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Todas estas características, entre outras não mencio-

Artigo nadas, remetem de modo mais ou menos direto a um


processo mais amplo de racionalização da dominação
capitalista. De fato, é na etapa monopolista que a ra-
cionalidade capitalista parece atingir historicamente
seu desenvolvimento máximo. Trata-se de um desenvol-
vimento em um duplo sentido; onde já existia previa-
mente, esta racionalidade aprofunda-se a níveis talvez
Trabalho e dominação no sequer imaginados no passado e desenvolve mecanismos
mais acabados para se realizar. De outro lado, ela se ex-
capitalismo monopolista: pande para além do âmbito da chamada produção ma-
terial, subordinando novas dimensões da sociedade, e
um esboço de sistematização penetrando-a por todos os seus poros ..
Trata-se de um processo através do qual se vai con-
figurando o que Adorno denominou socialização total,
ou seja: "As malhas do todo vão-se entrelaçando, ca-
da vez mais estreítamente.segundo o modelodo ato de
Gisela Taschner Goldenstein troca. A consciência individual tem um âmbito cada vez
Mestre em sociologia pela Universidade de São Paulo; professora mais reduzido, cada vez mais profundamente preforma-
assistente no Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos
da Administração da EAESPIFGV; redatora-chefe da RAE. do, e a possibilidade da diferença vai ficando limitada
apriori até converter-se em mero matiz na uniformidade
da oferta. Ao mesmo tempo, a aparência de liberdade
faz com que a reflexão sobre a própria escravidão seja
muito mais difícil do que o era quando o espírito se en-
contrava em contradição com a aberta opressão." 1
Na sociedade plenamente socializada a que se refere
Adorno, "as diversas peças de sua estrutura se ajustam
em todos os seus níveis, num todo que se impõe como
o real, e é um 'real ideológico', porque veda por todos
os lados o acesso àquilo que concretamente o articula,
enquanto tal: as relações de produção."2
É com este processo que estamos preocupados, pois,
através da racionalização, a dominação capitalista se
fortalece, ao mesmo tempo que se torna menos visível.
Adorno e outros frankfurtianos, bem como Lukács, tra-
taram do desenvolvimento da racionalidade capitalis-
I ta principalmente no segundo sentido em que o mencio-
namos (expansão).
o que se convencionou chamar de capitalismo mono-
polista pode ser percebido (com mais clareza nos paí- Braverman incorpora em parte estas preocupações,
ses desenvolvidos) através de uma série de característi- no seu livro Trabalho e capital monopolista.s o que
cas decorrentes de mudanças que se deram no interior aparece tanto na feliz interpretação que dá à expressão
do modo de produção capitalista, grosso modo, a par- mercado universal, como quando mostra a difusão do
tir de fins do século passado. Entre elas destacamos as sistema de trabalho fabril para os grandes estabeleci-
seguintes: mentos não-industriais (comércio, serviços) ou quan-
do analisa as bases em que se assenta o sempre precário
• o desenvolvimento das empresas gigantes e a mudança processo de habituação do trabalhador. Mas retém co-
da base de acumulação; mo núcleo de seu estudo a forma pela qual se dá a do-
• a emergência de novas relações entre a propriedade minação capitalista sobre o trabalho no processo de tra-
e o controle do capital, bem como de novas técnicas de balho, ou seja, preocupa-se com o aprofundamento des-
gerência; ta dominação na etapa monopolista (através da racio-
• o desenvolvimento da indústria cultural e de sua xi- nalização), no loeus em que ela existiu desde o início do
fópaga, a publicidade (que se torna peça fundamental desenvolvimento deste modo de produção: a empresa.
no processo de realização do valor e da mais-valia), bem É para este ângulo (aprofundamento) que se voltam
como do crédito e do capital financeiro; nossas reflexões neste ensaio. Como dissemos, o apro-
• aextensão da educação formal tendencialmente a toda fundamento e a expansão da racionalidade capitalista
a sociedade; são dois momentos interligados de um mesmo proces-
• a incorporação sistemática da ciência pelo processo so de dominação. A expansão da racionalidade capita-
produtivo; lista para todas as dimensões da sociedade reforça e
• a liberação do capital de suas limitações técnicas e fi- complementa a dominação exercida sobre o trabalha-
nanceiras ao mesmo tempo em que sua realização se tor- dor no seu universo de trabalho - o mercado univer-
na mais problemática; sal a que se refere Braverman envolve também a chama-
• a internacionalização cada vez maior do modo de pro- da produção não-material que inclui a ideologia, o la-
dução. zer, o "cultural" - destruindo as poucas brechas exis-
Rev. Adm. Emp. Rio de Janeiro 26(4): 5-17 out.Zdez, 1986
tentes antes da fase monopolista. Entretanto, isto não potência, ou antes, como fazer com que o trabalhador
pode ser tratado de modo muito breve e exigiria, por si trabalhe dando o máximo de si numa situação destas?
só, um trabalho à parte. Por esta razão, deixaremos esta Para o capitalista torna-se, então, fundamental assu-
problemática para outra oportunidade.s mir o controle sobre o processo de trabalho, que passa
Nosso foco incidirá sobre a dominação capitalista no a ser de sua responsabilidade; ou, melhor, trata-se de
processo de trabalho dentro da grande empresa mono- desenvolver um controle especificamente capitalista so-
polista. Não pretendemos desconhecer as conexões des- bre o trabalho. Do ponto de vista do capitalista, isto se
ta com o todo social; apenas vamos tomá-la como pon- configura como um problema de gerência.?
to privilegiado de observação.
Partiremos do estudo de Braverman, concentran- a desenvolvimento deste controle envolve formas ca-
do-nos nas relações entre o capital e o trabalho. Mas da- da vez mais elaboradas de organização do processo pro-
remos atenção, também, a um aspecto que, a nosso ver, dutivo (divisão do trabalho na oficina, mecanização) e
faz parte destas relações, se tomadas em um sentido mais liga-se à mudança da base de acumulação, da mais-va-
abrangente: as chamadas relações entre a propriedade lia absoluta para a mais-valia relativa (sem excluir a ab-
e o controle do capital. A compreensão da natureza des- soluta, claro). Através dele, mudam-se as formas assu-
tas últimas é facilitada quando se considera a obra de midas pela relação entre o capital e o trabalho (que Bra-
Braverman, apesar de ele próprio pouco tê-las explora- verrnan analisa com mais vagar) e muda-se também a
do. forma da gerência e da classe trabalhadora.
a empreendimento de Braverman tem, como refe- Em termos mais amplos, o desenvolvimento desse
rencial empírico básico, os EUA e, como parâmetro teó- controle especificamente capitalista do trabalho inse-
rico, Marx e o processo de subordinação (formal e real) re-se no processo através do qual a subordinação for-
do trabalho ao capital, do qual falaremos logo adian- mal do trabalho ao capital se torna real.
te. Senão por mais nada, seu estudo é importante por A temática da subsunção formal do trabalho ao ca-
sistematizar formulações que andam dispersas por pital e da passagem desta para a subsunção real encon-
obras diferentes. Mas além disto, Braverman faz uma tra-se apenas esboçada no Capítulo Inédito de O capi-
leitura criativa não só dos textos, como também dos pro- tal.w Não está tratada de modo sistemático. Seu signi-
cessos reais, abordando-os, algumas vezes, por ângu- ficado é uma questão controvertida. Não vamos discu-
los completamente inusitados. ti-la aqui, pois isto não poderia ser feito de modo mui-
to breve e o foco de nosso trabalho se deslocaria. En-
Braverrnanparte da formulação marxista sobre a es- tretanto, queremos mencionar o sentido em que esta-
pecificidade do trabalho humano em relação ao dos ani- mos tomando estes conceitos, uma vez que eles dizem
mais. E analisa esta especificidade em função de três as- respeito à problemática que está subjacente a toda a
pectos: obra de Braverman e ele próprio se abstém de comen-
tar teoricamente o tema. A passagem da subsunção for-
a) no trabalho humano existe uma concepção prévia do mal para a subsunção real envolve simultaneamente
produto que guia a execução.> uma série de questões interligadas: desenvolvimento das
forças produtivas (o capital e o trabalho adquirem es-
b) é o menos determinado do ponto de vista genético ou cala social e a produtividade aumenta, através da reor-
biológico:" ganização do processo de trabalho e da sua mecaniza-
ção); alteração da base da acumulação (mais-valia ab-
c) é um ato de vontade, além de ser um ato consciente. 7 soluta e relativa); desenvolvimento da relação capita-
lista (o controle do processo de trabalho passa cada vez
Estas características têm seus corolários. Em primei- mais do trabalhador para o capitalista ou para os fun-
ro lugar, a unidade entre concepção e execução pode ser cionários que desempenham seu papei); expansão do ca-
dissolvida no trabalho humano. Em segundo lugar, o pitalismo como modo de produção (incorporação con-
trabalho humano adquire uma plasticidade quase infi- tínua de novos ramos produtivos, em cada um dos quais
nita e, sendo o menos determinado do ponto de vista ge- se repetem as alterações já referidas, num processo in-
nético, é também mais determinável do ponto de vista cessante). No fundo, através destes diversos processos,
social. 8 desenvolve-se o modo de produção especificamente ca-
pitalista e, através deste desenvolvimento, as relações
No capitalismo, estes atributos gerais do trabalho hu- capitalistas adquirem sua forma "adequada."ll Há
mano tornam-no simultaneamente atraente e problemá- uma relação dinâmica entre todos esses aspectos. Atra-
tico para o capitalista. As relações sociais sob as quais vés de alterações no processo de trabalho, expande-se
se dá o processo de produção são antagônicas e não o modo de produção e, ao mesmo tempo, redefine-se
comportam compulsão ou motivação para o trabalho a forma concreta assumida pela relação capitalista. Esta
dos tipos existentes em outros modos de produção. redefinição leva a nova expansão das forças produtivas
a trabalhador vende sua força de trabalho porque e do modo de produção sobre novas atividades produ-
não tem os meios de produção. Mas ele é formalmente tivas.
livre também como pessoa; não pode trabalhar de mo- Apesar de inter-relacionados, estes diversos aspec-
do compulsório como ocorria com o escravo, nem vai tos não se desenvolvem de modo linear nem no mesmo
trabalhar em função de obrigações outras (extra-econô- ritmo.
micas) como ocorria no feudalismo. A força de traba- Assim, não se pode fazer uma operacionalização des-
lho que o capitalista compra é um infinito em potencial, te conceito tomando como base um único critério; ca-
diz Braverman. Como transformar em realidade esta so de fizesse isto, ter-se-ia, por exemplo, tomando o cri-

6 Revista de Administrapio de Emprelll8


tério da base de acumulação (isto é, mais-valia absolu- lizar o trabalho, em relação ao momento em que cada
ta ou relativa), já na cooperação simples, a subordina- produtor operava de modo independente. Sob este as-
ção real do trabalho ao capital, pois aí já se produz com pecto de controle, a subsunção do trabalho ao capital
base em mais-valia relativa (em função do trabalhador na cooperação simples é apenas formal (isto é, não se
coletivo, economia de meios de produção etc.); se se modifica a natureza do processo de trabalho); mas tal-
tomasse como critério a revolução no processo de tra- vez já se possa falar em mais-valia relativa nesta etapa
balho, a subordinação se tornaria real a partir da ma- (em decorrência do caráter geral da cooperação); ini-
nufatura, com sua divisão de trabalho típica etc. Es- cia-se nela também o processo de separação, dentro da
tas diversas etapas devem, pois, ser tomadas como mo- oficina, entre trabalho manual e mental, ou melhor, esta
mentos de um processo mais geral pelo qual a subordi- separação já está contida em forma embrionária na coo-
nação formal do trabalho ao capital passa a ter corres- peração simples: o capitalista não interfere diretamen-
pondência numa subordinação real de tal modo que, te no processo de trabalho, apenas o supervisiona e pro-
num extremo, a única coisa que distingue o modo capi- vê. Mas o capitalista já' 'representa diante do trabalha-
talista de produção reside na escala de produção mais dor isolado a unidade e a vontade do trabalhador cole-
ampla que a anterior e no fato de o produtor direto ven- tivo" .13
der ao capital sua força de trabalho e trabalhar sob o
comando formal do capitalista; e noutro extremo exis- 2. Manufatura. A manufatura produz novas condições
te já um modo especificamente capitalista de produção, de domínio do capital sobre o trabalho, segundo
que já não tem nada em comum com aquele que o pre- Marx, 14graças à revolução operada por ela no proces-
cedeu e do qual se originou. Este processo parece estar so de trabalho na oficina e no modo de trabalhar do ope-
completo a partir da indústria moderna onde, a partir rário individual. Esta consiste na fragmentação do pro-
das mudanças ocorridas nas etapas anteriores, se desen- cesso de trabalho em suas operações componentes (aná-
volve a utilização sistemática da ciência pelo processo lise) e na atribuição das distintas tarefas (operações) a
de acumulação decapitaI bem como a mecanização do distintos trabalhadores, isto é, na criação do trabalho
processo produtivo. Mas o termo "completo" não sig- parcelado e do trabalhador parcial. 15Desta divisão de-
nifica estanque. O processo de subordinação do traba- correm muitas conseqüências, entre as quais destacamos
lho ao capital aprofunda-se e renova-se incessantemen- as seguintes, para os fins q'.lenos interessam neste tra-
te. balho:
O processo de subordinação do trabalho ao capital
pode ser pensado em dois planos interligados: o que se a) aumento da produtividade: parte deste aumento de-
circunscreve à relação trabalho-capital dentro das em- riva da fragmentação do processo de trabalho (análise
presas e o que diz respeito à incorporação contínua de apenas),16 Mas parte adicional deriva daquilo que
novas atividades pelo capital. Neste sentido, a domina- Marx chama de "a virtuosidade do trabalhador muti-
ção do trabalho pelo capital tende a se tornar absoluta lado", decorrente do parcelamento do trabalho e da es-
não só pelos controles que retira progressivamente do pecialização do trabalhador parcial;
trabalho sobre o processo de trabalho nas unidades em-
presariais como também pela incorporação contínua de b) redução do valor da força de trabalho empregada:
novas áreas da sociedade que se tornam submetidas à o princípio de Babbage vigora já na manufatura. O tra-
lógica de produção capitalista, apesar de esta submis- balho parcelado permite a utilização de forças de tra-
são não se poder fazer de modo homogêneo, nem no balho de diferentes valores em função dos diferentes
mesmo grau, em todas as dimensões da vida social. graus de qualificação exigidos pelas distintas tarefas; 17
Braverman está mais preocupado com as formas além de a força de trabalho necessária ao processo pro-
atuais do controle, no capitalismo monopolista. Para dutivo custar menos quando comprada em seus elemen-
dar conta delas, faz um retrospecto de sua (das suas for- tos dissociados do que quando eles estão reunidos em
mas) evolução, cuja base está mais sistematizada na aná- cada trabalhador, a divisão manufatureira do trabalho
lise que Marx faz da cooperação simples, da manufa- faz com que o tempo de treinamento (agora para ape-
tura e da grande indústria. Vejamos de perto estes três nas uma tarefa) seja consideravelmente reduzido. Isto
momentos do desenvolvimento capitalista, cingin- nos leva a outras conseqüências;
do-nos mais aos aspectos que servem de fundamento às
formulações de Braverman. c) destruição dos ofícios, junto com a divisão do ho-
mem;
1. Cooperação simples. Este é o ponto de partida, se-
gundo Marx,12 para o modo de produção especifica- d) o trabalhador individual perde o controle sobre o
mente capitalista. Um mínimo de capital dinheiro já é processo de trabalho em seu conjunto, ainda que per-
necessário para que o mesmo capitalista possa ter a seu maneça o que exerce sobre sua tarefa. O controle do pro-
serviço diversos trabalhadores (o mínimo para o capi- cesso como um todo passa para o capitalista, que o or-
talismo pode ser o máximo ou mais que o máximo em ganiza tendo em vista a perfeição do trabalhador cole-
outro sistema de produção, como por exemplo, o das tivo;
córporações). Começa aqui também o desenvolvimen-
to do trabalhador coletivo, uma vez que a força de tra- e) começa a haver uma diversificação entre os trabalha-
balho dos trabalhadores reunidos sob o mesmo teto (e dores: uns produzem, outros supervisionam.
sob o comando de um mesmo capital) é maior do que
a somatória de suas forças de trabalho individuais, mes- "Como forma capitalista do processo social de pro-
mo que não haja nenhuma modificação do modo de rea- dução, a manufatura é apenas um meio especial de pro-
TrtIbalho indlUtrlal
7
duzir mais-valia relativa" , diz Marx.v Mas ao fazer is- duas definições de fábrica que retira de Ure.26 Nesta
to ela aumenta a força produtiva social, desenvolve a distinção, em que a fábrica capitalista é descrita como
escala mínima de capital necessário à produção (e ain- um autômato ~om órgãos conscientes (o trabalhador)
da estabelece, como decorrência técnica, a lei da pro- e inconscientes (a máquina- ferramenta), fica clara a su-
porcionalidade dos aumentos de capital) e aumenta a bordinação completa do trabalho ao capital; o traba-
subordinação do trabalho ao capital. lhador é reduzido a uma peça da engrenagem que o co-
Na manufatura, avança o processo de dissociação en- manda (o ritmo de trabalho é dado através da máquina
tre as forças intelectuais de produçãoe o trabalhador e não mais ajustado ao trabalhador, como ocorria na
individual (dissociação apenas esboçada na cooperação manufatura). Além disto, completa-se, com a maqui-
simples), através da mutilação deste último para desen- naria, a separação entre o trabalho mental e o manual,
volver o trabalhador coletivo. "O que perdem os tra- que se vinha dando desde a cooperação simples.ê? pois
balhadores parciais concentra-se no capital que se con- a maquinaria traz como exigência o uso sistemático da
fronta com eles. A divisão manufatureira do trabalho ciência e assim ela se torna nesta etapa uma força pro-
opõe-lhes as forças intelectuais do processo material de dutiva independente do trabalhador e subordinada ao
produção como propriedade de outrem e como poder capital.sê O processo de estranhamento também se
que os domina." 19A esse estranhamento em relação ao completa nesta etapa e a unidade de trabalho se rompe
processo de trabalho realizado na manufatura corres- de vez em dois opostos. Senão vejamos.
ponde,para o trabalhador parcial, o fato igualmente "A feição independente e estranha que o modo de
doloroso de que sua força de trabalho não funciona produção capitalista imprime às condições e ao produ-
mais sozinha. zo Diferentemente do que ocorria na coo- to do trabalho em relação ao trabalhador se converte
peração simples, quando o trabalhador se subordina- com a maquinaria em oposição completa.ê?
va ao capitalista porque não tinha os meios de produ- O objetivo de nos atermos, até aqui, ao trabalho de
ção necessários, com a destruição de ofícios na manu- Marx é o de apresentar de modo mais sistemático o pro-
fatura, ele se subordina também porque sua força de tra- cesso que Braverman procura retomar em sua análise
balho só pode operar num processo de produção deter- e o de mostrar a fonte de muitas de suas formulações.
minado, ao qual ele só tem acesso após aliená-la ao ca- Não se trata em absoluto de negar-lhe mérito (Braver-
pitalista. man não "esconde"suas fontes), mas, antes, de escla-
A manufatura, ao reorganizar o processo de traba- recer certos processos, cuja localização histórica e evo-
lho, propicia também o aperfeiçoamento, a especiali- lução ficam às vezes um pouco confusas em Braverman,
zação e a simplificação das ferramentas e, com isto, dá dando-nos a impressão, em alguns casos, de serem tí-
a base para a revolução industrial. picos da fase monopolista, quando na verdade remon-
tam a momentos anteriores.
3. Moderna indústria mecanizada. Na manufatura, a Braverman diz que muito do que Marx afirma com
habilidade manual era o fundamento do processo de referência à indústria moderna, especialmente no que
produção. "O mecanismo que nela operava não possuía diz respeito à ciência, tem muito mais de previsão do que
nenhuma estrutura material independente do trabalha- de constataçãoê? e tem razão ao dizer isto. Marx foi tão
dor" .21A máquina cria esta estrutura. profético que, em certos casos, chegou involuntaria-
mente a fazer com que se confundissem suas caracteri-
Tal como a divisão do trabalho da manufatura, a má- zações com seu método, em muitos estudos que se pre-
quina é um meio de o capitalista obter mais-valia rela- tendiam marxistas e se referiam a formações sociais que
tiva. Deste modo, a introdução da máquina no proces- não a Inglaterra, levando por vezes a transplantes me-
so produtivo será interessante (do ponto de vista doca- cânicos de esquemas, que dificultaram mais do que es-
pitalista) na medida em que o seu valor (no caso, custo) clareceram os problemas que tinham como objeto de
seja menor do que o valor pago do trabalho que pou- exame.
pa.22 A mecanização se inicia com a máquina-ferra-
menta geralmente, desenvolvendo-se depois até osiste- Mas há aqui também um outro problema. Ao falar
ma orgânico de máquinas (que repete de modo meca- em capitalismo monopolista, Braverman trabalha com
nizado o esquema da manufatura orgânica).23 A meca- uma periodização do desenvolvimento do capitalismo,
nização chega à maturidade quando atinge o setor de baseada em suas etapas de acumulação, e que leva a de-
bens de produção (DI). A partir daí, segundo Marx, a marcar três fases: comercial, concorrencial e monopo-
indústria pode caminhar sobre seus próprios pés.24 lista. Marx, ao falar da cooperação simples, manufa-
Deste momento em diante, o capital, por assim di- tura e indústria moderna, tem como base um outro cri-
zer, libera-se de suas limitações técnicas. Pode dar sal- tério: o desenvolvimento da dominação do capital (sub-
tos imensos em produtividade, tendo como limite ape- sunção formal se torna real). Estes dois conjuntos não
nas as matérias-primas e o mercado.P têm correspondência precisa, etapa por etapa. A gran-
Com referência à relação capitalista de produção e de indústria, por exemplo, se forja na etapa concorrente
ao domínio do trabalho pelo capital, a maquinaria na e avança na monopolista, sendo, aliás, fundida com o
indústria capitalista faz com que se inverta a relação en- capital bancário, a base da acumulação monopolista.
tre o trabalhador e seu instrumento de trabalho. Se na Mas a subordinação do trabalho ao capital já é efetiva
manufatura ele se servia da ferramenta, na grande in- antes que o capitalismo chegue à fase monopolista, em-
dústria ele serve à máquina. Com isto, o trabalho vivo bora neste período ela se torne ainda maior. Não se po-
torna-se dominado pelo trabalho morto convertido em de dizer, tampouco, que a fase concorrencial seja carac-
capital. Marx faz uma distinção entre o uso da máqui- terizada pela manufatura. Assim, é compreensível que
na em geral e seu uso no sistema capitalista, a partir de as características que Braverman vê no capitalismo mo-

8 Revi'ta de Adminirtrrzção de Emprem,


nopolista estejam em parte contidas na caracterização solver e que não torna mais universal o caráter do de-
da indústria moderna feita por Marx, pois muitas de- senvolvimento científico capitalista. 39
las se realizam efetivamente na fase monopolista. O que Voltando ao problema da mecanização em si, Bra-
Braverman analisa, portanto, não é propriamente uma verman mostra, enfim, que a automação, ao contrário
"quarta etapa", que "sucede" à da indústria moder- das aparências, promove, tal como a divisão do traba-
na, mas, antes, a indústria moderna na etapa monopo- lho na oficina, a degradação e a desqualificação do tra-
lista, retomando o fio esboçado por Marx e detectan- balhador, como base e contrapartida para o controle
do seu traçado presente. que vai para a gerência. Apóia-se, para tanto, nos tra-
No capitalismo monopolista, segundo Braverman, balhos de James R. Bright, segundo os quais a mecani-
a divisão do trabalho iniciada na manufatura prossegue zação até um certo ponto promove um aumento de qua-
através do taylorismo (ou das práticas que Taylor sis- lificação do trabalhador, mas a partir dele (este ponto
tematizou em seu estudo)u e com isto dá um novo sal- é a automação) a qualificação se torna decrescente à me-
to, do ângulo da organização do processo de trabalho; dida que a mecanização avança.w
se na manufatura o controle do conjunto do processo Os efeitos desta organização do processo de traba-
de trabalho escapou das mãos do trabalhador e passou lho se fazem sentir de diversas maneiras. A degradação
para o capitalista, ao menos lhe restava o controle so- de ofícios e da capacidade técnica do trabalhador pros-
bre sua tarefa. Este último lhe é também retirado com seguem século XX adentro, seja pela incorporação de
o taylorismo. A "administração científica" planeja to- novos ramos produtivos, seja pela' 'modernização" dos
das as tarefas nos mínimos detalhes. ramos mais antigos de produção capitalista. Este pro-
cesso tem sua dinâmica própria; uma vez degradada a
Se Taylor contribuiu para a reorganização do pro- capacidade técnica do trabalhador, a expansão do sis-
cesso de trabalho, da qual o estudo dos tempos é talvez tema produtivo tem sua direção inicial reforçada, pois
o aspecto mais conhecido, levando mais adiante a se- não se encontrará no mercado de trabalho a qualifica-
paração entre o trabalho mental e o manual na produ- ção necessária para produzir de acordo com um padrão
ção e, com isto, refinando o controle capitalista do tra- alternativo.s!
balho, alguns de seus seguidores, como Gilbreth, foram
ainda mais à frente. Através do estudo de tempos e mo- O processo de trabalho, por sua vez, se bifurca radi-
vimentos, Gilbreth decompôs os movimentos humanos calmente através do que Braverman chama de fluxo das
em um sistema de micro-unidades (therbligs) aplicáveis coisas e fluxo dos papéis. Neste, em mãos da gerência,
à consecução de qualquer tarefa, em qualquer proces- planeja-se, controla-se, avalia-se, prescreve-se o proces-
so de produção, tornando-se com isto "responsável" so de produção (e, em graus diversos, a distribuição tam-
pelo fato de, no capitalismo monopolista, o trabalho bém)42 das mercadorias e a forma detalhada de sua exe-
humano abstrato adquirir empiricidade.32 cução; naquele, em mãos dos operários, realiza-se a pro-
De outro lado, nesta etapa, o avanço sem preceden- dução material propriamente dita, de modo mais ou me-
tes da mecanização e da tecnologia, a partir da revolu- nos cego. Os poucos vínculos que porventura restavam
ção tecnocientífica, é mostrado por Braverman como entre o trabalhador e a ciência, segundo Braverman,
tendo o mesmo sentido que teve ao nascer.v através de- rompem-se de vez. E a unidade dos dois momentos ne-
la, alguns controlam o trabalho de muitos. "A maqui- cessários do trabalho, O mental e o manual, não só se
naria oferece à gerência a oportunidade de fazer por quebra como se torna antagônica.é
meios inteiramente mecânicos aquilo que ela anterior" Marx menciona esta quebra ao referir-se à indústria
mente pretendera fazer pelos meios organizacionais e moderna, como já mostramos. Mas o que chama a aten-
disciplinares;" 34 ção de Braverman são o rigor e a institucionalização des-
Se a máquina significa mais produtividade, signifi- ta separação, segundo ele tornados possíveis apenas
ca também mais um instrumento de controle do capi- com as condições de que dispõe a grande empresa do ca-
tal sobre o trabalho.n As grandes inovações, entre as pitalismo monopolista.é'
quais Braverman destaca o controle numérico,36 per- Esta separação, para se institucionalizar de manei-
mitem que o trabalho dos operadores de máquinas que ra tão sistemática e rigorosa, pressupõe, assim, não só
ainda tenha sobrevivido à "racionalização" anterior o desenvolvimento das forças produtivas (materiais e
seja novamente objeto de divisão e degradação.ê? Aqui não-materiais) obtido apenas na etapa monopolista, co-
é preciso fazer um parêntese para comentar a concep- mo também uma reorganização no interior das empre-
ção de tecnologia e de máquina de Braverman, que às sas, pois ela implica ampliar as atribuições da gerência,
vezes se prende por demais literalmente à distinção en- o que lhe acaba conferindo uma nova forma. Esta se-
tre máquina em geral e o uso capitalista da máquina, su- paração não se dá, no capitalismo monopolista, entre
gerindo uma abordagem neutralista de tecnologia. Es- o operário e o empresário, mas entre dois tipos de tra-
ta distinção aparece reiteradas vezes em seu livr038 e balhadores que representam papéis opostos. Em outras
não é muito coerente com sua abordagem mais geral, palavras, quando a subordinação do trabalho ao capi-
através da qual se percebe que a direção (o sentido) do tal se torna real, a forma pela qual ela se torna real im-
desenvolvimento científico e tecnológico está profun- plica uma modificação da figura do capital. A com-
damente comprometida com o capital. Assim, não são preensão desta modificação nos leva a considerar as re-
máquinas em geral (isto é, quaisquer máquinas), mas lações entre a propriedade e o controle do capital nas
máquinas determinadas que se desenvolvem tendo em grandes empresas do capitalismo monopolista, sobre as
vista sua aplicação capitalista. Se elas são depois "trans- quais este trabalho de Braverman lança novas luzes. Ve-
plantadas" para outros modos de produção, isto já é jamos como estas relações têm sido abordadas, detendo-
outro problema, que cabe aos dirigentes socialistas re- nos nas formulações mais típicas.

Trabalho induatritll 9
II se transferido da terra para o capital (que ele vê de for-
ma reificada como dinheiro ou meios de produção) e,
Entre os intelectuais não-marxistas, a chamada separa- mais recentemente, para o talento dos especialistas or-
ção entre propriedade e controle nas grandes empresas ganizado de forma coerente, ou seja a tecno-estrutura.
tem sido saudada (em graus diversos) como um indica- O autor adverte para o fato de que, em termos da
dor de mudanças estruturais do capitalismo, que apon- "pedagogia econômica tradicional", a tecno-estrutu-
tam para a superação de todo o sistema, quando não de ra não pode ser considerada propriamente um fator de
suas principais características e, por extensão, apontam produção. 53 Mas afirma que ela se tornou fundamen-
para a superação da teoria marxista para explicar a no- tal para a produção na medida em que, com o crescimen-
va situação daí decorrente.s! to das empresas, o volume de informações necessárias
O estudo que possivelmente causou mais polêmicas para geri-la assumiu tal porte que dificilmente um in-
a este respeito foi o de James Burnham, no início dos divíduo ou um pequeno grupo poderia, sozinho, dispor
anos 40,46 apesar de não ser o primeiro a falar neste te- de todas elas.
ma. Antes dele, Berle & Means já consideravam a pos- As exigências da tecnologia e organização seriam as
sibilidade de o controle das grandes companhias se "variáveis" determinantes desta nova situação, na gran-
transformar numa "tecnocracia puramente neutra, de empresa e na sociedade. São para o autor tão impor-
equilibrando exigências diversas de diferentes grupos na tantes que ele dedica um capítulo inteiro às semelhan-
comunidade.' '47 Podemos ainda nos reportar ao traba- ças entre o sistema capitalista e socialista desenvolvidos
lho de T. Veblen, de um momento anterior ao de e em outros momentos (diversos) afirma que não é da
Burnham, também, no qual se encontra esboçada ini- "ideologia" que decorrem estas transformações e que
cialmente a hipótese que Burnham utiliza na teoria da a "culpa" delas é do engenheiro. 54
revolução dos gerentes. Na verdade, Veblen fala da re- Estas mudanças estão ligadas a uma transformação
volução dos engenheiros contra o capitalismo, em lu- mais ampla, que, segundo Galbraith, consiste na subs-
gar da presumida revolução dos operários.48 tituição da economia de mercado por uma economia
Burnham, por sua vez, chama a atenção para a se- planejada em parte substancial.v
paração entre a propriedade e o controle dentro das As grandes empresas não precisam se submeter ao
grandes empresas, em função da dispersão da proprie- mercado; controlam significativamente o mercado de
dade do capital, a partir do fracionamento das ações49 diversas maneiras: planejam não só o que produzir, co-
e da emergência da gerência. A partir desta separação, mo também quanto produzir e a que preço; planejam
antevêa "sociedade gerencial", que não é capitalista também o consumo (tanto a distribuição como, através
nem socialista, não se orienta pela busca do lucro e tem do Estado, até a regulação da procura conjunta), pois,
nos gerentes a nova classe dominante. Bottomore res- segundo o autor, o volume de investimento em tempo
salta que Burnham apresenta sua teoria de modo mais e dinheiro se torna enorme justamente no momento em
elaborado que Veblen, distinguindo entre os gerentes que a demanda se torna mais fluida. Isto ocorre tanto
"técnicos" (engenheiros, cientistas) e os "dirigentes e em função do aumento de renda decorrente da produ-
coordenadores do processo de produção. Estes são os ção e tecnologia aumentadas, como em função do tipo
gerentes par excel/ence" .50 Ainda assim, sua teoria é re- de produtos, de caráter não propriamente essencial, que
lativamente tosca e não vale a pena que nela nos dete- a indústria moderna engendra continuamente, em seu
nhamos. Foi mencionada, entretanto, porque inspirou processo de diversificação.x
outras formulações mais sofisticadas que, de modos va- O planejamento surge como processo racional de mi-
riados, se prendem ainda a algumas de suas linhas ná- nimizar riscos em todos os momentos do processo de
sicas, tendo ramificações inclusive no Brasil.t! produção e circulação das mercadorias. Aliado ao re-
Esta problemática é tratada com mais clareza e cui- lativo controle das grandes empresas sobre o mercado,
dado por J .K. Galbraith, através da noção de tecno-es- faz com que os objetivos destas se desloquem da maxi-
trutura. mização de lucros para uma gama de outros.>?
Este deslocamento, contudo, decorre também e prin-
A tecno-estrutura designa um grupo de pessoas que, cipalmente do fato de que o controle dessas empresas
organizadas formal ou informalmente, contribuem com mudou de mãos e, por isso, seus objetivos passam a ser
seus conhecimentos especializados para a tomada de de- ditados pelos interesses e motivações da tecno-estrutu-
cisões na empresa. Inclui a junta de diretores, mas não ra. Deduzindo os objetivos das grandes empresas a par-
se limita a ela (ou ao que se conceba normalmente co- tir das motivações psicológicas e necessidades de sobre-
mo a alta administração), e exclui os operários de pro- vivência dos componentes da tecno-estrutura enquan-
dução, bem como os funcionários burocráticos e de es- to organização, Galbraith explica como a maximização
critório e vendas, que apenas realizam as rotinas admi- dos lucros foisubstituída pela maximização do cresci-
nistrativas. Exclui, também, a grande maioria dos acio- mento, acompanhado pelo que ele chama de um certo
nistas, que se liga à empresa apenas pelo vínculo de pro- virtuosismo tecnológico, ao lado de um nível garanti-
priedade e não participa, a não ser pro forma, das deci- do de ganhos (não-maximização) e de outros objetivos
sões. Enquanto grupo, é a tecno-estrutura que toma as que, subordinadamente, se voltam para a comunida-
decisões na empresa. É para ela que passa o poder da de.58
empresa e da sociedade, segundo Galbraíth.x Através do que denomina de princípio da
Sua explicação para este deslocamento do poder tem coerênciaw e de sua tipologia de motivações, tenta de-
um cunho marginalista: Galbraith associa o poder com monstrar que estes objetivos que a tecno-estrutura de-
o "fator" de produção cuja oferta marginal seja a mais fine para a empresa em função de seus (da tecno-estru-
inelástica em cada momento histórico. Daí o poder ter- tura) interesses particulares encontram respaldo na so-

10 Revista de AdministnlÇ40 de Emprertll


ciedade, traduzidos em idéias-força como crescimento funcionam de modo similar em todas as sociedades e,
econômico, crescimento do PIB, progresso tecnológi- como já vimos, com um resultado amplamente seme-
co etc., e também no próprio Estado. Este ocorre em lhante. Tomada a decisão de ter-se uma indústria mo-
auxílio das empresas nos empreendimentos mais vulto- derna, muito do que acontece é inevitável e idêntico.' '62
sos ou naqueles com cujos riscos elas não desejam (ou
não podem) arcar sozinhas.w além de ajudar a prepa- Uma concepção deste tipo sucumbe a algo semelhan-
rar força de trabalho qualificada, regular a procura con- te ao que Braverman chama de fetichismo da máqui-
junta e outras coisas. na.63 De fato, ela não só obscurece as diferenças entre
Dentro da mesma linha de argumentação, o autor distintos modos de produção, reduzindo-os a meras va-
mostra os nexos que unem os acionistas e as diversas ca- riantes do sistema industrial, como também, e princi-
tegorias de trabalhadores às empresas. Substituindo a palmente, obscurece o sentido desta tecnologia e orga-
imagem do organograma tradicional pela de uma série nização no capitalismo monopolista. Galbraith insiste
de círculos concêntricos, aloca a administração e a tec- no fato de que tanto as sociedades socialistas quanto as
no-estrutura que a envolve no centro. No círculo ime- capitalistas, quando industrializadas, têm o mesmo es-
diatamente seguinte, aloca os funcionários burocráti- quema de tecnologia e organização, no que parece ter
cos de escritório e vendas; no seguinte os operários de razão. Mas isto não permite pensá-lo de modo genéri-
produção e, finalmente, no "mais" externo, os acionis- co, abstrato e linear, como faz o autor. A universaliza-
tas. Sua tese básica é a de que os acionistas são os úni- ção de sua presença não torna universal seu significa-
cos que se ligam à empresa apenas por motivação pe- do, como já afirmamos; o que caberia perguntar nes-
cuniária, pois, à medida que se "avança" do círculo tas circunstâncias e qual é o sentido de se usarem uma
mais externo para os internos até o centro, esta moti- tecnologia e uma organização determinadas e desenvol-
vação perde sua importância relativa, ao mesmo tem- vidas segundo a lógica do capital, em um sistema social
po que aumenta a motivação de identificação e adap- cuja essência se propõe outra. Mas isto já é um outro
tação do pessoal em relação à empresa. assunto, que está fora do âmbito deste trabalho. O que
nos importa agora é que Galbraith, em conseqüência
Estes fatos são todos muito importantes, embora não desta concepção genérica e linear do processo de mo-
se possa concordar com a explicação e o sentido que Gal- dernização industrial, acaba perplexo ao desembocar
braith lhes dá (mais adiante veremos por quê). O qua- na percepção de uma dominação também genérica e in-
dro deles resultante nos poderia levar a pensar no mun- determinada da máquina(nocaso, o sistema industrial)
do do Prof. Pangloss, pois as empresas não perdem di- sobre "o homem". A segunda conseqüência desta con-
nheiro, maximizam seu crescimento, inovam sua tecno- cepção, que nos interessa neste momento mais de per-
logia e podem dar-se ao luxo de, em certa medida, cum- to, é que Galbraith lida mal com as relações entre divi-
prir finalidades de interesse de toda a sociedade; o po- são técnica do trabalho e relações sociais de produção,
der dentro delas democratizou-se, pois é muito maior quando aborda a tecnologia-estrutura, ligando-a a um
o círculo de pessoas que participam das tomadas de de- processo de transferência de poder na empresa e na so-
cisão e, o que é fundamental, ele é composto em sua ciedade (quase diríamos que deduz a sociedade da em-
maior parte por assalariados e não pelos detentores da presa).
propriedade do capital; de outro lado, o conflito de clas- Assim Galbraith só dá conta da realidade em sua for-
ses não se manifesta ou é muito amortecido e neutrali- ma fenomênica, embora faça isto magistralmente. A
zado (tanto na empresa como na sociedade) em função pergunta que cabe fazer é por que Galbraith não con-
das motivações que ligam os funcionários à empresa por segue ir além desta aparência, ou antes, o que se escon-
mecanismos de identificação e adaptação (variáveis), e de atrás desta aparência?
esta à sociedade; ou seja, a contradição é substituída (ou A visão marxista contemporânea tentou por muito
ao menos neutralizada) pelo princípio da coerência. tempo ignorar esta série de mudanças ocorridas ou en-
Entretanto, não é a imagem do melhor dos mundos tão negou-lhes importância. Mas a sua compreensão é
possíveis que motivou Galbraith a escrever sobre ele. A fundamental para se entender a etapa atual do capita-
preocupação do autor é justamente a de que possivel- lismo. Baran & Sweezy não se furtaram a esta tarefa.
mente' 'nós estamos nos tornando servos, tanto em pen- Tentam dar conta delas em seu clássico livro (mas não
samento como em ações, da máquina que criamos pa- menos polêmicoj.é- Assim, como não resumimos o
ra servir-nos. "61 Esta máquina são a tecnologia e a or- conteúdo do livro de Galbraith, não vamos sintetizar tu-
ganização derivada da modernização industrial. Como do o que Baran & Sweezy afirmam no referido traba-
esta é concebida em termos genéricos, isto é como se fos- lho, mas sim aternos apenas aos pontos que possam aju-
se um processo' 'universal" , algo em si; uma vez inicia- dar a encaminhar o raciocínio que estamos tentando de-
da, ela tem seu seu curso próprio, de modo praticamente senvolver neste estudo.
independente do sistema social no qual se dá. Isto dei- Baran & Sweezy encaram com alguma reserva a de-
xa pouca margem de interferência para o homem, pois cantada separação entre a propriedade e o controle de
as conseqüências da modernização escapam do controle capital dentro da empresa gigante, bem como a mudan-
deste. Senão vejamos. ça na essência da empresa que geralmente acompanha
"Faz parte da vaidade do homem moderno que possa esta tese.65
decidir o caráter de seu sistema econômico. Na realida-
de, a área de decisão é extremamente pequena. De mo- Vêem como efetiva, embora parcial, a separação
do imaginável, poderia decidir se deseja ou não ter um dentro da empresa, no sentido de que não basta ser pro-
nível mais alto de industrialização. Depois disso, os im- prietário de ações para, a partir de fora da empresa, po-
perativos da organização, tecnologia e planejamento der interferir decisivamente sobre sua gestão. 66 Sob es-

Trabalho industrilll 11
te ângulo, reconhecem uma mudança significativa em cipar de um jogo de beisebol. Afirmam que aí é irrele-
relação à fase concorrencial do capitalismo. O poder na vante se o jogador é amador ou profissional, se joga por
empresa é exercido a partir de dentro dela, pela admi- prazer ou por dinheiro. Uma vez em campo, tem que se-
nistração. Esta inclui a junta de diretores e seus auxi- guir as regras do jogo.
liares imediatos, tendo, portanto, um caráter bem mais De forma análoga, não são as motivações subjetivas
restrito que a tecno-estrutura de Galbraith. dos dirigentes que se transformam nas finalidades da
Entretanto, apesar de mostrarem uma série de dife- empresa gigante. Ao contrário, são as exigências obje-
renças entre o dirigente antigo e o moderno da empresa tivas do sistema que determinam a psicologia de seus
(um é pai, outro é filho da organização, um roubava da membros. A carreira do executivo consiste em ele ascen-
empresa, outro rouba para a empresa etc.), enquanto der dentro de uma empresa. Para isto tem de promover
individualidades típicas, apressam-se os autores a dizer a ascensão desta. (O topo da carreira é estar no topo de
que nem por isto" a administração em geral está divor- uma grande empresa.) E ele só pode trabalhar nesta di-
ciada da propriedade em geral" .67 Apoiando-se em ob- reção se lutar por altos Iucros."! Deduzir os objetivos
servações de Wright Mills e outros.ss buscam mostrar da empresa a partir dos objetivos da tecno-estrutura
que os dirigentes das grandes empresas são, na maioria equivale, segundo estes autores (com razão, a nosso
das vezes, recrutados entre os estratos de renda mais al- ver), a se manter preso ao ranço psicologizante do uti-
ta, confundindo-se muitas vezes com os "muito ricos" litarismo do século XI. 72
de Mills e são eles próprios, em sua maior parte, acio-
nistas da empresa que dirigem e/ou de outras. Assim, Baran & Sweezy avançam mais do que isto em sua
tanto por sua origem como pela posição que ocupam análise da empresa gigante, através da idéia da institu-
com relação à estrutura social, os dirigentes das gran- cionalização da função capitalista, que corresponde, se-
des companhias são a camada mais ativa da classe dos gundo eles, à "substituição do capitalista individual pelo
proprietários e seu escalão principal.e? capitalista da sociedade anônima" . 73 Com esta institu-
cionalização, o capitalista deixa de ser o empresário e
A contraface da relação entre capital e controle é o passa a ser a própria empresa.r- Com isto transfe-
alvo que a empresa perseguirá como objetivo. Aqui tam- rem-se para a empresa não só as funções de acumula-
bém há diferenças na abordagem de Galbraith e de Ba- ção de capital, como também as de sua representação
ran & Sweezy. A nosso ver, estes últimos avançam a (com as despesas dela decorrentes, como ostentação,
compreensão do fenômeno, tanto pelo ângulo dos ob- "filantropia" etc.) Assim é a "alma" do velho capi-
jetivos em si mesmos, como pelo da relação entre estes talista que passa para a empresa, só que num contexto
e o grupo que tem poder de decisão dentro da grande de muito maior racionalidade e eficiência; nestes ter-
empresa. mos, a separação entre a propriedade e o controle pode
De fato, Baran & Sweezy, apoiados em Farley, cor- ser percebida com mais clareza como a burocratização
rigem a noção corrente de maximização de lucros, que da figura do capitalista. Mas Baran & Sweezy não levam
tem uma conotação de maximização absoluta e por is- esta idéia às últimas conseqüências, prendendo-se a ar-
to mesmo pressupõe por parte do empresário (ou dos gumentos como o que vincula os dirigentes às empre-
executivos) uma onisciência que ele não pode ter. Na sas por relações de propriedade (ações da empresa que
verdade, a maximização significa o máximo possível dirigem ou de outra, riqueza de família), que limitam
dentro das limitações de conhecimento de que dispõem muito o caráter desta separação.t- Ora, é necessário
os empresários (atuais ou passadosj.tv Neste aspecto, que o administrador seja ele próprio um capitalista pa-
temos que concordar com eles que a grande empresa ra exercer a função de capitalista?
tem, na pior das hipóteses, muito mais condições de ma-
ximizar seus lucros que sua antecessora. Mas além dis- Lúcio Magri permite avançar um pouco mais a com-
to, a maximização não deve ser tentada a ponto de com- preensão desta problemática, respondendo a esta ques-
prometer o lucro futuro (neste aspecto aproximam-se tão, através de uma explicação até curiosa. Segundo este
de Galbraith) pois a grande empresa tem um horizonte autor, há uma contradição latente no fato de a pessoa
temporal muito mais amplo que a pequena, na medida do capitalista ser proprietária das riquezas que se tor-
em que não morre (ou ao menos, não deve morrer) junto nam capital. Senão, vejamos.
com seus proprietários. Finalmente, se os objetivos de- "Ainda que não nos seja possível fazer aqui uma de-
clarados da grande empresa são taxa de crescimento, monstração completa, como o exigiria nosso propósi-
forte posição no mercado e outros no gênero, apenas to, parece-nos razoável afirmar que entre o conceito de
a alta lucratividade pode financiá-los. Neste sentido, o capital, tal como Marx o analisou e definiu, e a forma
que ocorreu na passagem da pequena para a grande em- de propriedade burguesa, individual e absoluta, extraída
presa não foi o abandono da maximização do lucro, mas do Direito Romano e representada pelo empreende-
sim a racionalização de sua busca, se não como fim úl- dor-proprietário do capitalismo concorrencial, existe
timo, como meio para realizar os outros fins a que a uma contradição latente, porém grave. Um tipo de pro-
grande empresa se propõe. priedade que sanciona um direito do homem sobre a coi-
sa, sem levar em conta as formas de seu emprego, limi-
A racionalização da busca do lucro por sua vez não ta objetivamente a autonomia e o dinamismo do "ca-
deriva simplesmente de motivações objetivas dos diri- pital" (que é uma forma precisa e definida de utiliza-
gentes. Ainda que eles próprios sejam em sua maioria ção da riqueza acumulada) e tende, assim, a subtrair
capitalistas (no sentido de proprietários) e por isto re- uma parte importante dessa riqueza ao processo de pro-
presentem o interesse do conjunto da classe, Baran & duçãodemais-valia. Assim, a identificação, no burguês,
Sweezy comparam o dirigir uma empresa com o parti- da personagem do empresário com a do proprietário re-

12 Revilta de AdminiltrapIo de Emprellll


presenta, por numerosas razões, um obstáculo à lógica Ainda que se discuta a importância da contradição la-
do desenvolvimento do capital, a essa redução do capi- a
tente, que segundo Magri se resolve com separação en-
talista ao papel de 'funcionário do capital' a que Marx tre a propriedade e o controle realmente, esta contra-
se refere com tanta freqüência. "76 dição pode ser apontada como latente, mas apenas en-
Em outras palavras, a fusão do capitalista e do pro- quanto tal; se ela se tivesse tornado efetiva, o processo
prietário em uma mesma pessoa pode prejudicar a acu- de acumulação, no limite, teria sido comprometido e,
mulação de capital, na medida em que o proprietário neste caso, o capitalismo não se teria desenvolvido -
do valor e mais-valia, que obteve enquanto capitalista, o que parece relevante é que, através de seu raciocínio,
pode dispor deles como bem entenda. Para reforçar esta fica demonstrado que não há necessidade alguma de que
idéia, continua Magri: "Não há nada de casual em que haja algum tipo de vínculo pessoal de propriedade en-
a época do capitalismo concorrencial seja igualmente tre o administrador e a empresa (ou entre ele e outras
a época em que se formam e desenvolvem mais facilmen- empresas), para que ele cumpra a função capitalista. Ba-
te vários tipos de renda pré-capitalista e em que o bur- ran & Sweezy, como mostramos, insistem muito nesta
guês tende, irresistivelmente, no seu comportamento so- vinculação, dando a impressão de que os administrado-
cial e cultural, e a se assemelhar ao antigo senhor. "77 res representam o capital, porque no fundo são eles pró-
prios capitalistas. A separação que eles admitem é ape-
Naturalmente, esta afirmação tem de ser incorporada nas no sentido de que não basta ser capitalista (leia-se
com o devido cuidado, uma vez que o consumo do ca- acionista) para poder exercer o controle sobre a empre-
pitalista é necessário ao sistema na medida em que rea- sa. Mas o administrador é visto como um proprietário
liza o valor e a mais-valia produzidos por outras empre- ou um elemento da classe dos proprietários. Por isto não
sas (o que seria o DIII, sem o capitalista e sua entoura- desenvolvem, até o fim, a idéia da institucionalização
ge?) e pode-se também incluir parte destes gastos nesta da função capitalista. Magri, embora por outro cami-
etapa concorrencial, como despesas de representação nho, leva esta idéia mais adiante ao mostrar que a se-
do capital. Mas isto não invalida a possibilidade de exis- paração entre a propriedade e o controle não impede o
tência da contradição a que alude Magri. Uma parte do exercício da função capitalista e, ao contrário, torna-a
valor e da mais-valia tem de retornar à produção para mais eficaz. Com isto, também ficam dados os limites
se reconverter em capital. Pode-se argumentar também do poder de atuação e controle da administração pro-
que, desde a manufatura, a magnitude desta parte se tor- fissional, e, mais ainda, os da tecno-estrutura. Os ge-
nou algo puramente' 'técnico" , em função da propor- rentes podem fazer tudo o que quiserem com o "capi-
cionalidade necessária dos' 'reinvestimentos" em cada tal", desde que se mantenham fiéis à lógica deste.
empresa.78 Mas, ainda assim, não se destrói a hipótese
de Magri. A contradição permanece latente. Não é por outro motivo que a tecno-estrutura de Gal-
braith tem que garantir "um mínimo de lucros" para
A tutela que o sistema financeiro exerceu sobre as em- poder "manter sua autonomia" , em face dos acionis-
presas nos inícios do capitalismo monopolista, segun- tas e/ ou banqueiros. Esta é a condição (se bem que não
do Magri, resolveu apenas parcialmente a contradição necessariamente a única) de seu poder. Baran & Sweezy,
apontada. Isto porque as possibilidades de especulação eles próprios, também percebem isto, com mais clare-
recolocavam o problema através de outras mãos.r? za que Galbraith, ao mostrarem o quanto a carreira do
Desta forma, apenas com a separação entre a proprie- administrador depende desta obtenção de lucros.
dade e o controle dentro das empresas gigantes a con- O fato de Baran & Sweezy se apegarem à proprieda-
tradição se resolve. de pessoal dos gerentes para fundar a relação entre o
"A nova separação entre a empresa e a proprieda- "capital em geral" e a "propriedade em geral" bem co-
de, realizada no moderno holding auto financiado e na mo o fato de Galbraith atribuir à tecno-estrutura o po-
empresa pública através da distinção cada vez mais ní- der estão ligados à forma pouco visível assumida pelo
tida entre propriedade e poder de controle, fez recuar domínio do capital sobre a administração (ou tecno-es-
os limites do funcionamento do sistema. A proprieda- trutura). Individualmente, é cada vez mais raro o caso
de se encontra atualmente reduzida às formas e ao pa- de um acionista ter poder sobre a administração, numa
pel necessários 'para que o capital, enquanto tal, possa grande empresa, Isto se dá em função da própria socia-
agir sem obstáculos.",8o . lização do capital nos limites da produção capitalista,
que leva ao surgimento das sociedades anônimas. À me-
Em outras palavras, com esta separação, quem cui- dida que o modo de produção se desenvolve, o capital
da da empresa são administradores assalariados, que só vai-se concentrando, se centralizando e adquirindo es-
têm poder sobre o "capital" , enquanto capital, ou se- cala social. Este processo é mostrado por Marx na aná-
ja, não podem dispor dele, a não ser como capital. A lise que fez do desenvolvimento do capitalismo, desde
separação entre a propriedade e o controle nada mais a cooperação simples (a qual, em parte, retomamos no
é, portanto, do que a emergência empírica do funcio- início deste trabalho). Ao adquirir escala social, o ca-
nário do capital. Neste sentido, ela nada tem de revolu- pital passa a prescindir de qualquer suporte individua-
cionáría ou subversiva em relação ao modo de produ- lizado que o personifique. Neste processo, a função do
ção capitalista através de sua burocratização, a qual, por capitalista é codificada e seu exercício se burocratiza ao
sua vez, racionaliza do ângulo da empresa o processo ser confiado a um grupo de trabalhadores assalariados,
de acumulação, ao introduzir um elemento de controle especialmente treinados para isto. Este grupo pode até
sobre o uso do "capital". ter ilusões de onipotência (compartilhadas por alguns
Este é o ponto a que leva a idéia de Baran & Sweezy de seus estudiosos), mas na verdade seu poder existe en-
a respeito da institucionalização da função capitalista. quanto funcionários do capital e apenas nesta medida.

Trabalho indUltrlill 13
Assim, concordamos com Baran & Sweezy quando à socialização do capital e "de outro lado" às alterações
afirmam que a "administração em geral não está divor- no domínio do capital sobre o produtor direto.
ciada da propriedade em geral", mas a base desta con- Ora é preciso integrar estas duas dimensões que es-
cordância é outra; o não-divórcio existe não em função tão apenas justapostas na formulação de Lima & Bel-
dos vínculos pessoais ou familiares de propriedade dos luzzo. E o trabalho de Braverman dá boas pistas para
administradores e, sim, em função do grau de objeti- isto.
vação das relações de produção atingido no capitalis-
mo monopolista. E este não se dá apenas em função de A transformação de figura do capital tem muito a ver
escala social atingida pelo capital, como veremos. com as formas pelas quais se desenvolveu o controle do
capital sobre o trabalho no processo de trabalho.
Belluzzo & Lima chamam a atenção para isto ao dis-
cutirem uma das teorias sobre a superação do capita- O volume de informações necessárias para "tomar
lismo por um suposto modo de produção tecno-buro- as decisões" aumentou muito, não só porque as empre-
crático. Baseando-se em Marx, tanto o de O capital co- sas cresceram. Aumentou também porque, à medida
mo o do Capítulo Inédito, criticam a referida teoria, que elas cresceram, o processo de trabalho se bifurcou
afirmando que nela a "supressão do capitalista indivi- no fluxo das coisas e no fluxo dos papéis. O crescimen-
dual é percebida quase como o resultado de uma cons- to do fluxo de papéis não foi, portanto, meramente "ve-
piração pelos burocratas para desapropriarem os capi- getativo" .84 E isto ocorreu não em função de um pro-
talistas, e na qual a organização aparece como o instru- cesso genérico de sofisticação tecnológica (como pode-
mento quelhes permite realizar seu intento" .81 Cabe ríamos ser levados a concluir com base em Galbraith),
notar que esta percepção aparece em graus diversos não mas sim em função do processo de desenvolvimento da
só em Bresser Pereira, cujo trabalho, no casá, é o obje- dominação do capital sobre o trabalho, que se foi em-
to de exame de Lima & Belluzzo, como também nas for- butindo no desenvolvimento de uma tecnologia deter-
mulações de Burnham, e Galbraith, e orienta a "rea- minada e de uma racionalização determinada do pro-
ção" de Baran & Sweezy. cesso de trabalho.
Segundo Lima & Belluzzo, "o elo que se perdeu em Esta bifurcação do processo de trabalho, enquanto
tal raciocínio (... ) é a percepção de que o processo de forma e resultante da dominação real do capital sobre
constituição das relações especificamente capitalistas de o trabalho no processo de trabalho, fez com que a fun-
produção se traduz simultaneamente por uma crescen- ção do capitalista não só se ampliasse, como também
te objetivação dessas relações (... ) Isto se dá do ponto passasse a ser desempenhada gradativamente por um
de vista do processo de trabalho, como já considerado, trabalhador coletivo. Em outras palavras, a institucio-
mediante uma transferência das potencialidades do tra- nalização da função capitalista e a institucionalização
balhador individual para o trabalhador coletivo e des- do controle sobre o trabalho são o verso e o reverso da
te para o sistema de máquinas, do qual o trabalhador mesma medalha, são partes de um mesmo processo, que
coletivo é mero apêndice. Do ponto de vista do capital, só pode ser compreendido se ligado ao estudo do pro-
mediante a elevação da escala mínima de produção e do cesso de trabalho e à percepção da dominação que ele
valor mínimo do capital necessário, que obrigam o ca- envolve, até pelo seu lado técnico.
pitalista a renunciar a sua propriedade individual, pa-
ra participar coletivamente, através de uma quota-par- Afinal, o que é a técno-estrutura de Galbraith senão
te abstrata, dos resultados da produção capitalista. "82 o trabalhador coletivo? O problema é que, nesta trans-
formação, o trabalhador coletivo da gerência passa a
E concluem estes autores: "Neste sentido, a organi- desempenhar dois tipos de funções, as quais apenas ana-
zação burocrática aparece como expressão fenomêni- liticamente podem ser separadas: de um lado, as fun-
ca da forma de dominação que esta propriedade abstra- ções de gerência propriamente ditas (provisão, contro-
ta exerce sobre o trabalho coletivo. Mais concretamen- le, enfim o antigo papel do antigo capitalista); de ou-
te, aparece como uma atividade de coordenação e su- tro, dada a forma assumida pelo processo de trabalho
pervisão de um processo de trabalho cada vezmais com- (em função do tipo de controle que lhe é inerente), a ge-
plexo e de gestão de um valor-capital de magnitude cres- rência assume também para si a parte intelectual do pro-
cente, o que impõe a diferenciação das funções anterior- cesso de produção material, ou seja (sem querer entrar
mente concentradas no capitalista individual. "83 numa outra discussão até agora também sem fim) as-
A objetivação das relações capitalistas pode ser me- sume uma parte (a intelectual) do trabalho produtivo
lhor compreendida, quando se leva em conta o estudo da empresa industrial.
de Braverman.
No plano empírico, estas duas funções estão acopla-
De fato, todos os autores mencionados tratam da se- das e não se pode discernir com clareza se há um grupo
paração entre propriedade e controle (aceitando-a ou de trabalhadores distinto para a execução de cada uma
não) a partir da escala da empresa e ou do capital; Gal- delas. Daí Galbraith falar em tecno-estrutura, pois den-
braith é o único que vai um pouco mais além ao se con- tro dela se desempenham estas duas funções. Daí tam-
centrar no problema do volume das informações; mas bém ele pensar no poder atribuído a ela como um todo
atribui este volume, no fundo, à escala das empresas e e afirmar que os oficialmente no topo da empresa rati-
ao seu nível de sofisticação tecnológica e não consegue ficam decisões muito mais que decidem e que, assim, o
destrinchar a natureza desta relação. poder passa para toda a tecno-estrutura. Mas através
Belluzzo & Lima, por sua vez, indicam que a objeti- do estudo do processo de trabalho que Braverman faz
vação das relações capitalistas está ligada" de um lado" percebe-se melhor algo que Galbraith apenas vislum-

14 Revista de Administrrlçíio de Empresas


brou: a divisão do trabalho intelectual. Galbraith reco- estudo de Braverman e levando-se em conta as obser-
nhece esta divisão como típica da empresa moderna e vações de Lúcio Magri, já expostas, o que setem são dois
como base para a existência da tecno-estrutura. Mas não grupos de assalariados (embora nada impeça, reafirma-
percebe o caráter de dominação implícito nesta divisão. mos, que no grupo superior estejam presentes também
.Braverman o percebe ao mostrar que ela não é apenas alguns ou até muitos capitalistas). Neste sentido, a do-
uma divisão de especialidades (mais próxima neste ca- minação do capital sobre o trabalho se torna algo ex-
so de uma divisão social do trabalho), mas é uma divi- tremamente mediatizado, a figura deste diluída através
são dentro das especialidades também, a qual implica de assalariados que desempenham sua função misturada
uma degradação do trabalho intelectual de tipo seme- com a função de produzir propriamente dita. Seu do-
lhante à que ocorreu com o trabalho artesanal. Claro, mínio se torna realmente institucionalizado e o capital
ela é apenas uma tendência esboçada. Mas a ser ela ver- não assume na rotina qualquer figura visível. Daí Gal-
dadeira, indica a direção da dominação do capital no braith sentir o peso deste domínio mas não conseguir
presente e no futuro próximo. O capital tem seu papel identificá-lo, confundindo-o com a sua expressão tópi-
desempenhado por um trabalhador coletivo, sujeito ele ca: a tecno-estrutura. Daí também Galbraith não per-
próprio à mesma divisão que promove no trabalho do ceber o fundamento real deste domínio e atribuí-lo àqui-
produtor imediato (o operário propriamente dito). Is- lo que é seu instrumento: a técnica, o saber técnico.s?
to torna cada vez mais absoluto e impessoal o domínio Assim mesmo avança mais do que Baran & Sweezy, por
do capital, ao mesmo tempo que coloca, ou melhor, re- perceber, através da tecno-estrutura, um bloco mais am-
coloca as questões relativas à estrutura de classes no ca- plo que a administração formal e por identificar seus
pitalismo monopolista, as quais da perspectiva marxista membros como assalariados. De fato, Braverman mos-
ficam mais complicadas do que já estavam. Não é por tra que a gerência é muito mais a tecno-estrutura que a
acaso que a separação imediata entre capital e controle administração no sentido estrito. Mas a linha que separa
tenha sido ignorada ou minimizada por tanto tempo. o poder do não-poder em Galbraith passa abaixo da de
Mesmo Baran & Sweezy resistem à idéia de uma sepa- Braverman. Galbraith distingue os burocratas que ape-
ração completa. (É claro que esta separação não impe- nas realizam as rotinas administrativas como elemen-
de que capitalistas estejam entre a administração, mas tos externos à tecno-estrutura e, portanto, ao poder.
o importante é que sua presença não é fundamental.) Braverman mostra que a linha passa dentro da gerên-
Na medida em que não reconhecem claramente a sepa- cia (tecno-estrutura) através da degradação do proces-
ração, a tradicional divisão em classe capitalista e pro- so de trabalho intelectual. Mas Braverman tampouco
letária pode-se manter. Mas se reconhecermos esta se- assume isto até as últimas conseqüências. Prende-se à
paração, o problema se coloca: a que classe "referir" concepção de Baran & Sweezy, quando considera espe-
os administradores? São assalariados que desempe- cificamente as relações entre propriedade e controle.
nham a função do capital. A nível de entender o fun- Perde, assim, uma potencialidade esboçada em outros
cionamento do sistema é tudo simples, pois a burgue- capítulos.
sia não precisa estar' 'em pessoa" nos cargos através dos
quais exerce a dominação. Mas em termos de classe, a Em suma, o que temos é que, através do desenvolvi-
coisa é mais complicada: a tendência é referir este con- mento da produção capitalista, se desenvolve o modo
tingente aos famigerados estratos médios ou classes mé- de produção especificamente capitalista. O controle do
dias, com ou sem aspas. O problema é que ainda aqui capital sobre o trabalho se faz inicialmente de modo ape-
se cruzam empiricamente categorias referentes a duas nas formal, através da reunião de um grupo de traba-
classes: no interior da gerência, "alguns são mais lhadores, sob o comando de um mesmo capital (coope-
iguais" que outros. Alguns são simples trabalhadores ração simples). Com a manufatura, estrutura-se o tra-
produtivos intelectuais, outros representam propria- balho pareelado e o trabalhador coletivo, com o que o
mente o capital, mas são dois círculos secantes e o seg- trabalhador individual (que já perdera os meios de pro-
mento secante leva todos ao ponto de partida, inclusi- dução e, com isto, a possibilidade de acesso ao produ-
ve Braverman. Critica Mills e sua teoria do white col- to de seu trabalho) perde o controle sobre o conjunto
lar, com razão. Mas não consegue resolver o problema. do processo de trabalho. Com a maquinaria, a virtua-
Não temos a sua solução no bolso do colete, mas é pre- lidade do trabalhador individual, que já fora transferi-
ciso apontá-lo ao menos e é isto que estamos fazendo da para o trabalhador coletivo, é transferida para a má-
aqui. quina, a qual o trabalhador passa apenas a servir. Com
o taylorismo e seus seguidores, o trabalhador perde o
O importante é que, com o trabalho de Braverman, controle sobre sua tarefa. À medida que isto ocorre, au-
fica claro que não se podem reduzir os gerentes, e me- menta a escala do capital. O processo de trabalho se bi-
nos ainda a tecno-estrutura, enquanto categoria a uma furca em sua parte mental e de execução, cabendo a pri-
determinada classe (seja ela qual for). No interior da ge- meira à gerência; esta, em função disto, se desenvolve
rência passa uma linha (num ponto que ao menos atual- e passa a caber também a assalariados. Com o início des-
mente é impossível detectar empiricamente com clare- te mesmo processo de divisão do trabalho, dentro de
za) acima da qual se exerce a função do antigo capita- seus quadros esta se torna um trabalhador coletivo que
lista, de modo burocratizado, e abaixo da qual possi- representa o capital (em fase do produto imediato e da
velmente existem apenas trabalhadores intelectuais de sociedade como um todo) e, ao mesmo tempo, está a ser-
produção. Mills de certa forma já desenvolvera esta viço dele e sob seu domínio. Esta talvez seja a "forma
idéia.85 Mas o grupo que estaria acima desta linha re- adequada" que adquirem as relações capitalistas de pro-
ferida há pouco seria composto pelos próprios capita- dução, quando a subordinação do trabalho ao capital
listas (ou pelos muito ricos).86A partir do que sugere o se torna real, a que se refere Marx.

Trabalho industritll IS
I Adorno, T.W. Prismas. Barcelona, Ariel, 1962. 24 Id. ibid. p. 438.

2 COHN, O. Sociologia da comunicação. São Paulo, Pioneira, 25 Id. ibid. p. 516-7. Convém lembrar: este limite no capitalismo mo-
1973. nopolista se torna de importância cada vez maior. Aparece (diferen-
temente) tanto em Marx como na formulação keynesiana da tendên-
3 Braverman, H. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro, cia à produção de um excesso de poupança; não vamos analisá-lo aqui.
Zahar, 1980.
26 Id. ibid. p. 516-7.
4 Esta questão é analisada com maior detalhe um meu artigo: A in-
dústria cultural revisitada. Revista de Cultura e Política, São Paulo, 27 Id. ibid. p. 484. Completa-se segundo Marx. Ele não viu Taylor
Cedec/Cortez, c. 7,1982. nem a Oilbreth!

5 Marx, K. O capital. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968-70 28 Id. ibid. p. 439.
livro I. p. 202. É uma passagem famosa: "Mas o que distingue o pior
arquiteto da melhor das abelhas ( ... )." 29 Id. ibid. p. 494.

6 Braverman, H. op. cito p. 54. 30 Braverman, H. op. cit. Ver, por exemplo, capo 7, p. 137, entre ou-
tras.
7 Id. ibid. 50 e 52.

8 Id. ibid. capo I. 31 Na verdade, estamos pensando não só no taylorismo enquanto for-
mulação, como também em sua utilização generalizada, que, como
9 Id. ibid. capo 11\ mostra Braverman, coincide com a revolução tecno-científica,

10 Para sermos mais precisos: Marx trata desta problemática no pla- 32 Braverman, H. op. cit. capo 4 e 8. Esta idéia da emergência empí-
no lógico (opondo a subordinação real à formal) no Capítulo Inédi- rica do trabalho humano abstrato no capitalismo monopolista é pa-
to, e em O capital trata dela em processo, cf. bem observaram Lima, ra nós um dos insights mais bonitos de Braverman.
L.A.O. & Belluzzo, L.O.M. o capitalismo e os limites da burocracia
In: Temas de ciências humanas. São Paulo, Ciências Humanas, 1978.
33 Braverman assinala uma descontinuidade entre a revolução indus-
11Marx, K. O capital. São Paulo, Ciências Humanas, 1978. Capítu- trial e a revolução tecno-científica, Mas ela diz respeito aos vínculos
lo VI (Inédito). p. 66. Em suas próprias palavras: "Na subsunção real entre ciência e indústria capitalista, bem como ao caráter intencional
do trabalho ao capital ( ... ) fazem sua aparição no processo de traba- da segunda (cf. Braverman, H. op, cit. capo 7).
lho todas as modificações que analisamos anteriormente. Desenvol-
vem-se as forças produtivas sociais de trabalho, e, por força do tra- 34 Id. ibid. capo 9. p. 169.
balho em grande escala, chega-se à aplicação da ciência e da maqui-
naria à produção imediata. Por um lado, o modo capitalista de pro- 35 Id. ibid. capo 9. p. 169 e 183.
dução, que agora se estrutura como um modo de produção sui gene-
ris, dá origem a uma figura modificada da produção material; por ou- 36 Id. ibid. capo 9.
tro lado, essa modificação da figura material constitui a base para o
desenvolvimento da relação capitalista, cuja figura adequada corres- 37 Id. ibid. capo i, p. 175. O autor refere-se aí ao desmembramento
ponde, em conseqüência, a determinado grau de desenvolvimento das do ofício de mecânico.
forças produtivas do trabalho."
38 Ver, por exemplo, Braverman, H. op, cito p. 168, 197 e 239.
12 Marx, K. O capital, livro I. vI. I. capo XI. p. 384.
39 E o próprio Braverman reconhece esta relação entre desenvolvi-
13 Id. ibid. p. 413. mento da maquinaria e capitalismo, ao mostrar que, de muitas pos-
sibilidades, apenas algumas são aproveitadas pelo capital e Braver-
14 Id. ibid. p. 417. man, H .., op. cit. p. 198.)

15 Marx distingue-entre manufatura heterogênea e orgânica, mos- 40 Bright, J.R. Apud Braverman, H. op. cit. capo 9, especialmente
trando esta última como a base para o desenvolvimento ulterior do p. 185 e segs.
modo de produção capitalista (Marx, K. O capital.cit. p. 392 e segs.),
41 Braverman mostra que este fato dá lugar a uma inversão na repre-
sentação que dele se faz a ideologia burguesa, tomando a aparência
16 Apenas a partir de determinada escala de produção justifica-se- a de ser a conseqüência de uma prévia escassez de mão-de-obra quali-
análise e/ou o parcelamento do processo de trabalho. Isto significa ficada (cf, Braverman, H. op. cit. p. 79).
que a manufatura pressupõe já uma determinada escala mínima de
produção para ser viável.
42 O processo de distribuição dá lugar, em muitos casos, a novos pro-
17 Braverman retoma de modo mais sistemático este princípio, mas cessos de trabalho através da separação dos departamentos de pro-
ele já está esboçado em Marx, que aliás cita Babbage, na p. 400 de dução e vendas em empresas distintas. Ver, por exemplo: Braverman,
O capital (nota 48 - ver Marx, K. O capital. cit. p. 400 e segs.)Di- H. op. cit. p. 256.
ga-se de passagem, em Braverman, ao menos na tradução da Zahar,
o princípio de Babbage aparece explicando de modo diferente do que 43 Braverman, H. op. cito p. 113.
consta no livro do próprio Babbage.
44 Id. ibid. p. 113-4.
18 Marx, K. O capital. cit.livro I p. 417.
45 Em um estudo recente, M.L.M. Covre mostra como esta idéia, li-
19 Id. ibid. p. 413. gada à de um Estado intervencionista que promove a "justiça social",
à do abandono da busca do lucro como ethos do sistema, à do poder
20 Id. ibid. p. 413. dos gerentes e burocratas, adquirido com base no monopólio do sa-
ber técnico, faz parte da ideologia neocapitalista pós-liberal. Cf. Co-
21 Id. ibid. p. 421. vre, M.L.M. Aformação e a ideologia do administrador de empre-
sa. Petrópolis, Vozes, 1981.
22 Id. ibid. p. 447.
46 Burnham, J. The managerial revolution, what is happening in lhe
23 Id. ibid. p. 435. world. New York, 1941.

16 Rnilta de Adminl8trtlç6o de Errrpreltls


47 The modemcorporation and private property, New York, 1932. 72 Id. ibid. p. 46. Na verdade, Baran & Sweezy estão criticando me-
p. 356. Apud Baran, P. & SweezyP. Capitalismo monopolista. 2. ed. nos Galbraith do que autores que se prendem realmente a motivações
Rio de Janeiro, Zahar, 1974. p. 31. subjetivas dos gerentes, os quais sio vistos como uma nova classe (com
ou sem aspas). Mas a crítica vale para Galbraith, apesar de ele mos-
48 Veblen, T. The engineers and the price system. Apud Bottomo- trar necessidades objetivas da tecno-estrutura, também, como deter-
re, T.B. As elites e a sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1974 minantes de suas metas para a empresa. O problema é que Galbraith
p.71-72. deduz o conjunto a partir do pequeno grupo.

49 Deve-se levar em conta o caráter restrito desta dispersão. Na ver- 73 Id. ibid. p. 52.
dade, a dispersão da propriedade de uma mesma empresa porínúmeros
acionistas corre paralela com a concentração e centralização do ca- 74 Id. ibid. p. 52.
pital. Trata-se do que Marx chama de "abolição do capital como pro-
priedade particular dentro dos quadros da produção capitalista" 75 O reconhecimento ou não da separação entre propriedade e con-
(Marx, K. O capital, Apud Lima, L.A.O. & Belluzzo, L.G.M. op. trole, em função da constatação d8 presença ou ausência de vínculos
cit. p. 107), da qual fala em diversos momentos em O capital e tam- pessoais (ou familiares, ou de origem de classe) de propriedade entre
bém no Capítulo Inédito. Ver, por exemplo: Marx, K. Capitulo Iné- os administradores e as empresas, é, a nosso ver, o calcanhar de Aquiles
dito. cit. p. 67. da argumentação de quase toda a literatura marxista e não-marxista
sobre o assunto.
50 Bottomore, T.B. op. cit. p. 72.
76 Magri, Lúcio. O modelo de desenvolvimento capitalista e o pro-
51 Ver, por exemplo, os trabalhos de L.C. Bresser Pereira sobre o mo- blema da alternativa proletária. In: Martins Rodrigues, L., org. Sin-
do de produção tecno-burocrático. Ver também sua crítica no artigo dicalismo e sociedade. São Paulo, Difel, 1968. p. 221.
já citado de Lima & Belluzzo.
77 ido ibid.
51 Galbraith, J .K. O novo Estado industrial. 2. ed. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, capo VI, especialmente p. 79 e 81. 78 Na verdade, esta proporcionalidade diz respeito à distribuição do
investimento pelos elementos necessários à produção. Mas nada diz
53 Id. ibid. capo V. quanto ao seu montante, Isto envolve problemas ligados à reprodu-
ção ampliada do capital que escapam ao escopo deste estudo.
54 Id. ibid. capo IX e capo m, principalmente p. 41.
79 Magri, L. op. cit. p. 221-2.
55 Id. ibid. capo l.
80 Id. ibid. p. 222.
56 Id. ibid. capo I, m e XX
81 Lima, L.A.O. & Belluzzo, L.G. de M. op. cit. p. 108.
57 Id. ibid. capo X.
82 Id. ibid.
58 Id. ibid. capo X a XV.
83 Id. ibid.
59 Segundo Galbraith, trata-se da coerência entre os vínculos que
unem as empresas à sociedade e os indivíduos às empresas (ver Gal- 84 O crescimento do fluxo de papéis é tão grande que sem ele dificil-
braith J.K. op. cit. capo XIV), mente se compreenderia o desenvolvimento assombroso de duas in-
dústrias-chave do século XX: a Xerox (e congêneres), que começou
60 Cabe mencionar que a associação de tecno-estrutura empresarial como pequena empresa e logo se tornou uma multinacional, e a in-
com o Estado é também vista como fruto da tecnologia avançada e dústria de computação que, segundo se sabe, envolveu inicialmente
não da.ideologia. Esta idéia está presente em todo o livro, embora o peças de altíssimo custo e, assim mesmo, contou com amplo apoio
autor dedique dois capítulos especialmente às relações entre Estado empresarial.
e grandes empresas. Não vamos tratar desta relação neste ensaio, ape-
sar de reconhecermos que é fundamental levar em conta o papel do
Estado para analisar o capitalismo monopolista como um todo. 85 C. W. Mill$,em A nova classe média (Rio de Janeiro, Zahar, 1969.
capoo demiurgo administrativo), mostra a burocratização da função
61 Galbraith, J.K. 'op. cit. p. 14. gerencial, bem como o caráter duplo da gerência. No topo, os altos
executivos, que são também proprietários. Nos quadros médios, os
62 Id. ibid. p. 429. gerentes comerciais e os de produção: .ambos executam tarefas pre-
determinadas e devem preencher requisitos fixos; seu trabalho é ra-
63 Braverman, H. op. cit. p. 197-8. Braverman tampouco se liberta cionalizado (p. 101); e mais adiante diz, referindo-se a estes quadros
totalmente deste fetichismo, como já mostramos. médios, que eles representam um maior distanciamento entre o K e
o T. Mas ao mesmo tempo em que eram criadas suas funções, a auto-
64 Baran, P. & Sweezy, P. op. cit. ridade era-lhes retirada; de um lado (... ) com a própria racionaliza-
ção, de outro, à medida que os quadros inferiores, como os contra-
65 Esta idéía aparece em uma gama de formulações que vão desde a mestres, assumem funções mais especializadas" (p. 106).
de Galbraith até a da "empresa dotada de alma" , de Carl Kaysen (apud
Baran, P. & Sweezy, P. op, cit. capo 2). Mas o que mudou, segundo
Baran & Sweezy, foi apenas o modus operandi da empresa (cf. Ba- 86 C.W. Mills, em A elite do poder (cit.), fala, referindo-se aos ge-
ran, P. & Sweezy, P. op. cito p. 30). rentes.na camada n? l,da qual fazem parte os muito ricos e os princi-
pais executivos e, na camada n? 2, marcada pelos' 'tipos burocráti-
66 Baran, P. & Sweezy, P. op. cit. p. 25-8. cos" de executivos, onde a especialização é componente fundamen-
tai, e que presta contas ao pessoal da camada n? 1. É entre estas duas
67 Id. ibid. p. 44. camadas que passa a linha entre o poder e o não-poder; é uma linha
substancialmente marcada pela propriedade pessoal ou familiar (ver
68 Mills, C. Wright. A elite do poder. 2 ed. Rio de Janeiro, Zahar, Mills, C.W. A elite do poder. cit. p. 145-76).
1968. capo VI, VII e VIII.
87 Sob este aspecto, faz sentido a crítica de A. Giddens (A estrutura
69 Baran, P. & Sweezy, P. op. cito p. 43-4. de classes das sociedades avançadas. Rio de Janeiro, Zahar, 1975.
p. 322-3)a Galbraith, quando, fazendo suas as palavras de G. Sarto-
70 Id. ibid. p. 48-51. ri (Technological Forcasting and politics. Survey, 16:41 e 66, 1971),
afirma que Oalbraith confunde uma situação em que "os poderosos
71 Id. ibid. p. 46-51. têm conhecimento" com aquela em que "os instruídos têm poder".

Trabalho induBtrlIlI 17

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