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A privatização da educação básica no Brasil: considerações sobre a incidência


de corporações na gestão da educação pública

Chapter · July 2017

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Theresa Adrião
University of Campinas
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1

Publicado em Araújo, L e Pinto, J. M. R (orgs). Público X privado em tempos e


crise. São Paulo: Fundação Lauro campos e Fineduca. 2017. p.16-37

A privatização da educação básica no Brasil: considerações sobre a incidência de


corporações na gestão da educação pública.1

Theresa Adrião2

A qualidade e a extensão das consequências para a natureza pública da


educação brasileira da presença do setor privado na definição e implementação de
políticas educacionais variam em função da maneira pela qual o setor privado se faz
presente neste campo e também em função do perfil das entidades privadas envolvidas.
Por essa razão, esta reflexão, de início, informa que não procederá à análise do
que tradicionalmente se verificou como “presença privada” em nossa educação, dado se
fenômeno que remonta à própria ideia de educação difundida entre nós pela Igreja
católica tema objeto de trabalhos muito mais relevantes. (Cunha, 1981; Cury 1992,
Pinheiro, 2001) De modo que, acalmando os espíritos de leitores mais ansiosos, tentarei
ater-me a refletir sobre formas pelas a privatização da educação básica se manifesta e
subordina a financeirização econômica (Adrião 2015; Adrião et al, 2014 e 2106).
Essa subordinação, que hora se generaliza, por força de uma conjuntura global
desfavorável à afirmação dos direitos sociais (Hobsbawn 1997, Wood, 2003), tem sido
objeto de pesquisas desenvolvidas no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Greppe)3. Tais investigações acomodam, para as condições objetivas
vigentes no Brasil, movimento analisado por Bonal (2002) relativo à privatização e à
consequente ampliação da desigualdade encontrada em outros sistemas de ensino.
Em se tratando da privatização da educação pública, aquela que desde 1988 (ou
seja, há bem pouco tempo) é entendida como a mantida e gerida diretamente pelo
Estado, indica-se como condição sine qua non, ainda que não suficiente, as alterações

1
Texto resultante de Projeto Fapesp por mim coordenado “Privatização da oferta da educação
básica obrigatória: análise de três programas governamentais de subsídio público ao setor
privado” de Tese Livre Docência (Adrião, 2015)
2
Professora da Faculdade de Educação da Unicamp, pesquisadora Coordenadora do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Política Educacional (GREPPE).
3
Para mais informações ver https://greppe.wordpress.com/
2

na maneira pela qual o Estado brasileiro se organiza para o cumprimento de seu dever
frente à garantia do direito à educação básica. Tais alterações, decorrentes de
orientações inspiradas na Nova Gestão Pública (Abrucio, 2007), foram deflagradas a
partir do previsto no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), de
1995 (Peroni, 2003) e operacionalizadas, para o tema deste trabalho, pela Emenda
Constitucional n. 19 de 1998 e legislação decorrente (Adrião, 2014; Adrião et al. 2009).
Destas últimas, destacam-se as estratégias que vigoram, neste começo de século,
e que passam a compor programas de governos de diversos estados e municípios
brasileiros, cujo objetivo é a transferência da gestão da educação pública para o setor
privado, seja por meio de parecerias público-privado, como anunciado para Belo
Horizonte4, seja por meio do estabelecimento de contratos de gestão ou outras formas de
conveniamento como as propostas pelo governo do Estado de Goiás, seja ainda por
meio da adoção, por redes públicas, dos “sistemas privados de ensino”, estes incidindo
também sobre os currículos escolares. (Adrião , 2014; Adrião 2015; Adrião et al. 2016)
Este trabalho baseia-se em pesquisas anteriores e em mapeamento da produção
bibliográfica sobre a privatização da educação obrigatória, disponível em quatro bases
(WEB of Science; Scielo; Banco de Tese da Capes e repositório de teses e dissertações
dos Programas de pós graduação em educação das universidades e Universidade Federal
do Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Pará (UFPA),
Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Universidade Estadual Paulista(Unesp) e Universidade de Brasília (UNB). ( Adrião,
2015)
A análise dos resumos, do conjunto de artigos e produções discentes
disponíveis no período de 1990 a 2014, permitiu seu “enquadramento” em três
dimensões sobre as quais as formas de privatização operam nos diferentes contextos:
Privatização da oferta educacional e Privatização do Currículo e Privatização da gestão
da educação, no caso desta última dimensão, objeto de interesse neste artigo,

“sua vigência pode ser percebida em duas esferas: no âmbito dos


sistemas públicos de ensino ou das redes públicas de ensino, assumindo
4 Se até recentemente as parcerias Público-privadas, como previstas na Lei Federal nº 11.079 de 30/12/04, não se
faziam presente na esfera da educação, o município de Belo Horizonte inaugurou o modelo. (Adrião, Bezerra,
2013,p.11)
3

um caráter sistêmico na medida em que se refere a políticas educacionais


de caráter geral. A esta dimensão denominamos privatização da gestão
educacional. A segunda esfera, na qual as políticas e programas de
privatização relacionados à gestão podem incidir, se refere às unidades
escolares, trata-se da privatização da gestão escolar. Claro está que, em
muitos casos, sistemas de ensino e unidades escolares podem estar
concomitante submetidos à gestão privada, mas nem sempre é assim.
(Adrião, 2015, p. 49)

A figura 1 representa esquematicamente, a formas de privatização da gestão da


educação identificadas.
Figura 1. Dimensões e Formas de privatização da Gestão da Educação básica.
Fonte. Adrião (2015)

Segundo Sallum Jr. (1999), o aparato legal-institucional, construído com o fim


da Ditadura Militar e representado pela Constituição Federal de 1988, buscou manter
formas de articulação entre Estado e mercado que tendo em vista a transnacionalização
da economia e o fim dos “socialismos de estado”, na perspectiva hegemônica, já não
mais se sustentam,. Por essa razão, assiste-se, a partir de 1990, a constantes alterações
no texto constitucional e nos ditames que orientam a organização e o funcionamento da
4

gestão pública, no sentido de minimizar as políticas e medidas mais estruturais de


proteção social e de regulação do mercado.
Esse processo de redefinição da organização e do funcionamento do Estado
brasileiro tem sido longo e inclui alterações marco regulatório dos diferentes níveis
governamentais ocorridos com ritmos e qualidades distintas. Exemplifica-se com o
verificado no Estado de São Paulo, quando o governo estadual antecipa-se às revisões
implementadas em âmbito federal a partir de 1998 e cria, em já em 1996, mecanismos
competitivos no interior da administração e incorpora agentes privados como
“parceiros” na condução de políticas públicas. (Adrião, 2006)
No que se refere à relação entre essas alterações e a gestão educacional, algumas
mudanças se destacam, dado o papel que comprem na indução à privatização desta
última. Este é o caso da Emenda Constitucional (EC)- 19 de 1998, a partir da qual
instituições do terceiro setor passam a ser “parceiras” da gestão governamental. Tal
possibilidade resultou da introdução de dois mecanismos: o contrato de gestão5 e o
termo de parceria. (Adrião, 2009 e 2014; Adrião e Bezerra, 2013)
O contrato de gestão é um dispositivo jurídico que inaugura a possibilidade de
compromisso institucional entre o Estado e uma entidade pública estatal (agências
executivas) ou uma entidade pública não-estatal (organizações sociais). (Adrião e
Bezerra, 2013).
Para alguns estudiosos, como Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007)

os contratos de gestão são uma forma do


Estado se eximir de suas responsabilidades, por
meio da transferência de suas responsabilidades às
Organizações Sociais, através da cessão de bens
públicos e funcionários, sem, entretanto, estarem
submetidas às exigências administrativas da
administração pública. (Adrião e Bezerra, 2013,
p.4)

No entanto, em julgamento de 2015, sobre uma ação a respeito da


inconstitucionalidade das OS, o ministro Luis Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF),
afirmou que a atuação dessas entidades não afrontaria a Constituição Federal. Além

5
As Organizações Sociais (OS) foram disciplinadas pela Lei Federal 9.637 de 1998, pela qual o
contrato de gestão com tais entidades se constitui em um instrumento de fomento para
incentivar a iniciativa privada, e não uma forma de descentralização da Administração Pública.
(Pietro, 2007)
5

disso, segundo posição do STF, opções deste tipo podem dispensar licitação, pois se
configuram como convênios, ainda que devam observar critérios objetivos e impessoais
e de prestação de contas no processo de seleção.
Já o termo de parceria, regido pela lei nº 9.790/996, assemelha-se ao
contrato de gestão, mas se refere aos acordos entre as Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP)7 e Poder Público. Esta medida passa a regular a
contratação e remuneração pelo Estado, de entidades do Terceiro Setor para a realização
de atividades relacionadas às políticas sociais, como a educação. Trata-se de outro
mecanismos pelo qual o Estado pode formalizar a transferência da responsabilidade
sobre a gestão da educação para o setor privado, neste caso, sem fins de lucro. (Peroni e
Adrião, 2005; Adrião e Bezerra, 2013)
Pretende-se contribuir com o este texto para o entendimento a respeito das
relações entre os segmentos privados que se destacam neste contexto de financeirização
econômica e as formas mais preeminentes de atuação desses mesmos segmentos no
campo educacional.

Privatização da gestão da educação e a delegação da educação pública para


organizações privadas “não lucrativas”.
Vários são os trabalhos que analisam programas, por vezes se transformados em
políticas, implantados e manejados por filantropos junto a diferentes níveis de governo.
Como exemplo, cita-se que dados
coletados no site do Instituto Ayrton Senna indicavam que
em 2010 as parcerias com governos municipais e estaduais
se aumentaram nas regiões mais pobres: norte e nordeste.
(Adrião, Peroni et all., 2013) A Fundação Pitágoras, braço
social do grupo empresarial e transnacional Kroton
Educacional, declara que desde há 10 anos oferece a
municípios brasileiros alternativas para a gestão
educacional (SILVA, 2008). Outro exemplo de parceiro
privado aos governos é a Fundação Lemann, cuja presença

6
Vulgo Lei do Terceiro Setor, pela qual se estabeleceu nova disciplina jurídica às entidades sem fins
lucrativos, viabilizando sua qualificação, pelo Poder Público, como Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP) e a possibilidade de firmar, acordos de cooperação com quaisquer esferas de
governos. (Pulhez Jr, 2010; Adrião e Bezerra, 2013; )

7
Definidas pela Lei Federal 9.790 de 1999 e regulamentadas pelo Decreto Federal 3.100/99 se referem
às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos.
6

nos eventos da União Nacional de Dirigentes Municipais


de Educação (UNDIME) e como formadora de gestores
municipais é muito grande. (Adrião, 2014, p.268)

Complementarmente, e para alem da tradicional presença desses segmentos em


ocupando cargos no executivo e junto ao legislativo, por meio de seus representes e de
“advocacy”, acentua-se desde o final do século passado a presença direta do setor
privado em instancias de governo, em alguns casos, criadas para este fim.
Este o caso do Estado de São Paulo, que a exemplo de outros governos, conta
desde 2011 com o projeto educacional “Programa Educação - Compromisso de São
Paulo”, cujo objetivo é propor a política educacional para o estado. O “Comprimisso”
é integrado por 16 entidades privadas: Instituto Natura, Fundação Victor Civita;
Fundação Lemann; Instituto Unibanco; Comunidade Educativa, Cedac; Instituto
Hedging-Griffo; Fundação Itaú Social; Instituto Tellus; Parceiros da Educação;
Fundação Educar D’Paschoal; Fundação Bradesco; Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária; Instituto Península; Fundação Arymax;
Consultoria Internacional Mckinnsey & Company, Instituto Itaú Social, o Instituto C&
A, entre outros. (ADRIÃO e GARCIA, 2014, p.3).
Shiroma (2011) apresenta, para o Brasil, um ilustrativo mapeamento das redes
de relações constituída por parte dessas instituições com vistas a intervir na definição
das reformas educacionais
A presença de setores privados vinculados a grandes corporações atuando no
campo educacional foi também identificada por censo organizado pela Rede Grupo de
Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) para o período de 2011-2012. Pelo
levantamento, confirma-se tendência anterior, segundo a qual a Educação era o
principal tema da Rede GIFE, “não apenas se mantém em primeiro lugar desde o
primeiro Censo, como também apresenta crescimento de 2% em relação a 2009 (GIFE,
2013, P.39)”. Ainda segundo o censo,

As ações executadas ou financiadas pelos associados GIFE em


educação envolvem, na maioria dos casos, a capacitação de professores.
65% das empresas, associações e fundações que responderam a este
detalhamento desenvolvem tal atividade, provavelmente com vistas a
contribuir para a melhoria na qualidade da rede pública de ensino. A
doação de livros e materiais didáticos está igualmente associada a esta
intenção, e é realizada por 43% dos associados. A oferta de atividades de
7

reforço escolar também se revela significativa dentre os respondentes,


com 46% de organizações atuando nesta frente. Investimentos em
construção, reforma ou manutenção de escolas são feitos por apenas 17%
das organizações. (p.39, grifos nossos)

No caso das entidades sem fins lucrativos, mas que atuam em função do
investimento social de suas marcas, o Próprio GIFE alerta
Os dados do Censo também reforçam uma característica do
investimento social corporativo, de alinhamento entre o
investimento social e o negócio. Mais da metade dos
respondentes afirma que todo ou parte do seu investimento social
está vinculado ao ramo de atividades da empresa ou da
mantenedora. O alinhamento ao negócio pode ajudar na
integração do investimento social às demais áreas da empresa, a
qual passa a perceber mais valor nele. Mas empresas, fundações
e institutos não podem esquecer que o investimento social tem
um fim público. Isso quer dizer que, mesmo alinhado ao negócio
e trazendo benefícios para a empresa em termos de imagem,
reputação e licença para operar, o objetivo de transformação
social deve estar evidente e transparente (Gife, 2013, p.41, grifos
nossos)

O alerta da rede que congrega o maior número de investidores privados em


investimento social do Brasil nos remete à segunda forma pela qual a operacionalização
da privatização da gestão educacional pode ocorrer: a transferência da gestão de redes
ou sistemas de ensino para organizações privadas com FINS de lucro. ( Adrião, 2015)
Para Milani Filho (2008, p.29) Investimento Social Privado (ISP) é um conceito
polissêmico “caracterizado, basicamente, pela transferência voluntária de recursos de
empresas privadas para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público.” Já
para o Gife, o ISP, difere da filantropia ou da responsabilidade social corporativa, pois
pressupõe o acompanhamento dos recursos investidos com vistas a algum tipo de
retorno por parte dos grupos privados.
Esse movimento, que articula braços sociais de grupos empresariais a retornos
financeiros para estes mesmos grupos, não é restrito ao Brasil.
Segundo o documento VENTURE PHILANTHROPY IN DEVELOPMENT de
2014, desde 2012 a OCDE instituiu uma rede global, vinculada ao Centro de
Desenvolvimento da própria OCDE, constituída por um pequeno grupo de fundações
que integram duas frentes de trabalho. A primeira frente relacionada à filantropia
empresarial, a segunda a inovações desenvolvidas por filantropos. Para a OCDE, o
8

quadro de recessivo dos países da zona do Euro e a consequente diminuição dos fundos
públicos para a promoção do desenvolvimento em países pobres, exigiria a participação
mais direta desses grupos privados e de sua “expertise” e recursos.
A rede (netFWD) teria como objetivos-chave:
otimizar e acelerar o impacto da filantropia para o desenvolvimento
através da partilha de experiências e lições, influência política e o
desenvolvimento de parcerias inovadoras. (OCDE, 2014, p29, tradução
da autora)
O crescimento da presença deste tipo de investimento privado em áreas
relacionadas a políticas sociais, por exemplo, segundo a própria OCDE está também
relacionada ao aumento da concentração da riqueza em mãos privadas e ao crescimento
de empresas multinacionais, da filantropia empresarial somados á crescente visibilidade
dos perfis desses filantrópicos. O documento informa que
“o papel de cada vez mais importante de financiamento do setor
privado e a alavancagem potencial que cooperação intersectorial poderia
alcançar. A relação entre o capital da Fundação e o mercado de
investimento de impacto mais amplo, portanto, é digna de atenção.” 9
OCDE, 2014, p.30, tradução livre da autora)8

Em resumo, trata-se de uma nova e impactante modalidade de investimento que se


tem devolvido na última década, denominada Venture philantropy ou Filantropia de
risco (Robertson e Verger, 2012), ainda que outros cognatos têm sido adotados para
ilustrar este segmento como o cunhado por Bishop e Green (2008) "filantrocapitalismo",
cuja liderança caberia a Bill Gates e Warren Buffet, a Fundação da Emirates, Lundin
Foundation, Fundação Rockefeller e Shell Foundation
A figura 2, tradução livre do esquema elaborado por Emerson et al. (2007), auxilia
na percepção sobre o comportamento” dos filocapitalistas. A matriz busca ilustrar a
relação entre o envolvimento dos setores na direção de maior lucratividade e o tipo de
atividade exercida, de modo que nos permite perceber que os filantropos de risco

8
“ [...]role of private sector finance and the potential leverage that cross-sector co-operation
could achieve. The relationship between foundation capital and the broader impact investment
market is thus worthy of attention.”
9

(venture philanthropy) atuam no espaço entre a caridade/filantropia e o alto


investimento financeiro ou de gestão. (OCDE, 2014)

Figura 2- Matriz de envolvimento e lucratividade.


Fonte: a autora com base em OCDE 2014, p.36 (tradução livre)

Alto envolvimento

Filantropia de Capital de Risco


Risco

Comercio
Caridade

Investimentos Empréstimos
Tradicionais Bancários

Baixo Envolvimento

No Brasil, é evidente o crescimento deste segmento no campo educacional


conforme se observa na figura 3, na qual se destaca a articuição entre os filantropos
“modernos” e grupos financeiros. A figura, construída com base nas indicações pelas
próprias instituições, de seus mais fortes ou constantes aliados, ilustra relações
estabelecidas entre os principais expoentes desses segmentos.
Figura 3- Parceiros privados e educação: Relações Institucionais

Fonte: Adrião, 2015, p. 199


10

São esses segmentos, articulados a grupos que integram governos em todos os


níveis os defensores as introdução de alterações na gestão da educação e da escola
públicas por meio de transferência para o setor privado. Assistimos a atuação de
11

fundações, institutos e similares protagonizarem o “socorro” às redes públicas, para o


que consideram um “despreparo” de origem dos sistemas públicos, incrementando seus
negócios, ao disporem para esse “mercado” constituído pelas redes públicas seus
produtos e serviços. Transformar as redes públicas em campo para seus negócios (Hill,
2004) torna-se estratégico.

È nesse diapasão que se encaixa a defesa da ampliação do conveniamento com o


setor privado para a gestão de escolas públicas. O modelo, apresentado por seus
proponentes (Instituto Unibanco, Fundação Braudel, entre outros) como “charter
school”, na medida em que não se ancora, sequer ideologicamente, na premissa liberal
da escolha da escola e na medida em que não temos no Brasil a matrícula obrigatória
por georeferenciamento9, entre nós, a proposta nada mais é que a ampliação para outras
etapas de escolaridade do precário atendimento por convênios existente na educação
infantil. (Adriao, 2015)

Transferir a gestão de escolas e sistemas de ensino para o setor privado como


forma de ampliar o mercado educacional é o objetivo das mudanças sugeridas. Na
mesma direção, concluímos este item indicado a recente criação pelo MEC de um
Grupo de trabalho para revisão da lista de compromissos do Brasil junto à Organização
Mundial do Comercio (OMC), com vistas a analisar a lista

Segundo a lista consolidada de compromissos do Brasil na OMC, que restringe a


liberação para negociação no âmbito da OMC de qualquer serviço, em qualquer setor,
prestado no exercício da autoridade governamental, ou seja que não sejam prestados em
bases comerciais, nem em competição com um ou mais prestadores de serviços, como já
ocorre com a educação a distancia e a superior e cujo grau de privatização e
subordinação ao capital financeira e ou internacional tem sido objeto de vários estudos
(Oliveira, 2009, Sguissardi, 2013, Jacob, 2015) Alerta-se para que o pode estar
reservado para a educação básica.

Alinhavando este diálogo

9
Formato de matrícula que relaciona a escola a ser frequentada ao endereço de residência do
estudante, impedindo que a família possa “optar” por outra escola pública.
12

Se no Brasil, as proposições e experiências indicadas acima ainda não


subordinam diretamente a educação pública aos interesses corporativos ou de negócios,
na medida em que as relações entre o poder público e o mercado são mediadas por
fundações ou institutos, estas em geral tem se apresentado cada vez mais como braços
sociais de corporações. (Silva; Souza, 2009)
A presença do setor privado na gestão das políticas educacionais não se faz
como se verifica tradicionalmente, por meio da ação direta de entidades de
representação patronal ou como ação caritativa. O que se observa, neste começo de
século, é a generalização da prática do filocapitalismo, forma pela qual, segundo a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2014), a
filantropia se alinha, sem pudor, ao mundo dos negócios e se apresenta como
possibilidade de ampliação dos lucros para investidores privados. (Adrião, 2015)

Essas novas formas pelas quais o capital subverte a conquista recente do direito
à educação pública no Brasil ancora-se em uma renovação do processo de acumulação
do capitalismo. Para autores como Foster (2012), o capitalismo sob a supremacia do
“capital monopolista-financeiro” assiste a um “processo de progressivo deslocamento
da centralidade da produção em direção às finanças que tem caracterizado a economia
ao longo das últimas quatro décadas.” Tal deslocamento permite a subordinação da
gestão educacional aos interesses do capital, na medida em que este, na forma de capital
financeiro, controle as empresas e corporações que assumem a gestão de escolas e
sistema.

Não é, pois, ao acaso, que na medida em que o setor privado de base


empresarial é alçado a protagonista da melhoria da educação nacional, assiste-se à
integração na agenda educativa de uma pauta de mudanças centrada na transferência da
gestão da escola pública para o setor privado, seja, por meio de parecerias público
privada (PPP) para a oferta educativa, seja por meio da transferência da gestão da escola
pública para setores privados, ou ainda pela adoção de sistemas privados de ensino por
redes públicas. (Adrião, 2014).

Não é, pois, de surpreender a ampliação de contratos, convênios ou mecanismos


equivalentes entre esferas governamentais e instituições privadas, com ou sem fins
lucrativos, para oferta de etapas da educação básica nas quais o provedor já era o
Estado, com evidente impacto sobre a organização e o funcionamento do aparato
13

administrativo das redes públicas de ensino10 (Adrião et al, 2009, 2012). Situação que
confirma a indução observada por Kless et al. (2010) ao analisar a agenda de reformas
educacionais proposta pela Agenda 2020 do Banco Mundial cujo foco é a destituição da
natureza estatal dos sistemas públicos educativos, com vistas a ampliar o campo para os
negócios educacionais ( Hill, 2003)

Referências

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2007 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
76122007000700005&lng=en&nrm=iso>. access on 20 Sept. 2016.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122007000700005.

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ADRIÃO, T. e PERONI, V (coord). Análise das consequências de parcerias firmadas


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ADRIÃO, T. Educação e produtividade: a reforma do ensino paulista e a desobrigação


do Estado. São Paulo: Xamã, 2006 a p.192

ADRIÃO, T., GARCIA, T. SUBSÍDIO PÚBLICO AO SETOR PRIVADO:


REFLEXÕES SOBRE A GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL1 Políticas
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http://seer.ufrgs.br/index.php/Poled/article/view/51031/31749

BANCO INTERNACIONAL PARA A RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO


/ BANCO MUNDIAL. Sumário Executivo da Estratégia 2020 para a Educação do
Grupo Banco Mundial, Aprendizagem para Todos: Investir nos Conhecimentos e

10 Os contratos podem dar-se via um “contrato de gestão” que envolve o Poder Público e as Organizações Sociais ou
por meio da adoção de termos de parceria, envolvendo o poder público e instituições do chamado terceiro setor,
ambos os formatos derivam das alterações promovidas na Constituição Federal, a partir da EC. 19 de 1998. (DI
Pietro, 2007)
14

Competências das Pessoas para Promover o Desenvolvimento, Washington DC, 2011.


Disponível em www.worldbank.org/educationstrategy2020.

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