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Alcione e os fãs ridículos

Num tempo em que o culto às celebridades ganha proporções nunca vistas, como
se comportar diante de alguém famoso? Há várias maneiras que vão da histeria à timidez,
passando por abordagens simpáticas ou evasivas. Estamos aqui pensando em encontros
fortuitos na rua, em lugares públicos, algo não muito normal para os não habitantes da
Zona Sul Carioca. O contato mais comum que nós, catarinenses, temos com gente
famosa é quando os artistas vem trabalhar aqui: uma peça de teatro, um show, uma
palestra, um desfile, algo que nos permite ver e, talvez, conversar com o ídolo.
No entanto, mesmo assim há certas regras de bom senso que devem ser
respeitadas. Escrevo isso, porque na última sexta-feira a cantora Alcione fez uma
apresentação em Balneário Camboriu e foi durante o seu show que eu vi alguns
comportamentos mais estranhos, para não dizer vergonhosos, do público perante uma
celebridade. O show foi numa casa noturna, o que já danifica um pouco a recepção da
voz potente de Alcione. A casa estava dividida, basicamente, em três ambientes: em
frente ao palco diversas mesas com seis ou sete cadeiras cada; ao lado, alguns
camarotes e na parte superior, um mezanino, onde fica o povo mais desprovido de
dividendos. (Este cronista, inclusive). Como é comum nesses ambientes, muitas pessoas
foram lá para ouvir Alcione, mas outras foram para comer, beber, chamar o garçom,
conversar no fundão, transitar de um lado para o outro. Ela deve estar acostumada a esse
tipo de ambiente, afinal são quarenta anos de carreira, porém eu, espectador, fiquei um
pouco irritado com a indiferença de muitos ali. Era a Alcione, a Marron, a mulher que
eternizou algumas canções no imaginário popular, uma das principais vozes do Brasil.
Parecia que nada disso interessava aos indiferentes falantes.
Porém não foram os barulhentos que me proporcionaram aquele triste sentimento
de vergonha alheia. Foram outros espectadores que, sem nenhuma cerimônia, postavam-
se na frente do palco para tirar fotos, não da cantora, mas de si mesmos com a cantora
ao fundo, como se Alcione fosse uma estátua, como se ela não tivesse ali trabalhando.
Como se a música que ela e seus nove músicos estavam fazendo nada valesse. A falta
de bom senso chegou ao cúmulo quando Alcione senta-se numa cadeira, as luzes se
apagam, há apenas um foco de luz sobre ela, que começa a cantar uma música em
francês. Várias pessoas saíram de suas mesas e postaram-se na frente dela, dentro do
foco de luz para tirar fotos. Num teatro, com silêncio respeitoso, seria um dos momentos
máximos do show, mas com aquelas pessoas fazendo pose na frente da Marrom, o
momento foi de uma tristeza patética sem par.
Toda a força expressiva da arte de Alcione não interessava, o que eles queriam era
uma foto com a celebridade ao fundo. Dane-se a música, dane-se a arte, o que interessa
é a fama fotografada e o anônimo ridículo dentro da foto.

Rubens da Cunha

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