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teólogo e filósofo.
Jonas Roos é graduado em Filosofia pela Unisinos, mestre e doutor em Teologia pelo Instituto
Ecumênico de Pós-Graduação em Teologia com a tese Tornar-se cristão: o paradoxo absoluto e a
existência sob juízo e graça em Soren Kierkegaard, com pós-doutorado em Filosofia pela Unisinos. É
professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade
Federal de Juiz de Fora – UFJF e autor de Razão e fé no pensamento de Soren Kierkegaard: o
paradoxo e suas relações (São Leopoldo: Editora Sinodal; Escola Superior de Teologia, 2006).
Jonas Roos – Kierkegaard tem entendimentos muito próprios tanto do que seja fé quanto do que seja
razão. Apenas a partir do esclarecimento desses conceitos pode-se compreender tanto como ele articula
a relação entre razão e fé quanto o papel específico que o conceito de paradoxo desempenha nesta
relação.
Trata-se aqui da esperança que se articula não na certeza objetiva, mas na certeza de uma aposta
existencial. Abraão, portanto, personifica o duplo movimento da fé uma vez que abandona o próprio filho
(resignação), se dispõe a sacrificá-lo, e conserva a esperança de retornar com o filho e viver o seu amor
para com ele não em outra vida, mas na temporalidade e finitude (retomada). Vale notar que o autor não
personifica a fé na figura de alguém que está lendo, refletindo ou meditando, mas em alguém que se põe
a caminho. É processo.
Descontinuidade da verdade
No que diz respeito à razão e seu conceito, normalmente se entenderia que uma ênfase na fé implicaria
em uma redução de ênfase com relação à razão. Não é exatamente este o caso de Kierkegaard. Ele é um
autor muito lógico e até mesmo especulativo, a seu modo. Entende, contudo, que a razão, quando é
levada a seu ponto mais extremo, não chega a uma explicação objetiva do todo da realidade, mas à
consciência de seu limite.
E esta não é apenas uma questão epistemológica, embora também o seja, mas é fundamentalmente uma
questão existencial. No seu entender o conhecimento objetivo é insuficiente para as questões cruciais da
existência. Entende-se mal Kierkegaard quando se pensa que ele é crítico do pensamento objetivo; ele é
crítico daquilo que entende como um mau uso ou abuso da objetividade.
Com relação à relação entre razão e fé, o autor percebe – o que não é originalidade sua – que o
cristianismo, assim como outras religiões, repousa sobre saberes históricos, mas quer fornecer certezas
que vão para além do histórico. O problema é que certezas históricas são contingentes, ao passo que as
não históricas são análogas às verdades lógicas e estão para além de qualquer contingência.
Como conseguir o segundo tipo de verdades a partir das primeiras? Como chegar ao não contingente a
partir do contingente? Ou, mais concretamente: como chegar a uma construção de sentido que tenha um
valor eterno para o indivíduo, mas que esteja fundamentada em relatos históricos como são, por exemplo,
os evangelhos? Note-se que a descontinuidade entre esses dois tipos de verdade não é uma
descontinuidade de grau ou quantidade, mas uma descontinuidade qualitativa, uma descontinuidade no
nível do ser.
A razão encontra seu limite num único ponto, o paradoxo. A fé é entendida como modo de vida que
compreende que a única explicação verdadeira para o que é a verdade é tornar-se a verdade. O
paradigma para isso é o paradoxo. Esses são pontos fundamentais do entendimento que Kierkegaard tem
de cristianismo. Vistos com atenção, contudo, são pontos fundamentais de sua explicação do que seja a
existência. Só se entende o que seja religião ao se olhar atentamente para a vida.
Jonas Roos – Em meio a uma vasta produção literária Kierkegaard faz também aquilo que, à sua época,
se chamava psicologia – o que hoje chamaríamos antropologia filosófica. Ele se pergunta sobre como o
ser humano deveria ser compreendido para que certos fenômenos da existência fizessem sentido. O
pano de fundo desses desenvolvimentos é tanto a tradição filosófica quanto a judaico-cristã.
O ser humano, então, é compreendido, em linhas gerais, como uma relação de elementos polares:
infinitude e finitude, temporalidade e eternidade, possibilidade e necessidade. O problema é que na
existência nós relacionamos mal essas polaridades, ora aferrando-nos a um dos lados, ora a outro. Esse
fixar-se em qualquer um dos polos em detrimento do outro é o que Kierkegaard entende como desespero.
Entender que tudo é necessidade e que a vida está toda determinada de antemão é desespero.
Entender, por outro lado, que tudo é possibilidade, ignorando os elementos de necessidade que nos
constituem, é, embora de um tipo diferente, também desespero. Trata-se, portanto, de termo técnico:
desespero não diz respeito apenas a crises visíveis de falta de sentido ou desintegração. Embora tais
crises possam ser desespero, uma vida completamente adaptada à finitude, à temporalidade e,
consequentemente à tranquilidade que advém disso, pode ser igualmente desespero. Trata-se de
conceito espiritual e que, portanto, não pode ser medido pela mera exterioridade.
Imagine-se uma pessoa que centra toda a energia de sua vida, por exemplo, na aquisição de riquezas
materiais. Imagine-se, então, que, por alguma razão, esta pessoa de repente perde seus bens. Nesse
caso se diz que esta pessoa entrou em desespero. A rigor, toda essa vida centrada no acúmulo de bens
materiais – ou seja, centrada na finitude em detrimento da infinitude – já era desespero, o desespero
apenas ainda não havia se tornado manifesto. A manifestação do desespero revela apenas que aquela
vida já era, toda ela, desespero. Disso se pode inferir cor