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O que é imaginário?

Embora tratado pela filosofia moderna e psicologia, entre


outras ciências, como realidade psicológica vinculada à imaginação,
geralmente em oposição à realidade, ele é muito mais do que isso. Em
verdade, o imaginário é a contraparte de um dos planos da realidade concreta,
formada também pelo mundo imaginal (onde encontramos, por exemplo, os
mitos e arquétipos).
Aqui, no entanto, é bom deixarmos as tentativas de definição de lado. Trata-se
de um mundo de símbolos, não de conceitos. Não o visitamos, nem
conhecemos, senão através de discursos analógicos. Por exemplo,
tomemos imaginário e imaginal como faces de uma mesma moeda e
reparemos como isso diz muito mais e melhor sobre essa realidade que os
unifica do que muitos discursos descritivos e analíticos. Outra metáfora bem
ilustrativa é a do guarda-roupas, cunhada por Edmund Burke para se referir ao
que “guarda” a “imaginação moral”, também utilizada por C. S. Lewis como
porta de entrada para seu mundo das famosas crônicas de Nárnia. Adivinha
em que “mundo” fica Nárnia?
Falar dessa realidade, portanto, é falar metaforicamente de um lugar. Nesse
sentido, o imaginário de cada um pode ser vasto ou ínfimo, ser do tamanho de
um grande país ou uma rua estreita; oceano, ou poça d’água. Sua amplitude é
maior ou menor, conforme a disposição natural e a educação que cada
indivíduo tenha recebido, nisso inclusos elementos do mundo imaginal. Além
do tamanho, ele também possui diferentes modos de organização, que podem
ser mais ou menos eficientes, coesos, etc.
Tanto a estrutura como a abrangência do imaginário dependem, pois, de um
processo de formação que principia quando o indivíduo começa a receber
imagens do mundo, pelos cinco sentidos, e também do mundo imaginal, cujas
fontes são as mais variadas (por exemplo: contos de fadas e ritos, como
batizados, etc.). O processo se complexifica com o desenvolvimento da
memória e da imaginação – duas faculdades intimamente ligadas ao imaginário
– que podem buscar experiências do passado e transformá-las, produzindo
combinações mais ou menos criativas.
Qual é a diferença, então, entre imaginário, memória e imaginação? E qual a
relação entre eles e com o mundo imaginal?
“Memória” é aquele repositório de imagens recebidas desde o nascimento, a
partir do qual se torna possível a noção de “biografia” (embora essa mesma
noção dependa ainda de um processamento sofisticado da memória, e portanto
não possa confundir-se com ela). “Imaginação” é uma faculdade que transita
entre a memória e os cinco sentidos, buscando, combinando e modificando as
impressões antigas e recentes. “Imaginário”, enfim, é o universo mais amplo
que se compõe de memórias e criações, de impressões com os mais diversos
graus de interferência do próprio sujeito, e que talvez pudéssemos definir como
o “mundo interior” em que vive o “eu”.
Ora, esse “mundo interior” deve estar, por natureza, sujeito a constantes
mutações, já que recebe a interferência ininterrupta de novas imagens
coletadas pelas sentidos e da própria ação da imaginação; não obstante, há
nele certa fixidez, derivada do seu tipo de organização – que o sujeito recebe
(mais uma vez) em parte da organização do próprio mundo imaginal que o
rodeia, em parte de suas próprias inclinações, em parte da memória e da
educação. Portanto, seja qual for a constituição do imaginário, é evidente que
ela deve ter considerável influência sobre os pensamentos e sentimentos do
indivíduo, às vezes ao ponto de determiná-los completamente, tornando-se
verdadeiro princípio formador de sua personalidade.
Tomar consciência do que está subjacente à organização de imagens no
“mundo interior” é descobrir o que poderíamos chamar de “visão de mundo”,
sinalizando que não se trata ainda de um posicionamento meditado, mas de
algo como uma predisposição geral e semi-consciente para observar, pensar e
sentir certas coisas e de certo modo. Essa tomada de consciência é
indispensável, tanto mais porque, embora o imaginário não seja racional em si
mesmo, a inteligência humana deve trabalhar sobre ele, como ensinavam os
escolásticos: nihil in intellectu nisi prius in sensu, etc.
E com essa tomada de consciência é inevitável não descobrir, também, que
uma visão de mundo nunca é construída isolada da visão de mundo prevalente
na família, sociedade, na cultura em que se vive. Ou seja, mais do que uma
relação entre essas visões, há verdadeira dependência, ainda que parcial, ao
menos até essa conscientização.
Algumas perguntas se insinuam quase de imediato: como exatamente tomar
consciência disso? De que modo o imaginário influi sobre o comportamento
humano, e até que ponto? Quais são seus riscos? Existe defesa contra essa
influência? Senão, há algum modo de aproveitar-se dela para o bem? É
possível reformar o imaginário, caso haja necessidade disso? No
curso Introdução à Formação do Imaginário, trato desses problemas, tendo
diante de mim, como objetivo primeiro, fornecer o instrumental necessário para
essa tomada de consciência e ajudar no desenvolvimento psicológico,
intelectual e moral dos alunos.

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