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ANACRONISMO E JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA: O

INSUSTENTÁVEL ART. 1.018 DO CPC/2015 1

EDUARDO SCARPARO,
Doutor em Direito Processual Civil pela UFRGS.
Professor Adjunto de Direito Processual Civil na UFRGS.
Advogado em Porto Alegre (RS).

Resumo: O texto faz relações entre o disposto no artigo 1.018 do CPC/2015 e a assim chamada
jurisprudência defensiva. Estabelece historicamente o contexto em que foi instituída a necessidade
de juntada de razões ao juízo a quo, diante do recurso de agravo de instrumento e faz exame atual
da relevância da disposição. Trabalha igualmente sobre a interpretação de alguns tribunais acerca
do dispositivo.

Palavras-chave: agravo de instrumento; art. 1.018; recursos; jurisprudência defensiva; questões


formais.

Abstract: The paper relates the rule in the article 1.018 of the Brazilian CPC/2015 with the as
known “defensive jurisprudence”. Historically establishes the context in which it was created the
obligation to the parties to present a copy of the grounds to the judge a quo, when the decision is
object of a Brazilian judicial remedy (agravo de instrumento) and makes a current exam of the
relevance of the legal provision. It also treats about the interpretation of some Brazilian courts
about this rule.

Keywords: agravo de instrumento; art. 1.018, judicial remedies; “defensive jurisprudence”; formal
issues.

SUMÁRIO. I. Introdução. II. Jurisprudência defensiva no CPC/2015, em


especial no relativo a admissibilidade de recursos. III. Da vinculação da
norma com seu tempo: a origem da exigência de juntada das razões de
agravo em primeiro grau. IV. Da redação ao agravo de instrumento no art.
1.018 do CPC/2015. V. Das finalidades históricas e da possibilidade de sua
consideração na vigência do CPC/2015 relativamente à indispensabilidade
da juntada de razões no primeiro grau. VI. Desejos e anacronia: a
jurisprudência defensiva na esteira da interpretação do §2º do art. 1.018 do
CPC/2015. VII. Considerações finais.

I. INTRODUÇÃO

1
Texto originalmente publicado em SCARPARO, Eduardo. Anacronismo e jurisprudência defensiva: o
insustentável art. 1.018 do CPC/2015. In: Rogéria Dotti. (Org.). Processo Civil Entre A Técnica Processual
e a Tutela Dos Direitos: Estudos em Homenagem a Luiz Guilherme Marinoni. 1ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 789-806.
Os pressupostos de aplicação do CPC/1973, na origem, tinham ligações com
um sistema individualista, abstrato, idealista e declaratório sobre o direito e funções
jurisdicionais 2. Fato é que a realidade da aplicação desse modelo em uma jurisdição de
processos massificados acabou por gerar consequências sistêmicas bastante inconvenientes
ao cotidiano forense. No caso, a idealização do direito processual – que, por sinal, norteou
a sua própria formação como disciplina jurídica 3
– conduziu à percepção de que a lei
processual não dependeria do contexto para aplicação, podendo incidir independentemente
da sua correlação com as finalidades concretas. Nesse sentido, sob dada premissa
epistêmica, não se permitia o questionamento dos porquês da lei processual, sendo
inexorável sua aplicação para fins de promoção da sua cientificidade.
Apesar de ser verdadeiro que a adoção das formas e tipos processuais
previstos mostra-se uma das maneiras mais eficazes de garantir uma plêiade de direitos
fundamentais processuais, não se pode olvidar que em certas circunstâncias os tipos
previstos na legislação estão desconectados de fundamentos axiológicos e finalísticos que
lhes dariam razão de ser. Nesses casos tem-se a existência de formas vazias e
juridicamente inexigíveis, senão pelo louvar do burocrático pelo hábito ou pelo conforto 4.
Nas últimas décadas, identificou-se uma reação de juízes, desembargadores
e ministros ao quadro insustentável de demandas massificadas e efetivo congestionamento
das vias processuais decorrente da previsível impossibilidade de encaminhar soluções a
demandas massificadas a partir do perfil adotado pelo CPC/1973. Com o mesmo substrato
ideológico do sistema (individualista e idealizado) erigiu-se uma solução pragmática: a
chamada jurisprudência defensiva. Essa consiste na repulsão de demandas e recursos em
função de formalismos perniciosos, notadamente ligados a requisitos processuais. Assim
sendo, se a constatação de um vício formal significar a desnecessidade de apreciação do
mérito (da causa ou recursal) tem-se no seu acolhimento um mecanismo de enorme

2
SILVA, Ovídio Baptista da. Processo e Ideologia. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
3
A respeito, MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009, p. 29-34.
4
Em certos casos, as formas processuais podem perder, ao longo do tempo, o seu sentido axiológico,
tornando-se residuais. Muito embora fosse desejável, as regras de Direito Processual Civil nem sempre se
apresentam lógicas e racionais, especialmente quando se tem em mira os seus aspectos formais. Tanto o é
verdade que as formas residuais são muito comuns aos ordenamentos processuais contemporâneos. O
fenômeno caracteriza-se quando “formas sobrevivem como corpo sem alma que o legislador respeita pela
força do hábito, não obstante tenham se modificado inteiramente as necessidades que as determinaram”
GRECO, Leonardo. As invalidades processuais e a execução. Revista de Ciências Sociais da UGF, v. 5, p.
7-29, 1999, p. 7.
simplificação do ato de julgar, que reproduz resultados hipocritamente encantadores nas
estatísticas de julgamento nos tribunais.
Exemplificativamente: se, afinal, o recorrente não juntou razões do agravo
em primeiro grau, como determinado expressamente pelo art. 1.018 do CPC/2015, então
não é necessário enfrentar um potencialmente tormentoso mérito recursal. Nesse caso o
recurso não é admitido mediante julgamento extremamente simplificado: não cumprido o
disposto na lei processual no prazo ali designado, inadmite-se o recurso. A saída simples
não se preocupa em momento algum com a ponderação sobre por qual motivo seria
exigível a juntada das razões de agravo em primeiro grau e como o direito processual
trabalha com essa finalidade.
No presente texto, buscar-se-á indicar que a aplicação do art. 1.018 do
CPC/2015 exige contextualização. Ainda que historicamente a juntada das razões no
primeiro grau já tenha ocupado um papel relevante, demonstrar-se-á que o dispositivo
atualmente opera na contramão da política processual, dado que prestigia formalidades
contextualmente vazias, em detrimento do julgamento meritório. Trata-se de norma
anacrônica que deveria ser integralmente excluída do ordenamento processual. Enquanto
vigente, deve ser interpretada conforme as finalidades que lhe são exigíveis e
contextualizada a ocorrência de improvável prejuízo para o sancionamento de
inadmissibilidade de recursos.

II. JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA NO CPC/2015, EM ESPECIAL NO


RELATIVO À ADMISSIBILIDADE DE RECURSOS

Sob os incessantes e já óbvios alertas de que o processo tem caráter


instrumental e que, por isso, deve privilegiar o julgamento efetivo da lide – ao invés de
lidar com julgamentos unicamente estatísticos – o CPC/2015 laborou diretamente contra
vários instrumentos da assim chamada jurisprudência defensiva que se instituíram na
vigência da legislação anterior. Nesse sentido, a leitura da prática forense a partir dos
objetivos instrumentais do direito processual deu origem a vedações diretas da nova
legislação a óbices puramente formais criados pela jurisprudência dos tribunais ao
julgamento de recursos.
Há nitidamente um propósito no CPC/2015 de favorecer o exame do aspecto
de fundo em demandas e recursos, o que repercute no princípio de primazia do julgamento
de mérito. Esse vem, a propósito, tipificado no art. 4º, determinando um direito a um
julgamento sobre a lide, bem como no art. 488 do CPC/2015, estabelecendo que a
perturbação do tipo processual passível de extinção do processo (art. 485) não impede o
julgamento de mérito em proveito da parte que aproveitaria o vício. Exemplificativamente,
se o réu alega inépcia da petição inicial do autor por conta de pedido genérico e o juiz
percebe que, mesmo que o pedido estivesse bem formulado, ainda assim não daria razão ao
autor, é plenamente viável o julgamento de improcedência dos pedidos, com aptidão a
formação de coisa julgada, no caso, em favor do réu.
Em grau recursal foi ainda maior a ingerência do CPC/2015 contra a
jurisprudência defensiva. Genericamente se vê no art. 932, parágrafo único, uma
determinação de ampla corrigibilidade dos vícios processuais recursais, com a plena
possibilidade de sua convalidação para permitir o julgamento do mérito recursal.
Especificamente, a nova legislação também deu um recado aos parâmetros de consideração
de vícios formais em sede recursal, como se vê do art. 76, §2º; do art. 218, §4º, do art., do
art. 1003, §4, do art. 1007, § 7º; do art. 1017, §§ 3º e 7º; do art. 1024, §5º; art. 1025; art.
1029, §§ 2º e 3º, e art. 1033.
O art. 218, §4º 5, do CPC/2015 obsta a manifestamente ilegítima tese dos
recursos pré-tempestivos, que se assentou por algum período também nos tribunais
superiores. Obviamente, os prazos processuais são estabelecidos para que o processo tenha
um trâmite máximo e não para que seja impedido o seu desenvolvimento com maior
celeridade. A tese de que o recurso apresentado antes da abertura do prazo seria
intempestivo é um dos exemplos mais evidentes dos propósitos ilegítimos da assim
chamada jurisprudência defensiva, dado que o entendimento não favorece em nenhum
aspecto quaisquer direitos fundamentais processuais; pelo contrário: cria, inclusive, óbices
à razoável duração do processo, pois determina que a parte aguarde a publicação da
decisão para apresentação do respectivo recurso.
Entendimentos sumulados – vigentes até a edição da nova lei – que
consagravam notórios óbices ao conhecimento de recursos, próprios de jurisprudência
defensiva, foram também alvo de disposições específicas no CPC/2015, como se vê dos
6
artigos 76, §2º e 1.029, §3º, dado que a partir de então passa a ser inquestionável que a

5
CPC/2015. Art. 218. Os atos processuais serão realizados nos prazos prescritos em lei. (...) § 4º. Será
considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.
6
CPC/2015. Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o
juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício. (...) § 2º. Descumprida a
determinação em fase recursal perante tribunal de justiça, tribunal regional federal ou tribunal superior, o
representação da parte pode ser sanada em qualquer etapa do processo. Como se sabe, a
7
jurisprudência anterior, consoante a Súmula 115 do STJ entendia por ser impossível o
saneamento do vício de representação nos tribunais superiores, sendo passível de conserto
tão somente nas vias ordinárias, posicionamento esse absolutamente desmedido.
Igualmente em explícita batalha contra súmulas de jurisprudência defensiva
8
nos tribunais superiores, a nova lei processual enunciou no art. 1.003, §4 o direito a
consideração do protocolo pelos correios por conta da data da postagem, em confronto
direto com o disposto na Súmula 216 do STJ 9 que considerava o recebimento da petição e
não seu envio quando utilizada a via postal para a interposição de recursos no Superior
10
Tribunal de Justiça; no art. 1.007, §§ 4º e 7º , em oposição ao então estabelecido na
11
Súmula 187 , mitigou intensamente as formalidades e prazos para o preparo recursal.
Também tendo em conta o requisito do prequestionamento para recursos extraordinários
lato sensu, a novel legislação estabeleceu a integral consideração do voto vencido para esse
fim (art. 941, §3º 12), contrariando a então orientação exposta na Súmula 320 do STJ 13.
Do outro lado, manteve-se ao menos um suporte para o não conhecimento
de recursos muitas vezes desmedidamente adotado na jurisprudência: o art. 1.018 do
CPC/2015. O dispositivo de lei impõe, sob pena de não conhecimento do recurso, a
necessidade de juntada das razões do agravo de instrumento no primeiro grau, em 3 dias,
desde que não sejam eletrônicos ou autos.

relator: I - não conhecerá do recurso, se a providência couber ao recorrente; II - determinará o


desentranhamento das contrarrazões, se a providência couber ao recorrido.
7
STJ. Súmula 115. Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos
autos.
8
CPC/2015. Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a
sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da
decisão. §4º. Para aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio, será considerada como data
de interposição a data de postagem.
9
STJ. Súmula 216. A tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo
registro no protocolo da secretaria e não pela data da entrega na agência do correio.
10
CPC/2015. Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela
legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. (...)
§4º. O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive
porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em
dobro, sob pena de deserção. (...) §7º. O equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a
aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o
recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias.
11
STJ. Súmula 187. É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente
não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos autos.
12
CPC/2015. Art. 941. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando
para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor. (...) §3º. O voto
vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais,
inclusive de pré-questionamento.
13
STJ. Súmula 320. A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do
prequestionamento.
Inegável é que o CPC/2015 estabeleceu uma política bastante combativa aos
entraves processuais formais para conhecimento dos recursos erigidos nos tribunais sob a
vigência do CPC/1973. Assim a partir de oposição a orientações jurisprudenciais que se
mostravam pragmaticamente menos vinculadas com direitos fundamentais processuais do
que com a adoração vazia a formalidades processuais, centradas em um zelo cego pelo
tipo, independentemente dos valores e das finalidades por eles tuteladas.

III. DA VINCULAÇÃO DA NORMA COM SEU TEMPO: A ORIGEM DA

EXIGÊNCIA DE JUNTADA DAS RAZÕES DE AGRAVO EM PRIMEIRO

GRAU.

A exigência de juntada de razões no primeiro grau já preencheu na história


processual um papel muito relevante. Contudo, contemporaneamente, por mudanças
sociais e tecnológicas, os propósitos inicialmente dignos para a exigência perderam quase
que totalmente seu suporte.
A finalidade e a utilidade de uma dada disposição normativa exigem uma
hermenêutica cronologicamente adequada de modo que se conectem as atividades de
aplicação do direito com os correlatos de seu tempo. Deve-se ponderar quais os aspectos
que eram determinantes quando da edição de dada prescrição legal e averiguar se ainda
estão presentes ou se outros igualmente relevantes lhes tomaram o lugar – o que justificaria
a sua mantença –, ou se é tempo de sua reforma ou exclusão do sistema jurídico. Ademais,
na interpretação da lei, é tarefa do intérprete avaliar os sentidos do texto legal de acordo
com a contextualização do tempo de sua aplicação.
Conforme os arts. 524 e 525 do CPC/1973 – em sua redação pela Lei n.
5.925/1973 14-15
– a formação do instrumento para o recurso de agravo se dava pelo
escrivão 16, após a indicação pelo agravante das peças que deveriam ser transladadas, para

14
CPC/1973. Art. 524. Deferida a formação do agravo, será intimado o agravado para, no prazo de cinco (5)
dias, indicar as peças dos autos, que serão trasladadas, e juntar documentos novos. (Redação pela Lei n.
5.925/1973).
CPC/1973. Art. 525. Será de quinze (15) dias o prazo para a extração, a conferência e o concerto do traslado,
prorrogável por mais dez (10) dias, mediante solicitação do escrivão. Parágrafo único. Se o agravado
apresentar documento novo, será aberta vista ao agravante para dizer sobre ele no prazo de cinco (5) dias.
(Redação pela Lei n. 5.925/1973).
15
A redação original do CPC/1973, no particular, aliás, jamais vigeu, tendo em vista que a Lei n. 5.925/1973
reformou o código antes mesmo de ter escoado a respectiva vacatio legis.
16
GONZALES, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo
Civil de 2015. 1ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 137.
posterior conferência e complementação. Dito procedimento era custoso e demorado, como
noticiou Adroaldo Furtado Fabrício, ainda nos primeiros anos de vigência da lei,
calculando em pelo menos 105 (cento e cinco) dias o lapso entre a interposição do agravo
17
no primeiro grau e a remessa ao tribunal ad quem para julgamento do recurso . Como o
procedimento para recorrer era bastante demorado, faz-se bem compreensível a razão pela
qual era usual a impetração de mandado de segurança contra a decisão agravada para fins
de obtenção de efeito suspensivo diretamente no tribunal enquanto não processado e
julgado o recurso de agravo na instância a quo 18 - 19.
Assim, nessa época, a recorribilidade das interlocutórias se dava
primeiramente junto ao juízo a quo, com a formação do instrumento por translado do
escrivão. Abria-se oportunidade para contrarrazões junto ao primeiro grau, com posterior
consideração do juiz sobre eventual retratação, para enfim efetuar-se a remessa para o
tribunal. Esse trâmite, vigente por mais de vinte anos no processo civil brasileiro,
mostrava-se necessário e pertinente naquelas circunstâncias pelas dificuldades presumidas
do agravante (em efetuar deslocamento até a sede do tribunal para apresentar o recurso), do
agravado (em tomar ciência das razões e ofertar a defesa, em especial quando a causa
tramitava em comarca do interior) e do juiz (que poderia com isso efetuar a retratação),
20
evitando-se a remessa do recurso potencialmente custosa . Nos termos de Barbosa

1717
“Afirmou-se, mais, que o agravo de instrumento ‘assegura a verificação da decisão impugnada antes que
o juiz profira sentença definitiva’, ‘sem interromper a marcha do processo’ e ‘sem embaraçar o andamento da
ação’. As duas primeiras assertivas são francamente contraditórias entre si, e todas, no seu conjunto, são de
um otimismo que raia pela ingenuidade. O processamento do agravo embaraça, sim, o julgamento de mérito
na origem. Tenha-se em conta, a esse propósito, que o processamento do agravo, só em primeiro grau, pode
consumir mais de cem dias”. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Doutrina e Prática do Procedimento
Sumaríssimo. 1ª ed. Porto Alegre: Ajuris, 1977, p. 115.
18
“Tornou-se notório, ante o efeito meramente devolutivo do recurso de agravo, o ajuizamento cada vez mais
frequente, nos tribunais, de mandados de segurança (com a amplitude que lhes assegura a Lei Maior)
buscando empecer o cumprimento imediato das decisões interlocutórias impugnadas (writ com caráter
‘cautelar’) e, mais, pretendendo inclusive alterar o próprio conteúdo de tais decisões”. CARNEIRO, Athos
Gusmão. Recurso Especial Agravos e Agravo Interno. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 230.
19
“O vigente Código de Processo Civil, entretanto, embora reconhecendo seu principal co-autor aquela
realidade, instituiu o agravo de instrumento como recurso cabível de todas as ‘decisões’ (art. 522),
concebidas como provisões judiciais que não ponham termo ao processo nem se caracterizem como
despachos de mero expediente (art. 162). Pensou-se que essa seria a forma de impedir o uso de sucedâneos
recursais anômalos, como o mandado de segurança e a correição parcial, de largo emprego no direito
anterior”. Em nota de rodapé, complementa o autor: “essa suposição, hoje confrontada amplamente nos
tribunais, tão frequentes como antes, os mandados de segurança contra atos judiciais. Nem se poderia esperar
coisa diversa de recurso sem efeito suspensivo, como o agravo”. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Doutrina e
Prática do Procedimento Sumaríssimo. 1ª ed. Porto Alegre: Ajuris, 1977, p. 114-115.
20
Pontes de Miranda, comentando o CPC/1973, preocupa-se com a atitude de retenção indevida dos autos
pelo magistrado, impedido a subida: “O que não pode prender os autos, nem julgar inadmissível o agravo de
instrumento, mesmo se interposto fora do prazo legal. O escrivão tem o prazo de dez dias para a remessa, se
o juiz manteve (art. 527, §4º), ou se reformou em parte, o que é espécie de mantença. O escrivão fica em
situação delicada, porque ou desobedece ao juiz, mesmo se esse, ilegalmente, despachou contra a subida, ou
tem de comunicar ao tribunal que não remeteu os autos do agravo de instrumento porque o juiz os reteve. O
Moreira, considerando o texto então vigente, “o agravo tem efeito devolutivo diferido: a
matéria apenas se transfere ao conhecimento do órgão ad quem depois de submeter-se ao
reexame do órgão a quo” 21. Ademais, a garantia de um translado pelo escrivão significava
segurança sobre a autenticidade da formação do instrumento e as dificuldades em superar
as distâncias das comarcas do interior até a sede do tribunal tinham papel importante na
eleição do rito recursal, inclusive para atestar a fidedignidade dos documentos.
O quadro teve uma radical mudança com o advento da Lei 9.139/1995. Por
conta da “técnica moderníssima de reprografia instantânea” permitiu-se “a dispensa dos
longos trâmites e diligências cartorais”, para os fins de “apresentação do agravo
22
diretamente ao tribunal ad quem” . O avanço tecnológico pressionou para haver uma
reforma da lei fazendo adequado viabilizar a apresentação do recurso diretamente aos
tribunais. Isso significou, definitivamente, a derrocada da impetração de mandado de
segurança concomitantemente com o agravo de instrumento, representando grande avanço
na atuação forense.
Após vinte anos da sistemática original, as circunstâncias de processamento
do agravo modificaram-se, dando espaço a mudanças em sua tramitação. Afinal, os acessos
a informações, transportes, processamento de dados e o contexto de operação do Judiciário
em 1995 já se mostravam largamente diferentes daqueles vivenciados quando entrou em
vigor o CPC/1973.
Reconheceu-se, com largo louvor, que a permissividade de apresentação do
recurso imediatamente no tribunal e a formação do instrumento pelo advogado – e não
mais pelo escrivão – foi um passo importante para a abolição dos “tortuosos e meândricos
vaivéns procedimentais anteriormente adotados, e que procrastinavam por meses e meses a
elaboração do instrumento, a integração do contraditório recursal e a remessa do recurso ao
tribunal de destino” 23.
No caso, as maiores preocupações, com a Lei 9.139/1995, residiam na
dificuldade do agravante em apresentar as razões no tribunal, quando o caso, nas comarcas

escrivão não pode fazer outro instrumento de agravo. Já antes o dissemos. Assim, o escrivão, a pedido do
agravante ou de pessoa interessada, certifica que o juiz reteve os autos do agravo de instrumento, ou que lhe
deu ordem escrita para não dar seguimento. O caso é, tipicamente, de ação de mandado de segurança”.
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p.
305-306.
21
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1981, p. 564-565.
22
CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso Especial Agravos e Agravo Interno. 5ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 258.
23
Ibid., p. 229.
24
interioranas, sugerindo-se que tal providência dificultar-lhe-ia o acesso à justiça . O
tempo mostrou que era exata a postura progressista de Cândido Rangel Dinamarco com a
hoje evidente consideração de que o uso da via postal se mostrava seguro e absolutamente
pertinente para tal finalidade. Igualmente, as preocupações com a ciência do agravado
sobre o recurso eram debatidas, sugerindo-se inclusive a intimação pela via postal, para os
advogados com escritório no interior e, portanto, com dificuldade no acesso às publicações
oficiais 25-26.
As tecnologias informam e contextualizam a compreensão, a edição e a
aplicação direito como fica bem evidente a partir da inferência de Athos Gusmão Carneiro
sobre a moderníssima fotocópia, que permitiu ao advogado formar o instrumento com
facilidade, para apresentar, de imediato, o recurso ao tribunal. O tempo não era mais o
mesmo da edição do CPC/1973. O contexto mudara, as dificuldades eram outras e a
regulamentação outrora pertinente passara à condição de entrave à administração da justiça
e, consequentemente, a uma tutela jurisdicional efetiva.
A contar daí, a lei passou a tratar das peças que deveriam ser fotocopiadas
27
pelo agravante (art. 525 ), bem como se substitui a regulação da intimação do agravado

24
“Esse é o ponto mais polêmico entre as alterações propostas no projeto em curso na Câmara dos
Deputados. Ao mandar que o agravo de instrumento seja ‘dirigido diretamente ao tribunal competente’, o
novo art. 524 chama contra si muitos clamores de profissionais temerosos por dificuldades que poderão
surgir e a ira dos críticos radicais. Temem que a suposta necessidade de locomoção à sede do Tribunal
dificulte as interposições recursais e com isso bloqueie o pleno acesso à justiça”. O ponto aqui seria a
dificuldade que os agravantes situados em comarcas diferentes daquela em que é sede o tribunal teriam para
interposição do recurso. Na acurada crítica de Dinamarco, não se mostrava pertinente a irresignação, pois
também restou aditado o §2º do art. 525 que permitiu o protocolo por correios com aviso de recebimento, ou
mesmo a incorporação de outros meios para captação de petições recursais, como o protocolo integrado.
DINAMARCO, Cândido Ragnel. A reforma do Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 280.
25
“Para segurança, e considerando que os advogados com sede em outra comarca não têm acesso rápido às
publicações feitas pela imprensa, estando também distantes do próprio tribunal, o projeto estabelece um
sistema diferenciado para a intimação convidando o agravado a responder. Esses advogados serão intimados
por correio, mediante ofício expedido sob registro e com aviso de recebimento (art. 527, inc. III).” Já o
“agravado defendido por advogado com sede na comarca onde se situa o tribunal será intimado pela imprensa
ordinariamente, conforme a regra geral contida no art. 236 do Código de Processo Civil (art. 527, inc. IV)”
ibid., p. 287.
26
Sobre o ponto, o que dá conta do contexto de preocupações inerentes à edição da legislação, ponderou
Athos Gusmão Carneiro, “quando o Diário Oficial publica também as notas do expediente forense de
comarcas vizinhas, ou até mesmo, como acontece no Rio Grande do Sul, as notas de todas as comarcas?
Dentro do sistema, se as intimações de uma determinada comarca interiorana são regularmente efetivadas por
intermédio do Diário da Justiça, e disso estão, pois, os advogados de todo cientes, a intimação do agravado
poderá, e deverá, ser igualmente efetivada por esta forma mais expedita e segura de comunicação
processual”. CARNEIRO, Athos Gusmão. O novo recurso de agravo e outros estudos. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1996, p. 56.
27
CPC/1973. Art. 525. A petição de agravo de instrumento será instruída: I - obrigatoriamente, com cópias
da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do
agravante e do agravado; II - facultativamente, com outras peças que o agravante entender úteis. § 1o
Acompanhará a petição o comprovante do pagamento das respectivas custas e do porte de retorno, quando
28
para contrarrazões no primeiro grau (redação até então do art. 526 do CPC/1973 ) pela
exigência de juntada pelo agravante, no primeiro grau, no prazo de 3 dias contados da
apresentação do recurso, das razões do agravo e da listagem dos documentos que
instruíram o recurso na nova redação desse dispositivo, ainda que sem indicação de
qualquer consequência para o caso de descumprimento 29.
Como a Lei 9.139/1995 não estabeleceu expressamente a consequência
acerca pela não juntada em primeiro grau das razões, a doutrina e jurisprudência se
dividiram intensamente a respeito. Entre outros doutrinadores, posicionando-se pela
30
irrelevância do cumprimento da disposição do art. 526: Teresa Wambier e Cândido
31 32
Dinamarco ; pelo rigor na exigência do cumprimento Athos Gusmão Carneiro . A
jurisprudência também apresentou divergências de larga medida relativamente ao
sancionamento do descumprimento das razões em primeiro grau, ora isentando de qualquer
sanção, ora penalizando com a inadmissibilidade do agravo, ora condicionando o
conhecimento da questão a irresignação do agravado 33.

devidos, conforme tabela que será publicada pelos tribunais. § 2o No prazo do recurso, a petição será
protocolada no tribunal, ou postada no correio sob registro com aviso de recebimento, ou, ainda, interposta
por outra forma prevista na lei local. (Redação pela Lei n. 9.139/1995)
28
CPC/1973. Art. 526. Concluída a formação do instrumento, o agravado será intimado para responder.
(Redação pela Lei n. 5.925/1973).
29
CPC/1973. Art. 526. O agravante, no prazo de 3 (três) dias, requererá juntada, aos autos do processo de
cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, assim como a relação dos
documentos que instruíram o recurso. (Redação pela Lei n. 9.139/1995)
30
“A demonstração, no juízo ad quem, no sentido de que o ônus do art. 526 não foi cumprido não é ônus do
agravante e não pode ser analisada pelo Tribunal (nem, por óbvio pelo relator) como requisito de
admissibilidade do recurso”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 294.
31
“A primeira e mais intuitiva finalidade com que foi ditada essa norma é a de propiciar ao juiz o juízo de
retratação, que é do interesse do próprio agravante. Por isso, o retardamento ou omissão no cumprimento de
tal preceito não será fatal a este, nem obstará ao conhecimento do agravo interposto” DINAMARCO,
Cândido Ragnel. A reforma do Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 288.
32
“Se o agravante não cumprir estritamente o disposto no art. 526, tal fato será motivo para o não
conhecimento do agravo? Resposta: sim”. CARNEIRO, Athos Gusmão. O novo recurso de agravo e outros
estudos. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 79.
33
Como se vê da apuração e pesquisa trazida por Teresa Wambier, no STJ houve um grupo de decisões que
indicavam ser a providência do art. 526 uma diretiva no interesse do agravante, para quando julgar possível a
retratação do magistrado a quo (REsp 157.563/MG, rel. Min Ari Pargendler, em 03.11.1999, REsp
182.820/RS, rel. Min Sálvio de Figueiredo, em 08.10.2001), bem como decisões em que assentava ser um
ônus da parte agravante, dando ensejo ao não conhecimento do recurso de agravo (REsp 148.770/SP, rel.
Min. Sálvio de Figueiredo, em 20.04.1998, REsp 167.565/RS, rel, Min. José Dantas, em 28.09.1998).
Percebe-se no levantamento que tamanha era a divergência na jurisprudência que o mesmo relator
posicionara-se, em tempos diferentes, em sentidos contrapostos. Destacou a processualista, ainda, que havia
posicionamentos minoritários, no STJ, dando conta de que não seria possível ao tribunal analisar a questão de
ofício, ficando na dependência da alegação da parte agravada, justamente tendo em conta o interesse do
agravado em ter facilitado seu acesso às razões recursais (REsp 141.702/PR, rel. Min. Arfor Rocha, em
26.04.1999). WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 293.
Diante do quadro de inconsolável divergência doutrinária e jurisprudencial,
restou editada a Lei 10.352/2001, acrescentando o parágrafo único no art. 526 e
estabelecendo que “o não cumprimento do disposto neste artigo, desde que argüido e
provado pelo agravado, importa inadmissibilidade do agravo”. A legislação elegeu a
iniciativa do agravado para a dedução da preliminar “pois é ele o prejudicado por poder ter
tido mais dificuldades em conseguir essa minuta no Tribunal para poder contraminutar o
recurso, o que pode ser difícil se o agravado, por exemplo, reside no interior do Estado” 34.
No âmbito forense, outrossim, o STJ consolidou a necessidade de alegação e prova pelo
agravado, nas contrarrazões, para o conhecimento do vício processual no recurso 35.
Assim se deu a construção da redação do art. 526 e respectivo parágrafo
único do CPC/1973. Como se vê, as transformações do dispositivo passam pela
“moderníssima” fotocópia e pela consideração dos propósitos de juntada em primeiro grau
das razões. Esses pontos variaram ao início da quase que absoluta percepção de viabilizar a
retratação do magistrado para, ao final, com a edição da Lei 10.352/2001, uma finalidade
instrutiva ao agravado, viabilizando a apresentação de suas contrarrazões e por conta disso
condicionando o não conhecimento do recurso a sua prova e iniciativa.

IV. DA REDAÇÃO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO NO ART. 1.018 DO


CPC/2015.

O CPC/2015, no que diz respeito ao procedimento instituído para o agravo


de instrumento, inegavelmente partiu da última redação do CPC/1973 e fez alguns ajustes,
em especial quanto a responsabilidade e sanção pela formação inicialmente deficiente do
instrumento. Relativamente à comunicação ao primeiro grau, o art. 1.018 do CPC/2015
indica, sem espaço a dúvida, que é indispensável ao agravante fazer juntar, em três dias, no
feito em tramitação em primeiro grau, cópia das razões de agravo e o rol dos documentos
que instruíram o recurso. Ainda, conforme a nova lei, repetindo-se a disposição advinda da
Lei 10.352/2001, se a parte agravada alegar e provar a ausência de juntada, em suas
contrarrazões, ter-se-á uma hipótese de não conhecimento do agravo de instrumento. Em
outros termos: nenhuma novidade, se considerada a última redação de vigência do

34
Ibid., p. 294-295.
35
Entre outros julgados, o REsp. 557.655/RJ, rel. Min. Castro Filho, em 22.11.2004 e o REsp 541.061/MS,
rel. Min. Asfor Rocha, em 19.12.2003.
CPC/1973. A única diferença reside na exceção de incidência da sanção prevista no §3º
quando os autos são eletrônicos.

CPC/2015. Art. 1.018. O agravante poderá requerer a juntada, aos autos do


processo, de cópia da petição do agravo de instrumento, do comprovante de sua
interposição e da relação dos documentos que instruíram o recurso.
§ 1º. Se o juiz comunicar que reformou inteiramente a decisão, o relator
considerará prejudicado o agravo de instrumento.
§ 2º. Não sendo eletrônicos os autos, o agravante tomará a providência prevista
no caput, no prazo de 3 (três) dias a contar da interposição do agravo de
instrumento.
§ 3º. O descumprimento da exigência de que trata o § 2º, desde que arguido e
provado pelo agravado, importa inadmissibilidade do agravo de instrumento.

Nesse sentir, embora seja evidente o espírito da nova legislação a respeito


das práticas de jurisprudência defensiva, bem como são inúmeros os alertas da doutrina
sobre a indispensabilidade de perceber o processo pelo viés da instrumentalidade e,
consequentemente impor-se a interpretação e aplicação dos tipos legais a partir da
axiologia e da finalidade essencial normativa, o art. 1.018 do CPC/2015 manteve a
exigência da juntada das cópias das razões no primeiro grau e eventual inadmissibilidade
do recurso mediante alegação e prova pelo agravado.
Trata-se de disposição anacrônica, consolidando um obstáculo geralmente
inócuo ao julgamento meritório do agravo de instrumento. Essa conclusão tem lugar a
partir da contextualização dos trâmites forenses considerado o tempo de sua aplicação.
Hoje, não mais se está na dependência de translado manual, nem de mimeógrafos, nem se
pode, sem riso, suscitar ser moderníssima a fotocópia. Não há seriedade em preocupações
antes pertinentes como a intimação por carta ao advogado que reside no interior, nem
mesmo se pode dizer que é periclitante ao agravante a apresentação diretamente no tribunal
do recurso, diante do uso reiterado do sistema de correios ou do processamento eletrônico
desses atos.
Vive-se o tempo das comunicações eletrônicas, de informações em tempo
real, de internet com amplo acesso e de telefones celulares com muitas funcionalidades. A
verdade é que o agravado não tem usualmente nenhuma complicação factível em obter as
cópias das razões do recurso, diante da farta oferta de profissionais correspondentes nas
capitais ao lado de serviços abundantemente disponíveis para digitalização e remessa
eletrônica das peças processuais. No cotidiano forense, advogados atuantes sabem que é
mais trabalhoso obter certidão de que não foram juntadas as razões no primeiro grau do
que acessar essas mesmas razões junto às secretarias dos tribunais. Esse é o contexto de
incidência a considerar para perscrutar as finalidades normativas e, sob essa premissa,
parte-se ao exame do art. 1.018 do CPC/2015.

V. DAS FINALIDADES HISTÓRICAS E DA POSSIBILIDADE DE SUA

CONSIDERAÇÃO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015 RELATIVAMENTE


À INDISPENSABILIDADE DA JUNTADA DE RAZÕES NO PRIMEIRO

GRAU

Historicamente se assentou a relevância da juntada de razões no primeiro


grau por conta da viabilidade de um juízo de retratação, que originalmente precedia a
remessa do recurso ao tribunal, bem como pela imperiosidade de dar conhecimento ao
agravado das razões recursais, em especial por presumir-se mais facilitado o seu acesso
36-37
junto ao processo originário, se comparado com o tribunal . Em essência, como restou
evidente pelo condicionamento da lei à alegação do agravado, esse último aspecto carrega
efetiva predominância.
Em termos contundentes, Teresa Arruda Alvim Wambier:

“É ônus do agravado arguir e comprovar a não juntada da cópia da


petição de interposição do recurso de agravo no juízo a quo, pois é ele o
prejudicado por ter tido mais dificuldades em conseguir essa minuta no
Tribunal para poder contraminutar o recurso, o que pode ser difícil se o
agravado, por exemplo, reside no interior do Estado” 38.

36
“A comunicação da interposição do agravo de instrumento ao juízo de origem tem dois propósitos. O
primeiro deles é ensejar a reconsideração da decisão agravada pelo seu prolator. Ou seja, atende-se ao
interesse do agravante. O segundo é possibilitar ao advogado do agravado tomar conhecimento das razões
recursais sem a necessidade de deslocar-se ao tribunal, o que guarda relevância especialmente para os
profissionais que atuam longe da cidade sede do tribunal”. AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às
alterações do novo CPC. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.032-1.033.
37
“Essa determinação legal, que se reveste de caráter cogente, ostenta dupla utilidade: a) permite ao juiz
saber da existência do recurso e de sus fundamentos, facultando-lhe, se entender de direito, exercer o juízo de
retratação, com imediata intimação das partes e comunicação ao relator (art. 529); b) permite à parte
agravada conhecer o âmbito dos fundamentos do recurso, a fim de que possa aparelhar, quando intimada
(pela via postal ou pelo órgão oficial), a exercer seu direito de impugnação no prazo decendial (art. 527, III)”.
CARNEIRO, Athos Gusmão. O novo recurso de agravo e outros estudos. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1996, p. 48.
38
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 294-295.
Assim, se o processo tramitasse em Uruguaiana (RS), seria descabido exigir
que o causídico agravado se deslocasse até a sede do Tribunal, em Porto Alegre (RS), para
ter ciência das razões de agravo. É por esse motivo substancialmente que se determinou
fosse efetuada a juntada no primeiro grau. Para que a defesa não restasse comprometida 39.

“Vale sublinhar que o motivo principal do art. 526 é realmente o de


permitir ao agravado, sem precisar locomover-se ao foro da Capital (ou,
para as causas que correm na Capital, sem precisar pesquisar nos serviços
processuais do tribunal), conhecer os fundamentos do recurso e habilitar-
se a contestá-los em suas contra-razões – art. 527, V” 40.

Percebe-se, aí, o propósito de se condicionar a preliminar a alegação e prova


em contrarrazões, uma vez que resguarda questão afeta ao interesse do agravado e não ao
interesse público, que depõe em sentido contrário, dada a ampla diretiva processual de
privilegiar o julgamento meritório de recursos.
Igualmente ponderou-se que a questão envolveria a oportunidade ao juiz de
primeiro grau para reconsiderar a decisão recorrida. Sobre o aspecto importa considerar
que o juiz não é dependente da petição de que versa o art. 1.018 para efetuar qualquer
reconsideração, de modo que o prazo para sua juntada em primeiro grau não faz precluir o
poder do magistrado a quo de reconsiderar a decisão agravada, já que poderia o fazer a
qualquer tempo até o efetivo julgamento do recurso. Ademais, o registro histórico dessa
oportunidade de reconsideração em razão do agravo antecede a Lei 9.138/1995, já que a
reconsideração poderia evitar a remessa do recurso ao tribunal, o que, naquele tempo, era
dispendioso. Com a apresentação diretamente no tribunal, os propósitos de um momento
41
reservado para um reexame perdem substancial significação . Especialmente porque
impõem ao juiz um reexame de determinado assunto desnecessariamente.

39
“Questionando-se sobre qual o objetivo substancial dessa exigência, vê-se que há intrínseca relação com
os direitos de defesa. O objetivo da entrega de cópia da petição de agravo em primeiro grau é possibilitar ao
agravado a plena defesa, principalmente quando o trâmite processual se dá em outra comarca que não a da
sede do Tribunal de Justiça. Logo, se o agravado ofereceu resposta completa e tempestiva ao recurso, parece
claro que não sofreu qualquer prejuízo. Outrossim, vê-se que se a competência territorial do processo for a
mesma da sede do órgão de segundo grau, a falta do protocolo das cópias, na primeira instância, não traz
qualquer diminuição do contraditório e da ampla defesa do agravado. Nesses casos, a inadmissão do agravo
faz-se sem propósito”. SCARPARO, Eduardo. As invalidades processuais civil na perspectiva do
formalismo-valorativo. 1ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 118.
40
CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso Especial Agravos e Agravo Interno. 5ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 242.
41
““Na redação anterior do art. 527 do CPC, exercia o juiz a faculdade de reexame após a formação do
instrumento e o preparo do recurso; mantida a decisão, os autos do agravo eram remetidos, no decêndio, ao
tribunal; reformada totalmente, o até então agravado, se não resignado com a nova decisão, poderia assumir a
posição de agravante e requerer a remessa dos autos ao tribunal, devendo depositar em cartório a importância
do preparo feito pela parte contrária” ibid., p. 268.
“Embora a ancianidade do juízo de retratação, não é usual reconsideram
os magistrados suas decisões; mais do que isso, é bastante raro. Daí por
que, na prática, a faculdade de retratação não se reveste de maior
importância no dia-a-dia forense, embora seu embasamento teórico e
histórico” 42.

Ademais, fica impossível ater-se a eventual reconsideração do magistrado


para justificar o valor da regra quando se observa que o conhecimento da causa de
inadmissibilidade pelo Tribunal é condicionado à manifestação e prova da parte agravada.
Ou seja, trata-se de questão que é disponível e pertinente ao interesse privado e não a um
poder do juiz de retratar-se 43.
Novamente sobre o ponto, merece leitura atenta a lição de Teresa Arruda
Alvim Wambier:

“Poder-se-ia pensar, todavia, que se trataria de circunstância que poderia


ser conhecida pelo órgão ad quem se alegada e provada pelo juiz, que, tal
qual o agravado, pode ter sido ‘prejudicado’ pela não juntada, por não se
ter podido retratar. Mas nos parece que não é essa a melhor interpretação.
Primeiro porque, ainda que o juiz não esteja exercendo função
jurisdicional quando presta informações, não é usual nem tradicional ao
nosso direito (mas, ao contrário é excepcionalíssimo) exigir do juiz
atividade probatória. Em segundo lugar, porque o juiz não seria
prejudicado, já que não tem prazo para retratar-se. Pode perfeitamente
tomar conhecimento da petição de interposição do agravo nesse momento
(se não tomou antes, quando foi intimado para prestar informações, o que
costuma ocorrer na maioria dos Tribunais) e então retratar-se (ou manter
sua decisão)” 44.

Afinal, se de interesse público se tratasse a necessidade de juntada de razões


no primeiro grau, ter-se-ia de admitir que o interesse público estaria condicionado à
iniciativa da parte, o que é descabido, antijurídico e não encontra suporte em nenhuma
teoria relevante contemporânea ou sequer histórica sobre nulidades do processo brasileiro
45
.

42
Ibid., p. 267.
43
Nos termos de Nelson Nery Jr, está-se diante de “uma matéria de juízo de admissibilidade de recurso que
não é de ordem pública, mas de ordem privada, já que necessita de provação (e prova) da parte a quem
aproveita (o agravado)”. JUNIOR, Nelson Nery. Teoria Geral dos Recursos. 6ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 262.
44
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 294-295.
45
“Existe, porém, uma razão complementar à exigência: possibilitar a revisão da decisão atacada pelo juiz
prolator. Como se depreende da redação do art. 529, a decisão pode ser revertida ainda em primeiro grau, se
assim julgar prudente aquele magistrado. Nesse caso, deve-se comunicar ao Tribunal de Justiça sobre a
Deve-se considerar igualmente que a lei trata diferentemente os autos físicos
dos eletrônicos, pois não exige a providência em exame nesses. Nesse ponto, se o objetivo
central da regra fosse, de fato, a possibilidade de retratação, ter-se-ia de admitir que esse
interesse público eventual retratação seria tutelável apenas em autos físicos. A alternativa
interpretativa a essa conclusão é trazida por Elpídio Donizetti, ao referir que se os autos
forem eletrônicos, “por certo que nos sistemas informatizados haverá um aviso alertando o
juiz” 46-47. Nesse passo, contudo, além de projetar uma disposição a constar em sistemas de
informática que a legislação não faz, também se ignora que a iniciativa para
inadmissibilidade do recurso por conta da ausência de juntada das razões em primeiro grau
é exclusiva do agravado, o que denota o evidente propósito da lei.

“De fato, a conjugação dos §§ 1.º, 2.º e 3.º permite inferir que a juntada
da cópia do recurso nos autos de origem é uma faculdade, e não um ônus,
cuja falta não enseja a inadmissibilidade do recurso, mas apenas a
impossibilidade de o juízo a quo exercer o juízo de retratação. Contudo,
quando os autos do recurso forem físicos, a falta de cumprimento dessa
formalidade, desde que alegada e provada pelo agravado ao responder o
recurso ensejará a inadmissibilidade dele”. 48

reforma, causando a perda do objeto do agravo de instrumento. Nessa linha, a entrega de cópias em primeiro
grau leva ciência ao juiz da interposição do recurso. Com base nas razões apresentadas na peça, pode ele
inclusive convencer-se de seu equívoco, alterando a decisão. Ainda assim, não se teria uma razão suficiente
para provocar a inadmissibilidade do agravo. Lembre-se que o maior interessado em comunicar ao órgão
colegiado a reforma total do decisório é o próprio agravante. Não o fazendo, corre o risco de ver confirmada
a decisão atacada. E a confirmação por órgão hierarquicamente superior ao juízo de primeira instância não
lhe será nada benéfica. Afinal, há reforço da segurança jurídica pela revisão de um julgado por órgão
hierarquicamente superior; e a efetividade nada perde. Nesse caso, o interesse privado contribui mais
prestamente ao progresso da atividade processual do que o interesse público. Daí por que é exclusivamente
particular o poder de iniciativa para o reconhecimento dessa causa de inadmissibilidade do recurso. Em
linhas gerais, a inadmissibilidade ocorre quando há falta de aptidão do procedimento para alcançar o seu
resultado. No caso, o procedimento de agravo resta inadmissível em face da impropriedade das oportunidades
de defesa. Ora, não se concretizando qualquer mácula ao contraditório e à ampla defesa, não se tem presente
a causa para a inadmissibilidade do procedimento. Não custa lembrar que o formalismo tem um sentido
transcendente, e não meramente vazio. Dessa maneira, reconhece-se que a simples violação do tipo não gera
invalidade, se cumprido com o ato o fim proposto”. SCARPARO, Eduardo. As invalidades processuais civil
na perspectiva do formalismo-valorativo. 1ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 119.
46
DONIZETTI, Elipídio. Curso didático de Direito Processual Civil. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2017, p.
1.368
47
Presumindo que com o agravo eletrônico tanto o juiz quanto o agravado acessarão os autos para juízo de
retratação e contrarrazões: “O art. 1.018 pode gerar dúvida ao intérprete na medida em que, em seu caput,
trata da comunicação da interposição do agravo à origem como uma faculdade do agravante, mas em seu §3º,
sanciona a inobservância da medida, desde que arguida e provada pelo agravado, com o não conhecimento do
recurso. A interpretação que harmoniza o caput com o §3º passa pela análise do §2º, que trata das hipóteses
em que o agravo houver sido interposto em processo que tramite em autos não eletrônicos. Apenas para esses
casos é que se manterá incólume a sistemática do CPC revogado. Isso porque quando o processo tramitar em
autos eletrônicos, tanto o agravado quanto o juiz de primeiro grau terão conhecimento da interposição do
recurso, assim como de seus fundamentos e documentos juntados, mediante acesso aos autos eletrônicos, que
farão constar o novo recurso vinculado” AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo
CPC. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.032-1.033.
48
SICA, Heitor Vitor Mendonça. Art. 1.018. In: Strecl and Nunes (Ed.). Comentários ao Código de
Processo Civil. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016 , p. 1.346.
Contextualizado ao tempo presente, o requerimento de retratação é uma
faculdade sem sanção ao agravante, pois condiz com o seu interesse de ver a decisão
refeita pelo juízo a quo. Não é, portanto, um ônus, sendo essa conclusão hígida
independentemente se físicos ou eletrônicos os autos. Quando, no entanto, a questão versa
sobre a viabilidade de o agravado tomar ciência das razões, a questão muda a fisionomia,
pois o recurso instrumentalizado deve oportunizar o pleno contraditório. Determina a lei –
pelos motivos históricos já referidos – que se trata de tarefa ao encargo do agravante,
dando lugar a figura de um ônus. A propósito, a própria redação do §3º do art. 1.018 do
CPC/2015 estabelece uma contradição, dado que determina uma exigência sob pena de
inadmissibilidade do recurso, ao contrário do caput que indica “poderá” com tons de mera
faculdade 49.
Calha reconhecer, também, que o único fundamento possivelmente
persistente para alguma sanção em razão da falta de juntada das razões de agravo em
primeiro grau, a partir de uma hermenêutica do art. 1.018 do CPC/2015, condiz com
eventual facilitação do conhecimento das razões de agravo pelo agravado. Essa
consideração faz, v.g., inaplicável a sanção quando a causa tem tramitação na mesma sede
do tribunal, pois nesse caso, não há nenhuma diferença significativa a ponto de dificultar o
integral acesso das razões de agravo.
50
E diga-se mais: conforme já exposto em outra oportunidade , o melhor
seria condicionar o acolhimento da preliminar contrarrecursal à prova de efetivo prejuízo

49
JOBIM, Marco Félix. Anotações aos artigos 1.015 a 1.020. In: (Ed.). Novo Código de Processo Civil
Anotado. Porto Alegre: OAB-RS, 2015 , p. 794.
50
“Existe, porém, uma razão complementar à exigência: possibilitar a revisão da decisão atacada pelo juiz
prolator. Como se depreende da redação do art. 529, a decisão pode ser revertida ainda em primeiro grau, se
assim julgar prudente aquele magistrado. Nesse caso, deve-se comunicar ao Tribunal de Justiça sobre a
reforma, causando a perda do objeto do agravo de instrumento. Nessa linha, a entrega de cópias em primeiro
grau leva ciência ao juiz da interposição do recurso. Com base nas razões apresentadas na peça, pode ele
inclusive convencer-se de seu equívoco, alterando a decisão. Ainda assim, não se teria uma razão suficiente
para provocar a inadmissibilidade do agravo. Lembre-se que o maior interessado em comunicar ao órgão
colegiado a reforma total do decisório é o próprio agravante. Não o fazendo, corre o risco de ver confirmada
a decisão atacada. E a confirmação por órgão hierarquicamente superior ao juízo de primeira instância não
lhe será nada benéfica. Afinal, há reforço da segurança jurídica pela revisão de um julgado por órgão
hierarquicamente superior; e a efetividade nada perde. Nesse caso, o interesse privado contribui mais
prestamente ao progresso da atividade processual do que o interesse público. Daí por que é exclusivamente
particular o poder de iniciativa para o reconhecimento dessa causa de inadmissibilidade do recurso. Em
linhas gerais, a inadmissibilidade ocorre quando há falta de aptidão do procedimento para alcançar o seu
resultado. No caso, o procedimento de agravo resta inadmissível em face da impropriedade das oportunidades
de defesa. Ora, não se concretizando qualquer mácula ao contraditório e à ampla defesa, não se tem presente
a causa para a inadmissibilidade do procedimento. Não custa lembrar que o formalismo tem um sentido
transcendente, e não meramente vazio. Dessa maneira, reconhece-se que a simples violação do tipo não gera
51
pelo agravado , reiterando-se nessa oportunidade o posicionamento anterior e apondo
plena concordância às recentes proposições de Heitor Sica e de Alexandre Freitas Câmara:

“Teria andado melhor o legislador se tivesse sujeitado o agravado a outro


ônus: o de provar que a omissão do agravante em cumprir a providência
aqui em tela lhe causou prejuízo. Se o agravado pôde responder ao
recurso normalmente, a inadmissibilidade recursal desponta solução
exageradamente formalista”. 52

“Não bastará ao agravado alegar e provar que a comunicação a que se


refere o art. 1.015 do texto projetado não foi feita. Será, também,
necessária a prova de que isso tenha causado ao recorrido algum prejuízo,
isto é, que se tenha dificultado o exercício, pelo recorrido de seu direito
de defesa” 53.

Como justifica corretamente Marco Félix Jobim, a exigência de juntada das


razões de primeiro grau, outrossim, independentemente de tratar-se de autos físicos ou
eletrônicos “contraria o disposto no art. 932, parágrafo único do NCPC e ao próprio
espírito que norteia o texto processual de não sobrevalorizar as formalidades, preferindo-
se, quando der, o resultado do mérito das questões levantadas em juízo” 54.
O ponto essencial é, portanto, reconhecer que a lei não tem finalidades
vazias ou desejos ritualísticos sem vinculação com propósitos de direitos fundamentais a
realizar. Somente se exige uma conduta no rito processual por conta do interesse em
alcançar uma condição de desenvolvimento adequada do processo. Essa adequação não
equivale à uma cegueira do rito, mas ao efetivo cumprimento e disponibilização real de

invalidade, se cumprido com o ato o fim proposto”. SCARPARO, Eduardo. As invalidades processuais civis
na perspectiva do formalismo-valorativo. 1ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 119.
51
“a melhor resposta à questão do não conhecimento do agravo de instrumento por falta de comunicação ao
juízo de primeiro grau passa pela submissão de análise do fundamento de valor da norma (finalidade última).
Imprescindível, ainda, a averiguação do prejuízo efetivo à defesa para que a inadmissibilidade do recurso
tenha lugar. Do contrário, estar-se-á diante de uma exigência que não tutela nenhum valor, apenas dá lugar a
soluções lesivas ao direito fundamental a um processo devido”. SCARPARO, Eduardo. As invalidades
processuais civil na perspectiva do formalismo-valorativo. 1ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2011, p. 119.
52
SICA, Heitor Vitor Mendonça. Art. 1.018. In: Strecl and Nunes (Ed.). Comentários ao Código de
Processo Civil. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016 , p. 1.346.
53
A referência ao art. 1.015 deve ser lida como ao art. 1.018, dado que houve reformas na numeração da
legislação por conta de alterações no Senado Federal antes de sua aprovação definitiva. CÂMARA,
Alexandre Freitas. Do agravo de instrumento no novo Código de Processo Civil. In: Ribeiro and Jobim (Ed.).
Desvendando o novo CPC. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p.9-15, p. 13.
54
JOBIM, Marco Félix. Anotações aos artigos 1.015 a 1.020. In: (Ed.). Novo Código de Processo Civil
Anotado. Porto Alegre: OAB-RS, 2015 , p. 794.
direitos fundamentais processuais. Em suma: não se sustenta hodiernamente formalidades
destituídas de propósitos valorativos 55.

VI. DESEJOS E ANACRONIA: A JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA NA

ESTEIRA DA INTERPRETAÇÃO DO §2º DO ART. 1.018 DO

CPC/2015.

O CPC/2015, na única efetiva alteração no texto do artigo em exame,


condicionou a aplicação da sanção aos autos físicos, restando facultativa a juntada em
primeiro grau quando os autos forem eletrônicos. A lei refere expressamente que a regra de
não conhecimento de recurso sem a manifestação em primeiro grau somente incide “não
sendo eletrônicos os autos”.
Questão muito peculiar tem sido trazida aos tribunais que adotam sistema
misto entre processos físicos e eletrônicos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, os autos
em primeiro grau são geralmente distribuídos na forma tradicional, em material impresso;
ao passo que o recurso de agravo de instrumento é obrigatoriamente apresentado em forma
eletrônica. Nessa situação, a questão a ser posta é se a expressão “autos eletrônicos”
referida na lei diz respeito aos autos do agravo de instrumento ou aos autos do processo
originários, tendo em vista que em alguns tribunais, como o gaúcho, convivem processos
em parte eletrônicos, em parte físicos 56.
Para interpretar a questão, se deve antes responder: a lei tem propósitos
lógicos ou aleatórios? E no caso de responder-se pela primeira opção, qual o desiderato da
faculdade do §2º do art. 1.018 do CPC/2015? Há diferença em se tratando de autos

55
A lição de Roberto Poli, por sua precisão, merece transcrição integral: “Conforme o teor do princípio da
instrumentalidade que inspira e informa toda disciplina do exercício do poder de ação, as formas (dos atos)
do processo não são previstas e prescritas pela lei para a realização de um fim próprio e autônomo, mas são
entendidas e consignadas como o instrumento mais idôneo para atingir um certo resultado, o qual representa
o único e verdadeiro objetivo que à norma disciplinadora da forma do ato interessa conseguir”. POLI,
Roberto. Sulla sanabilità della inosservanza di forme prescrite a pena di preclusione e decadenza. Rivista di
Diritto Processuale, v. 51, p. 447-479, abr/jun 1996, p. 450.
56
Sem resolver a ambiguidade da expressão “autos eletrônicos”, em especial quando parte do feito é
eletrônica e parte física, apontam Marinoni, Arenhardt e Mitidiero a ressalva: “O agravante tem o ônus de
requerer a juntada aos autos do processo de primeiro grau de cópia da petição de agravo de instrumento e do
comprovante de sua interposição, tendo ainda o ônus de informar a relação dos documentos que instruíram o
recurso, salvo se se tratar de processo eletrônico (art. 1.018, caput, e §2º, CPC)”. MARINONI, Luiz
Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz, MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado.
3ª ed. Revista dos Tribunais, 2017, p. 1.094. Em idêntico sentido e redação semelhante: MARINONI, Luiz
Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz, MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. 2ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 545-546.
eletrônicos e físicos? Por que? Qual a diferença para a tratativa também diferenciada da lei
sobre esses aspectos? Interpretar o dispositivo em questão sem responder a essas perguntas
efetuadas significa assumir expressamente que as escolhas do legislador são aleatórias.
Para alcançar a única hermenêutica possível com a premissa de que a lei não
é arbitrária em suas razões, relativamente a que autos eletrônicos se refere quando formula
o §2º, do art. 1.018 do CPC/2015 é essencial uma constatação: não há qualquer diferença
entre autos físicos ou eletrônicos do processo principal para qualquer finalidade que se
queira atribuir ao art. 1.018 e que, por outro lado, existe clara diferença entre autos físicos
ou eletrônicos do agravo de instrumento para os propósitos da lei.
Afinal, a lei determina a facultatividade da juntada quando os autos do
recurso são eletrônicos, pois suas manifestações estão acessíveis ao agravado a todo
momento e em qualquer localidade por meio da internet. Não bastasse a referência do art.
1.018, no capítulo “do agravo de instrumento”, ainda se observa, definitivamente para a
questão que não resta nenhum fundamento razoável para atribuir ao modo de trâmite dos
autos originais alguma repercussão para a admissibilidade do recurso.

“O dispositivo trata da juntada, aos autos de origem, da cópia do agravo


de instrumento interposto, no prazo de três dias a contar da interposição
do recurso. Desde o momento em que regra similar foi inserida no
CPC/73 por força de reforma processual, considera-se que ela teria dupla
finalidade: (a) facilitar o conhecimento do agravado acerca das razões do
recurso e das pelas que o instruíram; e (b) permitir que o juiz prolator da
decisão agravada exerça o juízo de retratação (que é inerente a essa
modalidade de recurso e vem prestigiada pelo CPC/2015, conforme deixa
claro o §1º). A finalidade prevista na letra b, supra, permanece imutável
em se tratando de autos físicos ou autos eletrônicos. Contudo, o objetivo
referido no item b, acima, fica esvaziado em se tratando de agravo de
instrumento processado em autos eletrônicos (em que o acesso do
agravado às razões recursais e às peças que formaram o instrumento é
imediato). 57

Não há nenhuma razão que fique em pé para justificar se tratar dos “autos
originais”, a menos que se queira interpretar em favor da total arbitrariedade do legislador
quando há razão fundada e lógica para outra hermenêutica. O único motivo viável para
tanto seria privar o jurisdicionado de um exame do mérito recursal, com a eliminação, com
maior facilidade e rapidez, de uma gama de recursos. Esse propósito tem nome,
respondendo por “jurisprudência defensiva”.

57
SICA, Heitor Vitor Mendonça. Art. 1.018. In: Strecl and Nunes (Ed.). Comentários ao Código de
Processo Civil. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016 , p. 1.346.
No TJRS as Câmaras Cíveis têm sido divergentes quanto a exigibilidade e
consequências da não juntada das razões no primeiro grau, quando diante de agravos
processados de forma eletrônica. Em apuração recente, verifica-se que as Câmaras Cíveis
do TJ-RS estão divididas quanto a interpretação da regra do §2º do art. 1.018. Como se
observa, conforme entendimentos pesquisados nesta data, das 25 Câmaras Cíveis do
tribunal gaúcho, treze tem entendimento de que os autos a que alude o §2º do art. 1.018 são
58
os de primeiro grau , ao passo que doze indicam ser inaplicável quando diante de autos
recursais eletrônicos 59.
Como sói reconhecer após as considerações traçadas, é evidente que o §2º
do art. 1.018 se refere aos autos do agravo de instrumento. Não há justificativa jurídica
plausível para fins de que reste aplicada a sanção quando é evidente a ausência de qualquer
prejuízo, ainda mais quando a própria lei excepciona expressamente a exigência. A
eventual ambiguidade do disposto no §2º do art. 1.018 somente pode ser enfrentada a partir
do enfrentamento de fundo sobre os propósitos da lei. Como se defende, em nenhuma
hipótese atual ainda restaria razoável exigir dita juntada das razões em primeiro grau –
sendo infelizmente diversa a orientação da lei –. Contudo é um despropósito completo
fazê-lo quando o recurso tem autos eletrônicos.

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Ainda que o CPC/2015 tenha empreendido inequívoco esforço em favorecer


um julgamento de mérito, tanto da causa como recursal, sendo essa uma diretiva bastante
evidente da nova legislação, a nova legislação manteve disposição anacrônica.
Estabeleceu, sem situar a lei ao seu tempo, que as condições do agravado em 2015 seriam
análogas aquelas em 1995, vinte anos antes.

58
São elas, com indicação de um recurso de agravo de instrumento, representativo de seus julgados: 5ª
Câmara Cível (70071694715), 6ª Câmara Cível (70069538817), 10ª Câmara Cível (70072625635), 11ª
Câmara Cível (70071941843), 13ª Câmara Cível (70071779136), 14ª Câmara Cível (70072743578), 15ª
Câmara Cível (70072515554), 16ª Câmara Cível (70071689566), 18ª Câmara Cível (70071494363), 19ª
Câmara Cível (70072040702), 22ª Câmara Cível (70070911565), 24ª Câmara Cível (70072639362) e 25ª
Câmara Cível (70071682108).
59
São elas, com indicação de um recurso de agravo de instrumento representativo de seus julgados: 1ª
Câmara Cível (70071667372), 2ª Câmara Cível (70072375975), 3ª Câmara Cível (70070923347), 4ª Câmara
Cível (70070223870), 7ª Câmara Cível (70071783682), 8ª Câmara Cível (70071890990), 9ª Câmara Cível
(70070907951), 12ª Câmara Cível (70072735319), 17ª Câmara Cível (70072710213), 20ª Câmara Cível
(70071614929), 21ª Câmara Cível (70070326251) e 23ª Câmara Cível (70070923347).
A regra do art. 1.018 do CPC/2015 é compatível com a afirmação e que a
fotocópia é uma moderníssima tecnologia e seguramente incompatível com a realidade da
prática jurídica nos escritórios de advocacia, nos fóruns e tribunais brasileiros
contemporâneos. A regra estabelece uma formalidade que, no contexto atual, resta
totalmente desprovida de fundamento jurídico, tendo prevalência e aplicação apenas
quando se permite vislumbrar a lei processual independentemente de seus propósitos.
Se o idealismo que permeou o CPC/1973 manteve sua atuação ao longo da
vigência daquele código, sendo causa e explicação da assim conhecida jurisprudência
defensiva, o CPC/2015 impõe tarefa inegável de combater os exames solipcistas
processuais e faz reconhecer a imperiosidade de referência às finalidades da lei
contextualizadas para condução das diretivas processuais. Compete aos tribunais ter
ciência disso e interpretar a legislação consoante seu tempo, sob pena de que se ignore as
noções de instrumentalidade do processo.

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