You are on page 1of 11

614

Experiências sensíveis de estágio em artes visuais e as redes de comunicação de


alunos surdos e ouvintes

Welliton Quaresma de Lima1


wellitomquaresma@gmail.com
UNIFAP

Amadeu Leôncio de Pelegrin Neto


amadeu.nike20@live.com
UNIFAP

Mauricio Remígio Viana


mauricio.remigio08@gmail.com
UNIFAP

Resumo: O presente artigo compartilha relatos e reflexões referentes às atividades de observações etnográficas
desenvolvidas durante o estágio supervisionado I no curso de Licenciatura Artes Visuais, na Universidade
Federal do Amapá. Os relatos aqui apresentados foram construídos a partir de três momentos de observação no
campo de estágio, amparados pela pesquisa qualitativa que nos levou a formular algumas questões e tecer
reflexões a cerca do ensino de arte na atualidade. Chamou-nos atenção as visualidades dos alunos surdos e a
comunicação com ouvintes que transitam no ambiente da escola por meio das redes sociais. Assim,
compartilhamos anotações de observação, experiências sensíveis, conversas informais com os alunos,
mapeamentos sentimentais e reflexões produzidas a partir da nossa experiência de estagio numa escola estadual
de Macapá AP.

Palavras-chave: Estágio. Surdos. Ensino de Arte. Imagens.

Abstract: This article shares stories and reflections relating to ethnographic observations of activities during the
supervised internship I in the course of Bachelor Visual Arts . The reports presented here were built from the
observation in the field supported by qualitative research that led us to formulate some questions and weave
reflections about the art education. He called the attention of the visualities deaf students who cross the school
environment. Thus, we shared observation notes , sensory experiences , informal conversations with students ,
sentimental mapping and reflections produced from our stage experience in a state school in Macapá.

Keywords: Internship. Deaf . Art Education. Images.

Introdução

Os relatos e as reflexões aqui compartilhadas são referentes às atividades de observações etnográficas


desenvolvidas durante o estágio supervisionado I na Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do
Amapá (UNIFAP). Realizado em três momentos na Escola Estadual Tiradentes, com sede na cidade de Macapá
– AP, instituição escolhida por conta do nosso interesse em compreender o atendimento especializado a alunos
surdos e deficientes auditivos que no total somam-se em 12 (doze).

1
Estudante de Licenciatura em Artes Visuais.
615

Fomos munidos de algumas indagações que nos rodeavam, despertadas por nossas bagagens teórico-
conceituais carregadas por nós durante nossas vivencias universitária. Os questionamentos registrados por
MARTINS (2013) nos ajudam a iniciar esse processo de estagio e pesquisa quando ela pergunta:

O que move o pesquisador a observar seu contexto, registrar informações, compreender e


produzir sentidos para as dinâmicas sócias em que está inserido? Como esses processos de
pesquisa são afetados pelo pressuposto teórico-conceitual que o pesquisador porta consigo?
Como funcionam os filtros, ou lentes, por meio dos quais observa os caminhos e as paisagens
abrindo-se diante de si? Produzem o efeito de lunetas que permitem vislumbrar mais longe, ao
preço de reduzir o campo de visão? Como lupas com as quais percebe melhor detalhes
próximos? Ou atuam como equipamentos que ajudam a ver? Mesmo quando seja mínima a
incidência de luz? (Martins, 2013, p. 182)

A nossa observação norteou-se a partir dos métodos de pesquisa qualitativa e de forma hibrida
variando nos seus diversos instrumentos metodológicos, buscando na observação participante (relatos
etnográficos), na entrevista aberta, histórias de vida, cartografia sentimental e na captura de imagens, caminhos
para a produção dos dados interpretativos aqui compartilhados. Os percursos dessa experiência foram sendo
direcionados pelo próprio campo que nos levou a formular algumas questões e reflexões a cerca da visão sobre a
metodologia de pesquisa e as visualidades que transitam no ambiente escolar. As imagens foram produzidas no
decorrer do processo de pesquisa no qual tínhamos interesse em explorar as visualidades dos alunos surdos a
partir do campo de subjetividade. Em relação às imagens, na edição usamos o filtro “Mapeamento de calor” que
evidencia aquilo que os olhos não conseguem perceber naturalmente, criando mapeamentos do calor presente
nos registros fotográficos. Buscamos através destas visualidades e relatos tecer reflexões a cerca do universo
educacional, do fazer docente e das concepções de ensino e conhecimento, assim como o processo de inclusão
de sujeitos surdos e a relação destes com o espaço escolar.

1. A aproximação com o campo: desconfortos, medos, ansiedades e incertezas

Após leituras, reflexões e discussões em sala de aula sobre os processos metodológicos de pesquisa e
de questões sobre a docência em artes visuais, partimos para a escola campo, ainda duvidosos sobre como
produzir dados etnográficos através da “cartografia sentimental” 2. Nos lançamos no escuro em busca de
construir um olhar sensível e desprendido de verdades, de modo que nos ajude a perceber os espaços de
penumbra que constituem os espaços da escola e as relações de afeto que ali se tecem em redes que ultrapassam
os limites físicos das paredes das salas de aula e dos muros e grades que cercam a escola, como o evidenciado por
MARTINS (2013). Nesse sentido, concordamos que:

[...] a labuta crítica e reflexiva requer que se busque perceber não as luzes, mas as sombras
daquilo que se pretende conhecer. Vislumbrar onde não há luz, perceber o escuro exige uma
habilidade particular que equivale a neutralizar as luzes que provêm da época para descobrir as

2
ROLNIK (1989) em seu livro “Cartografia sentimental, transformações contemporâneas do desejo” diz que “a prática da
cartografia sentimental é fundamentalmente, às estratégias das formações do desejo no campo social.” (p. 66)

Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016


616

suas trevas, o seu escuro especial, que não é, no entanto, separável daquelas luzes.
(AGAMBEN apud MARTINS, 2013, p.182).

Este foi um processo que nos causou certo desconforto, medo, ansiedade, insegurança. Primeiro por
não termos experiências com o processo de observação em campo, e não conhecermos a escola Tiradentes.
Segundo pelas incertezas de um processo complexo que exige muito mais do que uma simples observação do
que é visível e perceptível aos olhos. Observação a qual exige que estejamos com os sentidos aguçados para
perceber as sensações que o ambiente escolar nos provoca.
Durante todo o processo buscamos deixar nossos corpos vibrar com as mais variadas frequências
como diz ROLNIK (1989). A autora referindo-se ao posicionamento do pesquisador que vivencia o processo de
pesquisa etnográfica a partir da cartografia sentimental destaca que é importante o “ corpo vibrar todas as
frequências possíveis e ficar inventando posições a partir das quais essas vibrações encontram sons, canais de
passagem, carona para a existencialização. Ele aceita a vida e se entrega. De corpo-e-língua” (ROLNIK, 1989,
p.68).

Figura 1 – In Visível
Fonte: Acervo da equipe de estágio (2016)

O grupo de interesse para aprofundar nossas observações é o grupo de minoria surda que frequenta a
escola no turno da tarde. Temos curiosidade de compreender as relações com os outros alunos ouvintes que
frequentam a instituição, assim como as relações desses grupos com imagens. Assim, tentávamos ficar atentos
para cada gesto e ação dos sujeitos que ali transitavam no primeiro dia de observação na escola Tiradentes.
Nos primeiros contatos com o campo fomos construindo aproximações e estabelecendo relações
com os estudantes funcionários e professores da escola. Essa aproximação nos deixou mais confortável e
possibilitou maior mobilidade no espaço da escola. Assim, tentamos manter o corpo aberto e atento para sentir e
vibrar com os sentimentos e saberes que transitam nos espaços da escola e como o exposto por ROLNIK sobre
o que desejávamos ali era “[...] participar, embarcar na constituição de territórios existenciais, constituição de
realidade” ( 1989, p.67).

Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016


617

Figura 2 – Percursos
Fonte: Acervo da equipe de estágio (2016)

A principio percebeu-se que em sala de aula os alunos enfileirados são mais contidos e passivos,
diferentemente de quando ocupam os corredores onde se comunicam entre si, riem, conversam, se abraçam,
demonstram afetos e transitam pelos espaços que lhes interessam. Assim como os alunos ouvintes os alunos
surdos também encontram nos corredores espaço para interagir e compartilhar saberes do seu cotidiano com
outros surdos e com ouvintes por meio do uso de mensagem no celular, mensagens escritas em papel e através
da mediação dos interpretes de libras.
Nos dois primeiros contatos com a escola, apenas observamos os locais externos a sala de aula.
Estávamos ansiosos para adentrar a sala de aula e entender como os alunos surdos e ouvintes se relacionam com
esse ambiente de confinamento. Para o cartógrafo, “entender” “não tem nada a ver com explicar e muito menos
com revelar” (ROLNIK ,1989,p.67).
No terceiro momento de observação chegamos à escola e nos direcionamos a sala 323, do terceiro
ano do ensino médio o qual faz parte quatro alunos surdos. Escolhemos essa turma porque tínhamos a intenção
de observar a participação desses alunos surdos na aula de artes. Na sala, percebemos o grupo dos ouvintes e o
grupo dos alunos surdos que interagiam com aqueles que compartilhavam da mesma forma de comunicação, os
surdos usavam a LIBRAS e os ouvintes oralizavam. Neste dia houve a ausência da interprete na sala de aula e
somente a professora de artes tentava se comunicar com os alunos surdos e ouvintes. Ao conversarmos com os
alunos surdos, eles relataram que quando a interprete falta eles sentem muita dificuldade de se comunicar com
professora de Artes.
Essa observação despertou em nós o interesse de aprofundamento investigativo ao perceber que as
formas de comunicação entre professor e aluno surdo são limitadas. Também nos chamou atenção o fato de nos
momentos de diversão e descontração, sem a presença do intérprete, eles criam meios de comunicação com os
outros alunos, fazendo gestos, mimica, escrevendo mensagens de texto no celular, compartilhando vídeos e
imagens.

2. Em busca de outras compreensões por caminhos instáveis

Voltamos ao ambiente escolar em busca de outras compreensões buscando sem esquecer de que “o
cartógrafo é um verdadeiro antropófago: vive de expropriar, se apropriar, devorar e desovar, transvalorado”
ROLNIK (1989, p. 67). Em busca de aprofundarmos nosso entendimento, andamos por caminhos instáveis,
imprevisíveis e incertos, e nos lançamos à deriva pelos espaços físicos da escola em busca de compreender as
estratégias do jogo que constitui a docência e a pesquisa. Assim, partimos com a intensão de acessar as

Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016


618

subjetividades que constituem os sujeitos que frequentam a instituição escolar, em particular o publico alvo que
temos como objeto de pesquisa, os alunos surdos, catando nas incertezas possibilidades para o ensino de artes.
Tendo em vista que:

A “competência do pesquisador”, e do docente, embora vá se formando com a experiência,


não chega a um estado final, ideal, que garanta êxito dobre a qualquer assunto a ser estudado e
ensinado ou que impeça o surgimento de “titânicas interrogações” e desejo de ousadia. Assim,
a competência do pesquisador. (TOURINHO, 2013, p.65)

Nossas interrogações permaneciam e a escola estava em finalização de semestre. Os professores


estavam corrigindo e aplicando as ultimas atividades avaliativas. Então ficamos observando os espaços externos
da escola e aguardamos o momento do intervalo para observar os alunos mais de perto. Chegando o horário do
intervalo observamos que ouvintes e surdos que transitavam e compartilhavam informações oriundas de suas
vivencias escolares e cotidianas através de “táticas” 3³, como uso de celular para mandar mensagens, imagens,
vídeos dos mais variados conteúdos, assim como a presença do interprete que facilitava a comunicação entre os
dois grupos.

Figura 3 – Observação
Fonte: Acervo da equipe de estágio (2016)

Conversamos com os alunos surdos e com a professora de artes os quais relataram que as
dificuldades de entendimentos, durante a aula de arte, são vivenciadas por ambas as partes. A professora de arte
que não possuir conhecimento de LIBRAS e precisa do auxilio do interprete para estabelecer comunicação com
os alunos surdos durante as aulas. Alguns dos surdos disseram gostar um pouco da matéria de artes por terem
afinidades com a fotografia, o desenho e o teatro. Os alunos surdos relatam que sentem falta de aulas com
praticas artísticas.
Enquanto conversávamos com um grupo de surdos observamos um frenético uso do aparelho celular
por eles. Assim, percebemos que estes aparelhos telefônicos e as mídias visuais talvez possam representar uma
possibilidade de comunicação entre os próprios surdos e entre surdos e ouvintes. Como evidenciado por
SIBILIA (2012):

Esses artefatos de uso cotidiano não só provocam velozes adaptações corporais e subjetivas
aos novos ritmos e experiências, permitindo responder com a maior agilidade possível à
necessidade de reciclagem constante e de alto desempenho, como também eles mesmos

3
CERTEAU (1990) em seu livro “A invenção do cotidiano” define tática como um “calculo que não pode contar com um próprio nem
portanto com uma fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A tática só tem por lugar o do outro. (p. 46)

Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016


619

acabam por se multiplicar e se popularizar em virtude de tais mudanças nos estilos de vida.
(SIBILIA, 2012, p. 51)

Podemos perceber que esses artefatos usados diariamente por surdos e ouvintes são também pontes
entre os mundos dos que ouvem e dos que não ouvem, possibilitando diálogos, compartilhamento de textos,
imagens e vídeos sem a presença de um interprete. Nesse sentido, as adaptações corporais citadas por SIBILIA
(2012), ocorrem corriqueiramente e possibilitam o surgimento de novas subjetividades a partir do fluxo e do
contato com outras culturas que não apenas as dos grupos de surdos. A partir dessas observações ficamos a
pensar: como o ensino das artes visuais pode construir pontes, criar possibilidades para a democratização e
autonomia ao acesso dos saberes entre ouvintes e não ouvintes? Como utilizar esses artefatos tecnológicos do
cotidiano dos alunos nas aulas de artes, ampliando as possibilidades de interação?

Figura 4 – bagagens
Fonte: Acervo da equipe de estágio (2016)

Percebemos que as redes de comunicação invadem o espaço de confinamento da escola e tomam a


atenção dos alunos com suas tramas e prazeres. Ao nosso ver, em acordo com SIBILIA (2012), isso é uma
evidencia do descompasso nas formas de aprender/ensinar apresentado pela instituição escolar com o que os
sujeitos vivenciam em seus cotidianos. Tanto alunos surdos quanto ouvintes possuem acesso a essas
parafernálias tecnológicas e através delas constroem suas relações sociais e por meio delas se comunicam tanto
dentro como fora dos muros da escola. Desejamos continuar nos perdendo nesse espaço heterogêneo,
buscando nas penumbras informações que contribuam para a construção de práticas que sejam de caracteres
múltiplos e provisórios, e ainda que seja uma tarefa complexa, nos colocando na posição do outro, olhando com
o olhar do outro, como fala TOURINHO (2013) sobre a processualidade e relacionalidades das possiblidades
metodológicas no ensino de arte. Em acordo a autora:

Se eu entendo que arte e experiência estética oferecem possiblidades para nos colocar – mesmo
que provisoriamente – no lugar do outro, as metodologias de pesquisa e ensino precisam
buscar um caráter múltiplo, que vise a sua própria disseminação para encontrar lugares que
desconhecemos, praticas que não vivenciamos sentidos que não nos pertencem - que
extrapolam nossos repertórios de vida. (TOURINHO, 2013, p. 68)

3. Observações, reflexões e impressões do universo surdo

Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016


620

Em uma observação no campo do estágio com a intensão de aprofundar observações, reflexões e


impressões acerca dos comportamentos dos sujeitos surdos no ambiente escolar não buscamos certezas ou
verdades absolutas. Em nossas incertezas, desconfianças, ansiedades, medos e inseguranças, tentamos trilhar
caminhos que nos levassem a uma maior compreensão das formas de ser e estar no mundo compartilhadas pelos
doze alunos surdos, num ambiente cheio das mais diversas pluralidades e tensões. Posicionamo-nos como
observadores participantes na tentativa de manter maior contato com as subjetividades dos sujeitos evidenciados
por nossas observações.

Figura 5 – Confinados
Fonte: Acervo da equipe de estágio (2016)

Adentramos a sala de aula da turma 323, para acompanhar uma aula de artes visuais onde os alunos
ouvintes apresentavam seminários relacionados a conteúdos curriculares centrados na história da arte brasileira.
Neste dia a interprete que acompanha os quatro alunos surdos desta sala não estava presente. Com a intenção de
incluir os alunos surdos na aula à coordenação pedagógica mandou outra interprete para sala de aula para
acompanha-los. Percebemos que a interprete substituta não havia conhecimento do processo compartilhado
pelos alunos em aulas anteriores e estava tão somente interpretando o que era compartilhado pelos ouvintes. No
seminário eram utilizados cartazes com imagens e informações sobre artistas brasileiros.
Os surdos formavam um único grupo constituído somente por não ouvintes, e o grupo dos alunos
surdos deveria, assim como todos os outros alunos da turma, apresentar em forma de seminário informações de
artistas distribuídos previamente entre os grupos, mas acabaram não executando o exercício proposto,
entregando somente trabalho escrito, gerando tensões entre professora e alunos. Em entrevistas abertas eles
expressaram em suas falas as tensões geradas em sala de aula pelas formas diferentes de comunicabilidade e as
dificuldades para compreender alguns assuntos, assim como para apresentar trabalhos que exijam explanação em
forma de seminários.

Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016


621

Figura 6 – Redes democráticas


Fonte: Acervo da equipe de estágio (2016)

Quando os alunos foram liberados para o intervalo aglomeraram-se na área da cantina onde estavam
duas TVs postas para que todos pudessem acompanhar uma luta dos jogos olímpicos. Observamos ali a
interação e compartilhamento de interesses por alunos surdos e ouvintes em volta do aparelho televisivo.
Estes dados nos fizeram refletir como a cultura de massa e as mídias visuais em geral podem
potencializar a construção de práticas educativas no ensino de arte que alcancem os estudantes surdos e ouvintes
de forma democrática nas aulas de arte. Nesse sentido, os conteúdos curriculares oficiais, as praticas educativas e
as experiências com as mídias dos estudantes surdo e não surdos muitas vezes resultam em tensões. Como
destaca MARTINS (2013) estas tensões:

[...] se estabelecem entre o que diz respeito ao normativo, ao sociocultural, institucional,


portanto coletivo, e o que advém do singular, subjetivo, individual, que reivindica o direito à
diferença. Essas tensões dão o tom das relações entre as pessoas, das informações que circulam
em diferentes instâncias. Ecoam e vibram nos ambientes onde diferentes atividades são
desenvolvidas nas visualidades produzidas, utilizadas, protegidas, atacadas, nos discursos
repetidos, construídos, combatidos. (MARTINS, 2013, p.183)

Figura 7 – Anotações
Fonte: Acervo da equipe de estágio (2016)

Nesse sentido, os corredores outrora completamente cobertos por penumbras agora são pra nós como
lugares de compartilhamentos, de interações e de construções subjetivas. É no pátio e nos corredores da escola
onde a maior interação entre os dois grupos de alunos ouvintes e surdos acontece e sinaliza algumas
possibilidades de pensar a comunicação/interação entre professor e aluno nas aulas de arte.
Estar atentos aos grandes e pequenos acontecimentos dentro e fora do espaço da sala de aula, nos
ajudou a perceber que os trânsitos de informações compartilhados por ouvintes e surdos são limitados quando
estes não possuem o domínio necessário das formas de comunicação um do outro. Estas barreiras, na escola

Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016


622

Tiradentes, tem sido ultrapassada pelo acesso às redes sociais acessadas por meio do uso dos seus aparelhos
celulares.

Figura 8 – Afetos
Fonte: Acervo da equipe de estágio (2016)

Os dias em que o estagio supervisionado I ocorreu nos possibilitou a construção de laços afetivos
com os sujeitos de nossa pesquisa etnográfica, laços esses que nos propiciaram uma abertura pra acessar
informações importantes na produção de dados. Ainda que houvesse limitações na comunicação por parte dos
estudantes ouvintes para com os surdos, pudemos compartilhar de informações, subjetividades, historias de vida,
trânsitos e relatos do cotidiano dos nossos colaboradores.
Ao perceberem nossa presença nos corredores da escola os indivíduos surdos logo se aproximavam e
se mostravam disponíveis para conversar. Assim aproveitamos estas aberturas de dialogo e buscamos aprofundar
questões, a partir dos seus relatos de vida e seus interesses pessoais, na tentativa de acessarmos informações
ainda não percebidas por nós. No que se refere aos seus desejos pessoais, um dos alunos surdos falou de seu
interesse pelo desenho e pintura. Esse mesmo aluno exibiu para nós seu acervo de desenhos que ele guarda
dentro de pastas.

Figura 9 – Expressões visuais


Fonte: Acervo da equipe de estágio (2016)

Podemos destacar que as temáticas de seus trabalhos, na sua maioria, são voltadas para a cultura
popular. Nas produções podia se ver desenhos de super-heróis, vilões, personagens de videogames, personagens
de filmes, figuras públicas, seres extraterrestres e também alguns autorretratos. A partir das produções do aluno
notamos a forte presença das mídias como constituidoras de concepções de realidade as quais despertam desejos
e interesses nos seus interactores. Como diz SIBILIA (2012, p. 63) “a sociedade contemporânea esta fascinada
pelos sedutores feitiços das imagens”. As imagens veiculadas através das redes, do aparelho televisivo, do cinema,
chegam até os sujeitos de forma democrática e neles despertam diferentes comportamentos e subjetividades que

Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016


623

emergem em suas vivencias diárias. Assim, nota-se que os indivíduos ao entrarem em contato com esses
dispositivos “constrói-se um tipo de subjetividade bem diferente daquela que germinava na sala de aula” SIBLIA
(2012, p. 89).

Algumas considerações

Ansiamos retornar ao campo para dar continuidade as nossas aprendizagens. Ainda que de inicio o
processo tenha nos causado certos desconfortos por sermos iniciantes no processo de pesquisa, foi para nós
prazeroso estar imerso no universo da instituição escolar e poder ter contato com as pluralidades que ali
transitam. Pudemos aprender com o processo que as experiências dos sujeitos não podem ser acessadas apenas
com um olhar clinico, ou com um olhar preconceituoso carregado de verdades e certezas, para alcançar as
subjetividades é necessário que ocorra deslocamentos de sentidos e das formas de olhar o outro diferente.
Durante todos os momentos do estagio fomos levados a pensar e repensar a docência no campo das artes
visuais, a partir das visualidades que esse processo nos ofereceu, compreendemos que as imagens são muito mais
do que um suporte, são parte fundamental do aprendizado dos alunos surdos e ouvintes. A experiência do
estágio nos fez refletir a respeito dos processos de aprendizagem na atualidade. As tensões observadas e
experimentadas foram imprescindíveis, pois, foram estas que nos impulsionaram a questionar e desconfiar de
verdades e certeza cristalizadas a respeito das formas de aprender dos jovens estudantes.
Após nossas observações e um volume de dados e reflexões, parte delas aqui compartilhadas,
concluímos nossa visitação, ainda cheios de incertezas, e tendo nas tensões e sentidos construídos nesse contato
com escola perspectivas de nos tornarmos professores de arte. Perspectiva essas, que nos faz imaginar uma
atuação docente em artes visuais que considere os trânsitos juvenis fora e dentro do espaço escolar.
Consideramos que faz parte da ação docente, nos processos de ensino/aprendizagem, tecer reflexões que nos
ajudem a pensar, fundamentar, organizar e construir, práticas educativas inclusivas. Não como procedimentos
modelos e generalizantes, mas processuais, de modo que levem em consideração os contextos específicos e as
experiências dos sujeitos envolvidos nos processo de ensino/aprendizagem em artes visuais.

Referências

AGIER, Michel. Encontros Etnográficos: interação, contexto, comparação (pp. 8-28). “Eis aí o Homem”, “O
espaço”. Alagoas: UNESP, 2015.

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1998.

DEZIN, Norman K. ; LINCOIN, Yvonna S. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens.


Porto Alegre: Artmed, 2006.

MARTINS, Alice Fátima. Algumas frestas de luz, zona de penumbra: densas sombras sobre pesquisa em
contextos educativos e suas visualidades. In. MARTINS, Raimundo e TOURINHO, Irene (orgs). Processos e
práticas de pesquisa em cultura visual e educação. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2013.

MOREIRA, Daniel Augusto. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002.

Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016


624

ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação
Liberdade, 1989.

SIBILIA, Paula. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Contrapontos, 2012.

TOURINHO, Irene. Metodologia(s) de pesquisa em Arte/Educação: o que está (como veja) em jogo? In: DIAS,
Belidson; IRWIN, Rita L. (Org.). Pesquisa baseada em arte: a/r/tografia. Santa Maria, RS: Ed. da UFSM, 2013.

Anais do XXVI CONFAEB - Boa Vista, novembro de 2016

You might also like