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02 a 04 de Dezembro de 2015
Introdução
A intenção deste texto é colocar em discussão algumas das origens dos desafios
enfrentados pela escola na contemporaneidade1. Nossa intenção é abordar a dinâmica de
transformações na qual a escola se encontra envolvida desde sua criação. Para tanto, o
foco recairá sobre a “evolução” da instituição escolar (PETITAT, 1994) e sobre
algumas das mudanças pelas quais a escola passou ao longo de sua trajetória histórica.
Tais mudanças nos permitem afirmar que a escola está em constante transformação.
Junto a reflexões de diferentes autores(as), o fio condutor dessa discussão é a ideia de
“revoluções educacionais”, elaborada por José Manuel Esteve (2004) a partir da noção
de “revoluções silenciosas” – aquelas mudanças constantes e paulatinas que, tornando-
se visíveis inesperadamente, revelam “[...] pensamentos, atitudes e valores que até
aquele momento se espalhavam sem alterar visivelmente a vida social.” (ESTEVE,
2004, p. 19). A partir desse tipo de revolução silenciosa, afirma o autor, “nada volta a
ser igual”, e investigando a história da escola é possível identificar pelo menos três
desses grandes momentos de ruptura – chamados por Esteve (2004) de “revoluções
educacionais”. O que buscamos é apontar as principais transformações sociais e
educacionais que, em nossa opinião, ajudam a entender alguns desafios que a educação
contemporânea enfrenta. O intuito é procurar aspectos da história da escolarização que
influenciaram a maneira como encaramos a escola e o trabalho docente hoje e buscar
uma nova compreensão das rupturas e desafios que enfrentamos dentro de sala de aula.
Assim, em um primeiro momento, abordaremos a criação da escola como uma
primeira grande revolução que marcou a história da educação. Trataremos também a
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Este texto é um recorte da tese de doutorado “Entre educar e ensinar: complexidade e representações
docentes sobre os objetivos da escola” (PÁTARO, 2015), defendida no início de 2015 junto ao Programa
de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá – PPE/UEM.
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como dois aspectos inextricavelmente ligados.” (PETITAT, 1994, p. 194). Nosso desejo
é olhar para a escola como uma instituição que, vivendo revoluções silenciosas, está em
constante transformação e, portanto, pode ser repensada em busca de novos sentidos.
Destacamos, no entanto, que nossa intenção de entender a escola como uma
instituição que passa por verdadeiras revoluções silenciosas não pode ser confundida
com uma renúncia a essa instituição. Crise, transformação e mudança são entendidas,
aqui, como oportunidades de repensar a escola. Apoiados em Sibila (2012), podemos
afirmar que os momentos de mudança significam “encruzilhadas”, nas quais “[...]
explodem as cercas erguidas a partir de velhas convicções e certezas que já não
funcionam.” (SIBILIA, 2012, p. 10). Se, de um lado, certas práticas escolares hoje
parecem já não estarem em sintonia com as atuais condições sociais e culturais – o que
aponta para a necessidade de entender os novos sentidos da instituição escolar –
acreditamos que não podemos corrigir essa falta de sintonia com a desvalorização das
atividades educativas desenvolvidas pela instituição escolar. Ao problematizarmos o
papel da escola na sociedade contemporânea não desconsideramos o valor da instituição
construída socialmente para trabalhar com crianças e jovens os saberes herdados de
nossos antepassados.
Abordar as transformações pelas quais a escola passa ao longo do tempo,
portanto, significa destacar que os diferentes papéis atribuídos à escola em sua trajetória
histórica possuem também diferentes justificativas localizadas no tempo. Acreditamos
que tão importante quanto reconhecer a relevância de tais justificativas é compreender
também como o movimento de mudanças históricas incide sobre o papel da escola e do
professor, e propõe desafios para a contemporaneidade. É com esse intuito que
abordaremos, a seguir, as três revoluções educacionais descritas por Esteve (2004).
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De acordo com Petitat, o fato da escola colaborar para a manutenção do clero e da nobreza ao mesmo
tempo em que forneceu as bases para o fortalecimento da burguesia exemplifica como a atuação da escola
se ramifica em ritmos de evolução múltiplos e até divergentes, o que lhe permite reproduzir e manter a
ordem social, em um nível, e também mudar essa mesma ordem, em outro nível (PETITAT, 1994). Sendo
assim, embora possa ser tomada, em algumas análises, como uma instituição voltada à manutenção da
ordem, a complexa instituição escolar participa na superação dessa mesma ordem e trabalha para além da
coesão e legitimação de poder (LOPES, 1981; PETITAT, 1994). A Revolução Francesa e a Terceira
Revolução educacional são exemplos de como a escola participa de tais processos e, de acordo com tais
ideias: “Não existe aqui um esquema binário em que a ação da escola se resume à reprodução da
dominação de uma classe social. Um esquema destes não é desprovido de bases reais: ele apenas
simplifica ao extremo as relações da escola com o poder social e político. Assim, é impróprio para
explicar as relações que a escola mantém com todas as esferas sociais, com todos os ‘patamares em
profundidade’, cuja evolução no tempo seguem ritmos divergentes, que se entrecruzam e se influenciam
reciprocamente.” (PETITAT, 1994, p. 262).
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soberano. Nesse contexto de mudanças, a Igreja foi deslocada da posição central que
ocupava até então na gestão do ensino.
O quadro educacional brasileiro também se insere nesse movimento da segunda
revolução educacional. Há um aumento gradativo da intervenção do Estado na educação
brasileira a partir do século XVIII (ARANHA, 2012), como ocorria na Europa. Um dos
marcos legais de tal intervenção pode ser localizado nas Reformas Pombalinas, que
ocorreram em Portugal e, posteriormente, no Brasil, encabeçadas pelo então ministro do
reino de Portugal, Marquês de Pombal (PILETTI, 1996). Entre as ações resultantes das
reformas e do despotismo esclarecido de Pombal tem-se a expulsão dos jesuítas do
Brasil Colônia – o que estende para o Brasil a disputa entre igreja e Estado,
característica da época –, o consequente desmantelamento do sistema de ensino jesuítico
brasileiro e ações sucessivas para a implantação de um modelo de escola pública sob
controle do Estado no Brasil, então Colônia de Portugal.
Dando sequência às reformas anteriormente iniciadas para organização de uma
educação pública no Brasil vemos, em 1824, a promulgação por D. Pedro I da primeira
Constituição Brasileira. Nesse documento é garantido o direito à instrução gratuita a
todos(as) os(as) cidadãos(ãs). As Reformas Pombalinas do século XVIII e a menção a
uma educação gratuita em âmbito legal na Constituição Brasileira de 1824, indicam a
proximidade do cenário educacional brasileiro ao movimento da segunda revolução
educacional nos países europeus.
Ao discorrer sobre a amplitude do movimento de estatização da escola não
temos a intenção de afirmar que esse processo ocorreu de forma imediata ou que foi
facilmente aceito. Esse movimento foi marcado pelas especificidades de cada nação,
encontrou tanto entusiastas quanto opositores, ocupou a história da educação dos
séculos XIX e XX, e, atualmente, ainda pode ser considerado incompleto em muitos
países. Sua característica de revolução silenciosa, no entanto, conferiu à segunda
revolução educacional uma dinâmica de mudanças que, quando percebidas, já haviam
se instalado (ESTEVE, 2004), aspecto com o qual Petitat compartilha e denomina
“evolução de longa duração” e que, segundo o autor, “[...] na maior parte dos casos não
é percebida conscientemente pelos indivíduos.” (PETITAT, 1994, p. 263).
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Além disso, é importante destacar que a estatização da escola seguiu uma lógica
fortemente excludente, assumindo características gerais distantes de seu objetivo inicial
de atender a todos (ESTEVE, 2004). Juntamente com o rompimento das relações
feudais e dos privilégios de sangue que levaram, por um lado, à dissolução de antigas
desigualdades, assistimos, por outro, a composição de novas desigualdades (ESTEVE,
2004; PETITAT, 1994). Pensada como uma instituição cujo acesso deveria ser
garantido a todos(as), pelo menos formalmente, a escola estatizada na segunda
revolução educacional constituiu-se a partir de ideias homogeneizantes, seletivas e
excludentes. Tais ideias encontraram apoio tanto quanto foram reflexo das limitações
estruturais e da falta de vagas na época, impulsionando uma concepção de educação na
qual a escola era um “privilégio para poucos”.
Para atingir a um maior número de estudantes, a escola da segunda revolução
educacional deu força ao modelo no qual as ações escolares ficaram cada vez mais
centralizadas na figura de um(a) único(a) professor(a) à frente de várias crianças. Dessa
maneira, estabeleceu-se uma relação professor-aluno na qual professores(as) eram
“detentores e transmissores do conhecimento”, e alunos(as), por sua vez, eram
“receptores” do saber sistematizado pela cultura e pela sociedade (ARAÚJO, 2011).
Vista unicamente do ponto de vista do ensino de conteúdos, a relação professor-aluno
ganhou contornos supostamente apenas intelectuais, o que restringia o papel da escola e
tornava-a ainda mais isolada do restante da sociedade. Com uma disciplina severa e
moral coercitiva, o ensino organizado em torno de um(a) professor(a) à frente de vários
alunos(as) ganhou ainda mais destaque e foi necessário continuar restringindo o espaço
e o tempo da infância. Nesse período, a crença era de que a disciplina rígida, pautada
também em uma homogeneização dos currículos e métodos, tornaria mais eficiente a
ação docente, que precisava agora lidar com vários(as) estudantes de uma só vez. O
objetivo maior do trabalho docente foi entendido como a transmissão de conteúdos –
que, supostamente iguais para todos(as), garantiriam aprendizagem (ESTEVE, 2004).
A disciplina rígida e a busca pela homogeneização ajudaram, portanto, a
legitimar um processo de exclusão daqueles que não se encaixavam no perfil do
trabalho escolar. Além disso, ações limitadas e deficitárias restringiram a quantidade de
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vagas nas escolas, que continuavam escassas na primeira metade do século XX, mesmo
em países considerados mais desenvolvidos (ESTEVE, 2004). As conquistas parciais da
segunda revolução educacional geraram, portanto, o que Esteve denomina “pedagogia
da exclusão”, raciocínio seletivo segundo o qual uma vaga escolar é um privilégio do
qual se faz necessário tornar-se merecedor. No trecho a seguir, Esteve exemplifica o
pensamento que embasa a pedagogia da exclusão:
DANIEL, 2002). Diante da escassez de vagas, alunos e alunas da 4ª série primária que
desejassem ingressar no ginásio deveriam realizar provas orais e escritas nas áreas de
português, aritmética, geografia, história e ciências naturais. Ao limitar a continuidade
dos estudos de uma parcela da população brasileira, o exame de admissão legitimava a
exclusão e conferia à escolarização secundária um caráter de exclusividade, privilégio
de apenas alguns setores da sociedade. Dada a dificuldade de vencer o exame de
admissão, a imagem que se formou era a de que o ensino possuía qualidade,
representação que se mantém cristalizada até os dias de hoje.
Diante do exposto, embora seja importante reconhecer que a segunda revolução
educacional tenha ampliado a escolarização, não podemos dizer que a escola estatizada
nesse movimento atendeu a 100% da população. Para chegar à universalização do
acesso ao ensino foi necessário questionar a lógica de escola como privilégio – presente
na pedagogia da exclusão – e passar a pensar na escola como um direito de todos(as).
Além disso, a relação entre o desenvolvimento de uma nação e a escolarização de seu
povo também ajudou a questionar a pedagogia da exclusão e impulsionou a busca pela
universalização do acesso à escola (ESTEVE, 2004). São essas questões que
abordaremos a seguir, dando ênfase à terceira revolução educacional e à democratização
do ensino no século XX.
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Considerações finais
Em resumo, buscamos evidenciar neste texto que a escola é uma instituição que
está em constante transformação – como vimos com as revoluções educacionais. Ao
abordar algumas das transformações que a instituição escolar sofreu desde sua criação
nossa intenção foi demonstrar que os desafios enfrentados na escola são influenciados
por movimentos amplos, como foi o sentimento de infância na Idade Média, a
estatização da escola e, mais recentemente, a aceitação da escola como um direito de
toda a população. Em cada período histórico, portanto, a escola apresenta características
específicas que a influenciam e estão situadas na organização social de seu tempo.
Logo, dada a dinâmica irrefreável de transformações sociais e educacionais destacada
nas revoluções silenciosas, é de se esperar que o papel da escola frente às necessidades
da sociedade contemporânea seja diferente daquele pensado nos séculos passados para
atender apenas a uma parte da população.
Pela primeira vez na história de nosso país, o sistema educacional
responsabilizou-se pela educação infantil, superou a barreira da escolarização universal
no ensino fundamental – alcançando, ao final do século XX, um ensino fundamental
obrigatório praticamente universalizado no que diz respeito ao acesso (OLIVEIRA,
2007) – e até 2016 estenderá a educação obrigatória ao ensino médio. Sem
desconsiderar que essas conquistas são parciais e estão em movimento, entendemos que
a terceira revolução educacional é um processo com desdobramentos e desafios inéditos
que, em nossa maneira de ver, precisam ocupar a reflexão educacional contemporânea,
pois nos fazem repensar a escola.
Alguns desses novos desafios incidem diretamente sobre o trabalho do(a)
professor(a) em sala de aula, já que a universalização da escola básica proporcionou um
aumento na escolarização da população e levou crianças que antes abandonavam ou
nem sequer tinham acesso à escola a frequentarem essa instituição. Para o trabalho
docente, portanto, um dos desafios gerados pela terceira revolução educacional se
constitui na presença, em sala de aula, de crianças com lacunas na aprendizagem,
problemas de comportamento e dificuldades para acompanhar o ritmo de ensino. No
contexto de mudanças da terceira revolução educacional é preciso reconhecer que
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REFERÊNCIAS
ESTEVE, José Manuel. The transformation of the teachers’ role at the end of the
twentieth century: new challenges for the future. Educational Review, v. 52, n. 2, p.
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PATTO, Maria Helena Souza. O fracasso escolar como objeto de estudo: anotações
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<http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/cp/arquivos/708.pdf> Acesso em: 15 abr.
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através dos exames: o caso dos exames de admissão ao ginásio (1939-1971). Intermeio:
Revista do Mestrado em Educação, Campo Grande, MS, v. 8, n. 16, p. 4-15, 2002.
Disponível em:
<http://www.propp.ufms.br/poseduc/revistas/intermeio/revistas/16/16artigo01.pdf>
Acesso em: 15 abr. 2014.
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