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Durante o período patriarcal, os hebreus não tinham clero oficial. Os Patriarcas, chefes
de família, ofereciam sacrifícios nos santuários dedicados ao culto do único e verdadeiro
Deus. Somente depois que Israel se tornou nação, surgiu uma classe particular com a
finalidade de cuidar dos santuários e exercer atos litúrgicos. O sacerdócio não floresceu
todo de supetão, mas se desenvolveu gradativamente, numa caminhada que não é fácil
detectar, também porque a Bíblia, não raras vezes, coloca em tempos anteriores situações
acontecidas muito mais tarde.

Não é claro o significado etimológico da palavra “kohen”, traduzida por “sacerdote”.


Há quem afirma que significa “dobrar-se, homenagear”; outros dizem que o sentido é
“permanecer erguido, erecto”, isto é, alguém que está diante de Deus para executar suas
ordens.

3. .

• !"

As funções do sacerdote aparecem de maneira clara na Bíblia. Ele era uma


pessoa oficialmente dedicada a um santuário, responsável pelo cuidado e pelo
desenvolvimento das atividades que aconteciam no lugar sagrado. Durante a
peregrinação de Israel no deserto os levitas (a classe sacerdotal) viviam em
função das “tendas”, quer quando acampavam, quer durante a caminhada (Num.
1,53; 3,23.29.35; 4,5ss; Dt. 10,8).
Depois do ingresso na Terra Prometida os membros da classe sacerdotal
assumiram a missão de cuidar da Arca. Quando a Arca encontrou morada fixa e
permanente no Templo, a Arca deu ao templo e ao sacerdócio um prestígio
invejável. Porém, até à centralização do culto em Jerusalém, os sacerdotes
continuaram com seus serviços nos diversos santuários espalhados pela
Palestina.

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Nós costumamos associar sacerdócio com sacrifício. É interessante notar que


esta associação, em Israel, só aconteceu depois de um longo processo. No
primeiro período o sacerdote era, antes de tudo, alguém que dava oráculos. A
gente ia a ele principalmente para “consultar a Deus” (Dt. 33,8-10). Não
sabemos como o sacerdote interpretava a vontade divina. Sabemos, porém, que
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usavam para isto o Efod, os Urim e os Tumim. Os textos não dão muitas
informações a respeito do funcionamento destes instrumentos.

+ O Efod era uma peça das alfaias do sacerdote, talvez a mais característica. A
mãe de Samuel teceu um Efod para o menino quando ele entrou no serviço do
santuário de Silo (1Sam. 2,18); O sacerdote Nob (1Sam. 22,18) e David, quando
acompanhou a Arca para Jerusalém (2Sam. 6,14), vestiam um Efod. Talvez
fosse um avental ou uma tanga (1Sam 2,18; 2Sam 6,14). Quando o sacerdócio
teve uma organização mais apurada, os vestidos sacerdotais se tornaram mais
requintados e o Efod assumiu um papel simbólico e não mais funcional. Ex. 29,5
e Lv 8,7 falam de uma peça de linho colocada sobre a túnica e o manto.
O Efod era um tecido de linho, com filamentos de ouro, misturada com lã de
várias cores. Era, nos tempos do apogeu sacerdotal, uma espécie de faixa, como
aquela que hoje usam Bispos e Arcebispos: peça de pano mais simbólica do que
funcional.
Há trechos na Bíblia que falam do Efod como objeto de culto e não como peça
de vestuário. O discurso se complica. O sacerdote Nob colocou a espada de
Golias atrás de um Efod (1Sam 21,10). Faz pensar que haviam duas espécies de
Efod: uma seria peça de vestido sacerdotal e a outra objeto cultual, usado para
interpretar a vontade divina. Este último seria como que um recipiente para
conservar os objeto (Urim e Tumim) com os quais se interpretava por extração o
oráculo de Deus. Há uma ligação entre as duas espécies de Efod, pois, num
primeiro momento as pedras da sorte estavam escondidas nas dobras do Efod e
num segundo momento numa espécie de bolsa costurada no Efod. O Efod,
então, não era diretamente um instrumento para detectar a vontade divina, mas
um lugar onde estavam depositados os Urim e Tumim, os instrumentos da sorte.
+ Urim e Tumim eram objetos cuja natureza não podemos especificar. Não
sabemos se eram pedrinhas, pauzinhos ou dados. Sabemos, porém que o Tumim
tinha um significado contrário ao Urim. A vontade de Deus era determinada por
um processo de eliminação que procedia do genérico ao específico. “Se sai Urim
agirei deste modo, se for Tumim daquele outro”. Aparecendo uma ou outra das
opções, faziam-se ulteriores eliminações até obter uma expressão precisa da
vontade de Deus. Era um procedimento aparentemente supersticioso, mas que
encerrava, também, um ato de humilde confiança em Deus e nos seus
representantes.
A função oracular dos sacerdotes andou pouco a pouco decaindo até que foi
assumida unicamente pelos profetas. Os sacerdotes continuaram interpretando a
vontade de Deus, mas de modo diferente e muito mais complicado.

• %

Outra tarefa dos sacerdotes foi o ensino. Falando dos Levitas o Dt 33,10 diz:
“Eles ensinarão teus preceitos a Jacó e a lei a Israel”. A Lei, Torah, era o
campo específico da ação do sacerdote, mas seria erro restringir o significado de
Lei ao círculo jurídico. A Palavra tem um sentido bem mais amplo, de modo que
indica que os Sacerdotes instruíam, de maneira geral, sobre outros pontos
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quaisquer e não se restringia a uma simples casuística. Era um mestre de


religião, de moral, e guiava o povo em suas relações com Deus e na verdade da
revelação. Todavia também este aspecto de sacerdote-mestre mudou. Antes do
exílio (586) se fez uma distinção clara entre sacerdotes e levitas. Então a tarefa
de ensinar passou para os levitas. Mais tarde ainda, com o surgimento das
Sinagogas, apareceu outro grupo de mestres: os escribas e os doutores da Lei
(140 a C). Este grupo abrangia, sem distinções, sacerdotes, levitas e leigos e o
ensino deixou de ser algo próprio do sacerdócio.

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Se a transmissão de oráculos e a instrução perderam seu lugar proeminente nos


grupos sacerdotais, aconteceu o contrário com a oferta dos sacrifícios. Esta ação
sempre foi uma característica sacerdotal, embora não fosse exclusiva do
sacerdote em tempos mais antigos. No tempo dos Juízes ofereciam sacrifícios
também pessoas leigas (Jz 6,25-26; 1Sam 1,3.4.21; 2,9). Os Reis também
ofereciam sacrifícios, mas somente em certas ocasiões (1Sam 13,9-10; 2Sam
6,13.17-18; 1Rs 3,4.15; 8,5.62-64; 9,25; 2Rs 16,12-15). Os reis gozavam deste
privilégio por sua relação especial com Javé embora não fossem sacerdotes.
A ação característica do sacerdote em caso de sacrifício consistia em derramar o
sangue da vítima sobre o altar ou em colocar sobre o altar a carne da vítima. A
imolação ou matança era feita por outros (Ex. 24,3-8). Em geral imolava o
animal quem o oferecia (Lv 1,5; 3,2.8.13; 4,24; 29,33). Se, por motivos
particulares, estava num estado de impureza legal, o oferente era substituído por
um servente do templo. Com o passar do tempo a oferta dos sacrifícios se tornou
propriedade exclusiva e função essencial do sacerdote.

4. * .

Em Israel os sacerdotes não eram ordenados como se tivessem uma vocação divina
ou um cargo social. O sacerdócio era hereditário. Deus escolheu a tribo de Levi como
classe sacerdotal e um homem era sacerdote pelo fato de ser membro daquela tribo. Havia,
porém, uma cerimônia que marcava a tomada de posse de um sacerdote. A escritura usa a
expressão “Encher a sua mão” (Jz 17,3-12; Ex. 32,29; 1Rs13,33) para indicar o envio.Não
é claro o sentido desta fórmula. Alguns a explicam dizendo que a cerimônia consistia em
colocar partes de uma vítima a ser imolada nas mãos do sacerdote, o que seria uma quase
explicação, e para outros, a expressão indica o pagamento do salário. Se nós consideramos
que na língua acádica existe uma expressão idêntica que significa “confiar a alguém uma
missão”, e em textos de Mari tem o sentido de distribuir entre os soldados a presa de
guerra, podemos pensar que significava envio e direito de receber parte das entradas do
templo.
Em Num. 8,10 apresenta-se uma espécie de ordenação do sacerdote. Os israelitas
impõem as mãos sobre o levita. No rito característico desta cerimônia há também uma
unção, o que foi introduzido depois do exílio. A unção era normalmente uma cerimônia
para consagrar um rei e não um sacerdote. Quando o Sumo Sacerdote era ungido, o era
sobretudo por ser ele também um governador civil.
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O sacerdote, pela cerimônia de tomada de posse, se tornava um homem separado dos


outros, separado do profano para se dedicar inteiramente ao serviço do Senhor. Era uma
pessoa sagrada. No templo estava em casa, podia mexer nos vasos sagrados, alimentar-se
de iguarias oferecidas em sacrifício, fazer muitas coisas proibidas aos homens comuns sob
pena de sacrilégio. Devia, porém, ter uma pureza ritual mais rigorosa do que os outros. Não
podia participar de nenhum enterro, a não ser dos parentes muito próximos, casar-se
unicamente com uma virgem e lhe era vedado tomar qualquer bebida forte, vinho também,
antes de entrar nos recintos sagrados do templo ou dos santuários.

5. + .

Há textos que apresentam uma distinção muito acentuada entre sacerdotes e levitas e
outros em que os termos levita e sacerdote são apresentados como sinônimos. No Oriente
Médio todas as profissões eram hereditárias, e o sacerdócio não era uma exceção. Em Israel
Deus escolheu os descendentes do Patriarca Levi para que exercessem o sacerdócio. Como
conseqüência desta escolha, os levitas estavam numa situação particular. Não eram
incluídos nos recenseamentos; a eles não foi dado nenhum território na repartição da terra
prometida, mas receberam cidades para morar e as tribos eram obrigadas a cooperar com
seu sustento. Quando Aarão, descendente de Levi, teve a promessa de ele e sua família
possuírem um sacerdócio eterno, começou uma diferenciação hierárquica no seio dos
levitas. Os descendentes de Levi que não eram da família de Aarão se acharam numa
posição relativamente subordinada.
Nos tempos mais antigos havia sacerdotes que não eram da tribo de Levi. Mica era
da tribo de Efraim e constituiu seu filho sacerdote no templo por ele construído (Jz 17,5).
Samuel também era efraimita, serviu no templo, ofereceu sacrifícios, vestiu o Efod (1Sam
1,1; 2,18; 7,9; 9,13; 10,8). Eleazar, os filhos de Davi, Ira, eram todos sacerdotes, mas
nenhum deles da tribo de Levi. Foi só depois do século VIII que a tribo de Levi assumiu o
papel exclusivo no exercício do sacerdócio.
Mas, como e quando teria surgido a distinção entre sacerdotes e levitas? O
deuteronômio e outros escritos que tratam do período monárquico não fazem aceno a esta
distinção. Falam dos descendentes de Davi como “sacerdotes levitas.” Note-se: sacerdotes
levitas e não sacerdotes e levitas. Todos os membros da tribo de Levi eram sacerdotes, com
direito de exercer as funções sacerdotais. O Deuteronômio exorta todos os israelitas a serem
fiéis em sustentar os levitas que habitam em seu meio e os classifica junto aos estrangeiros,
viúvas e órfãos (Dt. 12,12.18.19; 14,27.29; 16,11-13). O motivo é claro. Com a supressão
dos santuários fora de Jerusalém e a centralização do culto no templo, no tempo de
Ezequias e Josias, a maior parte dos descendentes de Levi não podiam exercer suas
funções sacerdotais. Eram sacerdotes desempregados.
Antes mesmo de Ezequias e Josias restringirem o culto ao Templo, alguns
santuários, como Betel e Jerusalém monopolizavam os fiéis e os outros já não podiam
sustentar um número grande de sacerdotes. Havendo, depois, a interdição de todos os
santuários fora de Jerusalém, decretada por Josias (622), o problema se agravou e a
distinção entre sacerdotes e levitas consumou-se pouco a pouco, tanto que no tempo de
Ezequiel (580) já era uma realidade aceita na estrutura do clero.
O Profeta Ezequiel descreve o templo do futuro e apresenta os levitas como
substitutos dos serventes do templo (Ez 44,6-14). Fala dos levitas de maneira dura, como
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que insinuando que no passado se tinham dedicado à idolatria e, portanto, eram indignos de
exercer o sacerdócio. Por isto, insiste ele, devem operar como subordinados e servos dos
sacerdotes.
Ezequiel afirma claramente a distinção entre sacerdotes e levitas. “O quarto que olha para
o meio dia é destinado aos sacerdotes que cuidam do templo. Eles são filhos (servos) de
Sadoc e se avizinham ao senhor com seu serviço” (Ez. 40,45-46). Estes sacerdotes que
cuidam do templo são os levitas. Aqueles que cuidam do altar são os que cumprem as
funções sacerdotais.
Em Num 3,6-9, se diz que os levitas foram dados por Aarão aos sacerdotes para que
fossem seus ajudantes e que somente os aaronitas podiam exercer função sacerdotal. Estes
são os Sadoquistas de Ezequiel. No cativeiro muitos sacerdotes foram rebaixados ao cargo
de levita e tiveram muito pouco entusiasmo para voltar do cativeiro. Lemos que voltaram
4289 sacerdotes, mas só 74 levitas.
Já foi acenado que a tribo de Levi não recebeu território algum depois da conquista
de Canaã. Seus membros foram espalhados no território de outras tribos e em cidades
conhecidas como cidades levíticas. Conforme Josué 21, eram 48 as cidades, quatro no
território de cada tribo (1Cron 6,39-66; Num 35,1-8; Lv 25,33-34). Os escritos não
determinam se estas cidades eram de uso exclusivo para levitas. Muitas delas só foram
conquistadas pelos Israelitas no tempo de Davi e Salomão, o que nos faz pensar que a
entrega de cidades para levitas foi mais um ideal do que uma realidade histórica.

6. , .

Durante a monarquia havia sacerdotes espalhados em todo Israel, mas as informações


que temos se restringem quase que exclusivamente ao clero de Jerusalém. As fontes das
notícias são o Livro de Samuel e dos Reis, de procedência deuteronômica, que negavam a
legitimidade de todo centro de culto além do Templo de Jerusalém. O Templo, lembremos,
era o ponto central da vida religiosa da nação e os sacerdotes que oficiavam no templo os
únicos que participaram de modo efetivo da história relatada nestes livros.

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Do momento que é somente no tempo de Davi que Jerusalém foi conquistada aos
Jebuseus, a história do sacerdócio em Sião tem início durante aquele reinado. Antes
de conquistar a cidade, o sacerdote que acompanhava Davi era Abiatar. Conforme
1Sam 22,20-23, Abiatar tinha sido o único sacerdote que escapou ao massacre feito
por Saul em Nobé, onde morava a família de Abimelec, descendente de Eli.
Conquistada Jerusalém, apareceu outro sacerdote, Sadoc, Pelo fim do reino de
Davi, quando os filhos do grande rei brigavam para se apoderar do reino, Abiatar
apoiou Adonias e Sadoc apoiou Salomão. Salomão prevaleceu e Abiatar foi exilado
em Anatot, ficando a família de Sadoc a única que exercia o sacerdócio oficial em
Jerusalém.
Abiatar era membro da tribo de Levi enquanto não é bem clara a procedência de
Sadoc. Parece que era sacerdote na cidade de Jerusalém antes de sua conquista. Seu
nome trai sua origem jerosolimitana. No tempo de Abraão, Melquisedec era rei-
sacerdote de Jerusalém (Gen 14,8); no tempo de Josué era Adonisedek (Jos 10,1)
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quem governava a cidade... Davi teria, então, conservado o antigo santuário


jebuseu, colocando nele a Arca e confirmando o sacerdote que tinha encontrado no
lugar. Parece um pouco estranho o fato de Davi ter designado um sacerdote pagão
para a tarefa solene de cuidar da Arca, mas esta maneira de proceder era habitual
aos patriarcas, que tinham aproveitado santuários cananeus da mesma maneira.
Acrescente-se que o Deus adorado em Jerusalém era El Elyon, o Altíssimo, título
com que os Patriarcas invocavam Javé.
Esta é só uma suposição da procedência de Sadoc. Sua origem permanece
obscura e misteriosa. A história, porém, de sua descendência é bastante clara. O
casado de Sadoc se tornou a classe sacerdotal dominante até que a cidade e o
templo foram destruídos.
Conseguido o poder, o clero do templo conservou com muito ciúme o status
quo. As reformas religiosas sempre foram iniciativas de reis e não de sacerdotes.
As relações reis e sacerdotes não sempre foram fáceis, do momento que o rei
controlava firmemente o templo. O rei considerava o chefe do clero como um de
seus oficiais (1Rs 4,2), uma peça em suas mãos (1Rs 2,27.35); intervinha na
manutenção do santuário e impunha a sua autoridade muita vez com prepotência
(2Rs 12,4-16; 22,3-7). Caso típico foi quando Jojada planejou a deposição de
Atalia (2Rs 11), substituindo-a com Joás. Mais tarde Joás mandou lapidar o
sacerdote Zacarias, filho de Jojada. A classe sacerdotal se vingou assassinando o rei
(2Rs 12,21).

• "- . &' / %"!"0 .

Os sacerdotes que operavam no templo eram muitos. Tornou-se, então,


necessária uma organização hierárquica.
Não é claro que houvesse um Sumo Sacerdote no tempo da monarquia. Tem-
se acenos em 2Rs 12,11; 22,4-8 e 23,4. Todavia havia uma espécie de autoridade
geral, ou sacerdote-chefe (2Rs 25,18). Esse era o 1o Sacerdote.
Logo depois dele tinha as rédeas do poder o 2o sacerdote (2Rs. 23,4; 25,18).
Provavelmente era o chefe de polícia do templo, aquele que mantinha a ordem no
santuário (Jer. 29,24-29).
Vinham depois, em ordem hierárquica, os três guardas da entrada. O nome
parece sugerir o encargo de porteiro, mas eram algo mais importante. Pelo fato de
aparecerem na hierarquia logo depois do 1o e 2o sacerdote, podemos supor que
tinham tarefas valiosas. Em 2Rs 12,10 e 22,4 faz-se aceno à responsabilidade
deles em relação às ofertas da gente em favor do templo.
Seguiam, depois, os sacerdotes anciãos, talvez chefes de famílias
sacerdotais, que eram conselheiros da classe (2Rs 25,18).
Nas camadas mais baixas haviam 24 classes de cantores (1Cr 25), diversas
classes de porteiros (1Cr 26,1-19)... Todavia, falando-se de cantores, existiam
entre eles elementos que não eram sacerdotes. Havia também o guarda das
alfaias (2Rs 22,14), um funcionário que cuidava dos paramentos sacerdotais.
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• 1!" 1%"

O custo do templo e de seus servidores era muito grande. O Templo era um


edifício público, e por isto sujeito à responsabilidade do rei que cuidava de sua
manutenção e das atividades normais. Quem pagava o salário do clero? Os dados
que temos não satisfazem a esta pergunta.
Por princípio o sacerdote tinha o direito de viver do altar. Quando havia sacrifícios
recebia parte da vítima. Tinha direito, outrossim, de uma parte das ofertas feita ao
tesouro do templo. Certa vez o rei Joás emanou dois decretos (2Rs 12,5-17; 22,3-
7). No primeiro, outorgou aos sacerdotes o direito de todas as ofertas feitas ao
templo, mas lhes impôs o dever de restaurar e de dar manutenção ao templo. Os
sacerdotes não aceitaram porque achavam impossível, só com as ofertas dadas ao
templo, o cumprimento de tal obrigação. Então Joás emanou um segundo decreto
reduzindo os direitos dos sacerdotes.
Em Dt 18,1-5 se lê: “Os Sacerdotes levíticos e toda a tribo de Levi não
terão parte nem herança com Israel. Viverão das ofertas consumadas pelo fogo
para Senhor e de sua herança. Nada receberão dos bens de seus irmãos. O próprio
Senhor é sua herança, como ele disse.
Eis os direitos dos sacerdotes sobre o povo, sobre aquele que oferece em
sacrifício um boi ou uma ovelha: O sacrificante tem o dever aos sacerdotes o
quarto dianteiro, as mandíbulas e o estômago. A ele dará também as primícias do
trigo, do vinho e do azeite, bem como a primeira lã da tosquia das ovelhas. Pois o
Senhor teu Deus o escolheu dentre todas as tribos para estar com seus filhos em
sua presença e exercer o ministério em nome do Senhor, para sempre.
Quando um levita sair de qualquer cidade de Israel, para onde emigrou, e
de livre e espontânea vontade vier para o lugar escolhido pelo Senhor, exercerá o
ministério em nome do Senhor teu Deus, como os demais irmãos levitas que ali
estiverem, servindo ao senhor, e receberá uma porção igual à dos outros, além do
que lhe for devido pela venda dos bens paternos.

7. * 2 * 3 45

A destruição do templo e a deportação do clero em 587 provocaram uma crise na


história do sacerdócio. Sem o templo não podia ser aplicada a lei da unidade do
santuário. Depois da morte de Josias, a reforma abortou e renasceu o funcionamento
dos santuários locais. Agora, sem o templo, o clero que ficou na Palestina retomou suas
atividades sem interferências.

• 1/ % "' .

O exílio acabou em 538 por um edito do rei Ciro. Muitos sacerdotes, mas
poucos levitas, voltaram para casa. Um século depois retornou também Esdras
que convenceu 38 levitas a acompanha-lo (Esdr 8,2.15-19). Os primeiros quatro
sacerdotes que voltaram eram da família de Sadoc. Entre os outros, alguns eram
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descendentes de Eleazar, alguns de Itamar. Ora, Itamar era ascendente de


Abiatar, sacerdote de Davi, que Salomão tinha exilado em Anatot, dando a
Sadoc o monopólio do Sacerdócio no templo. Com a aceitação dos descendentes
de Itamar e Abiatar como sacerdotes legítimos, quebrou-se o monopólio dos
descendentes de Sadoc. Sendo Eleazar e Itamar filhos de Aarão, os sacerdotes
começaram a se chamar “Os Filhos de Aarão”. Todavia os sadoquistas
continuaram com um certo prestígio. Numa divisão sucessiva do clero em 24
classes, o grupo de Eleazar tinha 16 e dele saíram os Sumos Sacerdotes até o
tempo dos Macabeus.

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Depois do exílio (538) o Sumo Sacerdote começou a assumir proeminência,


mas gradualmente. Durante a monarquia o título não era usado. Depois da volta
de babilônia se encontram nos livros sagrados, além do título “Sumo
Sacerdote”, outros como “Príncipe do templo”, “Príncipe ungido”, “Príncipe
da Aliança”, “Sacerdote ungido”...
Em Ex. 29,4-7 e Lv. 8,6-12 se descreve a tomada de posse de Aarão em seu
ministério sacerdotal. Depois de uma purificação preliminar, ele vestiu a túnica,
o manto, o Efod e o peitoral. Recebeu, depois, uma mitra semelhante a um
turbante que trazia colada na frente uma flor em ouro com a escrita:
“Consagrado ao Senhor”. Depois era derramado sobre sua cabeça óleo
sagrado. O livro dos Números, quando fala do envio de Eleazar, não fala de
unção (Num 20,26-28), como também não há unção na consagração de Josué, o
primeiro Sumo Sacerdote depois do exílio (Zc 3,1-9). A falta de unção pode ser
explicada porque o rito era próprio do rei e não do sacerdote. Parece que a unção
do Sumo Sacerdote só se tornou comum no tempo de Herodes e depois.
Depois da volta do exílio os Sacerdotes assumiram o governo do povo.
Josué, o Sumo Sacerdote, assumiu também o cargo de chefe político e,
provavelmente, foi ungido Rei, embora o governador legal tenha sido
Zorobabel, um leigo. Por largo espaço de tempo não temos nenhuma informação
de Sumos Sacerdotes, a não ser uma lista apresentada por Ne 12,10-11. Mais
tarde Flávio Joserfo e os livros dos Macabeus dão outra lista a começar do 300
até 175.
A partir dos Asmoneus, o sumo sacerdócio se tornou um jogo político, tecido de
intrigas e a mercê dos governantes. Antíoco Epifânio, logo depois da conquista
de Israel depôs o Sumo Sacerdote Onias III e empossou o irmão dele, Jasão, o
qual logo mais foi assassinado. Jasão perdeu seu cargo porque um tal de
Menelau, um leigo, comprou o sumo sacerdócio. Também Menelau foi
assassinado. Sucedeu-lhe um “Filho de Arão” chamado Alcimo. Depois de
Alcimo não houve Sumo Sacerdote durante 7 anos.
No entanto a revolta dos Macabeus tinha vingado e foi nomeado Sumo
Sacerdote um dos 7 irmãos macabeus, chamado Jônatas. Ele conseguiu reunir de
novo religião com política, pois era também governador de Judá. A Jônatas
sucedeu Simão e houve uma série de Sumos Sacerdotes Asmoneus (macabeus)
até Herodes o Grande, que acabou extinguindo os descendentes dos Macabeus.
9

Nos cem anos sucessivos (37 aC a 70dC) houve 28 Sumos sacerdotes, entre
os quais Anás e Caifás, que tiveram papel muito grande na Paixão e Morte de
Jesus.

• %(

Vejamos, agora, o que sucedeu aos levitas que voltaram do exílio. O


recenseamento de Ne 11,18 enumera 284 levitas. No templo reconstruído os
cantores eram chamados “Filhos de Asaf” e não eram levitas, mas se fundiram com
os levitas recém chegados. Os serventes porteiros do templo (não se confundam
com os Guardas da entrada dos quais não se há mais notícias depois do exílio)
desapareceram deixando suas tarefas aos Levitas, descritos como pessoal ao serviço
dos sacerdotes.
Quem dá informações sobre os levitas é o cronista, quase dois séculos após à
volta do exílio (300 aC). O cronista complica, mais do que ajuda, porque insere num
ambiente arcaico (tempo de Davi) situações que só existiam em seu tempo.
Segundo o cronista, os levitas são os guardas oficiais da arca (1Cr. 15-16). Esta
é apresentada como a função principal deles e sua razão de ser. Tomam conta da
arca quando Davi a transporta para Jerusalém (16,4ss) e a transladam para o templo
quando o edifício é completo (2Cr 5,4; 1Rs 8,3).
Eles são também coristas (1Cr 16,4). Esta era a tarefa principal deles depois da
reconstrução pós-exílica do templo, do momento em que não se fala mais da arca.
Era, porém, segundo as crônicas, uma tarefa que os levitas tinham assumido desde
os tempos davídicos.
Tinham outrossim a função de porteiro, mas os levitas cantores estavam acima
dos levitas porteiros.
Tinham outras funções ainda. Uns tocavam instrumentos musicais, outros eram
funcionários administrativos, outros ainda cuidavam dos vasos sagrados e de outros
objetos de culto, ou preparavam os pães da proposição e as ofertas; ou sacrificavam
as vítimas para o sacrifício. Alguns exerciam também a profissão de mestre.
Os Levitas, no tempo depois do exílio, embora numa posição subordinada,
foram muito importantes, nunca esqueceram sua origem sacerdotal e eram
reconhecidos e honrados como tais.

• 1!" 1%(

As entradas do templo determinavam, em grande parte, o salário dos


sacerdotes e dos levitas. Durante o período monárquico eram os reis que
providenciavam a manutenção. Depois do exílio não havia mais a monarquia e as
coisas se tornaram sempre mais difíceis. Os reis persas que autorizaram a volta dos
judeus e a reconstrução do templo foram até generosos (Esd 6,4.9.10), e filantropos
judeus e babilônios ajudaram. Mas não foi suficiente. Precisava-se de uma fonte de
entradas mais sólida.
O livro de Neemias nos conta como os judeus conseguiram os meios. Foi
imposta uma taxa pessoal de um siclo por ano e mais uma contribuição anual em
madeira. Contou-se, também, com doações espontâneas... O tesouro do templo se
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tornou assim muito grande ao ponto de despertar a cobiça de governantes que


impuseram tributos muito pesados (Eliodoro, Antíoco Epifânio, Pompeu e Crasso).
O clero tirou vantagem destas entradas. Os levitas adquiriram direito ao
dízimo sobre o grão, o vinho novo e animais. Não era grande coisa, pois nem todos
os israelitas pagavam sempre o dízimo e muitos levitas foram obrigados a deixarem
o serviço do templo.
Quem organizou a reforma tributária em Israeel foi Neemias. No livro
homônimo se lê: “Naquele tempo as dependências nas quais se depositavam as
provisões, as ofertas, as primícias e os dízimos foram confiadas a responsáveis que
deviam recolher as contribuições provenientes dos campos anexos às cidades e
destinadas legalmente aos sacerdotes e levitas. É que Judá se alegrava ao ver os
sacerdotes e levitas exercendo suas funções. Eles cuidavam do serviço de Deus e
dos ritos de purificação, como também os cantores, os porteiros cumpriam as
ordens de Davi e de seu filho Salomão. Com efeito, no tempo de Davi, Asaf era o
chefe dos cantores e os dirigia nos cânticos de louvor e ação de graças a Deus.
Todo o povo de Israel, no tempo de Zorobabel e de Neemias, entregava aos
cantores e aos porteiros as contribuições de acordo com as necessidades de cada
dia. Aos levitas entregavam as doações sagradas e os levitas, por sua vez,
entregavam aos descendentes de Aarão as quotas que lhes cabiam”. .
Depois de Neemias, sobrevindo a dominação grega dos Ptolomeus, antes, e
depois dos Seléucidas, os impostos sobre o povo se multiplicaram e os dízimos não
podiam senão diminuir. Podemos imaginar as dificuldades de sobrevivência da
classe dos levitas...
Mais tarde, o Templo de Jerusalém passou a ser uma banco nacional e
internacional e as finanças melhoraram. Mas tudo se acabou no ano 70 dC com a
destruição de Jerusalém por parte dos romanos. Os Levitas e sacerdotes procuraram
novas maneiras de sustento, não mais ao serviço do Templo, que já não existia. Mas
aqui já estamos no NT. É outra história e outra realidade.
11

2
Altar e sacrifício são termos interligados: um evoca o outro. No hebraico, a Palavra
que indica altar (mizbeah) deriva de um verbo que significa imolar e inclui em si o sentido
de sacrifício. Antigamente, nas origens, as vítimas eram imoladas sobre o altar, mas depois
o altar passou a ser local de oferta de um animal já imolado ou de cereais e incensos.

1. " &' 1 "% .

Nos primeiros tempos serviam como altar uma rocha natural ou uma laje um pouco
espaçosa. Lemos no livro dos Juízes que Gedeão recebeu a ordem de colocar suas ofertas
sobre uma rocha (Jz 6,19-23). Quando a Arca da Aliança foi restituída a Israel pelos
filisteus, as vacas e o carro que a trouxeram foram queimados em sacrifício sobre uma
rocha (1Sam 6,14). A pedra era o altar dos patriarcas.
O altar construído artificialmente era quase sempre de pedra. A lei admitia dois
materiais para a construção dos altares: a pedra não trabalhada, ao natural, e o barro cozido
ou tijolos (Ex 20,24-26; Dt 27,5; Jos 8,30-31).
O altar não podia ter degraus (Ex 20,26). O motivo da proibição dos degraus, diz o
Êxodo, seria o pudor. O único indumento do sacerdote, nos períodos primitivos, era uma
tanga que cobria as partesbaixas. Subindo rampas ou degraus o sacerdote arriscava expor
seus genitais. “”Não subirás ao meu altar por meio de degraus, para que não se descubra
tua nudez”. Há um outro motivo que poderia explicar o porquê da pedra bruta e da
proibição dos degraus: o horror do profano. Pedra trabalhada e degraus são produtos da
mão do homem. Uma coisa sagrada, como o altar, devia sair das mãos de Deus e, portanto,
tomada no estado natural.

6 % 1 "

• 1 " / 1 .
No deserto estavam em uso dois altares: o altar dos holocaustos bem na entrada
da tenda do tabernáculo e o altar do incenso dentro da tenda, diante do Santo dos
Santos.
Temos em Ex 27,1-8 e 38,1-7 uma descrição do altar dos holocaustos. Era feito
com lenho de acácia revestido de bronze e media 5x5x3 cóvados (um côvado valia
44 cm). Tinha a estrutura de uma caixa de 3,3 m3, com uma cornija ao seu redor,
que tinha 4 argolas, nos quais se enfiavam paus quando o altar precisava ser
transportado. A caixa era vazia, sem fundo e sem tampa. Não sabemos como se
oferecia o sacrifício. Supõe-se que se enchia de areia o caixote e se imolava e
queimava a vítima a 1,2m acima do solo.

• O altar do incenso.

Também era feito com lenho de acácia, mas revestido de ouro na parte superior.
Media 1x1x 2 côvados com um volume de 0,17cm3. Nas arestas superiores havia
12

protuberâncias em forma de chifre e argolas nas quais se enfiavam paus no


momento do transporte.

• 1 "% %# 61

O templo de Salomão tinha dois altares colocados em lugares correspondentes


àqueles da tenda. Causa estranheza que na descrição inaugural do templo (1Rs 6-7)
não se fale do altar dos holocaustos. Em 1Rs 8,64 se diz que era constituído por
uma grande grelha móvel, de bronze. Mais tarde o Rei Acaz o substituiu com outro
semelhante a um altar que tinha visto em Damasco (2Rs 16,10-16). Estava colocado
no pátio fora do templo.
Não se sabe ao certo se existiu no templo o altar do incenso. Todavia quando
em 2Rs 6,20-21 encontramos que Salomão “fez um altar de cedro ... diante do Debir
(o Santo dos Santos) e o revestiu de ouro, podemos pensar que seja o altar do
incenso. Alusões ao “altar de ouro” são freqüentes: Is 6,6; 1Rs 7,48; 2Cr 26,16...)]
No templo pós-exílico haviam também dois altares. Um era de pedra não
trabalhada, o altar dos holocaustos, e outro, o altar do incenso, coberto de ouro.
Antíoco Epifânio roubou o altar do incenso e profanou o altar dos holocaustos (1Mc
21; 1,54.59.; 2Mc 6.2.5). Depois das vitórias dos asmoneus (macabeus) foram
construídos um novo altar do incenso e o altar dos holocaustos.

7 #8 1 # 1 "

O altar tinha, para os israelitas, um profundo significado religioso. Como o templo era a
casa de Deus, o altar era a lareira do templo. A Lei exigia que o fogo ardesse
continuamente sobre o altar (Lv 6,5-6). O altar era considerado também como símbolo da
presença de Deus. No tempo patriarcal o lugar de uma teofania era sempre assinalado por
um altar (Gen 12,7; 26,24-25). Por vez o altar recebeu nome divino. Aquele que Jacó
construiu em Siquém foi chamado “El, Deus de Israel” e um outro que Moisés ergueu
depois de ter vencido os Amalecidas foi chamado: “Javé é meu estandarte na batalha”. Em
tempos mais recentes o altar era consagrado solenemente antes do uso e anualmente
purificado no dia da Expiação (Ex 29,36-37; Lv 8,15; 16,18-19).
O altar tinha quatro protuberâncias, com forma de chifres, nos cantos, partes
consideradas santas de maneira especial. Durante o ritual da Expiação estes chifres eram
aspergidos com o sangue da vítima (Ex 29,12; 30,10; Lv 4; 8,15; 9,9, 16,18; Ez 43,20). As
pessoas que procuravam socorro agarravam-se ao altar do holocausto (1Rs 2,28).
Chifre significava poder e as protuberâncias do altar em forma de chifre simbolizavam
o poder das vítimas sacrificadas.

9 "$)

O ato central do culto israelita, o sacrifício, teve, ao longo dos séculos, várias formas,
mas substancialmente nunca mudou. Lv 1-7 descreve as diversas formas dos sacrifícios
oferecidos no Templo depois do exílio.
13

• / 1 "$) 1

È o mais solene dos sacrfícios. Consistia em queimar totalmente a vítima. Na


etimologia original era um sacrifício pelo qual o fumo “subia até Deus”.
A vítima no holocausto devia ser um animal ou um pássaro macho, sem
mancha. O oferente estendia a mão sobre a cabeça da vítima para indicar que o
sacrifício devia ser em seu favor. Cortava depois o pescoço da vítima e o sacerdote
derramava seu sangue ao redor do altar. O sangue era considerado a fonte da vida e
pertencia a Deus de modo especial. Tirada a pele e cortado o animal em pedaços, os
nacos eram colocados sobre o altar para serem queimados. A lei prescrevia que o
ritual do holocausto fosse acompanhado por um dom de farinha misturada com óleo
e por uma libação de vinho. A farinha era queimada e o vinho derramado na base do
altar. Num primeiro tempo farinha e vinho eram acrescentados somente na Festa das
Semanas, mais tarde em todos os holocaustos (Num 15).
No templo de Jerusalém oferecia-se cada dia, de manhã e de tarde, um holocausto
(sacrifício matutino e vespertino) que era chamado sacrifício perpétuo.
Aconteciam holocaustos particulares: purificação da mulher (Lv 12,6-8); do
leproso (14,10.31); da cura das doenças venéreas (15.15.29ss); do nazireu (Num
6,10-12) etc...

• "$) % # /'

Era uma oferta de ação de graças que operava união entre Deus e o ofertante.
Chamava-se também “Sacrifício pacífico” ou “ Sacrifício da salvação”. Havia três
tipos deste sacrifício.
- O sacrifício de louvor (todá) (Lv 7,12-15; 22,29-30)
- O sacrifício espontâneo (n´dabá), feito por pura devoção (Lv 7,16-17;
22,18-23).
- O sacrifício votivo (neder), feito para pagar uma promessa (Lv 7,16-17;
22,18-23)
O ritual é descrito em Levítico 3. A vítima não pode ser um pássaro, mas
outro animal macho ou fêmea. O ritual implica em imposição das mãos, sacrifício
do animal e aspersão do sangue; é o mesmo do holocausto. A vítima é dividida em
três partes: uma para Javé, a outra para o sacerdote e a terceira para o oferente.
A parte de Javé era queimada sobre o altar. Consistia em todas as partes
gordas do animal, tiradas cuidadosamente. O sacerdote recebia o peito e a perna
direita e o resto para o oferente que devia comê-la no mesmo dia, se era um
sacrifício de louvor, ou entre dois dias, se o sacrifício era espontâneo. Caso
permanecesse algo no 3o dia devia ser queimado. (Lev. 3,16-17; 7,22-24; 7,28-34;
10,14-15; 7,15-17). Com a vítima se devia ofertar também “pães sem fermento,
amassados com azeite, bolinhos sem fermento untados de azeite e flor de farinha
embebida em azeite... será oferecido pão fermentado” (Lv 7,12-13).
Este tipo se sacrifício era comum em Israel desde tempos mais antigos, aqueles
do Êxodo. Era chamado “zebah selamim” que significa “degolação para
sacrifício”.
14

• "$) % %:6 &'

Havia duas espécie de sacrifício de expiação: o sacrifício pelo pecado (battat) e


o sacrifício de reparação (asam).

- O sacrifício pelo pecado.


Mais a pessoa era proeminente na sociedade, maior devia ser a vítima. Se o
sacrifício de Expiação era pelo Sumo Sacerdote ou pelo pecado coletivo do povo,
devia ser imolado um touro. O pecado de um príncipe era expiado pelo sacrifício de
um bode, enquanto uma pessoa qualquer oferecia, pela própria culpa, uma ovelha
ou uma cabra. Para alguém muito pobre era bastante oferecer duas rolas ou duas
pombinhas ou simplesmente um pouco de farinha.
No caso da expiação pelo Sumo Sacerdote e pelo povo, o sacerdote fazia o
sacrifício, recolhia o sangue, entrava no santuário e o aspergia sete vezes diante do
véu do Santo dos Santos. Depois esfregava com sangues os chifres do altar do
incenso e derramava o que tinha sobrado nas bases do altar dos holocaustos.
Quando um príncipe ou uma pessoa privada imolavam vítimas por sua
expiação, o sacerdote não entrava no santuário, mas esfregava os chifres do altar
dos holocaustos e derramava o resto em sua base.
A gordura era queimada e a carne da vitima pelo pecado de uma pessoa ou de
um príncipe era toda para os sacerdotes. O pecador não recebia nada. A carne da
vitima pelo pecado da comunidade ou do sumo sacerdote era atirada no lixo.
As faltas involuntárias da comunidade ou de um indivíduo eram perdoadas pelo
sacrifício, mas um pecado deliberado e consciente não tinha remissão (Num. 15,31).

- O sacrifício de reparação.
Este sacrifício é chamado também “oferta pela culpa”. O ritual, sob muitos
aspectos, é o mesmo do sacrifício pelo pecado. Era oferecido somente em reparação
por faltas de indivíduos particulares e a vítima era um carneiro.Não está clara a
diferença entre este sacrifício e aquele pelo pecado. Parece que o sacrifício de
reparação se restringia ao pecado contra a justiça, quando se requeria uma espécie
de restituição ou reparação de direitos ofendidos. Além de oferecer o sacrifício, o
indivíduo pagava também uma multa (Lv 5,14-16.21-26; Num 5,5-8). Tem-se
notícia que este sacrifício estava em uso desde o fim do período monárquico. Não é
claro se existia antes.

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A vítima dos sacrifícios de que se falou antes era sempre um animal. Os


israelitas, porém, ofereciam freqüentemente também cereais. Este tipo de oferta era
conhecido com o nome de Minhâ.
O Lev. 2 enumera diversas espécies:
- Farinha de trigo misturada com azeite. Parte dela era queimada no altar junto
com incenso, e o Sacerdote levava o resto.
- Farinha de trigo com azeite cozida e transformada num grande pão. Parte do
pão era queimado e o resto era para o sacerdote.
15

- Oferta das primícias das espigas de trigo, assadas, ou pão com azeite cozido.
Parte do grão e do pão eram queimados com incenso e o resto pertencia ao
sacerdote.
- Oferta só dos cereais sem azeite e sem incenso. Toda a oferta era queimada.
- Em caso de reparação pelo ciúme, ou para afastar o ciúme se ofereciam
somente farinha e uma libação de vinho.
O sacrifício “Minhá” estava em uso já antes do exílio.

• *' 6" 6 &'

Este sacrifício é análogo à Minhâ. A palavra hebraica “lehem happanim”


significa literalmente “o pão da presença de Deus”. Consistia em doze pães de
farinha de trigo dispostos em duas fileiras, colocadas sobre uma mesa, diante do
Santo dos Santos, junto com um punhado de incenso. Os pães eram substituídos
cada sábado por outros pães novos (Lv 24,5-9). Os velhos eram comidos pelos
sacerdotes e o incenso queimado no altar do incenso. Os doze pães significavam a
aliança perpétua entre Javé e as doze tribos de Israel.

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Era uma mistura perfumada junto com incenso. Havia muitas receitas de
perfumes a serem misturados e oferecidos em sacrifício. Os rabinos lembram uma
que continha dezesseis.
Cada ingrediente era misturado em partes iguais com o incenso e a mistura era
queimada da seguinte maneira. Um sacerdote tomava brasas acesas no altar dos
holocaustos e salpicava a mistura aromática sobre as brasas.
Isto acontecia duas vezes ao dia. No dia da Expiação carvões, incenso e mistura
eram queimados no Santo dos Santos, dentro da arca.
O sacrifício é muito antigo. Já era usado no tempo de Salomão. Mas nos tempos
muito antigos se queimava só incenso, sem misturas, e parece que era usado
também um turíbulo. Foi depois do exílio que apareceu o rito acima descrito.

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Na Mesopotâmia e na Arábia se ofereciam sacrifícios desde tempos muito


remotos. Mas o Oriente médio não foi modelo e nem fonte para os sacrifícios
hebraicos. O sangue tinha pouca ou nenhuma importância para a Mesopotâmia e as
duas formas fundamentais de sacrifício em Israel, o holocausto e o sacrifício de
comunhão, não eram praticadas por lá.
Na Arábia havia formas de sacrifício mais próximas àquelas de Israel. Não
havia, porém, queima da vítima que era sempre comida.
Em Canaã, porém, existiam ritos semelhantes.
As mulheres cananéias de Salomão ofereciam incenso e sacrifícios a seus deuses
(1Rs 11,8). Naaman, o sírio, ofereceu holocaustos e sacrifícios de comunhão (2Rs
5,17). Elias desafiou os profetas de Baal com sacrifícios feitos da mesma maneira
16

(1Rs 18). Se a Bíblia condena o culto cananéu não o é pela forma, mas porque era
dirigido a ídolos.
Os israelitas fizeram própria a prática Cananéia só quando entraram em Canaã.
No deserto usavam outras práticas mais semelhantes às da Arábia.

5. "$) < # .

Foi praticado ou não em Israel? Uns afirmam concluindo que o animal dos sacrifícios
posteriores substituiu os doadores, que deveriam ser a vítima. Se houve sarifícios com
vítimas humanas foi mais exceção do que regra. Os cananeus tinham evidentemente o
hábito de sacrificar crianças e queima-las como “sacrifício de fundação” quando iam
construir um novo edifício. Quando Hiel de Betel fortificou Jericó, matou Abiram, seu
primogênito, e colocou os fundamentos da cidade sobre o sepulcro dele (1Rs 16,34). Jefté
sacrificou sua filha (Jz 11,30-40), mas a Bíblia conta isto com horror. O rei de Moab (2Rs
3,27) imolou o filho único para obter de seu deus a graça de não cair nas mãos dos
israelitas. A oferta de Isaac a Deus está em outro contexto, pois o ponto central da história é
a fé e não o sacrifício. Aliás, este não aconteceu.
Os texto dos livros históricos indicam que os sacrifícios humanos em Israel só
acontecram durante períodos de decadência, como durante o reinado de Asa (2Rs 16,3;
17,31) e os denunciam como instrumentos recentes do paganismo.

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Foram aventadas muitas hipóteses a respeito. Vejamos algumas.

• Um dom para aplacar uma divindade exigente. O homem oferece algo e Deus
concede seus benefícios e sua bênção. Uma espécie de barganha... A hipótese
não satisfaz porque Deus é dono de tudo e não precisa de nada.
• Ação quase mágica pela qual o homem entra em comunhão com Deus
comendo uma vítima divina, ou imolando a vítima que o substituía. Também
esta teoria não é satisfatória porque na Bíblia nunca se fala desta união íntima
com Deus.
• Sacrifício, banquete preparado para Deus. Deus tinha fome... Embora na
Bíblia se fale de “mesa de Deus” nunca insistem numa terminologia materialista
e antropomórfica do sacrifício. Sem dúvidas certos elementos do sacrifício nos
levam a pensar numa refeição partilhada com Deus, mas Deus mesmo se explica
de forma inequívoca: “Se eu tivesse fome, não o diria para ti, pois meu é o
universo e tudo o que nele contém. Como eu, talvez, a carne dos touros e bebo o
sangue dos cabritos” (Sl 50, 12,13)?
• A noção israelita de sacrifício. O sacrifício era um dom, mas um dom ao qual
Deus tinha direito absoluto, porque tudo o que o homem tinha vinha das mãos
de Deus. Esta era a motivação que levava a oferecer a Ele as primícias e os
primogênitos. As vítimas, então, representavam a doação da vida e do ser do
oferente.
O ritual simbolizava esta idéia de dar, de fazer subir até Deus tudo o que a
gente tinha e era. O altar simbolizava a presença de Deus. Parte das vítimas
17

eram queimadas ou espiritualizadas enquanto subiam ao céu sob forma de


fumaça. Era um dom que exprimia a dependência de Deus por parte de Israel e
indicava, também, um forte desejo de união com Deus. O fato de parte da vítima
ser queimada e outra parte comida, unia povo e Deus numa comunhão espiritual,
consolidando a Aliança feita com Israel.

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Alguns passos da Sagrada Escritura condenam severamente os sacrifícios. Porém, nas


entrelinhas daqueles textos, aparece claramente que o sacrifício era muito apreciado em
Israel e que não era somente um rito externo de eficácia mágica.
São os profetas de antes do exílio, sobretudo, que os criticam (Is. 1,11-17; Jer 6,20;
7,21-22; Os 6,6; Am 5,21-27; Mq 6.6-8)...
Os ataques destes profetas, embora pareçam uma condenação absoluta pela linguagem
que usam, visam, sobretudo, ressaltar os valores que os sacrifícios encerram em si e sem os
quais se tornariam práticas externas vazias e sem sentido.
Vejamos algumas expressões.
“Eu quero amor e não sacrifício, conhecimento de Deus e não holocaustos” (Os. 6,6).
Teria sentido sacrifício sem amor e sem obediência a Deus?
“O Senhor o que quer? Holocaustos e sacrifício ou obediência à sua palavra? A
obediência vale mais do que o sacrifício, a docilidade mais que oferecer gordura de
carneiros” (1Sam 15,22). Deus quer obediência e docilidade às suas ordens. Se os
sacrifícios não levam a isto perdem seu sentido.
Os profetas condenavam não o sacrifício em si, mas o culto formalista, puramente
externo e sem disposição interior. Culto assim fazia do sacrifício um ato de superstição.

8. " &@% " .

O sacrifício era o ato central do culto israelita, mas não o único. Existiam, também, orações
públicas e diversos ritos de purificação e consagração.

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A oração é a expressão fundamental do sentimento religioso. Visa orientar mente e


coração para Deus, a fim de estabelecer com Ele um contato pessoal e imediato. O
sacrifício era oração também, mas sob forma de ação. Trataremos, agora, não da oração
privada, mas daquela litúrgica.
A Bíblia tem fórmulas para abençoar (Num 6,22-27) e amaldiçoar (Dt 27,14-26) e
outras também, como o rito da água amarga (Num. 5,21-22), da oferta dos primeiros
frutos (Dt 26,1-10), do pagamento do dízimo (Dt 26, 13-15. Especifica, também, as
leituras nas celebrações das Festas (Dt 6,20-25; Ez 12,26-27).
A Bíblia apresenta, também, fórmulas para a oferta dos sacrifícios. Amós nos diz
que eram cantados hinos (5,23)... O Livro oficial dos hinos foi o saltério...
Lugar ideal de oração eram os pátios do templo onde se rezava com o rosto
olhandoem direção do santuário (Sl 5,8; 28,2; 138,2). Quem estava longe do templo
orientava sua postura para a cidade de Davi (1Rs 8,44-48; Dan 6,11).
18

Os horários de orar eram claramente especificados: manhã, meio dia e noite.


A posição normal adotada consistia em orar em pé. Existem, nos escritos, alusões a
momentos em que o povo se ajoelhava (2Cr 6,13). Durante o rito penitencial os fiéis
permaneciam em pé enquanto se proclamavam as leituras. Depois se punham de joelho
para confessar os pecados até que o sacerdote pronunciava a palavra Qumu (levantai-
vos). No tempo em que rezavam ajoelhados, levantavam os braços para o céu ou
abaixavam a cabeça até tocar o solo...
O povo rezava e muito. Israel era uma nação de gente contemplativa. Lembramos as
orações da Tefilá, ou oração das dezoito bênçãos, rezada por todos, inclusive escravos e
crianças, três vezes ao dia (manhã, tarde e noite) e a oração da Shemá, uma profissão
de fé feita de manhã e de noite por todos os homens livres.

• 6 "$ &@%

Na mentalidade nossa o conceito de pureza e impureza legal é um pouco estranho.


Para os israelitas, porém, todas as coisas, profanas ou sagradas, possuíam qualidades
misteriosas que se comunicavam a qualquer que fosse que entrava em contato com elas
e separavam as pessoa ou os objetos das coisas ordinárias.
Os pagão podiam comer e tocar em tudo impunemente, mas não o povo de Israel.
Ele pertencia a Deus que é totalmente puro e devia refletir em si a santidade de Deus.
Dali a necessidade de purificações através de ritos determinados, para que a pessoa
pudesse purificar-se quando impura.

3 "$) % 81 &@% "

Cada mulher, após o parto, devia oferecer um holocausto e sacrifício para


purificar-se. Por quê? Porque tinha tido contado com o poder criador de Deus e devia,
portanto, ser purificada para poder voltar às suas funções de cada dia.
Quando o leproso estava curado, oferecia um sacrifício pelo pecado e um
holocausto. A mesma coisa fazia o Nazireu que tocava um cadáver.
O sacerdote se lavava ritualmente antes das funções. Vestes e utensílios
sacerdotais deviam ser lavados, caso o sacerdote tivesse tido contato com uma pessoa
impura ou com objetos impuros. A vasilha de metal na qual fora cozinhada a carne para
os sacrifícios devia ser cuidadosamente lavada; se a vasilha era de barro, devia ser
quebrada.
O homem que levava ao deserto o bode expiatório ou que queimava as vítimas
das ofertas pelo pecado, devia mudar toda a roupa e tomar banho completo. A mesma
coisa deviam fazer aqueles que participavam do rito da vaca vermelha.
Os soldados, depois de uma guerra, deviam purificar durante sete dias seu corpo e
suas indumentárias.

3 " 1 ( (%"# %1/ .

Se a presa numa guerra santa era em metal, devia ser lavada em uma água especial,
chamada “me middâ” ou água da purificação (Num. 31,22-23).
Preparava-se esta água da seguinte maneira, descrita em Num. 19,1-10.
19

“Esta é uma disposição da lei que o Senhor prescreve. Dize aos israelitas
que providenciem uma vaca vermelha e sem defeito algum e na qual nunca foi posta
a canga. Entregareis a vaca ao sacerdote Eleazar que mandará leva-la fora do
acampamento para ser imolada em sua presença. Tomando um pouco de sangue
com o dedo, o sacerdote o aspergirá sete vezes em direção à frente da tenda do
encontro. Em seguida a vaca será queimada em sua presença. Serão queimados o
couro, a carne, o sangue e os excrementos. Então o sacerdote tomará madeira de
cedro, hissopo e púrpura e os lançará no meio da fogueira onde a vaca está
ardendo. Após lavar as vestes e banhar o corpo em água , o sacerdote retornará ao
acampamento, mas ficará impuro até o pôr do sol. Do mesmo modo quem ateou
fogo à vaca lavará as vestes, banhará o corpo em água e ficará impuro até à
tarde.Um homem que esteja puro recolherá as cinzas da vaca e as depositará em
lugar puro.As cinzas serão conservadas pelos israelitas para preparar as águas da
purificação. Aquele que recolheu as cinzas da vaca lavará as vestes e ficará impuro
até a tade”
.Com estas cinzas se fazia uma espécie de água benta que era aspergida
também nas casas, sobre os móveis de um falecido, sobre quem tocou cadáveres...

3 1 %6"

Lepra, para os judeus, não era o mal de Hansen, como nós entendemos, mas algo
muito menos perigoso e sujeito à cura. Seus sintomas se manifestavam com
diversos tipos de doenças cutâneas. A doença, quando diagnosticada por um
sacerdote, tornava um homem impuro. Ele devia se afastar da localidade até sarar.
Cabia ao sacerdote constatar se houvera cura, e fazer o rito de purificação (2Rs 7,3;
Lv 14,3). Jesus curava leprosos e os enviava aos sacerdotes...
Existiam dois ritos de purificação, um mais antigo e outro mais recente.
No rito primitivo se enchia um vaso de ”água viva”, matava-se um pássaro e
deixava-se o sangue escorrer sobre a água. Depois se imergia na água uma ave viva,
junto com madeira de cedro, hissopo e púrpura. Deixava-se a ave voar. Aspergia-se
o leproso com a água, cortavam-se todos os pelos dele, eram lavadas suas vestes e,
depois, declarado puro (Lv 14, 2-9).
No ritual mais recente a pessoa oferecia um sacrifício de reparação, fazia uma
oferta de pão e um holocausto. O sacerdote tocava, com o sangue do primeiro
sacrifício, a orelha direita, o polegar e o indicador direito do sujeito. Ungia depois
os mesmos lugares com azeite e derramava azeite sobre a cabeça.
Havia, outrossim, a lepra dos tecidos e das casas. Eram fungos e musgos.
Um tecido eivado, se depois de ser lavado não ficava limpo, devia ser queimado. Se
ficava limpo, devia ser lavado de novo e era declarado puro. Tratando-se de casas,
as pedras manchadas deviam ser removidas e os muros raspados. Se a lepra
continuava, a casa era demolida. Caso contrário era declarada pura. A pureza e
impureza eram uma verdadeira obsessão em Israel, o que provocou censuras de
Cristo
20

• % -" &'

A consagração era o aspecto positivo da santidade. A purificação, pelo


contrário, o aspecto negativo. A consagração consistia em remover alguém ou
alguma coisa do plano profano para dedica-lo a uma intenção sagrada. O sacerdote
era consagrado. A presa de guerra era automaticamente dedicada a Deus...
Depois do exílio apareceram cerimônias automáticas de consagração. O
sacerdote era consagrado pela purificação, pela tomada de posse e pela unção. O
santuário, o altar, os objetos sagrados eram ungidos, os Reis também. Por causa da
unção o rei podia carregar a coroa e o sumo sacerdote uma espécie de turbante, com
uma flor de ouro costurada nele.

• (

Voto era uma promessa condicionada. A pessoa pedia um favor a Deus e, se


atendido, daria algo a Deus em troca. Era um tipo especial de oração.
Fazer um voto implicava numa obrigação solene. Havia coisas que não podiam
ser objeto de promessa: prometer a Deus o que já pertencia de direito a Deus, como
os primogênitos dos animais, o dízimo... Ou que era indigno de Deus, como
dinheiro de prostituição, de furto...
Os pais podiam anular os votos de uma filha não casada, o marido aquele da
esposa. A legislação permitia pagar promessas de coisas com dinheiro.

• . "%

Nazireu era uma pessoa consagrada a Deus por um certo período de tempo.
Devia abster-se de toda bebida alcoólica, deixar os cabelos crescerem e evitar todo
contacto com cadáveres. Se alguém morria na sua presença, ficava anulado o tempo
de nazireato. Devia purificar-se com vários sacrifícios e recomeçar tudo de novo,
rapando completamente a cabeça (Num 6,1-21)
Acabado o período do voto, ele oferecia um holocausto, uma oferta pelos seus
pecados, um sacrifício de comunhão, cortava os cabelos e os queimava no
holocausto. Voltava, depois, à vida normal.
Antigamente o nazireu o era por toda a vida, como o foi Sansão que foi
consagrado a Deus ainda no seio da mãe. O que distinguia os nazireus dos outros
eram os cabelos não cortados. Também os soldados que combatiam uma guerra
santa não cortavam os cabelos e a mãe de Samuel, consagrando Samuel ao serviço
do Senhor prometeu que sua cabeça nunca seria raspada.
21

3 42

&@% 1 A"- %

Os israelitas ofereciam diariamente a Deus o holocausto de dois cordeiros, um de


manhã e o outro pela tardezinha, junto com cereais, farinha misturada com azeite, uma
libação de vinho e uma oferta de incenso (Ex 29,38-42; 30, 7-8; Num 28,2-8). Embora este
ritual tinha sido introduzido depois do exílio, os livros das Crônicas (1Cr 16,40; 2Cr 13,11.;
31,2) dizem que já existia no período monárquico.
Depois do exílio o sacrifício da tarde passou a ser oferecido mais cedo, pelas 15:00
horas. No Sábado havia o mesmo ritual, mas os cordeiros imolados em cada sacrifícios
eram dois (Num. 28,9-10).
No primeiro dia de cada mês, dia da lua nova, havia um rito especial: imolavam-se
também dois touros, um carneiro, sete cordeiros e, como rito de expiação, também uma
cabra.

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Os dias festivos mais importantes constavam num calendário litúrgico. O AT aponta


diversos que convém analisar separadamente.

• O calendário Eloísta é o mais resumido e simples. Prescreve uma romaria três


vezes ao ano: aquela do pão ázimo, no mês de Abib (março-abril), aquela da
colheita do trigo, no fim da primavera, e a da colheita dos frutos, no outono,
quando termina o ano (Ex. 23,14-17).

• O calendário Javista e semelhante ao eloísta. A romaria do fim da primavera é


chamada “Festa das Semanas” enquanto a romaria da colheita dos frutos se dava no
ano novo. Parece que as romarias não tinham datas fixas mas dependiam das
mudanças agrícolas.

• O calendário deuteronômico não traz mudanças essenciais, mas indica os lugares


de romaria, “aqueles que Javé indica” e dá um nome mais fixo às três grandes
Festas anuais: A Páscoa e a Festa dos Pães Ázimos, a Festa das Semanas e a Festa
dos Tabernáculos ou Tenda (Dt 16,1-7).

• O calendário sacerdotal é mais detalhado (Lv 23), mais preciso e mais


complicado. Provém de diversas fontes e, por isto, apresenta variantes em suas
narrações. O Lev 3 contém, de fato, dois títulos, duas conclusões e dois grupos de
prescrições a respeito da Festa dos Tabernáculos (34-36 e 39-43). Uma destas fontes
é o Tratado da santidade, elaborado no fim do período monárquico.
22

Na tabela abaixo situamos, ao lado dos meses e seus correspondentes, as


datas prováveis das festas do período da monarquia.

Mês Correspondência Festa Observação


* Nisan = Abib Março / abril Páscoa e Ázimos Ofertas do cordeiro
e dos primeiros
cereais
* Iiar = Ziv Abril / maio
* Sivan = Sivá Maio / junho Festa das Semanas Ofertas do trigo
*Tamuz Junho / Julho
* Ab Julho / agosto
* Elul Agosto / setembro Fim do ano
* Tishri = Etanim Setembro / outubro Aclamação Início do ano
Expiação Oferta dos frutos:
Tabernáculos uva, azeitona...
* Bul = Marshesvan Outubro / novembro
* Kisleu = Kasleu Novembro/dezembro
* Tebet Dezembro / janeiro
* Shebat Janeiro / fevereiro
* Adar Fevereiro / março Repetido no ano
bisexto.

Muitas notícias do calendário sacerdotal nos são dadas também pelo profeta Ezequiel,
que dá particulares a respeito de:
• O ritual de cada dia (28,3-8).
• O sábado (28,9-10).
• A lua Nova (28, 11-15).
• A páscoa e a festa dos Ázimos (28,16-25).
• A Festa das Semanas (28,26-31).
• O dia da Aclamação (29, 1-6).
• O dia da Expiação (29,7-11).
• A Festa dos Tabernáculos 29, 12-38).

7 !8

A palavra tem seu étimo em Sabbat, cuja raiz significa cessar, vale dizer cessar de
trabalhar, repousar. O sábado marcava o fim da semana. Sua origem é muito antiga. O
Êxodo (16,22-30) insinua ser anterior à Aliança do Sinai e o Gênesis (2,2-3) coloca sua
origem no tempo da criação.
O Sábado é lembrado por todas as tradições do Pentateuco: Javista, Eloísta, Mosaica,
Deuteronômica e Sacerdotal. Temos quase certeza de que a instituição do Sábado deve ser
colocada na época mosaica.
A importância do Sábado em Israel é única. Não era um dia festivo durante o qual o
povo podia descansar, para ter forças de enfrentar outra semana, mas estava ligado à
Aliança que Deus tinha marcado com ele. São sublinhados pela lei também fatores
23

humanitários, mas ressaltados, sobretudo, dois aspectos religiosos 1o - deve servir como
memorial da libertação divina da escravidão do Egito e da entrada na “terra de repouso”
(Dt 5,14-15; 12,9; Sal 95,11); 2o – Deus fez o céu e a terra o mar e tudo o que está neles e
no sétimo dia repousou. Por isto o Senhor abençoou o dia de Sábado e o santificou” Gen
2,2-3; Ex 31,12-17). O último aspecto prevaleceu e deu ao sábado a motivação
predominante.
A observância do sábado indicava fidelidade à Aliança e era penhor de salvação (Is
58, 13-14; Jer 17, 19-27). Nos tempos antigos o sábado era um dia alegre. Os trabalhos
eram suspensos, mas a gente podia andar livremente e sem restrições, fazer negócios,
trabalhar no campo em tempo de aperto, visitar santuários e consultar profetas. Depois do
exílio, Neemias impôs obrigações muito severas imitado, depois, por outros governadores e
moralistas. O jubiloso sábado de antes do exílio se transformou, então, num peso
insuportável, merecendo todas as críticas de Jesus.

4. *! % % B. # .

Páscoa e Ázimos eram duas festas distintas. Mais tarde, durante o exílio (Ez 45,21),
foram unificadas. A sagrada Escritura nem sempre é clara quando fala da Páscoa e dos
Ázimos. Existem diversas versões conforme as tradições.

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A Páscoa devia ser celebrada no tempo da lua cheia, no mês de Nisan. Cada
família devia escolher um cordeiro sem defeito, macho, de um ano. Ao pôr do sol
do dia 14 o cordeiro devia ser degolado. Seu sangue espalmado na entrada da
casa. Durante a noite o cordeiro era assado e comido. Não se deviam quebrar os
seus ossos. O que não era consumido devia ser queimado. Com o Cordeiro
comiam-se, também, pão ázimo e ervas amargas. As pessoas que participavam do
banquete tinham um traje próprio para viagem. Se uma família era pequena
demais e não conseguia acabar com o cordeiro, unia-se a uma família da
vizinhança. Escravos e estrangeiros podiam participar do banquete, à condição
que estivessem circuncisos.
No dia 15 tinha início a festa dos Ázimos que durava uma semana. O pão
ingerido neste tempo devia ser ázimo. O primeiro e o último dia dos Ázimos eram
festivos e celebrados em assembléias religiosas.

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A Páscoa devia ser celebrada no mês de Nisan. A Tradição não especifica o


dia. A vítima podia ser um cordeiro, um terneiro, uma ovelha ou uma cabra. O
animal era degolado, assado e comido na mesma noite. Isto devia acontecer no
Templo e não nas casas. Na manhã seguinte o povo voltava para casa.
A festa dos Ázimos durava uma semana e todos deviam comer “o pão da
aflição”, isto é “o pão ázimo”. O sétimo dia era dia de descanso e de culto
religioso.
24

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A Páscoa solene celebrada por Josias não inclui a Festa dos Ázimos. Foi
consumida no templo de Jerusalém com uma pompa sem par conforme 2Crônicas
35,7-16. Josias entregou ao povo reunido no templo 30.000 ovinos (cabritos e
cordeiros) e 3000 novilhos. Pessoas ricas também fizeram seus donativos ao povo,
aos sacerdotes e aos levitas num total de 7600 ovinos e 800 novilhos. Quando foi
imolado o sacrifício pascal os sacerdotes aspergiram o sangue e os levitas tiraram
o couro, separando o que devia ser queimado daquilo que podia ser comido.
Distribuíram, então, aos diversos grupos de famílias as carnes para ser oferecidas
ao Senhor. Em seguida assaram-nas no fogo e cozinharam em caldeirões as
ofertas votivas. Cantores e coristas alegravam o ambiente com salmos numa
organização muito apurada e perfeita.
Assim todo o povo celebrou sua Páscoa no mês de Misan, no ano 18 do
reinado de Josias.

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Fazer derivar a palavra Páscoa de “Pesah” (pular) não é científico, mas


popular. A explicação dada em Ex. 12,13.23.27 relata o que o povo dizia
pensando no Anjo destruidor que, ao longo da última praga “pulou, passou além”
das casas dos hebreus.
Foi aventado que a palavra teve sua origem do verbo “ pasahu”, aplacar,
mas foi observado que a Páscoa não é uma Festa expiatória, e por isto o étimo foi
rejeitado.
Ultimamente se pensou que a palavra Páscoa tenha origem de uma palavra
egípcia que significa “golpe, sopro” para indicar a grande derrota que Javé
infligiu aos egípcios. Também esta hipótese não é aceita por todos.
Observando o ritual da Páscoa, vemos que é muito semelhante a rituais de
Árabes antigos e nômades. Para eles a Páscoa não exigia sacerdote, nem altar. A
vítima era sacrificada para obter a fertilidade do rebanho; o sangue era salpicado
para afastar as potências do mal... Celebrava-se este rito quando a tribo procurava
verdes pastagens primaveris. A festa tinha, portanto, um caráter nômade. A vítima
era assada, a carne comida com ervas amargas e pão ázimo, e os membros da tribo
estavam em pé, prestes a partir, com vestidos amarrados e bastão na mão. O mês
era o mês de Abib que se chamou, mais tarde, Nisan...
A origem da Páscoa, portanto, deve ser procurada no deserto, antes do
êxodo. Era lógico que a noite não podia ser escura. Então se escolheu, para
celebra-la, o tempo da lua cheia. Lembremos que os judeus, na época de Moisés,
queriam celebrar a festa no deserto, mas o faraó não permitiu.

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Os Ázimos (Massot ou Matzoth) marcava o início da colheita da cevada. Se


a Páscoa era uma festa pastoril, os Ázimos eram uma festa agrícola. Durante sete
25

dias o pão era feito com a farinha do novo grão, sem fermento e sem sal. Isto
significava o início de um novo tempo, e era celebrado com oferenda da nova
ceara a Javé.
Os israelitas começaram a celebrar os ázimos quando entraram na Terra
Prometida. É possível que a tenham herdado dos Cananeus. Não tinha dia fixo
porque a festa dependia da colheita, mas acontecia sempre no mês de Nisan.
Num certo momento entre a reforma de Josias (622) e o cativeiro (586) as
festas da Páscoa e dos Ázimos se fundiram. A Páscoa prevaleceu e os Ázimos
foram fixados um dia depois para durar uma semana. Páscoa e Ázimos assumiram
um significado comum. Lembravam a libertação que Deus tinha operado no Egito,
acontecimento que ocorreu no mesmo período do ano.

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É a Festa da colheita do trigo. Devia ser celebrada sete semanas depois da colheita da
cevada. Contando sete semanas inteiras, a começar do dia depois do sábado da oferta da
cevada, até o dia posterior ao sábado das sétima semana, completam-se exatamente 50 dias.
A festa foi, assim, denominada Pentecostes. Quando foi estabelecido um dia fixo para a
festa da cevada, também ficou determinado o dia do início da Festa das Semanas.
Era uma festividade alegre, com peregrinação ao santuário. O rito consistia na oferta de
dois pães levedados, feitos com farinha de trigo novo. Havia uma espécie de unidade entre
os Ázimos e Pentecostes: o uso do pão não levedado na primeira festa marcava um início
da colheita, enquanto o uso do pão levedado, 50 dias depois dos ázimos, dava a entender
que a colheita, agora, estava completa.
Os israelitas começaram a celebrar Pentecostes depois de sua entrada em Canaã,
imitando, provavelmente, e assimilando costumes cananeus
Os essênios de Qumrã, seguindo o calendário do “Livro dos Jubileus” celebravam os
Ázimos no dia 26 do mês de Nisan e a festa das Semanas no dia 15 do mês de Sivá.
Embora festa agrícola, Pentecostes foi relacionado com o Êxodo, adquirindo, assim,
outro significado religioso. Os israelitas teriam chegado ao Sinai 3 meses depois de sua
saída do Egito, no mês de Sivá (Ex. 19,1). A festa lembraria assim a chegada ao Sinai. O
Livro dos Jubileus lembra esta relação. Por causa disto, os essênios de Qumrã celebravam a
Aliança do Sinai no dia de Pentecostes.

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È a terceira festa de romaria. Em hebraico era denominada “sukkot” ou “tendas,


cabanas”. A festa é antiga. Era uma festa agrícola, a festa da colheita (asip), a festa que
marcava o tempo da colheita de todos os produtos dos campos. Era uma festa de ação
de graças alegre e reconhecida a Deus. Cantava-se e dançava-se bebendo vinho novo
com generosidade. Entre as festas de romaria era a mais importante e a mais observada.
Chamava-se a “Festa de Javé” (Lev. 23,39 ou simplesmente “A Festa” (Ez 45,25).
Josefo Flávio afirma ter sido “a mais sagrada e maior das Festas hebraicas” (Ant
8,4.1$ 100).
O ritual consistia na romaria ao templo, sete dias de festa e um de repouso.
26

Durante os sete dias de Festa se celebravam sacrifícios especiais (Num 29,12-34) e


no oitavo dia, que foi um acréscimo ao ritual original, o povo repousava antes de voltar às
atividade normais e oferecia sacrifícios (Num 29,35-38).
Durante estes sete dias o povo devia morar em cabanas, pra lembrar as cabanas em
que moraram os israelitas depois da libertação do cativeiro do Egito. Faziam´se procissões
nas quais a gente carregava frutas, ramos frondosos de salgueiros e palmeiras, enfeitava
telhados das casas e do templo com galhos verdes e aclamava ao Senhor. Uma espécie de
procissão semelhante à procissão cristã do dia das Palmas. Josefo Flávio conta que as
procissões se protraiam durante 8 dias e que numa destas procissões o povo bombardeou
com as frutas que carregava o rei Alexandre Janeu, desprezado e odiado. Procissões
semelhantes eram feitas também durante a festa da Dedicação do Templo.
A Festa dos Tabernáculos se realizava no outono, nos meses de setembro/outubro
(Tishri), quando tinha acabado a colheita.
A Festa nasceu nos primeiros tempos da vida sedentária em Canaã. Nada tinha a ver
com os festejos pagãos em honra de Baco, Osíris e Adônis, como foi insinuado. Talvez
tenha tido alguma ligação com festas cananéias semelhantes, sem, porém, assumir as
facetas pagãs das tribos locais.
Porque morar em tendas? O significado religioso que liga a festa á travessia do
deserto só subentrou mais tarde. O costume nasceu de um uso israelita conhecido. Durante
o tempo da colheita se construíam, e ainda hoje se constroem, pequenos galpões para
depositar a colheita e para proteger-se do sol nos períodos de descanso. A festa queria
representar este costume...

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É a festa do Rosh Hashana (Ano Novo). Era celebrada no mês de Tisrhi, no primeiro
dia, não só no AT, mas também no tempo do NT. O início do Ano Novo era saudado com
solenidades especiais. Naquela manhã o povo despertava ao som de um chifre, chamado
“shofar” e entre cantos de louvores. Durante o dia haviam reuniões religiosas, sacrifícios e
abstenção do trabalho, tudo precedido por aclamações (Num 10,5). Por causa deste costume
o dia se chamou também “yom teru´ah” ou “dia da aclamação”.
Em outros textos se fala que o ano novo começava no dia 10 de Tisrhi (Lev 25,9), o que
gera bastante confusão. Talvez a data do Levítico indique o início do ano jubilar conforme
outros calendários do Oriente Médio.
Em Babel se celebrava nesta ocasião a festa de Marduk, vencedor de Tiamat, ou o
cosmo vencedor do caos. Parece que este traço guerreiro tenha sido assimilado em Israel e
tenha surgido, em tempos antigos, para celebrar, neste dia, uma vitória javista. Isto
explicaria as aclamações. No tempo dos Reis tal festa, com as respectivas aclamações, ficou
para a celebração do Ano Novo.
Com o andar do tempo também o Ano Novo assumiu datas diferentes, tanto que
existem acenos em Lev 23 e em Num 29,1-6 indicando a Páscoa como a festa do início do
ano.
27

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É a festa da realeza de Javé. Para aqueles que sustentam que o ano novo começava no
mês de Nisan, esta festa era outra festa de Ano Novo. Em Babilônia havia uma festividade
que se prolongava de 1 a 12 de Nisan que visava celebrar a realeza de Marduk. Na assíria e
em Hattusas haviam festas semelhantes. Se no Médio Oriente se celebrava a realeza dos
seus deuses, por que não deveria haver em Israel também uma data em que se celebrasse a
realeza de Javé?
Muitos salmos parecem apoiar esta origem da festa. Mas, embora haja algo de
verdadeiro nisto, com certeza os israelitas não assimilaram os ritos orientais.
A festa se tornou em Israel um memorial da Aliança com a qual Javé, seu Rei, marcou a
existência e a história de Israel.

* * 3 42

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Junto com a Páscoa e o Rosh Hashana , a Festa da Expiação ou Yom Kippur é a


mais conhecida. A começar do NT assumiu um prestígio tão grande que era simplesmente
chama Yoma (o Dia). Sempre foi celebrada na mesma data: dia 10 de Tisrhi (setembro,
outubro).
O dia da Expiação era dia de repouso total, de penitência e de jejum. No templo
eram oferecidos sacrifícios solenes de expiação em favor do santuário, do clero e do povo.
O sumo sacerdote imolava um touro pelos seus pecados e pelos pecados dos sacerdotes e
levitas. Depois entrava no Santo dos Santos e incensava o “kapporet” da arca, aspergindo-o
com o sangue do touro (Lv 16,11-14). Aquele era o único dia do ano em que o sumo
sacerdote entrava no Santo dos Santos. Em seguida sacrificava uma cabra pelos pecados do
povo. Levava ao Santo dos Santos parte do sangue da cabra e aspergia de novo o kapporet e
o altar (Lv 16,11-14-9).
Havia também neste dia outro ritual: o bode para Azazel. O ritual era bem diferente
de qualquer outro sacrifício. Escolhiam-se dois bodes. Um era sacrificado a javé pelos
pecados do povo e o outro enviado para Azazel. O sumo sacerdote impunha as mãos sobre
este segundo bode transferindo nele todos os pecados do povo. Uma pessoa conduzia o
bode ao deserto afastando assim, para longe, todos os pecados (Lv 16,8-10.20-22). O
homem que levava o bode contraia impureza legal e devia mudar de roupa antes de voltar à
assembléia. Era um ritual que imitava um rito babilônico que se dava no dia 5 do mês de
Nisan.
A festa surgiu depois do exílio. É impossível datar com segurança o tempo da
instituição da festa.

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Hannukkah significa Dedicação. Quem a descreve é 1Mc 4,36-39. Antíoco Epifãnio


tinha profanado o Templo e seus altares e, no lugar do Altar dos Holocaustos, tinha
28

implantado um altar pagão sobre o qual ofereceu sacrifícios a Zeus Olímpio, no dia 25 de
Kisleu (novembro-dezembro). Era esta a abominação da desolação (1Mc 1,57; Dan 9,27;
11,31). Três anos depois, no mesmo dia, Judas Macabeu purificou o santuário, implantou
um novo altar e o consagrou (2Mc 10,5). O evento foi recordado cada ano na festa da
Hanukkah.
A festa durava oito dias, começando aos 25 de Kisleu. Era um evento jubiloso.
Ofereciam-se sacrifícios no templo, faziam-se procissões durante a qual se cantavam os
salmos do Hallel e se abanavam galhos verdes de palmeira e tirso e se acendiam luzes em
profusão. Por isto Josefo Flávio denominou a chamou “Festa das Luzes”. Lâmpadas eram
acendidas diante das casas e alimentadas durante os sete dias, sem interrupção. Elas
significavam a restauração dos candelabros do templo.
Existe uma certa semelhança entre os ritos da Hanukkah com os ritos da festa dos
Tabernáculos, mas existem também grandes diferenças. Na festa da Hannukah foram
cantados, pela primeira vez, os salmos do Hallel. Só mais tarde estes salmos foram
introduzidos no rito pascal.

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Era celebrada, conforme nos diz Josefo Flávio, nos dias 14 e 15 de Adar (fevereiro-
março) e lembrava a vitória dos judeus da Pérsia sobre aqueles que pretendiam ser seus
exterminadores. Os heróis da salvação foram a rainha Éster e Mardoqueu, durante o
governo de Xerxes (485-465), cujo primeiro ministro era Aman, o odiado inimigo de Israel.
Era uma festa alegre, celebrada com refeições e envio de presentes para familiares e
amigos. A vigília da Festa, no dia 13 de Adar, era um dia de jejum, que lembrava o jejum
que Ester fez antes de intervir diante do rei persa. Na sinagoga se lia o livro de Ester. Várias
vezes a leitura era interrompida por imprecações contra Aman e sua família. Era a mais
mundana das festas israelitas, uma espécie de carnaval, com máscaras e costumes.
Acontecia também que homens andavam vestidos de mulher o que era visto pela classe
mais puritana como uma obscenidade.
A palavra “Purim” não é hebraica e nem persa, é acádica. Purim significa sorte.
Do momento que o livro de Éster não é histórico, é difícil determinar a origem desta
festa. Parece ter tido uma origem persa, mas existem festas babilônicas e assírias que lhe
são semelhantes. A festa dos Purim tem suas nas culturas de povos orientais.
Nasceu na Diáspora e não na Palestina e lembra um genocídio do qual os israelitas
escaparam na última hora. Tinha traços também de uma festa pagã de fim de ano, com
banquetes, divertimentos, troca de presentes... Em 2 Mc 15,36 é chamada a Festa de
Mardoqueu. Era uma festa não religiosa, mas popular.
29

3 B *

Os Patriarcas Abraão, Isaac e Jacó fundaram diversos santuários na terra de Canaã.


Estes santuários indicavam, normalmente o lugar onde Deus se lhes tinha manifestado. Em
muitos casos tratava-se de santuários que eram cananeus, mas que eles consagraram ao
culto do Deus verdadeiro e único.

1. SIQUEM.

Antigo santuário cananeu, situado nas montanhas de Efraim, onde havia um


carvalho sagrado, debaixo do qual os sacerdotes pagãos emitiam oráculos. Aqui Deus se
manifestou a Abraão e Abraão edificou um altar para lembrar o acontecimento. Também
Jacó fez uso deste lugar sagrado. Ao voltar de sua estada com Labão comprou o terreno e
construiu um altar. Queimou, debaixo do carvalho, todos os ídolos que suas mulheres
tinham trazido às escondidas, repudiando, assim, definitivamente qualquer culto pagão.
Em Siquém foram enterrados os restos de José, trazidos do Egito. No mesmo lugar
Josué fez uma grande assembléia e o povo renovou solenemente a aliança sinaitíca. Na
ocasião foi elevado, debaixo do carvalho, um monumento de pedras como lembrança
imorredoura. Abimelec foi proclamado rei em Siquém (Jz 9,6).
Durante o período monárquico se celebravam anualmente no santuário ritos
importantes.

N .

Conforme a tradição eloísta, o fundador do santuário de Betel foi Jacó e segundo


aquela Javistas teria sido Abraão. Foi ali, em Betel, que Jacó teve a famosa visão da escada
que unia terra e céu e compreendeu que estava num lugar sagrado ( Bet´El = casa de Deus).
Buscou, então, a pedra que lhe tinha servido de travesseiro e a ungiu com óleo como sinal
de consagração. Prometeu a Deus que voltando da Mesopotâmia, para onde se dirigia, teria
levantado um santuário naquele lugar, e o teria conservado com suas posses.
Assim aconteceu.
Por seu lado os Javistas afirmam que Deus apareceu a Abraão em Betel para
confirmar suas promessas. Havia por lá um santuário cananeu que Abraão dedicou a Javé.

7 N D # "%G

“Abraão levantou suas tendas e foi morar entre os carvalhos de Mambre, perto de
Hebron, e ali construiu um altar do Senhor” (Gen 13,18).
Abraão, Isaac e Jacó moraram naquele lugar e ali foram sepultados com suas
famílias. Foi lugar de peregrinação. Mais tarde, porém, foi profanado por práticas pagãs.
30

9 N NO

Conforme uma tradição eloísta, Deus apareceu a Isaac em Bersabé e lhe confirmou
as promessas feitas a seu pai, Abraão. Para que esta teofania fosse lembrada para sempre, o
patriarca edificou um altar (Gen 26,23-25), ofereceu um sacrifício e teve nova visão de
Deus.
O javista, porém, diz que o fundador foi Abraão.
Bersabé era uma antiga cidade do sul de Canaã onde se adorava a divindade “El
Olam” (o eterno). Os patriarcas teriam aplicado a Javé este título e Bersabé, se teria
tornado santuário israelita durante séculos, até que a idolatria tomou conta do lugar. Amós
condena Bersabé e outros santuários veementemente (5,5; 8,14).

I N B

Eram o santuário portátil dos Israelitas no deserto, o lugar onde Moisés consultava
Javé para conhecer sua vontade (Ex 33,7.11; Num 12,4-10). A tradição mais antiga reza
que Deus chegava sob forma de nuvem, subia e descia sobre a tenda (Ex 33,9) enquanto na
tradição sacerdotal a nuvem tomava posse da Tenda e ficava lá também quando era
carregada na viagem (Num 19,15-23). Nos textos mais antigos se diz que a Tenda estava
fora do acampamento e nos mais recentes se afirma que estava situada no centro do
acampamento.
A tenda, por disposição divina, media 30 x 10 x 10 côvados (côvado = 44 cm) e era
retangular. O tecido era fino e precioso, ornado com figuras de querubins, e coberta com
tiras de pele de cabra e de carneiro, coloridas de vermelho. Tinha uma entrada na parte
oriental e encerrava o Santo dos Santos, em forma de cubo de 10 côvados, dentro da qual
estavam a Arca da Aliança, o candelabro de sete braços e os pães da proposição. Por fora,
diante da entrada, se erguia o altar e havia um tanque para as purificações rituais.
A tenda era cercada por um grande pátio de 100 x 50 cóvados, demarcado com
postes de bronze, sobre os quais hastes de prata ostentavam panos de linho. A medida da
tenda era exatamente a metade daquela do futuro templo de Salomão, que foi construído a
partir deste modelo.
A Tenda sagrada (Qubba) era comum entre os beduínos. Geralmente estava perto da
tenda do chefe, num lugar de honra. O povo a freqüentava para receber oráculos. Seu
transporte se efetuava por meio de camelos.
Quando Davi levou a arca para Jerusalém, a colocou numa tenda. Porém não se
tratava mais da tenda do deserto, mas de um lugar provisório.

A Arca da Aliança era chamada, em hebraico, “Arca do Testemunho” (Aron há


edut), numa clara referência às tábuas da Lei que ela encerrava (Ex 25,16; 40,20; Num
9,15).
Foi confeccionada por ordem de Javé. Era feita de madeira de acácia, com uma base
de 1,25m e 75 cm de largura e de altura. Na parte exterior estava revestida de ouro e tinha
anéis nos quais se enfiavam postes quando devia ser transportada. Tinha uma tampa de
31

ouro chamada “kapporet” que significava “sede da misericórdia”, pois era ali que se
pensava que Deus elargia a sua misericórdia em favor do povo. Sobre a tampa estavam
esculpidos dois querubins. Dentro da Arca haviam as tábuas do Decálogo, um jarro com
maná e a vara de Aarão. A arca precedia os israelitas quando deixaram o Sinai e indicava as
etapas e os lugares para o acampamento.
Ela era o centro do culto israelita ao longo da peregrinação no deserto e continuou a
sê-lo até a destruição do templo em 587.
Depois do ingresso em Canaã, esteve em Gálgala, Betel e Silo. Depois, durante uma
luta contra os filisteus (1Sam 4,11), foi roubada pelos filisteus. Passou de cidade em cidade
causando desgraças até que foi restituída aos israelitas. Ficou em Kiriat-Iearim até que Davi
a transportou para Jerusalém, numa tenda especial levantada para ela. Salomão construiu o
templo e a colocou no Santo dos Santos (2 Sam 6; 1Rs 6,19; 8,1-9). Depois os Livros
sagrados nunca mais falaram da Arca.

N B * H P +

Depois de sua chegada a Canaã, os israelitas fundaram novos santuários. O primeiro


foi o de “Gálgala”, entre o Jordão e a cidade de Jericó. Aqui foi colocada a Arca (Jos 4,19;
7,6), foi feita a circuncisão (5,2-9); foi celebrada a primeira Páscoa na Terra Prometida.
E Gágala Samuel julgou o povo, Saul foi proclamado rei (1Sam 7,16; 11,15) e
repudiado por Samuel (13,7). Foi em Gálgala que a tribo de Judá saudou Davi que voltava
da Transjordânia. Gálgala, porém, se contaminou com práticas pagãs e mereceu críticas por
parte de Profetas (Os 4,15; Am 4,4).

Depois da conquista, Silo suplantou Gálgala como centro do culto israelita. A


localidade se tornou centro político e ponto de encontro de todas as tribos (Jos 18,1; 21,2;
22,9-12). Ali estava guardada a arca e o povo fazia uma romaria anual para oferecer
sacrifícios (Jz 21,19-21). O santuário não era mais uma tenda, mas um edifício denominado
“Casa ou palácio de Javé” (1Sam 1,7).
O santuário de Silo teve um fim altamente dramático. A Arca foi capturada pelos
filisteus, a cidade saqueada e destruída. Silo nunca mais foi lugar sagrado.

7 B

Localidade do tempo dos Juízes, situada no território de Benjamim. Em ocasião de


um crime contra um levita, perpetrado pela tribo de Benjamim, os israelitas se reuniram em
Masfá para jurar solenemente a Javé que vingariam tal crime (Jz 20,1.3; 21,1.5.8). No
tempo de Samuel era lugar de adoração e de sacrifícios (1Sam 7,5-12) e também uma sede
saltuária para o profeta julgar as tribos (7,16). Uma tradição afirma que Saul foi escolhido
rei em Masfá e, na ocasião, teria surgido o santuário.
32

Foi em Masfá que Godolias estabeleceu sua sede de governo depois da queda de
Jerusalém em 586 (Jer 40,-41).
Hoje não se conhece o lugar onde Masfá estava situada. Uns afirmam que deve ser
identificada com Gabaon, centro importante durante o reinado de Salomão. Se for
verdadeira esta hipótese coincidiria com a moderna Nebi Samwil, localidade que os árabes
de hoje relacionam com Samuel. Esta opinião tem a seu favor a etimologia da palavra
Mizpá que significa: “Lugar de vigia” e Nebi Samwil está colocado sobre uma colina de
altura apreciável, vigiando altaneiro os lugares circunvizinhos.

9 D G N P

O livro dos Juizes, capítulo 6, nos dá duas versões da fundação deste santuário. A
primeira reza que o Anjo de Javé apareceu a Gedeão, filho de Joás, da tribo de Manassés,
enquanto almoçava, num dia da debulha do trigo, e lhe deu a missão de libertar Israel da
escravidão dos madianitas. O anjo lhe ordenou oferecer sua refeição como sacrifício sobre
uma rocha. Gedeão o fez e construiu um altar (6,11-24). A segunda narra que Deus falou
em sonho a Gedeão e lhe ordenou destruir o altar que seus pais tinham levantado em honra
de Baal, de cortar o poste sagrado (asherat) pagão, construir um altar e queimar um
sacrifício usando, como madeira, o mesmo poste. Assim, um santuário pertencente ao clã
pagão de Joás foi transformado em santuário israelita javista.
Jz 8,22-27 insinua que depois da vitória de Gedeão o santuário voltou a ser um lugar
de culto idolátrico.

O santuário de Dan teve um início estranho (Jz 17-18). Micas, da tribo de Dan,
roubou prata de sua mãe e mais tarde restituiu o que furtara. Com esta prata ela fez um
ídolo. Micas colocou o ídolo num santuário, junto com um Efod e alguns Terafins ou
divindades domésticas e nomeou como sacerdote seu filho, que logo mais foi substituído
por um levita.
Aconteceu que um grupo da tribo de Dan emigrou para o norte, roubou tudo o que
havia no templo, raptado inclusive o levita, e se estabeleceu em Laís, depois de ter
exterminado todos os seus habitantes. Ali batizaram o lugar com o nome Dan e ergueram o
santuário roubado.
Embora a história tenha todas as características de um culto idolátrico, todavia
parece que o autor deuteronomista carregou um pouco demais as tintas para denegrir a ação
de Jeroboão 1o, do reino do norte, que escolheu dois santuários do seu reino, o de Betel e o
outro de Dan para colocar neles um bezerro de ouro.
Se nós considerarmos que:
* A mãe de Micas consagrou sua prata a Javé
*Logo que foi possível, Micas escolheu um levita para presidir o santuário
pois sabia que o sacerdócio levítico era o legítimo.
* Os danitas usavam o Efod para consultar a Deus.
* O levita tinha nome Jônatas e era neto de Moisés.
* Seus descendentes continuaram a servir no santuário até 722
33

Então poderemos ao menos suspeitar que a origem heterodoxa que foi dada ao
santuário visava outra finalidade determinada.

= H O

A cidade de Jerusalém passou para o controle dos israelitas somente no tempo de


Davi, quando o rei a tirou dos Jebuseus. Desde então se tornou o maior santuário israelita.
Davi transferiu a Arca para Jerusalém, com uma solene procissão, e a instalou numa
tenda colocada num lugar de destaque. Em seguida levantou um altar no terreno onde seria
construído o templo e ofereceu sacrifícios louvando a Deus.
Em Jerusalém havia, com certeza, outro santuário pagão... 800 anos antes
Melquisedeque tinha sido rei da cidade e sacerdote de El Elyon (Deus Altíssimo), divindade
Cananéia (Gen 14,18-20). Este lugar de culto cananeu foi transformado em lugar de culto
para Javé, como era costume no tempo dos patriarcas.
A Arca, porém, estava numa tenda e não num edifício. A tenda estava numa área
destinada ao debulho do trigo, pertencente a um gebuseu de nome Areuna (2Sam 24,18-20).

* H O

1. &'
Salomão começou a construir o templo no mês de Ziv, no ano 957, num lugar que
seu pai Davi tinha escolhido e adquirido, onde havia uma enorme rocha que serviu como
base ao altar dos holocaustos ou ao Santo dos Santos. Daquele tempo até hoje a localidade
sempre ficou ocupada. Hoje impera a Mesquita de Omar.

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Para a construção do templo foram necessários quase sete anos de trabalho. Madeira
e operários especializados vieram de Tiro, cedidos pelo rei Hiram. Pedras e mão de obra
foram obtidas em Jerusalém e arredores (1Rs 5,15-31). Na Bíblia faltam muitos detalhes,
embora a linha geral seja clara.

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O interior do templo estava dividido em 3 secções: O Ulam ou vestíbulo; o Heqal
ou santuário e o Debir ou Santo dos Santos. No Debir estava a arca da Aliança e era
a parte mais santa. O edifício todo tinha uma largura de 20 côvados. O comprimento
do Ulam era de 20 côvados, aquele do Heqal 40 côvados de comprimento e 20 de
largura e 26 de altura e do Debir 20 côvados de comprimento, de largura e de altura.
Havia com certeza um muro entre o Ulam e o Heqal, enquanto Heqal e Debir
formavam uma unidade (1Rs 6,2). O Debir era um cubo perfeito.

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Bem de fronte ao templo de Salomão estavam duas colunas de bronze
(Iachin e Boaz) à direita e à esquerda da entrada, num átrio bastante amplo. Não
34

pertenciam à fachada. Os três lados do Debir e os dois do Heqal tinham ao lado


corredores cuja entrada nos é desconhecida. Acedia-se ao templo por uma escadaria.
À direita de quem entrava, na base da escadaria, estava o altar de bronze e à
esquerda o mar de bronze, uma grande bacia para as purificações dos sacerdotes,
apoiada sobre 12 estátuas de bois.
Haviam também 10 mesas sobre as quais eram colocadas bacias de bronze,
conforme as necessidades.
No subsolo do templo estavam três andares baixos para depósito. Acedia-se ao
segundo e ao terceiro mediante alçapões. Ao redor do templo havia um pátio.

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Dentro do Debir havia a Arca da Aliança. Perto dela e sobre ela dois querubins de
madeira revestida de ouro, cujas asas se estendiam de um ao outro muro e cuja escultura se
elevava 10 côvados da base da arca (1Rs 6,23-28).
No Heqal havia o altar para o incenso, a tábua dos pães da proposição e 10
candelabros (1Rs 7,48-49).

O templo não era uma capela real, mas os monarcas, Salomão e seus sucessores,
eram responsáveis por sua manutenção. O templo era o santuário nacional, o centro de todo
o culto ortodoxo. O rei tinha um lugar de honra no templo por ser o patrono principal do
edifício, todavia não possuía nenhum caráter sacerdotal, embora tivesse muita liberdade de
exercer seu poder também sobre o templo.

I < Q" % %# 61

O primeiro templo foi o de Salomão. Com o tempo foi profanado, alterado,


saqueado. Algumas construções foram acrescidas pelo rei Asa (1Rs 15,15). O pátio foi
ampliado por Josafat. Joatam acrescentou uma porta.
Todos os sucessores de Salomão foram ungidos no pátio do templo e foi lá também
que aconteceu a rebelião contra Atalia. Acaz desmanchou o altar de bronze e o substituiu
por outro, modelado conforme um altar que vira em Damasco; confiscou as bacias móveis e
removeu as esculturas dos touros do mar de bronze, por necessitar de dinheiro. Manassés
ergueu nele altares para ídolos e uma imagem de Asherah (2Rs 15-21,4.5.7).
Mais tarde o templo foi purificado por Ezequias e Josias (2Rs 18,4; 23,4-12)
Em 587 foi destruído pelos babilônios.
O segundo templo foi reconstruído entre 520 e 515. Ao voltar do cativeiro (538),
osjudeus trouxeram consigo a permissão de Ciro para reconstruir o templo. O soberano
persa lhes restituiu também os vasos sagrados que Nabucodonosor tinha roubado. O
trabalho de reconstrução, porém, foi muito lento. Os primeiros a chegar levantaram um
novo altar e recomeçaram os trabalhos (Esd 3,2-6; 5,16). Nem tinham ainda limpado o
terreno quando os samaritanos lhes impediram continuar a obra (4,1-5). Só em 520
puderam recomeçar.
35

Não sabemos qual era o aspecto do novo templo. Certamente tinha as medidas do
antigo, mas era muito mais modesto em sua ornamentação. Ao longo dos séculos recebeu
retoques e ficou cada vez mais bonito e rico. Em 169 Antíoco Epifânio o depredou, levando
o altar, o candelabro de ouro, as mesas das ofertas, o véu da entrada, um prato de ouro e
utensílios sagrados (1Mc 4,36-39). Uma segunda profanação houve em 167 quando o
mesmo rei proibiu todo sacrifício e mandou que se adorasse Zeus Olímpio (1Mac 1,44-49).
Em 164 o templo foi purificado pelos Macabeus e foi de novo consagrado (1Mac 4,36-59).
No ano 20 Herodes, o Grande, reformulou completamente o templo.

= - $ % 1Q- %# 61

O templo foi muito importante para vida de Israel, pois era considerado a habitação
de Deus no meio do seu povo. Quando a Arca entrou no Templo, Deus também tomou
posse de sua casa, enchendo o templo com uma nuvem (1Rs 8,12;Num 12,4-10)).
Os profetas sempre anunciaram que a presença de Deus no meio do povo era um
favor gratuito e podia faltar se o povo se mostrava indigno.
Mais tarde, evoluindo e aperfeiçoando-se o raciocínio teológico a respeito da
transcendência de Deus, se afirmou que Deus vive nos céus, mas escuta as orações que lhe
são endereçadas no Templo. Então o Templo se tornou sinal da presença de Deus, símbolo
da eleição de Israel como povo de Deus e sinal de sua predileção para com Jerusalém. Era a
“glória de Deus” que habitava no templo (2Cron 5,14), vale dizer que no templo Deus era
glorificado.
Jeremias alertou e falou muito duro contra aqueles que consideravam o templo
como um amuleto que trazia sorte(Jer 7,1-15; 26,1-15). Isto se deu principalmente quando a
cidade foi salva das mãos do exército de Senaquerib e o povo, eufórico, e iludiu pensando
que o templo oferecia uma proteção segura contra qualquer inimigo. Esta convicção foi
desmentida pela catástrofe de 587.

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O templo era o centro do culto israelita ou, até mesmo, o único lugar de culto. Antes
dele haviam muitos santuários de maior ou menor importância. Os mais conceituados eram
sempre aqueles que tinham hospedado a arca. Com a construção do templo, Jerusalém
assumiu a liderança entre os santuários. Quando aconteceu a divisão do reino (929), o rei
Jeroboão, do norte, pensou que a continuação central do culto em Jerusalém podia
enfraquecer o poder político do norte. Favoreceu, então, santuários rivais de Jerusalém,
Betel e Dan (1Rs 12,27-30), colocando neles bezerros de ouro. Embora o rei não
entendesse praticar idolatria e rejeitar o culto de Javé (touros e querubins eram
simplesmente símbolos e não ídolos), os bezerros de ouro aliciaram o povo ao culto do
Deus cananeu Baal, provocando reações violentas por parte dos profetas. Todavia os
santuários de Betel, Dan, Gálgala e Bersabé continuaram florescendo sempre mais. Foi no
tempo de Ezequias (715 –705) que se fez um passo adiante para a unificação do culto.
Foram suprimidos todos os santuários fora de Jerusalém (2Rs 18,4,22). Josias continuou o
trabalho do avô de maneira violenta e radical e convocou para Jerusalém todos os
sacerdotes de Judá (23,5.8.9). Em 621, ano em que foi descoberto no templo o livro da lei,
36

que serviu de base à unificação do culto, celebrou uma grandiosa Páscoa em Jerusalém com
a finalidade de inulcar aquela unidade de culto que fazia do Templo o único lugar dea
doração em Israel.
Depois da trágica morte de Josias em 609, a reforma abortou e tudo andou
deteriorando até 538, o ano da grande desgraça. Na volta do exílio se realizou o que Josias
sonhara. De 538 até 70d.C o templo foi o único lugar de culto para Judá.
Fora da Palestina houve dois templos: um em Elefantina, ilha do Nilo, e outro em
Leontópolis, sempre mal vistos pelos judeus ortodoxos.
Na Palestina havia o templo samaritano de Garizim, considerado heterodoxo pelos
judeus, que foi destruído no ano 129 por João Ircano.

As Sinagogas não figuram na literatura do AT. Não sabemos quando surgiram, mas
se supõe que já existissem no tempo do cativeiro ou depois do exílio (538).
A palavra grega “συναγωγη” significa povo reunido, comunidade do povo ou o
nome do edifício em que os judeus celebravam suas reuniões religiosas.
Eram geralmente construídas segundo uma planta retangular, quase sempre dividida
em três naves, separadas entre si por colunas e cada uma com uma entrada própria. Como o
judeu, nas suas orações, dirigia coração e olhar para Jerusalém (Dan 6,10), as sinagogas
eram construídas de tal maneira que a comunidade, a abside e as portas, ficavam orientadas
naquela direção.
Os rabinos consideravam a Sinagoga como um templo em miniatura. O lugar onde
estavam os livros sagrados era chamado o Santo e estava fechado com um véu. Ao longo
das paredes estavam os bancos para os fiéis, no meio, no lado do Santo, havia um estrado,
com estante para o presidente e o leitor. Não faltavam lâmpadas e tapetes.
Os atos religiosos eram celebrados, nos primeiros tempos, aos sábados e dias de
festa. Mais tarde também em outros dias especiais (jejum...). Começava-se com a leitura do
Xemá (profissão de fé) e outras orações. Seguia-se a leitura e a explicação de um trecho da
Lei e dos profetas (At 13,15). A reunião era encerrada com uma bênção (Num 6,24-26).
Era a autoridade civil que tomava conta da sinagoga quando estava situada em
lugares governados por judeus. Se o lugar era de população mista ou havia mais de uma
sinagoga, a direção constava de três pessoas.
Atuavam na Sinagoga um presidente (αρχισυναγωγοσ) que dirigia o culto,
mantinha a ordem (Mac 3,35ss) e escolhia leitores comentaristas e um ministro do dia que
entregava o rolo sagrado ao leitor e depois o guardava. O ministro do dia também aplicava
o castigo da flagelação e anunciava a toque de trombeta o início do sábado.
Ser expulso da Sinagoga era considerado castigo pesado, pois implicava na exclusão
da comunidade judaica.
As Sinagogas da diáspora contribuíram muito para a divulgação do monoteísmo
entre os pagãos.
Havia nas Sinagogas um depósito onde se guardavam coisas velhas, rolos
sobretudo. Estes depósitos eram chamados “Genizá”. Foi na Genizá da Sinagoga do Cairo
que foram encontrados manuscritos muito antigos e de valor imenso para nós.,
37

H * 2 N2N

Filo nasceu em Alexandria entre 25 –20 antes de nossa era numa rica família judia e
morreu no ano 41 depois de Cristo. Formado na filosofia grega e na tradição judaica, tentou
ser uma ponte entre os dois campos de conhecimento.
Nada, ou quase, sabemos de sua vida. Dedicou-se desde jovem o estudo e à
contemplação e, mais tarde, se engajou ativamente na vida da comunidade judaica. No ano
40 d.C fez parte de uma delegação enviada pela Sinagoga a Roma para apresentar queixas
ao imperador Calígula a respeito das perseguições contra os judeus de Alexandria, por não
adorarem os símbolos imperiais.
As obras principais de Filo foram:
• Tratados de filosofia.
• Obras apologéticas.
• Apologia dos judeus.
• Vida contemplativa.
• Estudos bíblicos.
• Alegoria da lei judaica.
• Exposições da lei
Importante é o seu esforço em avizinhar a tradição bíblico-judaica ao helenismo.
Sua filosofia é neo-platônica e tenta conciliar razão com revelação.
Existem livros atribuídos a ele mas que não o são. O mais conhecido é
“Antiguidades bíblicas”. Na idade média este livro foi editado junto com as obras de Fílo,
mas não é de sua autoria. Trata-se de um compêndio de história da Bíblia de Adão a Saul.

3 H B+

Josefo Ben Matias nasceu na Palestina de família sacerdotal entre 37-38 de nossa
era e faleceu em Roma pelo ano 100.
Ele afirma que, quando tinha 16 anos, estudou as seitas judaicas dos fariseus, dos
saduceus e dos essênios e que passou 3 anos junto com o ermitão Bannus, antes de se filiar
definitivamente ao movimento farisaico.
No ano 64 esteve em Roma, onde conheceu personagens importantes, entre as quais
Popéia, mulher de Nero. Na cidade eterna ficou deslumbrado pelo poder e luxo dos latinos.
Voltou à Palestina quando eclodiu o movimento revolucionário. Tentou persuadir os judeus
a desistirem da rebelião, mas acabou aderindo e foi eleito chefe das forças judaicas da
Galiléia. Vencido em 67 em Jotapata, se entregou ao vencedor, Vespasiano, com uma
atitude muito duvidosas a respeito da lealdade com a causa Palestina. Predisse ao general
romano sua vitória e foi libertado em 69. Assumiu, então, o nome “Josefo Flávio”, em
homenagem ao imperador. Após a conquista de Jerusalém por parte de Tito, foi para Roma
e recebeu uma pensão vitalícia, cidadania romana e um palácio real, como residência.
38

As obras que ele escreveu em Roma são as maiores fontes que temos da história
judaica, desde os Macabeus até a caída de Masada. Os livros principais escritos por ele são:
• A Guerra Judaica. Foi escrita pelos anos 70 em aramaico e traduzida em grego. É
um livro filo-romano que nos dá uma visão geral da história dos judeus no período
helenista e da guerra dos judeus contra Roma, a partir daquilo que ele presenciou e
de documentos militares romanos.
• Antiguidades Judaicas ou a História. É uma obra em 20 volumes, editada pelos
anos 93-94 d.C. Conta a história judaica a partir dos Patriarcas até o domínio
romano. Suas fontes não são somente bíblicas, mas procedem também de tradições
populares e outros documentos gregos e latinos.
É nesta obra em que aparece o famoso Testimonium Flavianum, no qual se fala
de Jesus. Muitos acreditam que este Testimonium Flavianum seja uma interpolação
tardia de copistas cristãos.
• Outras obras, chamadas menores, aparecem como apêndice às Antiguidades. As
mais conhecidas são uma autobiografia pela qual quer justificar suas atitudes
como comandante na Galiléia e o opúsculo Contra Apião que é uma polêmica em
defesa dos judeus caluniados por pagãos.
39

H O

Do ano 1250 a 400 aC, período que vai de Moisés a Esdras, o estudo da LEI foi se
desenvolvendo sempre mais. O Decálogo se tornou coração da experiência da Aliança
sinaítica. Nasceram, depois, os códigos legislativos do Pentateuco entre o 1200 e o 600 aC.
Esdras completou o Pentateuco e foram definitivamente fixados o Código da Aliança e
aquele sacerdotal. Desde então nada mais foi acrescentado à Torah. Outras leis começaram
a vigorar conforme as novas situações em que Israel se debatia, mas foram leis orais que
interpretavam a lei escrita, a Torah ou os livros de Moisés. O espírito da lei oral era
proteger a lei bíblica escrita, colocando barreiras ao seu derredor. Se alguém observava a lei
oral, forçosamente observava aquela escrita.
Surgiu, então, um grupo de leis (como o nosso Direito Canônico) que orientavam
detalhadamente o judeu para observar aquilo que Deus mandara através de Moisés.
Podemos dividir o desenvolvimento da lei judaica de Esdras até o Talmud em 4
períodos.

R* 2 N
(400 a 270 aC)

Desde o tempo de Esdras era chamado Escriba (em hebraico Sopherim) todo aquele
que era entendido nas coisas das leis. Conta uma lenda judaica que havia uma grande
sinagoga, um conselho que se ocupava do governo do judaísmo, fundada por Esdras e
abrangendo 120 homens. Entre outras coisas a lenda diz que este Conselho promulgou a lei
e fixou o cânon do AT. A narração é imaginária a não ser na seguinte particularidade: neste
período os escribas estudavam a lei com cuidado e a comentavam.
Pouco temos do período dos escribas, mas a legislação posterior hauriu muito dele.
O método de ensino da lei e da sabedoria legal se efetuava freqüentemente através
de um comentário do texto bíblico denominado Midrash. Este método continuou até o ano
1000 d.C. Porém os midrashim mais antigos que chegaram até nós são do II século da
nossa era. Existem duas espécies de Midrash:
• Midrash Halaká que é uma explicação do texto para tirar dele normas legislativas.
• Midrash Haggadá que era uma explicação do texto para fins éticos e devocionais.

3* 2 *
(270 a 1 aC)

As campanhas de Alexandre Magno com sucessiva ocupação grega mudaram


profundamente o clima político da Palestina. Em seguida, o período revolucionário dos
macabeus incentivou o surgimento de várias seitas no seio do judaísmo. A maioria dos
escribas se amalgamou aos fariseus perdendo, assim, a hegemonia sobre o estudo da
Palavra Sagrada (nos Evangelhos escribas e fariseus são sempre nomeados junto). Os
40

comentários foram de certa maneira obliterados em favor do nascimento de uma verdadeira


jurisprudência, baseada nas opiniões de grandes mestres. Foi aqui que se formou a lei oral,
propriamente dita, lei que foi recusada pelos saduceus, que eram conservadores e que
aceitavam somente a lei escrita.
Segundo a tradição judaica, os grandes mestres deste período aparecem aos pares.
Cada par de mestres era formado pelo presidente e vice-presidente do Sinédrio, e por um
conselho diretivo. Com o último par de Mestres, nos limites da era cristã, se desenvolveram
duas escolas teórico-práticas de jurisprudência. Estes mestres foram Shammai e Hillel..
Shammai interpretava a lei seguindo uma linha dura. Hillel, ao contrário, optava por
uma interpretação mais branda e mais flexível. Por exemplo, quando os fariseus se
apresentaram a Jesus e lhe puseram a questão muito discutida pelos dois mestres, se alguém
podia ou não repudiar a própria mulher por qualquer motivo, perguntaram se deviam
seguir as indicações de Hillel, que afirmava que qualquer motivo era suficiente para que
houvesse divórcio, ou a teoria de Shammai que exigia motivos muito graves.
Hillel (30aC – 10 dC) provinha de Babilônia e introduziu em Jerusalém a recensão
babilônica do Pentateuco que nos foi conservada pelo texto massorético, recensão diferente
da palestinense que foi achada em alguns manuscritos de Qumrã.
Não temos quase nada da jurisprudência deste período, a não ser algumas partes que
passaram à legislação sucessiva.

R * 2
(1 – 200 dC)

É o período da formação do Misnhá. São TANNAIM aqueles que ensinam


repetindo e Mishná significa repetição. Tornava-se evidente que as decisões orais dos
grandes mestres deviam ser conservadas. Estas decisões se conservaram por memorização,
através de repetições. Os estudantes deviam decorá-las e, por sua vez, ensiná-las repetindo.
As primeiras coleções escritas da Mishná apareceram no tempo de Hillel. Os
desastres de 70 e 135 dC (destruições sucessivas de Jerusalém) serviram de catalisadores
para colecionar e pôr por escrito a lei oral.
Já antes de 70 dC o Rabbi Johanan ben Zakkai se estabelecera na costa, em Jâmnia e
depois em Jabneh, onde o Judaísmo teve seu centro, governado pelo Sinédrio, cujo
presidente (nasi) se tornou a autoridade máxima.
Em Jabneh Rabis famosos começaram a recolher por escrito vastas extensões da lei
oral. Rabbi Aqiba, em 135, fez uma extensa coleção que seu discípulo, Rabbi Meir,
difundiu largamente. Depois de 135 a capital do judaísmo foi Séforis (135-150), passando
em seguida para Tiberíades, Cesaréia e Ushá. Foi em Ushá que no fim do século o Rabbi
Judá, denominado o Príncipe (há nasi), codificou a lei oral dos séculos precedentes. Quase
todas as outras Misnhá que já existiam foram inseridas naquela de Rabbi Judá. As poucas
que foram omitidas foram reunidas mais tarde na “Tosefta”, uma Misnhá paralela àquela de
Rabbi Judá.
A Misnhá de Rabbi Judá se tornou para os judeus como um segundo Pentateuco e
foi o objeto especial do estudo. Sua língua é o hebraico, mas um hebraico tardio.
41

O período tanaítico deu à luz muitos midrashim. Sublinhamos SIFRA que trata do
Levítico; SIFRE a respeito dos livro dos Números e Deuteronômio; MEKILTHA sobre o
assunto do Êxodo...

+R* 2
(200 – 500 dC)

É o período dos mestres do Talmud.


Na Palestina, em Tiberíades sobretudo, continuavam as atividades das várias escolas
que comentavam a Misnhá. No entanto surgiu em Babilônia outro centro intelectual que se
tornou o mais importante de todo o judaísmo.
A Misnhá de Rabbi Judá foi levada àquela localidade por um dos seus discípulos,
Abbá Ariká que fundou a escola de Sura, ao lado da qual surgiram as escolas de Neardea e
Pumbedita, cada uma com seus mestres e suas tradições.
Assim palestina e Babilônia andaram paralelamente, com orientações diferentes,
sempre comentando a Misnhá. No fim produziram duas grandes coleções que foram
chamadas TALMUD.
O Talmud da Palestina apareceu entre 375 e 425 enquanto o da Babilôntia entre 400
e 500 dC. O palestinense é breve e incompleto enquanto o babilônico é uma obra imensa.
Falando de Talmud geralmente se fala do babilonês.
Cada Talmud consta de 2 partes:
• A Misnhá. Substancialmente igual nos dois.
• A Guemara (complemento). É o comentário da Mishná.
Os dois Talmud foram escritos em aramaico. As subdivisões do Talmud são as
seguintes:
• Agriculturas
• Festas
• Matrimônio e divórcio
• Lei civil e penal
• Sacrifícios
• Pureza legal.
Quando as escolas da Palestina acabaram, aquelas de Babilônia continuaram por
muito tempo ainda. Foi lá que se estabeleceu o chefe do judaísmo mundial, denominado
EXILARCA.
O Talmud, depois de completado, se tornou objeto, por sua vez, de estudo e de
comentários. O comentário mais conhecido é aquele de Rashi, do século XI, que aparece
muitas vezes, impresso como apêndice do Talmud de Babilônia. O Talmud ficou tão
importante que a formação dos rabinos (a Yeshivá) era pauteada mais sobre o Talmud que
sobre a Bíblia. O Talmud devia ser decorado e conta-se que houve um Rabino que sabia de
cor todo o Talmud de Babilônia...

O QUE DIZER A RESPEITO DO CONTEÚDO DO TAMUD?

Certamente o Talmud tem coisas importantes sob o ponto de vista bíblico, histórico
e ético. Mas sob outros pontos de vista não é digno de crédito. Citaremos alguns itens.
42

• Jesus e o Talmud. Há uma conjura de silêncio a respeito de Jesus nos escritos


judaicos até o aparecimento do Talmud de Babilônia, quando foi divulgado o
documento Toledhot Jesu, repleto de obscenidades e de calúnias sem limites. No
livro Jesus é o filho de uma manicure e de um legionário romano, chamado Pandera.
Seduziu o mundo com suas magias, foi considerado herege, excomungado e
condenado à morte na localidade de Lida. Durante 40 dias procuraram-se
testemunhas que depusessem a seu favor, mas nenhuma se apresentou. Morreu
enforcado na vigília da Páscoa. Sepultado os discípulos roubaram o cadáver e
espalharam que tinha ressurgido dos mortos.
A mãe de Jesus era uma mulher da vida que cometera adultério e fora repudiada
pelo marido. Refugiou-se no Egito, assolada pela miséria mais abjeta. Seu filho
bastardo aprendeu por lá a arte de magia e, voltando para a Galiléia, se fez igual a
Deus.
Os mesmos judeus confessam abertamente que não se deve aceitar tal história,
inventada por teólogos rabinos que polemizavam com os cristãos (Samuel Krauss -
Jewish Encyclopédia).
• Tempos e personagens são apresentados de maneira confusa. Pessoas de uma
época são colocadas em outra, como se nós, hoje, fizéssemos viver junto Lula e
Dom Pedro II, ou Cabral e os astronautas.
• A cidade de Séforis é apresentada com 180.000 praças públicas...
Em Bettar, último reduto dos hebreus rebeldes contra Roma no ano 70, foi
derramado tanto sangue que encheu os arroios. Estes, desaguando no Mediterrâneo,
tingiram de vermelho as águas até 6Km mar afora.
As trombetas do templo eram ouvidas em Jericó e a fumaça dos sacrfícios
oferecidos em Jerusalém fazia com que ovelhas e cabras que pastavam em Moab
espirrassem.
Em Jerusalém não se toleravam galinhas porque, quando esgravatam o chão,
faziam aparecer ossos de gente sepultada.
• O Talmud não acena a certos fatos muito importantes. Como exemplo, não fala
dos Macabeus a não ser citando o nome de Matatias. Nunca fala dos judeus da
Diáspora, que eram a grande maioria depois dos desastres de 70 e 135.

Por isto e por outras coisas que omitimos, o Talmud não parece confiável. Um
israelita muito culto assim se exprime a respeito: “Naquele amontoado de questões e
discussões jurídicas, misturadas a digressões mais ou menos plausíveis, se haurem tão
poucas notícias verdadeiramente históricas que quase não são percebidas. Que grande
ignorância, porém, nelas e quantas expressões desatinadas as envolvem. Precisa-se
reconhecer que são mui pouco dignas de serem tomadas em consideração!” (J. Juster.
Lês Juifs dans l´empire romain).
43

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Apócrifo é um termo grego que significa “oculto, escondido, encoberto, subtraído


ao conhecimento de alguns”. Portanto um escrito que está fora do Cânon. O termo veio
assumir logo mais o sentido de “falso”. Por isto círculos protestantes denominam estes
escritos “pseudepígrafos” ou escritos falsos.
Nas literaturas judaicas e cristãs os apócrifos se contam às centenas. Não tratamos
aqui de todos eles, mas somente de três, com um aceno ao Evangelho Armeno: o Proto-
Evangelho de Tiago, o Pseudo-Mateus e o Evangelho Árabe da Infãncia que, de certa
maneira, pretenderam ser uma reação às calúnias judaicas contra Jesus e Maria,
apresentadas pelo Talmud, Toledoth Iesu e autores pagãos.
Digamos de saída que os valores dos Evangelhos da Natividade e da Infância de
Jesus e Maria, e dos apócrifos em geral, são ambíguos e polivalentes. Durante séculos
foram lidos a nível popular. Examinaram-se os rastos fantásticos, poéticos ou narrativos dos
textos, mas se perderam de vista a riqueza e a complexidade das polêmicas doutrinais e das
controvérsias teológicas que motivaram os escritos.
Tais polêmicas, nos Evangelhos da Infância, são relativas a Jesus e nossa Senhora.
Os apócrifos deram uma resposta própria, em nível mítico, sem dúvida, mas de um modo
que marcou a doutrina, a pintura e a expressão artística de muitos séculos. Só à luz deste
fundo polêmico, poderemos entender plenamente, por exemplo, o sentido de quadros como
o da anunciação da Virgem de Leonardo da Vinci, na qual se apresenta Maria tecendo... Por
que tecendo? O mito nasceu dos apócrifos que contrapõe a santidade do trabalho à calúnia
do escritor Celso, que apresentou Maria como tecelã prostituta. Por que a Anunciação de
Carlos Crivelli, conservada na National Gallery de Londres e a Anunciação de Simone
Martini apresentam um raio de luz que desce no ouvido da Virgem? Não é nada mais do
que uma representação plástica do sofisma da “concepção pela palavra”, que os docetas
hereticamente apresentaram para reforçar a virgindade de Nossa Senhora.
Tentemos apresentar as causas das polêmicas que motivaram o surgimento dos
Evangelhos da Infância, para depois sublinharmos as reações dos mesmos.

• O ciclo relativo à família, à adolescência e ao matrimônio da Virgem se origina no


silêncio dos Evangelhos canônicos. A exegese destes evangelhos levantou muito
cedo as discussões sobre a Virgindade de Maria. Discutia-se se tal virgindade
devia ser entendida unicamente em relação à concepção de Jesus, ou se devia ser
entendida como perpétua, antes, durante e depois do parto. A questão se tornava
mais complicada por causa de três elementos apresentados pelo texto evangélico: o
matrimônio de Maria, os Irmãos de Jesus e a purificação depois do parto.
Fundamentados em tais elementos se podia pensar que Maria, pelo seu matrimônio,
não seria virgem antes do parto, que no parto tivesse perdido os sinais externos da
virgindade e por isto necessitava de purificação, conforme a lei mosaica.
Além das contradições dos textos se acrescente a dificuldade, muito grave, que
provinha das genealogias de Mt e Lc, conforme as quais somente José tinha uma
44

origem davídica e que, para Jesus ser da família de Davi, se fazia mister reconhecer
uma intervenção de José na concepção, para salvar a origem davídica de Jesus.
As polêmicas ferviam. No fim do II século, Celso, repetindo as calúnias judaicas do
Talmud e do Toledoth Iesu, escrevia: “O nascimento de Jesus de uma virgem foi
totalmente inventado. Em verdade nasceu numa localidade da Judéia e foi filho de
uma camponesa que tecia linho para viver. Ela foi abandonada pelo marido, que
era um carpinteiro porque se provou que tinha adulterado, andou ao léu e gerou
secretamente a Jesus que era filho de um soldado chamado Pantera” (Trecho
citado por Orígenes na sua polêmica contra Celso).
A Virgindade de Maria era atacada não somente por Celso e pelos judeus, mas
também por uma escola cristológica denominada docetismo. Esta escola infetou
muitas heresias posteriores como o gnosticismo e o maniqueísmo.
Os docetas ensinavam que a união da natureza humana e divina de Cristo
repugnava à essência de Deus. Por isto, diziam que Cristo não tivera corpo carnal,
mas um corpo “imaginário” e que tinha nascido, vivido, sofrido só aparentemente.
Jesus teria vindo entre nós não de Maria mas através dela, passando por ela e não
sendo gerado. Maria não foi mãe de Jesus, mas caminho pelo qual Jesus veio a nós.
A questão da Virgindade era debatida, então, por duas teses opostas com o risco
de ceder de um lado para combater o outro. Assim Tertuliano, opondo-se ao
docetismo de Marcião, afirmou alto e bom tom que Maria não foi virgem no parto.
A polêmica teve uma conclusão com os esclarecimentos de Santo Ambrósio e
Santo Agostinho que proclamaram a tríplice virgindade como, aliás, o Pseudo
Mateus também sustenta: Virgem quando concebeu e ficou grávida, virgem quando
deu a luz e virgem depois do parto (Sermões de Agostinho – De incarnatione: Santo
Ambrósio).

• Os Evangelhos apócrifos resolvem o problema a seu modo, em nível mítico. Para


encobrir a dificuldade da genealogia de Jesus, inventam uma genealogia
familiar, formada por personagens extra-bíblicos, entre os quais os mais
importantes e conhecidos são Joaquim e Ana. Ana também teve Maria por obra
do Espírito Santo, insinuando uma segunda concepção virginal (Pseudo-Mateus I -
II). Eis como se explicam, então, certas pinturas que representam o Menino Jesus no
seio de Maria e Maria, por sua vez, no seio de Ana. O dogma da Imaculada
Conceição ainda não estava esclarecido e os apócrifos tentaram explica-lo à sua
maneira, nas origens mais remotas.
O problema da virgindade de Maria antes do parto era resolvido atribuindo a
Maria outras irmãs e fazendo filhos delas os personagens que no Evangelho são
chamados irmãos de Jesus. Restava o dilema do matrimônio que é resolvido com o
voto de castidade perpétua feito por Ana, em nome de Maria, antes mesmo do seu
nascimento e depois confirmado por Maria inúmeras vezes. Maria é apresentada
como uma daquelas virgens dos primeiros tempos da Igreja: faziam voto de
castidade, deixavam a casa paterna e iam conviver ao lado dos “contubernia” ou
conventos de homens. A jovem “freira” é confiada a José o qual é apresentado já
velho para garantir a integridade da esposa. Assim Maria aparece Virgem antes do
parto pela sua profissão de castidade perpétua e, quando grávida, por passar pelas
águas amargas que inocentam plenamente a ela e a José.
45

A Virgindade no parto é o ponto onde os apócrifos mostram maior preocupação


documental. Querem exibir as provas tangíveis desta virgindade e chegam a beirar o
obsceno no episódio das parteiras que constatam manualmente o fato. São Jerônimo
e Tertuliano, no fervor de suas polêmicas, usam também uma terminologia crua e
realista indicando as fases do processo fisiológico e a anatomia sexual da Virgem.
Por isto não é de extranhar se as parteiras entram na gruta e testemunham, depois,
que não houve sangue ou outros elementos que dêem a mínima suspeita de falta de
virgindade. Se Tertuliano e Jerônimo foram esquecidos, os apócrifos continuam
vivendo nos mosaicos de Santa Maria Maior em Roma onde uma parteira confere a
condição virginal de Maria.
O proto-Evangelho de Tiago, do Pseudo Mateus e o Evangelho Armeno dão uma
solução ao problema apresentando a concepção através do ouvido (per aurem).
Para nós é uma ninharia, mas para os antigos foi assunto durante um longo período.
Como se teria dado a concepção? Citemos o Evangelho Armeno. “No mesmo
instante, enquanto a Santa Virgem dizia estas palavras e se humilhava (Eis aqui...),
o verbo de Deus penetrou nela através do ouvido e a natureza íntima de seu corpo
foi santificada com todos os seus sentidos e doze membros, e foi purificada como
ouro no fogo. Ela se tornou um templo imaculado, a morada da divindade. No
mesmo instante começou a gravidez da Santa Virgem”.
Esta teoria da concepção pelo ouvido, que se encontra também nos escritos dos
Santos Padres, ensinava que Maria teria engravidado através do ouvido.
Traços desta teoria ainda se encontravam no 1300, no Ofício da Circuncisão de
Pierre de Corbeil...
A teoria da concepção pelo ouvido se difundiu até fora das esferas do cristianismo e
foi motivo de explicações de nascimentos milagrosos. Uma lenda mongol diz que a
princesa Alenkova ficou grávida por uma intervenção análoga. Certa noite uma
grande luz a investiu de improviso, entrou em sua boca, nos seus ouvidos, no seu
corpo, nas suas entranhas e saiu pelas vias comuns da geração. Gerar pela boca é
típico da tradição islâmica. Segundo esta tradição Ana ficou grávida de Maria por
causa de um beijo de Joaquim e Maria porque vestiu uma túnica sobre a qual o Anjo
Gabriel tinha soprado, ou, conforme outra versão, o espírito de Isá penetrou nela
pela boca.

Não queremos tratar e nem comentar os milagres que são narrados nos Evangelhos
da Infância,(fatos que mais servem para ridicularizar os escritos do que edificar os leitores)
e nem outros aspectos que mereceriam nossa atenção, como a relação entre os personagens
bíblicos e aqueles apócrifos, entre a educação dada a Maria e a educação proposta pela
regra de São Bento, as festas assumidas pela Igreja a partir de episódios daqueles livros
(Apresentação de Nossa Senhora ao templo, as liturgias de São Joaquim e de Santana...).
Quisemos somente sublinhar o espírito de polêmica que liga estes Evangelhos com
a Misnhá. Sendo esta faceta quase que esquecida em prol do fantástico que perpassa os
apócrifos, cremos ter levantado uma ponta do véu que cobre um aspecto que, segundo nós,
deveria ser analisado e estudado com maior profundidade.
46

R N ,

E O

Em 1947 beduinos da tribo de Ta´Amireh descobriram casualmente uma gruta nas


encostas da margem norte do Mar Morto, a uma distância de 10 milhas de Jericó. Haviam
nela 10 ânforas sendo, oito vazias e duas com rolos muito antigos,entre os quais uma cópia
do livro do profeta Isaias, bem conservada.
Esta descoberta importantíssima deu início, naquelas encostas, a um frenético trabalho
de arqueologia que se concluiu somente em 1956. Foram exploradas centenas de grutas nas
adjacências e em 11 delas foram achados documentos preciosos, além de muitos outros
objetos e moedas que nos falam da época, dos costumes e da vida daqueles que moraram
por lá.
As grutas mais ricas em documentos foram a gruta 1, descoberta em 1947, a gruta 4 que
veio a luz em 1952 e a gruta 11 explorada em 1956. Estas 3 grutas foram descobertas pelos
beduínos Ta´Amireh, as outras parte por obras dos beduínos e parte por obra dos
arqueólogos. As grutas têm sinais de presença intermitente do homem desde o 4000 aC
Por cima das grutas, a uma milha aproximadamente do Mar Morto, existem ruínas
exploradas por De Vaux e Harding entre 1951 e 1956. São restos de construções antigas
que foram fortalezas nos séculos VIII e VII aC. Estas habitações foram identificadas com a
“Cidade do Sal” de que fala o Gen 15,52. Depois de uma lacuna de séculos, serviram de
habitação de 135 a 31aC. Abandonadas, foram ocupadas e aproveitadas de novo o início da
nossa era até o ano 68 dC. Depois da guerra judaica (70) os edifícios serviram de quartel
durante um tempo aos soldados romanos e de sede para os revolucionário de 132-135.
Nas proximidades das ruínas, a uns 50 metros de distância, foram descobertos também
diversos cemitérios, muito bem planejados. O maior possui 3 avenidas que correm por entre
1100 túmulos, todos orientados na mesma direção. Como teste, foram explorados 26. Eram
todos jazigos de homens. Um túmulo que estava fora do alinhamento era de mulher.
Em outros cemitérios foram encontrados homens, mulheres e crianças.

<

Não está ao nosso alcance enumerar o conjunto dos documentos e fazer a lista dos
ouros achados encontrados nas grutas e ruínas.
Começaremos por uma indicação genérica de alguns objetos achados.
• Cerâmica: é uma cerâmica helenística do 1o e 2o século aC. Encontra-se o
mesmo tipo de ânforas nas grutas e edifícios, o que prova a relação entre
eles.
• Moedas: Foram encontradas moedas somente nos edifícios. Moedas num
lugar indicam o tempo em que o homem deixou a moeda. Foram descobertas
moedas de prata e de bronze do tempo dos Seléucidas (145 – 129 aC);
moedas judaicas do tempo dos Asmoneus (134 – 37 aC); moedas herodianas
47

do tempo de Herodes e Arquelau (37 aC – 6 dC); moedas dos procuradores


com figura de Nero (54 –68 dC); do rei Agripa (41-44 dC); da 1a revolução
(66-69 dC); da 2a revolução (132-135 dC); moedas estrangeiras de Tiro e de
Roma. Resultou um total de quase 2000 moedas que sugeriram a de Vaux
as seguintes conclusõe:
- A relação entre edifícios e grutas só pode ser posterior a João
Ircano (135-140aC)
- O complexo foi destruído em 68 dC
- O período de ocupação de Qumrã se estendeu do 2o séculos aC ao
1o dC.
• Tefilim e Mezuzot. Foram encontrados nas grutas em pequena quantidade.
Tefilim, ou filactérias eram pequenos pergaminhos com texto do
Pentateuco, colocada em pequenas caixas e amarradas na testa ou no braço.
Mezuzot eram escritas do Pentateuco penduradas nos portões das casas.
• Objetos de uso quotidiano: lâmpadas, martelos, facas e muitos outros
objetos de uso diário.

Catalogaremos os manuscritos em escritos bíblicos, apócrifos e outros. Chegaram


até nós foram dez rolos completos e milhares de fragmentos mais ou menos extensos.
• Os textos bíblicos achados representam todo o AT, com exceção de Neemias e
Ester. De quase todos os livros existem diversas cópias (Salmos: 36 – Deut 29 –
Isaias 21 – Êxodo 17 - Gênesis 15 – levítico 13...). Vê-se pelo grande número de
cópias que a comunidade de Qumrã visava meditar e usar os salmos continuamente,
inspirava-se na lei e as profecias de Isaias lhes eram muito preciosas por serem
messiânicas.
Ao lado dos livros da Bíblia se encontram também numerosos Targum, ou
traduções em aramaico que eram lidos nas Sinagogas, pois o hebraico não era mais
entendido pelo povo. São versões importantes para nós pois nos dão testemunho de
como era o texto hebraico interpretado. Os Targum só foram usados antes do
cristianismo.
Em Qumrã aparecem somente livros deuterocanônicos. São chamados
deuterocanônicos, isto é, incluídos no cânon numa segunda etapa, os livros de
Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria, Bem Sirac, Baruc com carta de Jeremias,
parte de Ester e de Daniel. Qumrã foram achados os livros de Tobias, Bem Sirac,
Carta de Jeremias e Daniel.
• Em Qumrã foram encontrados 3 apócrifos já conhecidos por nós e diversos
apócrifos novos. Os conhecidos são: O Livro de Enoc, o Livro dos Jubileus e o
Testamento dos 12 Patriarcas. O maior número de cópias coube ao livro dos Jubileu
(16), encontrado em 5 grutas diferentes. Era muito apreciado em Qumrã. Foi escrito
antes da fundação daquela comunidade (160 aC) em língua hebraica e era uma
espécie de calendário que distribuía a história de 49 em 49 anos.
Grande número de Apócrifos encontrados em Qumrã nos eram completamente
desconhecidos. Muitos estavam escritos em aramaico e outros em hebraico. A
maioria provém da gruta 4 , alguns das grutas 1 e 2.
• Há ainda entre os achados uma multidão de outros textos não bíblicos, muitos deles
escritos em função da vida que aquele povo de Qumrã levava. Distingamos entre os
48

textos religiosos: comentários aos livros do AT, Regras de vida “monástica,” e


livros não religiosos.
- Comentários aos livros da Bíblia. Estes comentários eram uma espécie de
exegese aplicada ao tempo presente. Denominavam-se PESHER ou interpretação.
Foram encontrados comentários de muitos livros de Profetas, Salmos, Gênesis,
personagens famosos como Melquisedeque, testemunhos de autores antigos...
Alguns escritos eram “paráfrases” de livros.
- Textos relativos á comunidade de Qumrã. Lembremos o Documento de
Damasco, A Regra da Comunidade, Os Rolos do Templo, a Carta Halákika,
Escritos Litúrgicos, obras poéticas e escatológicas, a Nova Jerusalém do Futuro, a
Regra da Guerra e escritos Sapienciais.
- O Rolo de Cobre, livro não religioso, encontrado na gruta 3 é um livro estranho
que aponta 64 localidades da Palestina onde estariam fabulosos tesouros em ouro,
prata, manuscritos e toneladas de jóias.
- Textos comerciais. Documentos profanos: Cartas, recibos de pagamento, compra
e venda de terrenos, cereais, casas...

7 < T

• Quem foi este povo que morava em Qumrã?


Muitas são as teorias aventadas. Aquela gente já foi identificada com os fariseus,
terapeutas, os essênios, os zelotes, os ebionitas, os caraitas... com toda uma gama de
seitas que existiram em Israel entre 200 aC e 800 dC.
Hoje não se duvida mais que as ruínas de Qumrã foram sede dos Essênios, pois o
que os escritores antigos, Plínio o Velho, Filo, Josefo Flávio escreveram se adapta
perfeitamente a tal grupo de pessoas.
Houve, porém, outras hipóteses, em geral não são aceitas. Foi dito que:
- O grupo de Qumrã era formado por cristãos o que é absurdo pois
está provado que existia antes do cristianismo.
- O grupo de Qumrã era formado por Saduceus. Talvez na sua
origem a seita fosse sadoquista, mas existem nos escritos demais
diatribas com os Saduceus para podermos identifica-los com eles.
A respeito das grutas e edifícios foi aventado também e rejeitado por todos:
- Que as grutas foram simples “Genizá”, ou depósitos de
manuscritos de pessoas de Jerusalém e que os moradores de Qumrã
nada tinham a ver com as grutas e seus manuscritos...
- Que os edifícios eram uma casa de veraneio de algum ricaço de
Jericó que ia para lá a fim de passar fériasem férias...
• Origens da Seita dos Essênios. O movimento de reforma nacional e religiosa, que
originou o grupo, se deu pelos anos 167 aC. Esta data é sugerida também pela Carta
de Damasco 1,5-8, onde se lê que 390 anos depois da tomada de Jerusalém por parte
de Nabucodonosor (587), Deus fez brotar em Israel um novo arbusto. Outro texto de
literatura qumrâmica afirma que o tempo do reinado de Antíoco Epifânio (175 –163
a C) foi também o tempo exato da origem dos Essênios. Num documento
encontrado na gruta 4 se fala que o grupo teve início entre a época de Antíoco e a
vinda dos romanos (Kittim)...
49

A seita de Qumrã, portanto, deve ser relacionada com os Hassideus (os pios), que se
revoltaram contra Antíoco e aos quais se uniu também Matatias, o pai dos
Macabeus. Eles estavam repletos de furor por causa das blasfêmias e da deserção
dos judeus favoráveis ao sacrílego Antíoco que, em 172, substituiu o sumo
sacerdote sadoquista Jasão por Menelau, que era de outra linhagem.
A mesma etimologia da palavra “essênio” parece estar ligada com “hasya”, o
equivalente aramaico de “hasid” ou Hassideus.
Durante um certo tempo os Hassideus apoiaram os Macabeus. Porém os Hassideus
só visavam a religião enquanto os Macabeus queriam controlar a política e o poder.
Um primeiro conflito surgiu quando o ímpio rei Demétrio impôs como sumo
sacerdote Alcimo (162), aceito pelos Hassideus por ser da família de Aarão, mas não
pelos Macabeus, que o consideravam um traidor. Durante uns vinte anos, diz a carta
de Damasco, o grupo andou tateando na escuridão, até que Deus fez surgir entre
eles um Mestre de Justiça, para guiá-los na caminhada certa.

• O Mestre de Justiça.
Não conhecemos sua identidade. Devia ser um sacerdote de linhagem sadoquista e
muito religioso. Não tem fundamento nenhum aquela teoria que o apresenta como
Messias crucificado e ressurgido dos mortos.
O incidente que causou o rompimento entre Essênios e Macabeus deu-se,
provavelmente, durante o governo de Jônatas. Em 152 ele recebeu pelas mãos do rei
sírio, Alexandre Bala, o cargo de Sumo Sacerdote. Jônatas não era de descendência
sadoquista e, portanto, sua eleição foi ilegítima. Os Hassideus consideraram tal ação
sacrílega. Na Carta de Damasco se fala de um sacerdote ímpio, fiel no início, mas
que se tornou depois traidor dos mandamentos. A carta Halákika seria uma carta
enviada pelo Mestre da Justiça àquele sacerdote.
Há um jogo de palavras, em hebraico, “há-Kohen há rosh” (Sumo Sacerdote) e
“há-Kohen há rasha” (sacerdote ímpio) que foram usadas para o caso. Este
sacerdote foi identificado como Jônatas Macabeu. Na carta se narra também que
ele perseguiu o Mestre da Justiça até num dia santo, o dia da Expiação. Mas não
teve sucesso e foi castigado por Deus que o entregou nas mãos dos gentios. Aqui
existe uma pista importante que parece identificar Jônatas com “o sacerdote ímpio.”
Jônatas foi preso pelo general Trifão e morreu na prisão em 143 (1Mac 14,41-48).
O Mestre da Justiça sobreviveu àquelas perseguições porque “Os convertidos de
Israel saíram da terra de Judá para habitar na terra de Damasco” (Carta de
Damasco 6,5). Damasco não indica a cidade da Síria, mas é sinônimo de exílio. A
arqueologia aponta que o complexo de Qumrã começou a ser habitdo em 140-130.
Qumrã poderia muito bem ser o “Damasco” da carta. O Mestre da Justiça teria
morrido entre 134–104 deixando seus seguidores na espera de um Messias que Deus
em breve enviaria para sua libertação.

• Continuando a história do grupo.


- Século I antes de nossa era.
Pelo fim do reino de João Hircano (135 – 104 aC), muitos discípulos do Mestre da
Justiça afluíram em Qumrã e ampliaram os edifícios lá existentes. Parece que tal
êxodo foi determinado pelas perseguições dos fariseus, que tinham permanecido
50

fiéis aos Hassideus na eleição do Sumo Pontífice Jônatas e a João Hircano, sbrinho
de Jônatas. O período entre 131 e 110 foi muito próspero para o grupo de Qumrã.
Naquela localidade fizeram uma dura oposição aos reis e sacerdotes asmoneus.
Muitos manuscritos de Qumrã censuram a estirpe macabéia e consideram os
terríveis Kittim (romanos) como instrumento da ira de Deus sobre aqueles ímpios.
A arqueologia registra uma violenta destruição do complexo qumrâmico e a atribui
a incêndios e tremores de terra. Sabemos, pela história, que houve um forte tremor
de terra no ano 31 aC. Talvez causa da destruição deva ser tributada a este
cataclismo. Alguns a atribuem a Herodes (37 –4 aC) que não podia suportar um
aglomerado de gente tão numeroso e ativo perto de seu quartel geral, situado em
Jericó. Parece, porém, que Herodes sempre foi favorável aos essênios. Outros ainda
falam que as destruições foram provocadas por inimigos dos essênios.
Seja como for. Qumrã só voltou a reviver só depois da morte de Herodes, nos anos
5 ou 6 de nossa era..

- Século I depois da nossa era.


O complexo de Qumrã, reconstruído, teve ainda uma duração um pouco maior de 60
anos, até que arrebentou a revolta contra Roma. O local se tornou um foco de
resistência judaica e foi conquistado e arrasado no verão do ano 68 pela “Legio
Fretensis”. Os homens de Qumrã, antes do confronto, esconderam seus manuscritos
em grutas. Muitos essênios s transferiram, então para Massada morrendo numa
última desesperada resistência contra o invasor.
Os manuscritos encontraram seu túmulo naquelas grutas foram esquecidos até ano
1948.
Esquecidos mesmo? Temos notícias de aquelas grutas, ou ao menos parte delas,
tenham sido encontradas e exploradas na antiguidade.
Orígenes (185-254) afirma que a sua versão grega dos salmos foi encontrada em
uma ânfora, perto de Jericó. Terá sido em Qumrã? Orígenes nos deu o EXAPLA,
um livro que apresenta o AT em seis colunas: a primeira, o original em caracteres
hebraicos, a segunda em hebraico escrito com letras gregas, a terceira era a
Tradução de Áquila, a quarta aquela de Marcião, a quinta a versão dos Setenta e a
sexta de Teodocião.
Eusébio (260-340) escreveu em sua História Eclesiástica (VI,16,1) que numa
ânfora, perto de Jericó, foram encontrados manuscritos em hebraico e grego
enquanto era imperdador Caracala (211-217).
Timóteo I (726-619), Patriarca Nestoriano da Seleucia notificou ao Metropolita de
Élan que neófitos judeus, no ano 795, tinham encontrados livros numa caverna perto
de Jericó. Um cachorro de um caçador árabe perseguia uma caça e se enfiou numa
gruta. Tardando a sair, o árabe entrou e descobriu um vão onde havia muitos livros.
Comunicou o achado a judeus que foram para lá e encontraram livros do AT em
língua hebraica. O Patriarca quis sondar quais fossem os livros, mas as respostas
foram evasivas. Somente soube que tinham sido descobertos mais de 200 salmos.
Qual terá sido a gruta? Uma das exploradas no século passado?
Na Idade Média existia um grupo de estudiosos chamados: “Aqueles da caverna”.
Será que os ensinamentos deles provinham de livros achados nas cavernas de
Qumrã?
51

9 + P
Existiam essênios espalhados por toda a Palestina, em acampamentos e cidades. Não
sabemos até que ponto a vida deles estava relacionada com o centro monástico de Qumrã.
Aquilo que nós conhecemos, ao menos um pouco, é a vida do grupo de Qumrã.
• Vida de comunidade.
Certamente os edifícios daquele lugar estavam ao serviço de muitos adeptos que
viviam ali perto, em cabanas ou em grutas. A Admissão a esta comunidade da Nova
Aliança era rigorosamente regulamentada. Os candidatos deviam ser israelitas e
detalhadamente examinados por um supervisor. Quando admitidos, deviam fazer
um juramento de obedecer cegamente à lei, como era interpretada pela tradição
sadoquista do Mestre da Justiça. Eram, então, sumetidos a um rito de purificação no
qual se requeria, sobretudo, pureza de coração.
Durante o primeiro ano, o noviço continuava com suas posses e não tomava parte
dos banquetes solenes e nem das cerimônias rituais da comunidade. No fim do ano
havia outro exame. O aluno promovido se tornava, a partir daquele momento,
membro da comunidade, com direitos e deveres, começava a participar das refeições
e seus bens eram transferidos para o patrimônio da comunidade. Haviam normas
severas que visavam punir quem transgredia os preceitos da comunidade. Os
reincidentes eram expulsos.
O celibato era praticado, mas não por todos. Havia na comunidade mulheres e
crianças. Supõe-se que um grupo, a elite, o praticasse. O celibato é mencionado por
todos os autores antigos (Josefo Flávio, Filo, Plínio) mais por ser algo de incomum
no mundo de então do que uma regra universal entre os essênios.
Parece que não praticavam sacrifícios de animais.
Havia um lugar nos edifícios reservado ao trabalho de transcrição dos rolos. Era um
grande escritório, Neste lugar foram encontrados somente tinteiros, mas nenhum
manuscrito. No edifício não havia residências particulares, O povo se reunia por lá
depois do trabalho de cada dia para a oração em comum, o estudo, a leitura e as
refeições. Era uma vida semelhante àquela dos primeiros cristãos da comunidade de
Jerusalém.
• Organização da Comunidade.
O grupo levava uma vida comunitária. Comiam juntos, rezavam juntos, tomavam
decisões junto e juntos trabalhavam. Consideravam-se o “resto de Israel” que Deus
tinha predestinado para ser “árvore da justiça e da fidelidade”.
Havia uma hierarquia bem definida. A autoridade estava nas mãos dos sacerdotes.
A comunidade estava simbolicamente dividida em doze tribos, em grupos de mil,
cem, cinqüenta e dez presididos por um sacerdote e um supervisor.. (Lembremos
que Jesus, no milagre da multiplicação dos pães também mandou dividir o povo em
grupos de cinqüenta). Havia um Conselho Supremo que se reunia cada ano, no dia
de Pentecostes, formado por 12 membros, três dos quais eram sacerdotes (os 12
apóstolos?). O sacerdote que tomava conta da comunidade se chamava Maskil, ou
mestre instrutor que era ajudado por muitos funcionários, entre os quais havia um
tesoureiro. Era tarefa do Maskil presidir às reuniões, ensinar os mistérios de Deus,
examinar os candidatos e ser exemplo para os outros.
A Assembleia de todos os membros adultos da comunidade com o Conselho
Supremo formava a Assembléia dos Muitos. Era a autoridade suprema.
52

I 1 * B

• 1- %#% #
Enquanto vivia o Mestre da Justiça não se falava explicitamente em escatologia e
nem em messianismo. O Mestre da Justiça não era considerado Messias e nem
assumiu títulos messiânicos, mas considerava sua obra como ocasião única de
salvação para Israel, talvez se refazendo ao Servo Sofredor de Isaias. Quando
morreu (120 – 110aC) entraram a fazer parte da seita um grande número de fariseus
e, com eles, subentrou também a fé na vinda de um Messias. Pelo ano 100 apareceu
a Carta de Damasco e a Comunidade se deu conta de que sua libertação não tinha
acontecido durante o tempo do Mestre da Justiça e se acreditou que, num lapso de
40 anos, haveria o messianismo e o fim dos tempos, com o castigo dos inimigos de
Deus. Porém, no Pesher de Habacuc, encontrado na gruta 1 (1QpHab), se anuncia
claramente que Deus prolongou o tempo de sua visita.
A mais famosa das obras escatológicas de Qumrã é a “Regra da Guerra”,
encontrada nas grutas 1 e 4 . Trata da luta entre os Filhos da Luz e os Filhos das
Trevas, que haverá de durar 40 anos. A Guerra é definida “dia da vingança” ou
“batalha de Deus”. Os Filhos da Luz não combaterão sozinhos, tem como aliados os
anjos bons. Do outro lado, os Filhos das Trevas, serão apoiados por anjos maus. O
combate será incerto. Três vezes vencerão os Filhos da Luz e três vezes os Filhos
das Trevas. Depois deste empate, haverá a sétima luta na qual Deus humiliará
Satanás e seus seguidores.
Os 40 anos são assim divididos:
- Cinco anos sabáticos durante os quais é proibido lutar
- Seis anos em que todos combatem
- 29 anos em que só alguns combatem.
No livro são determinadas as idades dos combatentes, a função dos sacerdotes e
Levitas, o lugar das lutas.
Os Essênios esperavam por dois Messias: um Messias Sacerdote, o Messias de
Aarão, com um papel secundário, de orientador e um Messias de Israel, um Rei, o
protagonista principal, da família de Davi.
Não eram claras as idéias essênias do após a morte. O Rôtulo do Templo fala de
um Novo Templo ou de uma Nova Jerusalém a aparecerem depois da última luta
entre o bem e o mal e depois da destruição do mundo.

• *"% % %"# #
O Determinismo está fortemente acentuado nos escritos de Qumrã. Deus é Criador
de tudo, mas antes ainda de criar o mundo, estabeleceu o que devia acontecer à sua
criação. Tudo já foi pré-determinado.
As conclusões que os essênios tiraram deste princípio são drásticas.
- Não adianta fazer prosélitos porque já está estabelecido quem
pertence ao grupo dos “muitos” e quem é excluído.
- Quem se deve perder se perde e não há conversão possível.
- O homem por nada influencia o andar dos acontecimentos. O que
deve acontecer acontecerá.
53

• " # /
Neste plano predeterminado por Deus existem dois caminhos: o da treva, ou do mal,
e o da luz, ou do bem. Todo o universo está submerso nesta dualidade firmemente
controlada por Deus. Homens e anjos pertencem a uma destas realidades e as duas
partes lutam continuamente entre si. Esta luta acabará somente no dia do juízo final.
Os Filhos da luz e anjos, seus aliados, sairão vitoriosos.
Esta guerra cósmica entre duas forças radicais se reflete também no campo
individual. Toda pessoa contém luzes e trevas, é santa e pecadora...
• # % ( 1 &
Deus quis firmar uma Nova Aliança com o seu povo. Escolheu-o e revelou-lhe sua
vontade em tempos diversos, de modo especial no Sinai. Os descendentes de
Abraão viveram uma relação de Aliança com Deus, até que sua desobediência
obrigou Deus a castiga-los com o cativeiro de Babilônia. Deus estreitou uma Nova
Aliança com o resto daquele povo. Os que viviam em Qumrã se consideravam parte
deste resto que Deus predestinou a ser “árvore da justiça e da fidelidade”.
Cada ano se celebrava, em Qumrã, a renovação desta Aliança. O ritual desta
celebração está amplamente descrito na “Regra da Comunidade”.

• %"6"% &' -" " "


O estudo da Bíblia em Qumrã era fundamental. Este estudo levava a zelar pela
observância de leis particulares para poder enfrentar o tempo da maldade e a viver a
vontade divina como o grupo a interpretava.
Pela Bíblia eram levados, também, a uma concepção da estrutura do Universo. A
revelação revela o curso da história e a posição de cada indivíduo dentro da história.

• 1% !" % 1
O ano solar tinha 364 dias e o lunar 354. Nestes calendários são mencionadas as
festas da Bíblia hebraica e as festas próprias dos essênios. Os calendários de Qumrã
eram diferentes daqueles usados no Templo. Por isto não havia coincidência de
festas comuns e existiam dias festivos que não apareciam no calendário judaico.
Sendo o calendário lunar muito reduzido, com meses de 29 e 30 dias, num total
anual de 354 dias, era necessário acrescentar um mês cada três anos, para que o
calendário lunar coincidisse com o calendário solar.
O mês começava sempre na lua cheia, no quarto dia da semana (quarta feira), pois
Deus tinha criado sol, lua e estrelas no quarto dia.
No culto não havia sacrifícios de animais. Os esqueletos que a arqueologia
encontrou nada tem a ver com animais imolados, mas com animais abatidos para
alimentação.

• "# C .
Testemunhas fora do grupo, Josefo Flávio de maneira especial (Guerra Judaica
2,120ss), falam que os Essênios viviam vida casta, não cediam às tentações da
carne, desprezavam o casamento, adotavam filhos de outros quando ainda menores
e os educavam conforme seus princípios. Josefo Flávio, reconhecendo, talvez, ter
54

exagerado um pouco, atenua seus juízos dizendo: :” Não é que condenem em


absoluto o casamento, mas se defendem das mulheres porque as consideram
incapazes de permanecerem fiéis a um só homem”. Afirma também que existia
outro grupo de essênios que consideravam o homem solteiro como um aleijado. Os
membros deste segundo grupo provavam suas esposas durante três anos e casavam
somente quando fosse comprovado que elas eram fecundas e fiéis. Acrescenta que
não tinham relação com mulher grávida, contraiam matrimônio não pelo prazer, mas
para terem filhos... As mulheres tomavam banho vestidas e os homens com uma
tanga (Guerras Judaicas 2,160ss).
Plínio escreveu que era um milagre inexplicável o fato de que toda aquela gente,
que desprezava a mulher e não casava, se multiplicasse tanto!

O que dizem os documentos de Qumrã?


- A Regra da Comunidade não fala em casamento.
- A Regra da Assembléia e o Documento de Damasco dão normas
para as famílias e para a educação dos filhos e de como os filhos
eram admitidos na comunidade.
A partir dos documentos e dos testemunhos da época pode-se afirmar o
seguinte:
- Havia dois grupos diferentes de Essênios, uma mais radical em
relação ao matrimônio e outro mais liberal.
- A Regra da Comunidade era destinada a uma sociedade isolada,
composta somente de homens e, portanto, não conclusiva.
- O Documento de Damasco, ao contrário, dita regras para grupos
de essênios que viviam em cidades e localidades diversas e que
tinham família.
- A Comunidade de Qumrã não era celibatária. Mulheres e crianças
achadas nos cemitérios quase certamente faziam parte do grupo.
Não parece lógico terem sido somente visitantes.
Para termos mais luzes a respeito precisamos de ulteriores descobertas de escritos
relativos ao assunto.

= , +
Existem entre os escritos de Qumrã e o N.T. semelhanças e diferenças. Houve
quem opinou que os moradores de Qumrã eram cristãos. Admitir isto seria um
anacronismo evidente.
Notemos, antes de tudo:
• Jesus nunca é mencionado.
• Nenhum livro do NT foi encontrado por lá. (A respeito da gruta 7Q se falará em
seguida).
• È possível que textos de Qumrã tenham influenciado o NT e outros escritos
cristãos.
• Jesus se parece muito com o Mestre da Justiça.
• A maneira de viver da Comunidade essênia se parece muito com as primeiras
comunidades cristãs.
• Os 12 membros do Conselho de Qumrã lembram os 12 apóstolos.
55

• A preocupação escatológica de Qumrã prega a 2a vinda de Cristo, que parecia


iminente pra algumas comunidades cristãs primitivas.
• Expressões e modos de dizer dos livros de Qumrã aparecem com freqüência no NT,
o que nos dá uma compreensão exata do sentido original. Sublinhemos algumas:
+ Luz e trevas.
+ Justiça de Deus.
+ Obras da Lei
+ Filhos da luz
+ Foi dito... Porém eu vos digo...
+ Pobres de Espírito
+ Os muitos... (Mat 26,27 e Mc 14,23-24 usam, na fórmula da Consagração
eucarística, a expressão “para muitos” em quanto Lc diz “por vós”. “Os Muitos” em
Qumrã eram todos os membros da Comunidade, os escolhidos. Em Marcos e
Mateus então o “para muitos” deve ser interpretados “por vós”, como diz Lucas.)

Falou-se que personagens bíblicos, inclusive Jesus, teriam pertencido ao movimento


dos Essênios.
• João Batista. Seus ensinamentos, seu modo de agir e vestir, sua estada no deserto,
sua pregação, seu pensamento escatológico, se inserem no pensamento essênio. Isto,
porém, não nos dá certeza nenhuma de que João Batista tinha sido um essênio.
• Jesus. Embora na sua doutrina tenha muita coisa em comum com os essênios, hoje
nenhum teólogo de valor sustenta sua filiação ao grupo. Aquilo que é comum procede
da maneira de pensar e sentir da época que se alimentava das doutrinas das diversas
seitas vigentes.
• Tiago, o irmão do Senhor. O jornalista Eisenman e os escritores Baigent e Leigh
levantaram a tese absurda de que este discípulo tivesse sido o “Mestre da justiça” e
Qumrã “uma comunidade cristã primitiva”. O falso profeta, o Sacerdote ímpio,
segundo eles, teria sido Paulo, cúmplice dos assassinos de Tiago. Uma história policial
que beira o sacrílego e é absolutamente inacreditável.

Textos cristãos em Qumrã? Na 7Q (gruta 7) de Qumrã foram encontrados fragmentos


de textos em grego. O Jesuíta espanhol, José O´Callaghan julgou ter achado restos de
Marcos, Atos, 1Timóteo, Tiago e 2Pedro. Caso isto seja verdade, aqueles fragmentos
revolucionariam todas as hipóteses da origem do NT. Um daqueles papiros, o 7Q5 (O
fragmento 5 da gruta 7) ainda resiste deixa esperanças para uma autenticidade. Ele
encerraria letras do versículo de Mc 6,52-53 e seria datado como pertencente ao ano 50
depois de Cristo. Caso seja comprovada a tese, deveríamos admitir que O Evangelho de
Marcos já estava circulando pouco mais de 15 anos depois da morte de Jesus.
Considerando que o manuscrito mais antigo do NT até o ano 1952 é de 125 de
nossa era, foi descoberto no Egito em 1935 e traz Jo 18,31.33.37.38, este fragmento da
7Q5 seria de extraordinária importância por se tornar o mais antigo do NT.
O fragmento tem uma altura de 3,9 cm e uma largura de 2,7cm. Contém 5 linhas
com uma letra na primeira, 5 na segunda, 6 na terceira, 4 na quarta e 4 na quinta.
Callaghan pesquisou no AT e NT procurando textos em que se poderiam encaixar estas
letras e encontrou Mc 6,52-53.
56

Surgiram muitas polêmicas a respeito e parece que é pouco demais o que aquele
fragmento apresenta para dar certeza de que seja verdadeiramente de Marcos.
Acrescentemos que foi encontrado um versículo do apócrifo de Henoc que apresenta as
mesma características. Todavia persistem dúvidas, porque, na mesma gruta, havia uma
ânfora enviada de Roma, tendo gravado nela o local de sua proveniência.

> * U ,
Falando da importância, só podemos acenar a alguns itens de maneira muito superficial,
pois só com uma análise profunda seria viável sublinhar todo os benefícios que
haurimos das descobertas de Qumrã.
Estas trouxeram uma contribuição muito grande para o conhecimento do conteúdo
do AT. Qumrã floresceu entre 150 aC e 70dC. Judeus e cristãos tinham unicamente
livros da Bíblia hebraica. Os manuscritos de Qumrã deram maior luz sobre os textos em
hebraico, sobre o desenvolvimento e a evolução de livros bíblicos e sobre o Cânon do
AT.
O manuscrito mais completo de Qumrã foi o Livro de Isaias da gruta 1, contendo
todos os 66 capítulos. Antes de 1947 não se possuía uma cópia hebraica sequer de
textos anteriores à época cristã, mas somente traduções. O texto massorético é dos anos
890-100 dC. Os Setenta já são uma tradução e não um texto original, e as cópias mais
antigas desta tradução são do século 3o dC. Não temos o original do Pentateuco
Samaritano, mas somente manuscritos da idade média... Eis, então, que as descobertas
colocam em nossas mãos textos datados entre 250 aC até 70 dC. São cópias bem
antigas de livros bíblicos que já possuíamos.
Antes de 1947 pouco ou nada sabíamos da língua falada na Palestina nos dois
primeiros séculos antes de Cristo e 1 século depois. Qumrã nos abriu um leque novo de
compreensão das expressões do tempo que nos ajudam enormemente a entender
também o NT.
A história da evolução dos textos recebe novas luzes e novas orientações. As
descobertas possibilitaram a reconstrução da história do desenvolvimento de alguns
livros ( Salmos, Daniel...) e da história do Cânon do AT.
Embora a palavra Cânon não apareça em textos qumrâmicos, toda a
documentação de Qumrã envolve uma consciência canônica. A Sagrada escritura é vista
com uma consideração sem fim e é tratada não como coisa humana, mas divina. Isto
nos dá a certeza de que assim era entre os outros judeus da Palestina e da Diáspora.
A afinidade que existe entre os manuscritos de Qumrã e o NT legitima o NT
como produção histórica numa determinada época e dentro de um determinado
ambiente. Pela primeira vez agora se pode recorrer ao original de muitas expressões a
partir dos escritos de Qumrã.

F N + 4 E
• Q = Qumrã
• NQ = Número da gruta de Qumrã. Ex: 1Q, 2Q, 11Q (Gruta um, dois, onze)
• 7Q5 = O número que vem depois indica a enumeração do fragmento ou rolo.
Lê-se: Fragmento cinco da gruta 7.
• 1QpHab = Hab indica o livro e “p” indica que o livro é um “pesher”
Lê -se: Pesher de Habacuc da gruta 1.
57

Em lugar de “p” pode haver outras indicações que apontam o gênero


literário: Ex: 1QapGen = Apocalipse do Gênesis da gruta 1.
• Existem outras abreviações. Vejamos mais algumas;
1. 1QH = Hodayot (Hinos de agradecimento ) da gruta 1 de Qumrã.
2. 1QIsª = Primeira cópia de Is da gruta 1 de Qumrã.
3. 1QM = Rolo Milhama (da guerra) da gruta 1 de Qumrã.
4. 1QS = Rolo Serek há-Yahad (Regra da Comunidade) da gruta 1 de
Qumrã.
5. 4Qflor = Rolo do florilégio da gruta 4 de Qumrã.
6. 4Qmess.ar = Rolo messiânico aramaico da gruta 4 de Qumrã.
7. 4QPrNab = Pesher da Oração de Nabonides da gruta 4 de Qumrã.
8. 4QTest = Rolo dos testemunhas da gruta 4 de Qumrã.
9. 4Q TLevi = Testamento de Levi da gruta 4 de Qumrã.
10. 11QMelq = Rolo de Melquisedeque da gruta 11 de Qumrã.
11. 11QtgJob = Targum de Jó da gruta 11 de Qumrã.

3 N *

L "8%

É um lugar situado a 9 milhas de Jerusalém, no deserto de Judá, perto do Mar


Morto. Foi uma antiga fortaleza dos Asmoneus. Em julho de 1952 beduínos descobriram
por ali manuscritos do século VI e IX de nossa era. Estes manuscritos estão em língua
árabe, grega e aramaica.

" 88 R

Neste local situado a 15 milhas ao sul de Jerusalém e a duas milhas do Mar Morto,
os beduínos encontraram em 1952, 4 grutas, duas da quais tinham material escrito.
Nelas havia fragmentos em hebraico do AT, principalmente dos profetas Menores, duas
cartas autografadas pelo revolucionário Simão Ben Kosibah, chefe na revolução de 132-
135, e outros fragmentos legais e datados, que tratam de assuntos sociais e econômicos.

7 -

Em 1961 estudiosos israelitas organizaram uma expedição para explorar grutas ao


redor do mar Morto. A três milhas ao sul de Engadi foram encontrados manuscritos do
tempo da 2a revolução: 15 cartas de Bar Kosibah escritas em grego. Foram encontrados
também outros 35 documentos dos anos 93 a 132 de nossa era, em nabateu, aramaico e
grego, escritos por um certo Babata, provavelmente um soldado.
Numa outra gruta, chamada a grutas dos horrores, porque nela morreram muitos
soldados, foi descoberto um fragmento em língua grega de um rolo dos profetas
menores. Numa outra gruta havia pergaminhos em hebraico do Êxodo e outros papiros
em grego.
58

Ao sul do Mar Morto existe a elevação de Massada, a última fortaleza judia a cair
nas mãos dos romanos em 73. Nesta localidade foram encontrados:
a. Um “ostracon” com escrita em aramaico
b. Um rolo com o texto massorético dos Salmos 81-85
c. Três cópias do original hebraico de Ben Sirac.
d. Outra cópia das “Liturgias celestes”, há descoberta em 4Q.
e. Textos diversos, entre os quais um verso de Virgílio, em latim, deixado, com
certeza, por algum soldado romano lá aquartelado.
59

2 + .

Contrariamente ao ponto de vista ocidental e moderno, os Semitas, com a maior


parte dos antigos povos orientais, consideravam o nome da coisas ou das pessoas como um
componente essencial ou um complemento de seu portador.
O nome Jesus, hebraico Yeshua, o sentido de “Deus ajuda, Deus salva”. Os títulos
que vamos examinar em seguida são acréscimos significativos a este nome e, portanto,
úteis para conhecer a essência de Filho de Deus.

2 * *

• % / "
Do grego Κυριοσ era também atribuído a Javé. Na pregação primitiva foi
usado para indicar Jesus ressuscitado. Uma das primitivas fórmulas de fé
rezava: “Cristo é o Senhor”. Usar “Senhor” para indicar o ressuscitado foi a
primeira maneira de atribuir a divindade ao filho de Maria. As primeiras
comunidades preferiam usar esta expressão do que o título: “Filho de Deus”.
Notemos que no AT se invocava Deus com o nome ADONAI ou SENHOR.

• % "
O nome aramaico “mesihá”, em grego Κριστοσ, significa “ungido.” Foi
usado na pregação apostólica para sublinhar a crença cristã de que Jesus era
a reposta dada por Deus às esperanças messiânicas de Israel. O Kerigma
concorda com aquilo que os Evangelhos apresentam: Jesus era reconhecido
como Messias durante seu ministério público. Proclama Jesus como um
Ungido de Espírito Santo e de poder.
Os discípulos tiveram dificuldade em pregar que Jesus era o Messias. A
passagem de Jesus na terra não foi gloriosa e nem de rei. Não se saiu
visivelmente vitorioso. Morreu sem instaurar um reino visível e sem libertar
Israel do jugo dos gentios. Por isto, os discípulos pregavam que Jesus se
mostraria plenamente Messias na sua segunda vinda e que subira ao céu para
assumir totalmente sua missão messiânica, sendo seu reino celeste e não
terrestre.
O conceito de Messias foi logo mais espiritualizado e aplicado a alguém cuja
glória era interior e tinha libertado Israel não da escravidão política, mas
daquela do pecado. Foi apresentado, então, um Messias que sofre, que dá a
sua vida pela salvação de todos, Messias divino, ungido no momento da sua
Encarnação. Cristo, então ficou como que um segundo nome de Jesus. Por
causa disto nós falamos sempre em Jesus Cristo.

• %"( % %
É uma expressão que foi aplicada a Cristo na pregação de Pedro (At 3,13),
mas que tem sua origem em Isaias (53), nos famosos cantos do “Servo
Sofredor”. Também Filipe explica ao eunuco da rainha Candace o mesmo
60

texto de Isaias e aplica este título ao Senhor Jesus. A essência deste título
aplicado consiste em sublinhar a paixão e morte de Jesus Cristo como o
ápice de sua ação redentora.

• % H
Estes títulos, que não são somente epítetos, aparecem no Querigma de Pedro
(At 3,14). Notemos que Santo é reservado a Javé, e Justo é reservado ao
Servo sofredor em Isaias. Jesus é O SANTO e O JUSTO.

• *") 6% (
O termo grego “αρχεγοσ” indica príncipe, chefe, guia, cabeça, iniciador. A
nossa vida espiritual é conduzida por ele, e ele é o guia, a cabeça do novo
Israel em marcha para a Jerusalém celeste. O título lhe cabe muito bem.

• ( J % ( 1
Jesus é representado por duas figuras do AT: Moisés e Elias. Ele é o profeta
semelhante a Moisés e o profeta semelhante a Elias. Então eis os título: O
novo Moisés e o novo Elias. Pelo primeiro se indica o Cristo como
legislador da nova lei e pelo segundo como o taumaturgo que pregou a
verdade e acabou subindo ao céu.

• % % "
Estevão em seu discurso fala de Moisés enviado como Redentor de Israel e
aplica o adjetivo a Jesus Redentor do mundo.

• 1( "
Pedro em At 5,31 prega este título, amplamente desenvolvido depois na
teologia paulina. Σωτηρ, o correspondente grego, era dado aos deuses, ao
imperador e é aplicado também a Deus Pai. É um título que indica a missão
e a divindade de Jesus.

• 1/ % % .
Encontramos este título de Jesus pela 1a vez nos At 9,20, num discurso de
SãoPaulo. Jesus é Filho de Deus não por adoção, como todos nós, mas por
geração. É um título que lhe convém plenamente.

2 *

• Nos Evangelhos Sinóticos aparecem alguns títulos precedentes (Servo de


Deus, Messias, Senhor, Salvador) com sentido pleno. Deixando de
comentar algumas auto-afirmações dadas por Jesus a si mesmo, (Caminho,
Verdade, Vida, Porta, Pão descido do céu...) que são títulos de um profundo
sentido teológico, mas não foram usados para substituirem o nome “Jesus”,
nos limitaremos a termos mais usuais e mais ligados à onomástica.
61

• % "%E 88 E 88
Era o modo ordinário com que os discípulos chamavam Jesus. Eram títulos
honoríficos sem sentido teológico particular.

• 1/ % (
Jesus foi de linhagem davídica através de José, que embora não fosse Pai
natural de Jesus o era legalmente. José, também, foi chamado pelo Anjo
Filho de Davi. Tem neste título uma referência ao oráculo ligado à dinastia
de Davi, que afirmava ser desta linhagem o Rei Messias. Mateus dá uma
preferência especial a este título.

• 1/ < # %#
Jesus aplica este título a si mesmo. O epíteto significa simplesmente homem.
Mas em Jesus assume um sentido todo especial. Ele é o homem celestial, o
homem ideal, o mesmo Deus que assumiu a natureza humana. A expressão
era usada também pelos gentios, para indicar uma pessoa ideal, um indivíduo
que tem todas as características que uma pessoa humana poderia ter.

• 1/ % " E 1/ "6 % "


Indicam simplesmente a filiação humana com que Jesus era conhecido pelos
conterrâneos.

7 2 , * *

Nas cartas atribuídas a Paulo se encontram muitos títulos aplicados a Jesus nos
Evangelhos e Atos: Filho de Deus, Filho de Davi, Senhor, Cristo, Servo de Deus,
Salvador.. Existem título próprios também,que apresentamos em seguida.

• V1 # ' , ( ' .
Este conceito “Último Adão” equivale a “Filho do Homem” que nunca
aparece em São Paulo. Jesus é o “Novo Adão” em sua condição de
ressuscitado. É uma nova criação do homem finalmente perfeito e completo.
É o Adão definitivo, o último, o homem perfeito no qual todos encontram
salvação, enquanto no primeiro todos encontraram perdição.

• # -%# % % .
É um título próprio de Paulo e nos reata á criação. Por isto está ligado com o
“último Adão”. Cristo é a imagem de Deus invisível, o primogênito de toda
criatura. Nós todos, que endossamos a imagem do homem terrestre, podemos
em Cristo revestirmo–nos, a semelhança de Jesus, do homem novo conforme
a imagem do criador.

• *"# -? .
Jesus é o primogênito do Pai, é filho único de Deus, primogênito entre
muitos irmãos. Nele todos nós nos tornamos filhos de adoção. Ele é o
62

primogênito também entre os mortos, o primeiro a ressuscitar, por isto é


constituído “Chefe e cabeça” da Igreja.

• 8%& -"%W
Na concepção de Paulo a respeito da Igreja “Corpo de Cristo”, Cristo é
considerado Cabeça. È Cabeça também das legiões angélicas. A relação
entre a cabeça e o corpo é, para Paulo, uma relação de amor.

• 6Q 1 %* )$ %.
Apóstolo, isto, enviado pelo Pai para exercer uma missão divina e Pontífice
porque enviado ao povo cristão para distribuir os frutos de sua redenção.

• %
Em diversos lugares Paulo indica Jesus com a palavra Deus. O título é claro
e não admite ambigüidades.

9 2 H H

João usa títulos que são próprios e também títulos dados pelos sinóticos e por Paulo:
Servo de Deus, Ungido, Filho de Deus, Senhor, Filho do Homem, Profeta...

• 1/ % H J.
Por duas vezes Jesus e denominado assim pelos fariseus que só conheciam
sua paternidade legal

• " %" % % .
Ocorre no Evangelho e no Apocalipse. È um título que nos coloca no âmago
da missão de Jesus que veio a este mundo para salvar a todos do pecado.
Tem uma ligação com o cordeiro pascal imolado para salvar os primogênitos
israelitas, em ocasião da passagem do Anjo Exterminador. Cristo, Cordeiro
Pascal, foi imolado para a salvação de todos.

• % % " %1
Diante de Pilatos Jesus esclarece de como ele é Rei. Herodes o tratou
ironicamente como “Rei dos Judeus” mas para João este título é de interesse
muito grande.

• * 1 (" % % .
João aplica o termo Λογοσ a Jesus logo no início do 4o Evangelho. Este
título é o tema do prólogo e se encontra também no Apocalipse 19. Cristo
existe desde toda a eternidade como Λογοσ, mas de certa maneira distinto
do Pai. Mas Ele é Deus. O Λογοσ é o criador do universo, encarnou-se em
Jesus Cristo, se identificou como Cordeiro e é apresentado como Juiz e Rei
63

universal. Jesus é o Λογοσ porque traz nos seus ensinos a revelação cristã e,
mais ainda, porque ele mesmo é a revelação do Pai.

• .
Existem em João oito momentos em que Jesus identifica a si mesmo com a
afirmação absoluta: EU SOU (Εγϖ ειµι).
Esta afirmação misteriosa é uma referência intencional à auto-identificação
de Javé no Sinai, quando se revelou para Moisés (Ex 3,13-14). É, portanto,
uma expressão da própria divindade. Notemos também que a tradução grega
dada pelos Setenta à expressão bíblica “Eu sou aquele que é” é exatamente
Εγϖ ειµι.

• % %# / $%1
É um título que expressa o amor fiel e misericordioso do Pai em enviar seu
filho Jesus e a fidelidade de Jesus em testemunhar o Pai.

• * "! 1 .
Este título tem o sentido de intercessor. É usado geralmente para indicar o
Espírito Santo, mas em Jo. 14,16 é implicitamente aplicado também a Jesus.
64

P * .

3 P
O NT nos dá quatro listas de 12 homens que Jesus escolheu para que ficassem com
Ele. As listas aparecem em Mc 3,16-19; Mat 10,2-4; Lc 6,14-16 e At 1,13 (sem Judas
Iscariotes). João não nos dá a lista, mas menciona os doze (6,67; 20,24).

Mc Mt Lc At
Simão Pedro 1 1 1 1
Tiago filho de Zebedeu 2 3 3 3
João filho de Zebedeu 3 4 4 2
André, Irmão de Pedro 4 2 2 4
Filipe 5 5 5 5
Bartolomeu (Natanael?) 6 6 6 7
Mateus 7 8 7 8
Tomé 8 7 8 6
Tiago de Alfeu 9 9 9 9
Tadeu 10 10
Lebeu 10
Judas, filho de Tiago 11 11
Simão o Zelotes 11 11 10 10
Judas Iscariotes 12 12 12

N.B. Tadeu, Lebeu (este nome consta em manuscritos ocidentais) e Judas de Tiago seriam
a mesma pessoa popularmente conhecida pelo nome de Judas Tadeu. A tabela apresenta as
quatro listas e a ordem com que os nomes aparecem nas listas.

- Primeiro grupo de quatro apóstolos.


O primeiro Apóstolo das listas evangélicas é sempre Simão Pedro, filho de Jonas e
irmão de André. Era natural de Betsaida (Jo 1,44) mas tinha uma casa em Cafarnaum
(Mt 8,14).
A palavra Pedro não é, como alguns alegam, uma abreviação de “Petronius”, mas
forma masculina traduzindo o grego “κεφασ”, ou “pedra”.
Simão e André eram pescadores no Mar (lago) da Galiléia. André era discípulo de
João Batista (Jo 1,40). Talvez Pedro o fosse também.
Tiago e João eram filhos de Zebedeu e exerciam a profissão de pescadores, junto
com o pai (Mc 1,19). Há quem afirma serem primos de Jesus, pois a mãe deles, Salomé,
(Mc 15,40), teria sido irmã de Maria Santíssima (Jo 19,25). Os dois eram conhecidos
pelo apelido “Boanerges” ou “filhos do trovão” (Mc 3,17) por serem sido um pouco
temperamentais. Tiago, conhecido como “O Maior” ou “O Ancião) em relação aos
outros Tiagos, foi martirizado por Herodes Agripa I entre os anos 41 e 44 (At 12,1-2).
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João nunca é nomeado no 4o Evangelho. É identificado, porém, como “o Apóstolo que


Jesus amava”. Caso seja o mesmo João do Apocalipse, deve ter vivido um período de
tempo na Ásia Menor, na ilha de Patmos.
Pedro, Tiago e João são um grupo especial, intimamente ligados a Jesus. Foram
testemunhas da Transfiguração (Mc 9,2), da ressurreição da filha de Jairo (Mc 5,37) e
estiveram perto do Mestre no Horto das Oliveiras (Mc 14,33).

- O segundo grupo de quatro apóstolos.


Filipe era, natural de Betsaida e amigo íntimo de André (Jo 1,44; 6,5-6; 12,22).
Nada se sabe a respeito de Bartolomeu, filho de Talmai. João menciona Natanael que
foi identificado, por alguns, com Bartolomeu. É provável que Natanael não tenha
pertencido ao número dos Doze . Tomé é chamado Dídimo ou Gêmeo (Jo 11,6;20,24).
Uma antiga lenda apócrifa narra que era irmão gêmeo de Jesus.
Mateus é o quarto do segundo grupo. Era um publicano cobrador de impostos.
Segundo a opinião mais divulgada era conhecido também como Levi, embora Orígenes
afirme que Levi era outro personagem, não pertencente ao número dos Doze.

- Os quatro do terceiro grupo.


A tradição popular identifica Tiago de Alfeu e Judas de Tiago como dois entre os
4 denominados irmãos de Jesus: Tiago, José, Simão e Judas. O parentesco exato destes
com Jesus nos é desconhecido. Talvez fossem primos. A doutrina da virgindade de
Maria é a base para afirmarmos que não são filhos de José e de Maria. A palavra grega
“αδελφοι” (irmãos) é uma tradução literal do hebraico “`ah”, que significa irmão, sem
dúvida, mas que abrange também uma esfera muito mais ampla de relações. Um estudo
comparativo entre Mc 15,40, Mt 27,56 e Jo 19,25, faz pensar que ao menos dois, entre
os 4 denominados irmãos de Jesus, sejam filhos de Cléofas e de uma Maria que não era
a Virgem Santíssima. Portanto eram irmãos primos e não carnais. È muito improvável
que os Tiago e Judas, de que estamos tratando, fossem apóstolos pois eles não
acreditavam em Jesus. (Jo. 7,5; Mc 3,21.31).

N.B.
a) Entre os amigos de Jesus existem três personagens chamados Tiago:
• Tiago o Maior, filho de Zebedeu, irmão de João, o apóstolo.
• Tiago filho de Alfeu, um dos Doze.
• Tiago filho de Cléofas, “ O Menor”, chamado “irmão de Jesus”. Foi Bispo
de Jerusalém, autor de uma carta, grande difusor do cristianismo, mas não
pertenceu ao número dos Doze.
b) Parece ter havido também três homens de nome Judas.
• Judas, filho de Tiago, do qual nada sabemos a não ser que foi um dos doze.
• Judas, chamado irmão de Jesus, filho de Cléofas, autor de uma carta. Não
foi um dos doze e parece ter sido Bispo de Jerusalém.
• Judas Iscariotes, o traidor, pertencente ao grupo dos Apóstolos.

Voltando à lista encontramos Simão, o Zelotes ou “o Cananeu.” Este último


epíteto não significa necessariamente que ele fosse de Caná, pois pode estar ligado ao
termo aramaico “qan´aná” que significa zeloso, o que nos reporta a Zelotes. Parece um
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pouco estranho que entre os discípulos de Jesus houvesse um membro deste fanático
partido nacionalista anti-romano, muito difuso na Galiléia.
Judas Iscariotes é o último do grupo e da lista. Era filho de Simão, o Iscariotes (Jo
12,4). O termo “Iscariotes” parece significar “natural de Qeriot”, localidade da Judéia.
Por causa desta denominação, Judas é considerado o único membro não Galileu do
grupo. Há que interprete Iscariotes como um reflexo de “sicário” (o homem do punhal),
termo latino (sicarius), para indicar o membro de um grupo nacionalista ligado aos
Zelotes.

Existem dificuldades a respeito de um dos membros dos doze, pois no 10o e 11o
lugar aparecem, em códices ocidentais, três nomes: Lebeu, Tadeu e Judas, sendo, este
último, apresentado como irmão e não como filho de Tiago.
Orígenes afirma que os três se referem unicamente ao Apóstolo Tadeu.
Outros pensam que Lebeu seja o mesmo que Levi.
Judas, diferente do Iscariotes, é apresentado por alguns códices como “Judas o
zelotes” ou “Judas Tomé”. O problema que Lebeu, Tadeu e Judas levantam indica
que no tempo em que os Evangelhos foram escritos, já era bastante confusa a memória
a respeito dos Doze.

• P

Jesus escolheu os Doze para que permanecessem com Ele (Mc3.14-15), pregassem
e tivessem poder sobre os demônios (Mc3.14-15). Depois da Ressurreição, aparece a 10
deles e os envia (Jo 20,19ss). Os Atos (1,13; 2,1 6.2) apresentam os Apóstolos como
recipientes do Espírito Pentecostal, piedosos e ativos em resolver os problemas das
Comunidades. Os Doze se tornaram assim representantes de Jesus na fundação e no
governo da Igreja.
Quando teria começado o grupo dos doze? Foi uma reconstrução da Igreja
primitiva, em vista da missão, ou foi mesmo Jesus que os escolheu?
Uns críticos rejeitaram a tese segundo a qual Jesus teria escolhido Doze Apóstolos,
afirmando que o conceito de Doze tinha sua origem por estar a Igreja modelada sobre os
doze filhos de Jacó ou as doze tribos de Israel, e que Jesus histórico nunca fez tal escolha.
A afirmativa não resiste a uma crítica mais profunda. Fica evidente que os apóstolos
faziam parte do ministério de Jesus. Eles têm um papel demais ativo na história evangélica
para que possam, sem mais nem menos, serem considerados um simples acréscimo tardio.
Os textos do N.T. (não somente os Evangelhos) falam da escolha dos Doze por parte de
Jesus. Quando um deles falhou, os outros se preocuparam em substituí-lo para que o
número dos Doze fosse completado (At 1,15-26). Paulo relata uma aparição de Jesus
Ressuscitado aos Doze (1Cor 15,5). Na realidade a aparição de Jesus, citada por Paulo, foi
para onze apóstolos, pois Judas já não estava entre eles. Se Paulo fala de Doze fala de uma
instituição consagrada, existente, real e aprovada.
Notemos também que a comunidade escatológica de Qumrã tinha um Conselho de
doze homens, o que nos sugere que no tempo de Jesus existia este costume de modelar as
comunidades no sistema das doze tribos.
Parece-nos que relegar os Doze a uma introdução tardia nas comunidades cristãs,
em vista de uma organização modelar da Igreja recém-nascida, seria tirar algo de essencial
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aos Evangelhos, que falam dos Doze como um grupo escolhido por Jesus para segui-lo
constantemente e continuar a sua missão.

• *

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6Q 1 tem sua étimo em “αποστελλειν” ou “enviar”. Embora o termo grego
nada tenha a ver com o envio para uma missão (só é usado em termos militares: expedição
de soldados ou navios), todavia foi usado pelos autores sagrados do NT para indicar
aqueles que são enviados por Jesus para uma missão. O Apostolado do NT está ligado à
instituição rabínica dos “Sheluhim” ou “enviado com credenciais”. No fim do 1o século de
nossa era, as autoridades palestinenses enviavam rabis como representantes, autorizando-os
a agirem com poderes plenos; eram os Sheluhim. Os Sheluhim recebiam, antes da missão, a
imposição das mãos. Suas tarefas consistiam em tratar assuntos financeiros, ou em recolher
dízimos e taxas para o templo, ou em proclamar verdades religiosas com autoridade.
Pensando aquilo que diz João: “como o pai me enviou assim eu vos envio” (20,21) ou na
expressão de Lucas: “quem recebe a vocês recebe aquele que me enviou” (9,48), a analogia
se torna evidente. Sabemos, outrossim, que nos escritos rabínicos Moisés, Elias e Ezequiel
eram considerados Sheluhim de Deus. Os Apóstolos eram os Sheluhim de Jesus.
Não todos aceitam esta origem do Apostolado do N.T. Porém não temos motivos para
rejeitarmos a suposição.
Paulo apóia esta suposição quando nos diz que na estrada de Damasco Cristo lhe
apareceu e lhe outorgou um mandado de testemunhá-lo pregando. Sentiu-se enviado por
Cristo, Sheluhim de Cristo.

6Q 1 X ) 1 0 % 6 "% % Q %6 % ""% &'

Os Doze receberam o nome “Apóstolos” somente depois da Ressurreição e não durante


o ministério de Jesus. Os trechos dos Evangelhos (6 no total) que usam a palavra
“Apóstolo” são anacronismos, no sentido que os Evangelistas usaram a terminologia de
uma época posterior para descrever fatos acontecidos em décadas passadas. Ou seria,
talvez, uma maneira de agir semelhante àquilo que acontecia nos círculos do Talmud, onde
os discípulos dos rabis se tornavam Sheluhim só depois de um determinado tempo?

3. 6Q 1 $%"% % .%.

O termo “Apóstolo” não foi exclusivo dos Doze, mas muito mais amplo. No NT são
chamados Apóstolos muitos outros indivíduos.
• Tiago, o irmão do Senhor (Gal 1,19)
• Paulo (1Cor 1,1...)
• Barnabé (At 14,4; 2Cor 9,6)
• Andronico e Júnia (Rm 16,7). Júnia provavelmente é mulher.
• Silvano e Timóteo (At 17,4)
• Apolo (1Cor 4,6)
• Paulo fala também em falsos Apóstolos (2Cor 11,13)
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• A Didaqué fala de Apóstolos, aplicando o título a todos aqueles que pregam


a palavra de Jesus.

4. 1 '

Os Doze receberam o múnus de serem Apóstolos desde os primeiros dias da


Ressurreição de Cristo. Eles foram entre os primeiros a verem Jesus Ressuscitado
(1Cor 15,5). Privilegiados por terem sido testemunhas de Jesus “desde o batismo de
João até o dia de sua ascensão ao céu” (At 1,22), tiveram o papel especial de autenticar
a tradição que dizia respeito a Jesus e de tomar decisões relativas às comunidades
cristãs.
Foram chamados por Deus para pregarem o Evangelho e serem Embaixadores de
Cristo (2Cor 5,20); testemunharem sua vida e ressurreição (At 1,22; 1Cor 15,5);
continuarem a obra de Cristo (Rom 1,1); serem servos de todos (2Cor 1,24) e, em
comunhão com a paixão e morte de Cristo, darem vida à Comunidade (Gal 4,9).
Desenvolveram sua função especialmente em Jerusalém. Eram insubstituíveis.
Quando o lugar de Judas ficou vazio foi completado por Matias, indicado pelo mesmo
E.S. Porém, quando Tiago o Maior foi martirizado não se falou em substituição. Os
Doze foram considerados com únicos, fundadores da Nova Israel. Na escatologia se
assentarão sobre doze tronos para julgar as tribos de Israel.
Paulo, com sua vocação, revelou ao grupo a importância da ação missionária e
alguns seguiram seus passos, afastando-se de Jerusalém para exercer o apostolado mais
diretamente, a maneira do Sheluhim. Os Atos, o Apocalipse e as cartas de Paulo falam
de Pedro e João que foram para terra longínquas.
Depois do ano 60 não se fala mais dos Doze a não ser de Pedro e João que se
tornaram centro das atenções dos escritores do fim do século.
Como grupo, os Doze sempre tiveram grande importância no pensamento cristão. A
Igreja, a mulher do Apocalipse coroada por doze estrelas, ostenta neles seu fundamento.
Eram doze só, mas modificaram o mundo porque neles estava agindo Cristo. Eles foram
os Sheluhim que Cristo enviou, com todo os seus poderes e suas credenciais.
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O Sacerdócio em Israel. Pág 01


Altares e sacrifícios. Pág 11
Festas Israelitas Pág 21
Lugares de culto Pág 29
Escritores judeus do período bíblico Pág 37
A Lei Judaica de Esdras até o Talmud. Pág 39
Evangelhos Apócrifos da Natividade Pág 43
Os Manuscritos do Mar Morto Pág 46
Títulos dados a Jesus no NT. Pág 59
Os Doze e o Apostolado. Pág. 64

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