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G RU PO M U LT I F O C O

Rio de Janeiro, 2019


Copyright © 2018 Arthur Junior, Felipe Asensi, Irene Nohara e Leonardo Rabello (org).

direção editorial Felipe Asensi e Marcio Caldas


edição e preparação Felipe Asensi
revisão Coordenação Selo Ágora 21
projeto gráfico e capa Carolinne de Oliveira
impressão e acabamento Gráfica Multifoco

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meios existentes sem autorização por escrito dos editores e autores.

Visões constitucionais interdisciplinares


JUNIOR, Arthur
ASENSI, Felipe
NOHARA, Irene
RABELLO, Leonardo

1ª Edição
Janeiro de 2019
ISBN: 978-85-8273-646-3

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A816v Junior, Arthur


Asensi, Felipe
Nohara, Irene
Rabello Leonardo.
Visões constitucionais interdisciplinares /
organização Arthur Junior, Felipe Asensi, Irene Nohara e
Leonardo Rabello . – Rio de Janeiro : Ágora21, 2019.
793 p. ; 23 cm. (Coleção CAED-JUS; v. 3)

ISBN 978-85-8273-646-3
Inclui bibliografia.

1.Direito constitucional I. Título


CDD: 340

Ficha catalográfica elaborada por Amanda Caetano (CRB-2/1666)


Trinta anos da Constituição
federal de 1988 e a necessidade
de uma nova constituinte?
João Paulo Marques dos Santos

Aspectos preliminares

Eis o trigésimo aniversário da Constituição Federal de 1988. E com


essa magnífica data, o Brasil vivencia um ano incomum. É um ano em
que, sob à bandeira do combate à corrupção, viola-se direitos e garantias
fundamentais. É o ano em que ocorre a primeira eleição para o cargo de
Presidente da República, após o escândalo generalizado de corrupção
nas mais diversas áreas de atuação do Estado.
E, por ser o primeiro ano após esses escândalos, verifica-se vários
candidatos que concorrem ao cargo de Presidente da República defende-
rem propostas que põe em risco a Constituição de 1988, já que suposta-
mente a culpa de todos esses problemas seria ela.
Hamilton Mourão, candidato a Vice-Presidente de Jair Bolsonaro,
defende que o início à crise que vem passando o país se deu com a
Constituição em 1988, necessitando, na sua visão, de uma nova consti-
tuinte, porém, mais clean, privilegiando princípios e valores imutáveis,
devidamente elaborada por uma comissão de notáveis, sendo dispen-

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sada a presença do povo271. Fernando Haddad, por sua vez, candidato à


Presidência da República, vai trabalhar para viabilizar a criação de uma
nova Constituição272. Embora essas propostas, em si, não sejam objeto
do presente estudo, elas representam uma preocupação real de dilace-
ração dos direitos que foram conquistados com a Constituição Federal
de 1988, ou seja, um verdadeiro retrocesso jurídico.
Apesar disso, a presente investigação terá como escopo responder
às questões que antecedem à instituição de uma nova Constituição, ou
seja, o poder constituinte, cujo fim será responder aos seguintes ques-
tionamentos: (i) é possível a inauguração de uma nova ordem consti-
tucional no âmbito do Brasil? (ii) uma nova Constituinte é necessária?
(iii) os problemas enfrentados pelo constitucionalismo brasileiro, ho-
diernamente, serão superados com uma nova Constituição?
Não há, como é de conhecimento dos “notáveis”, Constituição sem
a participação do povo, e a construção de uma nova, dificilmente será
melhor do que esta que o Brasil possui (BARROSO, 2018). Uma Consti-
tuição rica em direitos e diretrizes, jamais será o problema, mas a solu-
ção. O problema, na verdade, está nos seus intérpretes e, neste ponto,
sabe-se que isso pode ser mudado.

1. A Constituição federal de 1988

A promulgação da Constituição Federal de 1988 é fruto de um sonho


que parecia distante para aqueles que vivenciaram os horrores da dita-
dura, em especial por que esse regime já perdurava por mais de vinte e
cinco anos sem ser contestado (STRECK, 2018, p. 152).
Esse período de silêncio findou a partir da edição do Ato Institu-
cional n. 5, por meio da criação do Movimento Democrático Brasileiro
que era uma oposição pacífica àquele regime e até mesmo a criação de
grupos violentos, semelhantes a uma resistência (STRECK, 2018, p. 152).
Esses movimentos se intensificaram na década de 70 até nos primeiros

271. In.: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/vice-de-bolsonaro-defende-no-


va-constituicao-sem-constituinte.shtml. Acesso em: 28 set. 2018.
272. In.: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/haddad-diz-que-vai-criar-condi-
coes-para-nova-constituicao.shtml. Acesso em: 28 set. 2018.

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anos da década de 80, já com os novos partidos políticos, onde se bus-


cavam a realização de eleições diretas para o cargo de Presidente da
República (STRECK, 2018, pp. 152-153).
Essas organizações sociais findaram com a vitória de Tancredo Ne-
ves que, embora assassinado antes de tomar posse, seu sucessor deu se-
guimento ao projeto de governo, isto é, com a promulgação da Emenda
à Constituição para instituir a Assembleia Nacional Constituinte, o que
foi feito em 27 de novembro de 1985 (STRECK, 2018, p. 153).
Após o complexo processo de elaboração da Constituição de 1988,
esta foi promulgada em 5 de outubro de 1988. Na visão de Silva (2005,
p. 89) esta Constituição traduziu, à época da sua promulgação, um tex-
to razoavelmente avançado, com inovações importantes para o cons-
titucionalismo brasileiro e até mundial. Por outro lado, Streck (2018,
p. 154) já afirma que ela é o mais avançado texto jurídico-político do
Brasil, posição esta que Barroso (2018) também ratifica e acrescenta:
“(...) só quem não soube a sombra não reconhece a luz.”.
Não só avançada à época, mas distinta de qualquer outra Constitui-
ção que o Brasil já possuiu na sua história constitucional, tanto no seu
conteúdo, quanto na sua elaboração, a qual foi estatuída com ampla
participação popular (SILVA, 2005, p. 90).
É uma Constituição com muitos direitos, porém, não desnecessários,
pois essa carta política é um documento histórico que marca a cessação
de um período totalitário para alçar a era democrática (TAVARES, 2017,
p. 112; ABBOUD, 2013, p. 45). Maraca, aliás, uma era de estabilização das
instituições frente as mais adversidades imaginadas (BARROSO, 2018).
Assim, todos esses direitos jamais serão estorvos, mas compromis-
sos firmados pelo Estado em prol do combate às suas violações. É com
base nesses compromissos que Streck (2018, p. 154) alude que ela está
filiada ao constitucionalismo dirigente, compromissário e social.
Apesar dos avanços no âmbito dos direitos fundamentais, a Consti-
tuição de 1988 precisa superar muitos percalços, a caminhada ainda não
chegou ao fim e sequer está perto de acabar. Um deles, sem dúvidas, é o
limite da interpretação que, por vezes, leva à mutilação do conteúdo cons-
titucional em prol de interesses que não foram abarcados pela Magana
Carta, mas pelo clamor popular ou, até mesmo, pelo apelo midiático. O

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VISÕES CONS T I T UCIONAIS IN T ERDISCIPLINARES

outro, é a ausência de uma teoria da decisão previamente elaborada pelo


ordenamento jurídico, conduzindo os intérpretes e os estudiosos do direi-
tos a presenciar várias situações complexas e absurdas, como a execução
provisória da pena após o segundo grau, a qual, sem dúvidas, manchou a
virilidade do princípio da não culpabilidade (STF - ARE 964.246).
A despeito desses problemas, uma coisa é certa, a solução não é
uma nova Constituinte e quiçá os “jeitinhos” que pretendem dar alguns
candidatos ao cargo de Presidente da República para contornar direi-
tos fundamentais garantidos pela Constituição de 1988. A solução a es-
ses problemas, embora óbvia, não pode ser outra, senão a de cumprir a
Constituição, já que ignorá-la, conduzirá a sociedade brasileira ao Abso-
lutismo e ao Autoritarismo, dos quais o Brasil já se desvinculou em 1988.
Seguindo esse modo de pensar Abboud (2013, p. 45) alude que:

Frise-se, a Constituição Federal sozinha não é um ponto de Arqui-


medes que ao ser descoberta elimina as mazelas da sociedade. Ac-
ontece que dificilmente se constrói uma democracia sem a corre-
spondente Constituição. A Inglaterra não tem Constituição escrita.
Entretanto, desde 1215, com a Carta Magna a sociedade inglesa tem
construído, historicamente, um tecido constitucional para proteger
o cidadão dos desmandos e do excesso do Poder Público. Talvez,
por não ser escrita, a Constituição Inglesa seja aquela que pos-
sui maior normatividade, uma vez que se confunde com a própria
história do povo Inglês. Os EUA têm uma Constituição enxuta que
cresceu com algumas emendas, mas sua essência e seu respeito são
pontos fundamentais do constitucionalismo norte-americano. A
Alemanha não teve uma Constituição escrita a partir de um Poder
Constituinte genuíno. Contudo, no pós-guerra, em razão de uma
sólida atuação do Tribunal Constitucional alemão, foi possível con-
ferir status constitucional a sua lei fundamental.
O Brasil não é a Inglaterra, nem os EUA e tampouco a Alemanha.
Ainda assim, possui um Texto Constitucional mais rico e genero-
so na concessão de direitos e garantias ao cidadão do que os três
mencionados países. Portanto, se existisse um culpômetro para
apontar as razões de a nossa democracia ser mais incipiente do
que a inglesa, americana ou alemã, a menos culpada seria nossa
Constituição vigente. Assim, se com um texto generoso, como o
da Constituição de 1988, ainda não concretizamos os requisitos

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básicos de uma democracia, sem nenhum exagero, é possível afir-


mar que, sem ela, rumaríamos para a barbárie.

Acertada a posição do autor, mas não se pode olvidar as conquistas já


alcançadas pela a atual Constituição, devidamente elencadas por Barroso
(2018): (i) estabilidade institucional - a superação do autoritarismo, da hi-
perinflação, vários escândalos de corrupção e dois impeachments de Pre-
sidentes da República, certamente é um ponto de estabilidade da Cons-
tituição; (ii) estabilidade monetária com o plano econômico real adotado
em 1994; (iii) inclusão social – o Programa Bolsa Família é um ótimo
exemplo de conquista deste item; e (iv) avanço dos direitos fundamentais
por meio da proteção ininterrupta da Suprema Corte do Estado. São vá-
rias as conquistas alcançadas e também são vastos os pontos a serem me-
lhorados, entretanto cessar essa caminhada seria abandonar um objetivo
da nação para aventurar-se em outro, cujos resultados seriam incertos.
Por essas razões que o constitucionalismo brasileiro, embora em de-
senvolvimento, andou bem ao instituir a Constituição Federal de 1988,
pois além de generosa, buscou abarcar a maior quantidade de direitos
possíveis com o fim de evitar a maior quantidade possíveis de violações,
já presenciadas no período autoritário. Portanto, compactuar com dis-
cursos populistas e contrários à Constituição é atentar contra democra-
cia e todos os valores e direitos conquistados em 1988.

2. A possibilidade/necessidade de uma nova


constituinte

O poder constituinte manifestou-se histórica e revolucionariamen-


te no final do século XVIII com o fim de substituir a utopia de que o
poder era concedido por Deus aos Monarcas, pelo real destinatário do
poder, o povo (BONAVIDES, 2004, p. 141).
A bem da verdade, o poder constituinte decorre da teoria do poder,
donde pode ser definido, segundo Morais (2014, p. 191), como “o ato de
vontade política, cuja força ou autoridade permite estabelecer a Consti-
tuição de um Estado”, rompendo com a ordem jurídica instituída ante-
riormente. Logo, a natureza jurídica do poder constituinte originário é

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ser um poder de fato, pois não está sujeito a nenhuma limitação oriunda
do mundo do direito (BULOS, 2014, p. 400). Nas suas palavras:

O poder constituinte originário não tem como referencial nen-


huma norma jurídica que o precedeu. Posta-se acima do plano
legislativo, afinal, é a produção legiferante do Estado que se las-
treia nele. Resultado: o ordenamento jurídico nasce a partir do
momento em que ele cria a constituição. (BULOS, 2014, p. 400)

Sendo um poder antecedente e desvinculado das normas anteces-


soras, o constituinte originário constitui um poder: (i) inicial, porque
antecede e origina a ordem jurídica do Estado; (ii) soberano, pois se trata
de um poder autossuficiente, sua força decorre de si mesmo; (iii) incon-
dicionado, por não está vinculado a nenhuma norma antecedente, o seu
exercício não sofre condicionamentos formais ou jurídicos; (iv) latente,
consiste em um poder contínuo, podendo ser acionado a qualquer mo-
mento; (v) instantâneo, a potência de seu poder é cessado tão logo alcan-
ce o seu objetivo, a promulgação de uma Constituição; (vi) inalienável,
a sua não utilização não significa que esse poder seja disponível, um
verdadeiro poder permanente; e, (vii) especial, já que não elabora leis
comuns, mas apenas uma Constituição (BULOS, 2014, p. 401).
Tais características são importantes para concluir que o contrato social
firmado pelo Estado para com o seu povo sempre estará sujeito a novas
pactuações que não são compatíveis com meras atualizações, sendo neces-
sária a intervenção de uma nova constituinte. Isso é possível em razão de
se poder gozar do elemento da permanência – latência -, o que permite ao
povo, sempre que o povo achar necessário, chamar uma nova Constituinte.
No entanto, a possibilidade e a disponibilidade não podem ser con-
fundidas com a necessidade. Embora o povo tenha esse poder à sua dis-
posição, não há necessidade de se buscar uma nova constituinte atual-
mente, em razão dos seguintes motivos:
(i) a Constituição Federal de 1988 apesar de ter completado 30 (trinta)
anos, ainda é muito jovem frente a uma gama de Constituições. Aliás, a
única conclusão que pode ser tirada desse período, é a de que os compro-
missos, os objetivos e os direitos fundamentais de “eficácia programática”
não foram implementados na sua totalidade e estão muito longe do ideal;

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(ii) o rol de direitos que foram elencados pela Constituição traduz-se


na obrigação que o Brasil firmou para com o seu povo, com o fim de evitar
um retorno àquela era autoritária e absolutista que o Estado vivenciou.
Todavia, o modelo de sociedade perquirida pela Constituição de 1988 ain-
da não foi alcançada, aqueles tempos difíceis da Ditadura, embora não em
voga, ainda está presente por meio de outros atos de constante violação
dos direitos humanos. Um exemplo é a declaração do Estado de coisas
inconstitucional pelo STF com relação à vida carcerária (ADPF n. 347); e
(iii) a ausência de uma conscientização constitucional é algo a ser te-
mido. Como querer que uma Constituição alcance todos os seus objetivos
se não dá o conhecimento mínimo ao cidadão acerca dos seus direitos e
deveres constitucionais? A maioria dos destinatários dos direitos consti-
tucionais é formada por uma classe de parco poder aquisitivo e de pouco
recursos educacionais, desta monta como exigir desse povo que defenda a
sua Constituição? Por outro lado, aqueles que a conhece, utilizam a Cons-
tituição somente para fundamentar os seus próprios interesses, negligen-
ciando os deveres que a própria Magna Carta imputa (SANTOS; BRASIL,
2018, p. 360-361. ABBOUD, 2013, p. 45). Portanto, como garantir que uma
nova Constituinte será a panaceia dessas mazelas? Não há como garantir!
De fato, ser Constituição no Brasil não é fácil, principalmente, quan-
do ela é utilizada apenas na parte que é benéfica, negando-a quando vai
de encontro aos interesses do beneficiário. Ora, a Constituição não seria
semelhante à “Geni” (ABBOUD, 2013, p. 45) aludida por Chico Buarque?
Sendo ou não, a Constituição é Constituição na “alegria e na triste-
za”, no ônus e no bônus. Logo, não há um melhor “ângulo” da Constitui-
ção, ela é o pacto social por um motivo, garantir uma carta de direitos e
deveres a todos os cidadãos. É uma linha a ser seguida por toda e qual-
quer pessoa no âmbito de um Estado, é a limitação deste nas relações
jurídicas firmadas com o seu povo.
Não há razão para se pensar em uma nova Constituinte, a solução
para os problemas constitucionais não é uma nova Constituição, porque
o problema continuará sendo o mesmo. Streck (2018), inclusive, faz um
alerta sobre essa mentalidade:

A lógica no Brasil parece ser a seguinte: como o Judiciário tomou


conta da Constituição, então vamos mudá-la. Quem deseja alterar

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radicalmente a Constituição deveria lembrar de Sócrates. No fun-


do, Críton (personagem que representa o senso comum e quem
não acredita na lei da polis), ao propor que Sócrates fugisse, mis-
turou a lei da polis com aquilo-que-disseram-sobre-a-lei-da-polis.
E Sócrates não fugiu, porque bem sabia que o problema não era o
direito da polis, mas, sim, o modo como ele foi interpretado. Estou
sendo sutil o suficiente? Ou explícito demais?

O Brasil não precisa de uma nova Constituição, mas de uma nova


mentalidade, uma política pública de conscientização dos deveres e di-
reitos constitucionais destinados a todo o povo. E àqueles que já conhe-
cem os seus termos, é necessária uma atualização constante das novas
interpretações e entendimentos da jurisdição constitucional, cientifican-
do que nela não há apenas direitos, mas também deveres.
Não pode olvidar que ao passo que a Constituição pode ser utilizada
como escudo, ela também pode ser manobrada como lança. A Constitui-
ção deve ser utilizada de acordo com a sua integralidade e não apenas
com aquela parte que lhe é mais benéfica. Isso é Constituição.
Streck (2018) ao analisar a necessidade de uma nova Constituinte
chega admoestar que:

Na minha modesta e jurássica opinião, quem sabe devamos


reconhecer que o maior erro foi não termos sido ortodoxos com
esta, a melhor Carta que já fizemos. Todavia, teremos que ter
claro que, enquanto tivermos intérpretes que aceitem que a voz
das ruas valha mais do que a Constituição ou que neguem o seu
caráter compromissório e normativo, jamais teremos esta, a Con-
stituição, como limite do poder.
Numa palavra: Enquanto a Constituição disser X e os interpretes
disserem Y, ela não será limite para nada. Enquanto não voltar-
mos a ensinar Direito nas faculdades e pararmos de (des)moralizar
o Direito, ficaremos fazendo discursos tautológicos. E procurar
soluções mágicas. Na busca do Santo Graal da política. Esquecendo
que, sem o Direito, teremos... bem, teremos o que temos.

É paradoxal pensar que a uma nova Constituição será a panaceia dos


problemas que enfrenta o Brasil e o seu constitucionalismo, na verdade não

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será. Se não foram respeitados e cumpridos os direitos, os objetivos, as dire-


trizes e os compromissos firmados pela Constituição de 1988, quais garan-
tias serão dadas de um futuro diferente com a nova Constituinte? Não há
certezas no que tange ao futuro, mas no que pertine ao passado e o presen-
te, o povo brasileiro pode constatar que não houve um sentimento fraterno
no cumprimento dos direitos e deveres trazidos pela Magna Carta atual.
Nesse cenário, a culpa não pode ser atribuída apenas a uma única
pessoa, mas à sociedade como um todo. Quando se fala da necessidade
de uma conscientização, precisa-se que as Instituições passem a envidar
esforços para informar o cidadão dos seus direitos e penalizar aqueles
que tentem violá-los.
Precisa de um Poder Judiciário que não se valha de mecanismos que
burlem os interesses da Constituição e da Lei para satisfação dos interes-
ses da mídia, da sociedade ou de qualquer outra pessoa.
O mesmo vale ao Poder Legislativo que, por meio dos seus parlamen-
tares, busca a satisfação dos interesses dos patrocinadores de suas cam-
panhas eleitorais, em detrimento da vontade do povo, aprovando leis que
beneficiam pessoas específicas. A título de exemplo vide as ações diretas
de inconstitucionalidade n. 4.887, 4.888 e 4.889, que estão em pauta para
julgamento no Supremo Tribunal Federal. Não há democracia quando ela
é alcançada por meio da venda de atos legislativos. Onde está a moralida-
de administrativa exigida pela Constituição (art. 37, caput)?
Quanto ao Poder Executivo, cuja função típica é a gestão, possui o
mesmo dever de consecução dos compromissos firmados pela Constitui-
ção, todavia, a diferença consiste na implementação material dos direitos,
por meio da disponibilização de estrutura, recurso humanos, materiais de
expedientes etc. Essas medidas compõem o mínimo que ele deve prover,
sob pena de ter a sua responsabilidade apontada pelos demais Poderes.
Portanto, ainda que tenham vários pontos a serem alterados para con-
secução dos compromissos constitucionais, o cumprimento dos deveres
institucionais por parte dos vários participantes da vida constitucional é o
ponto de partida mais basilar para que se tenha uma Constituição Federal
1988 mais saudável. Não sendo este o pensar, deve-se instaurar a nova
Constituinte e iludir-se com a proposta de solução milagrosa de todas as
mazelas sociais que hoje assolam a sociedade. As alternativas estão postas

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à mesa. Mas adotar a segunda, é uma medida de covardia, pois nega o


problema atual para não o resolver no futuro. Eis o paradoxo.

Considerações finais

As argumentações levantadas no presente trabalho possibilitaram reali-


zar uma análise do binômio – possibilidade e necessidade – da instauração
de uma nova Constituinte, haja vista as recentes manifestações feitas pelos
candidatos à Presidência da República, onde buscam: (i) soluções milagro-
sas, visando contornar os valores e princípios adotados pela Constituição de
1988; ou (ii) a instauração de uma nova Constituinte. Todavia, nem uma e
nem a outra são opções válidas para o atual contexto constitucional.
De um modo geral, pode ser afirmado que a solução, apesar de ób-
via, ainda é o cumprimento das normas constitucionais, na forma como
proposta pelo Constituinte de 1988 e suas alterações pelo processo de-
mocrático de alteração da constituição.
A bem da verdade, o problema nunca foi a Constituição, mas as pes-
soas que a utilizam de forma inadequada, ou seja, a utiliza para: (i) ga-
rantir a efetivação dos próprios interesses, os interesses da sociedade ou
da mídia etc., (ii) esquivar-se de obrigações impostas a si.
A Constituição é Constituição, é o pacto social firmado entre a socieda-
de e o Estado para regular as mais diversas temáticas no âmbito das relações
sociais. Não há um “jeitinho” para a sua consecução, o seu texto é para ser
cumprido em sua integralidade. Não há que se falar em clamor popular ou
pressões midiáticas para alterar o texto ou a interpretação da Constituição.
Os intérpretes e, principalmente, os atuais candidatos à Presidência,
devem entender que a Constituição é a Carta que garante a eles a legitimi-
dade de estar em tal cargo, pensar de forma distinta é retornar ao período
autoritário e arbitrário que o Brasil vivenciou nas décadas de 60, 70 e 80.
Há uma necessidade de uma conscientização e moralização consti-
tucional a todos os cidadãos que desconhecem o seu conteúdo ou co-
nhecem parcialmente. Por outro lado, àqueles que tem conhecimento
pleno da Constituição mas que tendem a pensar de forma a ser criada
uma nova Constituinte, quando a atual sequer chegou ao seu auge ou
sequer foi implementado 1/3 (um terço) dos direitos e objetivos lá elen-

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FELIPE ASENSI

cados, resta uma “reciclagem” do que foi a Constituição passada e a que


o Brasil possui atualmente.
Portanto, a solução não é radicalização, mas moralização para se uti-
lizar, de modo adequado, os direitos que estão na Constituição.

Referências

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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed.


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