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Capítulo 1

1500: A chegada dos portugueses

Entre o final do século XV e o início do século XVI, a população mundial


situava-se, segundo algumas estimativas, em torno de quatrocentos milhões de
habitantes. Cerca de dois terços dessa população concentravam-se na Ásia e na
Europa.

Eram regiões de intensa atividade agrícola, manufatureira e mercantil, onde se


destacavam, por exemplo, o uso do arado no campo, o câmbio de moedas e títulos
financeiros e as operações comerciais entre mercados distantes e diferenciados.

Em outros continentes, como a América e a África, as manufaturas em argila,


madeira e metais conviviam com o cultivo manual e a coleta florestal.

Hoje, no limiar do século XXI, a população mundial passa de seis bilhões de


pessoas. Em muitos países, o arado deu lugar a tratores e colheitadeiras. O comércio
internacional movimenta diariamente trilhões de toneladas de mercadorias e bilhões de
dólares. A informatização e as redes mundiais de computadores anulam as distâncias,
aproximando as sociedades e integrando os mercados num mundo econômica e
culturalmente cada vez mais globalizado.

Essas mudanças, aceleradas no último meio século, já se esboçavam quinhentos


anos atrás, no avanço do capitalismo sobre o feudalismo, na aproximação dos
mercados, das sociedades e das culturas. Esse longo processo, que moldou o mundo
contemporâneo, teve seu grande centro de irradiação na Europa ocidental.

A Europa no início dos tempos modernos

Na divisão tradicional da história ocidental, a data de 1453 marca o fim da Idade


Média e o início da Idade Moderna. Naquele ano, os turcos otomanos derrotaram os
cristãos em Constantinopla, tomaram a cidade e extinguiram o Império Romano do
Oriente.

Com o velho império, caía o último grande símbolo da cristandade medieval.

 Otomanos – Assim eram chamados os turcos muçulmanos que a partir do século XIII,
sob a liderança do imperador Osman (ou Otman), avançaram sobre os Bálcãs e, em
meados do século XV, acabaram dominando o antigo Império Romano do Oriente (ou
Império Bizantino).
 Império Romano do Oriente – Para conter o processo de decadência do mundo

romano, o imperador Teodósio (379-395) dividiu o Império em duas partes: Império do


Ocidente, com sede em Roma, e Império do Oriente, com a capital em Constantinopla.
O Império Romano do Oriente resistiu às invasões germânicas e aos ataques
muçulmanos, sobrevivendo até meados do século XV.
 Cristandade – conjunto de povos e reinos europeus que, durante a Idade Média e o

começo da Idade Moderna, adotavam o cristianismo como fé comum.


Isso não quer dizer que o feudalismo europeu, vigente na Idade Média, tenha
acabado aí, na metade do século XV. O antigo sistema econômico e social baseado no
predomínio da atividade agrária e no trabalho servil ainda sobreviveria por um bom
tempo – em algumas regiões da Europa, até os séculos XVIII e XIX. Da mesma forma,
também a Igreja Católica e a nobreza feudal conservariam por largo período boa parte
de seus privilégios, de seu prestígio e poder.

Entretanto, a derrota dos cristãos em Constantinopla tornou mais difíceis para os


europeus a navegação e o comércio no Mediterrâneo. Além disso, ela tornou clara a
debilidade da sociedade feudal, incapaz de resistir aos ataques muçulmanos.

Ao mesmo tempo, a Europa ocidental passava por mudanças internas profundas


e importantes. Nas cidades, cresciam as atividades artesanais, comerciais e financeiras.
Com esse crescimento, surgiam novos personagens sociais, como os mercadores,
artesãos, funcionários públicos, cambistas e banqueiros, cujos interesses entravam em
choque com os da nobreza feudal. Eram visíveis também mudanças na vida cultural,
irradiadas pelas universidades. No âmbito da vida política, alguns reis começavam a
impor sua autoridade aos senhores feudais.

Todas essas mudanças levaram, entre o final do século XV e o começo do século


XVI, a uma forte expansão marítima e comercial estimulada pela burguesia e pelas
monarquias nacionais. Começava a época das Grandes Navegações. Época também de
efervescência intelectual, científica e artística nos meios urbanos, inspirada na
Antiguidade clássica e mais tarde chamada de Renascimento.

Pode-se dizer que a Europa do início dos tempos modernos ainda conservava
muito da velha paisagem feudal. Mas nela já se respirava outra atmosfera social,
econômica e cultural, com novas ideias, valores e interesses. Tentando traduzir o que
estava acontecendo, o dominicano espanhol Bartolomeu de Las Casas – que ficaria
famoso por seu trabalho junto aos índios americanos – registrou: “estamos no limiar de
um novo tempo... diferente de todos quantos já vimos”.

A burguesia, o comércio e o Estado moderno

No longo processo de transformação do mundo medieval, destacaram-se a


burguesia mercantil e as monarquias nacionais, além de setores da própria nobreza.
Entrelaçando seus interesses econômicos, políticos e estratégicos, ricos comerciantes,
altos funcionários, fidalgos aventureiros, navegadores e soberanos poderosos lançaram
os europeus à conquista do mundo.

 Trabalho servil – Relação de trabalho pela qual o trabalhador rural (servo) é obrigado
a prestar serviços gratuitos ao senhor da terra e a ceder-lhe uma parte do que produz.
Em troca, o senhor feudal concede a ele um pedaço de terra para cultivar e proteção em
caso de guerra.
 Antiguidade Clássica – Expressão que identifica o período de hegemonia política,

econômica e cultural das civilizações mediterrâneas, sobretudo greco-romanas, entre o


século V a.C. e o século V d.C.
O fortalecimento da burguesia, apoiado no desenvolvimento das manufaturas e
do comércio, era visível desde os séculos XI e XII. Primeiro, foram as cidades da
península Itálica – Veneza, Gênova, Florença. Elas revitalizaram a produção e as trocas
dentro do continente, graças ao comércio regular com Constantinopla e portos árabes do
Mediterrâneo. Nesses lugares podiam-se encontrar produtos de distantes regiões da
Ásia, como a China e a Índia (as especiarias). Depois, foram as cidades francesas,
flamengas, germânicas, bálticas e ibéricas que começaram a prosperar como entrepostos
comerciais, centros de produção e centros financeiros.

Os comerciantes dessas cidades vendiam produtos de suas próprias manufaturas,


como lã, trigo, linho, couros ferramentas, pólvora, sal, carnes e peixes defumados. Mas
comercializavam também mercadorias e especiarias asiáticas e africanas recebidas pelo
Mediterrâneo, como seda, armas, ouro, prata, perfumes, cânfora, marfim, açúcar,
pimenta e canela. Com esse comércio, a burguesia enriqueceu e as cidades ganharam
força e autonomia.

Além de artesãos e mercadores, a atividade comercial contava agora com ricos


negociantes, financistas e banqueiros, que dispunham de capital para aplicar em grandes
empreendimentos. Os grandes banqueiros financiavam os exércitos e as guerras dos
reis. Com isso, obtinham reconhecimento para seus direitos e proteção para seus
interesses. Surgia assim uma aliança de interesses entre a burguesia e a monarquia.

A acumulação de riqueza proporcionada pelo crescimento acelerado do


comércio e da vida urbana no fim da Idade Média – processo chamado Revolução
comercial – produzia dois importantes efeitos. De um lado, mostrava a força da
economia capitalista mercantil1 voltada para o mercado, diante da economia agrária
feudal, predominantemente de subsistência. De outro, provocava mudanças na

1
Capitalismo é o sistema social e econômico hoje dominante na maior parte do mundo.
Ele se caracteriza pela separação entre o trabalho e o capital, entre os trabalhadores que
vendem sua mão de obra em troca de salário e os empresários que aplicam o capital
(dinheiro, máquinas, matérias-primas, meios de transporte, terras, etc.) na produção e
comercialização de mercadorias, visando ao lucro.) Desde o final do século XVIII,
quando se iniciou a industrialização na Europa, o capitalismo passou a ter como base
principal as atividades industriais. Ainda hoje, a produção industrial em grande escala é
responsável pela geração de boa parte dos empregos e dos lucros, apesar da importância
cada vez maior dos setores de serviços. Mas nas suas origens e por um longo período,
do século XII ao século XVIII, o capitalismo baseou-se na atividade comercial. Foi a
aplicação de capitais no comércio de produtos entre mercados regionais, nacionais e
internacionais que possibilitou a obtenção de lucro e, com ele, a acumulação progressiva
de capital que posteriormente permitiria a Revolução Industrial. Essa fase inicial do
sistema é por isso chamada de capitalismo mercantil.
Sua formação correspondeu à ascensão da burguesia urbana e à consolidação dos
Estados nacionais europeus e seus impérios coloniais. Enquanto mercadores e
banqueiros ampliavam seus negócios dentro de seus países, nas colônias e pelo mundo
afora, os governos tratavam de assegurar que o comércio se desenvolvesse cada vez
mais. Para isso criaram regras e impuseram controles – leis, monopólios, moedas, taxas,
impostos, etc. -, interferindo diretamente na vida econômica.
tradicional estrutura política, na medida em que ajudava a enfraquecer o poder local dos
grandes senhores e a reforçar o poder central da monarquia.

No plano político, de fato, o maior beneficiário do avanço da Revolução


comercial foi a realeza. Em algumas regiões, como a França, os reis vinham lutando
contra a nobreza feudal havia mais de um século, com o objetivo de fortalecer seu
próprio poder. A revolução comercial dinamizou e deu amplitude a esse processo.

Com os recursos proporcionados pela burguesia e pelas cidades – mediante


impostos e empréstimos -, os soberanos conquistaram meios para impor-se aos nobres,
unificar seus domínios territoriais, fortalecer a administração, a justiça e o exército.
Com maior controle político, jurídico e ideológico da vida de seus súditos, constituíram
um novo modelo de Estado, progressivamente centralizador e absolutista, o chamado
Estado moderno2.

A centralização e o fortalecimento do Estado, por sua vez, mostraram-se


importantes para o desenvolvimento da economia capitalista mercantil. Com eles, a
burguesia ganhou maior liberdade de movimentos em relação aos entraves
administrativos, políticos e jurídicos do sistema feudal. Sob o impulso da expansão
marítima e comercial liderada pelos governos nacionais, como os de Portugal e

 Ideologia – É o conjunto de ideias, valores e símbolos com que os grupos sociais


organizam e justificam suas ações, interesses e objetivos.
2
O Estado pode ser definido como um conjunto de instituições que detém o monopólio
da força legítima dentro de determinado território. De posse dessa força, ele é capaz de
resolver conflitos, equilibrar interesses opostos, unir governantes e governados e
assegurar a ordem interna. O Estado moderno surgiu das lutas do rei contra os senhores
feudais e a autoridade da Igreja. Sua principal fonte de legitimidade era a ideia de que o
rei é o detentor absoluto da soberania. Nos séculos XVI e XVII, entendia-se por
soberania o poder de fazer e desfazer leis. O rei era o depositário desse poder e não
estava sujeito às leis civis nem ao controle de outros poderes, superiores ou inferiores a
ele. Foi sobre essa base jurídica e política que se instituíram as monarquias absolutas,
contemporâneas e promotoras das Grandes Navegações. Sua ação organizadora e
controladora dos diversos setores da vida pública – da cobrança de impostos à
imposição da justiça e ao recrutamento militar – foi fundamental para a coesão interna
das sociedades europeias e para a expansão do capitalismo. No absolutismo
monárquico, além de exercer o Poder Executivo, isto é, o governo propriamente dito, o
rei detinha o poder de fazer as leis e a justiça. Os indivíduos que compunham a nação
eram seus súditos e não cidadãos livres. Não havia justiça independente nem parlamento
autônomo, como hoje conhecemos. O poder emanava do rei e era por ele exercido.
Segundo pensadores da época, esse poder era concedido por Deus. Daí a expressão
direito divino dos reis. Entretanto, outros teóricos tinham explicação diferente para a
origem do poder do Estado. Um deles era Thomas Hobbes, autor do livro Leviatã.
Segundo Hobbes, a origem do poder absoluto estava em um pacto contraído pelos
indivíduos, desejosos de superar uma situação de insegurança total existente num
primitivo estado de natureza. Para sair desse estado, eles teriam estabelecido um
contrato, por meio do qual renunciavam à própria liberdade, entregando ao soberano o
poder de decisão, de modo a permitir a este estabelecer a ordem, garantindo a segurança
para todos.
Espanha, o crescimento do capitalismo mercantil europeu seria intenso nos séculos XV
e XVI.

Portugal no Atlântico, “pela fé e pelo Império”

Para boa parte da burguesia, a expansão marítima era uma necessidade


econômica e política. Já no século XIII, navegadores genoveses aventuraram-se pelo
oceano Atlântico, ao longo de um trecho da costa africana, à procura de um caminho
marítimo para as Índias. Pretendiam, com isso, libertar-se dos intermediários árabes em
seu comércio com o Oriente. Essas tentativas, contudo, fracassaram.

Mas tarde, coube aos portugueses retomar a procura, atraídos pelo comércio de
especiarias e pelas fabulosas riquezas que, segundo as lendas, existiriam nos continentes
africano e asiático. Tais lendas povoam o imaginário dos europeus desde a época dos
relatos de viagens de Marco Polo à China, no século XIII. Elas exerciam também uma
poderosa influência entre os espanhóis.

Foi essa ambição de riquezas uma das forças motivadoras da expansão marítima.
Ela mobilizava aventureiros de toda espécie na procura das Índias. Motivava também
homens de Estado. Para estes, havia igualmente uma necessidade urgente de aumentar o
estoque de ouro e prata, de modo a facilitar a circulação de moedas, financiar
empreendimentos e custear as crescentes despesas públicas. Na difícil situação criada
pelo controle turco e árabe do Mediterrâneo após a tomada de Constantinopla, o
atlântico surgia como rota alternativa para uma nova frente de expansão europeia.

Ao lado dessas razões de ordem material, havia um componente ideológico de


grande importância para o impulso expansionista. Entre as nações europeias que deram
início às grandes navegações – Portugal primeiro, depois a Espanha – era generalizado o
sentimento de que era preciso difundir com urgência a fé católica entre os povos não
cristianizados. Tal sentimento era resultado da própria história desses dois Estados.

Com efeito, Portugal e Espanha se formaram nas Guerras de Reconquista, por


meio das quais expulsaram os mouros muçulmanos, que haviam ocupado a região
durante vários séculos. Uma vez expulsos os mouros, os dois países se sentiam como
que no dever de continuar a luta para impor a fé de Cristo muito além de suas fronteiras.

Fundaram-se, assim, num único corpo ideológico, o novo interesse mercantil


com a velha mística cruzadista - a procura do lucro com a defesa da fé. A partir de

 Guerra de Reconquista - Foi o conflito em que os reinos de Leão, Navarra, Aragão,


Castela e Galiza expulsaram da península Ibérica os árabes muçulmanos, presentes na
região desde o século VIII. A ofensiva teve início com a tomada de Toledo, em 1086, e
completou-se no ano de 1492 com a conquista de Granada. Em Portugal, a Reconquista
terminou com a expulsão dos árabes no século XII.
 Cruzadismo – Movimento de expansão e conquista realizado pela Europa feudal e

cristã em direção ao Oriente. Seu instrumento foram as Cruzadas, grandes expedições


político-militares e religiosas organizadas entre os séculos XI e XIII com o objetivo de
então, as expedições portuguesas seriam organizadas como empreendimentos
comerciais, militares e religiosos e enviadas em nome da “missão” ou “destino” do
Império luso de expandir a cristandade em outras terras. Dessa forma, o pioneirismo
português não aconteceu por acaso. Também não foi simples consequência da posição
geográfica privilegiada do país no extremo ocidental da Europa, junto ao norte da África
e à entrada do Mediterrâneo e de frente para a vastidão do oceano Atlântico.

Além da sede de riquezas e das motivações religiosas, outros processos


históricos concorreram para colocar Portugal na vanguarda da expansão comercial e
marítima. Em primeiro lugar, o desejo de conquistar novas terras e riquezas não se
limitou a uma vaga aspiração difusa. Pelo contrário, consolidou-se em um projeto
claramente definido pelo Estado, cuja realização foi resultado de uma vontade política
instaurada a partir de 1385 com o triunfo da Revolução de Avis3.

Foi durante a dinastia de Avis, que a partir do final do século XIV, definiram-se
prioridades, mobilizaram-se apoios sociais e políticos e reuniram-se recursos para a
expansão atlântica. Coube a um dos filhos de dom João I, dom Henrique o Navegador,
orientar e conduzir esse empreendimento nas suas etapas iniciais.

Combinando a busca de conhecimentos com interesses comerciais4 e políticos,


os Avis fizeram do pequeno reino ibérico uma das potências europeias do início dos

retomar Jerusalém e toda a Terra Santa do domínio dos árabes-muçulmanos. Mesmo


sem terem alcançado esse objetivo, as Cruzadas contribuíram para dinamizar o
comércio entre Oriente e Ocidente através do Mediterrâneo.
3
Em 1383, a morte do rei dom Fernando levou Portugal a grave crise política: a
herdeira, dona Beatriz, estava casada com o soberano do reino de Castela, dom João,
forte pretendente à Coroa portuguesa. Dom João era apoiado por setores da nobreza
lusitana que queriam a união dos reinos em troca da preservação de seus privilégios
feudais. Contra essa posição e contra as pretensões de Castela, levantou-se boa parte da
sociedade portuguesa, como a nobreza cruzadista, a burguesia mercantil e o “povo
miúdo” das cidades e aldeias. Lideradas pelo infante dom João, irmão do rei falecido e
mestre da Ordem Militar de Avis, essas forças sociais e políticas venceram Castela na
batalha de Aljubarrota, em 1385, e impediram a anexação do reino. Dom João I assumiu
o trono e consolidou a unidade do Estado português. A dinastia de Avis por ele iniciada
teria influência direta nos rumos da expansão atlântica dos séculos XV e XVI.
 Dom Henrique, o Navegador (1394-1460). Filho do fundador da dinastia de Avis, dom

João I. Teve participação decisiva na expansão marítima portuguesa na primeira metade


do século XV. Com uma grande equipe de geógrafos, matemáticos, astrônomos,
cartógrafos e navegadores portugueses e estrangeiros, e com os recursos da Ordem de
Cristo da qual era Mestre, impulsionou a exploração náutica e comercial lusitana até as
costas da África ocidental.
4
“parecia ao Príncipe Infante, dom Henrique, que se ele ou algum outro nobre não se
emprenhasse em adquirir esse conhecimento, nem os marinheiros, nem os mercadores
ousariam tentar tal empreendimento, pois que nenhum deles jamais se daria ao trabalho
de navegar para um lugar onde não houvesse esperança de lucro certo e seguro. (Do
cronista Gomes Eanes de Zurara, por volta de 1450, sobre o papel do navegador no
expansionismo português).
tempos modernos. Sua estratégia inicial era conquistar algumas posições no norte da
África. Mais tarde, passou a ser a descoberta de uma rota marítima para as Índias que
contornasse a costa africana. Ao longo de todo o século XV, essas duas estratégias
foram rigorosamente obedecidas.

Tudo isso seria inútil, entretanto, caso não existisse uma atmosfera cultural que
alimentasse o audacioso sonho de enfrentar o desconhecido – o Mar Tenebroso,
povoado de monstros, segundo as lendas – para chegar às Índias. Essa atmosfera existia,
manifestando-se no desenvolvimento do espírito científico e investigativo típico do
Renascimento, no gosto da aventura5 e da descoberta do desconhecido.

Somava-se a isso a experiência dos portugueses na atividade pesqueira em mar


aberto, que dava aos homens do mar um arrojo desconhecido para outros povos. Esse
arrojo os levou à busca e aperfeiçoamento de recursos e técnicas de navegação que
permitissem ir cada vez mais longe.

A partir de 1492, quando finalmente expulsou o último mouro de seu território, a


Espanha tornou-se a grande rival dos portugueses na corrida para as Índias. Para isso,
adotou uma estratégia diametralmente oposta à de Portugal. Em vez de navegar para o
Levante, optou pelo caminho do Ocidente para chegar ao Oriente.

Ouro, escravos e especiarias

A revolução de Avis teve o apoio de pequenos proprietários, artesãos e


comerciantes, além de setores da burocracia, do clero e da nobreza. Esses grupos
continuaram a ser a base de sustentação política do Estado moderno português durante a
dinastia dos Avis. Assim, a mobilização para o esforço expansionista não foi difícil.

Da mesma forma, envolveram-se no empreendimento as grandes ordens


cruzadistas. Elas contribuíram com uma parte dos recursos necessários à montagem das
expedições marítimas e militares, desde a plantação de pinheirais para a construção das
caravelas até a instalação de armazéns, estaleiros e portos, o desenvolvimento de
pesquisas náuticas, a contratação de soldados, marujos e comandantes experimentados.
Quando esses recursos se mostraram insuficientes, a Coroa não hesitou em levantar
empréstimos internos, junto a comerciantes judeus, e externos, entre banqueiros
florentinos e flamengos, altamente interessados no caminho para as Índias.

5
“Navegar é preciso, viver não é preciso”. (Antigo verso latino que, segundo a tradição,
foi adotado como lema pelos navegadores portugueses do século XV).

 Ordens cruzadistas – organizações político-religiosas e militares que nasceram e


cresceram durante o período das Cruzadas. Mantiveram-se atuantes por longo período,
mesmo depois de encerrado o ciclo das Cruzadas. Em Portugal, a Ordem de Cristo e a
Ordem de Avis foram duas das mais importantes dessas organizações, com forte
atuação na guerra de reconquista ibérica, nas Grandes Navegações e na expansão
colonial na África e na Ásia. A ordem de Cristo esteve presente na viagem de Cabral em
1500.
Para o empreendimento, foram também atraídos no exterior, sobretudo nas
cidades da península Itálica, pilotos, técnicos especializados, físicos, geógrafos,
cosmógrafos e cartógrafos. Reunidos pelo príncipe dom Henrique no Algarves, a partir
de 1415, esses homens constituíram a chamada Escola de Sagres6 que, apesar do nome,
não chegou a ser propriamente uma escola, mas um grupo de pessoas envolvidas com
estudos náuticos. Graças a eles e ao trabalho de milhares de artesãos foram construídas
as caravelas, melhoradas as técnicas de navegação e preparados os portulanos como as
rotas de viagem7.

Marco inicial nesse movimento expansionista foi a expedição a Ceuta, em 1415,


na costa do Marrocos atual, junto ao estreito de Gibraltar. Comandada pessoalmente
pelo rei dom João I, à frente de 20 mil combatentes, visava tomar esse entreposto
comercial e militar árabe e, por meio dele, fixar uma boa posição portuguesa no norte da
África.

A primeira expedição abriu caminho para outras na ambiciosa “política africana”


de dom Henrique, cujo objetivo consistia na abordagem e exploração da costa atlântica
da África e na busca de riquezas lendárias, como as do reino de Preste João 8. Somente

6
Já desde o início do século XV, os portugueses, sob o comando de dom Henrique,
enfrentaram o reconhecimento metódico e o mapeamento da costa da África. Com isso,
desenvolveram duas ciências: a astronomia e a geografia. Ora, essas duas ciências são
necessariamente baseadas em observações nas quais a visão predomina. Daí, talvez, a
origem do método da visão direta dos fenômenos, seguida pela sua descrição por mapas,
cartas, crônicas ou roteiros de viagem. (...) Mas não foram só as ciências auxiliares da
náutica que se desenvolveram a partir da observação. A colonização das regiões
descobertas, ou conquistas, levou também ao estudo de novas plantas, animais estranhos
e minérios ainda não explorados. Resultou disso o desenvolvimento da História Natural,
não mais baseada em lendas e relatos fantasiosos, mas, sim, no testemunho da visão.
(...) De tudo isso decorre que o Renascimento (científico) teria começado em Portugal,
quiçá em 1433, quando o Infante dom Henrique instruiu um seu escudeiro Gil Eanes, no
comando de uma nau, a transpor o cabo Bojador, na costa da África, ao sul das
Canárias. A ideia dominante (até então) era de que, dali para diante, não seria mais
possível a vida. A terra seria estéril, o mar ferveria e quem lá se aventurasse não mais
tornaria. A instrução de dom Henrique ao capitão, conforme atestado pelo cronista
Zurara, foi de dobrar o cabo e constatar pela visão direta se realmente assim era.
 Portulanos – Mapa rudimentar no qual os navegadores da Antiguidade registravam os

pontos mais importantes das costas marítimas por eles percorridas.


7
Com três embarcações e cerca de 160 homens, Vasco da Gama saiu de Lisboa em
1498 e completou pela primeira vez o percurso entre Portugal e a Índia, cruzando o
Atlântico Sul. Uma dessas embarcações era a nau São Miguel, da qual existe uma
réplica no Museu de Marinha de Lisboa.
8
O reinado de Preste João – Desde o aparecimento do Livro das maravilhas, de Marco
Polo, no final do século XIII, o imaginário europeu foi alimentado por relatos sobre
reinos e riquezas lendárias escondidos nas profundezas do Oriente. Um desses reinos
era o de Preste João, rei tão piedoso quanto rico, cristão e depositário das relíquias do
apóstolo são Tomé. Por muito tempo, afirmou-se que seu reino de rios de ouro e
montanhas de diamantes ficava na Ásia. No século XV, ao tempo da expansão marítima
mais tarde, no reinado de dom João II (1481-1495), foi se delineando a perspectiva do
caminho marítimo para as índias.

Na década de 1420, os portugueses deram início à ocupação das ilhas da


Madeira e dos Açores onde introduziram o trigo, a vinha e a cana-de-açucar. Em 1434, a
expedição de Gil Eanes ultrapassou o temido cabo Bojador, espécie de limite do mundo
conhecido pelos europeus até então, intensificando-se a partir daí a exploração da costa
centro-ocidental africana. Escravos, ouro e marfim eram os alvos preferidos dos
exploradores, apoiados nas feitorias que iam instalando na costa.

Na década de 1470 e 1480, com as expedições de Diogo Cão e Bartolomeu Dias,


o avanço para o sul do continente visava outro e mais importante objetivo: alcançar as
Índias, o rico mercado das especiarias, pelo contorno africano.

Essa etapa transcorreu sob o comando do rei dom João II (1481-1495), outro
soberano da dinastia de Avis fortemente comprometido com as navegações atlânticas. O
momento definidor foi a chegada, em 1487, de Bartolomeu Dias ao cabo das
Tormentas, no extremo sul da África. O navegador conseguiu ultrapassá-lo no início de
1488, voltando em seguida para Lisboa. Mais tarde, o rei rebatizou o promontório de
cabo da Boa Esperança, indicando a confiança dos portugueses na rota africana para o
Oriente.

Pela África, para as Índias

Enquanto dom João II mandava seus capitães pelo Atlântico Sul, a Espanha
surpreendia com um fato novo e inesperado: em 1492, Cristóvão Colombo, um piloto
genovês contratado pela Coroa espanhola, navegando pelo Atlântico no rumo do
Ocidente com três caravelas, alcançava as atuais Antilhas (na região central da
América), depois de quase dois meses de viagem9.

Ao regressar, Colombo anunciou ter atingido as ilhas do mar da China. A


suposição correspondia ao conhecimento geográfico da época, pois os europeus
desconheciam a existência de um continente entre eles e a Ásia. Por isso também
chamaram de “índios” os nativos da região, julgando que as Índias estivessem
próximas.

lusitana, acreditava-se que se situava na África oriental, mais exatamente na Etiópia.


Fantasias como essa incendiavam a imaginação do homem comum, assim como a dos
navegadores, estimulando o espírito de aventura. Levados por ela, muitos portugueses
pretendiam encontrar o reino de Preste João no litoral africano.
 Feitorias – Entrepostos comerciais fortificados, construídos pelos colonizadores ao

longo da costa para garantir a posse de territórios conquistados e apoiar suas transações
comerciais.
9
1492, de Ridley Scott, 1994 – Reconstituição histórica da viagem de Cristóvão
Colombo e dos primeiros contatos e conflitos entre espanhóis e ameríndios das
Antilhas.
Mas a novidade do feito e a presença dos espanhóis no Atlântico mudava
bastante o mapa-múndi. Do ponto de vista dos portugueses, era conveniente negociar
logo com os seus rivais a partilha antecipada das terras a serem conquistadas nos dois
lados do oceano. Se não viesse a obter nenhuma outra vantagem concreta, estariam pelo
menos preservando suas posições e rotas na margem africana do Atlântico.

Portugueses e espanhóis negociavam durante mais de um ano. Depois de recusar


proposta do papa Alexandre VI – divisão das terras a serem encontradas por um
meridiano traçado a 100 léguas a oeste de Cabo Verde -, Portugal assinou com a
Espanha em 1494 o Tratado de Tordesilhas10. O acordo assegurava aos portugueses a
posse das terras existentes a ocidente até 370 léguas a oeste do arquipélago de Cabo
Verde. Era uma vitória da diplomacia lusitana sobre seu concorrente mais direto.

Mesmo suspeitando da existência de terras no Atlântico Sul-ocidental, Portugal


insistiu no “périplo africano”, isto é, no contorno da África rumo ao Oriente. Afinal, o
comércio das especiarias era muito mais atraente. Em 1498, já no reinado de dom
Manuel11, o Venturoso (1495-1521), Vasco da Gama partiu de Lisboa e finalmente
chegou a Calicute, na Índia atual. Para consolidar o comércio das especiarias, nova
expedição, mais numerosa e bem equipada, foi enviada apenas dois anos depois. Era a
frota de Pedro Álvares Cabral12.

10
[...] para o bem da paz e da concórdia e pela conservação da afinidade e amor que o
senhor rei de Portugal tem pelos senhores rei e rainha de Castela e de Aragão, em
virtude dos seus poderes, outorgaram e consentiram que se trace e assinale pelo Mar
Oceano uma raia ou linha direita de pólo a pólo, a treentas e setenta léguas das ilhas de
Cabo Verde em direção à parte do poente. [...] E que tudo o que até aqui tenha achado e
descoberto, pelo rei de Portugal e por seus navios, tanto ilhas como terra firme, dentro
da dita raia, que tudo seja e fique e pertença ao senhor rei de Portugal e aos seus
sucessores para sempre [...]
11
“Senhor da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia.”
(Acréscimo mandado fazer por dom Manuel, o Venturoso, a seu título oficial de rei de
Portugal e Algarves.)
 Vasco da Gama (1469-1524). Navegador português que, em 1498-1499, completou o

contorno do litoral africano e estabeleceu a rota do Oceano Índico até Calicute, na Índia.
O sucesso dessa expedição possibilitou a Portugal estabelecer entrepostos comerciais na
Índia e em outros pontos da Ásia para comercializar regularmente na Europa as
especiarias orientais. Vasco da Gama voltou outras vezes à Índia, onde acabou
morrendo.
 A posse oficial de terras descobertas pelos portugueses era marcada pelos padrões de

pedra, gravados com o brasão real. No caso do Brasil, na falta de um desses padrões, a
posse foi registrada pela cruz de madeira levantada em Porto Seguro.
12
Pedro Álvares Cabral (1467 ou 1468-1520 ou 1526) – fidalgo português, escolhido
pelo rei dom Manuel para comandar a primeira grande expedição comercial enviada ao
Oriente, depois que Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para as Índias.
Acabou aportando na costa brasileira em abril de 1500. Apesar do êxito comercial, a
perda de grande número de embarcações provocou o afastamento de Cabral do comando
de outras expedições.
América portuguesa

Treze embarcações, entre naus e caravelas, e cerca de mil e duzentos homens,


entre marinheiros, artífices, comerciantes, padres, funcionários, soldados e degredados,
além de alguns dos melhores e mais experimentados navegadores portugueses: esta foi a
frota de Cabral, que deixou a barra do rio Tejo a 9 de março de 1500. As ordens oficiais
do rei dom Manuel a seu comandante eram precisas: voltar a Calicute pela rota de
Vasco da Gama, que seria conhecida mais tarde como Carreira das Índias, tão
promissora quanto longa e perigosa; organizar aí uma feitoria para o início de relações
diplomáticas e comerciais com os príncipes orientais.

No percurso até Cabo Verde, a rota foi fielmente seguida. Após o arquipélago, a
frota desviou-se para o ocidente, no rumo sudoeste. No fim da tarde de 22 de abril, os
portugueses avistaram um monte, que chamaram Pascoal, a linha da costa, no sul da
atual Bahia. Cabral e sua frota chegavam às novas terras 44 dias após deixar Lisboa.
Esse desvio, provavelmente deliberado e não casual, faz supor que, além do roteiro
conhecido, a esquadra tivesse a missão não divulgada de comprovar a existência de
terras no Atlântico Sul dentro da área prevista em Tordesilhas13.

Entre procurar abrigo para a esquadra, encontrado na enseada de Porto Seguro,


descer à terra, fazer contatos com os nativos avistados nas praias, celebrar duas missas
(26 de abril e 1º de maio) e costear um pouco aquela área, os portugueses demoraram-se
aqui apenas dez dias. A 2 de maio, a esquadra retomou o rumo das Índias. Deixava para
trás o território cuja posse oficial, na falta de brasões de pedra, Cabral marcara com uma
grande cruz de madeira. Deixava também dois degredados e dois desertores, que seriam
os primeiros europeus a viver entre os índios naquela remota porção das Américas.

Cabral e seus homens batizaram as novas terras de Ilha de Vera Cruz. Para
comunicar o feito ao rei dom Manuel, partiu de volta para Portugal o navio comandado
por Gaspar de Lemos, levando uma carta do escrivão Pero Vaz de Caminha. Este expôs

13
Os precursores de Cabral – Antes de Cabral, as terras que hoje fazem parte do Brasil
já haviam sido visitadas por navegantes europeus. O primeiro a chegar parece ter sido o
espanhol Vicente Pinzón que, a 26 de janeiro de 1500, desembarcou na ponta de
Mucuripe, no litoral do atual estado do Ceará. Alguns dias depois, em fevereiro de
1500, Diego de Lepe, outro navegador espanhol, aportou também nas novas terras –
segundo alguns historiadores, no cabo São Roque, próximo à atual cidade de Natal;
segundo outros, no cabo Santo Agostinho, no atual estado de Pernambuco. Existem
ainda referências a possíveis expedições portuguesas às novas terras anteriores a Cabral
no livro Esmeraldo de situ orbis, escrito pelo navegador Duarte Pacheco Pereira. Nesse
livro afirma-se que o rei dom Manuel, já em 1498, teria enviado frotas para “descobrir a
parte ocidental, passando além do Mar Oceano, onde é achada e navegada uma tão
grande terra firme,” na qual se encontra “muito e fino brasil”.
Entretanto, Duarte Pacheco – que acompanharia Cabral na grande viagem de
1500 – publicou o Esmeraldo em 1505, de modo que as referências que faz àquelas
possíveis expedições de 1498 não têm o valor de fonte histórica irrefutável.
ao rei suas dúvidas quanto à existência de ouro e prata e recomendou-lhe que desse
início imediato à “salvação” dos nativos, isto é, à sua conversão ao cristianismo14.

Em Portugal e na Europa, o feito de Cabral foi considerado um descobrimento,


ou achamento, no vocabulário da época. De fato, tudo aquilo era novo para os europeus.
Nos séculos seguintes, a palavra descobrimento continuou a ser utilizada para designar
o feito, considerando-se aquele acontecimento o início da História do Brasil.

Mais recentemente, porém, a expressão vem sendo criticada, pois ela revela
apenas a visão portuguesa e europeia – ou visão eurocêntrica – do acontecimento.
Argumenta-se que, na verdade, o continente e suas populações já existiam,
independentemente de serem conhecidos ou não pelos europeus. Essas populações
tinham sua própria cultura, crenças, valores e formas de organização social, anteriores à
conquista europeia. Tudo isso faz também de nossa história.

Outro aspecto a considerar é o ponto de vista dos indígenas em relação à


chegada das caravelas de Cabral. Como os índios encararam esse acontecimento
inesperado? Eles também estavam fazendo uma descoberta, encontrando uma gente que
não conheciam. Por isso, pode-se dizer que em 1500 houve, de fato, um duplo
descobrimento: nativos e europeus descobriam-se mutuamente. Mas os resultados da
descoberta seriam extremamente desiguais para uns e para outros.

Os primeiros anos

O interesse inicial do governo de Portugal pelas terras americanas correspondeu


à expectativa do escrivão Caminha. O nome da Ilha de Vera Cruz logo foi mudado para
Terra de Santa Cruz, certamente mais adequado, mas as novas terras permaneciam
inexploradas por muitos anos. Além do gosto pela aventura, os portugueses estavam à
procura de riquezas e de possibilidades comerciais. Isso os levou a concentrar esforços e
recursos nas feitorias africanas, na defesa do comércio das especiarias e na expansão
dos seus domínios orientais.

Os territórios americanos ficaram em plano secundário. Para cada frota com


destino à América até 1530, eram enviadas pelo menos quatro ao Oriente. De todo
modo, algumas expedições vieram para cá nas primeiras décadas, como as de Gaspar de
Lemos, Gonçalo Coelho, Fernão de Noronha e Cristóvão Jacques. Duas delas contaram
com a presença do florentino Américo Vespúcio.

14
O descobrimento do Brasil, de Humberto Mauro, 1937 – Representação
cinematográfica, com clara intenção didática, do fato histórico da chegada dos
portugueses ao Brasil em 1500; produção esmerada, belas imagens e trilha sonora de
Heitor Villa-Lobos.
 Américo Vespúcio (1451-1512) – Navegador e cosmógrafo florentino. Foi o primeiro

a definir como um continente as terras descobertas por Cristóvão Colombo (a América).


Em meados de 1499, passou ao norte da América do Sul na expedição espanhola de
Vespúcio já estivera no norte da África do Sul em 1499, com o espanhol Alonso
de Hojeda. Passou mais tarde para o serviço de Lisboa, quando então esteve na América
portuguesa (1501 e 1503). Foi ele quem divulgou pela primeira vez a ideia de que
Colombo havia chegado a um novo continente e não às Índias. De seu nome surgiu, já
em 1507, a denominação de América para as terras que portugueses e espanhóis
encontraram no Atlântico ocidental.

As primeiras expedições portuguesas percorreram a costa da foz do Amazonas


até o estuário do rio da Prata. De imediato, a principal riqueza encontrada para explorar
e comercializar foram as toras de uma árvore, o pau-brasil, madeira já conhecida na
Europa, da qual se extraía um pigmento para tinturas em tecido e papel. A exploração
do pau-brasil foi arrendada, em 1502, a Fernão de Noronha chefe de um grupo de
cristãos-novos que se dedicavam ao comércio15.

Mas o pau-brasil – riqueza que acabaria ajudando a fixar o nome definitivo da


América portuguesa – serviu também de atrativo para outros europeus. Traficantes e
armadores franceses, apoiados pelo governo do seu país, passaram a visitar com
frequência o litoral recém-encontrado pelos portugueses. Aqui, obtinham a colaboração
de grupos nativos e voltavam à Europa com seus navios carregados da valiosa matéria-
prima16.

A ameaça estrangeira à posse da terra chegou a tal ponto na década de 1520 que
o governo português se viu obrigado a enviar para cá expedições militares, chamadas de
guarda-costas. Mas, ao regressar ao reino, seus próprios capitães reconheciam que
perseguir traficantes por uma infinidade de ilhas, enseadas, estuários e baías era um
esforço inútil. A solução era a defesa permanente da costa, com vilas e povoados que
pudessem impedir a atividade comercial dos estrangeiros, “pois que estes não iriam
querer ir até lá e voltar vazios”, como observou Cristóvão Jacques em 1526.

Na verdade, três décadas após declarar sua posse daquela faixa das terras
americanas, Portugal ainda não tinha uma estratégia definida para aproveitá-la no
contexto de sua política expansionista e mercantilista. Não queria perdê-la, mas não
tinha certeza quanto à melhor forma de explorá-la. O pau-brasil, com seu reconhecido

Alonso Hojeda, a caminho das Índias Ocidentais. Em 1501, já a serviço de Portugal,


percorreu parte do litoral brasileiro em expedição comandada por Gonçalo Coelho.
 Cristãos-novos – Expressão pejorativa usada para designar judeus convertidos à força

ao cristianismo. Na Espanha, em 1381, e em Portugal, no ano de 1497, todos os judeus


foram forçados a se batizar. A expressão se opunha a “cristãos-velhos”, que denominava
os adeptos tradicionais da religião católica.
15
A exploração do pau-brasil por meio do aproveitamento da mão-de-obra indígena foi
a primeira atividade mercantil desenvolvida pelos europeus em território brasileiro. Na
ilustração, A Ilha do Brasil: corte e transporte do pau-brasil baixo-relevo em madeira,
1530.
16
Brasilia, mapa do Brasil desenhado por João Teixeira Albernás em 1666.
Representação cartográfica caracterizada pela riqueza de informações geográficas sobre
o território da colônia portuguesa, especialmente sobre o litoral.
valor, não se comportava naquele momento ao ouro, aos escravos, à seda, ao cravo, à
pimenta e canela trazidos da África e da Ásia17. As possessões orientais, sobretudo,
eram a grande prioridade e pomposamente proclamadas como “postos avançados do
Império” e “sentinelas da cristandade”.

Em alguns casos, o litoral das novas terras, com sua extensão e seus
ancoradouros naturais, poderia servir como escala para abastecimento de água e
alimentos das frotas que se dirigiam às Índias. Mas até para isso era preciso defendê-lo e
administrá-lo. quando o Estado português, no governo de dom João III (1521-1557), se
convenceu disso e passou a agir nessa direção, começou a formar sua colônia na
América.

17
Diálogos: “...mais me temo de Lisboa, que ao cheiro desta canela, o reino nos
despovoa.” (Do poeta Francisco de Sá de Miranda, em torno de 1530, sobre a grande
euforia com os negócios das especiarias orientais em Portugal.)

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