aguçados, visão, au- ter perdido mais de 10% do total
dição e principalmente o olfato. Mas ainda não há de seu peso. Os batimentos car-
sinal de perigo. díacos caem para cerca de 70 para
Desde que beba água, um adulto saudável pode 60 por minuto, a pressão aumen-
ficar de dez a 20 dias em completa abstinência de ta, a temperatura do corpo oscila
comida sem o risco de sofrer danos irreversíveis e começa uma gradual debilitação
ao corpo. Isso acontece porque o organismo man- física e mental.
tém uma reserva de cerca de 6 mil calorias. A morte chega até 60 dias de-
Depois de no máximo quinze dias de jejum, as pois, geralmente com o corpo em
proteínas dos músculos passam a ser queimadas coma ou durante uma convulsão.

18
A FOME NO MUNDO

O QUE ACONTECE COM O ORGANISMO SEM ALIMENTO


1 A 3 DIAS SEM COMIDA 15 DIAS SEM COMIDA
O cérebro envia sinal de que falta combustível As proteínas dos músculos passam a ser
para o funcionamento do corpo. queimadas para gerar energia.
A vontade de comer é angustiante. A musculatura perde o relevo e se atrofia –
Aumenta a produção de saliva na boca e de inclusive as da parede do estômago, veias
sucos gástricos. e outras vísceras.
Roncos são constantes.
Sentidos ficam mais aguçados, visão, audi-
ção e principalmente o olfato.

Shutterstock
10 DIAS SEM COMIDA 20 DIAS SEM COMIDA
Se estiver recebendo água, o organismo de O corpo começa um processo de canibalis-
um adulto consegue seguir em completa mo interno. O organismo passa a consumir
abstinência de alimentos, utilizando as re- as próprias proteínas, de tecidos e órgãos,
servas de caloria do próprio corpo. para suprir sua necessidade de energia.
Corpo perde 10% do total de seu peso.
60 DIAS SEM COMIDA Batimentos cardíacos caem para
A morte é inevitável e acontece em 60 por minuto.
coma ou durante uma convulsão. Pressão arterial aumenta.
Começa a debilitação física e mental.

O OUTRO LADO DA FOME


COMBATE À FOME
NO MUNDO
A meta do milênio
determinava que os
países reduzissem pela
metade, entre 1990 e
2015, a proporção de
pessoas subnutridas, ou
reduzissem essa proporção
a menos de 5%.
A avaliação não se aplica a
regiões desenvolvidas.

META DO MILÊNIO ALCANÇADA META DO MILÊNIO NÃO ALCANÇADA, META DO MILÊNIO NÃO ALCANÇADA, COM DADOS INSUFICIENTES OU
COM PROGRESSO LENTO FALTA DE PROGRESSO OU DETERIORAÇÃO NÃO ALCANÇADOS
FONTE: FAO/ ONU

19
CORPO FAMINTO

MAPA DA OBESIDADE

PREVALÊNCIA DA OBESIDADE (%)


(IMC ≥ 30 KG/M²)
<5

5–14.9

15–24.9

>25

DADOS NÃO AVALIADOS

NÃO APLICADO FONTE: WORLD HEALTH ORGANIZATION

Os números falam por si: há, hoje, no mundo, com sucesso a fome, mas regis-
2 bilhões de pessoas subnutridas e quase o mesmo traram, ao mesmo tempo, um
número de obesos. Isso significa que quase dois aumento do número de pesso-
terços da população mundial se alimentam mal – as acima do peso. E isto tem
com consequências negativas não somente para a explicação: os hábitos alimen-
saúde dos indivíduos, mas também para os siste- tares caminham cada vez mais
mas de saúde nacionais e para a economia. em direção ao consumo de ali-
Anualmente, a Organização Mundial da Saúde mentos processados e altamen-
(OMS) estima que 2,5 milhões de pessoas morram te calóricos.
vítimas dos efeitos da obesidade. Com uma dieta Enquanto na Ásia, por
altamente calórica e pobre em nutrientes, o risco exemplo, o macarrão instan-
de pessoas com sobrepeso contraírem diabetes e tâneo pobre em nutrientes é
doenças cardiovasculares, como também diversos o que contribui para a má nu-
tipos de câncer, é muito maior do que em pessoas trição, em países industriali-
de peso normal. A OMS acredita que, atualmente, zados, cidadãos mais pobres
sobrepeso e obesidade provoquem mais mortes comem cada vez mais produ-
que a fome. tos prontos com alto teor de
A definição de sobrepeso se aplica a indivíduos gordura, açúcar e sal, como
com um índice de massa corporal (IMC) acima hambúrgueres, batatas fritas,
de 25. A partir do IMC 30, a pessoa é considera- cachorros-quentes, sopas ins-
da obesa. Adotado OMS, o IMC é determinado tantâneas, torradas e pizzas
pela divisão do peso do indivíduo por sua altura congeladas. O resultado: mui-
ao quadrado. tos obesos também sofrem de
Nos últimos anos, economias emergentes, subnutrição, já que ingerem
como a China e o México, conseguiram reduzir poucos nutrientes.

20
A FOME NO MUNDO

O CORPO QUE PASSA FOME


A FOME NÃO É SENTIDA APENAS PELO ESTÔMAGO. ELA AFETA CADA PARTE DO
ORGANISMO E SEUS EFEITOS PODEM SER PERMANENTES

CÉREBRO
Um cérebro saudável gasta 20% da energia
total do corpo. E energia é igual a comida.
Uma criança desnutrida fica para trás na
escola: ela não consegue se concentrar. Ou
fica mesmo de fora da escola porque tem
que trabalhar para tentar colocar comida
na mesa.

CORAÇÃO
Um coração saudável bomba sangue cons-
tantemente para todo o corpo. Um coração
subnutrido encolhe, literalmente. E, por
isso, ele tem que trabalhar mais para bom-
bar o sangue. A pressão alta é uma das con-
sequências da fome.

ÓRGÃOS VITAIS
Em um corpo saudável, o fígado e os rins
filtram toxinas e resíduos, enquanto o sis-
tema imunológico trabalha para combater
as doenças. Em uma pessoa que passa
fome, as toxinas se acumulam no fígado
e os rins falham. Um sistema imunológico
enfraquecido desmorona diante de qual-
quer doença.

PELE E OSSOS
Em uma pessoa saudável, a pele protege
o organismo de infecções e os ossos ficam
maiores e mais fortes conforme o corpo
cresce.
Em uma pessoa que passa fome, rachadu-
ras na pele se tornam portas de entrada
para infecções. Os ossos param de crescer
e, por isso, crianças desnutridas parecem
pequenas para a idade que têm.

21
FOME DE QUÊ?

CAUSAS
DA FOME
DESPERDÍCIO, GUERRAS
E DESASTRES NATURAIS SÃO
OS PRINCIPAIS FATORES DA FALTA DE
ALIMENTOS, QUE PODE SER COMBATIDA
PELA PROMOÇÃO DA AGRICULTURA E
PELA DISTRIBUIÇÃO IGUALITÁRIA
Shutterstock

A
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALI- dutividade agrícola faz com que
mentação e a Agricultura (FAO)  alerta pessoas invadam florestas, pas-
para a existência de cerca de 800 milhões tagens e áreas úmidas, criando
de pessoas que ainda passam fome no um espiral de degradação am-
mundo e 2 bilhões que sofrem de deficiências biental e miséria.
de micronutrientes. Em torno de 159 milhões de Identificar as causas da fome
crianças menores de 5 anos de idade apresentam é fundamental para desenvolver
elevados graus de subnutrição que impactam no programas de impacto efetivo.
crescimento natural que seria esperado para a sua “As crianças não podem colher
idade. E cerca de 50 milhões de crianças na mesma plenamente os benefícios da es-
faixa etária registram baixo peso para a sua altura. colaridade se não obtêm os nu-
Por que isso acontece? São muitas as razões trientes de que necessitam; e as
para a existência da fome. Algumas, inclusive, economias emergentes não vão
se interligam e retroalimentam. Não há comida atingir seu pleno potencial se os
suficiente no mundo para alimentar a todos. No seus trabalhadores estão cronica-
centro do problema estão a pobreza e as questões mente cansados porque suas die-
de poder, que impedem o acesso a alimentos nu- tas são desequilibradas”, alerta o
tritivos. Esta situação é agravada pela degradação diretor-geral da Organização das
constante dos solos, da água doce, dos oceanos e Nações Unidas para a Alimen-
da biodiversidade que, por sua vez, inviabilizam tação e a Agricultura (FAO), o
uma boa produção agrícola. O declínio da pro- brasileiro José Graziano da Silva.

22
A FOME NO MUNDO

AS CAUSAS DA FOME
A extensão real da fome depende de uma combinação de fatores políticos, econômicos e naturais. Casos
de fome podem ser originados por políticas públicas ineficientes ou uma logística inadequada para a
distribuição de alimentos. Em alguns países, a pobreza e a violência é que atrapalham os processos
agrícolas e a distribuição de alimentos.
Inundações, secas, erupções vulcânicas, terremotos e outros desastres figuram entre as causas naturais
da fome. Por outro lado, guerras, conflitos civis, má gestão de recursos e outros eventos similares são
vistos como razões artificiais, mas também capazes de desenvolver a fome dentro de uma região.
De maneira resumida, as causas da fome podem ser assim definidas:

1 ECONÔMICAS – A pobreza é uma das principais causas da fome por impossibilitar o


acesso a alimentos que atendam às necessidades nutricionais do organismo. Crises
econômicas também são causa, já que culminam em aumento de preços dos alimen-
tos, desemprego e falta de crédito.

2 SOCIAIS – Pessoas pobres e famintas não têm condições de se fazer ouvir e proteger
seus próprios interesses, exigindo acesso à educação, à saúde, ao crédito e ao emprego.

3 POLÍTICAS – As guerras, inclusive as internas, interrompem a produção agrícola e,


muitas vezes, os governos gastam mais com armamentos do que com programas so-
ciais. A má distribuição da terra dificulta o acesso à economia e, consequentemente, aos
alimentos. Políticas erradas de importação e exportação ou de logística na distribuição
dos alimentos também podem ser causas da fome.

4 AMBIENTAIS – O excesso de consumo pelas nações ricas e o rápido crescimento po-


pulacional nos países pobres provocam o esgotamento dos recursos naturais. Secas
e enchentes, desmatamentos, amplas áreas dedicadas à pastagem, erosão do solo e
alagamentos pela construção de barragens condenam a agricultura.

5 TECNOLÓGICAS – Uma infraestrutura inadequada para o transporte de comida pode


causar fome, assim como sistemas e estoques ineficientes de água e irrigação.

23
FOME DE QUÊ?

Shutterstock
que será necessário aumentar em
Com 1/4 do total desperdiçado seria possível 60% a produção de alimentos
alimentar todas as vítimas de fome crônica no para dar conta das necessidades
mundo, afirma o responsável pela infraestrutura futuras da humanidade, um pata-
mar insustentável para o planeta.
rural da FAO, Robert van Otterdijk Para a coordenadora de um
relatório da FAO sobre os cus-
tos do desperdício alimentar,
DESPERDÍCIO: 1/3 DA Mathilde Iweins, “as superfícies
PRODUÇÃO MUNDIAL DE agrícolas utilizadas para a produ-
ção de alimentos que não serão
ALIMENTOS VAI PARA O LIXO utilizados equivalem às do Cana-
A Organização das Nações Unidas para Agricultu- dá e da Índia, em conjunto”.
ra e Alimentação (FAO) aponta que o desperdício é As principais razões do desper-
ainda uma das principais razões da fome no mundo dício são, nos países industrializa-
e estima que as perdas globais dos alimentos che- dos, o excesso de normas e regras,
guem a 1,3 bilhão de toneladas por ano – o que re- devido a preocupações sanitárias
presenta cerca de um terço da produção mundial de ou estéticas e, nos países em de-
alimentos – e mais de US$ 750 bilhões em dinheiro. senvolvimento, as reduzidas ca-
Para o responsável pela infraestrutura rural da pacidades de armazenamento e de
FAO, Robert van Otterdijk, com um quarto do acesso ao mercado. O diretor da
total desperdiçado seria possível alimentar todas FAO na Ásia e Pacífico, Hiroyuki
as vítimas de fome crônica no mundo. Konuma, alertou que a inflação
Segundo o especialista, “reduzir à metade esse também é uma barreira. “Os altos
desperdício bastaria para aumentar a produção preços, que são 50% maiores em
alimentar mundial em 32% e para conseguir dar termos reais comparativamente
comida a 9 bilhões de pessoas, a população mun- há dez anos, aumentam a vulnera-
dial prevista em 2050”. Peritos da ONU calculam bilidade dos pobres”, disse.

24
A FOME NO MUNDO

Shutterstock
COMO ALIMENTAR MAIS 2 terras cultiváveis a se explorar
BILHÕES DE HABITANTES? no mundo. Isso equivale a 16
milhões de quilômetros qua-
De acordo com dados da Divisão de População da drados, quase o dobro da área
ONU, em 2050 a população mundial deve atingir do Brasil, e a maioria destas áre-
8 bilhões de pessoas, na projeção baixa, 9 bilhões, as está espalhada pela África e
na projeção média, e 10 bilhões, na projeção alta. América Latina. Este número,
E para alimentar mais 2 ou 3 bilhões de habitan- segundo as estimativas, sem pre-
tes será essencial aumentar a produtividade agrí- cisar invadir áreas florestais ou
cola para combater a fome. Segundo cálculos da reservas naturais.
própria ONU, a produção agrícola mundial pre-
cisará crescer 60% para cobrir as necessidades de
alimentação de uma população mundial mais nu- CONSUMO
merosa, mais urbana e mais rica. Este crescimento EXCESSIVO
implica produzir 1 bilhão de toneladas de cereais e
200 milhões de toneladas de carne a mais por ano E INSUSTENTÁVEL
em relação aos níveis de 2007, segundo o relató- Para acabar com o problema da
rio de perspectivas agrícolas da Organização para fome cabe falar também em uma
a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas melhor distribuição da pro-
(FAO) e da Organização para a Cooperação e o dução agrícola. O que se tem,
Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2012. atualmente é, de um lado, a in-
Além disso, a expansão da área destinada à gestão excessiva de alimentos
produção de alimentos terá de ser de 144 milhões por grande parte da população
de hectares – portanto, falta de espaço, solo pou- mundial, em grande parte devi-
co fértil e escassez de água são problemas a se- do ao crescimento da classe mé-
rem enfrentados. Estimativas da ONU afirmam dia global. De outro, milhões de
que pode haver mais 1,6 bilhão de hectares de pessoas que não possuem acesso

25
FOME DE QUÊ?

proporcional à renda ao passo


que o consumo energético e a
obesidade são diretamente pro-
porcionais ao aumento da renda.
Ou seja, quanto mais renda, me-
nos fome, mas quanto mais ren-
da, mais obesidade decorrente de
um consumo excessivo e errado.
Sendo assim, melhores hábitos
alimentares e de consumo tam-
bém devem ser estimulados nos
países ricos, que apresentam uma
ingestão calórica insustentável e
desproporcionalmente alta.
Shutterstock

AGRICULTURA
à quantidade e qualidade suficientes de alimento
FAMILIAR
para suprir as necessidades básicas de energia de Nove em cada dez das 570 mi-
maneira saudável. lhões de propriedades agrícolas
Comparando a produção global de alimentos no mundo são geridas por famí-
de hoje com os números da fome, chega-se à con- lias, fazendo com que a agricul-
clusão de que poderia haver calorias e nutrientes tura familiar seja a forma mais
suficientes para todos no mundo. Basta dizer que predominante de agricultura
1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desper- existente e, consequentemente,
diçados ao ano e que um quarto deste total seria um potencial e crucial agente de
possível alimentar todas as vítimas de fome crôni- mudança para alcançar a segu-
ca do mundo, segundo a FAO. rança alimentar sustentável e a
Por que, então, os mecanismos das sociedades erradicação da fome no futuro.
para distribuir alimentos de forma mais equitativa A agricultura familiar produz
não funcionam? Por que a política de segurança ali- cerca de 80% dos alimentos no
mentar é mais complicada do que a realização de mundo, o que indica que ela é
um conjunto de acordos internacionais para trans- “vital para a solução do proble-
portar alimentos dos países com excedente para pa- ma da fome”, segundo o diretor-
íses deficitários? geral da FAO, José Graziano da
Estudiosos do tema área apontam a necessida- Silva, na introdução do novo
de de melhoria da condição de vida dos cidadãos, relatório da FAO de 2014 sobre
com maior acesso à renda e, consequentemente, o  Estado da Alimentação e da
aos alimentos, aliada a um forte trabalho de edu- Agricultura (SOFA 2014).
cação alimentar e de conscientização sobre a qua- A agricultura familiar é tam-
lidade nutricional dos alimentos. bém guardiã de cerca de 75% de
De acordo com estudo “Desigualdade do Con- todos os recursos agrícolas do
sumo Alimentar entre Países: Mensuração do mundo e, portanto, é fundamen-
Impacto da Renda sobre a Segurança Alimentar tal para a melhoria da sustentabi-
e Nutricional”, publicado na revista venezuelana lidade ecológica e dos recursos.
“Espacios”, em 2012, o índice de desnutrição e Embora existam produção
profundidade da fome nos países é inversamente e rendimentos impressionantes

26
A FOME NO MUNDO

Shutterstock
em terras geridas por agricultores familiares, mui- privado para trabalhar com os
tas propriedades de menor escala são incapazes de agricultores, no sentido de me-
produzir o suficiente para garantir meios de sub- lhorar os sistemas de inovação
sistência decentes para as próprias famílias. E os para a agricultura. Tais sistemas
pequenos produtores também estão entre os mais incluem todas as instituições e
vulneráveis às consequências do esgotamento dos atores que apoiam os agricul-
recursos e às alterações climáticas. tores no desenvolvimento e na
Sendo assim, a agricultura familiar tem um adoção de melhores formas de
triplo desafio. Primeiro: aumentar o rendimento trabalhar no mundo cada vez
agrícola para responder à necessidade mundial de mais complexo de hoje. A ca-
segurança alimentar e de uma melhor nutrição. pacidade de inovação deve ser
Segundo: garantir a sustentabilidade ambiental promovida em diversos ní-
para proteger o planeta e a própria capacidade veis, com incentivos para os
produtiva. Terceiro: aumentar a produtividade e a agricultores, investigadores,
diversificação dos meios de subsistência, a fim de prestadores de serviços de as-
sair da pobreza e da fome. De acordo com o rela- sessoria e cadeias de valor in-
tório SOFA, todos esses desafios implicam que os tegradas para interagir e criar
agricultores familiares precisam inovar. redes e parcerias que permitam
“Em todos os casos, os agricultores familiares partilhar informações, segun-
precisam ser líderes de inovação, pois só assim do o SOFA.
podem apropriar-se do processo e garantir que as Os responsáveis pelas políti-
soluções oferecidas respondam às necessidades”, cas devem considerar também a
afirmou Graziano. “A agricultura familiar é um diversidade da agricultura fami-
componente essencial dos sistemas alimentares liar em termos de tamanho, das
saudáveis de que precisamos para levar uma vida tecnologias utilizadas, e da inte-
mais saudável”, complementou. gração nos mercados, bem como
O relatório chama a atenção do setor públi- as configurações ecológicas e so-
co, das organizações da sociedade civil e setor cioeconômicas. Essa diversidade

27
FOME DE QUÊ?

Shutterstock
significa que os agricultores precisam de coisas dife- De fato, as propriedades agrí-
rentes dos sistemas de inovação. Ainda assim, todas colas com mais de 50 hectares,
as explorações agrícolas precisam de melhor gover- incluindo muitas de agricultores
nança, estabilidade macroeconômica, infraestru- familiares, ocupam dois terços
turas de mercado físicas e institucionais, educação, das terras agrícolas do mundo.
bem como de melhor investigação agrícola básica. Em muitos países de eleva-
O investimento público em pesquisas agríco- do rendimento e de rendimen-
las, bem como em serviços de extensão e assesso- to médio superior, as grandes
ria – que devem ser mais participativos – devem propriedades agrícolas, respon-
ser incrementados para enfatizar a intensificação sáveis pela maior parte da pro-
sustentável e acabar com as diferenças de rendi- dução agrícola, detêm também a
mento e produtividade da mão-de-obra que ca- maior parte das terras agrícolas.
racterizam os setores agrícolas em muitos países Mas, na maioria dos países de
em desenvolvimento. baixo rendimento e de rendi-
Embora os estudos agrícolas sejam feitos por mento médio inferior, as peque-
empresas privadas na maioria dos casos, o investi- nas e médias propriedades agrí-
mento do setor público é indispensável para asse- colas ocupam grande parte das
gurar a pesquisa em áreas de pouco interesse para o terras para o cultivo e produzem
setor privado – como pesquisa básica, culturas órfãs, a maioria dos alimentos.
ou práticas de produção sustentáveis. As pequenas proprieda-
des produzem uma proporção
DADOS SOBRE A maior de alimentos no mun-
do em relação à quantidade de
AGRICULTURA FAMILIAR terras de que usufruem, já que
Segundo o relatório da FAO, a maioria das pro- tendem a ter rendimentos mais
priedades agrícolas familiares é pequena. Oitenta elevados do que explorações
e quatro por cento das culturas de todo o mundo agrícolas com maiores dimen-
têm menos de dois hectares. No entanto, o tama- sões dentro dos mesmos países e
nho das propriedades agrícolas varia amplamente. ambientes agroecológicos.

28
A FOME NO MUNDO

No entanto, grande parte da produção mundial


de alimentos envolve trabalho não remunerado rea- COMPRAS PÚBICAS
lizado por membros da família, o que acaba por per- COMO FERRAMENTA
petuar a pobreza e impedir o desenvolvimento. O
relatório sublinha que é imprescindível aumentar a DE COMBATE À FOME
produção por trabalhador, especialmente nos países De acordo com relatório da
de baixo rendimento, a fim de aumentar os rendi- Organização das Nações Uni-
mentos agrícolas e de promover o bem-estar econô- das Alimentação e Agricultura
mico nas zonas rurais em geral. (FAO), programas de compras
Atualmente, a dimensão das propriedades agrí- públicas da agricultura familiar
colas está cada vez menor na maioria dos países são a nova ferramenta para com-
em desenvolvimento, onde muitas famílias rurais bater a fome.
de pequenos agricultores obtêm a maior parte do Existem diversas entidades
rendimento a partir de atividades não agrícolas. As do governo que compram ali-
políticas devem aumentar o acesso a fatores de pro- mentos e fornecem refeições,
dução, como sementes e fertilizantes, bem como aos dentre elas hospitais, quartéis,
mercados e ao crédito, de acordo com o SOFA. presídios, restaurantes universi-
Organizações de produtores eficazes e inclu- tários, creches, escolas e outros.
sivas podem apoiar a inovação dos cooperados, E os agricultores familiares po-
ajudando-os a ter acesso aos mercados e a facili- dem ser beneficiados na escolha
tar as ligações com os outros no sistema de ino- do fornecedor.
vação, além de garantir que os agricultores fa- A publicação “Compras pú-
miliares tenham voz na formulação de políticas, blicas da agricultura familiar
destaca o relatório. e a segurança alimentar e nu-
Para incentivar os agricultores familiares a in- tricional na América Latina e
vestir em práticas agrícolas sustentáveis, que mui- Caribe” apresenta experiências
tas vezes têm elevados custos e longos períodos de países da região que usaram
de amortização, as autoridades devem procurar este recurso com sucesso.
criar um ambiente favorável para a inovação. “Nos últimos anos, estes pro-
Políticas destinadas a catalisar a inovação te- gramas têm passado a ser uma
rão de ir além da transferência de tecnologia. Têm parte integral das políticas de se-
também de ser inclusivas e adaptadas a contextos gurança alimentar e nutricional da
locais, para que os agricultores sejam proprietá- região, já que permitem garantir o
rios da inovação. direito à alimentação, melhorar a
vida dos mais vulneráveis e pro-
mover o desenvolvimento local”,
disse o representante regional da
FAO, Raúl Benítez.
No Brasil, o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA) e
o Programa Nacional de Alimen-
tação Escolar (Pnae) – que dizem
respeito, respectivamente, a com-
pras para órgãos governamentais
de produtos que vão de café a ali-
mentos para as Forças Armadas, e
de alimentos servidos na merenda
Shutterstock

das escolas públicas – beneficiam

29
FOME DE QUÊ?

Mesmo estando liberado desde 2003 no Bra-


sil, o cultivo e a comercialização dos transgênicos
ainda são cercados de divergências entre cientis-
tas, empresas de biotecnologia, governos e orga-
nizações multilaterais. O que se tem de concreto
são estudos que embasam argumentos de defesa
e de ataque, mas nada que diga literalmente à so-
ciedade: “consuma” ou “não consuma alimentos
transgênicos”. Mas, o fato é: eles já estão no mer-
cado – e com o aval do governo e dos órgãos que,
em tese, devem prezar pela saúde dos brasileiros,
como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) e o Ministério da Saúde.
Outra polêmica sem resposta definitiva: o Bra-
sil figura como o maior consumidor de agrotó-
xicos do mundo e o segundo maior produtor de
transgênicos. Haveria relação entre esses dois da-
dos? Para o Instituto Nacional de Câncer (Inca),
Shutterstock

sim. Em um posicionamento oficial sobre o uso


de agrotóxicos e seus impactos na saúde, o ins-
cerca de 450 mil agricultores fa- tituto chama atenção para o fato de que o Brasil
miliares por ano, injetam anu- é o maior consumidor de defensivos agrícolas do
almente US$ 700 milhões neste mundo, e atribui esse consumo elevado ao plantio
setor e proporcionam alimentos a de lavouras transgênicas – que estariam originan-
65 milhões de pessoas. do pragas ainda mais resistentes aos venenos.
Programas de compras públi- A Anvisa confirma que um terço dos alimen-
cas da agricultura familiar tam- tos consumidos cotidianamente pelos brasileiros
bém podem reduzir os custos das está contaminado pelos agrotóxicos. Pimentão,
refeições devido ao menor gasto morango, alface, cenoura, abacaxi, beterraba,
com transporte. No Paraguai, por mamão são alguns dos alimentos que apresentam
exemplo, depois de escolas fecha- maior nível de contaminação. Mas não diz se a
rem acordo com agricultura fami- culpa é das sementes geneticamente modificadas.
liar, com o mesmo orçamento, os Quem é contra os transgênicos alega que eles
colégios passaram a fornecer 7 mil são nocivos à saúde e podem provocar alergias
refeições em vez de 4,5 mil. e resistência a antibióticos, além de trazerem os
malefícios da ingestão de agrotóxicos (depressão,
má formações congênitas, alguns tipos de câncer
TRANSGÊNICOS: e até alterações na qualidade dos espermatozoi-
MOCINHOS des figuram nas listas de possíveis consequências).
Além disso, há uma questão de cunho socioeco-
OU VILÕES? nômico: as sementes transgênicas são produzidas
De um lado, o discurso é pela saú- por poucas empresas multinacionais, que contro-
de e pelo meio ambiente. Do ou- lam sua patente e fazem com que agricultores pa-
tro, pela necessidade de aumentar guem caro por elas.
a produção agrícola e, consequen- Quem é a favor, defende, entre outras coisas,
temente, a quantidade de alimen- que com a população global a ponto de estou-
to disponível no mundo. rar para quase 10 bilhões de pessoas em 2050, a

30
A FOME NO MUNDO

tar e colher a tempo. A expan-


são em grande escala nos habi-
tats remanescentes do Cerrado
e Amazônia pode ter impactos
negativos nos serviços ambien-
tais fornecidos por esses bio-
mas, como a produção, a filtra-
gem e o fornecimento de água.
O desmatamento e a conver-
são de habitats, mesmo dentro
dos limites estabelecidos pelo
Código Florestal, contribuem
para as emissões de carbono e
aumenta o risco reputacional,

Shutterstock
tanto dos produtores quanto
dos compradores”, afirma.
produção de alimentos precisa necessariamente Para ela, chegou a hora de
aumentar de forma dramática e rápida. E isto se- inovar. “É preciso produzir
ria possível com o uso de sementes melhoradas, mais em cada hectare, direcio-
biotecnologia e produtos de proteção (agrotóxi- nar a expansão de forma plane-
cos, por exemplo) para garantir fartas colheitas. jada para pastagens degradadas
Melissa Cooney, gerente de segurança alimen- e torná-las produtivas nova-
tar sustentável para a região da América Latina mente”, diz. Ela conta que, em
da empresa de biotecnologia Monsanto, afirma diversos locais do país, a pecu-
em artigo que o melhor para o Brasil é a aposta ária já vem sendo modificada.
em uma “agricultura intensiva sustentável”. “Cálculos conservadores indi-
“Se o Brasil tem muitas áreas por onde a agri- cam que aumentar as cabeças
cultura poderia se implantar, também existem por hectare na região do Cerra-
vantagens de conter essa expansão. A produção do liberaria uns 12 milhões de
extensiva leva o cultivo para cada vez mais lon- hectares de pastagem, que po-
ge da base das operações e da infraestrutura de deriam ser convertidos em pro-
transporte e de processamento dos alimentos, e dução de soja e outras culturas.
requer mais equipamentos no campo para plan- O Brasil tem rendimentos, na
lavoura de soja, comparáveis
aos dos EUA; a chegada de no-
vas tecnologias poderia resultar
em aumentos muito expressi-
vos de rendimento nesse setor,
nas próximas décadas. Existem
grandes oportunidades para in-
tensificação nas áreas já aber-
tas e preparadas, de maneira
360b / Shutterstock.com

sustentável e economicamente
eficiente, sem precisar expandir
para áreas nativas e sem preju-
A MONSANTO É LÍDER MUNDIAL NA PRODUÇÃO DE SEMENTES GENETICAMENTE
dicar o meio ambiente que su-
modificadas, os transgênicos porta essa produção”, defende.

31
FOME DE QUÊ?

O DESAFIO GLOBAL DOS ALIMENTOS


ATÉ 2050, O MUNDO DEVERÁ ABRIGAR QUASE 10 BILHÕES DE PESSOAS.
DESCOBRIR COMO ALIMENTAR TODA ESTA POPULAÇÃO É A GRANDE QUESTÃO
NO COMBATE À FOME
Com o aumento populacional previsto para 2050, tal
POPULAÇÃO produção será insuficiente, mesmo se não houver qual-
De 7 bilhões para 9,6 bilhões é o salto populacional quer desperdício.
que o mundo assistirá até 2050. Segundo o relatório O mundo vai precisar produzir mais 474 calorias por
“Creating a Sustainable Food Future”, produzido pelo pessoa, por dia, até 2050, para atingir as 2.500 calorias
World Resources Institute, pelo Programa de Desen- diárias recomendadas por pessoa.
volvimento da ONU e pelo Banco Mundial, mais de
metade deste crescimento ocorrerá na África subsaa- 2009 – 2.831 calorias por pessoa, por dia – mais do que
riana, uma região onde um quarto da população já é o recomendado
atualmente desnutrida.
2050 – 2.026 calorias por pessoa, por dia – 474 calorias
a menos do que o recomendado
10

8 REDUÇÃO DO IMPACTO AMBIENTAL


6 Não podemos simplesmente produzir mais alimen-
tos da mesma forma como hoje. É preciso reduzir o
4 impacto ambiental.
2 Atualmente, a agricultura contribui com cerca de um
quarto das emissões de gases de efeito estufa global;
0 usa 37% das áreas disponíveis (excluindo Antarctica); e
HOJE 2050 é responsável por 70% de toda a água doce retirada de
rios, lagos e aquíferos.

CALORIAS A agricultura responde por:


O mundo vai precisar produzir 69% mais calorias em
2050 do que em 2006
Emissões de gases de
24% efeito estufa
NÃO É UM PROBLEMA
70% Uso da terra (excluindo
DE DISTRIBUIÇÃO 37% Antártica)
De acordo com o World Resources Institute, não basta
distribuir melhor os alimentos para fechar a lacuna da Uso de água doce
fome. Com base na produção de 2009, o instituto con-
clui que uma distribuição uniforme de todo alimento
produzido no mundo entre a população global daria
mais do que o consumo recomendado de calorias diá- GERAÇÃO DE EMPREGOS
rias - 2.500, segundo a ONU e a Organização Mundial Cerca de 2 bilhões de pessoas estão empregadas na
da Saúde (OMS). agricultura. Isto corresponde a 28% da população global.

32
A FOME NO MUNDO

MEIO AMBIENTE
GRANDES CATÁSTROFES NATURAIS GERAM CRISES DE SEGURANÇA ALIMENTAR
“Nós sabemos o que funciona e temos as ferra- imigração em massa. “As pessoas vão se mudar se
mentas para pôr em prática o combate definiti- não tiverem o suficiente para comer”, enfatizou.
vo à fome, mas a mudança climática ameaça des- A mudança climática é um dos maiores respon-
truir nossos esforços”. A frase, do diretor-geral sáveis pelos atuais fluxos migratórios. Em 2014,
da FAO, José Graziano, assusta. Para ele, acabar calcula-se que houve 19,3 milhões de refugiados
com a fome e a extrema pobreza passa pela refor- climáticos no mundo segundo o último relatório
mulação do sistema de agricultura, que deve ser do Centro de Monitoramento de Deslocados In-
mais produtivo e adaptável a possíveis mudanças ternos (IDMC). Entre 2008 e 2015 foram registra-
climáticas. Para isso, é necessária boa vontade dos dos em média 26,4 milhões de deslocados por ano,
grandes líderes mundiais nas questões ambientais. o que representa quase uma pessoa por segundo.
Apenas entre 2003 e 2013, o setor agrícola per- “Hoje uma grande parte dos deslocados é for-
deu US$ 11 bilhões devido a desastres naturais, mada por populações afetadas por catástrofes na-
segundo a ONU. E um terço da população ainda turais, 87% das quais estão ligadas às mudanças
vive em áreas com alto risco de desastres naturais. climáticas e estima-se que o número de desloca-
Para Graziano, os agricultores familiares são dos climáticos até 2050 alcance os 250 milhões”,
particularmente vulneráveis. “Os seus meios de disse Stéphanie Rivoal, presidente da ONG Ação
subsistência são altamente dependentes do clima Contra a Fome, durante o evento “Desajustes cli-
e eles têm uma fraca capacidade de recuperação máticos, pobreza e refugiados”, realizado em Pa-
de desastres naturais, o que torna necessária a im- ris, em setembro do ano passado.
plementação de uma gestão holística do risco de Mesmo os eventos migratórios atuais na Euro-
desastres”, afirmou durante apresentação do rela- pa, vinculados às guerras, têm a mudança climáti-
tório da FAO para a agricultura. ca como pano de fundo. “A Síria teve, entre 2006 e
Durante a 21ª Cúpula do Clima das Nações 2011, a pior seca do país quando 75% das famílias
Unidas (COP-21), realizada no final do ano pas- perderam todas as safras, recursos hídricos foram
sado, a diretora do Programa Mundial de Alimen- confiscados e o êxodo rural piorou o conflito”,
tos da Organização das Nações Unidas (ONU), afirmou Monique Barbut, diretora executiva da
Ertharin Cousin, foi outra a chamar atenção para Convenção de Nações Unidas de Combate à De-
o tema. Segundo ela, a ONU não pode cumprir sertificação. Os mais vulneráveis no conflito sírio
suas promessas para erradicar a fome sem um são aqueles que antes de sair do país já tinham se
acordo climático global e investimentos em medi- deslocado internamente por causas socioambien-
das preventivas, como sementes resistentes à seca
e a conservação da água para a agricultura.
“O aquecimento global causado pelo homem
está piorando as secas e as enchentes, que ame-
açam as fontes tradicionais de alimentos e isso
ocorre especialmente nos países pobres, onde
a fome já é um importante problema. A inse-
gurança alimentar, onde houver, é um desafio à
segurança”, disse.
Ela advertiu ainda que a fome causada pelas
Shutterstock

mudanças climáticas pode acentuar os fluxos de

33
FOME DE QUÊ?

tais, afirma a Agência para os Refugiados de Na- tado com um investimento de US$ 9 bilhões
ções Unidas (ACNUR). anuais para aumentar a produtividade agrícola
De acordo com relatório do Instituto Inter- e ajudar produtores a enfrentar os efeitos do
nacional de Política Alimentar (IFPRI), o efei- aquecimento global”, afirmou Gerald Nelson,
to adverso da mudança climática na produção um dos autores do relatório do IFPRI. “Me-
de alimentos deixará 25 milhões de crianças lhores estradas, sistemas de irrigação, acesso à
com fome em 2050 se não forem tomadas me- água potável e escolarização para crianças são
didas preventivas. “Este drama pode ser evi- essenciais”, acrescentou.

A AGRICULTURA E O EFEITO ESTUFA


A INDÚSTRIA ALIMENTAR RESPONDE POR 57% DO TOTAL DAS EMISSÕES GLOBAIS DE GASES DE
EFEITO ESTUFA. OS DADOS SÃO DA ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL INTERNACIONAL GRAIN.

• DESMATAMENTO: para liberar espaço para as planta- • PROCESSAMENTO E EMPACOTAMENTO: de 8 a 10% das
ções, a derrubada da floresta e a queima da matéria emissões vêm do processo para embalar os produtos.
orgânica respondem por até 18% das emissões de
gases de efeito estufa. • REFRIGERAÇÃO NECESSÁRIA PARA MANTER OS PRO-
DUTOS À VENDA NOS MERCADOS: 2 a 4%.
• AGRICULTURA: os processos de plantação respondem
por 15%. • DESPERDÍCIO: todo alimento desperdiçado geral-
mente tem como destino um aterro sanitário, onde a
• TRANSPORTE: no processo, são emitidos mais 6% de decomposição da matéria orgânica responde por 3 a
gases de efeito estufa. 4% das emissões.

AS CATÁSTROFES E A FOME
Desastres naturais sempre trazem fome que ocorreram após catás- Na época, os danos econômicos foram
a fome como uma de suas princi- trofes ambientais. estimados em US$ 86,4 milhões. O to-
pais consequências. Um estudo tal de mortos chegou a 300 mil.
de 2014 da Organização Meteoro- CICLONE EM
lógica Mundial mostra que entre BANGLADESH (1970) ENCHENTES EM
1970 e 2012, 8,8 mil desastres BANGLADESH (1974)
naturais relacionados a mudanças O ciclone Bhola inundou muitas ilhas
no tempo e no clima levaram ao no Delta do Rio Ganges, destruindo Os danos causados na produção
óbito quase 2 milhões de pessoas inúmeros vilarejos e plantações. A cida- agrícola fez 1974 entrar para a his-
em todo o mundo. Abaixo, confira de mais afetada foi Thana de Tazumud- tória do país como “o ano da fome”.
alguns dos casos mais graves de din, onde 45% da população morreu. Foram mais de 28 mil mortos.

34
A FOME NO MUNDO

SECA NA ETIÓPIA (1975) CICLONE EM falta de água potável e de medica-


mentos tornaram ainda piores as
A crise agrícola devido à seca foi BANGLADESH (1991)
consequências do mais devastador
piorada com uma guerra civil que Em 29 de agosto de 1991, um ciclo- maremoto da história.
teve início com a abolição da mo- ne devastador atingiu Bangladesh,
narquia e a proclamação de uma matando quase 200 mil pessoas e FURACÃO KATRINA (2005)
república socialista no país. Entre causando mais de US$ 1,5 bilhão
fome e guerra, foram contabiliza- em danos econômicos. Mais de 10
dos 100 mil mortos. milhões de pessoas ficaram desabri-
gadas e, devido à perda das colhei-
SECA NA ETIÓPIA (1983) tas e dos animais para abate, a fome
Imagens de crianças e adultos es- se tornou uma realidade.
queléticos ganharam o mundo. A
fome tomou conta do país após a CICLONE EM MYANMAR
quebra das safras agrícolas. O total (2008)

Shutterstock
de mortos foi de 300 mil – muitos Em abril de 2008, o ciclone tropi-
apontam que a demora do governo cal Nargis, com ventos de mais de O BAIRRO LOWER 9TH WARD, EM NOVA ORLEANS
em agir e a leniência das outras na- 200 km/h, causou devastação ao
(EUA), ficou destruído após o Katrina

ções em prestar socorro agravaram longo do delta do Rio Irauádi, em


a situação. Mianmar (ou Birmânia). As doen- Um furacão devastou Nova Orleans,
ças, a fome e a sede se transforma- no sul dos Estados Unidos, castigan-
SECA EM MOÇAMBIQUE ram nas principais ameaças para os do muitos bairros pobres da cidade
(1983) desabrigados. O número de mortos e levando mil pessoas à morte por
Em 1983, a combinação de uma chegou a 138 mil. fome, sede e calor. Um dos distritos,
grave seca com o fenômeno El Niño chamado Lower 9th Ward, é conhe-
prolongou e intensificou a estia- TSUNAMI NA INDONÉSIA cido como “deserto alimentício” por
gem, levando à fome generalizada (2004) ser um bairro onde era impossível
no sul do país. Para piorar, guerras comprar comida, muito menos comi-
internas impediram que a ajuda ali- da fresca, até este ano. Como revelou
mentar chegasse às populações afe- um morador ao jornal El País, para
tadas. Foram 100 mil mortos. comprar um litro de leite, era preciso
pegar três ônibus. Este foi o bairro
SECA NO SUDÃO (1984) com mais registros de morte.
3777190317 / Shutterstock.com

Onde mais de 80% da população


mora no campo e depende da
ENCHENTES EM SANTA
agricultura e da criação de animais CATARINA (2008)
para sobreviver, a escassez de água MILHARES DE PESSOAS FICARAM DESALOJADAS NA
Indonésia após o tsunami de 2004 e foram viver em
Fortes temporais causaram destrui-
é uma tragédia anunciada. A gran- acampamentos temporários ção em várias partes do sul e sudes-
de seca levou à fome, epidemias, te do Brasil em novembro de 2008.
deslocamentos em massa e confli- O país foi o mais atingido pelo tsu- Um dos Estados mais afetados foi
tos tribais que resultaram em 150 nami do Oceano Índico que matou Santa Catarina. A chuva provocou en-
mil mortes. cerca de 230 mil pessoas. Fome, chentes e centenas de deslizamen-

35
FOME DE QUÊ?

tos de terra, matando 135 pessoas e recordes na produção de grãos. O nú- não foram suficientes para atender
deixando milhares desabrigadas. A mero de mortos ultrapassou 55 mil. à população e uma onda de saques
falta de comida fez a população sa- ocorreu no país, além de confrontos
quear supermercados. TERREMOTO NO HAITI por alimentos.
(2010)
FURACÃO IDA (2009) TERREMOTO NO NEPAL
Dez mil pessoas precisando urgente- (2015)
mente de alimentos foi o que a ONU A fome apareceu como consequ-
arindambanerjee / Shutterstock.com
contabilizou após a passagem do fu- ência do terremoto que atingiu o
racão Ida por El Salvador, destruindo país ano passado e já vitimou 4 mil
plantações na época da colheita. Os pessoas. O tremor de terra aconte-
mortos somaram mais de 140 pessoas. ceu justamente em um momento
crucial para a agricultura local: na
TEMPERATURAS EXTREMAS Um terremoto de magnitude 7,0 primavera, quando os agriculto-
na escala Richter atingiu o país, res colhem milho e trigo, além de
NA RÚSSIA (2010) provocando uma série de feridos, começar o plantio do arroz. Espe-
A onda de calor sem precedentes desabrigados e mortos. A água po- cialistas preveem que o país ficará
causou incêndios florestais e quedas tável, a alimentação e os remédios sem arroz por um ano.

O terremoto de 2010 matou mais de 200 mil


pessoas e deixou, ao menos, 1,5 milhão de haitia-
nos desabrigados. “Apesar do progresso obtido
até agora, ainda há cerca de 60 mil pessoas vivendo
em campos para pessoas internamente deslocadas,
em situações vulneráveis e precisando de assistên-
cia humanitária e soluções duráveis”, afirmou o
diretor da entidade no Haiti, Enzo di Taranto.
arindambanerjee / Shutterstock

AGROECOLOGIA: A AGRICULTURA
DO PONTO DE VISTA ECOLÓGICO
A agroecologia, estudo da agricultura em uma pers-
TERREMOTO EM PORTO PRÍNCIPE, OCORRIDO EM 2010, TAMBÉM AFETOU A
residência oficial do presidente pectiva ecológica, deve tornar-se uma parte impor-
tante das estratégias para erradicar a fome no mun-
do. O conceito prega o desenvolvimento sustentável
HAITI da agricultura, o progresso em direção a sistemas
A ONU também aponta problemas graves no alimentares inclusivos e eficientes e a promoção do
Haiti, onde epidemias, fome e ondas migratórias círculo virtuoso entre a produção de alimentos sau-
ameaçam os avanços conquistados após o terre- dáveis e a proteção dos recursos naturais.
moto que atingiu o país em 2010. Desde junho de O cultivo agroecológico – que na prática me-
2015, as secas e os efeitos do El Niño contribuíram lhora a produção alimentar e a economia dos
para aumentar a insegurança alimentar, que já afeta camponeses, além de proteger solo, água e clima
cerca de 3 milhões de haitianos. – poderia alimentar a população estimada em

36
A FOME NO MUNDO

9 milhões de pessoas em 2050 se começasse a


ser implementado com urgência. A conclusão é
dos especialistas que participaram de Seminário
Agroecológico das Nações Unidas, em 2010,
em Bruxelas.
No evento, foi destacado que a maioria dos es-
forços para impulsionar a produção agrícola está
focada em investimentos em grande escala, ferti-
lizantes químicos e máquinas. No entanto, pouca
atenção tem sido dada a métodos agroecológicos
mais efetivos. O cultivo agroecológico inclui o
controle biológico de pestes e doenças usando

Shutterstock
predadores naturais, adubação verde de cobertu-
ra, culturas mistas, gerenciamento da pecuária e
uma série de práticas complementares. desenvolver. Naquela época, ainda com pouco
O maior estudo já realizado sobre o assunto conhecimento agrícola e dificuldades iniciais de
aponta um ganho aproximado de 79% na produ- produção, muitas famílias não souberam aprovei-
tividade da agricultura. O estudo da ONU cobriu tar o solo corretamente e provocaram o desmata-
286 projetos em 57 países em desenvolvimento, mento de parte da área.
representando uma área total de 37 milhões de A partir de 2000, os agricultores começaram a
hectares. Algumas das “histórias agroecológicas reorganizar a produção de forma sustentável. Em
de sucesso” podem ser vistas na África. Na Tan- parceria com a Universidade de Brasília, eles re-
zânia, onde as províncias do oeste eram conheci- ceberam treinamento em sistemas agroflorestais,
das como o “Deserto da Tanzânia”, técnicas de permacultura, adubação orgânica e manejo de
reflorestamento permitiram que 350 hectares de recursos hídricos. Como resultado, começaram a
terra fossem reabilitados em duas décadas e fize- transição para o modelo de produção orgânico,
ram com que a renda familiar aumentasse em cer- mais complexo e sustentável, e que agrega valor
ca de US$ 500 por ano. Técnicas similares estão aos produtos.
sendo aplicadas satisfatoriamente no Malauí. A produção de alimentos orgânicos a partir de
Os especialistas basearam suas conclusões nas vegetais e espécies nativas do Cerrado ofereceu
experiências de países como Cuba e Brasil, que
tem políticas pró-agroecologia, e nas experiências
de sucesso de centros de pesquisa como o Cen-
tro Mundial de Agroflorestamento em Nairóbi,
no Quênia. “Com mais de um milhão de pesso-
as famintas no planeta e o clima em crise bem à
nossa frente, devemos rapidamente aplicar estas
técnicas sustentáveis. O que precisamos hoje é
passar de projetos-piloto de sucesso para uma es-
cala de políticas nacionais. Esta é a melhor opção
que temos hoje. Não podemos deixar de usá-la”,
afirmou o relator especial para o direito à alimen-
tação da ONU, Olivier De Schutter.
No Brasil, a ONU destaca a experiência do
assentamento Colônia I, localizado em Padre
Bernardo, a 80 quilômetros de Brasília. O assen-
Shutterstock

tamento foi criado em 1996, mas demorou a se

37
FOME DE QUÊ?

Organização de Alimentação e Agricultura das


Nações Unidas (FAO), pelo Fundo Internacional
de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e pelo Pro-
grama Mundial de Alimentos (PMA).
Segundo o documento, a crise econômica dos
últimos anos travou os progressos no combate à
fome, juntando-se a outras causas como desastres
naturais, fenômenos meteorológicos graves, insta-
bilidade política e conflitos civis.
O relatório nota que, ao longo dos últimos 30
anos, as crises têm evoluído de eventos catastró-

Shutterstock
ficos, curtos, agudos e de grande visibilidade a
situações prolongadas devido a uma combinação
de fatores, especialmente os desastres naturais e
uma  alternativa sustentável ao desmatamento, conflitos, com as mudanças climáticas, crises de
evitando a poluição proveniente de fertilizantes preços e financeiras frequentemente entre os fato-
e pesticidas, bem como os seus efeitos negativos. res agravantes.
O uso de melhores técnicas de manejo do solo
e dos recursos hídricos, adaptadas às condições
ambientais locais, têm melhorado significativa- REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA
mente as condições do solo, reduzido sua degra- Há três anos imersa numa violenta crise interna,
dação e melhorado a gestão da água. O assen- a população da República Centro-Africana en-
tamento virou um modelo produtivo capaz de frenta uma insegurança alimentar considerada ex-
gerar renda e oferecer melhor qualidade de vida trema. Em 2015, a  produção  das safras foi 57%
às famílias, preservando o meio ambiente e con- menor que a média de 2012, levando metade dos
servando a biodiversidade. centro-africanos a passar fome.

CRISE ECONÔMICA TRAVA


PROGRESSOS DE COMBATE
À FOME
De acordo com a última edição do relatório da
ONU “O Estado da Insegurança Alimentar no
Mundo 2015”, estima-se que caiu para 795 mi-
lhões o número de pessoas com fome no mundo,
menos 10 milhões do que no ano passado e menos
167 milhões do que na década passada.
A situação melhorou nas regiões em desenvol-
vimento, onde a taxa de desnutrição – que mede
a proporção de pessoas incapazes de consumir
Shutterstock

alimentos suficientes para uma vida ativa e saudá-


vel – diminuiu para 12,9% da população, contra
23,3% de 25 anos atrás.
Ainda assim, na África Subsariana, 23,2% dos
habitantes passam forme e 24 países africanos en- A REPÚBLICA CENTRO-
-Africana enfrenta
frentam atualmente crises alimentares, o dobro insegurança
do que em 1990, indica relatório assinado pela alimentar extrema

38
A FOME NO MUNDO

No ano passado, a agricultura produziu 838 a Fome). O relatório mostra que


mil toneladas de alimentos, cerca de 1 milhão de “mais de 80% dos refugiados no
toneladas a menos do que os números registrados mundo todo ficam em sua terra
antes da crise. Desde setembro de 2015, o recru- ou nos países vizinhos”. Uma
descimento dos conflitos agravou a escassez de média de 42,5 mil pessoas fugi-
comida, elevando os preços de alimentos de pri- ram no ano passado diariamente
meira necessidade. de seus lares e aproximadamen-
Os valores de amendoins ricos em proteína e da te 59,5 milhões no mundo todo
farinha de trigo aumentaram cerca de 74% e 28%, vivem deslocadas por causa dos
respectivamente, em relação a números de 2012. conflitos armados.
Em outubro de 2015, o preço da carne havia quase A ONG elabora anualmente
dobrado e o do peixe, aumentado 70%, também o índice junto à irlandesa Con-
em comparação com 2012. Mortes e pilhagens em cern Worldwide e ao Instituto
propriedades rurais levaram o número de cabeças Internacional de Pesquisa sobre
de gado a ser reduzido quase pela metade. A popu- Políticas Alimentícias (IFPRI).
lação de cabras e ovelhas encolheu 57%. O relatório afirma que os pa-
As agências da ONU calculam que o poder de íses com o maior índice de fome
consumo dos centro-africanos foi reduzido em (República Centro-Africana,
um terço, ao longo do ano passado. Uma pesquisa Chade e Zâmbia) viveram algum
revelou que 67% dos indivíduos teriam consumi- conflito armado ou estiveram
do menos alimentos em 2015 do que em 2014. imersos na instabilidade políti-
“Os últimos números são uma causa de pre- ca nos últimos anos. Enquanto
ocupação não apenas porque as pessoas pulam isso, Angola, Etiópia e Ruanda,
refeições e reduzem suas porções, mas também países que há 20 anos estavam A CIDADE DE AZAZ, NA
porque elas optam por alimentos menos nutriti- imersos em guerra civil, melho- Síria, após bombardeio.
Conflitos armados são a
vos que fornecem bem menos proteínas e vitami- raram substancialmente sua si- principal causa da fome
nas do que elas precisam”, disse o representante tuação desde o fim das disputas. no país
da FAO, Jean-Alexandre Scaglia.

AS GUERRAS POR
TRÁS DA FOME
Cerca de 795 milhões de pesso-
as passam fome no mundo e os
conflitos armados têm uma rela-
ção direta com essa situação, de
acordo com o Índice Global da
Fome (GHI) de 2015, que apon-
ta que 172 milhões de pessoas
sofrem atualmente com as con-
sequências de uma guerra.
“Conflitos como o da Síria,
Iraque e Sudão do Sul são os prin-
Christiaan Triebert / Shutterstock

cipais causadores da fome”, disse


a presidente da organização não
governamental alemã Welthun-
gerhilfe (Ajuda Mundial contra

39
FOME DE QUÊ?

O MUNDO EM ALERTA
Shutterstock

GUERRAS E CONFLITOS
políticos: países e regiões
que correm o risco de
enfrentar a fome ou que
já encaram o problema

SÍRIA Estado Islâmico, 180 mil em áreas


controladas pelo governo da Síria
A guerra já dura 5 anos. Só recente-
mente a ONU teve autorização para e seus aliados, e outros 12 mil em
entrar na cidade sitiada de Madaya.regiões controladas por grupos ar-
As equipes de assistência descreve-mados de oposição.
ram a aparência de idosos e crian- Em 2014, a ONU e seus parceiros con-
ças, homens e mulheres como “pou- seguiam levar alimentos para cerca
de 5% da população sitiada, enquan-
co mais que pele e ossos: raquíticos,
severamente desnutridos, tão fracosto atualmente, estimativas mostram
que mal conseguem andar, e com- que a Organização está alcançando
pletamente desesperados por um menos de 1% destas pessoas.
pouco de comida”.
Orlok / Shutterstock

Hoje, quase 400 mil pessoas estão SUDÃO DO SUL


sitiadas na Síria – aproximadamente A população vive desde dezembro
CONFLITO NA SÍRIA metade em áreas controladas pelo de 2013 uma guerra civil, com casos
40
A FOME NO MUNDO

nova ofensiva militar internacional


em solo iraquiano.

EUROPA
A Europa não está em guerra, mas é um
ponto de atenção constante pelo risco
de instabilidade política decorrentes
tanto do grande fluxo de refugiados e
imigrantes quanto de crescentes agi-
tações da sociedade civil, ataques ter-
roristas isolados, ou ainda da violência
contra refugiados e imigrantes.

LÍBIA
O país segue em guerra civil iniciada
em 2014. Após o assassinato do dita-
dor Muammar Kadhafi, a Líbia teve
duas eleições parlamentares, mas
elas não foram suficientes para conci-
liar os interesses dos diversos grupos
políticos e étnicos suprimidos por Ka-
ddafi ao longo de quatro décadas.

ISRAEL
Seguem as tensões entre Israel e os
territórios palestinos, com ataques
contra civis e confrontos armados.

TURQUIA
O exército turco vive uma espécie de
guerra civil, com ataques do exército
narrados de estupros, mutilações e ge a escala cinco – o nível máximo, local contra o Estado Islâmico e tam-
até canibalismo forçado. Três agên- considerado “catastrófico” –, nunca bém contra grupos curdos.
cias da ONU – a Organização das antes registrada no país. Segundo
Nações Unidas para Alimentação e a análise das agências da ONU, pelo EGITO
Agricultura (FAO), o Programa Mun- menos 30 mil pessoas estão viven- Grupos extremistas com base na
dial de Alimentos (PMA) e o Fundo do em condições extremas de fome. Península Sinai têm promovido ata-
das Nações Unidas para a Infância ques terroristas desde a derrubada
(UNICEF) – alertaram em um comu- IRAQUE do presidente islamita Mohammed
nicado conjunto que 3,9 milhões de Em 2011, oito anos depois de uma Morsi, em 2013.
sul-sudaneses vivem em “situação guerra que matou mais de 1 mi-
severa” de insegurança alimentar. lhão de pessoas, os Estados Unidos AFEGANISTÃO
A Classificação Integrada de Fases retiraram suas tropas do Iraque. O aumento da violência e a instabi-
de Segurança Alimentar (IPC) indi- Mas o conflito na vizinha Síria e o lidade política, resultante do fortale-
cou que a situação de uma parcela avanço do grupo terrorista Estado cimento da insurgência talibã, são
da população no Sudão do Sul atin- Islâmico foram o estopim para uma preocupantes no país.
41
ATUALIDADE

A FOME NO
MUNDO HOJE
RELATÓRIO DA ONU CONFIRMA AVANÇOS SIGNIFICATIVOS
NO COMBATE À FOME DESDE 1990

Shutterstock

E
M MENOS DE TRÊS DÉCADAS, 200 MILHÕES DE PES- Agricultura (FAO), pelo Fun-
soas deixaram de estar nas estatísticas dos do Internacional para o Desen-
que passam fome no mundo. O feito, do- volvimento Agrícola (IFAD)
cumentado na última edição do relatório e pelo Programa Alimentar
anual “O Estado da Insegurança Alimentar no Mundial (PAM), merece ser co-
Mundo 2015” (SOFI), publicado pela Organiza- memorado – mesmo que a rea-
ção das Nações Unidas para a Alimentação e a lidade ainda seja dura: em 1990,

42
A FOME NO MUNDO

a falta de alimentos acometia 1 bilhão de pessoas; nar o flagelo da fome no decur-


e ainda hoje, 800 milhões. so das nossas vidas. Devemos
O índice de desnutrição, que mede a proporção ser a geração Fome Zero. Esse
de pessoas que não consomem alimentos suficien- objetivo deverá integrar-se em
tes para levar uma vida ativa e saudável também todas as intervenções públicas
caiu para 12,9% da população, em relação aos e no centro da nova agenda de
23,3% registados há um quarto de século atrás. desenvolvimento sustentável”,
A maioria dos países monitorados pela FAO disse o diretor geral da FAO,
– 72 de 129 – atingiu a meta dos Objetivos de José Graziano da Silva, durante
Desenvolvimento do Milênio de reduzir pela apresentação do SOFI.
metade a incidência de fome até 2015, sendo que, “Se queremos verdadeira-
como um todo, as regiões em desenvolvimento mente criar um mundo livre
não alcançaram o objetivo apenas por uma pe- da fome e da pobreza, então
quena margem. De maneira surpreendente, 29 devemos tornar isso uma prio-
países cumpriram o objetivo mais ambicioso de- ridade e investir nas zonas ru-
finido na Cúpula Mundial da Alimentação em rais dos países em desenvolvi-
1996, quando os governos se comprometeram a mento, onde vivem a maioria
reduzir pela metade o número absoluto de suba- das pessoas mais pobres e que
limentados até 2015. mais passam fome no mundo”,
“Este quase completo cumprimento das metas complementou o presidente
sobre a fome dos Objetivos de Desenvolvimento do IFAD, Kanayo F. Nwanze.
do Milênio mostra que podemos, de fato, elimi- “Devemos trabalhar para trans-
Shutterstock

43
ATUALIDADE

formar as nossas comunidades rurais para que PANORAMA GERAL


proporcionem postos de trabalho dignos, com
condições e oportunidades decentes. Devemos PELO MUNDO
investir em zonas rurais para que as nossas na- O relatório “O Estado da Insegurança Alimentar
ções possam ter um crescimento equilibrado e no Mundo 2015” (SOFI) registrou grandes re-
para que as pessoas que vivem em zonas rurais duções da fome na Ásia Oriental e um progresso
possam aproveitar o seu potencial”, disse. muito rápido na América Latina e Caribe, no Su-
“Homens, mulheres e crianças precisam de ali- deste Asiático e na Ásia Central, assim como em
mentos nutritivos todos os dias para que tenham algumas partes da África.
uma oportunidade de terem um futuro livre e A África subsaariana é a região com maior pre-
próspero. Mentes e corpos sãos são fundamentais valência de desnutrição no mundo: 23%, quase
para o crescimento individual e econômico, e o uma em cada quatro pessoas. Contudo, os países
crescimento deve ser inclusivo para que possamos africanos que investiram mais na melhoria da pro-
fazer da fome história” disse Ertharin Cousin, di- dutividade agrícola e nas infraestruturas básicas,
retor-executivo do PAM. também alcançaram as suas metas de fome dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, em
particular na África Ocidental.
DIFICULDADES NO PERCURSO
Para chegar a estes resultados,
no entanto, o percurso não
foi tranquilo. Crises eco-
nômicas no mundo todo,
fenômenos ambientais
extremos, desastres na-
turais, instabilidades po-
líticas e conflitos civis
foram ameaças aos obje-
tivos de combate à fome.
Para citar exemplo, 24
países africanos enfrenta-
ram recentemente crises
alimentares, o dobro das
ocorridas em 1990.
O SOFI 2015 destaca que, ao
longo dos últimos 30 anos, as crises têm
evoluído de eventos catastróficos graves de curto
Wikipedia/ Domínio Público

prazo e grande visibilidade, para crises prolonga-


das, devido a uma combinação de fatores, espe-
cialmente desastres naturais, conflitos, mudanças
climáticas e crises financeiras e de preços entre os
fatores mais agravantes.
As taxas de fome nos países que passam por
crises prolongadas são três vezes superiores do
que em qualquer outro. Em 2012, cerca de 366
milhões de pessoas viviam neste tipo de situação
NA ÁFRICA SUBSAARIANA,
– das quais 129 milhões estavam desnutridas – o 23% das pessoas são
que representa 19% de todas as pessoas em estado desnutridas. O índice é o
maior do mundo
de insegurança alimentar no planeta.
44
A FOME NO MUNDO

No norte de África, a insegurança alimentar Na Ásia, houve tendências desiguais em di-


severa já foi quase erradicada, com uma preva- ferentes regiões. Os países da Ásia Oriental e
lência de desnutrição abaixo de 5%. A qualida- do Sudeste Asiático conseguiram uma redução
de das dietas representa uma crescente preocu- constante e rápida em ambos os indicadores de
pação na região, onde se verifica um aumento má nutrição, impulsionados pelo investimento
da prevalência do excesso de peso e obesidade. de infraestruturas hídricas e de saneamento.
O total de pessoas que passa fome na Améri- Na Ásia meridional, a prevalência de desnutrição
ca Latina e no Caribe caiu de 14,7% para 5,5% diminuiu de 23,9% para 15,7%, mas foi conseguido
desde 1990, enquanto a porcentagem de crian- um progresso muito maior na redução da insufici-
ças desnutridas com menos de 5 anos também ência de peso entre as crianças com menos de 5 anos.
sofreu uma notável redução, de 7% para 2,7%. Na Ásia Ocidental, onde as condições de higie-
Segundo o relatório, o que explica tais núme- ne são, em geral, satisfatórias e as taxas de insufici-
ros são os programas de proteção social que, ência de peso nas crianças são baixas, a incidência
em conjunto com um sólido crescimento eco- da fome aumentou devido à guerra, aos conflitos
nômico, impulsionaram o progresso em todo civis e às consequências dos elevados números de
o continente. migrantes e refugiados em alguns países.

INICIATIVAS DE SUCESSO NO COMBATE À FOME


Como abrange cenários e realidades diversos, o relató-
rio da ONU não aponta uma solução uniformizada para
o problema da fome. O que o SOFI destaca são fatores
de sucesso identificados nas diferentes localidades ana-
lisadas. Confira:
• A produtividade agrícola, especialmente de agriculto-
res familiares e pequenos agricultores, leva a ganhos
importantes na redução da fome e da pobreza.
• O crescimento econômico é sempre positivo para
diminuir a pobreza e, consequentemente, a fome,
porque aumenta a arrecadação e as possibilida-
des de os governos financiarem transferências so-
ciais e outros programas de assistência. Mas cres-
cimento inclusivo, que insere cidadãos até então
à margem da economia no mercado de trabalho,
é mais efetivo.
• Mecanismos de proteção social – como transferên-
cias de dinheiro para famílias vulneráveis, vales-re-
feições, programas de seguro sanitário e refeições
escolares, principalmente se vinculados a contratos
de aquisição aos agricultores locais (em que peque-
nos agricultores fecham contrato de fornecimento
com órgãos públicos) – estão fortemente relaciona-
Shutterstock

dos à redução da fome.

45
ATUALIDADE

CUSTA 25 CENTAVOS DE
DÓLAR POR DIA ALIMENTAR
UMA CRIANÇA E MUDAR
SUA VIDA PARA SEMPRE.

O MAPA
DA FOME
A PREVALÊNCIA DA 795 MILHÕES DE PESSOAS
(OU 1 EM CADA 9 NO MUNDO)
DESNUTRIÇÃO NA VÃO PARA A CAMA COM FOME
POPULAÇÃO (%) NOS TODAS AS NOITES.

ANOS 2014-16

FONTE: WORLD FOOD PROGRAM

46
A FOME NO MUNDO

Shutterstock
HÁ MUITOS PROGRESSOS
NA REDUÇÃO DO NÚMERO
DE PESSOAS COM FOME EM
TODO O MUNDO. E PODEMOS
ALCANÇAR A FOME ZERO.

PREVALÊNCIA DA SUBNUTRIÇÃO NA POPULAÇÃO (PERCENTUAL) ENTRE 2014 E 2016:

MUITO BAIXA <5% MODERADAMENTE BAIXA 5-14,9% MODERADAMENTE ALTA 15-24,9% ALTA 25-34,9% MUITO ALTA 35% OU MAIS

47
ATUALIDADE

Shutterstock
ALIMENTAÇÃO É UM DIREITO fundamentais, como saúde e educação. Ele signifi-
ca mais do que erradicar a fome e a desnutrição. É
FUNDAMENTAL a garantia de que todas as pessoas devem ter acesso
Desde 1948, o direito humano à alimentação ade- a uma alimentação adequada e saudável.
quada está contemplado no artigo 25 da Declara- Constar na Declaração Universal dos Direitos
ção Universal dos Direitos Humanos. Humanos e na Constituição Federal brasileira, ob-
Já no Brasil, a Constituição Federal de 1988 viamente, não significa necessariamente que o direito
incorporou uma série de direitos à lei, fazendo é exercido na prática. Ainda há muitos passos para o
inclusive com que fosse batizada de “Constitui- país acabar com a fome e efetivamente garantir o direi-
ção Cidadã”. Ali constavam direitos humanos, to humano à alimentação adequada a todo seu povo.
direitos sociais e direitos políticos. Mas, curio- Mas com as leis, o Estado brasileiro tem oficialmente
samente, não havia qualquer menção explícita ao a obrigação de respeitar, proteger, promover e prover
direito à alimentação. a alimentação da população. Por sua vez, a população
E assim foi até 2010, quando uma ampla mobi- passa a ter o direito de exigir que seus direitos sejam
lização social garantiu a aprovação no Congresso cumpridos, no âmbito dos poderes Executivo, Le-
Nacional do Projeto de Emenda Constitucional nº gislativo e Judiciário, nas esferas federal, estaduais e
047/2003, que alterou o artigo 6º da Constituição, municipais. Em outras palavras, o cidadão passa a ter
admitindo o Direito à Alimentação como funda- mais recursos para se fazer ouvir e respeitar.
mental. Assim, o artigo afirma que “São direitos so- A obrigação exige que o Estado seja ativo no sen-
ciais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a tido de tomar todas as medidas possíveis para evi-
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a tar que terceiros (empresas ou indivíduos) privem
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos as pessoas de seu direito à alimentação. O Estado
desamparados, na forma desta Constituição”. tem que prover a alimentação das pessoas que por
O direito humano à alimentação adequada é o algum motivo alheio à sua vontade e determinação,
direito de cada pessoa ter acesso físico e econômi- não conseguem garantir de maneira autônoma sua
co, ininterruptamente, à alimentação adequada ou alimentação por viverem na pobreza ou por serem
aos meios para obter estes alimentos, sem com- vítimas de catástrofes e calamidades. E tem a obriga-
prometer os recursos para obter outros direitos ção de promover políticas públicas sempre elabora-
48
A FOME NO MUNDO

das em conformidade com os preceitos relativos ao


direito humano à alimentação adequada. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 64,
Como o cidadão pode exigir o cumprimento
da Constituição:
DE 4 DE FEVEREIRO DE 2010
Altera o art. 6º da Constituição Federal, para introdu-
• Pressionar o poder público para que sejam ela-
zir a alimentação como direito social.
boradas leis orgânicas de segurança alimentar.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Fede-
• Exigir que o Estado e o município estabeleçam ral, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, pro-
mecanismos de monitoramento e de exigibilida- mulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
de de políticas públicas de segurança alimentar.
• Defender e participar de ações permanentes e Art. 1º O art. 6º da Constituição Federal passa a vigo-
amplas de informação e formação em direitos rar com a seguinte redação:
humanos para que todas as pessoas e comuni-
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a
dades conheçam seus direitos e saibam exigir
alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer,
sua realização.
a segurança, a previdência social, a proteção
• Participar de campanhas de mobilização contra à maternidade e à infância, a assistência aos
os projetos de leis que violam o direito humano desamparados, na forma desta Constitui-
à alimentação adequada e estimular a articulação ção.” (NR)
entre organizações e movimentos sociais que já
desenvolvem campanhas contra leis e projetos Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na
de leis que violam e/ou ameaçam o direito hu- data de sua publicação.
mano à alimentação.

ONDE HÁ FOME NO MUNDO HOJE


Alerta máximo vermelho na África subsaariana.
De acordo com a Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e Agricultura (FAO), uma em
cada quatro pessoas, ou 23,2% da população to-
tal de 220 milhões de pessoas, passa fome. Esta é a
mais alta taxa de prevalência de qualquer região do
mundo. Atualmente, 24 países africanos enfrentam
crises alimentares, o dobro do que em 1990.
“Nós temos algumas regiões que definitiva-
mente ficaram para trás: os países que estão em
conflito (como a Síria, o Iraque e o Iêmen) e a
África central subsaariana são as regiões que con-
centram a fome no mundo”, afirmou José Grazia-
no da Silva, diretor geral da FAO, na ocasião de
lançamento do relatório “O Estado da Inseguran-
ça Alimentar no Mundo 2015” (SOFI).
O relatório aponta Angola e São Tomé como
Anjo Kan / Shutterstock África

os dois países lusófonos que melhores resultados


obtiveram no combate à fome: ambos consegui-
ram atingir as metas dos Objetivos de Desen-
volvimento do Milênio de reduzir pela metade a CRIANÇA TENTA PEGAR ÁGUA EM POÇA DE UGANDA, PAÍS LOCALIZADO NA
fome até 2015. região africana que mais sofre com a fome

49
ATUALIDADE

Shutterstock
MONUMENTO EM LUANDA, CAPITAL DA ANGOLA. NÚMERO DE PESSOAS QUE PASSAM FOME NO PAÍS CAIU 52,1% DE 1990 ATÉ HOJE

Em Angola, estima-se que 3,2 milhões de pes- agricultura. Todavia, essa percentagem não che-
soas ainda passem fome, o que representa uma di- gou sequer a 2%.
minuição de 52,1% em relação aos 6,8 milhões de “A África precisa de paz em primeiro lugar,
1990. Apesar dos avanços, este número indica que mas precisa também de um desenvolvimento mais
14% dos angolanos ainda têm falta de acesso a ali- inclusivo e de um compromisso maior dos gover-
mentos. nantes com o desenvolvimento interno de seus
Em São Tomé e Príncipe, o número de malnu- países”, afirmou Graziano.
tridos sempre se manteve inferior a 100 mil pesso-
as, e diminuiu 51,4%. Atualmente, a porcentagem
de são-tomenses que ainda passam fome é de 6,6%. MALAUÍ
“Na costa atlântica da África, há países como No pequeno país localizado no sudeste do conti-
Angola e também Cabo Verde que fizeram pro- nente africano, 2,8 milhões de pessoas enfrentam
gressos notáveis nos últimos anos. Alguns países a fome, de acordo com o Programa Mundial de
que foram destruídos pela guerra civil, como é o Alimentos (PMA). Desde o final do ano passado,
caso de Angola, recuperaram-se e utilizaram os re- o Programa tem oferecido ajuda emergencial para
cursos da produção mineral, entre eles o petróleo, combater a fome entre famílias que foram atingidas
para promover o desenvolvimento, inclusive o de- por secas durante a estação de plantio, entre 2013 e
senvolvimento rural”, disse José Graziano da Silva. 2014, e por enchentes, no início de 2015. De acordo
Angola foi um dos países que se comprometeu, com dados do PMA, quatro em cada dez crianças
ao assinar o Tratado de Maputo, em 2003, a in- apresentam defasagens em seu desenvolvimento fí-
vestir 10% do orçamento em desenvolvimento de sico e mental, condição conhecida como nanismo.

50
A FOME NO MUNDO

externos, como volatilidade de preços e condi-


ÁSIA ções climáticas adversas. Países como Fiji, Kiri-
Na Ásia, o quadro mais crítico de fome é encon- bati, Samoa e Ilhas Salomão alcançaram as me-
trado na região meridional. As estimativas suge- tas do milênio e reduziram pela metade a fome.
rem cerca de 281 milhões de pessoas subnutridas
na região, com pequena melhora desde a década
de 1990. AMÉRICA LATINA E CARIBE
Os países da Ásia Oriental e do sudeste da Ásia A proporção de pessoas que passam fome na
alcançaram redução constante e rápida dos indica- América Latina e no Caribe diminuiu de 14,7%
dores da má nutrição, impulsionados pelo investi- para 5,5% desde 1990, o número de crianças me-
mento em infraestruturas hídricas e de saneamen- nores de 5 anos abaixo do peso também diminuiu
to, bem como perspectivas econômicas favoráveis.  notavelmente de 7% para 2,7%. Esse forte com-
Na Ásia Ocidental, a incidência de fome tem promisso com a redução da fome se traduziu em
aumentado devido à guerra, conflito civil e as importantes programas de proteção social que
consequências de um grande número de migran- – unidos por um forte crescimento econômico –
tes e refugiados.  impulsionaram avanços em todo o continente.
No sul da Ásia, a prevalência de subalimenta- “Hoje, a situação é diferente: o número total de
ção diminuiu ligeiramente, de 23,9% para 15,7%, famintos caiu para 34 milhões e a porcentagem foi
mas a redução da insuficiência de peso em crian- reduzida para 5%, embora a população total tenha
ças pequenas alcançou um progresso maior. A Ín- aumentado em 130 milhões desde 1990”, afirmou
dia ainda tem o segundo maior número estimado José Graziano da Silva, diretor geral da FAO.
de pessoas subnutridas do mundo. De acordo com a FAO, a América Latina e o
Caribe formam a única região no mundo que atin-
giu as duas metas de redução da fome propostas
OCEANIA pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
Os países em desenvolvimento da Oceania so- e pela Cúpula Mundial da Alimentação.
freram lento avanço em relação à segurança ali- Com base nessa conquista, os governos assu-
mentar. Como a região é caracterizada por ele- miram o compromisso de acabar com a fome no
vada dependência de importação de alimentos, ano de 2025, cinco anos antes do proposto pelos
os países são gravemente afetados por choques Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Shutterstock

DESTROÇOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NAS ILHAS SALOMÃO. PAÍS ALCANÇOU A META DE REDUZIR A FOME PELA METADE

51
ATUALIDADE

APLICATIVO PERMITE BRASIL PREMIADO PELA FAO


ALIMENTAR CRIANÇAS SÍRIAS
A Síria não entrou no relatório da ONU (SOFI 2015)
por falta de dados. Mesmo assim, ciente das necessi-
dades da região que segue em conflito há cinco anos,
o Programa Mundial de Alimentos das Nações Uni-
das (PMA) lançou um aplicativo gratuito que torna
possível para qualquer pessoa, em qualquer lugar do
mundo, alimentar crianças sírias que passam fome.
Através de doações, o programa ShareTheMeal
permite a usuários “compartilhar” uma refeição com
meninos e meninas sírias que recebem assistência
da agência da ONU. Por apenas 50 centavos doados,
uma criança adquire comida para um dia inteiro.
Dietmar Temps / Shutterstock
O aplicativo mostra para o usuário o destino de
suas doações. As contribuições vão beneficiar crianças
refugiadas da Síria que fazem parte do programa de
refeições escolares do PMA na Jordânia.
O PMA acredita que o potencial do ShareTheMeal é
CRIANÇAS EM ASSENTAMENTO DA ETIÓPIA, UM DOS PAÍSES PREMIADOS PELA
ONU por alcançar as metas de combate à fome
enorme, já que o número de indivíduos que utilizam
smartphones no mundo equivale a 20 vezes a quanti- O Brasil, junto a Camarões, Etiópia, Gabão, Gam-
dade de crianças passando fome. Diretora executiva do bia, Irã, Kiribati, Malásia, Mauritânia, Maurício,
PMA, Ertharin Cousin acredita que a nova ferramenta México, Filipinas e Uruguai foram homenageados
digital é uma maneira tangível de se erradicar a fome. em 2013 pela Organização da ONU para Alimen-
Testes do aplicativo em países europeus mostra- tação e Agricultura (FAO) por não medirem esfor-
ram que 120 mil usuários conseguiram oferecer mais ços para reduzir a fome entre sua população antes
de 1,7 milhão de refeições para estudantes de Lesoto, de 2015.
país no sul da África. A FAO concedeu o prêmio a todos os países que
O ShareTheMeal está disponível para os sistemas conseguiram alcançar, de forma antecipada, o pri-
Android e iOS e pode ser adquirido em lojas de apli- meiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, que
cativos no mundo todo.
estabelecia como meta a redução pela metade, até
2015, da proporção da população com renda inferior
a um dólar por dia e a proporção da população que
sofre de fome.
Além de alcançaram tal objetivo, Brasil, Camarões
e Uruguai também conquistaram um objetivo ainda
mais exigente estabelecido na Cúpula Mundial sobre
a Alimentação, que propunha a redução pela metade
do número total de pessoas desnutridas.
Melih Cevdet Teksen / Shutterstock

“Quando as sociedades decidem pôr fim à fome, e


quando há o compromisso político dos governos, po-
demos transformar essa vontade em ações concretas
e resultados”, disse José Graziano da Silva, diretor ge-
CRIANÇA SÍRIA QUE VIVE EM CAMPO DE REFUGIADOS NA JORDÂNIA,
um dos locais que recebem doações de alimentos via aplicativo
ral da FAO, segundo comunicado oficial da entidade.

52
A FOME NO MUNDO

Segundo Graziano, os países que AVANÇOS EM çambique, Níger, Nigéria, Togo, Ar-
já chegaram à meta devem manter gélia e Marrocos.
os esforços para alcançar objeti-
DIVERSOS PAÍSES
ÁSIA, OCEANIA E CÁUCASO: Ban-
vos mais ambiciosos de combate à Setenta e dois países em desenvol- gladesh, Camboja, Fiji, Indonésia, Kiri-
fome, até a completa eliminação do vimento, dos 129 monitorados pela bati, Laos, Malásia, Maldivas, Nepal, Fi-
problema. “Somos a primeira gera- FAO, atingiram o objetivo de reduzir lipinas, Ilhas Salomão e Uzbequistão.
ção que pode acabar com a fome, pela metade, até o final de 2015, o
que tem atormentado a humanida- número de pessoas com fome. AMÉRICA LATINA E CARIBE: Bo-
de desde o nascimento da civiliza- Destes, 29 países também alcan- lívia, Costa Rica, México, Panamá
ção. Vamos aproveitar esta oportuni- çaram o objetivo mais ambicioso, da e Suriname.
dade”, acrescentou. Conferência Mundial  sobre  Alimen- ORIENTE MÉDIO: Irã e Jordânia.
A premiação foi entregue em tação (WFS na sigla em inglês), de
cerimônia na sede da FAO, em diminuir pela metade o número de • Países que alcançaram os dois obje-
Roma, Itália, e teve a participação tivos de combate à fome (o Objetivo
subalimentados até 2015.
de vários chefes de Estado, entre de Desenvolvimento do Milênio, que
eles os presidentes da Venezuela, • Países que alcançaram o Objetivo estabelecia como meta a redução
Nicolás Maduro, de Honduras, Por- de Desenvolvimento do Milênio, pela metade, até 2015, da população
firio Lobo, e do Panamá, Ricardo que estabelecia como meta a re- que sofre de fome; e o mais exigen-
Martinelli. A ministra do Desenvol- dução pela metade, até 2015, da te, estabelecido na Cúpula Mundial
vimento Social e Combate à Fome população que sofre de fome: sobre a Alimentação, que propunha
do Brasil, Tereza Campello, esteve a redução pela metade do número
presente, representando a presi- ÁFRICA: Benim, Etiópia, Gâmbia, total de pessoas desnutridas):
dente Dilma Rousseff. Malauí, Mauritânia, Maurício, Mo-
ÁFRICA: Angola, Camarões, Djibuti,
Gabão, Gana, Mali, São Tomé e Príncipe.
ÁSIA, OCEANIA E CÁUCASO: Chi-
na, Myanmar (Birmânia), Samoa,
Tailândia, Vietnã e Uzbequistão.
AMÉRICA LATINA E CARIBE: Brasil,
Chile, Cuba, República Dominicana,
Guiana, Nicarágua, Peru, São Vicente
e Granadinas, Uruguai e Venezuela.
ORIENTE MÉDIO: Kuwait e Omã
• Países que mantiveram a desnutri-
ção abaixo ou muito próximo de 5%:
ÁFRICA: África do Sul e Tunísia.
ÁSIA, OCEANIA E CÁUCASO: Bru-
nei, Coreia e Cazaquistão.
AMÉRICA LATINA E CARIBE: Ar-
gaborbasch / Shutterstock.com

gentina e Barbados.
ORIENTE MÉDIO: Egito, Turquia,
Líbano, Arábia Saudita e Emirados
CRIANÇA SEGURA PANFLETO ESCRITO “MOÇAMBIQUE PARA TODOS”. PAÍS CUMPRIU META DE REDUZIR A Árabes Unidos.
fome pela metade

53
ATUALIDADE

FOME ATINGE ATÉ OS EUA para a filha que sofre de proble-


A insegurança alimentar não é uma realidade ape- mas respiratórios.
nas dos países pobres. De acordo com pesquisa Isto até ela conhecer o Banco
do Instituto Gallup, realizada pela Food Research de Alimentos de Nova York, lu-
Center, até mesmo nos Estados Unidos o tema é gar onde são servidas mais de 10
preocupante. mil refeições mensais balancea-
O estudo concluiu que 15,8% das famílias nor- das e a preços acessíveis. “O am-
te-americanas tiveram dificuldade em 2015 para biente nunca é de vergonha, eles
adquirir alimentos. Em 2008, a taxa era de 16,7%, me fazem sentir bem em entrar
o que sugere uma sutil melhora, justificada pela lá”, confidenciou à reportagem.
recuperação econômica do país e pelo fato de mais Outra iniciativa de sucesso
famílias aderirem a programas suplementares de em Nova York é o café da ma-
nutrição – como o que concede vales-refeições. nhã servido aos alunos de baixa
Em Nova York, 17,6% das famílias tiveram di- renda nas próprias escolas – uma
ficuldades para comprar alimentos em 2014. Ano realidade nas escolas públicas do
passado, a porcentagem caiu para 15,2%. Nesta Brasil, mas novidade para os pa-
localidade, especificamente, os bancos de alimen- drões americanos. O programa
tos desempenham um papel fundamental na vida já foi implantado em mais de
das famílias. 300 escolas no país.
Reportagem do The Huffington Post cita o
exemplo da mãe solteira Shawanna Vaughn, que
tem dois filhos e trabalha como auxiliar adminis- PROGRAMAS
trativa em uma organização sem fins lucrativos. INEFICAZES
Apesar de possuir uma renda baixa, ela não está
MORADOR DE RUA EM apta a ingressar nos programas sociais do gover- Uma preocupação nos EUA é se
Nova Iorque. Estudo
revelou que, em 2015, no e se via obrigada a alimentar seus filhos com os programas de segurança ali-
15,2% das famílias da alimentos de baixa qualidade, já que boa parte do mentar do governo estão sendo
cidade tiveram dificuldades
para comprar alimentos que ganha se destina à compra de medicamentos subutilizados. Segundo o relató-
rio do Gallup, apenas 61% das
famílias com necessidades estão
sendo atendidas pelos progra-
mas de vales-refeições e refei-
ções escolares gratuitas. Cerca
de 10 milhões de crianças que
deveriam receber o café da ma-
nhã na escola não estão receben-
do, de acordo com o Food Rese-
arch Center. O problema, dizem
os especialistas, é que a refeição
é servida antes do início das au-
las e é difícil para os pais con-
seguirem deixar os filhos ainda
mais cedo no colégio.
Outra questão é que, muitas
meunierd / Shutterstock.com

vezes, as crianças sentem ver-


gonha de admitir a seus cole-
gas que precisam da refeição
54
A FOME NO MUNDO

“Se queremos ser bem sucedido economica-


mente, se queremos reduzir custos com saúde e
garantir a nossa segurança nacional, então temos
também que encarar a nutrição infantil como
prioridade”, afirmou o secretário da agricultura
do país, Tom Vilsack.

A FOME EM NÚMEROS
1200

Shutterstock
1000
EM LOS ANGELES, NOS ESTADOS UNIDOS, ESCOLAS INCLUÍRAM 117 MIL
crianças em programa de refeição gratuita
800
gratuita. Para tornar o programa mais acessível,
muitas escolas estão oferecendo o café para to- 600
1990-92 2014-16
dos, dentro da sala de aula, para inseri-lo na ro-
tina diária. Com esta estratégia, 600 escolas de
Los Angeles conseguiram incluir mais 117 mil
ENTRE 1990-92, ERAM 1.010 MILHÕES DE PESSOAS COM FOME NO MUNDO.
crianças no programa, aponta a reportagem. De 2014-16, o número cai para 795 milhões

A FOME, POR REGIÃO


Pessoas com fome (em Pessoas com fome (em Participação regional Participação regional
milhões) 1990-92 milhões) 2014-16 1990-92 (%) 1990-92 (%)
Países desenvolvidos 20 15 2 1,8
Sul da Ásia 291 281 28,8 35,4
África subsaariana 176 220 17,4 27,7
Ásia oriental 295 145 29,2 18.3
Sudeste asiático 138 61 13,6 7.6
América Latina e Caribe 66 34 6,5 4.3
Ásia Ocidental 8 19 0,8 2.4
Norte da África 6 4 0,6 0,5
Cáucaso e Ásia Central 10 6 0,9 0,7
Oceania 1 1 0,1 0,2
Total 1011 795 100 100
FONTE: “O ESTADO DA INSEGURANÇA ALIMENTAR NO MUNDO 2015” (SOFI)/FAO

55
ATUALIDADE

GEOGRAFIA DA FOME PREVALÊNCIA DE DESNUTRIÇÃO


% DE DESNUTRIÇÃO NA POPULAÇÃO MUNDIAL

DAS 795 MILHÕES


50

DE PESSOAS QUE PASSAM FOME 40


NO MUNDO, CERCA DE
30
780 MILHÕES,
OU SEJA, 98% VIVEM EM
20

REGIÕES EM DESENVOLVIMENTO 10
1990-92 2014-16

1990-92: 44,4% 2014-16: 12,9%


PREVALÊNCIA DE DESNUTRIÇÃO NA POPULAÇÃO MUNDIAL APRESENTOU QUEDA
brusca de 1990 a 2014: de 44,4% para 12,9%

ÍNDICE GLOBAL DA FOME


Shutterstock

Extremamente alarmante Alarmante Sério Moderado Baixo Dados insuficientes Não calculado
FONTE: WELTHUNGERHILFE

56
A FOME NO MUNDO

pessoas subalimentadas, a porcentagem de crian-


ças abaixo dos cinco anos que sofrem carências
alimentícias e a taxa de mortalidade infantil tam-
bém abaixo dos cinco anos.
Em 2015, o índice apontou que os casos que
requerem mais atenção no mundo, hoje, aconte-
cem nos seguintes países, nesta ordem:

arindambanerjee / Shutterstock
• 8 casos considerados alarmantes: Repú-
blica Centro-Africana, Chade, Zâmbia,
Timor-Leste, Serra-Leoa, Haiti, Mada-
gascar, Afeganistão.
HAITI: ALERTA MÁXIMO CONTRA A FOME. CRIANÇA HAITIANA EM • 44 casos considerados sérios: Niger, Iê-
acampamento de alimentos
men, Paquistão, Etiópia, Djibuti, Nigéria,
Anualmente, a organização não-governamental Angola, Moçambique, Namíbia, Burquina
Welthungerhilfe apresenta, em conjunto com a Faso, Zimbábue, Libéria, Tajiquistão, Ru-
irlandesa Concern Worldwide e com o Instituto anda, Guiné-Bissau, Mali, Índia, Coreia
Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimen- do Norte, Guiné, Tanzânia, Laos, Uganda,
tícias (IFPRI), o Índice Global da Fome. Malauí, Bangladesh, República do Congo,
O índice classifica os países de acordo com a Costa do Marfim, Suazilândia, Sri Lanka,
realidade da fome em cada um deles: há os casos Camarões, Quênia, Myanmar (Birmânia),
extremamente alarmantes, os alarmantes, os sé- Lesoto, Senegal, Botswana, Togo, Mauri-
rios, os moderados, os baixos e ainda aqueles em tânia, Camboja, Nepal, Iraque, Indonésia,
que os dados não foram suficientes ou que não Benim, Gâmbia, Guatemala, Filipinas.
foram calculados e, por isso, não se enquadram O Brasil, assim como a maioria dos vizinhos
nas demais classificações. da América do Sul, estão na classificação de risco
Para a realização do relatório, três parâmetros baixo. Apenas Bolívia e Paraguai figuram entre os
são levados em consideração: a porcentagem de de risco moderado.

NÚMEROS
• 795 milhões de pessoas ainda passam fome no mundo. • Destes, 29 países também alcançaram o objetivo
• Na década de 1990, o número ultrapassava 1 bilhão mais ambicioso, da Conferência Mundial  sobre  Ali-
de pessoas. mentação (WFS na sigla em inglês), de diminuir pela
metade o número de subalimentados até 2015.
• Na América Latina e no Caribe, são 34 milhões de fa-
mintos, sendo 10% no Brasil (3,4 milhões). • O Brasil é o país, entre os mais populosos, que teve a
maior queda de subalimentados entre 2002 e 2014,
• De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimen- 82,1%. No mesmo período, a América Latina reduziu
to Social e Combate à Fome, a pobreza no Brasil foi redu- em 43,1% esta quantidade.
zida de 24,7% em 2002 para 8,5% em 2012. A extrema
pobreza caiu de 9,8% para 3,6% no mesmo período. • Na contramão das localidades que conseguiram
diminuir significativamente a fome ao longo de
• 72 países em desenvolvimento, dos 129 monitora- quase três décadas, a África subsaariana registrou
dos pela FAO, atingiram o objetivo de reduzir pela aumento dos casos, que foram de 176 milhões
metade, até 2015, o número de pessoas com fome. para 220 milhões.

57
FUTURO

A FOME NO
MUNDO AMANHÃ
AS BATALHAS E OS DESAFIOS DAS ENTIDADES HUMANITÁRIAS E
GOVERNOS PARA ERRADICAR A FOME E A MISÉRIA

Shutterstock

D
EPOIS DO SUCESSO DOS OBJETIVOS DO MILÊNIO, O novo plano, batizado
que determinavam a meta de reduzir pela como Objetivos de Desenvolvi-
metade a pobreza e a fome no mundo, mento Sustentável, foi acordado
agora os países-membro da Organização em 2015, durante a Cúpula das
das Nações Unidas querem erradicar de uma vez Nações Unidas sobre Desenvol-
por todas os dois temas das agendas políticas in- vimento Sustentável. “Erradicar
ternas e externas. O prazo: 2030. a pobreza em todas as suas for-

58
ChameleonsEye / Shutterstock.com
A FOME NO MUNDO

BAN KI-MOON,
secretário-geral da ONU,
declarou que a entidade
busca acabar com a
pobreza em todas as
suas formas

mas e dimensões, incluindo a extrema pobreza, é


o maior desafio global e um requisito indispensá-
TRANSFORMANDO
vel para um desenvolvimento sustentável”, afir- NOSSO MUNDO
mam os líderes no documento. A agenda firmada pelos países-
“A nova agenda é uma promessa dos líderes membro da ONU prevê um
para a sociedade mundial. É uma agenda para aca- plano de ação para as pessoas,
bar com a pobreza em todas as suas formas, uma para o planeta e para a prosperi-
agenda para o planeta”, disse o secretário-geral da dade. “Esta agenda reflete a ur-
ONU, Ban Ki-moon, durante a Cúpula. gência de uma ação pelo clima.
“Temos uma tarefa enorme, que começa com Está baseada na igualdade de
o compromisso histórico de não apenas reduzir, gênero e no respeito ao direi-
mas erradicar a pobreza, a fome e a desnutrição to de todos. Devemos engajar
de maneira sustentável, porque quando falamos todos os atores, como fizemos
de um mundo sustentável, não podemos deixar na construção da agenda. De-
ninguém para trás”, destacou o brasileiro José vemos engajar parlamentares
Graziano da Silva, diretor-geral da Organização e governos locais, empresários
para Alimentação e Agricultura (FAO).
e a sociedade civil, ouvir cien-
O diretor-geral lembrou que 14 dos 17 novos
tistas e a academia”, afirmou o
objetivos da agenda estão relacionados com a mis-
secretário-geral da ONU, Ban
são da FAO e afirmou que quanto mais cedo o
Ki-moon.
mundo consiga alcançar o segundo Objetivo – aca-
Confira os princípios do docu-
bar com a fome, alcançar a segurança alimentar e
mento:
melhoria da nutrição e promover a agricultura sus-
tentável – mais rápido será o cumprimento de mui- PESSOAS – “Estamos determina-
tas outras metas. “Só podemos descansar quando dos a acabar com a pobreza e a
conseguirmos a fome zero”, disse o brasileiro. fome, em todas as suas formas e

59
FUTURO

Shutterstock
dimensões, e garantir que todos os seres huma- PAZ – “Estamos determinados a promover socie-
nos possam realizar o seu potencial em dignida- dades pacíficas, justas e inclusivas que sejam livres
de e igualdade, em um ambiente saudável.” do medo e da violência. Não pode haver desen-
PLANETA – “Estamos determinados a proteger o pla- volvimento sustentável sem paz e não há paz sem
neta da degradação, sobretudo por meio do consumo desenvolvimento sustentável.”
e da produção sustentáveis, da gestão sustentável dos PARCERIA – “Estamos determinados a mobili-
seus recursos naturais e tomando medidas urgentes zar os meios necessários para implementar esta
sobre a mudança climática, para que ele possa supor- Agenda por meio de uma Parceria Global para o
tar as necessidades das gerações presentes e futuras.” Desenvolvimento Sustentável revitalizada, com
PROSPERIDADE – “Estamos determinados a assegu- base num espírito de solidariedade global refor-
rar que todos os seres humanos possam desfrutar çada, concentrada em especial nas necessidades
de uma vida próspera e de plena realização pesso- dos mais pobres e mais vulneráveis e com a par-
al, e que o progresso econômico, social e tecnoló- ticipação de todos os países, todas as partes inte-
gico ocorra em harmonia com a natureza.” ressadas e todas as pessoas.”

60
A FOME NO MUNDO

17 OBJETIVOS
A AGENDA 2030 DA ONU PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL FOI DIVIDIDA EM 17
OBJETIVOS. ELES FORAM ELENCADOS COM BASE NOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO
DO MILÊNIO E CONCLUIRÃO O QUE ESTES NÃO CONSEGUIRAM ALCANÇAR. “ELES BUSCAM
CONCRETIZAR OS DIREITOS HUMANOS DE TODOS E ALCANÇAR A IGUALDADE DE GÊNERO E
O EMPODERAMENTO DE MULHERES E MENINAS. ELES SÃO INTEGRADOS E INDIVISÍVEIS, E
EQUILIBRAM AS TRÊS DIMENSÕES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: A ECONÔMICA, A
SOCIAL E A AMBIENTAL”, AFIRMA O DOCUMENTO.

OBJETIVO 1. Acabar com a pobreza em todas as OBJETIVO 10. Reduzir a desigualdade dentro dos
suas formas, em todos os lugares. países e entre eles.

OBJETIVO 2. Acabar com a fome, alcançar a segu- OBJETIVO 11. Tornar as cidades e os assentamentos
rança alimentar e melhoria da nutrição e promover a humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.
agricultura sustentável.
OBJETIVO 12. Assegurar padrões sustentáveis de
OBJETIVO 3. Assegurar uma vida saudável e pro- produção e de consumo.
mover o bem-estar para todos, em todas as idades.
OBJETIVO 13. Tomar medidas urgentes para com-
OBJETIVO 4. Assegurar a educação inclusiva e equi- bater a mudança do clima e seus impactos.
tativa e de qualidade, e promover oportunidades de
aprendizagem ao longo da vida para todos. OBJETIVO 14. Conservação e uso sustentável dos
oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o
OBJETIVO 5. Alcançar a igualdade de gênero e em- desenvolvimento sustentável.
poderar todas as mulheres e meninas.
OBJETIVO 15. Proteger, recuperar e promover o
OBJETIVO 6. Assegurar a disponibilidade e gestão uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de
sustentável da água e saneamento para todos. forma sustentável as florestas, combater a desertifi-
cação, deter e reverter a degradação da terra e deter
OBJETIVO 7. Assegurar o acesso confiável, sustentá- a perda de biodiversidade.
vel, moderno e a preço acessível à energia para todos.
OBJETIVO 16. Promover sociedades pacíficas e inclu-
OBJETIVO 8. Promover o crescimento econômico sivas para o desenvolvimento sustentável, proporcio-
sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno nar o acesso à justiça para todos e construir instituições
e produtivo e trabalho decente para todos. eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.

OBJETIVO 9. Construir infraestruturas resilientes, OBJETIVO 17. Fortalecer os meios de implementa-


promover a industrialização inclusiva e sustentável e ção e revitalizar a parceria global para o desenvolvi-
fomentar a inovação. mento sustentável.

61
FUTURO

DOIS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS


OS OBJETIVOS 1 E 2 DA AGENDA 2030 DA ONU PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL SÃO OS QUE ESTÃO
DIRETAMENTE RELACIONADOS AO COMBATE À FOME. CONFIRA O QUE CADA UM DETERMINA

OBJETIVO 1 de desenvolvimento a favor dos pobres e sensíveis


a gênero, para apoiar investimentos acelerados nas
1.1 Até 2030, erradicar a pobreza extrema para todas ações de erradicação da pobreza.
as pessoas em todos os lugares, atualmente me-
dida como pessoas vivendo com menos de US$
1,25 por dia. OBJETIVO 2
2.1 Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso
1.2 Até 2030, reduzir pelo menos à metade a propor-
de todas as pessoas, em particular os pobres e pes-
ção de homens, mulheres e crianças, de todas as
soas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a
idades, que vivem na pobreza, em todas as suas
alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante
dimensões, de acordo com as definições nacionais.
todo o ano.
1.3 Implementar, em nível nacional, medidas e siste-
2.2 Até 2030, acabar com todas as formas de desnutri-
mas de proteção social adequados, para todos, in-
ção, incluindo atingir, até 2025, as metas acordadas
cluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura subs-
internacionalmente sobre nanismo e caquexia em
tancial dos pobres e vulneráveis.
crianças menores de cinco anos de idade, e atender
1.4 Até 2030, garantir que todos os homens e mulhe- às necessidades nutricionais dos adolescentes, mu-
res, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham lheres grávidas e lactantes e pessoas idosas.
direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o
acesso a serviços básicos, propriedade e controle so- 2.3 Até 2030, dobrar a produtividade agrícola e a ren-
bre a terra e outras formas de propriedade, herança, da dos pequenos produtores de alimentos, particu-
recursos naturais, novas tecnologias apropriadas e larmente das mulheres, povos indígenas, agriculto-
serviços financeiros, incluindo microfinanças. res familiares, pastores e pescadores, inclusive por
meio de acesso seguro e igual à terra, outros recur-
1.5 Até 2030, construir a resiliência dos pobres e da- sos produtivos e insumos, conhecimento, serviços
queles em situação de vulnerabilidade, e reduzir a financeiros, mercados e oportunidades de agrega-
exposição e vulnerabilidade destes a eventos extre- ção de valor e de emprego não agrícola.
mos relacionados com o clima e outros choques e
desastres econômicos, sociais e ambientais. 2.4 Até 2030, garantir sistemas sustentáveis de produ-
ção de alimentos e implementar práticas agrícolas
1.a Garantir uma mobilização significativa de recursos resilientes, que aumentem a produtividade e a pro-
a partir de uma variedade de fontes, inclusive por dução, que ajudem a manter os ecossistemas, que
meio do reforço da cooperação para o desenvolvi- fortaleçam a capacidade de adaptação às mudanças
mento, para proporcionar meios adequados e pre- climáticas, às condições meteorológicas extremas,
visíveis para que os países em desenvolvimento, secas, inundações e outros desastres, e que melho-
em particular os países menos desenvolvidos, im- rem progressivamente a qualidade da terra e do solo.
plementem programas e políticas para acabar com
a pobreza em todas as suas dimensões. 2.5 Até 2020, manter a diversidade genética de semen-
tes, plantas cultivadas, animais de criação e domesti-
1.b Criar marcos políticos sólidos em níveis nacional, cados e suas respectivas espécies selvagens, inclusive
regional e internacional, com base em estratégias por meio de bancos de sementes e plantas diversifi-

62
A FOME NO MUNDO

cados e bem geridos em nível nacional, regional e 2.b Corrigir e prevenir as restrições ao comércio e dis-
internacional, e garantir o acesso e a repartição justa torções nos mercados agrícolas mundiais, incluindo
e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização a eliminação paralela de todas as formas de subsí-
dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais dios à exportação e todas as medidas de exportação
associados, como acordado internacionalmente. com efeito equivalente, de acordo com o mandato
da Rodada de Desenvolvimento de Doha.
2.a Aumentar o investimento, inclusive via o reforço da
cooperação internacional, em infraestrutura rural, 2.c Adotar medidas para garantir o funcionamento
pesquisa e extensão de serviços agrícolas, desen- adequado dos mercados de commodities de ali-
volvimento de tecnologia, e os bancos de genes de mentos e seus derivados, e facilitar o acesso opor-
plantas e animais, para aumentar a capacidade de tuno à informação de mercado, inclusive sobre as
produção agrícola nos países em desenvolvimento, reservas de alimentos, a fim de ajudar a limitar a
em particular nos países menos desenvolvidos. volatilidade extrema dos preços dos alimentos.

A.L. E CARIBE SEM FOME ATÉ 2025 De acordo com Graziano, a estreita relação en-
tre a pobreza rural e a insegurança alimentar na
Com os bons resultados alcançados com as duas região demanda um novo foco para o desenvolvi-
metas de redução da fome propostas pelos Obje- mento econômico e ambiental.
tivos de Desenvolvimento do Milênio e pela Cú- “Para erradicar a fome, não só é preciso for-
pula Mundial da Alimentação, América Latina e talecer a agricultura familiar, mas também desen-
Caribe prometem novos feitos diante dos Objeti- volver sistemas agroalimentares inclusivos, efi-
vos de Desenvolvimento Sustentável. cientes e sustentáveis”, explicou.
A meta estipulada pelos países-membro da A chave para alcançar esse objetivo é articu-
Organização das Nações Unidas (ONU) para er- lar as políticas de desenvolvimento agropecuário
radicar a fome é 2030. Mas América Latina e Ca- com as de proteção social, gestão de riscos e em-
ribe acreditam que conseguem alcançar o objetivo prego agrícola, disse o diretor-geral.
cinco anos antes, em 2025. Esse enfoque deve considerar também o acesso
Em 1990, 14,7% da população da América La- aos recursos e serviços produtivos, as polí-
tina e Caribe vivia com fome e mais de 66 milhões ticas de proteção social e de empre-
de pessoas eram incapazes de obter os alimentos go rural, principalmente para
necessários para uma vida saudável. Hoje, o nú- jovens, mulheres rurais e
mero total de famintos caiu para 34 milhões e a povos indígenas.
porcentagem foi reduzida para 5%, mesmo em
meio ao crescimento populacional.
Para alcançar essa meta, os governos estão im-
plementando grandes acordos regionais, como a
Iniciativa América Latina e Caribe Sem Fome e
o Plano de Segurança Alimentar, Nutrição e Er-
radicação da Fome da Comunidade de Estados
Latino-Americanos (CELAC), além de progra-
Shutterstock

mas nacionais.
“O mundo entrou em uma nova era: a era dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, dis-
se o diretor-geral da Organização das Nações Uni- AMÉRICA LATINA E
Caribe prometem
das para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o erradicar a fome até 2025
brasileiro José Graziano da Silva.
63
FUTURO

TODOS CONTRA A FOME PROGRAMA MUNDIAL


DE ALIMENTOS (PMA)
CONHEÇA AS PRINCIPAIS INICIATIVAS MUNDIAIS A PMA é a filial de auxílio alimen-
DE COMBATE A ESTE MAL tar da Organização das Nações
Unidas. De sua sede em Roma e
de escritórios em mais de 80 pa-
íses ao redor do mundo, as ações
da PMA ajudam pessoas incapazes
de produzir ou obter alimento sufi-
ciente para si e para suas famílias.
É considerada a maior agência
humanitária do mundo, sendo fi-
nanciada por doações. Tem como
parceiros as agências da Organiza-
ção das Nações Unidas (ONU) de
Alimentação e Agricultura (FAO) e
o Fundo Internacional de Desen-
volvimento Agrícola (FIDA), bem
Shutterstock

como de outros governos, a pró-


pria ONU e as ONGs parceiras.
PROGRAMA DE AQUISIÇÃO Nasceu em 1961, com previsão para entrar em funcio-
DE ALIMENTOS (PAA) namento em 1963, como um programa experimental de
três anos. No entanto, em setembro 1962 diante de um
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é uma
terremoto no Irão, seguido por um furacão na Tailândia
ação do Governo Federal que compra alimentos da
e da situação na Argélia, que acabava de se tornar inde-
agricultura familiar e distribui a pessoas que pre-
pendente, tendo que alojar cinco milhões de refugiados,
cisam – aquelas que se encontram em situação de
o PMA não mais parou.
insegurança alimentar e nutricional e são atendidas
pela rede sócio assistencial.
Os alimentos também servem para abastecer os CENTRO DE EXCELÊNCIA CONTRA
restaurantes populares, cozinhas de creches e esco- A FOME DA ONU
las públicas, de hospitais públicos e presídios – os Inaugurado em 7 de novembro de 2011, é uma parce-
chamados equipamentos públicos de alimentação ria entre o Programa Mundial de Alimentos das Nações
e nutrição. Os produtos também podem formar es- Unidas e o Governo do Brasil que visa compartilhar as
toques públicos ou estoques das organizações da melhores práticas na implementação de programas de
agricultura familiar. alimentação escolar.
Criado em 2003, dentro das iniciativas do Pro- Instalado em Brasília, o Centro de Excelência usa as ex-
grama Fome Zero, o modelo já foi exportado para periências do PMA e do Brasil na luta contra a fome para
a África, onde já beneficiou quase 5 mil agriculto- auxiliar governos da África, da Ásia e da América Latina a
res e mais de 124 mil estudantes em cinco países: desenvolver programas de alimentação escolar sustentá-
Etiópia, Malaui, Moçambique, Senegal e Níger. O veis, além de apoiar outras redes de alimentação e segu-
PAA África é uma iniciativa conjunta do governo rança alimentar e nutricional em todo o mundo.
brasileiro, da Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e a Agricultura (FAO), do Programa APLICATIVO SHARETHEMEAL
Mundial de Alimentos (PMA) e do Departamento O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas
Britânico para o Desenvolvimento Internacional. (PMA) lançou um aplicativo gratuito que torna possível

64
A FOME NO MUNDO

para qualquer pessoa, em qualquer


lugar do mundo, alimentar crianças
sírias que passam fome. Através
de doações, o programa permite a
usuários “compartilhar” uma refei-
ção com meninos e meninas sírias
que recebem assistência da agên-
cia da ONU.
Por apenas 50 centavos doados,
uma criança adquire comida para
um dia inteiro. O aplicativo mostra
para o usuário o destino de suas

Shutterstock
doações. As contribuições benefi-
ciam crianças refugiadas da Síria
que fazem parte do programa de refeições escolares ONG ACTIONAID
do PMA na Jordânia. O ShareTheMeal está disponível É uma organização internacional sem fins lucrativos
para os sistemas Android e iOS e pode ser adquirido que há 40 anos trabalha com comunidades excluídas
em lojas de aplicativos no mundo todo. ao redor do mundo. Mais de 20 milhões de pessoas
são beneficiadas em 40 países pobres da África, Ásia e
PACTO PELA POLÍTICA Américas. No Brasil, a ONG está presente desde 1999,
ALIMENTAR URBANA em 13 estados, junto com 25 organizações parceiras,
Prefeitos de 100 cidades do mundo, incluindo São beneficiando mais de 300 mil pessoas.
Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, assinaram em A ONG apoia, por exemplo, as quebradeiras de coco
2015 o pacto com o compromisso de assumir papel de babaçu, no Maranhão, em sua luta para continuar vi-
fundamental para acabar com a fome e melhorar a nu- vendo desse recurso natural que é parte da sua história
trição. Os princípios do acordo são: garantia de dispo- e cultura. Em pesquisa divulgada pela ONU em julho
nibilidade de comida saudável a todos, promoção da de 2007 e publicada pelo jornal inglês Financial Times,
sustentabilidade no sistema alimentar, educação so- a ActionAid foi avaliada como uma das 20 organizações
bre alimentação saudável e redução de desperdícios. sem fins lucrativos mais competentes do mundo.

ONG CIDADES SEM FOME UNICEF


“Se eu vou morar aqui, preciso fazer algo”, pensou o ale- O Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef está
mão Hans Dieter Temp ao se mudar para Suzano, em presente no Brasil desde 1950, liderando e apoiando
São Paulo. E daí nasceu a organização não governamen- algumas das mais importantes transformações na área
tal (ONG) “Cidades Sem Fome”, que vem se tornando da infância e da adolescência no país, como as grandes
exemplo de sustentabilidade ao desenvolver projetos campanhas de imunização e aleitamento, a aprovação
de agricultura sustentável em áreas urbanas e rurais, do artigo 227 da Constituição Federal e o Estatuto da
baseados nos princípios da produção orgânica. Criança e do Adolescente, o movimento pelo acesso
A ONG Desenvolve projetos de hortas comunitá- universal à educação, os programas de combate ao
rias, hortas escolares e estufas agrícolas utilizando trabalho infantil, as ações por uma vida melhor para
áreas públicas e particulares precárias, que não pos- crianças e adolescentes no semiárido brasileiro.
suem uma destinação específica, para criar oportuni- O fundo está presente em 191 países. Atualmente, a
dades de trabalho para pessoas em vulnerabilidade Unicef realizou campanha de doação e entrega de carre-
social e melhorar a situação alimentar e nutricional gamentos aéreos com ajuda humanitária em Quito, no
de crianças e adultos. Equador, para crianças e famílias vítimas de terremotos.

65
FOME NO BRASIL

A LUTA
BRASILEIRA
DESDE O INÍCIO DOS ANOS 2000, O BRASIL VEM
SUPERANDO SEU DESEMPENHO NO COMBATE À FOME.
MAS A SITUAÇÃO AINDA NÃO ESTÁ TOTALMENTE RESOLVIDA
Shutterstock

A
FOME AINDA É UMA REALIDADE NO BRASIL, MAS, 82% de 2002 a 2014. Para efeito
de modo geral, o cenário é positivo. Se- de comparação, no mesmo pe-
gundo o Banco Mundial, a proporção de ríodo, a América Latina como
brasileiros vivendo na extrema pobreza um todo reduziu em 43,1%
(pessoas que vivem com menos de US$ 2,5 ou esta quantidade.
cerca de R$ 7,5 por dia) caiu de 10% para 4% A redução mais significati-
entre 2001 e 2013. A fome, segundo a Organiza- va da fome no Brasil aconteceu
ção das Nações Unidas (ONU), teve queda de em 2012, ano em que o país al-
66
A FOME NO MUNDO

cançou duas metas da Organização das Nações lhada e Erradicação da Pobreza


Unidas: cortar pela metade o número de pessoas na América Latina e Caribe”,
passando fome e reduzir esse número para menos publicado em 2014 pelo Banco
de 5% da população. Mundial, que aponta que a ren-
Entre os países mais populosos, o Brasil é tam- da de 60% dos brasileiros au-
bém aquele que apresenta a menor quantidade de mentou entre 1990 e 2009 e que
pessoas subalimentadas. São 3,4 milhões, pouco me- o Brasil é um dos exemplos mais
nos de 10% da quantidade total da América Latina, brilhantes de redução de pobre-
34,3 milhões. za na última década.
No relatório “O Estado da Insegurança Ali- A primeira causa é o cresci-
mentar no Mundo 2015” (SOFI 2015), a ONU mento econômico a partir de
afirma que os maiores impactos positivos sobre 2001, iniciado durante o man-
a fome são percebidos nos países que aliam forte dato de Fernando Henrique
crescimento econômico a programas sociais efeti- Cardoso, “bastante mais estável
vos. E foi exatamente isto que aconteceu no Brasil que o registrado durante as duas
de 2001 a 2014. décadas anteriores”, segundo
O estudo revelou que o Brasil venceu o pro- o relatório. Em segundo lugar
blema estrutural da fome e não está mais no Mapa são elogiadas as políticas pú-
da Fome das Nações Unidas. Não por acaso, o blicas que têm como objetivo a
Brasil serve como modelo de combate à fome, le- erradicação da pobreza, como o
vando ideias para países como Benim, Senegal e Bolsa Família, que oferece uma
Índia. E o Centro de Excelência contra a Fome modesta renda mensal em troca
do Programa Mundial de Alimentos da ONU fica da escolarização dos filhos, ou
em Brasília. o Brasil sem Miséria, pensado
para os mais pobres. Em último
REVOLUÇÃO À BRASILEIRA lugar se destaca o mercado de
trabalho nacional, onde as taxas
O crescimento a partir do Plano Real e os pro- de emprego formal aumentaram
gramas de inclusão social, como o Bolsa Família, 60% e houve evolução no valor
estão entre as causas do sucesso do caso brasilei- do salário mínimo.
ro, segundo o estudo “Prosperidade Comparti- “O crescimento modesto,
mas contínuo, tornou-se mais
inclusivo graças a políticas for-
temente enfocadas na redução
da pobreza e a favor de um mer-
cado de trabalho forte”, afir-
mam os especialistas. Mas eles
também fazem um alerta de
que é preciso prosseguir com os
avanços: “Embora o país tenha
eliminado quase por completo a
pobreza extrema na última dé-
cada, 18 milhões de brasileiros
continuam pobres, um terço da
Shutterstock

população não conseguiu aces-


A RENDA DE 60% DOS BRASILEIROS AUMENTOU APÓS A IMPLANTAÇÃO DO sar a classe média e se mantém
Plano Real, na década de 1990 economicamente vulnerável”.

67
FOME NO BRASIL

Shutterstock
indígenas e quilombolas, que
NOVOS DESAFIOS
COMUNIDADES
indígenas e quilombolas
abrigam a maior parte abrigam a maior parte das pes-
dos brasileiros que A realidade do país desde 2014 mudou bastante soas que ainda sofrem de insegu-
sofrem com a insegurança
alimentar e, hoje, o Brasil enfrenta um fraco crescimento rança alimentar no país. Também
econômico. Entre as recomendações do Banco é preciso adotar medidas para di-
Mundial para continuar enfrentando a pobreza minuir o desperdício de alimen-
está a de não aumentar os impostos. Os autores tos e enfrentar as questões rela-
sugerem ajustes fiscais para promover o gasto pú- cionadas às mudanças climáticas.
blico eficiente para incentivar a competitividade, Outro ponto defendido pela
melhorar a infraestrutura e os serviços públicos, ONU é que o Brasil precisa me-
além de não abandonar os programas sociais. lhorar a alimentação da popula-
Uma reforma tributária, segundo os especialistas, ção para combater a obesidade.
favoreceria as classes mais baixas, já que muitos im- Em todo o mundo cresce o nú-
postos são cobrados na compra de produtos, para mero de pessoas com sobrepeso.
onde vai a maior parte da renda dos mais pobres. A obesidade figura como uma
Já no relatório da ONU (SOFI 2015), a indica- das principais causas de doenças
ção é que o país volte sua atenção para os chama- como, por exemplo, hipertensão
dos grupos mais vulneráveis, como comunidades e diabetes. Segundo o relatório,

68
A FOME NO MUNDO

há uma erosão de 20% nos orçamentos dos países tos do mundo, com uma pro-
decorrentes da obesidade e doenças a ela associadas. dução capaz de atender tanto a
No Brasil, em 2011, o custo da obesidade e da fração demanda interna, como a exter-
atribuível de cada doença a ela associada foi de mais na. “Por apresentar condições
de R$ 480 milhões para o Sistema Único de Saúde. excepcionais para a produção de
“A alimentação saudável deve ser uma aliada da alimentos, a partir dos próximos
população. As dietas precisam garantir alimentos dez anos, o mundo vai precisar
nutritivos e ricos em proteínas. E quem pode con- muito do Brasil”, afirmou Boja-
tribuir bastante para isso é o agricultor familiar. Os nic, lembrando que a produção
pequenos agricultores são responsáveis por mais de alimentos até 2050 precisa
de 70% dos alimentos que chegam diariamente a crescer fortemente para alimen-
nossas mesas e a produção deles vem de uma fonte tar mais de 9 bilhões de pessoas,
sustentável e acima de tudo saudável”, ressaltou o segundo as projeções de cresci-
representante da Organização das Nações Unidas mento populacional.
para Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil, Em sua opinião, o Brasil está
Alan Bojanic, na apresentação do estudo. à altura e pode produzir sem a
O relatório também faz referência aos novos necessidade de aumentar a área
desafios pós-2015 com a aprovação dos Objetivos de cultivo, sem fazer desmata-
de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Mais de mento. Uma opção, diz Bojanic,
190 países se comprometeram na Assembleia Ge- “é a reutilização das áreas degra-
ral da ONU com 17 objetivos, sendo os dois pri- dadas, que podem ser transfor-
meiros bem ambiciosos: erradicar a pobreza em madas em recursos agrícolas de
todas suas formas até 2030 e alcançar a segurança alta produtividade”. “É o que
alimentar e a melhora da nutrição e promover a chamamos de intensificação sus-
agricultura sustentável. tentável da agricultura. Com este
O Brasil tem um papel importante nesse pro- ganho de espaço, o Brasil tem
cesso, já que o país tem capacidade de se tornar nas condições de aumentar a produ-
próximas décadas o maior exportador de alimen- ção sem abrir novas áreas.”

CAUSAS DA FOME NO BRASIL


Segundo a organização mundial sem fins lucrativos
Action Aid, a fome no Brasil tem endereço certo: ela existe
onde há pobreza e falta de acesso a direitos básicos. Ela
não estaria relacionada à escassez de comida, mas à falta
de acesso das pessoas pobres à renda para consumir e aos
meios para produzir e comercializar alimentos. Para a en-
tidade, são quatro as principais razões da fome brasileira:

ALIMENTOS CAROS
2011 foi o ano em que a FAO, o órgão das Nações Uni-
das para agricultura e alimentação, registrou a maior
alta nos preços desde 1990. O aumento dos preços é
causado não só por fatores climáticos, mas também pela
Shutterstock

especulação com alimentos.

69
FOME NO BRASIL

MODELO DE PRODUÇÃO
VOLTADO PARA O AGRONEGÓCIO
E A EXPORTAÇÃO
Apesar da importância dos pequenos agricultores no
Brasil, a política de liberalização comercial e as pressões
do crescimento do agronegócio têm tirado muitos agri-

Alf Ribeiro / Shutterstock.com


cultores familiares do mercado.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS
As pessoas pobres são as mais afetadas pelos efeitos das PLANTAÇÃO DE SOJA NO MATO GROSSO: AGRONEGÓCIO É UMA DAS CAUSAS DA
mudanças climáticas, porque têm menos acesso aos re- fome no Brasil
cursos financeiros e naturais para diminuir sua vulne-
rabilidade. Com o prejuízo às colheitas e à pecuária, BIOCOMBUSTÍVEIS
causados por enchentes e secas, pequenos agricultores A produção dos biocombustíveis geralmente ocor-
têm a quantidade de alimentos para autoconsumo e co- re em detrimento da produção de alimentos, além
mercialização reduzida. de desmatamento.

A FOME NO BRASIL
BRASILEIROS NA EXTREMA FOME NO BRASIL
POBREZA 2002
(%)
10
8
DE 2002 A 2014,
6 QUEDA DE 82%
4 82%
2
0
2001 2013 2014

FONTE: BANCO MUNDIAL FONTE: ONU


São consideradas na extrema pobreza as pessoas que vivem São 3,4 milhões de subalimentados no Brasil, menos de 10%
com menos de US$ 2,5 dólares por dia (ou cerca de R$ 7,5) da quantidade total da América Latina – que é de 34,3 milhões

GRANDES FOMES NO BRASIL


1580 E 1583 - PERNAMBUCO
Foi a primeira seca de que se tem notícia no Nordeste.
O estado mais atingido foi Pernambuco. Padre Fernão
Cardin relatou, segundo documentos históricos, que
houve “uma grande seca e esterilidade na província e
cinco mil índios desceram o sertão apertados pela fome,
socorrendo-se aos brancos”.
Shutterstock

70
A FOME NO MUNDO

Shutterstock
tras, publicou uma das mais realistas visões sobre a
DRAMA NORDESTINO seca no livro A Fome, de 1890. “A peste e a fome
Os relatos de fome, sede, miséria, migração e epi- matam mais de 400 por dia! O que te afirmo é que,
demias decorrentes da escassez de chuva no Nor- durante o tempo em que estive parado em uma es-
deste existem desde o século 16. Uma das primei- quina, vi passar 20 cadáveres: e como seguem para
ras secas que se tem notícia aconteceu entre 1580 e a vala! Faz horror! (...) E as crianças que morrem
1583, vitimando principalmente os índios. Na oca- nos abarracamentos, como são conduzidas! Pela
sião, o estado mais atingido foi Pernambuco. Padre manhã os encarregados de sepultá-las vão reco-
Fernão Cardin relatou, segundo documentos his- lhendo-as em um grande saco: e, ensacados os ca-
tóricos, que houve “uma grande seca e esterilidade dáveres, é atado aquele sudário de grossa estopa a
na província e cinco mil índios desceram o sertão um pau e conduzido para a sepultura”, descreve.
apertados pela fome, socorrendo-se aos brancos”. No Sertão, chove entre dezembro e abril, mas, em
Rodolfo Teófilo, historiador e escritor que foi determinados anos, isso não acontece, ocasionando
um dos fundadores da Academia Cearense de Le- um longo período sem chuvas que origina a seca.

1692/1693 - PERNAMBUCO 1697/98, 1700/01, 1713 – MINAS GERAIS


Uma grande seca atinge o sertão. Segundo o historia- A descoberta de ouro e diamante foram responsáveis
dor Frei Vicente do Salvador, os indígenas, foragidos por um grande afluxo populacional para a região.
pelas serras, reúnem-se em numerosos grupos e avan- Dos que migraram, poucos se dispunham a trabalhar
çam sobre as fazendas das ribeiras, destruindo tudo. a terra. Os senhores de escravos não achavam razoá-
vel deslocar mão-de-obra para a agricultura, quando
a mineração dava lucros muito maiores. A consequ-
ência foi a falta de alimentos e de produtos básicos,
resultando em grande mortalidade.

71
FOME NO BRASIL

As secas prolongadas no
Nordeste são oriundas, muitas
vezes, da elevação da temperatu-
ra das águas do Oceano Pacífico
– fenômeno que recebe o nome
científico de El Niño. A longa
estiagem provoca uma série de
prejuízos aos agricultores, como
perda de plantações e animais, e
a falta de produtividade causada
pela seca provoca a fome.
A seca de 1877 é considerada
a mais arrasadora da história do
Nordeste. Durou três anos, mas
vitimou metade da então popu-
lação do semiárido (500 mil pes-
soas). Nesta época a seca passou
a ser considerada um problema
nacional – até por sua consequ-
ência natural: o êxodo rural.

Shutterstock
De 1979 a 1983, o Nordeste
viveu cinco anos seguidos de es-
OS LONGOS PERÍODOS DE SECA FAZEM COM QUE A REGIÃO NORDESTE FIQUE VULNERÁVEL À FALTA DE ALIMENTOS tiagem. Uma pesquisa da Orga-
nização das Nações Unidas para a
Em nível nacional, o sertão nordestino apresenta as Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) apon-
menores incidências de chuvas. Isto acontece pelo tou que 62% das crianças nordestinas da zona rural,
tipo de massa de ar aliado ao relevo, que muitas ve- com idades entre 0 e 5 anos viviam em estado de des-
zes impede que massas de ar quentes e úmidas ajam nutrição aguda.  
sobre o local causando chuvas. No sul do sertão Em 1993, o descaso público com as secas ganha
ocorrem, raramente, chuvas entre outubro e março, destaque. Com a seca de 1998, que se estende a
provenientes da ação de frentes frias com caracterís- 2000 e se repete em 2001, é criada uma Comis-
tica polar que se apresentam e agem no sudeste. As são Parlamentar de Inquérito (CPI), no Congres-
outras áreas do sertão têm suas chuvas provocadas so Nacional, para investigar desvios de um órgão
pelos ventos alísios vindos do hemisfério norte. público que deveria promover obras de combate

GRANDES FOMES NO BRASIL


1723/1727 - NORDESTE 1744/1745 – NORDESTE 1776/1778
O historiador Irineu Pinto descreveu A seca provoca morte do gado e Uma das mais graves secas, por coin-
da seguinte forma a seca do perío- fome entre a população nordestina. cidir com um surto de varíola.
do: “Os fiscais da Câmara pedem Alguns historiadores afirmam que
a El-Rey que os mande acudir com crianças que já andavam, de tão
escravos, pois os daqui têm morrido desnutridas, voltaram a engatinhar.
de fome”.
Shutterstock

72
A FOME NO MUNDO

e prevenção à seca: a Superintendência de Desen-


volvimento do Nordeste (Sudene).
A Sudene foi criada pelo presidente Juscelino
Kubitscheck em 1959, sob orientação do econo-
mista Celso Furtado, autor do clássico “Forma-
ção Econômica do Brasil”. Em 2000 surgem de-
núncias de corrupção e desvio de recursos que
somavam, em valores atualizados, algo como R$
1,4 bilhão, valor superior à soma dos custos da
transposição do Rio São Francisco e da ferrovia
Transnordestina, obras consideradas como as
mais importantes para o Nordeste.
Em agosto de 2001, o presidente Fernando
Henrique Cardoso extinguiu o órgão. Em 2007,
o presidente Lula recriou a Sudene, desta vez,
blindando melhor o órgão contra fraudes – os
contratos agora vêm com compartilhamento de
responsabilidades entre as empresas públicas e
instituições financeiras, que têm que devolver os
recursos em caso de mal uso.

HISTÓRIA LONGE DO FIM


Ações paliativas e grandes obras que mais adiante
revelam grandes desvios de dinheiro público mar-
cam a história de combate à seca no Nordeste. A
grande promessa agora é a transposição do Rio
São Francisco, com expectativa de ficar pronta até
início de 2017.
Um dos mais importantes cursos d’água da
América do Sul e cuja extensão se dá por cinco es-
Shutterstock

tados, o rio São Francisco está tendo parte de seu


curso desviado para regiões do sertão brasileiro, A TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO, QUE CORTA CINCO ESTADOS
a fim de viabilizar a produção agrícola da região. brasileiros, promete aliviar a falta d’água no sertão

1790/1793 1877 - NORDESTE


A seca transforma homens, mulheres e meninos em Até hoje, é considerada a seca mais arrasadora, que du-
pedintes. É criada a Pia Sociedade Agrícola, primeira rou três anos e atingiu todos os estados do Nordeste.
organização de caráter administrativo cujo objetivo foi Calcula-se que morreram 500 mil pessoas, o equiva-
dar assistência aos flagelados. lente à metade da população do semiárido. Foi nessa
época que o problema das secas no Nordeste passou a
ser considerado de âmbito nacional.

73
FOME NO BRASIL

A obra engloba a construção de quatro tú- vestigações da Polícia Federal que apontam su-
neis, 14 aquedutos, nove estações de bombea- perfaturamento e envolvem os mesmos doleiros
mento e 27 reservatórios. Tendo início em 2006, e empreiteiros da operação Lava Jato, que inves-
quando tinha orçamento de R$ 4,5 bilhões, a tiga os desvios de dinheiro da Petrobras.
obra já sofreu inúmeros atrasos, o que fez seu Enquanto as ações políticas seguem polêmicas, o
custo praticamente dobrar de valor. Nordeste continua a sofrer com a falta d’água. Até
Segundo o Ministério da Integração Nacional, o início deste ano, quase mil cidades do Nordeste
a demora na entrega dos trechos acontece devido estavam em estado de emergência pela seca. O esta-
à burocracia na escolha das empresas e na adapta- do do Ceará, por exemplo, assistiu a seu quinto ano
ção dos projetos iniciais. consecutivo de seca. Na Paraíba e em Alagoas, 26
A contabilidade da obra, porém, é alvo de in- cidades entraram em colapso total de água. 

CALANGO: SÍMBOLO DA FOME NO NORDESTE


Em 1983, a TV Verdes Mares, afiliada cearense da Rede
Globo, mostrou o prefeito de Apuiarés pedindo socorro:
“Aqui, o povo está comendo calango”. No dia seguinte,
o Jornal do Brasil publicava em sua capa uma foto as-
sinada pelo fotógrafo Delfim Vieira que retratava um
sertanejo de uns 50 anos, com o rosto precocemente
enrugado, usando uma atiradeira para abater uma la-
gartixa de uns 20 centímetros de comprimento. Era a

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sua refeição para não morrer de fome.
A história mobilizou setores nacionais e interna-
cionais. Uma igreja batista holandesa despachou
para Fortaleza 20 contêineres cheios de roupas e uma
equipe de televisão para registrar o que ocorria no
Nordeste. No Brasil, um grupo de empresários passou
a transferir, mensalmente, uma ajuda financeira que
socorreu 649 famílias cearenses. Cada empresário
apadrinhou uma família.

GRANDES FOMES NO BRASIL


1919/1921 1979 - NORDESTE
Em consequência dos efeitos dessa seca (que teve gran- A mais duradoura seca nordestina durou cinco anos e
des proporções, sobretudo no sertão pernambucano), atingiu até mesmo regiões nunca afetadas anteriormen-
cresce o êxodo rural no Nordeste. A imprensa, a opinião te, como a Pré-Amazônia Maranhense e grande parte das
pública e o Congresso Nacional exigem atuação do go- zonas da Mata e Litoral do Nordeste. Segundo dados da
verno. É criada, em 1920, a Caixa Especial de Obras de Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Su-
Irrigação de Terras Cultiváveis do Nordeste Brasileiro, dene), entre 1979/1984 morreram na região 3,5 milhões
mantida com 2% da receita tributária anual da União.

74
A FOME NO MUNDO

INDÍGENAS E QUILOMBOLAS
AINDA VULNERÁVEIS
Apesar de o Brasil ter deixado o mapa da fome
da ONU em 2014, aproximadamente 12 milhões
de pessoas ainda sofrem com o problema no país,
um número estatisticamente considerado residu-
al, mas equivalente às populações de países como
Bolívia e Bélgica.
Para o consultor da ActionAid, Francisco
Menezes, é preciso atenção especial aos indíge-
nas e quilombolas que ainda vivem em situação
muito precária.
Em entrevista ao site da organização sem fins
lucrativos, ele afirma que os conflitos fundiários
são responsáveis por esta realidade. “Temos hoje
em torno de 3 milhões de famílias, ou 12 milhões
de pessoas, que ainda são vulneráveis à fome no
Brasil. Indígenas e povos tradicionais fazem parte
deste grupo, pela dificuldade de acesso às políticas
públicas e por sofrerem ataques muito severos a
suas formas de produção”, afirma.
E completa: “Existe uma causa estrutural sobre
a qual não se mexe e, mais do que isso, se agrava a
cada dia, que é a tomada das terras indígenas pelo
agronegócio, sobretudo para produção de soja.
Ultimamente também tem acontecido, em algum
nível, com a produção de cana. A situação mais
grave é no Centro-Oeste do país, com o exemplo
mais recente nas disputas pelas terras dos Guara-
ni-Kaiowá, que estiveram perto de serem despe-
Shutterstock

jados de suas próprias terras no Mato Grosso do


Sul. Os índices de desnutrição infantil são muito DISPUTAS DE TERRA E EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO ACENTUAM A
elevados entre os indígenas”. vulnerabilidade das comunidades indígenas

1993 – NORDESTE E MINAS GERAIS


de pessoas, a maioria crianças, por fome e enfermidades Grande seca atinge todos os estados do Nordeste e
derivadas da desnutrição. Pesquisa da Organização das Na- parte da região norte de Minas Gerais. Na época, a im-
ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) prensa recifense publicou reportagem segundo a qual
apontou que 62% das crianças nordestinas da zona rural, dezenas de obras de combate às secas tinham sido
de 0 a 5 anos, viviam em estado de desnutrição aguda. abandonadas antes de sua conclusão.

75
FOME NO BRASIL

VIDAS SECAS: QUANDO BETINHO: ESPERANÇA


A FAMÍLIA PRECISA EQUILIBRISTA
COMER SEU PAPAGAIO A militância de Betinho começou na adoles-
“Cinco sombras caminhavam naquele leito seco. Per- cência, na Ação Católica, em Belo Horizonte. Na
corriam um calvário como Jesus, açoitados pela fome, Universidade Federal de Minas Gerais, ele foi
pela miséria. Coisa séria. Cansados arriaram-se, Nada um dos fundadores da Ação Popular (AP), uma
para comer. Nada não. O papagaio que fazia parte da organização formada por um grupo católico pró-
comitiva teve o seu fim. -socialismo. Formou-se em Sociologia em 1962
e engajou-se na luta pelas reformas de base do
Sinhá Vitória sem nada falar vai até o baú de zinco governo João Goulart.
onde o papagaio se acomodava e… Betinho resistiu ao golpe de 1964 e à ditadu-
Labutava assoprando os gravetos para elevar as cha- ra que se instalou no Brasil. Quando a repressão
mas e diminuir a fumaça. Soprou sua alma, ficando a intensificou--se, partiu para o exílio em 1971.
carcaça naquele sertão árido e distante. Morou no Chile, no Canadá e no México.
No fim dos anos 1970, a volta de Betinho,
O homem tudo via calado. Todos viviam calados o irmão do cartunista Henfil, virou marca da
como a ceia que devia falar, mas não falava. campanha pela anistia por causa da música “O
No espeto o papagaio fincado e no fogo tostado. Foi o bêbado e a equilibrista”, de Aldir Blanc e João
tudo que comeram. A seca assola o sertão. A fome aperta. Bosco, imortalizada na voz de Elis Regina – “Meu
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Para combatê-la come-se o seu próprio. Vão até os ossos.” Brasil... Que sonha com a volta do irmão do Hen-
fil. Com tanta gente que partiu. Num rabo de fo-
O trecho de Vidas Secas, obra de Graciliano Ramos, guete. Chora! A nossa pátria mãe gentil. Choram
expõe a crueza da seca e da fome e a animalização do Marias e Clarices no solo do Brasil...”, diz a letra.
homem diante de tal realidade. A história narra a tra- Betinho retornou ao Brasil em 79 e criou, jun-
jetória de uma família de retirantes nordestinos com- to com os companheiros de exílio Carlos Afonso
posta por Fabiano, sua mulher Sinhá Vitória e seus dois e Marcos Arruda, o Instituto Brasileiro de Análi-
filhos, além da cachorra Baleia e de um papagaio. Em ses Sociais e Econômicas (Ibase).
determinada altura do livro, exaustos e famintos, eles Em 1986, depois de saber que era portador do
não veem outra alternativa, se não matar a ave de esti- vírus HIV (ele era hemofílico e dependia de trans-
mação em nome da sobrevivência. fusões de sangue), Betinho ajudou a fundar a Asso-

GRANDES FOMES NO BRASIL


1998 - NORDESTE 2001 - NORDESTE
Uma nova seca tem como consequência saques a de- A seca de 1998 se estendeu até 2000, para voltar em
pósitos de alimentos e feiras livres, animais morrendo 2001 com uma particularidade a mais: ela ocorreu no
e lavoura perdida. Ela estava prevista há mais de um momento em que não só o Nordeste, mas todo o Brasil
ano, em decorrência do fenômeno El Niño, mas, como vivia uma crise de energia elétrica sem precedentes em
das vezes anteriores, nada foi feito para amenizar os toda a história do país, provocada por falta de investi-
efeitos da catástrofe. mentos no setor e pela escassez de chuvas.

76
A FOME NO MUNDO

ciação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).


Em 1992, fez parte do Movimento pela Ética
na Política, que culminou com o impeachment
do então presidente Fernando Collor de Mello. O “Atuar no emergencial sem
movimento serviria de base para a mobilização considerar o estrutural é
da campanha contra a fome.
Na década de 1990, tornou-se símbolo de ci- contribuir para perpetuar a
dadania no Brasil ao liderar a Ação da Cidadania miséria. Propor o estrutural sem
contra a Fome, a Miséria e pela Vida, conhecida
popularmente como a “campanha contra a fome”. atuar no emergencial é praticar o
Betinho mobilizou a sociedade brasileira para en- cinismo de curto prazo em nome
frentar a pobreza e as desigualdades. da filantropia de longo prazo”
Movimento social mais reconhecido que já
ocorreu no Brasil, a campanha formou uma imen- Herbert José de Souza, o Betinho
sa rede de mobilização de alcance nacional para
ajudar 32 milhões de brasileiros que estavam
abaixo da linha da pobreza.  Entre 2006 e 2010
foram distribuídas mais de 30 mil toneladas de to Gazir e Lucas Corrêa.
alimentos em todo o Brasil, beneficiando 3 mi- Em 2015, Betinho completaria 80 anos. E a data
lhões de famílias. foi marcada pelo lançamento do filme “Betinho - A 
Ao longo da vida, Betinho recebeu vários prê- Esperança Equilibrista”, de Victor Lopes, escolhido
mios importantes, como o Global 500, do Progra- pelo público como o melhor documentário do últi-
ma das Nações Unidas para o Meio Ambiente. E mo Festival do Rio de cinema.
também chegou a ser indicado para o Nobel da Muito lúcido sobre o tema da fome, ele che-
Paz de 1991. Morreu em 9 de agosto de 1997, de gou a afirmar que a luta contra a miséria tem
complicações da Aids. dupla dimensão: a emergencial e a estrutural. “A
Em 2012, a história de Betinho foi reco- articulação entre estas duas dimensões é comple-
nhecida pela Organização das Nações Unidas xa e cheia de astúcia. Atuar no emergencial sem
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) considerar o estrutural é contribuir para perpe-
como parte importante da memória mundial. tuar a miséria. Propor o estrutural sem atuar no
No mesmo ano, o Ibase lançou o livro “O Brasil emergencial é praticar o cinismo de curto prazo
de Betinho”, escrito por Dulce Pandolfi, Augus- em nome da filantropia de longo prazo”.

2007/2008 – MINAS GERAIS 2015 – NORDESTE E SUDESTE


Em 2007 ocorreu a pior seca da história no norte de O país sofre com a seca no Nordeste e uma crise hídrica
Minas Gerais. Foram 15 meses de estiagem. Duran- em diversos estados do Sudeste, decorrente de fenô-
te o período, foram registrados quase 54 mil focos menos naturais agravados por baixos investimentos
de incêndio e mais de 190 mil mortes de cabeças em infraestrutura.
de gado. Centenas de municípios decretaram esta-
do de emergência.

77
FOME NO BRASIL

OS PROGRAMAS DE COMBATE
À FOME NO BRASIL
O Programa Nacional
de Alimentação Escolar
oferece alimentação
escolar e ações de
educação alimentar e
nutricional aos alunos
de toda a educação
básica matriculados
em escolas públicas.
Em 2015, o programa
beneficiou 42,6 milhões
de estudantes

PROGRAMA NACIONAL DE PROGRAMA DE


ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNAE) AQUISIÇÃO DE
O Programa Nacional de Alimentação Escolar ALIMENTOS (PAA)
(Pnae), implantado em 1955, oferece alimentação
Criado em 2003, dentro das
escolar e ações de educação alimentar e nutricional.
São atendidos os alunos de toda a educação básica iniciativas do Programa Fome
(educação infantil, ensino fundamental, ensino mé- Zero, é uma ação do Governo
dio e educação de jovens e adultos) matriculados Federal que compra alimentos
em escolas públicas, filantrópicas e em entidades da agricultura familiar e dis-
comunitárias (conveniadas com o poder público), tribui a pessoas que precisam
por meio da transferência de recursos financeiros. - aquelas que se encontram em
Em 2015, o orçamento do programa foi de R$ situação de insegurança alimen-
3,8 bilhões, beneficiando 42,6 milhões de estu- tar e nutricional e são atendidas
dantes. Com a Lei nº 11.947, de 2009, 30% do or- pela rede sócio assistencial.
çamento passou a ficar vinculado à compra direta Os alimentos também ser-
de produtos da agricultura familiar, medida que vem para abastecer os restau-
estimula o desenvolvimento econômico e susten- rantes populares, cozinhas de
tável das comunidades. creches e escolas públicas, de

78
A FOME NO MUNDO

hospitais públicos e presídios - os chamados Com os avanços socioeconômicos do Brasil


equipamentos públicos de alimentação e nutri- nos últimos anos, a missão do Iprede foi alte-
ção. Os produtos também podem formar esto- rada. O índice de desnutrição infantil, hoje, é
ques públicos ou estoques das organizações da residual, entre 6% e 7%, e taxa de mortalidade
agricultura familiar. abaixo de 20 por cada mil nascidos.
Atualmente, o instituto tornou-se um centro
de referência sobre a primeira infância, um espa-
AÇÃO DA CIDADANIA CONTRA A ço de produção, ensino e divulgação da temática
FOME, A MISÉRIA E PELA VIDA para a sociedade em geral. Por dia, o Iprede rece-
Conhecida popularmente como a “campanha be cerca de 100 crianças para atividades educacio-
contra a fome” do Betinho, foi o movimento nais e de lazer, distribui 450 latas de leite e oferece
social mais reconhecido que já ocorreu no Bra- atendimento psicossocial para 80 famílias.
sil. Entre 2006 e 2010 foram distribuídas mais de
30 mil toneladas de alimentos em todo o Brasil,
beneficiando 3 milhões de famílias.
ONG AMIGOS DO BEM
Hoje, a entidade deu um passo adiante e realiza A iniciativa de um grupo de amigos liderados
campanhas de arrecadação de livros e brinquedos por Alcione de Albanesi, que levava às famílias
educativos para doações no período do Natal. E do sertão nordestino roupas, alimentos, aten-
segue em defesa de “serviços públicos de qualida- dimento médico e odontológico, entre outras
de, saúde, educação, cultura, mobilidade e direi- coisas, tornou-se um trabalho de transforma-
tos respeitados”. ção, com inúmeros projetos educacionais e au-
tossustentáveis que hoje movimentam a vida de
mais de 60 mil pessoas nos estados de Alagoas,
PASTORAL DA CRIANÇA Ceará e Pernambuco.
Organismo de ação social da Confederação Na- Mensalmente, mais de 5 mil voluntários
cional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Pasto- mobilizam-se nas tarefas de arrecadar, organi-
ral era, há alguns anos, a grande divulgadora da zar e montar cestas básicas. Os alimentos arre-
ideia da “multimistura”, uma farinha composta cadados são entregues pelas mãos dos volun-
por 70% de farelos de arroz ou trigo, 15% de pó tários de São Paulo, que viajam com recursos
de folhas de mandioca e 15% de pó de sementes próprios para o Sertão, representando todos
(gergelim ou abóbora), que ajudaria no combate os que colaboram.
à desnutrição. Hoje, ela não recomenda mais seu
uso. Uma pesquisa da própria entidade revelou
que a multimistura tinha pouca ou nenhuma efi-
PROGRAMA MESA BRASIL
cácia na suplementação alimentar e no combate à O projeto nasceu em 1991 com a distribuição de
anemia infantil. sopas preparadas pelos restaurantes das unidades
Atualmente, a Pastoral atua na capacitação de do Serviço Social do Comércio (Sesc) e distribuí-
líderes voluntários para ações básicas de saúde, das para crianças, idosos e famílias de baixa renda.
educação, nutrição e cidadania. Hoje, se tornou uma rede nacional de banco de
Iprede (Instituto da Primeira Infância) alimentos contra a fome e o desperdício.
Nos anos 1980, no Ceará, apenas 100 crian- Atua em ações educativas e de distribuição de
ças em cada mil nascidas conseguiam chegar a 1 alimentos excedentes ou fora dos padrões de co-
ano de idade. E o instituto surgiu com a missão mercialização para o Sesc, mas que ainda podem
de combater a desnutrição – seu nome, inclusi- ser consumidos. São distribuídos mais de 4 mi-
ve, é Instituto de Prevenção da Desnutrição e lhões de quilos de alimentos por ano, benefician-
da Excepcionalidade. do mais de 173 mil pessoas.

79
BUSCANDO SOLUÇÕES

FAÇA
SUA PARTE
CONHEÇA OS IMPACTOS DO DESPERDÍCIO, COMO REDUZI-LOS E
QUAIS AS CELEBRIDADES QUE JÁ ESTÃO AJUDANDO
Shutterstock

T
ODOS OS ANOS, CERCA DE 1,3 BILHÃO DE TONELA- Quando o assunto é o com-
das de alimentos produzidos para consumo bate à fome, a relação com o
humano são perdidos ou desperdiçados, o desperdício é óbvia: de acordo
que representa um terço de toda a comida com as informações das Nações
produzida no mundo. Os dados, divulgados cons- Unidas, os alimentos desper-
tantemente pela Organização das Nações Unidas diçados anualmente poderiam
(ONU), são alarmantes em vários sentidos. alimentar 2 bilhões de pessoas –

80
A FOME NO MUNDO

ALIMENTOS
desperdiçados
anualmente poderiam
Shutterstock

alimentar 2 milhões
de pessoas

mais que o dobro da população que sofre com a


insegurança alimentar no mundo.
O custo do desperdício de alimentos
Economicamente, o prejuízo é da ordem de chega a US$ 750 bilhões por ano,
US$ 750 bilhões por ano, de acordo com a Or- segundo a FAO
ganização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura (FAO). Outro fator econômico é
que as perdas contribuem para preços ainda mais
altos ao consumidor final, impactando justamente IMPACTO DO DESPERDÍCIO
a população mais pobre. NO AMBIENTE
E, para o meio ambiente, esse desperdício é pre-
judicial porque a agricultura e a pecuária são res- Os alimentos desperdiçados por ano no mundo
ponsáveis por 80% do desmatamento – realizado correspondem a:
para expandir as áreas cultivadas e de pasto – e por
70% do consumo de água doce em termos globais. Emissão de 3,3 bilhões de toneladas de CO2
Isso tudo sem contar a produção crescente de
lixo, que também é ambientalmente prejudicial: se- Consumo de 250 quilômetros cúbicos de água
gundo estimativas da ONU e do Banco Mundial,
Ocupação de 1,4 bilhão de hectares de terra
a população urbana mundial produz 1,4 bilhão de
toneladas de resíduos sólidos por ano, e esse volu-
me deve saltar para 4 bilhões de toneladas até 2050. FONTE: BANCO DE ALIMENTOS/FAO

RAIO-X DO DESPERDÍCIO pós-colheita e armazenagem,


O cálculo do desperdício feito pela ONU leva responde por 54% das perdas.
em conta os alimentos que, de alguma forma, se Os outros 46% são desperdi-
perdem na cadeia produtiva e de abastecimento – çados no processamento, na
desde a produção agrícola até o consumidor final. distribuição e no consumo des-
Globalmente, a fase inicial de produção de ses produtos. Nos países em
alimentos, que inclui etapas como manipulação, desenvolvimento perdem mais

81
BUSCANDO SOLUÇÕES

VOCÊ SABIA?
• Segundo relatório da FAO de
2013, 1,3 bilhão de tonela-
das de alimentos são joga-
dos fora por ano no mundo, o
equivalente ao desperdício de
US$ 750 bilhões. Traduzido em
recursos naturais, o desperdício
consome cerca de 250  quilô-
metros cúbicos de água e ocu-
pa cerca de 1,4 bilhão de hecta-
res de terra.

• Cada brasileiro gera em torno

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de um quilo de lixo por dia.
Cerca de 58% desse total é re-
SE UMA FAMÍLIA NO alimentos durante a produção inicial – na África, presentado por lixo orgânico,
Brasil deixasse de
desperdiçar 20% onde as perdas equivalem a 60% da produção, formado de restos de alimen-
dos alimentos, em metade de todo o alimento produzido é perdido tos. A conta é do Instituto Akatu.
70 anos economizaria
R$ 1,1 milhão nessa fase. Já nos desenvolvidos, o desperdício
ocorre majoritariamente nas etapas finais da ca- • O mesmo instituto apresentou
deia de abastecimento. o cálculo do quanto se deixa
de poucpar com o desperdício.
Uma família média brasileira
DESPERDÍCIO NO BRASIL gasta, em média, R$ 478 reais
Só no Brasil, 26,3 milhões de toneladas de ali- mensais para comprar comida.
mentos têm o lixo como destino, sendo a maior Se o desperdício de 20% de
perda (45%) de hortifrútis. Com base em dados alimentos deixasse de existir
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti- em casa, R$ 90 deixariam de
ca (IBGE), os pesquisadores do Instituto Akatu, ir para o ralo. Guardando esses
que prega o consumo consciente, fizeram a se- R$ 90 todos os meses, depois
guinte conta: uma família média brasileira gasta de 70 anos (expectativa média
R$ 478 mensais para comprar comida. Se o des- de vida) a família teria uma
perdício de 20% de alimentos deixasse de existir, poupança de R$ 1,1 milhão.
R$ 90 reais deixariam de ir para o ralo. Guardan-
do esses R$ 90 todos os meses, depois de 70 anos
(expectativa média de vida) a família teria uma
poupança de nada menos do que R$ 1,1 milhão. QUEM COMBATE O
De acordo com a Empresa Brasileira de Pes-
quisa Agropecuária (Embrapa), o desperdício DESPERDÍCIO?
de alimentos está presente em toda a cadeia de Há algumas iniciativas bem inte-
produção de alimentos no Brasil, sendo 10% no ressantes no Brasil de combate ao
campo, 50% no manuseio e no transporte, 30% desperdício de alimentos. A orga-
na comercialização e no abastecimento, e 10% nização não governamental Ban-
no varejo (supermercados) e consumidor final. co de Alimentos, por exemplo,
82
A FOME NO MUNDO

Shutterstock
recolhe alimentos excedentes de comercializações e nomiza é destinado ao combate
perfeitos para o consumo e os distribui para quem da má-nutrição infantil.
precisa. São 42 instituições cadastradas no projeto, Há um aplicativo gratuito Sa-
que atendem mais de 21 mil pessoas. tisfeito que facilita a busca pelos
Como já apresentado no capítulo anterior, o restaurantes que participam do
Serviço Social do Comércio (Sesc) também dispõe movimento. A busca dos lugares
de uma rede de banco de alimentos, dentro do Pro- pode ser feita por nome, regiões,
grama Mesa Brasil, onde são distribuídos alimentos culinária ou faixa de preço. Por
excedentes ou fora dos padrões de comercialização enquanto apenas contém restau-
para o Sesc, mas que ainda podem ser consumidos. rantes da grande São Paulo.
O Instituto Alana, organização da sociedade O usuário também pode adi-
civil sem fins lucrativos, que incentiva projetos em cionar os lugares preferidos na
defesa da infância, lançou, em 2012, o movimento sua lista dos favoritos e compar-
Satisfeito. A ideia é simples: é muito comum so- tilhar com os amigos via redes
brar comida no prato quando se almoça ou janta socias. O aplicativo está dispo-
em um restaurante. Então, os restaurantes partici- nível para iPhone, iPad e iPod
pantes oferecem seus pratos em versões reduzidas, Touch em três idiomas: portu-
com 2/3 do tamanho, batizadas de “versão Satis- guês, inglês e espanhol. Além do
feito” – e com conhecimento do cliente, é claro. aplicativo, as pessoas podem se
Ao fazer esta opção, o consumidor paga o mesmo informar sobre todos os restau-
valor da versão original e o que o restaurante eco- rantes pelo site satisfeito.com/br.
83
BUSCANDO SOLUÇÕES

FAÇA A SUA PARTE


• Defina o cardápio da semana. Isto permite pla-
nejar melhor a compra e evitar desperdícios. O
maior desperdício em casa acontece em relação
a frutas, legumes e verduras, ou seja, alimentos
típicos de compras semanais.
• Antes de sair de casa para fazer compras, che-
que o que é realmente necessário. Comprar em
quantidade exagerada acaba gerando uma so-
bra que vai para o lixo.
• Em vez de fazer uma compra por mês, expe-
rimente ir ao mercado mais vezes e comprar

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menos produtos. As promoções costumam ser
irresistíveis, no entanto, são as grandes vilãs do
consumo consciente porque estimulam a com- decidir que vai levar pegue o alimento. Assim,
prar um número alto de produtos, que acabam o produto será preservado por mais tempo.
se estragando. Fique atento.
• Na hora de cozinhar, dê preferência aos pro-
• Não dê importância à aparência dos alimentos. dutos que estão próximos do vencimento da
Alimentos “limpinhos” geralmente têm menos validade. Anote quais são eles em uma lista e
tempo de vida, ao passo que legumes e batatas cole na geladeira para não esquecer.
ainda com terra em cima costumam durar mais.
• Se depois de alguns dias notar que abobrinha,
• Na hora de comprar frutas, verduras e legu- chuchu, mandioquinha e outros legumes apre-
mes, escolha com os olhos. Somente depois de sentam partes estragadas, corte-os, lave bem o
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84
A FOME NO MUNDO

Shutterstock
que pode ser aproveitado e faça uma seleta de to: mergulhe os vegetais em água fervente,
legumes para acompanhar assados em geral. espere que a água volte a ferver, retire do
• Aprenda a reciclar as sobras de alimentos: do fogo e mergulhe imediatamente esses ve-
feijão, faça sopa. Com arroz, purê de batatas, getais em uma vasilha de água gelada. Não
cenouras cozidas, carne assada ou o que res- confunda o branqueamento com preparação
tou da bacalhoada prepare deliciosos bolinhos. definitiva. O vegetal branqueado não está
Frutas azedas ou maduras demais podem virar pronto, mas apenas protegido para ser guar-
compotas, geleias e recheios para bolo. dado por mais tempo.
• Ponha no prato apenas a quantidade suficiente • Antes de guardar frutas, verduras e legumes na
para aquela refeição. geladeira, higienize-os e seque-os. Depois de
consumir, guarde esses alimentos em embalagens
• Consuma verduras, legumes e frutas da esta-
fechadas para evitar a proliferação de bactérias.
ção, que além de mais saborosos têm preços
mais baixos. Em geral, esses produtos vêm de • Para evitar o desperdício de gás, retire os con-
mais perto, não exigindo grande transporte e gelados do freezer com antecedência. Eles
reduzindo perdas pela manipulação, gastos de descongelarão naturalmente facilitando na
combustível e poluição. hora de cozinhar.
• Dê preferência às comidas típicas e aos ingre- • Antes de ir viajar, esvazie o freezer e a geladeira
dientes de sua região, pois estará ajudando a re- e tire-os da tomada. Não é necessário resfriar
duzir os custos de transporte e as perdas causa- alimentos se ninguém vai consumir.
das pela manipulação dos alimentos.
• Em estações mais frias do ano, ajuste o termos-
• Vegetais, incluindo talos e folhas, podem ser tato de sua geladeira para não resfriar demais
congelados pelo processo de branqueamen- os alimentos e economizar energia.
FONTE: INSTITUTO AKATU E ECYCLE

85
BUSCANDO SOLUÇÕES

QUANTO DURAM OS ALIMENTOS?


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QUEIJOS
Permanecem sem estragar de cinco dias a um mês, se a vida do produto e não desperdiçar, basta usar o vinho
bem conservados na geladeira. Ricota e minas aguen- como tempero que ele dura até um mês.
tam no máximo 5 dias, enquanto que os mais duros,
como provolone e parmesão, têm maior tempo de FRUTAS, VERDURAS E LEGUMES
conservação. Você deve dispensar o queijo quando ele Se forem higienizados e secos antes de serem armaze-
apresentar pontos esverdeados em sua superfície e sua nados na geladeira, esses alimentos duram cinco dias.
Com exceção das frutas tropicais, como banana e abaca-
VINHOS te, que, se forem para a geladeira, vão escurecer.
Para consumir como bebida, o ideal é tomá-lo em um
dia porque, depois de aberto, os vinhos sofrem a oxida- FERMENTO
ção - o oxigênio entra na garrafa e reage com a bebida, Se for o químico em pó, dura até seis meses na geladei-
alterando seu sabor e aroma. Se você quiser prolongar ra. Já o biológico, que é muito utilizado para fazer pães,
não ultrapassa três dias depois de aberto porque con-
tém leveduras. Quando elas morrem, o fermento para
de funcionar.

COMIDA PRONTA
Após a refeição, guarde as sobras em recipientes fecha-
dos com tampa e leve-os para a geladeira. Feito isso, sua
comida pronta vai durar três dias, em média.

CARNES
Caso você não venha a preparar a carne logo depois que
a comprou, o ideal é congelá-la para que dure mais, ou
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então a embale a vácuo.

86
A FOME NO MUNDO

COMO APROVEITAR MELHOR CADA ALIMENT0

BETERRABA: é possível utilizar as folhas, os talos e a

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casca para fazer sucos, refogados patês e recheios.

CENOURA: ricas em vitamina A, as folhas ou ramas

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da cenoura podem ser usadas no preparo e bolinhos,
refogados e sopas.

MANDIOQUINHA E BATATA: a casca


pode ser fatiada bem fininha e
preparada como chips, frita ou assada,
para servir como petisco.

ABACAXI: a casca pode ser batida como suco ou

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utilizada no preparo de caldas.
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MANTEIGA
Aguenta três meses sob refrigera-
ção por conter bastante gordura
em sua composição. O máximo LARANJA: a fruta pode ser batida com casca para preparar o suco. Na hora de
que pode acontecer é aparecer coar, o que ficar na peneira pode ser aproveitado no preparo de bolos e outros
uma capa amarela escura - basta doces. O mesmo vale para outras frutas como mamão, maçã, goiaba e manga.
raspar essa capa para voltar ao uso
normal do produto. MELÃO E MELANCIA: aquela parte mais branca
conhecida como entrecasca, é rica em fibra e potássio,
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LEITE e pode ser utilizada no preparo de doces.


Se for pasteurizado, deve ser con-
sumido em um dia porque azeda
rapidamente, ao contrário do longa AGRIÃO, BRÓCOLIS, COUVE E SALSA: os
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vida, que dura de três a quatro dias talos contêm fibras e podem ser usados
na geladeira. para preparar patês, sopas e refogados.

KETCHUP, MAIONESE E
MOSTARDA ABÓBORA: as sementes podem ser tostadas e servidas
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Duram de um mês a um ano. salgadas, como petiscos.


FONTE: ECYCLE

87
BUSCANDO SOLUÇÕES

O APROVEITAMENTO Integral dos Alimentos: Melhor dos alimentos que não costu-
INTEGRAL É POSSÍVEL Sobrar do que Faltar”, destaca
que o baixo aproveitamento dos
mam marcar presença nos car-
dápios mais tradicionais:
Não é costume ainda no Brasil, alimentos pelos próprios consu- • Os talos de couve, agrião, be-
mas é possível aproveitar os ali- midores finais é um dos maiores terraba, brócolis e salsa, entre
mentos de maneira integral, ou responsáveis pelo desperdício. outros, contêm fibras e po-
seja, em sua totalidade – literal- “A forma mais comum de dem ser aproveitados como
mente, até o talo. desperdício caseiro é a distorção recheios de tortas, patês ou em
Em um artigo que estuda o no uso do alimento. Talos, fo- escondidinhos.
aproveitamento integral de ali- lhas e cascas são, muitas vezes,
mentos, publicado em 2012, a mais nutritivos do que a parte • Os talos do agrião podem ser
nutricionista Tereza Raquel Lau- dos alimentos que estamos ha- refogados com tempero e ovos
rindo e a médica Karina Antero bituados a comer”, alerta. batidos como incremento ao
Rosa Ribeiro concluíram que esta Porém, a mudança dos hábi- molho pesto de manjericão.
prática, além de gerar economia tos alimentares não é algo tão • As folhas da cenoura são ricas
na hora das compras, também au- simples. Assim como diversos em vitamina A (importante
menta o consumo de nutrientes. outros elementos, a culinária para saúde dos olhos, pele, ca-
“Através do aproveitamento também faz parte da cultura, e belos e para o crescimento). E
das partes comumente inutiliza- adotar novas práticas de preparo podem substituir o uso da sal-
das, é possível não só alimentar inclui mudar a visão da socieda- sinha – são extremamente pa-
um número maior de pessoas, mas de sobre os alimentos. recidas em aspecto e sabor.
também reduzir as deficiências nu- “O aproveitamento integral • A água do cozimento das bata-
tricionais que possam existir, uma passa de mera utilização de cas- tas acaba concentrando todas as
vez que, boa parte dos alimentos cas, folhas, talos e brotos para vitaminas. Pegue esta água, jun-
desperdiçados contém nutrientes uma prática de consumo cons- te leite em pó e manteiga para
com alto valor nutricional”, expli- ciente dessas partes, tornando- fazer purê, ou para agregar valor
cam as pesquisadoras. se um exercício da cidadania”, nutricional ao arroz ou massa.
Analisado sob uma perspec- ressaltam Teresa Antero e Kari-
tiva social, o aproveitamento in- na Ribeiro. • A água do cozimento da beter-
tegral também ajuda a promover No geral, a população bra- raba pode ser utilizada para o
a sustentabilidade, já que reduz sileira ainda não está habitua- preparo de gelatinas vermelhas
a quantidade de resíduos descar- da a aproveitar o máximo dos para deixá-las mais nutritivas.
tados nos aterros sanitários. alimentos. Para ajudar nessa • Cascas de batata, mandioqui-
A nutricionista Camila Ba- tarefa, confira abaixo algumas nha, nabo, cenoura ou beter-
dawi, no artigo “Aproveitamento ideias de como utilizar partes raba podem ser assadas ou fri-
tas em óleo quente e servidas
como aperitivo.
• A casca da laranja pode ser ca-
ramelizada, para ser servida
com café, ou utilizada em com-
potas ou mesmo para biscoitos.
• Com as cascas das frutas, po-
de-se preparar sucos baten-
do-as no liquidificador. Este
suco pode ser aproveitado
para substituir ingredientes
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dos alimentos.

88
A FOME NO MUNDO

gos e parentes em torno do cul-


HORTAS NA tivo sustentável. Além disso, as
CIDADE: PRODUÇÃO plantações ajudam a romper com
a monotonia cinza que predomi-
ALTERNATIVA na nos grandes centros urbanos.
Quem poderia imaginar que, em Um mapa elaborado coleti-
plena Avenida Paulista, coração vamente na internet contabiliza,
da maior metrópole do país, se- somente na região metropolita-
na de São Paulo, quase 20 hortas

Shutterstock
ria possível se deparar com um
grupo de pessoas cultivando sal- cultivadas em espaços coletivos
sinha, cebolinha, pimenta e mui- como praças, parques e escolas.
to mais? Hoje, isso já faz parte Aliás, o caráter coletivo é uma oito anos depois, há mais de 40
da realidade da região. marca destas iniciativas. “cantos comestíveis” espalhados
Nos últimos anos, vem se tor- No grupo on-line da rede por lá, incluindo o cultivo nas
nando cada vez mais comum en- Hortelões Urbanos, que reúne escolas locais. E o mais curioso
contrar locais de cultivo coletivo pessoas interessadas no cultivo é que tudo o que é cultivado nas
nas grandes cidades do mundo. de alimentos nas cidades, já re- hortas pode ser consumido gra-
Uma reportagem publicada no úne mais de 35 mil participan- tuitamente por qualquer mora-
portal Disney Babbel revela que tes apenas cinco anos após sua dor, basta colher.
em Nova Iorque (Estados Uni- formação. Apesar de o grupo Durante uma palestra em
dos), Sidney (Austrália) e Hong apresentar dicas de como culti- Londres, durante o TEDSalon,
Kong (China), as chamadas “fa- var hortas em espaços pequenos, a cofundadora do projeto Pam
zendas urbanas” já são regula- como varandas de apartamentos, Warhurst declarou que as hortas
mentadas e contam com o apoio os membros também são estimu- têm como objetivo dar início a
dos governos locais. lados a criarem hortas comunitá- uma revolução no que diz res-
A densa urbanização somada rias nos locais onde vivem. peito à produção de alimentos.
ao ritmo acelerado da vida nas Entre as grandes cidades “As pessoas querem ações posi-
metrópoles faz com que as pes- elencadas pela material da Dis- tivas nas quais possam se engajar
soas fiquem cada vez mais dis- ney Babbel, Nova Iorque é a e, bem no fundo, sabem que che-
tantes dos alimentos que conso- metrópole com o maior número gou a hora de assumir responsa-
mem e de como são produzidos. de fazendas urbanas: são mais bilidades e investir em mais gen-
Foi neste cenário que as hortas de 700, segundo contagem feita tileza com o outro e com o meio
urbanas começaram a florescer. pela organização nova-iorquina ambiente”, ressaltou.
Criadas para facilitar o acesso Five Borough Farm.
a alimentos frescos e saudáveis, Porém, a nível mundial, o des-
estes espaços são ainda uma for- taque fica por conta da pequena
ma de aproximar vizinhos, ami- cidade inglesa de Todmorden,
a 379 quilômetros de Londres.
Desde 2008, o município implan-
tou o projeto “A incrível comes-
tível Todmorden”, que estimulou
o cultivo de hortas coletivas em
espaços públicos da cidade.
littleny / Shutterstock.com

No começo, a ideia não foi


muito bem aceita. Durante os
dois primeiros anos, poucos mo-
radores colaboraram com a ini-
Shutterstock

O PROJETO BATTERY URBAN FARM, EM NOVA YORK,


é a maior fazenda urbana educacional de Manhattan ciativa. O resultado é que hoje,

89
BUSCANDO SOLUÇÕES

presente em 11 entrepostos ad-


ministrados pela companhia no
interior de São Paulo. Com isso,
a rede pôde beneficiar, somente
no mês de abril deste ano, mais
de 70 mil pessoas: foram 72 to-
neladas de alimentos doados.
Além disso, o banco também
passou a atender famílias vítimas
de catástrofes naturais e associa-

Divulgação/ CEAGESP
ções que acolhem refugiados.
Para garantir a qualidade dos
NO ENTREPOSTO SÃO PAULO, O MAIOR DA AMÉRICA LATINA, CIRCULAM alimentos distribuídos, antes de
mensalmente 280 mil toneladas de alimentos serem encaminhados às entidades
beneficiadas, os produtos passam
quilômetros até chegarem ao seu
COMBATE AO destino. Além disso, os produtos
por um processo de seleção coor-
denado por nutricionistas. Junto
DESPERDÍCIO NA ainda enfrentam uma segunda às mercadorias, os profissionais
jornada até chegarem às gôndolas
DISTRIBUIÇÃO DOS dos supermercados e hortifrútis.
do banco também fornecem aos
destinatários da doação algumas
ALIMENTOS Por conta de todo esse per- dicas de receitas com aproveita-
curso, alguns produtos que saem mento integral dos alimentos.
A Companhia de Entreposto e
da horta fresquinhos amadure- Ao passarem pela seleção, os
Armazéns Gerais de São Paulo,
cem antes de chegar à mesa do produtos que são considerados
mais conhecida como Ceagesp,
consumidor. Quando isso ocor- impróprios para o consumo são
é responsável por administrar a
re, os atacadistas responsáveis transformados em adubo orgâ-
maior central de abastecimento
pela distribuição dos alimentos nico por meio de compostagem.
de frutas, verduras, flores e outros
acabam descartando-os antes A passagem pelo entreposto,
itens alimentícios da América La-
mesmo de serem vendidos. E porém, é só uma das etapas que
tina. Por mês, são comercializa-
parte desse descarte é feito den- as mercadorias percorrem antes
das no Entreposto Terminal São
tro da Ceagesp. de chegarem à mesa do consu-
Paulo, localizado na zona oeste
Para evitar que estes alimentos midor. Desde a saída da horta,
da capital paulista, cerca de 280
em boas condições sejam desper- o transporte pelas estradas até
mil toneladas de produtos.
diçados, a companhia mantém o
Estas mercadorias chegam até
Banco Ceagesp de Alimentos.
a Ceagesp a bordo de caminhões
Criado em 2003, o banco tem
que, por vezes, viajam centenas de
como objetivo coletar e selecio-
nar os alimentos doados pelos
produtores e comerciantes ata-
cadistas que atuam dentro da
Ceagesp e repassar a entidades
sociais do estado de São Paulo.
Nos últimos anos, a iniciativa
distribuiu cerca de 160 tonela-
Divulgação/ CEAGESP
Divulgação/ CEAGESP

das de alimentos por mês, bene-


ficiando 160 instituições.
O BANCO CEAGESP DE ALIMENTOS DISTRIBUI 160
Atualmente, o Banco Cea- APÓS PASSAREM POR PROCESSO DE SELEÇÃO, OS
toneladas de doações por mês gesp de Alimentos também está alimentos são destinados a organizações beneficentes

90
A FOME NO MUNDO

O projeto de compostagem, de de lixo, há ainda outra contri-


iniciado em 2012, é estruturado buição ao meio ambiente que o
sobre os pilares da sustentabili- projeto proporciona: como não
dade: preocupação com o meio há o transporte dos resíduos até
ambiente, economia e respon- um aterro sanitário, também se
sabilidade social. O objetivo é reduz a quantidade de poluição
dar um destino ecologicamente atmosférica. A meta é zerar o
correto para os quase 750 quilos envio de lixo ao aterro.
Divulgação/ CEAGESP

de lixo orgânico que são gerados A construção da horta sobre


diariamente na praça de alimen- o telhado também ajuda a ame-
tação do estabelecimento. nizar a temperatura, já que reduz
OS PRODUTOS QUE CHEGAM AO BANCO CEAGESP DE Para isso, os lixos orgânico e a absorção do calor do sol pelo
Alimentos são inspecionados antes de serem doados
a instituições reciclável são separados já na hora concreto. Com isso, os gastos de
do descarte e seguem para uni- água com o ar condicionado e,
as prateleiras dos supermerca-
dades de tratamento específicas. consequentemente, com a ener-
dos, são muitos os procedimen-
As sobras de alimentos e demais gia elétrica também diminuem.
tos que, se realizados de forma
materiais orgânicos passam, en- Em 2014, o projeto de susten-
inadequada, podem prejudicar a
tão, por um tratamento especial: tabilidade do Shopping Eldora-
qualidade dos alimentos, o que
são adicionas enzimas para acele- do foi premiado pela Associação
acaba por gerar desperdício.
rar o processo de decomposição. Brasileira de Shoppings Centers
O manuseio incorreto é a
Assim, o intervalo de tempo para (Abrasce). A premiação tem
maior causa de perdas entre as fru-
a utilização destes descartes na como objetivo reconhecer e in-
tas e hortaliças frescas na cadeia de
compostagem é menor. centivar projetos desenvolvidos
distribuição, pois pode gerar feri-
As enzimas também ajudam por shopping centers, reforçan-
mentos e acelerar a deterioração.
a retirar o odor desagradável do do a importância do segmento
Para evitar que isso ocorra, a Cea-
processo de decomposição. Fi- como agente de transformação.
gesp também produz manuais que
nalizada esta etapa, o composto O projeto foi vencedor na ca-
orientam os profissionais sobre
é utilizado para adubar a horta tegoria Projeto Newton Rique
como manter os produtos sempre
montada no telhado do shopping. de Sustentabilidade, que premia
nas melhores condições.
A “fazenda urbana” do Eldorado grupos empreendedores que se
As publicações elaboradas
ocupa uma área de 3 mil metros propõem a pensar a responsa-
pela companhia são gratuitas, e
quadrados, em que são produzi- bilidade social, a engenharia e a
podem ser retiradas no entre-
dos legumes e verduras sem a uti- arquitetura em uma perspectiva
posto de São Paulo por qual-
lização de agrotóxicos. sustentável, difundindo essas no-
quer pessoa que tenha interesse
A eficiência do composto pro- vas ideias junto à comunidade e à
no assunto. Para quem mora
duzido a partir do lixo orgânico sociedade em geral.
longe, a dica é solicitar a versão
é tamanha que a horta não utiliza
digital pelo site da Ceagesp.
terra. Na última colheita, foram
extraídos da horta 3 mil pés de al-
INVESTIMENTO NA face, 300 quilos de berinjela, 100
quilos de pimentão, 200 quilos
SUSTENTABILIDADE de abobrinha além de frutas, pi-
Divulgação/ Shopping Eldorado

Na zona oeste da cidade de São mentas, temperos, chás e flores.


Paulo, um telhado completa- No total, mais de meia tonelada
mente forrado por mudas dá de alimentos foi produzida por lá
ainda mais destaque às pirâmi- e destinada aos próprios colabo-
des de vidro que compõem a radores do shopping. TELHADO VERDE DO SHOPPING ELDORADO PRODUZ
fachada do Shopping Eldorado. Além de reduzir a quantida- mais de meia tonelada de alimentos

91
BUSCANDO SOLUÇÕES

CELEBRIDADES QUE
FAZEM A DIFERENÇA

Asianet-Pakistan / Shutterstock
JOLIE NO PAQUISTÃO:
embaixadora da ONU

ANGELINA JOLIE BRAD PITT


Há 11 anos como embaixadora da Agência de Marido de Angelina Jolie, Pitt
Refugiados da Organização das Nações Unidas fundou a Make It Right, orga-
(ONU), Angelina Jolie já fez mais de 40 visitas a nização que reconstruiu uma
campos de refugiados pelo mundo. Em 2014, foi centena de casas em New Or-
nomeada dama honorária pela Rainha Elizabeth leans para as vítimas do furacão
II e, em fevereiro de 2015, inaugurou o primeiro Katrina. Sua preocupação foi
centro de estudos da Europa dedicado exclusiva- não só realojar os moradores,
mente a defender as mulheres em zonas de guerra. mas também garantir casas eco-
Sobre a guerra na Síria, Jolie foi direto ao pon- logicamente corretas e baratas
to: “O problema não é falta de informação. Nós de se viver – lançando mão de
sabemos em mínimos detalhes o que está acon- recursos arquitetônicos que
tecendo em Aleppo, em Homs. O problema é a aproveitam luz solar e reuso de
falta de vontade política. Nós não podemos olhar água e, assim, permitem que as
para a Síria e para o mal que surgiu das cinzas da contas não fiquem tão caras.
indecisão e pensar que isso não é o ponto mais Pitt também mantém uma
baixo da incapacidade do mundo em proteger e organização não governamen-
defender inocentes”, criticou a atriz. tal, Not On Our Watch, com

92
A FOME NO MUNDO

as pessoas pararem para pensar”,


afirma Kors. Kate Hudson, que
está constantemente envolvida
com causas sociais e organiza-
ções em prol de crianças caren-

Northfoto / Shutterstock
tes, declarou: “Como mãe, não

Helga Esteb / Shutterstock.com


consigo pensar em nada mais
importante que criar e educar
PITT E FAMÍLIA
uma geração de crianças, e este
programa se compromete a fazer
os atores Matt Damon e George exatamente isso. É uma causa A CANTORA CHRISTINA AGUILERA É EMBAIXADORA
Clooney, que arrecada doações que estou muito empolgada em da ONU desde 2010

para ações humanitárias. participar, pois acredito que nós


podemos fazer a diferença”. The Oprah Winfrey Show. Ela
acrescentou ainda que, depois
MICHAEL KORS que teve um filho “sabia que de-
DREW BARRYMORE via fazer parte disto e fazer algo
Em 2007, a atriz americana foi para ajudar a mudar a situação”.
designada embaixadora contra a Aguilera também é a porta-voz
fome do Programa de Alimenta- da World Hunger Relief, maior
ção Mundial das Nações Unidas iniciativa privada de combate à
(WPF). Na prática, ela usa sua fome. É uma iniciativa da empre-
FashionStock.com / Shutterstock

fama para promover projetos de sa Yum! Brands, dona das marcas


alimentação estudantil em alguns KFC, Pizza Hut e Taco Bell. En-
dos países mais pobres do mundo. tre outras coisas, a World Hunger
“Não há outro assunto que Relief incentiva o trabalho volun-
KORS EM DESFILE DE 2010, EM NOVA YORK seja mais importante do que tra- tário de seus funcionários e arre-
balhar para que nenhum estu- cada dinheiro em suas lojas.
O estilista recebeu o título de dante deste mundo passe fome”,
embaixador global contra a declarou Barrymore. “Alimen-
fome pelas Nações Unidas de tar uma criança na escola é algo
KAKÁ
tão certo que deu seu projeto simples, mas realiza milagres. Vi O jogador é embaixador da Boa
Watch Hunger Stop. A iniciati- com meus próprios olhos”, afir- Vontade do Programa Mundial
va existe desde 2013. Kors lança mou quando visitou o Quênia de Alimentação (PMA) da ONU.
séries especiais de relógios, cujas para dar seu apoio a um progra- “O trabalho de embaixador é um
vendas são revertidas em refei- ma de alimentação escolar. pouco de levar a palavra, de falar
ções para crianças que vivem em daquilo que faz. Como embaixa-
zonas de risco. Os cálculos são dor do programa, eu procuro le-
de que 10 milhões de crianças
CHRISTINA AGUILERA var as pessoas um pouco à cons-
carentes já tenham sido ajuda- A cantora americana foi nome- cientização do que realmente é
das. Outros artistas também se ada embaixadora contra a fome o problema da fome no mundo.
uniram a causa, posando para a do Programa Mundial de Ali- Procuro estar em eventos, hoje
campanha, como as atrizes Hal- mentos (PMA) das Nações Uni- através das redes sociais, usar isso
le Berry e Kate Hudson. das em 2010. “Uma criança mor- também para divulgar alguma
“Meu objetivo é oferecer às re a cada seis segundos por fome, campanha específica, sempre que
nossas clientes algo desejável que uma estatística que, em minha possível ir pessoalmente a algum
não somente arrecada dinheiro, opinião, é elevadíssima”, disse ao programa para divulgar e partici-
mas também conscientiza e faz programa de televisão americano par diretamente das entregas de
93
BUSCANDO SOLUÇÕES

alimentos”, explicou sobre sua regiões afetadas por conflitos


função à Rádio ONU. armados do Sudão. Ele está
engajado no movimento des-
KATY PERRY de 2011. Junto com os também
atores Matt Damon e Brad Pitt,
fundou a organização não go-
vernamental Not On Our Wa-

Featureflash Photo Agency / Shutterstock.com


tch, que arrecada doações para
ações humanitárias. “Não so-
mos políticos. Não podemos
tomar decisões. Não podemos
fazer nada, a não ser atrair aten-
ção”, já afirmou em Cannes so-
Jaguar PS / Shutterstock.com

A APRESENTADORA OPRAH WINFREY MANTÉM UMA bre sua atuação na ONG.


escola filantrópica na África do Sul

e estudo para garotas de 7 a 12 TATÁ WERNECK


A CANTORA KATY PERRY VISITOU MADAGASCAR anos que passam por dificulda-
A atriz brasileira mantém finan-
para promover os diretos das crianças des financeiras na África do Sul.
ceiramente uma criança do Cen-
A cantora visitou Madagascar, tro de Órfãos Ekurhuleni, da
em abril de 2013, como embaixa- SHAKIRA África do Sul. Com doações, ela
dora do Unicef, que promove a garante moradia, alimentação e
defesa dos direitos das crianças. estudos a esta criança, até a vida
“Em menos de uma semana, eu adulta. “Todo dia recebo notícias
fui de favelas superpopulosas a dela”, contou à revista Contigo!.
vilarejos remotos e pude ver cla-
ramente a necessidade de uma JACKIE CHAN
vida saudável – nutrição, sanea-
mento básico e proteção contra o
Helga Esteb / Shutterstock.com

estupro e o abuso”, contou.

SELENA GOMEZ
A cantora e atriz é uma das em-
A CANTORA COLOMBIANA SHAKIRA AJUDOU A
baixadoras do Fundo das Nações reconstruir uma escola no Haiti após o terremoto de 2010
Andrea Raffin / Shutterstock.com
Unidas para a Infância  (Unicef).
“Quando você fala com essas Em 2011, a cantora colombiana
crianças, vê esperança, compro- doou US$ 800 mil por meio de sua
metimento e um futuro brilhan- organização não governamental,
te”, disse ao participar de ações Pés Descalços, para a construção O ATOR CHINÊS JACKIE CHAN FEZ SHOWS PARA
humanitárias em Gana e no Chile. de uma escola no Haiti, após o arrecadar fundos para vítimas de desastres no Japão
terremoto de 2010 que destruiu
grande parte do país. Em 2011, o ator chinês realizou
OPRAH WINFREY uma série de shows e apresenta-
A apresentadora mantém uma ções para arrecadar fundos para
escola, a Oprah Winfrey Lea-
GEORGE CLOONEY o Japão, que sofreu terremotos,
dership Academy for Girls, que O ator apoia as operações de tsunami e vazamento de mate-
garante moradia, alimentação paz realizadas pela ONU em rial nuclear.

94
A FOME NO MUNDO

JEFF BRIDGES e George Clooney, que arrecada BONO VOX


doações para ações humanitá-
O ator fundou a instituição O líder do U2 fundou uma or-
rias. Também participa de ações
de caridade End Hunger Ne- ganização sem fins lucrativos
do Feeding America, organiza-
twork, em 1983, que arrecada de apoio à África, a One. Re-
ção sem fins lucrativos que tem
milhões de dólares para bancos centemente, passou a se asso-
por meta acabar com a fome nos
de alimentos. E é o porta-voz da ciar a empresas como Emporio
Estados Unidos.
campanha No Kid Hungry, que Armani e Apple, por meio do
além de agir junto aos órgãos selo Red – um dos projetos da
públicos pedindo mudanças BEN AFFLECK One. Parte dos lucros da ven-
(como a adoção da oferta de café O ator participa das campanhas da dos produtos que levam essa
da manhã nas escolas públicas), do Feeding America, organiza- etiqueta é destinada para causas
também promove ações como ção sem fins lucrativos que tem humanitárias. O próprio cantor
parcerias com restaurantes, que por meta acabar com a fome nos contribui seguindo a mesma ló-
doam os valores dos pratos para Estados Unidos. gica – uma porcentagem da ar-
a causa da fome. recadação dos ingressos da área
“Nós temos milhões de vip de seus shows, a Red Zone,
crianças levantando todas as JON BON JOVI é destinada aos programas so-
manhãs sem saber se terão co- ciais que o cantor defende.
mida suficiente: cerca 16 mi-
lhões, é quase uma em cinco. GISELE BÜNDCHEN
Eu tenho lidado com o proble-
ma da fome há 30 anos. Esta Em 2003, a modelo doou seu
campanha, No Kid Hungry, cachê do SP Fashion Week para
está de fato tomando um rumo o programa Fome Zero. Em
diferente. Tudo se resume em 2013, participou da campanha
criar parcerias entre o públi- do Dia Mundial da Alimenta-
Shelly Wall / Shutterstock.com

co e o privado, soluções locais ção da ONU.


para problemas locais e unir os
governadores com todos os ca-
ras poderosos dos seus estados
JON BON JOVI FUNDOU RESTAURANTE NOS EUA
para tornar o fim da fome in- onde é possível trabalhar no local para pagar a refeição
fantil uma prioridade. Eles têm
comida, têm programas de ali- O cantor possui uma orga-
mentação, mas o acesso para as nização, a Jon Bon Jovi Soul
crianças necessitadas não está Foundation, e por ela criou
disponível por um número de um restaurante comunitário
razões. Isso é tão predominante nos Estados Unidos onde é
no nosso país, e o nosso futuro possível trabalhar no próprio
depende das nossas crianças”, local para pagar o prato de co-
afirmou em entrevista à revista mida – de uma pessoa ou até
Rolling Stone. famílias inteiras. Batizado de
Helga Esteb / Shutterstock.com

JBJ Soul Kitchen (“cozinha


da alma”), o estabelecimento é
MATT DAMON sem fins lucrativos, sem preços
Mantém uma organização não no menu e traz o viés solidário
governamental, Not On Our de ajudar aqueles que não têm A MODELO GISELE BÜNDCHEN DOOU CACHÊ PARA
Watch, com os atores Brad Pitt acesso a refeições. o programa Fome Zero em 2003

95
BUSCANDO SOLUÇÕES

Por meio da Fundação Bill & Me-


linda Gates, ele desenvolve uma
série de parcerias com as Nações
Unidas, entre elas, o financiamento
de pesquisas agrícolas nas regiões
mais pobres do mundo.
Essa história, que envolve doação
não só de valores como de tempo,
e reforça o conceito de responsabi-
lidade social, começou a ser escrita
na primeira viagem do casal à África,
em 1993, quando ainda eram namo-
Paolo Bona / Shutterstock.com

rados. O objetivo inicial do casal era


fazer uma savana e ver os animais de
perto, no entanto, logo se depararam
BILL GATES, CRIADOR DA MICROSOFT, SE DEDICA A MELHORAR A EDUCAÇÃO E COMBATER A POBREZA
com uma triste realidade: a pobreza
extrema. Diante disso, o casal come-
çou a se questionar sobre a desigual-
dade e também sobre como devolver à sociedade a ri-
FUNDAÇÃO BILL & MELINDA GATES: queza vinda da Microsoft. O que fazer e como fazer eram
COMBATE À MISÉRIA as questões centrais.
O fundador da Microsoft dedica parte da sua fortuna a A leitura de um artigo sobre doenças diarreicas que
ações filantrópicas e erradicação da pobreza matavam crianças ao redor do mundo foi uma espécie
Nas últimas décadas, Bill Gates, o criador da Micro- de gota d’água, para que o casal passasse a procurar
soft e um dos homens mais ricos do mundo, e sua espo- cientistas e aprender sobre os hábitos e condições da
sa Melinda, têm se dedicado a erradicar a poliomielite população, buscasse informações sobre vacinas e o que
no planeta, melhorar o sistema educacional dos Esta- tinha ou não funcionado até então.
dos Unidos, erradicar a malária, combater a fome, levar Decidiram, então, se dedicar a causas cujas desigual-
água potável a vilarejos africanos, aumentar o acesso de dades fossem globais, e priorizaram prestar assistência
pobres a financiamentos e distribuir bolsas de pesquisa a crianças que estavam morrendo porque não tinham
nas áreas de saúde, agricultura e educação. nutrição para se desenvolver, e em países que estavam
estagnados por causa do nível de mortalidade. As crian-
ças estavam tão doentes que não podiam sequer rece-
ber educação e desenvolverem-se por si próprias. 
A fundação já obteve resultados surpreendentes, so-
bretudo com a questão da vacinação, mas também já
sentiu o gosto amargo do fracasso. “Nós éramos muito in-
gênuos, certamente eu era, sobre um remédio para uma
doença na Índia, a leishmaniose visceral, e eu pensei que,
ao conseguirmos o remédio, iriamos erradicar essa doen-
ça. Só que precisava de uma injeção todos os dias, por 10
dias. Levou três anos a mais do que esperávamos para ter
JStone / Shutterstock.com

o remédio e, então, não haveria jeito  de conseguirmos


distribuí-lo com eficiência. Felizmente descobrimos que
se você matar moscas de areia, provavelmente você vai
MELINDA GATES ter sucesso. Mas nós levamos 5 anos, pode-se dizer que

96
A FOME NO MUNDO

perdemos 5 anos e cerca de 60 milhões de dólares, em


um caminho que acabou tendo um benefício muito mo-
desto ao final de tudo”, contou Bill Gates.
Na área da educação, eles também aprenderam algu-
mas lições: ”Pensávamos que as pequenas escolas eram
a resposta,  e elas certamente ajudam.  Eles diminuem
a taxa de desistência. Há menos violência e criminali-
dade nessas escolas. Mas o que aprendemos com esse
trabalho e que acabou por ser a chave fundamental, é
ter um grande professor na sala de aula.  Se você não
K. Jensen / Shutterstock.com

tem um bom professor  na sala de aula,  não interessa


se a escola é grande ou pequena, você não vai mudar a
trajetória de saber se aquele aluno estará pronto para a
POBREZA NA ÍNDIA CHAMA A ATENÇÃO DE MELINDA GATES faculdade”, contou Melinda.

BILL GATES E FILANTROPIA


• Uma das missões preferidas de • A Organização para as Nações
Melinda Gates é ir para a zona ru- Unidas (ONU) e a Fundação Bill
ral de Bangladesh, Índia e África & Melinda Gates reforçaram a
como uma mulher ocidental, sem parceria em prol dos pequenos
nome, realmente anônima. agricultores nos países em de-
• Melinda fala com as mulheres so- senvolvimento. O acordo, que
bre a importância dos métodos foi assinado na sede do Fundo
contraceptivos e também a impor- Internacional de Desenvolvi-
tância da vacinação, desfazendo mi- mento Agrícola (FIDA) em Roma,
tos e de uma forma muito didática. na Itália, reforça o trabalho em
Kobby Dagan / Shutterstock.com

• O alto índice de mortalidade in- conjunto sobre as pesquisas


fantil é uma das maiores preocu- agrícolas nas regiões mais po-
pações do casal Gates. Bill tinha bres do mundo.
até gráficos com o porcentual de
crianças que morrem antes de MARK ZUCKERBERG, FUNDADOR DO FACEBOOK
completarem 5 anos de idade. de Mark Zuckerberg, fundador do
• É bastante comum ver os filhos Facebook, Paul Allen, outro funda-
dos Gates envolvidos em traba- dor da Microsoft, e Warren Buffett,
lhos filantrópicos. o maior investidor dos EUA.
• Junto com o investidor norte-ameri- • Apoiar a pesquisa e a inovação é
Valeriya Anufriyeva / Shutterstock.com

cano Warren Buffett, Gates fundou uma das metas da Fundação, que
o The Giving Pledge, um clube de costuma oferecer bolsas de estu-
bilionários que se comprometem do em áreas relacionadas à saúde
a doar quase toda sua fortuna à ca- global, alfabetização infantil, tec-
ridade no momento de sua morte. nologias inovadoras e prevenção REDUZIR A MORTALIDADE INFANTIL É UMA DAS
O clube conta com nomes como o de doenças. metas da Fundação Bill & Melinda Gates

97
BUSCANDO SOLUÇÕES

“WE ARE THE WORLD”


Em 1985, 45 grandes nomes da música norte-ame-
ricana gravaram, juntos, uma canção composta por
Michael Jackson e Lionel Richie. A música tinha como
objetivo arrecadar fundos para o combate à fome no
continente africano.
Entre as vozes que entoavam “We are the
world” estavam, além de Jackson e Richie, Harry
Belafonte, Tina Turner, Bruce Springsteen, Billy
Joel, Kenny Rogers, Bob Dylan, Cyndi Lauper, Di-
ana Ross, Ray Charles e Stevie Wonder.
No clipe que acompanhava o lançamento, os
artistas apareciam abraçados e interpretavam a can-
ção com seus estilos musicais característicos, para fi-
nalizar em um coro no qual cantavam todos juntos.
A vendagem atingiu 7 milhões de cópias só nos
Estados Unidos, tornando-se um dos singles mais
vendidos de todos os tempos. O single, o disco e o
clipe renderam cerca de US$ 55 milhões.

neftali / Shutterstock.com
NORDESTE JÁ
A iniciativa desencadeou no mesmo ano, no Bra-
sil, a campanha Nordeste já, que seguiu a ideia SELO DE 1985 HOMENAGEIA O CANTOR MICHAEL JACKSON, UM DOS NOMES
original, mas que, por aqui, abraçou a causa da a frente do projeto “We are the world”

seca nordestina. Foram gravadas duas canções


em um compacto, “Chega de mágoa” (de autoria
coletiva), o carro-chefe, e “Seca d’água”, canção
construída em cima do poema do lendário Patati- ral. Acredita-se que as estimativas de venda não fo-
va do Assaré (1909-2002). ram alcançadas pela pouca repercussão das músicas
Dentre os intérpretes brasileiros, Milton Nas- nas rádios do país.
cimento, Gilberto Gil, Djavan, Rita Lee, Gonza-
guinha, Elba Ramalho, Fafá de Belém, Tim Maia, WE ARE THE WORLD 25 FOR HAITI
Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Simone, Elizete Em 2010, 25 anos depois de “We Are the World”, uma
Cardoso, Chico Buarque, Gal Costa, Maria Bethâ- nova versão da música foi gravada com o objetivo de
nia, Caetano Veloso e Fagner. ajudar as vítimas dos terremotos no Haiti. O lança-
A tiragem foi de 500 mil cópias, que eram mento da música aconteceu na abertura dos Jogos
vendias nas agências da Caixa Econômica Fede- Olímpicos de Inverno de Vancouver, no Canadá.

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BUSCANDO SOLUÇÕES

NESTA EDIÇÃO
GRANDES CICLOS DE FOME
PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS
A FOME NO MUNDO HOJE
COMO EVITAR O DESPERDÍCIO
CRISES, GUERRAS E CONSEQUÊNCIAS
METAS E PROJETOS DA ONU
O BRASIL E A FOME
ALIMENTAÇÃO: UM DIREITO FUNDAMENTAL
INCIATIVAS DE COMBATE A ESTE MAL

ISBN: 978-85-432-1325-5
Edição: 01
Ano: 01
100

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