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Este ensaio foi escrito por um exilado em múltiplos sentidos, que, tendo
sido expulso diversas vezes, conhece bem a tristeza que cada exílio traz, e
a sombra que essa tristeza projeta. A língua alemã cunhou a palavra
Heimweh para expressar essa tristeza. Apesar de sua experiência, ou por
causa dela, este autor fará um elogio da condição de exilado.
Mas a terra nova é nova somente para o exilado, e não para os habitantes
que o recebem. O exilado descobrirá a América, não importa para onde
esteja indo. Somente o imigrante na América é verdadeiramente um
americano, e ele continua a ser americano ainda que seu destino seja uma
terra antiga, como Jerusalém. Ele emana uma aura americana somente
por ser exilado. Ele se torna o epicentro de um terremoto experienciado
pelos habitantes antigos como uma reviravolta no curso natural das
coisas. Mas da sua perspectiva trata-se do oposto: ele tenta com todas
suas forças tornar o incomum (ou seja, quase tudo) habitável. Este
desencontro mútuo pode proporcionar um diálogo criativo entre o
exilado e o habitante.
O lugar do exílio não é irrelevante. É verdade que o exilado, em qualquer
lugar, terá experiência da Terra Nova. Mas para o habitante antigo, cada
lugar é diferente em seus hábitos e costumes, que distorcem a verdade.
Há países que se consideram novos por hábito, como a América, a terra de
nossos netos e aparelhos automáticos. E há terras que, também por
hábito, se consideram antigas, isto é, sagradas. Como Jerusalém, a terra
dos textos lineares e dos valores burgueses. Quando o exilado chega a um
lugar que se considera novo, força os habitantes a descobrirem sua
senilidade, incrustada pelo hábito. Se ele chega a um país que se
considera sagrado, força os habitantes a descobrirem que seu aspecto
sacro também deriva do hábito. Por um lado, o exilado força americanos,
netos e tecnocratas, a descobrirem que fazem parte de algo que sempre
existiu. Por outro lado, os habitantes de Jerusalém, escritores e
defensores de verdades eternas descobrem que são escravos do hábito.
Há dois tipos de diálogo criativo entre exilados e habitantes. O primeiro
(por exemplo, entre o exilado e um nova-iorquino) resultará numa
renovação. O segundo (por exemplo, entre o exilado e um habitante de
Jerusalém) resultará numa dessacralização. Essa classificação é
necessária para entender o presente, inclusive o fenômeno do
trabalhador imigrante ou a crítica dos aparelhos.
O exilado é o Outro dos outros. Isso significa que ele é diferente dos
outros e que eles permanecem diferentes para ele. Sua chegada no exílio
permite que os outros descubram que podem criar sua identidade
somente em relação a ele. Ocorre uma abertura do “eu” e uma abertura à
alteridade. Um estar juntos. O espírito dialogal que caracteriza o exílio
pode não ser de reconhecimento mútuo; ele é na maioria das vezes
polêmico e até violento. Isso porque o exilado ameaça a singularidade dos
habitantes antigos. Até o diálogo polêmico é criativo, porque também
conduz a síntese de informação nova. O exílio, não importa sua forma, é
incubador da criatividade a serviço do novo.
Vilém Flusser