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Cleci Maraschin
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul/Brasil
Resumo
Os videogames têm se constituído como um objeto de estudo para diversas áreas de conhecimento,
criando um campo de pesquisa heterogêneo e com controvérsias relacionadas a aspectos positivos e
negativos sobre as experiências de jogo. Com sua popularização no Brasil a partir da década de 1970,
atualmente existe uma geração de adultos que cresceu jogando jogos digitais. O presente estudo visa
abordar o que acontece quanto essa geração de jogadores constitui família e segue jogando
videogames, agora com seus filhos. A estratégia metodológica escolhida consistiu na realização de
entrevistas com pais e mães que jogam videogame com seus filhos. A pesquisa teve a participação de
oito pais e duas mães. A estratégia metodológica escolhida, assim como a análise dos registros das
entrevistas seguiu a abordagem sistêmica dos estudos da família e dos estudos da cognição enativa.
Tal aporte teórico embasa nossa compreensão dos resultados da pesquisa. Em relação a decisões
quanto ao acesso dos filhos aos jogos, o conhecimento empírico sobre a experiência de jogar
videogame pareceu ser mais considerado do que o conhecimento conceitual-declarativo ao qual os
participantes têm acesso na cultura. Observou-se que práticas envolvendo os videogames podem
envolver formas interessantes de socialização em família e em outros contextos sociais.
Palavras-chaves: Família; Videogame; Aprendizagem; Comunicação.
Resumen
Los videojuegos se han constituido en un objeto de estudio para diversas áreas de conocimiento,
creando un campo de investigación heterogéneo y con controversias relacionadas a aspectos positivos
y negativos sobre las experiencias de juego. Con su popularización en Brasil desde los años 1970, hoy
existe una generación de adultos que creció jugando videojuegos. El presente estudio aporta lo que
sucede cuando esta generación de jugadores constituye familia y sigue jugando videojuegos, ahora con
sus hijos. La estrategia metodológica elegida consistió en la realización de entrevistas con padres y
madres que juegan videojuego con sus hijos. La investigación tuvo la participación de ocho padres y
dos madres. La estrategia metodológica elegida, así como el análisis de los registros de las entrevistas
siguió el abordaje sistémico de los estudios de la familia y de los estudios de la cognición enativa. Tal
aporte teórico es la base de nuestra comprensión de los resultados de la investigación. Las decisiones
al respecto del acceso de los hijos a los juegos y el conocimiento empírico de la experiencia de jugar
videojuego és más valorado que el conocimiento conceptual-declarativo al que los participantes tienen
acceso en la cultura. Además, se observó que las prácticas con los videojuegos pueden ser formas
interesantes de socialización en familia y en otros contextos sociales.
Palabras claves: Familia; Videojuego; Aprendizaje; Comunicación.
Abstract
Video games have been consolidated as an object of study for several areas of knowledge, creating a
heterogeneous research field with negative and positive controversy surrounding the experiences of
playing. With its widespread popularity in Brazil starting with the 70's, there is no a generation of
adults that grew up playing such digital games. This study aims at approaching the subject of what
happens when this generation of players start a family and carry on playing their video-games, now
with their children. The methodological strategy chosen is that of interviews with parents that play
with their children. The research has had the participation of eight fathers and two mothers. The
methodological strategy chosen, as well as the analysis of interview records, followed the systemic
approach of family studies and studies of enactive cognition. Such theories base our understanding of
the research results. In what regards their decisions as to their children's access to games, empiric
knowledge about the experience of playing video game seemed to be more regarded then the
declarative-conceptual knowledge that the participants usually get from their cultural backgrounds. It
has been observed that practises involving video games can involve interesting ways of family
socialization in other social contexts.
Keywords: Family; Video games; Learning; Communication.
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Introdução videogames, defendendo que esses podem
contribuir para a aprendizagem de conteúdos
Os videogames foram criados há cerca curriculares (Leffa, Bohn, Damasceno, &
de 50 anos nos EUA e se popularizaram Marzari, 2012; Alves, 2008; Cani, Pinheiro,
rapidamente, assumindo uma importante Santiago, & Soares, 2017; Amorim, Oliveira,
presença em muitas culturas. Em razão disso, Santos, & Quadros, 2016; Castro Castro,
nas últimas décadas, videogames têm se Muñoz González, & Brazo Millán, 2018; Faella
constituído em objeto de estudo para diversas & Luca, 2015); assim como para a discussão de
áreas de conhecimento, criando um campo de novas estratégias didáticas no contexto escolar
pesquisa heterogêneo e controverso, (Gee, 2009; Gómez-Álvarez, Echeverri, &
principalmente relacionado a aspectos González-Palacio, 2017; Ortiz-Colón, Jordán,
& Agredal, 2018; Castro & Gonçalves, 2018).
benéficos ou maléficos em relação ao
Além disso, há estudos apontando os
desenvolvimento, aprendizagem e
videogames como ferramentas interessantes
relacionamentos. para a promoção saúde (Dias, Domingues,
No campo da educação, estudos têm Tibes, Zem-Mascarenhas & Fonseca, 2018;
apontado para a dimensão educativa dos Baum & Maraschin, 2016 e 2017; Meneghini,
Barbosa, Mello, Bonetti, & Guimarães, 2016; videogames na época de seu surgimento e que
Ramos & Segundo, 2018; Vojciechowski et al., se mantêm jogando são agora adultos e, muitos
2017; Ramos, Fronza & Cardoso, 2018; Martel, deles, constituíram famílias (Newman, 2013).
Colussi & Marchi, 2016; Natal et al., 2016). Por Os videogames, que anteriormente eram
outro lado, estudos evidenciam que o uso acessados nos espaços coletivos, hoje são
recorrente de videogames pode favorecer a) eminentemente jogados no domínio privado.
relações de adição e dependência (Abreu, Cabe então indagar como jogadores, hoje pais,
Karam, Góes & Spritzer, 2008; Suzuki, Matias, se relacionam com os videogames e com seus
Silva & Oliveira, 2009; Salas-Blas, Merino- filhos.
Soto, Chóliz & Marco, 2017; Marco & Chóliz,
2017), b) comportamentos agressivos ou Consideramos família um domínio de
violentos (Alves, 2002, 2004), c) isolamento manutenção de laços de parentalidade que pode
social (Kenski, 1995; Paiva & Silva Costa, se configurar a partir de interações de apoio
2015) e d) condutas sedentárias (Dumith et at., mútuo no conviver, em proximidade física ou
2010; Frutuoso, Bismarck-Nasr & emocional. Se estrutura por meio do
Gambardella, 2011; Sousa & Silva, 2017; compromisso entre seus membros, tanto quanto
Ferrari, Araújo, Oliveira, Matsudo & Fisberg, porque crescem aí imersos no percurso de seu
2015; Lucena, Cheng, Cavalcante, Silva & viver (Maturana, 1998). A compreensão das
Farias Júnior, 2015; Ferreira, Rombaldi, relações entre os integrantes de uma família
Ricardo, Hallal & Azevedo, 2016). pode ser abordada a partir da visão de seus
membros, mas também a partir dos padrões de
Apesar de tais controvérsias, a indústria comportamentos constituídos por eles, no
dos games alcança recordes de vendas, sendo acontecer de seu viver. Os sujeitos, seus modos
responsável pela criação de jogos que de existência, estão sempre em conexão com os
ultrapassam os anteriores, mesmo no dia do seu domínios nos quais se constituem. Tal domínio
lançamento - como foi o caso do jogo Grand não é somente um ambiente externo que os
Theft Auto V (Wingfield, 2013). Os jogadores influenciam, e sim um sistema no qual sujeito e
são crianças e adultos, homens e mulheres, domínio se transformam em congruência.
pertencentes a diversas culturas e contextos Sujeito e domínio agem em correspondência
sociais (Cruz Junior & Cruz, 2016). Os jogos um com o outro promovendo ações circulares e
têm histórias bem elaboradas, gráficos cada vez processuais recorrentes que os fazem variar,
mais realistas e design que possibilitam adotar modificando sua estrutura no transcurso
uma grande variedade de performances e histórico de seu mútuo acoplamento. Desse
estratégias. Algumas dessas narrativas de jogo modo, podemos estender a dinâmica familiar
são longas e exigem horas de dedicação e cotidiana para além das relações interpessoais,
envolvimento para se ter efetividade no jogo. incluindo as relações com os objetos, em nosso
caso, com o objeto técnico, o videogame. Mas
Quando foram desenvolvidos, os essa extensão, ao considerar a emergência em
primeiros jogos de videogames eram um sistema de fenômenos globais ou de
disponibilizados em máquinas de fliperama, manutenção de padrões, ultrapassa também a
denominadas arcades. Por algum tempo foram pessoalidade, ao considerar efeitos de conjunto.
objeto de divertimento para um público
infanto-juvenil masculino (Newman, 2013). Jogar videogame tem se constituído
Contudo, nas últimas décadas, os jogos digitais como uma atividade comum para crianças,
para consoles, computadores e, mais jovens e adultos. Algo para fazerem juntos,
recentemente, para smartphones se potencializando momentos de convivência em
popularizaram e se consolidaram em muitos família, ao mesmo tempo em que a diversidade
países como um dos principais artefatos de de controvérsias envolvendo os jogos digitais
entretenimento para diversos usuários, sem pode ser fonte de dúvidas, inseguranças e
restrição de idade ou de gênero. Os jogadores configurar desafios para os pais em relação à
que iniciaram sua experiência com os educação dos filhos. Dessa forma, indagamos
1
Máquinas de fliperama. Eram distribuídas em lojas,
bares e centros de entretenimento (Gularte, 2010).
primeira pessoa de corrida (Night Driver, em marcas era grande quando ocorreu o
1976). lançamento do console de 16-bits da Nintendo,
o Super Nintendo (1990). Paralelamente aos
Em 1977, pouco tempo depois dos consoles domésticos e portáteis, geralmente
primeiros videocassetes chegarem ao mercado comercializados para o público infantil, os
(1971), foi lançado o primeiro console2 de jogos digitais de computador continuavam a se
videogame doméstico para jogar em casa, o desenvolver. Possuir e operar um computador
Telejogo, que possuía apenas um jogo em sua não era tarefa fácil e isso restringia o acesso a
programação. Posteriormente, no mesmo ano esses jogos, mas não impediu que deixassem
foram lançados diversos novos aparelhos que seu legado. O primeiro jogo de tiro em primeira
permitiam trocar de jogo, dentre eles o famoso pessoa (ou first-person shooter, FPS) foi o jogo
VCS 2600 da Atari, determinando o modelo de para computador Wolfeinstein 3D, lançado em
como a indústria se configuraria: cada aparelho 1992, que se tornou o gênero mais popular de
de cada empresa possuiria uma biblioteca de jogos até os dias atuais.
jogos, muitas vezes exclusiva, compatível com
um único console. O final dos anos 1990 é um testemunho
da popularidade dos jogos com o lançamento de
Durante os anos 1980, os arcades Pokemón, o primeiro grande sucesso televisivo
continuavam em expansão, muitos dos jogos baseado em uma franquia de videogames, e o
eram primeiro desenvolvidos para arcade (pela fenômeno dos animais de estimação virtuais
facilidade técnica) e mais tarde eram adaptados Tamagotchi, que se espalharam pelas escolas
para os diferentes consoles domésticos. Space do mundo todo. Outro legado importante foi
Invaders (1978), Pac-Man (1980) e Mário que, a partir do fim da década de 1990, os jogos
(1981) seguiram este padrão, até o lançamento deixaram de ser um brinquedo vendido para
do Famicom (Nintendo Family Computer) em crianças. O console Playstation marcou a
1983, que pela primeira vez trazia jogos entrada da empresa Sony na indústria dos jogos
exclusivos que não estavam anteriormente com uma campanha publicitária destinada aos
disponíveis nos arcades. Super Mario Bros públicos jovem e adulto.
(1985) foi o mais importante. Também em
1985, uma empresa rival, a Sega, lançou o Os consoles e jogos de computador se
Master System, marcando os anos 1980 com a tornaram mais compatíveis com o avanço da
década dos 8-bits3. E no final de 1988, tornou a tecnologia, permitindo que alguns títulos
corrida pelo desenvolvimento de consoles mais fossem desenvolvidos de maneira universal e
acentuada com o lançamento do Mega Drive, pudessem ser lançados para todos os aparelhos
dando um fim à era dos 8-bits e iniciando da de videogame e computadores ao mesmo
década dos 16-bits. tempo. Isso permitiu que diversas grandes
franquias se estabelecessem, como Final
No início da década de 1990, os Fantasy, Assassin’s Creed, Mortal Kombat,
videogames domésticos já haviam evoluído Street Fighter. Muitas delas adaptadas para o
muito em comparação aos arcades, fazendo-se cinema e televisão.
presente na casa de milhares de pessoas em
vários países. Consoles portáteis como o Game Nos anos 2000, os consoles Nintendo
Boy (1989) e o Game Gear (1990) já haviam Wii (2006) e Nintendo DS (2004) trouxeram
sido lançados, e a rivalidade entre as grandes jogos para um público ainda mais abrangente.
2
Aparelho onde se introduz fitas ou CDs de jogos para
poderem ser jogados.
3
A capacidade de memória dos consoles da época, que
determinava suas capacidades básicas, e era usada para
determinar os avanços entre uma geração a outra,
entrando em desuso atualmente por outros atributos.
4
Venda de partes pequenas dos conteúdos do jogo em
parcelas, de acordo com o interesse do jogador.
É possível observar duas mudanças 2001; Maturana, 2001). Em razão disso, alguns
relacionadas ao processo de inserção dos pais e pais relataram que as primeiras experiências de
dos filhos na cultura dos videogames, práticas de jogo conjunta entre eles e os filhos
considerando a faixa etária e o contexto social correspondiam a encenações destinadas ao
no qual iniciaram a jogar. Todos os pais entretenimento lúdico dos filhos enquanto eles
iniciaram sua experiência com videogame após efetivamente jogavam.
os 7 anos de idade, geralmente com amigos,
enquanto que a maioria dos filhos iniciaram Eu jogava e dava um controle na mão
entre os 3 e 4 anos, com seus pais. A maior dele para ele não chorar e ele achava
precocidade dos filhos está relacionada a que tava jogando. Nessa época, eu
diferentes aspectos. O primeiro, refere-se ao jogava Mário Kart no Nintendo 64,
acesso aos videogames, o que está diretamente um jogo de carrinho, e ele com 3 ou 4
vinculado ao próprio desenvolvimento da aninhos do meu lado. Então era uma
indústria dos videogames, conforme coisa mais lúdica, eu dizia pra ele:
destacamos. Diante do desenvolvimento "agora, filho, vamos fazer a curva", e
tecnológico, é esperado que o cotidiano dos inclinava o corpo para o lado e ele me
filhos esteja mais povoado com objetos acompanhava inclinando o corpo dele
técnicos que aquele dos pais. Outro aspecto junto. (Sonic, pai de Tails de 14 anos).
relaciona-se a uma modulação da prática inicial
de jogo. Como iniciaram a jogar muito mais Embora o filho não estivesse
novos, o padrão relacional inicial implicava efetivamente jogando, a experiência era vivida
uma autoregulação a partir de uma atenção a partir dos três processos recorrentes -
sensível aos movimentos realizados pelo autoregulação, acoplamento sensório-motor e
adulto, uma atividade sensório-motora baseada interação intersubjetiva (Thompson e Varela,
na co-presença, estar ao lado, mas com trocas 2001) - cuja centralidade é o corpo, que vai
emocionais intensas (Thompson & Varela, gradualmente se modificando ao coordenar
5
Nomes fictícios inspirados em personagens de
videogames, a fim de preservar a identidade dos
participantes.
suas ações com as do pai. O acoplamento de um Os dois iniciaram a jogar videogames juntos,
movimento com outro movimento se dá de mas tal atividade se configurou como ação
modo recursivo, através de um histórico de pertencente mais ao domínio de interesses de
interações que vão entrando em congruência Mário do que de seu pai. O videogame era um
operacional, como no caso de “fazer a curva”. artefato, um brinquedo, de Mário, com o qual
Outro aspecto importante referente à ele brincava sozinho, com amigos, e às vezes
inserção na cultura dos videogames são as com o pai (avô de Luigi). Por outro lado, a
situações e contextos nos quais as experiências interação que se estabelece entre Mário e seu
com os primeiros jogos digitais ocorrem. O fato filho, Luigi, envolvendo o videogame é
de os filhos começarem a jogar ainda na diferente. A atividade de jogar videogame na
primeira infância pode influenciar para que tais relação paternal é modulada, deixando de ser
experiências ocorram no contexto da família essencialmente uma ação de divertimento para
nuclear, enquanto a maioria dos pais relataram Mário, para se tornar um interesse
ter iniciado a jogar com amigos ou parentes da compartilhado que constitui uma prática de
família extensa, geralmente primos. Dessa entretenimento e diversão entre pai e filho.
forma, começar a participar dos momentos de Nesse sentido, a prática de jogar videogame
jogo desde muito cedo com os pais proporciona entre Mário e Luigi está mais próxima a
o desenvolvimento de um espaço de afinidade experiência de constituição de um espaço de
(Gee, 2004) entre pais e filhos em torno da afetividade de inserção na cultura dos
cultura do videogame, mais acentuado do que videogames, no qual a relação geracional é
em gerações familiares anteriores. deixada em segundo plano, sendo enfatizada a
atenção no processo de trocas e de construção
Eu não jogava muito com meu pai. de habilidades do jogo, ou seja, a produção de
Não era comum. Eu jogava muito mais um espaço de afinidade (Gee, 2004).
sozinho ou com os amigos. O pai não
jogava videogame antes. Comprou o É muito legal jogar com eles, dá um ar
videogame pra mim. Ele achava legal de nostalgia. Compramos um
jogos de futebol, corrida,.. jogos de Nintendo Wii U, porque achei mais
esportes e tals, mas não era muito de adequado pra idade deles, mas
jogarmos junto. Muito menos do que também tem o jogo do Mário, que eu
eu jogo hoje com o meu filho, por cresci jogando. Acredito que o
exemplo. É uma coisa que nós dois videogame pode ser uma boa forma de
gostamos de fazer. E aí, então hoje eu distração, brincadeira em equipe ou
jogo muito mais com ele do que sozinho. Jogar junto com as crianças
sozinho também. (Mário, pai de Luigi é uma forma de diversão em família,
de 7 anos). então é muito bom; especialmente os
meninos se entusiasmam muito
As diferenças intergeracionais nos quando a família inteira joga reunida.
modos de jogar videogame, torna possível Assim temos prazer em dividir este
estabelecer um padrão de práticas de jogo de momento com eles. (Chun-Li, mãe de
uma geração para a outra, o que acarreta Ken de 6 anos e de Ryu de 4 anos).
distintas configurações dos espaços de
afinidade, devido às diferentes interações O vínculo criado com os filhos no
intersubjetivas. Na dinâmica das interações domínio das práticas de jogo é visto por alguns
entre Mário e seu pai (avô de Luigi), os jogos pais também como possibilidade de
de videogame não constituíam a principal conhecimento mútuo, a partir da comparação
atividade entre eles. Segundo relato de Mário, entre as performances no jogo. Dois pais
costumavam fazer com mais frequência relataram que, observando a forma como os
atividades como jogar futebol, assistir desenho filhos jogam, buscam fazer relações entre as
animado e passear de carro aos fins de semana. escolhas feitas durante as partidas, suas
jogando, porque ele vai ter acesso de causa dos jogos e muito menos ele
qualquer jeito. Acho que seria eu tentar fazer na vida real o que faz nos
querer me enganar, que ele não iria jogos. (Kratos, pai de Ares de 8 anos).
jogar. Porque sei lá, sempre tem um
coleguinha que joga. Minha mãe Meu filho joga GTA 5 como eu jogava
pensa que eu não deveria deixar ele o primeiro GTA e eu tinha 7, 8 anos
jogar vários jogos que ele joga. também. E eu nunca saí por ai
Quando eu era criança eu jogava e ela matando ninguém, nem roubando
nem sabia. (Mário, pai de Luigi de 7 carro. O importante é deixar bem real
anos). pra criança que é só um videogame.
Que é só algo virtual, que não é real.
Se por um lado existe a quebra de um É legal usar comparações. “Olha, no
legado familiar, visto que esses últimos pais jogo tal coisa acontece, mas na vida
não continuam exercendo a função de buscar não é assim”. Uma vez que ele
limitar o acesso dos filhos a alguns tipos de perguntou: "Tá, mas o que acontece se
videogames, por outro a tentativa de controle eu caio do prédio?" Eu disse: "Tu
da experiência é modulada, passando a ocorrer morre. E aí morre mesmo." Ou
no âmbito da criação de significados e dos quando acontece uma coisa no jogo e
efeitos que possam vir a emergir. Esses pais eu digo "Isso não é real" e ele
dizem participar junto com os filhos da responde "Não, né!" Ele entende.
experiência de jogar videogames considerados (Mário, pai de Luigi de 7 anos).
violentos ou que tenham uma orientação de
faixa etária inapropriada para a idade dos A violência na narrativa dos
filhos, visando evitar influências que levem a videogames é muitas vezes tomada como
comportamentos agressivos. Esse ponto de perigosa, por ter um suposto poder de
vista está fundamentado na experiência desses contaminação que geraria comportamentos
pais, que relatam terem sido jogadores de jogos violentos nos jogadores (Gavillon, Kroeff &
similares em sua infância e adolescência, sem Markuart, 2017), apesar disso, pesquisas não
terem eles próprios experienciado atitudes apontam aumento de comportamentos
violentas por influência do videogame. violentos em jogadores de videogame (Gee,
Contudo, os pais salientam a necessidade de 2009). Acreditamos que isso se deve ao fato de
conversar com os filhos a fim de auxiliar a que, para o jogador, importa entender o jogo
diferenciação entre realidade virtual e física. como um sistema de regras específico,
Nesse sentido, dizem ser fundamental que a diferente de nossa realidade, definido pela
criança ou o adolescente compreenda que as jogabilidade (Squire, 2011). Assim, o jogador
consequências de suas escolhas, na vida entende o sangue de um inimigo, por exemplo,
cotidiana, são diferentes das vivenciadas pelos não em um contexto de causar mal a outra
avatares nos jogos de videogame. Assim, se pessoa, mas como um sinal de efetividade de
cria um modo específico de se relacionar com suas ações no jogo. Aprender a se relacionar
os jogos, com a mediação dos pais sobre com sistemas de regras específicos, ao invés de
conteúdos violentos (Gee, 2004). encorajar o mesmo comportamento em outros
espaços, ajuda os jogadores a reconhecerem
Sei que não se deve deixar jogar jogos que em diferentes situações se aplicam
violentos, mas assim como desde diferentes regras, e não se pode transpor as
pequeno eu jogava e jogo jogos de ações (Squire, 2011). Os jogadores aprendem a
guerra, de cometer crimes e não me se relacionar com regras locais, entendendo que
influenciou em nada na minha vida, a violência é aceitável em um ambiente fictício
deixo ele jogar enquanto não o de jogo e não em um ambiente real. Também é
influenciar na vida real dele, não vejo importante lembrar que a morte do avatar nunca
ele como uma criança violenta por é a morte do jogador, assim, morrer em um jogo
longe de casa. (Sonic, pai de Tails de social constituída nas relações on-line. Isso
14 anos). aumenta a possibilidade de aquisição, pois o
intercâmbio de jogos e dispositivos usados
Outra modulação importante quanto à apresenta menor custo. Se por um lado vemos a
constituição de redes relacionadas a atividade tendência de esvaziamento dos espaços
de jogar videogame refere-se à maior públicos de entretenimento com videogames,
popularização da internet e, consequentemente, por outro vemos a multiplicação de espaços on-
a proliferação de espaços on-line sobre line em torno da cultura dos jogos, promovendo
videogames. Atualmente, existem muitos a conexão entre milhares de jogadores.
blogs, sites, fóruns, canais no YouTube e outras
plataformas, que são destinados a promover Segundo Sluzki (1997), a rede social é
discussões entre jogadores mais e menos composta por todo o conjunto de vínculos
experientes entre si e entre jogadores e interpessoais de um indivíduo: famílias,
desenvolvedores de jogos. É possível ler dicas amigos, relações de trabalho, de estudo, de
sobre como seguir adiante em uma fase do jogo, inserção comunitária e de práticas sociais. Tal
ou mesmo assistir o vídeo de outra pessoa universo de relações constrói contextos sociais
jogando exatamente a parte em que se tem de convivência, domínios de ação nos quais
dificuldade de avançar. Tal recurso é utilizado indivíduo e meio se desenvolvem em uma
também para avaliações de jogos mais novos a dinâmica de coprodução (Kastrup, 1999), a
serem lançados no mercado e divulgação de partir de perturbações mútuas (Maturana &
estratégias que possibilitem ganhar bônus, Varela, 2004). Nesse sentido, sujeito e meio são
descobrir conteúdos camuflados ou fazer mais compreendidos como efeitos de um processo de
pontos que os adversários ao final de uma coprodução e transformação mútua. O jogador
partida. imerso na cultura dos jogos digitais não é
apenas modulado como se estivesse inserido
Tinha revistas que ensinavam como em uma realidade externa e independente de si,
virar um jogo. Às vezes tinha um jogo mas ambos são fonte recíproca de modulações
que estava difícil de virar e eu ia lá na um para o outro, em todo o conjunto de relações
banca ver as revistas. Hoje na internet que se estabelecem no domínio de ação das
tem muitos fóruns que fazem isso que práticas relacionadas a jogar videogames.
as revistas faziam. Um amigo me Dessa forma, o jogador não está apenas agindo
passou um site americano que tinha em um contexto, mas este está constituindo-se
como passar em todos os jogos já com ele mutuamente.
lançados. (Sonic, pai de Tails de 14
anos). Para Maturana (2001), as emoções
especificam os domínios de ações nos quais
interagimos a cada instante, porque toda ação é
A comunidade on-line formada por
realizada em algum domínio emocional. Ou
jogadores, desenvolvedores de jogos e
seja, nossas emoções guiam momento a
empresas constitui uma rede social (Sluzki,
momento nosso agir, ao especificar o domínio
1997) na qual os pais também buscam
relacional em que operamos a cada instante. No
informações que subsidiam, por exemplo,
domínio de ação de jogar videogame, emoções
decisões relacionadas à aquisição de novos
que poderíamos nomear de positivas,
jogos e equipamentos. Além da possibilidade
relacionadas a diversão e entretenimento em
de pesquisar avaliações e resenhas escritas por
família, são vivenciadas ao mesmo tempo que
outros jogadores ou de inclusive observar os
emergem preocupações dos pais sobre
gráficos e recursos dos jogos nos vídeos
possíveis efeitos dos videogames. Essa
postados, há sites que proporcionam a troca e
dinâmica emocional promove a busca por
revenda de consoles, jogos e equipamentos
práticas de aconselhamento na rede social.
entre jogadores. Dessa forma, observamos a
Assim, é comum que os pais procurem
criação de um mercado informal a partir da rede
indicações a respeito de quais jogos devem
deixar os filhos jogarem em sua rede social versão on-line dos jogos somente quando ele
pessoal, ou seja, nas relações que são está junto.
percebidas por cada um como significativas
(Sluzki, 1997). “Como os meninos ainda são O Luigi não tem amigos virtuais no
pequenos, tudo passa por nós. E todos eles videogame. A gente joga multiplayer
foram escolhidos a dedo, através de indicações on-line, mas a gente não se relaciona
de amigos e pesquisas” (Chun-Li, mãe de Ken com as pessoas. A gente só joga ali e
de 6 anos e de Ryu de 4 anos). “Tenho amigos não tem nada além disso. Acho que é
que vivem muito esse mundo de games, então muito importante jogar junto. Quando
busco dicas com eles e vejo vídeos de análise é pequeno acompanhar quando joga
de jogos na internet” (Blanka, pai de Ken de 6 on-line, porque tem chat e acho que é
anos e de Ryu de 4 anos). complicado deixar sozinho, porque é
arriscado. Sei lá, ele tem ingenuidade,
Observamos que uma rede social com é arriscado dele se expor. (Mário, pai
práticas de aconselhamento referente a cultura de Luigi de 7 anos).
dos jogos digitais pode se constituir a partir do
convívio cotidiano, com a presença de amigos, Outro pai demonstrou preocupação
parentes, colegas de trabalho e vizinhos, mas sobre o caminho pelo qual a indústria de jogos
também ser composta por pessoas com quem os tem seguido, acreditando haver no mercado
pais costumam estabelecer relações mais poucas opções de jogos multiplayer local, sem
esporádicas e a partir de motivações a conexão com a internet. Para ele, a
específicas, como o caso de alguns grupos on- possibilidade de contextos para o filho jogar
line de compartilhamento de informações sobre com os amigos, sem a necessidade de estarem
videogames. Essa possibilidade de conectar presentes em um mesmo local, vem associada à
pessoas pela internet constituiu um campo de perda de outras possibilidades de ação.
interesse importante para a indústria dos jogos
também no que se refere ao desenvolvimento Outra coisa é a preocupação com o
dos jogos multiplayer on-line. Mais avanço da tecnologia e o tipo de jogos
recentemente, tem se investido muito em que surgem. Com a evolução dos
variações desse tipo de jogo, conhecidas como jogos on-line, acho que tu não vai
MMO do gênero role-playing game (RPG), que mais convidar teu amigo para ir na
permitem que milhares de jogadores criem tua casa. Tu vai estar na tua casa, o
personagens em um mundo virtual dinâmico e teu amigo na dele e vocês vão se
interajam entre si num contexto de jogo com encontrar no jogo cada um na sua
regras específicas. Nesse tipo de jogo, além de casa. Daí se perde a questão de estar
controlarem seus personagens (avatares), os ao lado, conversarem ou depois sair
jogadores podem se comunicar por meio de pra jogar bola. (Sonic, pai de Tails de
mensagens escritas on-line e muitos oferecem 14 anos).
também a possibilidade de comunicação entre
jogadores por voz. Além das relações em ambientes on-
line de jogo, a convivência social envolvendo
Entretanto, alguns pais demonstraram os videogames de forma geral foi citada por
receios em relação a esse tipo de jogos. Tais quase todos os participantes da pesquisa (nove
preocupações estiveram relacionadas, pais) como fator importante que necessita de
principalmente, a dois aspectos: a) riscos à cuidado. As principais preocupações referiram-
segurança dos filhos, e b) excesso de se à necessidade de limite do tempo de jogo, de
experiências sociais restritas ao contexto forma que os filhos não deixassem de fazer
virtual. Em relação à segurança, um dos pais outras atividades lúdicas e sociais. Uma das
relatou que preferiu não comprar equipamentos crenças preponderantes foi a argumentação de
de voz (microfone) e que seu filho pode jogar a que, para ser uma atividade saudável, o
videogame não pode ser uma atividade A educação de mãos dadas com a diversão
exclusiva de entretenimento. Em razão disso,
em algumas famílias, o videogame pode ser Além de atividade lúdica e recreativa, o
utilizado somente aos finais de semana, em videogame também é considerado, por muitos
outras somente duas ou três vezes na semana e pais, como atividade que proporciona
geralmente em um período de no máximo duas aprendizagens relacionadas a comportamentos
horas por vez. No restante do tempo livre, os ou a conteúdos. Em relação ao aspecto
pais costumam incentivar os filhos a fazer comportamental, acreditam que o videogame
outras atividades recreativas, como jogar pode auxiliar no desenvolvimento de
futebol, andar de bicicleta, ler livros infanto- criatividade, de raciocínio lógico, de atenção
juvenis ou brincar com amigos em geral. distribuída, de reflexos motores e no exercício
da memória, assim como a utilizar com outros
Principal malefício que eu vejo é com tipos de dispositivos eletrônicos em geral,
relação a pessoa ficar muito viciada, como celulares, iPads, computadores, etc.
não querer largar e fazer outras
tarefas, achar que aquilo ali é Pela minha experiência pessoal e com
suficiente para tua vida ou teu final de meu filho, vejo o videogame como uma
semana. Eu sou da época que só se ajuda a criança a desenvolver a
jogava videogame quando chovia e criatividade, raciocínio, inteligência e
não podia-se brincar na rua. Se tem reflexo, visto que atiçam a criança a
sol, vamos pedalar, jogar bola. Ou pensar, a serem criativos e rápidos
deixa pra jogar videogame à noite, para ganhar um jogo. (Kratos, pai de
quando não vai poder sair de casa e Ares de 8 anos).
vai estar dando novela. (Sonic, pai de
Tails de 14 anos). Muitos jogos também proporcionam ao
jogador aprender conteúdos, de forma direta ou
Alguns pais referiram, inclusive, a indireta, apresentando informações que podem
preocupação de que a atividade de jogar ser relembradas em outros contextos. Muitos
videogame não fosse vivenciada pelos filhos pais acreditam que alguns jogos podem auxiliar
como uma espécie de vício. Nesse sentido, na aprendizagem dos filhos na escola, pois
acreditavam ser importante uma atitude apresentam conteúdos relacionados à
materna e paterna de atenção e cuidado para geografia, à história e às ciências sociais, entre
que os filhos possam aprender a regular seus outras temáticas. Nesse sentido, um pai relatou
horários e saber quando podem jogar, sem que seu filho aprendeu a relacionar o nome de
excessos e sem atrapalhar suas outras países, com o formato de sua bandeira e o lugar
atividades. ao qual pertence, a partir da experiência com
um videogame de futebol. De forma
Acho que o videogame pode ajudar a semelhante, outros tipos de aprendizagens
desenvolver diversas habilidades, mas ocorreriam de forma mais tangencial pela atual
ao mesmo tempo vicia e cega os possibilidade gráfica dos jogos ou por se
meninos. Eles jogam apenas uma vez referirem a abordagem de aspectos históricos
por semana, mas passam a semana contextuais nos quais as narrativas ocorrem.
inteira falando sobre o que
descobriram em cada jogo. Por isso Mas eu jogava jogos de guerra e as
nossa preocupação em escolher com histórias eram boas. Tipo, Killzone, a
cautela os games, participar com eles história é tri boa! (...) Eu acho que os
e limitar o uso do aparelho. (Blanka, videogames são diferentes de outros
pai de Ken de 6 anos e de Ryu de 4 jogos, tipo jogos de cartas e tals, por
anos). causa disso. Porque eles conseguem
transmitir um conteúdo para além da
jogabilidade. Tu pode visualizar
Eu acho que desafios como videogame Por fim, alguns pais também disseram
propõe ensinam a pessoa a lidar que utilizam situações vivenciadas com os
melhor com situações difíceis até na filhos nos videogames como exemplos em
vida real. (...) ficar horas ou dias para ensinamentos na educação de valores morais e
virar um jogo. Não tenho como éticos. Tais situações compreendem dinâmicas
comprovar, mas sinto que isto ensina relacionais dos personagens dentro do jogo,
a ter persistência em seus objetivos, se como possibilidades de cooperação mútua entre
você quer muito alguma coisa. Estes os avatares para atingir objetivos comuns, mas
tempos mesmo eu e ela travamos em também momentos de solidariedade entre
uma fase e tentamos várias vezes e jogadores. Nesse sentido, um dos pais citou que
morremos até chegar no estágio de estava jogando com seu filho quando um dos
fim de paciência .... Daí eu continuei controles do videogame parou de funcionar por
jogando outras missões para o ter acabado a bateria. O outro jogador tinha a
personagem ficar "mais forte" ... Ela possibilidade de tirar vantagem e continuar
entendeu o "espírito da coisa" e veio jogando, enquanto o outro buscava resolver o
me ajudar.... Depois de jogarmos um problema sozinho ou ser solidário e esperar que
dia inteiro e os personagens ficarem a situação fosse resolvida, não tirando
mais "fortes" voltamos para encarar o vantagem do ocorrido. Tal situação configurou-
"chefão" e matamos ele brincando. se como uma oportunidade para que pai e filho
(Link, pai de Zelda de 13 anos). conversassem buscando estabelecer relações
com outras experiências de suas vidas
Por outro lado, há situações adversas a cotidianas.
partir desta mesma característica: a dificuldade
de avançar nos jogos provocou para outros pais
dinâmicas diferentes de aprendizado. Esses
pais refletiram sobre sua postura como
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