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ENTENDERÁS MAIS TARDE

– Estamos nas mãos de Deus. Todos os acontecimentos que Ele envia ou permite têm o seu
significado e visam o nosso proveito.

– O sentido da nossa filiação divina. Omnia in bonum!, tudo é para o bem.

– A confiança em Deus não nos leva à passividade, mas a lutar por todos os meios ao nosso
alcance.

I. NA ÚLTIMA NOITE que Jesus passou com os seus discípulos antes da


sua Paixão e Morte, num determinado momento daquela Ceia íntima, levantou-
se, depôs o manto e, pegando numa toalha, cingiu-se1. São João, o
Evangelista que nos deixou escritas as suas inesquecíveis recordações da
Quinta-Feira Santa, descreve pausadamente aqueles acontecimentos que com
tanta profundidade lhe ficaram gravados para sempre: Depois lançou água
numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, e a limpar-lhos com a
toalha com que se tinha cingido.

Tudo transcorria normalmente, ante o assombro dos Apóstolos, que não se


atreviam a dizer palavra, até que o Senhor chegou a Pedro, que manifestou em
voz alta a sua surpresa e a sua negativa: Senhor, tu lavares-me os pés? Jesus
respondeu-lhe: O que eu faço, tu não o entendes agora, mas entendê-lo-ás
mais tarde. Depois de um afável braço-de-ferro com o Apóstolo, Jesus lavar-
lhe-á os pés, como o fizera com os outros. Com a vinda do Espírito Santo, ao
relembrar esses acontecimentos, Simão compreendeu o significado profundo
do gesto do Mestre, que assim quis ensinar aos que seriam as colunas da
Igreja a missão de serviço que os aguardava.

O que eu faço, tu não o entendes agora... Passa-se connosco o mesmo que


com Pedro: às vezes, não compreendemos os acontecimentos que o Senhor
permite: a dor, a doença, a ruína económica, a perda do emprego, a morte de
um ser querido quando estava no começo da vida... Ele tem uns planos mais
altos, que abarcam esta vida e a felicidade eterna. A nossa mente mal alcança
as coisas mais imediatas, uma felicidade a curto prazo. Como não havemos de
confiar no Senhor, na sua Providência amorosa? Só confiaremos n’Ele quando
os acontecimentos nos parecerem humanamente aceitáveis? Estamos nas
suas mãos, e em nenhum outro lugar poderíamos estar melhor. Um dia, no fim
da nossa vida, o Senhor explicar-nos-á em pormenor o porquê de tantas coisas
que agora não entendemos, e veremos a sua mão providente em tudo, até nas
coisas mais insignificantes.

Se diante de cada fracasso, diante dos acontecimentos que não sabemos


discernir, ante a injustiça que nos revolta, ouvirmos a voz consoladora de Jesus
que nos diz: O que eu faço, tu não o entendes agora, mas entendê-lo-ás mais
tarde, então não haverá lugar para o ressentimento ou para a tristeza. “Porque
tudo o que acontece está previsto por Deus e ordenado para a salvação do
homem e para a sua plena realização na glória; se o que acontece é bom,
Deus o quer; se é mau, não o quer, permite-o, porque respeita a liberdade do
homem e a ordem natural, mas tem nas suas mãos o poder de tirar bem e
proveito para a alma, mesmo do mal”2.

Em face dos acontecimentos que fazem sofrer, tem de sair do fundo da


nossa alma uma oração simples, humilde, confiante: Senhor, Tu sabes mais,
abandono-me em Ti. Entenderei mais tarde.

II. NUMA DAS LEITURAS previstas para a Missa de hoje, São Paulo
escreve aos primeiros cristãos de Roma: Diligentibus Deum, omnia
cooperantur in bonum..., todas as coisas concorrem para o bem daqueles que
amam a Deus3. “Penas? Contrariedades por causa daquele episódio ou
daquele outro?... Não vês que assim o quer teu Pai-Deus..., e que Ele é bom...,
e te ama – a ti só! – mais do que todas as mães do mundo juntas podem amar
os seus filhos?”4

O sentido da filiação divina leva-nos a descobrir que estamos nas mãos de


um Pai que conhece o passado, o presente e o futuro, e que faz concorrer
todas as coisas para o nosso bem, ainda que não seja o bem imediato que
talvez nós desejemos e queiramos por não vermos mais longe. Isto leva-nos a
viver com serenidade e paz, mesmo no meio das maiores tribulações. Por isso
seguiremos sempre o conselho de São Pedro aos primeiros fiéis: Descarregai
sobre Ele as vossas preocupações, porque Ele cuida de vós5.

Não existe ninguém que possa cuidar melhor de nós: o Senhor jamais se
engana. Na vida humana, mesmo aqueles que mais nos amam, às vezes não
acertam e, ao invés de arrumar, desarranjam. Não acontece assim com o
Senhor, infinitamente sábio e poderoso, que, respeitando a nossa liberdade,
nos conduz suaviter et fortiter6, com suavidade e com mão de pai, para as
coisas que realmente importam, para uma eterna felicidade.

As próprias faltas e pecados podem acabar por ser para bem, pois “Deus
dirige absolutamente todas as coisas para o proveito dos seus filhos, de sorte
que ainda àqueles que se desviam e ultrapassam os limites os faz progredir na
virtude, porque se tornam mais humildes e experimentados”7. A contrição,
quando não é só de boca e apressada, conduz a alma a um amor mais
profundo e confiante, a uma maior proximidade com Deus.

Por isso, na medida em que nos sentimos filhos de Deus, a vida converte-se
numa contínua acção de graças. Mesmo por trás daquilo que parece uma
verdadeira catástrofe, o Espírito Santo nos faz ver “uma carícia de Deus”, que
nos move à gratidão. Obrigado, Senhor!, dir-lhe-emos no meio de uma doença
dolorosa ou ao termos notícia de um acontecimento que nos causa muita pena.
Assim reagiram os santos, e assim devemos aprender a comportar-nos perante
as desgraças desta vida.

“É muito grato a Deus o reconhecimento pela sua bondade que denota


recitar um «Te Deum» de acção de graças, sempre que ocorre algum
acontecimento um pouco extraordinário, sem dar importância a que seja –
como o chama o mundo – favorável ou adverso: porque, vindo das suas mãos
de Pai, mesmo que o golpe de cinzel fira a carne, é também uma prova de
Amor, que tira as nossas arestas para nos aproximar da perfeição”8.

III. O ABANDONO e a confiança em Deus não nos levam de maneira


nenhuma à passividade, que em muitos casos seria negligência, preguiça ou
cumplicidade.

Temos de combater o mal físico ou moral com todos os meios ao nosso


alcance, sabendo que esse esforço, com muito resultado ou aparentemente
sem nenhum, é grato a Deus e origem de muitos frutos sobrenaturais e
humanos. Quando ficamos doentes, além de aceitarmos essa situação e de
oferecermos a Deus as dores e as incomodidades, devemos lançar mão dos
meios que o caso requeira: ir ao médico, obedecer às suas prescrições,
descansar... E a injustiça, a desigualdade social, a penúria de tantas pessoas,
devem levar-nos – junto com outros homens de boa vontade – a procurar os
recursos ou as soluções que pareçam mais aptas. E o mesmo temos de fazer
perante a ignorância e a falta de formação de tantas pessoas... Nada mais
alheio ao espírito cristão do que uma confiança em Deus mal entendida, que
nos levasse a permanecer inactivos diante do sofrimento e da necessidade.

Deus é nosso Pai e cuida amorosamente de nós, mas conta com a nossa
inteligência e bom senso para nos ajudar a percorrer o caminho pelo qual nos
quer levar, como conta também com o nosso amor fraterno para encaminhar
através de nós a vida de outros filhos seus. Para isso deu-nos uns talentos que
devemos utilizar constantemente.

Quando, apesar de tudo, parece que fracassamos, quando os meios


requeridos pelo caso não dão o resultado esperado, temos que ter a certeza de
que nos estamos santificando. O Senhor santifica os “fracassos” que surgem
depois de termos empregado os meios que pareciam oportunos, mas não
abençoa as nossas omissões, pois trata-nos como a filhos inteligentes, de
quem espera que saiam em busca dos remédios adequados.

Empreguemos em cada caso todos os meios que estiverem em nossas


mãos, e depois, omnia in bonum!, tudo será para bem. Os resultados
aparentemente bons ou maus levar-nos-ão a amar mais a Deus, nunca a
separar-nos d’Ele. No sentido da filiação divina encontraremos a protecção e o
calor paternal de que todos necessitamos. “Se tendes confiança n’Ele e ânimos
animosos, que Sua Majestade é muito amigo disto, não tenhais medo de que
vos falte coisa alguma”9, escreveu Santa Teresa depois de uma longa
experiência. Junto do Senhor e sob o amparo da Santíssima Virgem, ganham-
se todas as batalhas, ainda que, aparentemente, se percam algumas.

(1) Jo 13, 4 e segs.; (2) Federico Suárez, Después, pág. 208; (3) Rom 8, 28; Primeira leitura da
Missa da trigésima semana da quarta-feira do Tempo Comum, ano I; (4) São Josemaría
Escrivá, Forja, n. 929; (5) 1 Pe 5, 8; (6) Sab 8, 1; (7) Santo Agostinho, Sobre a conversão e a
graça, 30; (8) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 609; (9) Santa Teresa, Fundações, 27, 12.

Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI

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