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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

MARCO AURÉLIO ALVES E SILVA

A TEORIA QUEER E A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL COMO


EXPRESSÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

GOIÂNIA
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
MARCO AURÉLIO ALVES E SILVA

A TEORIA QUEER E A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL COMO


EXPRESSÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Monografia apresentada como requisito


parcial para a obtenção do grau de bacharel
em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Goiás, sob
orientação da Professora Ms. Márcia
Santana Soares.

GOIÂNIA
2016
FICHA CATALOGÁFICA

Alves e Silva, Marco Aurélio

A Teoria Queer e a Autodeterminação Sexual como Expressão dos

Direitos da Personalidade [manuscrito] / Marco Aurélio Alves e Silva.

2016.

lxiii, 63 f.

Orientador: Profa. Márcia Santana Soares.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade


Federal de Goiás, Faculdade de Direito (FD), Direito, Cidade de Goiás,
2016.

Bibliografia.

Inclui abreviaturas.

1. Teoria Queer. 2. Identidade de Gênero. 3. Autodeterminação Sexual.


4. Direitos da Personalidade. 5. Liberdade. I. Santana Soares, Márcia, orient.
II. Título.
MARCO AURÉLIO ALVES E SILVA

A TEORIA QUEER E A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL COMO EXPRESSÃO


DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________ Avaliação: _____


Profa. Ms. Márcia Santana Soares
Presidente da Banca

_________________________________________ Avaliação: _____


Prof. Dr. Adegmar José Ferreira
Membro da banca

_________________________________________ Avaliação: _____


Jéssica Oliveira Alves
Membro da banca

Avaliação final: _____

Goiânia, ______ de ____________ de 2016.


Para Madonna e Pedro Almodóvar.
AGRADECIMENTOS

À minha mãe, o meu mais profundo


e sincero agradecimento.
Ao meu amigo, Riccardo Joss, meu carinho e respeito.
À J. e à Paola, pela melhor amizade.
Agradeço à minha Orientadora Márcia Santana Soares
pela paciência e atenção a mim dedicadas.
“Ela sabia o que era desejo –
embora não soubesse que sabia.
Era assim: ficava faminta mas não de fome,
era um gosto meio doloroso
que subia do baixo-ventre e arrepiava
o bico dos seios e os braços vazios sem abraço.
Tornava-se toda dramática e viver doía”

Clarice Lispector
RESUMO

A identidade de gênero é fundamental para a construção individual, bem como para


o seu exercício social. A urgência de se admitir a livre expressão do sexo e do
gênero encontra, na Teoria Queer, de Judith Butler e de Eve Sedgwick, e na
autodeterminação sexual fulcro suficiente para a ratificação jurídica desta matéria.
Diante disso, aludir aos diferentes tipos de sexo e de gêneros existentes é exercitar
a tolerância, é negar o preconceito que cega e inebria os olhos dos conservadores.
O entendimento jurídico calca-se na anotação do Código Civil que versa acerca dos
direitos da personalidade. Concomitantemente, a popularização de uma moral
menos subserviente ao “heterossexismo” dominante abre espaço para os desviantes
do padrão exercerem o seu papel como cidadãos iguais a quaisquer outros, com
parecer dos tribunais favorável à “transgenitalização” dos transexuais, por exemplo.
Soma-se a isso o Projeto de Lei n. 5.002/13, que regulamenta o direito à identidade
de gênero e a questão de alteração do prenome sem a necessidade de intervenção
cirúrgica. Por último, reforça-se a carência do erguimento de uma sociedade livre de
preconceitos e que respeite integralmente a liberdade de autodeterminação do
sujeito, baseando-se tão somente em seus conceitos íntimos morais e sociais, sem
ingerências opressoras que afogam o bem-estar. Para este trabalho, o método
utilizado nessa pesquisa é o dedutivo e o tipo de pesquisa empregada é bibliográfica

Palavras-chave: Teoria Queer. Identidade de Gênero. Autodeterminação Sexual.


Direitos da Personalidade. Liberdade. Tolerância.
ABSTRACT

Gender Identity is fundamental for individual construction as well as for social


interactions. The urgency to allow free expression of sex and gender align in Judith
Butler and Eve Sedgwick's Queer Theory and in the sexual self determination theory,
which extensively explore the juridical ratification of this matter. Without alluding to
the different types of sex and genders that exist, is to deny the ecstasy and tolerate
the prejudice that blinds the eyes of the conservatives. The juridical understanding is
based on the annotation of the Civil Code that outlines a right to personality.
Consequently, the popularization of a less unscrupulous moral to the dominant
heterosexism allows equal treatment of those who deviate from the standard, for
example with favorable opinion of the courts to the transgenitalization of transsexual
individuals. Adding this the Project of the Law n. 5.002/13, which regulates the right
of gender identity and as well regarding of the change of name without the need of
surgery intervention. Reinforcing this need is the rise of a society free of
preconceptions and integrally respectful of the freedom of self determination. A
society based on the moral and social concept of intimacy without oppressive
interference that drowns wellbeing. The deductive method and bibliographic type of
research were used to conclude this essay.
Keywords: Queer Theory. Gender Identity. Sexual Self determination. Personality
Rights. Freedom. Tolerance.
LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS

§ Parágrafo

art. Artigo

CC Código Civil

ed. Edição

n. Número

Op. cit. Opus citatum

PL Projeto de Lei

STJ Superior Tribunal de Justiça


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11

1 SEXUALIDADE HUMANA E AS QUESTÕES DE GÊNERO


1.1 Considerações Iniciais ................................................................................................... 13
1.2 Classificação ................................................................................................................... 15
1.2.1 Sexo Genético ............................................................................................................... 15
1.2.2 Sexo Gonádico .............................................................................................................. 16
1.2.3 Sexo Somático ............................................................................................................... 17
1.2.4 Sexo Legal ou Civil ........................................................................................................ 17
1.2.5 Sexo de Criação............................................................................................................. 18
1.2.6 Sexo Psicossocial .......................................................................................................... 19
1.3 Questões de Gênero ....................................................................................................... 20
1.4 Tipos Sexuais....................................................................................................................23
1.4.1 Intersexualismo .............................................................................................................. 24
1.4.2 Homossexualismo .......................................................................................................... 25
1.4.3 Bissexualismo ................................................................................................................ 27
1.4.4 Travestismo ................................................................................................................... 28
1.4.5 Transexualismo .............................................................................................................. 29

2 O DIREITO E A SEXUALIDADE
2.1 Direitos da Personalidade .............................................................................................. 32
2.1.1 Considerações Iniciais ................................................................................................... 32
2.1.2 A Personalidade numa Inclinação Tomista .................................................................... 33
2.1.3 Reconhecimento dos Direitos da Personalidade ............................................................ 35
2.1.4 Objeto dos Direitos da Personalidade ............................................................................ 36
2.1.5 Liberdade................ ....................................................................................................... 36
2.1.6 Intimidade e a Vida Privada ........................................................................................... 38
2.1.7 Direitos da Personalidade e a Transexualidade ............................................................. 40
2.2 Direito à Identidade de Gênero ou Sexual .................................................................... 43
2.2.1 Identidade como Expressão de Moral ............................................................................ 43
2.2.2 Identidade de Gênero ou Sexual no Âmbito do Direito .................................................. 44
3 AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL
3.1 Núcleo de Autodeterminação Sexual ........................................................................ 47
3.2 Pluralidade Sexual ...................................................................................................... 48
3.3 Aspecto Jurídico de Autodeterminação Sexual ....................................................... 49
3.4 Teoria Queer..................................................................................................................52

4 BREVES ANOTAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI JOÃO W. NERY ................. 57

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 60

FONTES BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 62


11

INTRODUÇÃO

No filme Tudo Sobre Minha Mãe, de Pedro Almodóvar, a personagem


transexual Agrado justifica a sua visão de identidade para uma plateia explicitamente
incomodada com a presença do “ser estranho” no palco: “Não devemos economizar,
pois se é mais autêntica quanto mais se parece com o que sonhou para si mesma.”1
No corpo de uma mulher, Pedro Almodóvar reflete as diversas camadas que há para
a descoberta da identidade. Uma mãe histérica atrás do pai de seu filho. Uma freira
grávida que compartilha com esta mãe o parceiro, Lola, um transexual. Uma atriz, no
auge da sua carreira, completamente apaixonada pela sua parceira de cena no
teatro. Autenticidade. Esse filme é a mais completa tradução da teoria queer e dos
diferentes enlaces dos marginalizados.

Incômodo, em um primeiro momento, a questão de gênero e de


identidade sexual já está repleta de achismos preconceituosos que contrastam com
a liberdade individual de ser aquilo que se quer. Estudar e compreender os direitos
da personalidade, o sexo, o gênero e o papel social de cada sujeito é base para a
tolerância.

Por se tratar de um assunto complexo e controvertido, é difícil esgotar


todas as acepções acerca dele. Assim, buscar-se-á uma análise cuidadosa sem
pretender ser a verdadeira em absoluto. Lançar os olhos sobre o ser humano é
andar em um labirinto sem fim, somente com início.

Os diferentes tipos sexuais, os paradigmas jurisprudenciais e as questões


sobre o transexualismo, de forma principal, serão tratados de forma a não empunhar
uma preferência clara a um ou a outro estilo. A igualdade entre todos é o final e deve
nortear a leitura deste trabalho.

Compreender para não cair em populismos baixos e vis, muitas vezes,


leva à carência de se classificar aquilo que, em tese, pouco precisa de diferenciação.
Não seríamos parte de um Estado? Não somos todos iguais? Classificar, apesar de

1
TUDO sobre minha mãe. Direção: Pedro Almodóvar. Produtor: Augustín Almodóvar. Barcelona (ES):
Twentieth Century Fox, 1999, 1 DVD.
12

diminuir e generalizar sujeitos únicos em sua essência denota maior clareza nas
explicações e será utilizado diversos critérios classificatórios neste trabalho.

Como no teatro do filme de Almodóvar, o Queer rompe com as


performances escritas em um texto injusto com pessoas diferentes. Os direitos da
personalidade devem garantir a todos o respeito integral aos papéis que cada um
quer interpretar. Não seria, então, a sociedade um grande teatro da vida real?

Em tempo: este texto valeu-se, tecnicamente, de uma vasta e cuidadosa


pesquisa bibliográfica. À questão temática e formal, lançou-se mão do método
dedutivo, ou melhor, partindo de uma visão macro para as devidas particularidades;
dialético, já que parte para a análise da realidade, a partir da contraposição de teses
e argumentos; e, por último, comparativo, pois parte da comparação entre inúmeros
contextos, como padrões heterossexistas dominantes e aqueles que insistem em
desviar das expectativas.
13

1 SEXUALIDADE HUMANA E AS QUESTÕES DE GÊNERO

1.1 Considerações Iniciais

Talvez, a palavra pluralidade será o resumo de todo o pensamento do


século XXI. A ideia de algo que, ao mesmo tempo, é tudo e nada assusta e revela a
mínima compreensão do indivíduo sobre a sua ação sexual versus individual. A
sexualidade humana esbarra em repressões e em tabus sociais que sufocam a
proposição exata de um sentido. Conceituar um termo controverso é tão difícil
quanto exigir de um indivíduo a prática de uma ação externamente moldada e
consolidada por desconhecidos.

A priori, não se busca a compreensão de um verbete de dicionário acerca


da sexualidade. A reunião técnica e simplista de palavras não resume a dimensão
correta do que é o ser sexual. Para alguns dicionários, sexo é mero sinônimo de
sexualidade ou de erotismo. Diferente dessa ligação semântica preguiçosa, por
vezes, sexo é uma situação, um comportamento. Historicamente, a ideia da
sexualidade misturou-se a elementos religiosos, políticos, médicos que moldaram a
noção binária que se tem: homem e mulher. Insincera, quase sempre, a sociedade
seguiu a dicionarização dessa ideia e esqueceu de considerar a reação e interação
social: aquele que não é homem, deve ser mulher. Ao desviante, restam a
marginalização e o esquecimento.

Conceituar a sexualidade não é natural. Não há relação entre o gênero e


a genitália. Há, sim, uma identidade, um reconhecimento do indivíduo por si mesmo.
O discurso dominante e preconceituoso machista sufoca o diferente e cala toda
sorte de atropelos e aberrações. Então, reserva-se a esquina, a sarjeta, os
prostíbulos e a solidão àqueles que contestam a máxima de que homem é homem e
mulher é mulher. Para facilitar a compreensão de padrões sociais heteronormativos
e machistas, desenha-se um teatro: as performances são criadas pela sociedade e
os indivíduos são meros imitadores delas. Ao homem, dá-se roupas azuis, carros,
responsabilidades; a mulher deve vestir-se de rosa, brincar de boneca e sentar-se
de modo pudico.

Assim, somos cúmplices de uma repressão. De acordo com Chauí,


14

[...] entende-se por repressão sexual o sistema de normas, regras, leis e


valores explícitos que uma sociedade estabelece no tocante a permissões e
proibições nas práticas sexuais genitais [...]. Essas regras, normas, leis e
valores são definidos explicitamente pela religião, pela moral, pelo direito e,
no caso de nossa sociedade, pela ciência também. [...] Assim, por exemplo,
numa sociedade que considera o sexo apenas sob o prisma da reprodução
da espécie, ou como função biológica procriadora, serão reprimidas todas
as atividades sexuais em que o sexo genital for praticado sem cumprir
aquela função.2

Uma vez reprimido, o indivíduo vê-se desnudo, desprotegido. O Direito e


o Estado, que deveriam protegê-lo, se esquecem de sua função garantidora e lhes
ignoram. O discurso dominante mata e inebria de ódio os sujeitos. Colocados no
poder, no centro das decisões se creem dignos do mérito de apontar aos outros o
que devem ou não ser. Como se a sexualidade fosse uma cartilha que deve ser
apreendida mesmo antes de ser ensinada.

Enfim, conceituar sexualidade humana é contrariar a descrição de um


verbete. É aderir a uma militância individual de oposição ao padrão performativo.
Construir um sentido para sexualidade requer, sim, a desconstrução de
cristalizações de formas de agir: modos de agir de homem e de mulher. Deve-se ter
em mente que o corpo é, antes de tudo, uma situação.3

Contudo, este trabalho carece de didatismo para se traduzir. Dessa


forma, temos que

[..] um início possível conceito de sexo é dado pelos psicanalistas que, de


um modo geral, entendem que o sexo resulta do equilíbrio dinâmico de
fatores físicos, psicológicos e sociais.4

Concomitantemente,

A sexualidade diz respeito a um conjunto de características humanas que


se traduz nas diferentes formas de expressar a energia vital, chamada por
Freud de libido, que quer dizer energia pela qual se manifesta a capacidade
de se ligar às pessoas, ao prazer/desprazer, aos desejos, às necessidades,
à vida. [...] A sexualidade envolve, além do corpo, os sentimentos, a história
de vida, os costumes, as relações afetivas e a cultura. Portanto, é uma
dimensão fundamental de todas as etapas da vida de homens e mulheres,

2
CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual: Essa Nossa (Des)conhecida. 12. ed. São Paulo: Brasiliense,
1991, p. 77.
3
BEAVOUIR. Simone de. apud BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da
identidade. 8 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p. 29.
4
OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de Autodeterminação Sexual. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2003, p. 9.
15

presente desde o nascimento até a morte, e abarca aspectos físicos,


psicoemocionais e socioculturais. De acordo com as definições da OMS, a
sexualidade é vivida e expressa por meio de pensamentos, fantasias,
desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e
relacionamentos.5

A sexualidade é, portanto, um conjunto, não uma unidade isolada em si.

1.2 Classificação

A sexualidade humana, por certo, carece, para a sua análise, de uma


classificação mais objetiva. Contudo, aqui, não se busca reduzir a importância ou
cercar ações como se fossem tipos sociais coercitivos. Não há quaisquer razões
para a normatização dos nomes como se fossem etiquetas de gavetas de um
arquivo. Tampouco rigidez nos sentidos. Não há que se pensar no que natural ou
não. Para facilitar a compreensão, assume-se a classificação feita por Jean Claude
Nahoum, que apresenta uma divisão pluridimensional do sexo6: genético, gonádico,
somático, legal ou civil, de criação ou psicossocial.

1.2.1 Sexo Genético

Pode ser entendido como a composição cromossômica do indivíduo.


Conceito este totalmente calcado na Medicina, é preciso compreender que, em cada
núcleo de célula, existem cromossomos, que, por sua vez, são compostos por um
total de 46 pares, o cariótipo. O cariótipo genético masculino é o 46’’XY’’, e o
feminino, 46’’XX’’. Dessa forma, quando a fecundação, definirá o sexo genético que
acompanhará o indivíduo por toda sua vida.7

Vale ressaltar que há disfunções desta sequência normal do


desenvolvimento, que pode não se consumar, desencadeando as síndromes de
Turner e Klinefelter.8 Herdadas ou não, essas anomalias são perenes. Não há, por
ora, alteração possível.

5
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretária de Atenção à Saúde. Cadernos de Atenção Básica:
saúde sexual e reprodutiva. Disponível em:<
http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/cadernos_ab/abcad26.pdf>. Acesso em: 02 out. 2016.
6
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 66.
7
OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 10.
8
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 70.
16

1.2.2 Sexo Gonádico

Basicamente este é o resultado das gônadas masculinas, conhecidas


como testículos, ou femininas, ovários.9

Acrescenta Oliveira que:

No estágio fetal, o gênero masculino e feminino no ser em formação ainda é


absolutamente indistinto durante as primeiras semanas de desenvolvimento;
mas, já no 7° mês de vida intra-uterina, os genitais externos estão
completamente diferenciados. Todavia, o processo de desenvolvimento do
indivíduo somente terminará na puberdade, quando suas gônadas
começarem a funcionar, determinando o surgimento dos caracteres sexuais
secundários, como pêlos, mamas, entre outros.10

Dessa forma, depreende-se que ocorrem, em ambos, processos


hormonais diferenciados, por vezes, devido, por exemplo, na mulher, haver uma
atividade dos ovários, que se finda no desenvolvimento das mamas, ciclos
menstruais.11 Essa construção terá fim somente na adolescência, “período em que
surgem os caracteres sexuais secundários e em que entram em funcionamento os
órgãos sexuais. ”12

Ligado a essa classificação, observa, ainda, Sutter que:

[...] o sexo fenótipo (aparência do indivíduo) depende de seus genitais


externos, internos e dos caracteres secundários. Entre os genitais internos
encontram-se as gônodas que, conforme o exposto, são as principais
responsáveis pelos caracteres secundários externos.13

Cabe ainda ressaltar os desviantes

[...] da anormalidade na estrutura das gônadas pode resultar a presença de


caracteres alterados. A malformação gonodal pode ser unilateral ou
bilateral. Já que as gônodas femininas apresentam tecido ovariano e as
masculinas tecido testicular, quando essa diferença não ocorre e em uma
mesma gônoda apresentar-se uma mistura de tecido ovariano com
testicular denominar-se-á ovotestis ou ovariotestis.14 (grifo do autor)

9
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 71.
10
OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 11.
11
SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de Sexo: aspectos médico-legais. 1 ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 38.
12
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 72.
13
SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de... Op. cit., p. 38.
14
SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de... Op. cit., p. 38.
17

Esses indivíduos são cunhados socialmente de hermafroditas, ou, ainda,


teoricamente, de intersexuais. O problema desta nomeação será estudado adiante.

1.2.3 Sexo Somático

Este é construído pelas estruturas das genitálias interna e externa do


indivíduo. Aqui, as estruturas caracterizantes do sexo não estão previamente
desenvolvidas. Elas carecem de tempo para se desenvolverem. Peres anota que
nos homens, “essa estrutura interna é composta pelas vesículas seminais, canais
diferentes e próstata; enquanto nas mulheres, aparecem o útero, as trompas de
falópio e o terço interno da vagina.”15

1.2.4 Sexo Legal ou Civil

Conhecido também como jurídico, é o que consta na certidão de


nascimento, cunhada pelo Cartório de Registro Civil de Pessoas Físicas, de acordo
com a lei n. 6.015/7316. Após isso, ao nascimento é atribuído legitimidade e
oficialidade pelo Estado, e publicidade do fato jurídico por gozar a certidão de um
caráter público. Concomitantemente, de seu conteúdo, retira-se uma presunção
relativa (já que é passível de anulação em caso de erro ou falsidade) de veracidade,
pois há fé pública neste documento.17

Para nosso ordenamento, a determinação primeira do sexo jurídico dá-se


pela aparência da anatomia externa do indivíduo. Uma vez observados, registra-se o
pertencimento em um ou outro sexo. Contudo, ainda, esta determinação, o sexo
legal, é imutável. Felizmente, a jurisprudência avançou no sentido de relativizar a
imutabilidade da nomeação, como em casos de transexuais que se submetem à
cirurgia de mudança de sexo.18

15
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 74.
16
O obrigatório registro dos nascimentos ocorridos no Brasil decorre do artigo 50 da Lei de Registros
Públicos, n. 6015/73. Ainda, do art. 54 caput desta mesma lei, entende-se a expressa obrigatoriedade
de se anotar o sexo do registrando.
17
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 75.
18
REGISTRO CIVIL. RETIFICAÇÃO. MUDANÇA. SEXO. A questão posta no REsp cinge-se à
discussão sobre a possibilidade de retificar registro civil no que concerne a prenome e a sexo, tendo
em vista a realização de cirurgia de transgenitalização. A Turma entendeu que, no caso, o transexual
operado, conforme laudo médico anexado aos autos, convicto de pertencer ao sexo feminino,
portando-se e vestindo-se como tal, fica exposto a situações vexatórias ao ser chamado em público
pelo nome masculino, visto que a intervenção cirúrgica, por si só, não é capaz de evitar
constrangimentos. Assim, acentuou que a interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei de
18

Ainda, Ventura sublinha que:

Os efeitos da designação do sexo jurídico vão além da atribuição de uma


identidade feminina ou masculina a alguém, mas o sexo jurídico constitui
um critério diferenciador de aquisição de direitos ou de obrigações legais,
tais como: obrigatoriedade do serviço militar para homens, tempo de
aposentadoria diferenciado para homens e mulheres [...].19

Nesse sentido, é interessante observar que a sociedade confirma


definição de sexo legal. Uma vez registrado como homem ou mulher, o indivíduo,
em grande parte das vezes, sofre grande pressão social para que se adeque aos
moldes performáticos pré-estabelecidos. Aqui, não existe a compreensão de que há
desviantes no desenvolvimento interativo com a sociedade, mas uma cobrança
desumana que empurra os indivíduos a se comportarem de certa forma a não serem
marginalizados. Infelizmente, em muitos casos, mesmo a Justiça reconhecendo a
mudança de nome e buscando omitir a mudança de registros oficiais, há preconceito
contra o transexual. A sociedade rechaça o poder de escolha individual de
determinar o sexo que lhe corresponde. É uma cobrança cruel, dura e silenciosa,
como qualquer preconceito.

1.2.5 Sexo de Criação

Este critério relaciona-se ao meio que o indivíduo convive, é criado. Aqui,


há uma espécie de influência de todo tipo de agente que convive com a criança:
pais, professores, familiares, igreja. Junto a isso, mesmo que em diferente nível, a

Registros Públicos confere amparo legal para que o recorrente obtenha autorização judicial a fim de
alterar seu prenome, substituindo-o pelo apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em
que vive, ou seja, o pretendido nome feminino. Ressaltou-se que não entender juridicamente possível
o pedido formulado na exordial, como fez o Tribunal a quo, significa postergar o exercício do direito à
identidade pessoal e subtrair do indivíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova
condição física, impedindo, assim, a sua integração na sociedade. [...] Nesse contexto, tendo em vista
os direitos e garantias fundamentais expressos da Constituição de 1988, especialmente os princípios
da personalidade e da dignidade da pessoa humana, e levando-se em consideração o disposto nos
arts. 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, decidiu-se autorizar a mudança de sexo de
masculino para feminino, que consta do registro de nascimento, adequando-se documentos, logo
facilitando a inserção social e profissional. Destacou-se que os documentos públicos devem ser fiéis
aos fatos da vida, além do que deve haver segurança nos registros públicos. Dessa forma, no livro
cartorário, à margem do registro das retificações de prenome e de sexo do requerente, deve ficar
averbado que as modificações feitas decorreram de sentença judicial em ação de retificação de
registro civil. Todavia, tal averbação deve constar apenas do livro de registros, não devendo constar,
nas certidões do registro público competente, nenhuma referência de que a aludida alteração é
oriunda de decisão judicial, tampouco de que ocorreu por motivo de cirurgia de mudança de sexo,
evitando, assim, a exposição do recorrente a situações constrangedoras e discriminatórias. (STJ,
REsp 737.993-MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/11/2009). (grifou-se)
19
VENTURA, Miriam. A Transexualidade no Tribunal: saúde e cidadania. Rio de Janeiro: EdUERJ,
2010, p. 21.
19

comunidade age de forma ampla e coercitiva nesta questão: aqui, também, há a


pressão muda para ser algo pré-estabelecido pela sociedade.

Peres observa que:

[...] quase sempre, o sexo de criação não enseja maiores problemas, pois
não discrepa dos demais, o que permite que o indivíduo logre um total
equilíbrio sexual, pelo fato de estarem em harmonia os sexos biológico,
legal e de criação. Há casos, contudo, em que o indivíduo desenvolverá
uma identidade de gênero diversa do sexo de criação, ainda que ele esteja
em sintonia com o seu sexo jurídico e o biológico, como ocorre com os
transexuais.20 (grifou-se)

Diante disso, tece-se uma crítica: é dificultoso crer em um total equilíbrio


de todos os agentes nesta dinâmica: corpo, sociedade e psique. A afirmação da
autora enseja dúvidas no sentido de não poder afirmar, em relação a demais
classificações que esta última não signifique problema considerável. Há famílias que
não permitem a escolha individual do agir social. As manifestações individuais
passam a ser fruto de um comando familiar que desrespeita o entendimento pessoal
de si mesmo. Não há intimidade. A criação deve ser compreendida como fator
primeiro de construção social. As primeiras sanções são impostas pelos pais ou
familiares mais próximos que insistem em perpetuar moldes de ações, com a
questionável desculpa de evitar que o infante sofra preconceito e seja marginalizado
como desviante.

1.2.6 Sexo Psicossocial

A priori, faz-se importante ressaltar a brevidade desta classificação que


cuida de não adentrar por demais em critérios psicanalíticos, pois foge da intenção
deste trabalho. Sendo o sexo psicossocial, aquele que é definido por uma “série de
características que poderiam ser descritas como a reação psicológica do indivíduo
frente a determinados estímulos”.21 Não há, claro, de a reação ser igual em todo
caso, mas semelhante em caso de pessoas do mesmo sexo.

O ambiente no qual a criança se desenvolve também é fator essencial


para a compreensão da sua ideia de externar a sua sexualidade. A questão
hormonal, muito presente na fase pré-natal, acaba por diminuir sua relevância com o

20
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 84-85.
21
SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de... Op. cit., p. 43.
20

tempo. A convivência e o estímulo social são relevantes para a construção


psicossexual do indivíduo. Assim, entende-se esta classificação como resultando do
sexo de criação e do comportamento individual diante a sua identidade sexual, de
importâncias semelhantes se comparadas entre si.

Nota-se, também, a confusão estabelecida na criação de crianças


intersexuadas pelos pais que, normalmente, não conseguem estabelecer uma
correta identificação sexual do indivíduo. Isso acaba por refletir “nas crianças e,
aliada às observações desta, quando intersexuadas com órgãos genitais externos
não muito diferenciados, faz com que a situação se agrave”22

Soma-se a isso a pressão social. A forma de criação da criança e o meio


no qual ela é inserida. Cumpridas as expectativas de terceiros, o indivíduo sofrerá
menos que os que se rebelam. Caso desrespeitados os padrões, ao desviante será
reservado toda sorte de preconceito e rejeição. Não há uma aceitação social plena
de pessoas que não se adequam ao papel social e sexual pré-estabelecido.23

A tempo: a conduta sexual do indivíduo interessa ao Direito, de forma que


é a expressão que o indivíduo externa no meio social. Contudo, “o ser humano é um
microcosmo e, como tal, formado a partir de inúmeros fatores que determinaram
outras incontáveis características particulares”.24 A compreensão e o respeito pelos
vários tipos sexuais é relevante para extirpar a desonesta repressão e abandono
que sofrem os que alternam ao caminho social não generalizado.

1.3 Questões de Gênero

A esta altura, esboça-se a questão do que seria, então, o gênero.


Conceituado e classificado a tentativa de uma exatidão dominante, o sexo é
popularmente ligado ao gênero, confirmando, mais uma vez, a expectativa social
que o papel sexual se confirme na vida individual: o homem deve se portar como

22
SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de... Op. cit., p. 49.
23
Entende-se que a descoberta do indivíduo a estímulos sexuais são muito fruto daquilo que satisfaz
ou não o indivíduo. Monta-se, então, um sistema de tentativa, no qual há ações que são testadas
social, psicológico e familiarmente capaz de moldar a razão e identificação sexual da pessoa. Por ter
como obrigação, a construção de uma harmonia social, o Direito deve, sim, se preocupar em
compreender os inúmeros tipos de identificadores sexuais capazes de trazer aceitação, regulando,
por vezes, alguns estímulos que, podem ou não, fugir da legalidade, como é o caso de pedofilia e o
sexo não consentido.
24
OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 16.
21

homem, heterossexual e a mulher da mesma forma. Esse pensamento atrasado e


risível determina que a genitália é o mandante do gênero. Como se estabelecesse
uma relação entre o dominante e dominado. O submisso, por certo, é o indivíduo
mandado a seguir o padrão geral. Dessa forma, o gênero é formado, construído e
não está “sob nenhuma forma, ‘natural’ ou inevitavelmente preso ao sexo [...].
Assim, o gênero é radicalmente independente do sexo.”25

Contudo, o que este trabalho defende é que gênero é uma construção. O


indivíduo não é definido de modo inato, é uma massa que se molda a partir das
diversas experiências que participa. Boas ou ruins, caberá a somente ele a
determinação de sua identidade, do papel que será exercido no meio social.

Assim como quase tudo que nos caracteriza, nosso gênero é construído
pelas experiências que temos na vida, com quem mantemos contato, em
que condições vivemos, em que cultura estamos, entre diversos outros
fatores. Por isso dizemos que os gêneros binários (mulher/homem) e outros
possíveis são uma construção social e não uma genitália. Uma parte dessa
construção social é o estabelecimento dos papéis de gênero. 26 (grifo do
autor)

Disso, retira-se o papel de gênero traduzido nas expectativas que a


sociedade coloca sobre o ser em franca construção. E essa cobrança é implacável:
desde a cor da roupa aos brinquedos e ao modo de agir. Tudo é imposto. São
postulados apontados como dogmas para a criança: ao menino, carrinhos e futebol;
à menina, bonecas, castidade e casinha. Vale pontuar que não é somente a família
que constrói e obriga o infante a desempenhar este papel: a igreja, a escola, a
comunidade, de certa forma, em maior ou menor grau, agem de forma repressiva.
Não espaço para os inadequados.

Nessa seara, deveria ser socialmente compreendido que:

Ninguém nasce mulher; torna-se mulher. Nenhum destino biológico,


psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio
da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto
intermediário entre o macho e o castrado, que qualificam de feminino. [...]
Enquanto existe para si, a criança não pode aprender-se como sexualmente
diferençada. Entre meninos e meninas, o corpo é, primeiramente, a
irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão

25
SALIH, Sara. Judith Butler e a Teoria Queer. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015, p. 71.
26
LEITE, Beatriz; LOBO, Natália. Identidade de Gênero: uma introdução. In: Capitolina: o poder das
garotas. vol. 1. 1 ed. São Paulo: Seguinte, 2015, p. 9.
22

do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que
apreendem o Universo.27 (grifou-se)

Ora, não sendo o gênero mero produto da genitália, o gênero ganha nova
dimensão, um contorno essencial para compreender o alcance do conceito. Se o
sexo já possuía um conceito controvertido e de difícil, o gênero, por sua vez, é
infinitamente mais perigoso de se examinar. Nesta matéria, não há exatidão.

Disso, abre-se uma reflexão sobre o binário dominante desta relação:


homem/mulher. Há, sim, uma relação quase explícita de machismo:
dominante/dominada. Aos homens, a expressão da virilidade é quase obrigatória; já
as mulheres vivem a sexualidade de modo íntimo, quase silenciosa.28 A castidade
liga-se à feminilidade como algo que seja próprio e obrigatória para elas.

Para Bourdieu,

a definição social dos órgãos sexuais, longe de ser um simples registro de


propriedades naturais, diretamente expostas à percepção, é produto de uma
construção efetuada à custa de uma série de escolhas orientadas, ou
melhor, através da acentuação de certas diferenças, ou do obscurecimento
de certas semelhanças. 29

Enfim, pode-se entender a identidade de gênero como um “sentimento do


indivíduo quando à sua identificação como homem ou mulher”.30 Esta opção regular
binária aduz ao fato de a sociedade não prever algo que fuja do masculino e do
feminino. As regras de performance já cristalizadas não permitem improvisos.
Entretanto, seria, da mesma forma, errôneo imaginar que os destoantes desse
sistema binário sejam totalmente independentes às escolhas esperadas. A
heterossexualidade funciona como expressão da lei repressiva, não é uma mera lei
excludente, mas uma sanção, uma “lei do discurso, distinguindo o que é dizível do
que é indizível [...], o que é legítimo do que é ilegítimo.”31

Concomitantemente, a realização do ato sexual também não determina,


por si só, a identidade sexual do indivíduo. Não é, assim, porque um homem fez

27
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009, p. 361.
28
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 20.
29
BOURDIEU, Pierre. A Dominação... Op cit., p. 23.
30
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 91.
31
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. 8. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p. 119 – 120.
23

sexo com outro, ou o oposto, que mudará a sua identidade de gênero. O critério
comumente aceito é o apaixonamento32, assim, para esta corrente, a paixão
determina a identidade do indivíduo.

Parece ser pouco crível a delimitação da paixão como determinante de


uma identidade de gênero, pois até mesmo o amor e os seus derivados podem ser
compreendidos como produtos sociais e, portanto, passíveis de franco
questionamento. Dessa forma, é preferível assumir que a identidade de gênero é
formada no íntimo de cada indivíduo, e, objetiva ou subjetivamente, se revela aos
demais. Ainda, pode-se assumir que “cada um de nós tem sua identidade de gênero
apresentada a terceiros.”33

De forma análoga à imprecisão de determinar o critério constatador de


identidade de gênero, também não há uma exatidão sobre o final da formação da
identidade de gênero. Correntes que buscam apontar um certo determinismo
biológico do sexo também já foram atenuadas com a percepção de que os
indivíduos são muito mais influenciados pelo meio social que o mero projeto
hormonal, biológico.

Como não há um fim próprio e claro para a construção de uma identidade


de gênero, é questionável assumir papel de gênero como sinônimo de identidade.
Enquanto a identidade é algo muito mais íntimo, o papel do gênero é algo externo e
muito mais generalizante. “Assim, o papel seria, de forma simplificada, a
exteriorização dessa identidade sexual, ao ser vivenciada pelo indivíduo.”34

Contudo, há aqueles que – mesmo sabendo intimamente de sua


identidade de gênero – não perfilham o seu papel com o qual se identifica; esta
alteração é a mera expressão da coação social que o indivíduo sofre.

1.4 Tipos Sexuais

Mesmo após a compreensão acerca do gênero e de suas diversas


expressões sociais, cuida este trabalho de atribuir um norte considerado como

32
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 92.
33
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 93.
34
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 101.
24

generalidade: considerando o padrão ocidental, esta normalidade sexual “aparece


quando os fatores biológicos estão harmonia com os psicológicos e sociais”.35
Convencionou-se socialmente a aceitar a heterossexualidade como padrão que o
indivíduo deve seguir. Havendo uma ruptura do esperado, aparecem os
destoantes36, que serão estudados adiante.

1.4.1 Intersexualismo

Pode-se compreender o intersexualismo como o resultado da


discordância entre o sexo gonádico, genético e fenótipo.37 Vale ressaltar que,
tecnicamente, esta expressão pode ser assumida como sinônimo de
hermafroditismo, que, por sua vez, pode ser subdivido em dois: o hermafrodita
verdadeiro e o pseudo-hermafrodita. O primeiro possui “duas glândulas genitais dos
dois sexos, separadas ou unidas;”38 no último, a gônada é monossexual, diferente
do aspecto bissexual de outros caracteres sexuais, quase sempre, é “resultado de
um defeito endócrino ou enzimático em pessoas com cromossomos normais.”39

Diante disso,

De qualquer sorte, o intersexual desenvolverá, em maior ou menor grau,


uma identidade e um sexo psicossocial. Somente após um exame clínico
minucioso e um diagnóstico preciso, feito pelo médico em colaboração com
o terapeuta, é que o intersexual deverá ser submetido a uma cirurgia
corretiva. Através desse procedimento, busca-se adequar o exercício genital
da sexualidade ao sexo dominante da pessoa, restabelecendo-se, quando
possível, a sua capacidade reprodutora. Só assim, o indivíduo poderá tomar
parte na vida social. 40

Infelizmente, ocorre que, não possuindo uma identidade externa clara à


sociedade, o intersexual vira motivo de chacota e passa por inúmeros problemas de

35
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 106 – 108.
36
Além dos que serão apresentados, há outras categorias e/ou nomenclaturas que carecem de
lembrança: os assexuados (não sentem atraídos por quaisquer gêneros); transformista ou drag queen
ou drag king (se traveste de modo estereotipado, reforçando as diferenças visíveis entre os gêneros e
as expectativas sociais já cristalizadas); queer, andróginos ou transgêneros (o indivíduo não se
enquadra em nenhuma classificação de gênero); cisgênero (indivíduos que se identificam com o sexo
biológico do seu nascimento); transgênero (são os que não se identificam ao sexo biológico, em
qualquer grau); e, mais controversamente aceito entre doutrinadores, o sadomasoquistas (aqueles
que sentem prazer sexual na dor).
37
SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de... Op. cit., p. 63.
38
CHOERI, Raul Cleber da Silva. O Conceito de Identidade e a Redesignação Sexual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, p. 89.
39
CHOERI, Raul Cleber da Silva. O Conceito de Identidade... Op. cit., p. 90.
40
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 110 – 111.
25

aceitação social e no mercado de trabalho. Por essa razão, muitas vezes, optam
pelo silencio sobre sua condição.

1.4.2 Homossexualismo

O homossexual é aquele que se sente atraído sexualmente por pessoa do


mesmo sexo, contudo, não há, “psicologicamente, a intenção ou o desejo de mudar
sua anatomia para o sexo oposto”.41 Do termo homossexualismo, rechaça-se a ideia
do prefixo homo- ser compreendido como “homem” (como seria se fosse herdada a
palavra do latim”, mas este prefixo é herança grega, que significa “o mesmo”,
reiterando a ideia de indivíduos do mesmo sexo que possuem relação sexual entre
si.

Historicamente, tratado como um distúrbio, fato que pode explicar o sufixo


-ismo, já não é mais usual a ligação do homossexualismo como uma patologia.42
Não é compreensível que, após a larga evolução em estudos sexuais e de gênero,
algumas pessoas ainda insistem em ligar a orientação sexual a uma doença. Mesmo
havendo interferência hormonal durante o período intra-uterino43, não parece ser
determinante de modo a se reduzir a responsabilidade da expressão homossexual
ser mero resultado de um fator biológico.44

O homossexualismo, na vida do menino, é um medo, um lugar a não ser


explorado. A heterossexualidade é a escolha segura e psicologicamente45

Resultaria do medo da castração pelo pai, mas do medo de castração – isto


é, do medo da feminização, associado com a homossexualidade masculina
nas culturas heterossexuais. Com efeito, não é primordialmente o desejo

41
CHOERI, Raul Cleber da Silva. O Conceito de Identidade... Op. cit., p. 90.
42
CHOERI, Raul Cleber da Silva. O Conceito de Identidade... Op. cit., p. 92.
43
SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de... Op. cit., p. 40.
44
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 112.
45
Para a melhor compreensão da construção dos impulsos sexuais e como atitudes de censura
elaboradas pelo psicológico atuam no indivíduo, Freud lançou mão de uma nova interpretação do
mito e da tragédia de Édipo-Rei, conhecido como complexo nuclear. Desse sistema, retira-se toda
sorte de fantasias e afetos que o infante possui, por volta dos três e quatro anos, ao se identificar
numa relação triangular construída pela criança, pelo pai e pela mãe. Esta relação, segundo Freud, é
fator essencial para a resolução da personalidade individual e seria o ponto de partida da análise
sobre o desenvolvimento do sexo e do crescimento individual. (CHAUÍ, Marilena. Repressão
Sexual..., Op. cit., p. 63).
26

heterossexual pela mãe que deve ser subordinado a uma


heterossexualidade culturalmente sancionada. (grifo do autor)46

Com a introdução de personagens em novelas e livros populares e com


expansão da literatura queer, houve um tímido aumento na tolerância aos
homossexuais. Contudo, aqui, cabe anotar que esta tolerância é, por vezes,
resultado de uma máscara social, como se houvesse uma aceitação velada ao
destoante do padrão ocidental de heterossexualidade. Anota-se também uma
corrente focaultiana, que:

[...] liga sexualidade a poder, a pior humilhação, para um homem, consiste


em ser transformado em mulher. E poderíamos lembrar aqui os
testemunhos de homens a quem torturas foram deliberadamente infringidas
no sentido de feminilizá-los, sobretudo pela humilhação sexual, com
deboches a respeito de sua virilidade, acusações de homossexualidade ou,
simplesmente, a necessidade de se conduzir com eles como se fossem
mulheres.47

A ênfase dada ao homossexual masculino, tachado de gay48, pode ser


entendida como resquício de um machismo arraigado. Tratada muito mais como
tabu, a homossexualidade feminina, o lesbianismo, é, ainda hoje, cercado de
preconceitos. Este trabalho defende a condição cultural e social que provoca a
construção da homossexualidade no indivíduo, contudo, deve-se ressaltar que
eventos traumáticos também podem influenciar o indivíduo e concorrem com a
recepção individual dos estímulos.

De acordo com Gikovate:

O fracasso, nas experiências heterossexuais no início da puberdade, é


variável capaz de reforçar a opção homossexual, que é gratificante (tanto
quanto a heterossexual) e bastante mais fácil, pois nesta trajetória o homem
se livra de sua preocupação de desempenho, toda ela ligada ao temos da
homossexualidade. Assim, o homossexual seria aquele que não tem mais
nada a perder, nada a demonstrar, de modo que pode até mesmo usufruir
melhor da situação.49 (grifou-se)

Entretanto, já se torna um pouco questionável a afirmação deste autor em


tentar proporcionalizar a homossexualidade feminina como mais frequente que a

46
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero... Op. cit., p. 119 – 120.
47
BOURDIEU, Pierre. A Dominação... Op cit., p. 32.
48
Estas nomeações também perpassam por situações de visível preconceito social. Para diminuir o
indivíduo homossexual, há quem o nomeie de “bicha”, “veado”, “boiola”, “baitola”, “mocinha”,
“sapatão”, machinho”.
49
GIKOVATE, Flávio. O Instinto Sexual. 3. ed. São Paulo: MG Ed. Associados, 1980, p. 115.
27

masculina, devido a uma possível construção biológica.50 Disso, retira-se a ideia de


repressão: a homossexualidade, no campo social e psicológico, pode, sim, ligar-se à
castração, à censura que o indivíduo recebe de sua família, da sociedade, da igreja
e de outros agentes. Afirmação que corrobora para a compreensão de que o gênero
é fruto de uma construção social e não somente de uma mera definição físico-
biológica.

Também não há qualquer razão de se crer em cacoetes socialmente


cristalizados que ligam o homossexual masculino a um comportamento efeminado
de regra. Afetação não é critério definitivo para se apontar a sexualidade, nem
mesmo a sisudez apontada como critério básico para a seleção de uma mulher
homossexual. Infelizmente, esta matéria apresenta um preconceito incrustado: uma
série de achismos que se creem últimos para a denominação de um ou de outro
indivíduo, de modo a isolar este da comunidade “normal”, heterossexual.

A crescente ascensão dos direitos sexuais e da construção e


generalização de uma cultura queer fez surgir uma maior consciência do
homossexual sobre não se calar diante a atitudes homofóbicas, que esmagam a sua
dignidade enquanto ser humano. Uma histórica vitória deste grupo pode ser a
quebra do gueto reservado à homossexualidade e aos demais desviantes.51 Talvez,
um dos maiores inimigos deste grupo, e que deve ser combatido de forma
implacável, é a regra do silêncio, a vergonha de se impor como homossexual a
todos, principalmente, à família.52

50
GIKOVATE, Flávio. O Instinto..., p. 121 – 122.
51
ANJOS, Gabriele dos. Identidade Sexual e Identidade de Gênero: subversões e permanências.
Sociologias, Porto Alegre, ano 2, n. 4, jul/dez 2000. Disponível em:<
http://www.scielo.br/pdf/soc/n4/socn4a11>. Acesso em: 05 out. 2016.
52
A expressão “sair do armário” é fruto social deste medo de se revelar como homossexual que
alguns indivíduos possuem. A estes não autodenominados, assume-se popularmente a palavra
“enrustidos”. Muitos justificam este comportamento lacônico afirmando que, se a família não aponta
um questionamento expresso, não há quaisquer razões para a externalização de sua opção. Este
receio pode ser compreendido por meio da análise de inúmeros casos de famílias que abandonam os
filhos, cortam laços sentimentais de parentescos ao serem expostos a revelações sobre a
sexualidade desviante de algum membro.
28

1.4.3 Bissexualismo

Os indivíduos cunhados de bissexuais53 são os que alternam a relação


afetiva e/ou sexual com parceiros do mesmo sexo ou de sexo oposto. Devido a
essa fluidez comportamental, há uma ideia questionável de serem indecisos quanto
à opção, como se fosse a escolha uma obrigatoriedade. Aqui, identifica-se, mais
uma vez, o pavor da sociedade em não possuir um domínio claro acerca do
indivíduo. O ser humano precisa de contornos, de finais, tudo que há uma liberdade
maior torna-se alvo de chacotas e questionamentos, como se a ausência de
definição influenciasse toda a vida de uma comunidade conservadora e
preconceituosa.

Considerado como quebra desta dualidade entre homossexual e


heterossexual, é importante o indivíduo

Não confunda nossa fluidez com confusão, irresponsabilidade ou


incapacidade de comprometimento. Não iguale promiscuidade, infidelidade
ou comportamento sexual de risco com bissexualidade. Essas são
características humanas que perpassam todas as orientações sexuais.
Nada deveria ser presumido a respeito da sexualidade de ninguém –
inclusive a sua própria.54 (grifo do autor)

Esta admoestação desarticula a ideia falsa de que o bissexual seja


somente o indeciso, o enrustido, o pai de família que trai a esposa com outro
homem. O bissexual é apenas uma opção sexual e que deve ser respeitada e
compreendida pela comunidade.

1.4.4 Travestismo

Possivelmente, o travestismo é o maior alvo de preconceito. Isso, pois


quebra todo padrão de normalidade e de expectativa social. Ainda muito associado
ao masculino, o indivíduo é tratado como travesti e a ele, sim, é dedicado
exclusivamente a marginalização. São indivíduos:

53
Assim, como os homossexuais, há termos carregados de preconceito para a denominação destes
indivíduos: “gilete”, “AC/DC”.
54
GARBER, Marjorie. apud PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 121.
29

[...] biologicamente masculinos, apresentando ou não características


secundárias femininas, obtidas através de tratamentos hormonais ou de
implantes cirúrgicos, e que se prostituem nas ruas ou se apresentam em
espetáculos noturnos com trejeitos grotescamente efeminados e roupagem
sumária. O travesti não pode ser confundido com o transexual, para quem o
uso da roupagem cruzada é uma das características do sexo oposto que ele
assume e apresenta. [...] Comentários em noticiários sensacionalistas levam
a crer que tais indivíduos buscam parceiros do sexo biológico idêntico ao
seu. Induzem ainda a interpretação de que o comportamento homossexual
dos travestis é passivo. Também não é precisa essa informação [...] A
compulsão em vestir-se de forma inadequada ao próprio sexo é
pacificamente aceita pelos autores. Divergem no que tange aos exageros
propostos por uns ou pelo recato propugnado por outros.55 (grifou-se)

Concomitantemente, há a separação de dois principais tipos: o fetichista,


que depende de o “indivíduo vestir roupas do sexo oposto, principalmente com o
objetivo de criar a aparência de pessoa do sexo oposto e de obter excitação sexual.
”56; e o exibicionista, que se “exibem, inicialmente de um modo reservado, diante de
um espelho e, posteriormente, saem às ruas usando roupas femininas.”57

Abandonados por suas famílias, a maioria vive às margens da sociedade,


a prostituição e a violência acabam sendo a tradução do que lhes aguarda quando
em situação de rua. Por serem mais visados, são vítimas de atos transfóbicos e de
violência que, de certa forma, é uma punição por seu modo de agir. A polícia, por
vezes, não lhes atribui crédito, culpabilizando-os por toda sorte de baderna.58

Assumida por alguns como parte da exposição e do grito de militância a


exposição demasiada deles à sociedade causa repugno a uma sociedade
escandalizada e conservadora, que, neste caso, leva às últimas consequências o
ódio ao desviante. Isso pode ser confirmado no alto número de mortes de travestis
no Brasil.59

55
SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de... Op. cit., p. 157 – 159.
56
CHOERI, Raul Cleber da Silva. O Conceito de..., Op. cit., p. 93.
57
SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de... Op. cit., p. 160.
58
Para ratificar a denúncia e o recolhimento em flagrante de muitos travestis e transexuais, a
abordagem policial, muitas vezes, vale-se do art. 233, do Código Penal, que tipifica o ato obsceno e
lhe confere, como pena, multa ou detenção de três meses a um ano.
59
De acordo com pesquisa da Organização Não-Governamental Transgender Europe (TGEU), o
Brasil é o país em que mais se mata travestis e transexuais no mundo. Entre janeiro de 2008 e março
de 2014, registram-se 604 mortes no país. Disponível em:< http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-
humanos/noticia/2015-11/com-600-mortes-em-seis-anos-brasil-e-o-que-mais-mata-travestis-e>.
Acesso em 14 out. 2016.
30

1.4.5 Transexualismo

Como supracitado, não há razão para a confusão entre o transexual e o


travesti. Os conceitos de transexualismo têm em comum a “não compatibilização
entre o sexo biológico com a identificação psicológica sexual no mesmo indivíduo.”60
De modo geral, tenta-se explicar este tipo sexual por algumas correntes: a
psicossocial, que retoma a ideia de que o ambiente que o indivíduo cresce é fator
determinante na construção de sua opção sexual; a psicanalítica, que busca a
compreensão dos transtornos de gênero ligados à figura edipiana na relação pais e
filhos; e, por último, a biológica, montada sobre a questão hormonal e a sua
influência no indivíduo. Em concordância com a construção social do gênero e da
opção individual, este trabalho propõe a psicossocial como a mais acertada.

De modo mais geral, a transexualidade será assumida neste trabalho


como uma “experiência de conflito com as normas de gênero”61, como uma quebra
dos padrões normativos acerca da expressão sexual e de gênero. Pode-se entender
como o indivíduo, no qual “há incompatibilidade entre o sexo biológico e a
identificação psicológica, onde o indivíduo, apesar de ser anatomicamente de um
sexo, acredita firmemente pertencer ao oposto.”62

Ventura sublinha que:

[...] a concepção prevalente da transexualidade é como o transexualismo,


isto é, como uma anomalia do desenvolvimento da identidade sexual, que
independe da vontade do indivíduo e que decorre, exclusivamente, de uma
falha no processo de interação de diversos fatores (biológicos, psicológicos
e sociais) responsáveis pela identificação sexual da pessoa. Essa
compreensão da transexualidade como uma doença psíquica, que traz em
si limitações à autonomia individual, justifica sua medicalização e se
constitui em um dispositivo que torna a demanda transexual digna de
interesse da medicina e do direito.63

Entende-se que as mulheres transexuais carecem de um tratamento


como mulher – nome, aparência, comportamentos femininos e devem ser tratadas
como mulheres. Com os homens transexuais, exatamente o oposto. Os transexuais

60
SUTTER, Matilde Josefina. Determinação e Mudança de... Op. cit., p. 105.
61
VENTURA, Miriam. A Transexualidade..., Op. cit., p. 25.
62
OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 24.
63
VENTURA, Miriam. A Transexualidade..., Op. cit., p. 26 – 27.
31

são insatisfeitos com o corpo biológico. Essa seria a maior diferenciação com os
travestis. Como anota Peres, há uma pacificação quanto à subdivisão dos
transexuais em primário e secundário. O primeiro é o que possui “ vontade
inequívoca e veemente de modificação do sexo.”64 e não há nenhuma ligação com a
homossexualidade ou travestismo em via de regra. O último, por sua vez, “oscila
entre o homossexualismo e o travestismo”65, são os que cunham este impulso de
temporário, fluido. Consequentemente, a intervenção cirúrgica de mudança de sexo
– transgenitalização - é recomendada somente ao primário.

De forma categórica, temos que “mulher transexual é toda pessoa que


reivindica o reconhecimento social e legal como mulher. Homem transexual é toda
pessoa que reivindica o reconhecimento social e legal como homem.”66

64
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 126.
65
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 126.
66
JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e
Termos. Brasília, 2012. Disponível em:
<https://www.sertao.ufg.br/up/16/o/ORIENTA%C3%87%C3%95ES_SOBRE_IDENTIDADE_DE_G%C
3%8ANERO__CONCEITOS_E_TERMOS_-_2%C2%AA_Edi%C3%A7%C3%A3o.pdf?1355331649>.
Acesso em: 15 out. 2016.
32

2 O DIREITO E A SEXUALIDADE

Após o estudo das questões e conceitos em relação ao sexo, ao gênero e


ao sujeito, é preciso que se avance na costura ideológica que este trabalho se
propõe. Disso, urge a questão de como o Direito, regulador da harmonia social,
enxerga estas questões e como os indivíduos estão a ele alheios. Contudo, cuida-se
para que não haja uma leitura tão implacável de forma a considerar o sexo e o
gênero dois conceitos quase paradoxais. A dificuldade de se especificar um saber
acerca das teorias sexuais e de gênero reside justamente na lógica interpretativa
que esses termos assumem. Assevera-se, aqui, que não se desenha uma
contradição: o sexo não exclui a existência de gênero, nem o oposto. Os dois
convivem – ora se misturando, ora se afastando, mas são, por certo, indissociáveis.

Para este trabalho, aproximar-se-á, ao máximo possível, esses conceitos:


os direitos sexuais são os que estudam o sexo, o gênero do indivíduo de modo a
respeitar o seu direito à autodefinição, à sua personalidade; junto disso, a questão
da dignidade humana e a tolerância à liberdade individual são essenciais para o
entendimento da tese que aqui se sustenta.

2.1 Direitos da Personalidade


2.1.1 Considerações Iniciais

Subjetivamente, o homem é titular de diversas espécies de direitos. Há


aqueles que são dissociáveis, que não são intrínsecos ao indivíduo, como o título de
crédito, propriedade; e os indissociáveis, por sua vez, são inerentes, intrínsecos,
inalienáveis, intransmissíveis, imprescritíveis e irrenunciáveis à pessoa, “a ela
ligados de maneira perpétua e permanente, não se podendo conceber um indivíduo
que não tenha direito à vida, à liberdade física ou intelectual, ao seu nome, ao seu
corpo, à sua imagem. ”67

Ressalta-se que pessoa e sujeito podem ser assumidos como sinônimos


e são o “ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações”68. Já a

67
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 61.
68DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 26. ed. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 115.
33

personalidade “exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair


obrigações. ”69 O art. 11 do Código Civil proclama que, “com exceção dos casos
previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis,
não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. ”70 Toda essa construção
proibitiva ao alheamento dos direitos da personalidade é fruto do histórico receio que
a sociedade guarda do Estado. A inscrição dessas liberdades ganhou o seu nível
máximo na Declaração Universal dos Direitos do Homem, tanto na Revolução
Francesa quanto na atualização feita pela Organização das Nações Unidas em
1948. O Código Civil brasileiro propõe um capítulo (II), “Dos direitos da
personalidade”, no livro sobre os sujeitos, exclusivamente, para tratar sobre essa
questão.

Ainda sobre o conceito desses direitos, observa Peres:

Os direitos da personalidade são direitos não patrimoniais, contudo, quando


lesados, surge um direito à indenização pelo dano, o que não lhes retira este
caráter. Quanto aos seus elementos, pode-se destacar a sua
intransmissibilidade que reside no fato de terem por objeto os bens mais
elevados da pessoa, o que impossibilita a sua transmissão a outras pessoas,
mesmo com a morte do seu titular. Da intransmissibilidade resulta a sua
indisponibilidade, ou seja, não podem sair da esfera jurídica da pessoa, ainda
que esta consista. Acrescenta-se, ainda, a irrenunciabilidade, que impede o
seu titular de provocar a sua extinção. [...] São considerados como direitos
absolutos, dada a sua oponibilidade erga omnes. Não devem, contudo, ser
elencados de forma taxativa, devendo haver uma tutela genérica que terá sua
base assentada na dignidade da pessoa humana.71 (grifo do autor)

Após a compreensão de que os direitos da personalidade é ponto de partida


para a construção do homem cidadão, parte-se, agora, à análise do conceito de
personalidade.

2.1.2 A Personalidade numa Inclinação Tomista

No Direito Romano, considerava-se a personalidade como termo cunhado


aos sujeitos que possuíam três tipos de status: libertatis, civiatatis e o familiae. Ainda
considerando esse ordenamento, quem não gozava do status libertatis, não possuía

69 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito..., Op. cit., p. 116.


70
BRASIL. Código Civil de 10 de janeiro de 2002.
71 PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 141 – 142.
34

os demais72. Logo, podemos perceber um embrião da ligação umbilical entre alguns


dos direitos que à população pertencia. Ainda, apesar de algumas tutelas da
personalidade serem esboçadas de maneira isolada, por várias leis distintas, já em
Roma, observou-se a construção inicial de uma preocupação com a proteção aos
direitos básicos e dissociáveis do sujeito.

Na Idade Média, São Tomás de Aquino evoluiu essa ideia embrionária,


construindo um conceito particular e que deve ser considerado como acertado. Para
ele, a razão seria a “essência da substância individual, ou seja, a unidade de todo o
ser enquanto ente diviso em si mesmo e divido de todos os outros seres. ”73 Disso,
pode-se destacar que a racionalidade é o princípio para que exista a dignidade do
indivíduo e também para a autonomia e liberdade que o ser goza.

A pessoa, de acordo com a escolástica, é constituída pela sua


substancialidade, em si mesmo; a identidade, como se reconhece, o eu; e, por
último, a sua autoconsciência, que lhe atribui o entendimento de ser livre e dotado
de consciência. Anota-se que, pertencente à Igreja Católica, toda a filosofia tomista
é tomada por conceitos religiosos, que atribuem, também, de certa forma, a
existência do indivíduo à vontade e ao respeito dos quereres divinos. Contudo,
retirando-se cruamente esse contexto religioso, nota-se a relevância do
conhecimento individual. A personalidade individual é, desde essa época, entendida
como a liberdade de um indivíduo racional em se entender no meio social.

Esta individualidade pode ser acrescida não somente do saber próprio


acerca do “eu”, mas dos objetos que cabem ao indivíduo. A noção de “meu” surge
como desdobramento da noção de racionalidade e de livre vontade.

No aspecto jurídico, todos os bens que o direito qualifica como de


personalidade, são integrados à natureza humana, e “podem ser reconhecidos como
objetos de direitos subjetivos e receber tutela específica, cujo sujeito passivo,
universalmente tomado, tem um dever geral de abstenção ou respeito.”74

72 OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 48.
73 OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 48.
74 OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 50.
35

2.1.3 Reconhecimento dos Direitos da Personalidade

A afirmação destes direitos pode ser encarada como uma proteção


individual perante às incertezas sociais. Não obstante, o direito à vida, à liberdade
devem ser pensadas como parte da essência humana, não cabendo a necessidade
da tutela específica e isolada de cada um deles. Reconhecer a noção dos direitos de
personalidade é corroborar para a compreensão do Direito como humano e atento
aos anseios mais básicos do homem.

Historicamente, a escravidão desconstruiu grande parte do que hoje


nomeia-se de civilidade. Sujeitar alguém ao mando e aos desejos de outro somente
por uma seleção racial, ou de dívida, ou de nascimento não parece crível num
contexto atual. Contudo, estes direitos devem, sim, ser resguardados e cada vez
mais afirmados. As tentativas de burlar estes conceitos esbarram no preconceito, na
discriminação, no riso e na sanção que o indivíduo é acometido pela sociedade.

A proteção a esses direitos sai da responsabilidade total do Estado, mas


caminha também para uma chancela social. Não há uma interdependência entre
entes que convivem juntos. A generalidade busca abranger, ao máximo, as questões
mais controversas, contudo, fica a cargo da jurisprudência e da doutrina:

[...] a tarefa de subsumir a cláusula genérica de tutela em casos específicos,


passível de renovação latente, em conformidade com as mudanças sociais,
econômicas que venham a se apresentar. Em razão disso, diversas
categorias são apresentadas pela doutrina, umas com maior, outras com
menor aceitação.75

Assim, de modo abrangente, reconhece-se, como direitos da


personalidade, os seguintes: direito à integridade, no qual está compreendido o
direito à vida e aos seus institutos básicos; o direito à integridade intelectual; direito à
integridade moral, que a este trabalho interessa em específico, pois, aqui, há o
destaque para o direito de se respeitar a liberdade de escolha individual, de
identidade pessoal e familiar e de identidade sexual.76

75
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o ... Op. cit., p. 141 – 142.
76
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito..., Op. cit., p. 124 – 125.
36

2.1.4 Objeto dos Direitos da Personalidade

Para a correta compreensão do quão relevante é esta matéria, a


personalidade não deve ficar somente restrita a um conceito profundamente
infiltrado de academicismos jurídicos, mas deve ser colocada em prática em meio à
comunidade. As primeiras possíveis restrições aos direitos supracitados se expõem
na convivência, no preconceito, no riso e na exclusão.

Observa Oliveira que

A humanidade é o repositório das características de qualquer homem e, ao


mesmo tempo, garante sua individualidade, dignidade e irrepetibilidade,
permitindo distinguir casa um dos homens. Todavia, apesar de
individualizado, o homem não é isolado, pois está em constante relação
consigo mesmo e com os outros. [...] o direito de personalidade é o direito
de cada homem sobre a sua proporção da globalidade dos elementos, das
potencialidades e da sua personalidade humana. Assim, a unidade psico-
físico-sócio-ambiental dessa personalidade confere ao indivíduo dignidade,
individualidade concreta e poder de autodeterminação.77

Ou melhor: não há uma análise desses direitos como objeto único de uma
função jurídica. Como a definição controversa de sexo e de gênero, o direito da
personalidade depende da união de inúmeras outras matérias e estímulos para se
concretizar. Dessa forma, o direito da personalidade não é o sujeito por si só, e sim
os elementos que o acrescem de autonomia, de intimidade, de liberdade, permitindo
o exercício de sua vivência.

2.1.5 Liberdade

Tão controvertida quanto os outros conceitos expostos neste trabalho, a


liberdade é uma palavra de difícil precisão. Assim como anotar o mero significado de
um verbete soa como preguiça aos olhos de uma abordagem mais cuidadosa.
Cuida-se aqui de promover uma noção da dimensão de liberdade. A acepção deste
termo cambiou com o contexto histórico. A liberdade antiga, por assim dizer, é:

[...] a liberdade participativa do cidadão e não do homem em sua esfera


privada e pressupõe uma comunidade política de pessoas em interação,
consistindo na ativa liberdade de participação na polis, associada à ideia de
participação política e de democracia.78

77
OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 58.
78
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos: o reconhecimento da
identidade de gênero entre os direitos da personalidade. Curitiba: Juruá, 2014, p. 104.
37

Vê-se, então, que este conceito antigo se encontra muito mais


preocupado em definir as condutas cidadãs do indivíduo do que cuidar de sua
liberdade privada, pessoal. O interesse em se estudar a liberdade individual é
tratado mais modernamente, quando já não há sombra dos enlaces escravocratas,
ou mesmo da sujeição ideológica imposta por uma oligarquia dominante.

Diversamente, a liberdade moderna diz muito mais respeito ao privado e


não como uma trava aos quereres. Aqui, desenha-se uma faculdade potestativa,
permitindo o indivíduo optar entre o exercício e o não exercício de um direito.79

Para Kant, na natureza, recai sobre o indivíduo um absoluto


determinismo, portanto, imaginar a liberdade de ação ou de pensamento é utópico e
mostra-se numa alternativa errada de identificação. Contudo, no reino da moral, a
liberdade passa a ser dizível. A natureza e a moral não se confrontam, pois não
esbarram, são distintos campos. O ser livre é aquele, então, capaz de obedecer à
razão, e não ser influenciado pelo determinismo. Logo, todo homem, ser racional, é
dotado de vontade, de autonomia, que é o princípio da dignidade humana.80

Contudo, é perigoso imaginar uma liberdade totalmente desligada de um


certo determinismo. Imaginar o homem racional individualmente retira, de certa
forma, a influência do Estado e da legislação nas suas escolhas. Para o filósofo
John Stuart Mill, há três esferas da atuação da liberdade humana:

A primeira abrange o íntimo da consciência, ou seja, a absoluta liberdade de


pensar, sentir, ter opiniões sobre assuntos práticos ou especulativos,
científicos, morais ou teológicos, bem como exprimir e publicar estas ideias.
A segunda esfera diz respeito à liberdade de gostos e ocupações, seguir o
próprio caráter e agir conforme preferir, suportando as consequências, sem
que tais atos sofrem impedimentos dos outros enquanto não os prejudicar.
Por fim, a esfera da liberdade de associação, desde que tais associações
não tenham por objetivo trazer dano, e pressupondo-se que os indivíduos
associados não tenham sido constrangidos.81

Ligado a esses três pontos de vista acerca dos graus e prerrogativas para
a construção de uma ideia de liberdade, afasta-se a ideia de que a liberdade, para

79
LAFER, Celso. apud GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos...
Op. cit., p. 105.
80
OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 91.
81
OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 92.
38

ser compreendida, nega qualquer tipo de obediência à legislação e ao Estado. Em


maior ou menor grau, para uma harmonia social, há, sim, de haver o respeito às
normas e a ingerências específicas do Estado. Assim, não é todo controle que se faz
negativo, mas o controle, legislativo, principalmente, com fulcro em cartas
constitucionais de direitos e deveres, traz segurança jurídica ao indivíduo.

O nó dessa questão, desse direito à liberdade, que o homem goza, é


justamente de quais poderes, obediências ele deve se libertar. A liberdade, então,
deve ser entendida como uma característica comportamental do homem e não um
ideal desejado, a ser alcançado; liberdade é poder abster-se dos aspectos que
retiram o bem-estar do homem, é poder escolher, dentro da legalidade, claro, quais
são os agentes de controle que realmente são necessários e os que fogem do
mando estatal.

Para Hebert Hart, não é possível um Estado, que se diz democrático,


procurar disciplinas sobre a vida privada, íntima e o comportamento social das
pessoas mediante a legislação para a criação de uma moral geral a ser seguida.82
Oportunamente, este trabalho ponderará da liberdade, como direito da
personalidade e conceito, de se autodeterminar quanto ao gênero, de modo a trazer
bem-estar ao cidadão. Não há, portanto, motivo algum para obedecer a uma
generalidade heterossexista, baseada em binários.

2.1.6 Intimidade e a Vida Privada

Urge, primeiramente, a distinção entre o público e o privado. Celso Lafer,


analisando a obra de Hannah Arendt, preconiza que:

[...] a vida pública e a vida privada devem ser consideradas


separadamente, pois são diferentes os objetivos e as preocupações que
as comandam. Os interesses de um indivíduo têm uma premência dada
pelo horizonte temporal limitado da vida individual. Por isso,
freqüentemente se chocam com o bem comum, isto é, com aqueles
interesses que temos em comum com os nossos concidadãos, que se
localizam num mundo público — que compartilhamos mas não
possuímos —e que ultrapassam, por serem interesses comuns e
públicos, o horizonte da vida de um ser humano considerado na sua
singularidade.É por essa razão que ela contesta a idéia de que do jogo

82
HART, Hebert Lionel Adolphus. apud. OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op.
cit., p. 95.
39

de interesses individuais surge necessária e harmoniosamente o


interesse público.83

Dessa forma, pode-se defender que a grande maioria dos interesses


particulares são chocados com a esfera pública, mas, mesmo assim, não se pode
admitir, que todos os quereres sejam considerados públicos, de obrigação de
publicidade. O interesse público pode ser, então, compreendido como aquele que
todos alcançam, está disponível a qualquer um; já o privado somente diz respeito ao
indivíduo que decide se haverá ou não publicidade.

Dessa forma, o direito à intimidade e à vida privada se interligam:

O conceito de intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato


íntimo da pessoa humana, suas relações familiares e de amizade, enquanto
o conceito de vida privada envolve todos os relacionamentos da pessoa,
inclusive os objetivos, tais como as relações comerciais, de trabalho, de
estudo, etc.84

No Brasil, a Constituição Federal traz, no art. 5°, X, expressamente, o


direito à vida privada: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação.”85 Da leitura deste artigo, pode-se compreender a
importância do resguarde da intimidade e da vida privada, mesmo que a primeira
seja ainda mais específica que a segunda; a intimidade está inclusa na vida privada.
Intimidade essa que se revela por meio da escolha sexual do indivíduo, sentimentos
e opções pessoais.86

Contudo, negando a diferença entre intimidade e vida privada, o Código


Civil brasileiro anota, no seu art. 21, apenas a vida privada do sujeito, que “é
inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.87

A despeito da generalidade do art. supracitado, adotar-se-á, aqui, a maior


aproximação possível de intimidade com segredo, muito ligado à questão sexual.

83
LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah
Arendt. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 237.
84
FILHO, Manoel Ferreira. apud. MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria
geral. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 138.
85
BRASIL. Constituição Federal de 5 de outubro de 1988.
86
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos..., Op. cit., p. 120.
87
BRASIL. Código Civil de 10 de janeiro de 2002.
40

Assim como o entendimento norte-americano da contradição desses dois termos,


deve-se compreender o privado como o direito de decidir questões básicas
relacionadas ao próprio sujeito; já a intimidade, concerne às opções sexuais e
expressões de gênero. O que remete diretamente à ideia de sigilo ligado à
intimidade.88

2.1.7 Direitos da Personalidade e a Transexualidade

Incialmente cabe, de forma breve, versas acerca dos atos de disposição


do próprio corpo. De acordo com o art. 13, do CC, caput, “Salvo por exigência
médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição
permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.”89

Felizmente, esta questão foi inteiramente disciplinada pela lei n. 9.434, de


4 de fevereiro de 1997, que torna os brasileiros doadores em potencial ou
presumidos. Contudo, na prática, a maioria dos médicos somente faz uso de partes
corporais de falecidos com o consentimento dos familiares. Na doação em vida, o
doador somente pode ser altruísta com órgãos duplos, partes de órgãos, tecidos ou
partes do corpo,

[...] cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo


sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento
de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou
deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica
comprovadamente indispensável à pessoa receptora.90

Soma-se a essa compreensão a repulsa da venda de órgãos, que fere


primordialmente a moral e a convivência social harmoniosa. Não há como, numa
sociedade democrática e racional, a prática de um comércio cruel que desacredita
do altruísmo e coloca preço em órgãos e na salvação de outrem.

A seguir, trata-se das operações de transgenitalização feitas por


transexuais. Para Rodrigues:

[...] o homossexual é, antes de mais nada um efeminado, de certo modo


resignado com seu gênero, o transexual, ao contrário, é um indivíduo de
extrema inversão psicossexual, circunstância que o conduz a negar o seu

88
SAMPAIO, José Adércio Leite. apud. GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e
Direitos Humanos..., Op. cit., p. 120.
89
BRASIL. Código Civil de 10 de janeiro de 2002.
90
BRASIL. art. 9°, parágrafo 3 da Lei n° 9.434/97.
41

sexo biológico e a exigir uma cirurgia de reajuste sexual, a fim de poder


assumir a identidade de seu verdadeiro gênero, que não condiz com seu
sexo anatômico. [...] o transexual é um indivíduo com indicação
psicossexual oposta aos seus órgãos genéticos e com desejo compulsivo
de mudança deles. Sua verdadeira ânsia é a modificação de seus genitais e
substituí-los, se possível, pelos genitais do sexo oposto.91

Negando-se, veementemente, a ideia exposta pelo doutrinador, que liga o


homossexual ao estereótipo de efeminado, a ideia do transexual é aqui exposta
novamente, de modo a ratificar a ideia acertada que já se estudou. Dessa
insatisfação92, desperta a depressão e, com ela, pensamentos suicidas que
inviabilizam a vida do transexual.

Ratificando esta insatisfação, o relato de João W. Nery, homem


submetido à transgenitalização female-to-male93:

Transformei-me literalmente num marginal, pois vivia à parte, à margem.


Não pertencia nem ao grupo majoritário heterossexual e aceito, nem a
qualquer grupo minoritário e discriminado. Não me sentir mulher nem
homossexual. [...] Sabia que não era aprovado pela maioria. Algo errado
havia. Se fosse uma doença, onde e como? Não inspirava pena ou
compaixão. E como explicar minha refinada sensibilidade, que me fazia ter
uma doída lucidez, a ponto de viver minhas fantasias tão intensamente sem
perder o senso de realidade? Por essa incompatibilidade da minha mente
com as partes do meu corpo, numa inversão total de imagem, tornei-me,
cada vez mais, um ser angustiado.94

Desse triste relato, vê-se indubitavelmente a angústia sofrida por um


transexual. Nada mais justo que o Direito conceder a redesignação do sexo. Os

91
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil..., Op. cit., p. 69.
92
O intersexuado, por possuir biologicamente os dois sexos externos, busca, por meio da operação, a
sua recondução a um dos dois sexos. A escolha é profundamente estudada e observada na
expressão de gênero que o indivíduo já firmou socialmente. Também deve ser considerada, como
primeira, a opinião do intersexuado de modo a não se submeter a quaisquer espécies de pressões;
aqui, não deve haver qualquer risco de indecisão, a certeza da mudança e da felicidade individual
após a mudança deve ser contada por todos os agentes envolvidos.
93
Nome para se designar a transgenitalização partindo-se de uma vagina e mudando-a para um
pênis. Do contrário, é conhecido como male-to-female. Sinteticamente, “os homens têm seus órgãos
sexuais amputados, sendo a pele sensível do pênis aproveitada para a feitura de uma vagina
artificial, aumentando-se ainda os seios. Nas mulheres, a cirurgia consiste em remover os seios e em
realizar uma histerectomia. Remove-se a parte da pele da região abdominal ou inguinal, preparando-
se, assim, o novo pênis (faloneoplastia), conseguindo-se, muitas vezes, segundo relatos médicos, um
pênis de dimensões normais e funções também quase normais. [...] As operações variam de acordo
com cada caso. São as mesmas, complementadas com a ministração de hormônios sexuais que,
objetivam estimular as características do sexo adotado. Para os que passam a ser homens, ministra-
se testosterona e para os que passam a ser mulheres, estrógeno.” PERES, Ana Paula Ariston Barion.
Transexualismo: o ... Op. cit., p. 161 – 162.
94
NERY, João W. Viagem Solitária: memórias de um transexual 30 anos depois. 3. ed. São Paulo:
Leya, 2011, p. 45.
42

principais contrários a transgenitalização acusam o procedimento de, além de ser


mutilante, disfarçar externamente algo que não há, internamente, modificação:
mesmo com a cirurgia realizada, em quaisquer tipos, as gônadas femininas não
serão construídas no homem redesignado sexualmente, nem o oposto. Contudo,
deve-se atentar ao fato de que esta cirurgia evita angústia, busca dirimir os inúmeros
relatos sociais de autocastração que muitos transexuais se submetem tamanho o
seu transtorno mental por não se sentirem pertencentes ao próprio corpo. É como se
olhar no espelho e se ver em outra pessoa.

Felizmente, pode-se ver que a jurisprudência caminha no sentido de


ratificar esta prática harmonizadora da vida do transexual e, desde de 2008, por
meio da portaria GM/MS nº 1.707, de 18 de agosto de 2008 o Ministério da Saúde
confirmou a Política Transexualizadora, realizada pelo SUS; e, ainda, a
regulamentou, Portaria SAS nº 457, de 19 de agosto de 2008. Isso corresponde a
um largo avanço na política de respeito à escolha de gênero. Após procedimentos,
expostos nas portarias citadas, o transexual pode lograr êxito no seus quereres, tudo
isso custeado e legitimado pelo Estado.

Por último, vale ressaltar que o nome figura entre os direitos da


personalidade, que individualizam o ser humano. De acordo com o art. 16, do CC, o
nome pode ser entendido como o prenome e o sobrenome, e, de certa forma, o
prenome é o reconhecimento social que o registrando possui do registrado. Os
responsáveis pelo registro, quase sempre, identificam a aparência sexual externa do
indivíduo e o nomeia de acordo com o que enxerga, desconsiderando a construção
social e pessoal do gênero.

No caso da transexualidade, Gonçalves sublinha que:

[...] consistindo o nome uma forma de expressão de identidade, de rigor que


corresponda à aparência da pessoa individualizada, evitando-se impor o
constrangimento de identificar por Maria alguém que se assemelha a João,
e vice-versa. Assim, porque o prenome atribuído na ocasião do nascimento
deixou de corresponder à imagem e ao modo pelo qual a pessoa passou a
ser conhecida, torna-se necessária a sua mudança, a fim de zelar para que
mantenha sua função de identificação e projeção da identidade de seu
titular. Nesses moldes, a alteração do prenome do sexual não deve ser
considerada arbitrária. Ao contrário, conecta-se diretamente com o princípio
da dignidade humana, evitando expor a pessoa ao ridículo, mantendo a
coerência entre nome e a aparência do sujeito referido.95 (grifou-se)

95
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos..., Op. cit., p. 186.
43

Os tribunais caminham na direção favorável à mudança do prenome.


Transcreve-se a integralmente a ementa:

DIREITO CIVIL. CIRURGIA PARA ALTERACAO DO SEXO. PERICIA


MEDICA. DESNECESSIDADE. ALTERACAO DO ASSENTAMENTO DE
NASCIMENTO NO REGISTRO CIVIL. SITUACAO VEXATORIA.
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. I - NAO HA NECESSIDADE DE
PERICIA MEDICA SE A PARTE JUNTOU LAUDOS MEDICOS QUE
ATESTAM A REALIZACAO DA CIRURGIA QUE ALTEROU O SEXO DO
AUTOS DE MASCULINO PARA FEMININO. II - E DE SER DEFERIDO
PEDIDO DE ALTERACAO DE PRENOME E SEXO EM ASSENTO DE
NASCIMENTO DE TRANSEXUAL PRIMARIO, QUE FOI SUBMETIDO A
CIRURGIA PARA MUDANCA DE SEXO, POSTO QUE EM FACE DE SUA
CONDICAO ATUAL A NAO MODIFICACAO O EXPOE A VARIOS
CONSTRANGIMENTOS, DEVENDO SEREM OBSERVADAS AS
GARANTIAS FUNDAMENTAIS CONTEMPLADAS PELA CARTA MAGNA,
DENTRE ELAS A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, EX VI DO DO ART.
1, INCISO III, ART. 3, INCISO IV, E ART. 5, INCISO X. APELACOES
CONHECIDAS, PROVIDA INTEGRALMENTE A PRIMEIRA E IMPROVIDA
A SEGUNDA.96

Na ementa da apelação, o relator defere a alteração de nome a fim de


impedir que haja ridicularização do indivíduo. Isso confirma a necessidade de se
atentar à dignidade da pessoa humana e também da proteção integral dos direitos
da personalidade.

Observa-se, contudo, que a cirurgia de sexo aparece como um fato


determinante para a mudança de nome. Contudo, essa compreensão, aos poucos,
está sendo alterada, pela popularização da Teoria Queer e também da afirmação da
autodeterminação sexual como direito do indivíduo. À frente, tratar-se-á dessa
alteração feliz que alguns tribunais corroboram.

2.2 Direito à Identidade de Gênero ou Sexual

2.2.1 Identidade como Expressão de Moral

Aproximando-se a identidade de um princípio pessoa e norteador das


ações individuais, esboça-se uma aproximação direta deste primeiro termo com a
moral, no sentido de que os saberes e os valores próprios auxiliam na construção
individual, logo, a externalização de sua identidade é contaminada diretamente pela
moral, tanto social quanto individual.

96TJ/GO - 1ª Câmara Cível, Apelação 73470-7/188 – Goiânia – Rel. Des. Ney Teles de Paula.
Disponível em: < http://www.tjgo.jus.br/index.php/consulta-atosjudiciais>. Acesso em: 05 dez. 2016.
44

Nesse sentido, pode-se compreender a identidade não somente ao


passado do indivíduo, ou à compreensão de si próprio como vivente, mas também
parte das referências morais da pessoa e de seu norte sociável.97

Enfim, para Gonçalves:

A identidade, sob ponto de vista moral, inclui, assim, de um lado, a síntese


particular entre as crenças e valores universais e individuais, que ocorre no
âmago do indivíduo; e, de outro, a capacidade do sujeito de agir na mesma
respectiva direção, com autonomia. Compõe-se, nesse sentido, da
singularidade que identifica e distingue cada pessoa na pluralidade da vida
coletiva.98

Dessa maneira, parece pouco crível a formação da identidade sexual ou


de gênero individual sem que haja ingerências da moral por parte da família, da
igreja, da comunidade. Saber que a formação do caráter individual e social se
integram é ratificar a urgência em se proteger o direito do sujeito de possuir
liberdade de escolhas para usufruir da sua dignidade e dos demais direitos da
personalidade que goza.

2.2.2 Identidade de Gênero ou Sexual no Âmbito do Direito

O sujeito político possui, em seu âmago, a tendência à socialização. A


reunião com outros indivíduos lhe confere proteção e segurança afastando a
instabilidade proposta por eventos instados na natureza. Com o erguimento de um
Estado de Direito, faz-se necessário atentar-se à questão de como as relações
jurídicas compreendem o indivíduo. Mesmo pertencente à sociedade generalizante,
o Direito deve reconhecer a singularidade presente em cada indivíduo: sua
autonomia, liberdade, moral.

Com isso, há uma larga proximidade entre singularidade e identidade.


Mesmo contaminada com o convívio social, a identidade individualiza o ser humano,
o torna único aos olhos do Estado.

97
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos..., Op. cit., p. 198.
98
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos..., Op. cit., p. 199.
45

Assim, a identidade sexual soma-se à identidade humana,


compartilhando, de certa forma, interesse existencial. Consequentemente, deve ser
tutelada e constituir objeto de direito subjetivo de personalidade.99

Completa Choeri que:

Embora nem sempre considerada, para alguns autores, como constituindo-


se de uma tipificação autônoma, a identidade sexual, inserida no complexo
de valores tutelados pelo direito à identidade humana, assume, a nosso ver,
um status de direito da personalidade, devendo ser tratada como tal, com
seus atributos peculiares100.

Considerada como sendo um direito da personalidade, cabe, sim, tutela


integral do Direito à identidade humana. Ressalta-se, ainda, que o indivíduo
expressa sua identidade, sua sexualidade, sua moral no convívio com os demais;
suas ações dizem muito mais respeito ao âmbito geral do que meramente íntimo. A
intimidade, resguardada para si, muitas vezes, não é a primeira a ser explicitada na
comunidade. Daí, segue a urgência de proteção à generalidade e padronização
sexual da identidade. O indivíduo deve ser protegido das pressões dominantes,
heterossexistas e binárias, que eliminam os desviantes.

Com isso, reafirma-se, mais uma vez, a importância da popularização da


Teoria Queer e de que haja um profundo e implacável combate a quaisquer atos
discriminatórios. Respeitar a identidade pessoal é reconhecer a possibilidade do
sujeito de autodeterminação sexual e social, sem sofrer qualquer sorte de repressão.

Como já mencionado, o reconhecimento da identidade de gênero plural e


cambiável corrobora para o respeito aos transexuais e a quaisquer outros
desviantes. A chancela dos tribunais na mudança de sexo, ou de prenome felicita a
consolidação de um entendimento Queer: não há motivo para que haja uma pressão
para a determinação da identidade de gênero. O que deve existir, sim, é o respeito
aos direitos da personalidade e a quaisquer formas de expressão identitária.

Esse entendimento une-se à compreensão doutrinária de que:

99
CHOERI, Raul Cleber da Silva. O Conceito de Identidade... Op. cit., p. 135.
100
CHOERI, Raul Cleber da Silva. O Conceito de Identidade... Op. cit., p. 135.
46

A identidade sexual, nessa esteira, corresponde ao reconhecimento jurídico


de projeção da personalidade, relacionada ao papel de gênero assumido e
desempenhado pela pessoa, que pode ou não coincidir com seu sexo
biológico. O tema ganha especial relevância para aquele que, no curso da
vida, percebe-se como alguém do sexo oposto ao biológico e, com essa
firme convicção, decide passar a viver como pertencente ao sexo que sente
ser. Em consequência, a identidade sexual inata deixa de lhe fazer sentido,
tornando necessária uma nova identidade que corresponda ao modo pelo
qual a pessoa passou a se relacionar e ser conhecida. A possibilidade do
reconhecimento dessa nova identidade, baseada no gênero e na
importância da intersubjetividade paras relações humanas, decorre da
autonomia da identidade sexual entre os direitos da personalidade.101

Finalmente, a compreensão social do direito à identidade é, talvez, a


saída mais ligeira para uma sociedade igualitária, livre de repressões. Para a
concretização desse desejo, é primaz a aprovação do Projeto de Lei 5002/2013, ou
conhecida como Lei João W. Nery, de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys
(PSOL/RJ) e da Deputada Federal Erika Kokay (PT/DF), que outorga e legitima o
direito individual à identidade de gênero. Sobre este projeto, abordar-se-á adiante.

101
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos..., Op. cit., p. 208.
47

3 AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL

3.1 Núcleo de Autodeterminação Sexual

Primeiramente, cabe ressaltar a construção da liberdade de


autoconstrução individual, sem a influência de agentes externos repletos de vícios
generalizadores, sexistas. A compreensão do indivíduo em si mesmo, como já
abordado, remete à união de toda sorte de fatores exteriores à intimidade e à
pessoalidade. Muitas vezes, o outro é extremamente relevante para a construção
individual do ser algo ou de não ser algo, mas alguém. A objetificação individual é o
resultado duro da imensa pressão social que pesa sobre o sujeito para agir e se
comportar em consonância à expectativa de outros.

Negar a construção individual é contrariar princípios do direito da


personalidade, como igualdade, liberdade, individualidade. Logo, o direito à
autodeterminação sexual é essencial para a proteção do homem. Resguardar a sua
moral, a sua ética, os seus costumes e os seus desejos é costurar a identidade com
justiça e respeito. Obviamente, não há uma irrestrita liberdade à construção de
personalidade sexual individual: a licitude dos atos e das escolhas continua como
moderador das ações.

Algumas vezes, o discurso da autodeterminação enseja um pensamento


contrário à heterossexualidade dominante. Ao contrário: aqui, esboça-se o
obrigatório respeito a quaisquer tipos de identificações sexuais: binárias ou não,
normais ou desviantes. Logo, a construção da identidade sexual e sua determinação
não deve ser compreendida como algo estável, rígido, mas dinâmico, passível de
câmbios ao longo da interação social a que o indivíduo é submetido, como é o caso
dos transexuais, que, inicialmente, muitos deles são afogados pela moral social
dominante e, logo que formam uma identidade própria, são capazes de assumirem a
sua real identidade, aquela íntima, que lhe concerne individualmente.

Identidade essa que se afasta claramente de uma questão afetiva,


amorosa. Não é por um indivíduo ser homossexual, que este deve agir socialmente
calcado em estereótipos e muito menos ser pressionado a agir conforme a espera
da comunidade. Identidade sexual aproxima-se muito mais do “direito de ser
48

internamente e aparecer externamente igual a si mesmo com a realidade do próprio


sexo.”102

Acrescendo aos diversos conceitos já estudados acerca dos tipos


sexuais, a orientação sexual, sim, guarda relação direta com o sentimento, o desejo,
o sexo carnal. Logo, o dinamismo dessas orientações sexuais deve, sim, ser
considerado para que não haja a negativa daqueles que só consideram o desejo
como algo estável e perene. Para a teoria queer, o sujeito é algo inconstante,
construído. Os seus desejos e as suas pessoalidades são alterados baseados em
uma inumerável gama de fatores.

Logo,

A autodeterminação sexual do indivíduo, neste contexto, é a formulação


jurídica da construção da identidade sexual, que se norteará pela liberdade,
sobretudo a espiritual, como a de sentir, de pensar, de decidir, de criar, de
consciência. De agir e de omitir [...] Ora, esta liberdade tem por escopo a
busca da felicidade, que é o objetivo de todo o ser humano em sua jornada
por este mundo.103

Como regulador social e promovedor do bem-estar, o Estado deve


assegurar a liberdade de autodeterminação sexual do indivíduo, capaz de, por si
próprio, escolher o que lhe faz ou não bem.

3.2 Pluralidade Sexual

Como já descrito, não há uma estabilidade ao se definir o sexo ou o


gênero do indivíduo. Há inúmeros tipos de sexualidade, de identidade e de
identificações. E não cabe a qualquer outra pessoa a identificação do outro. O
indivíduo deve se reconhecer. Ser em si o que é pelo próprio sujeito esperado e
quisto.

Infelizmente, a generalização entre heterossexual e homossexual leva a


acreditar que somente há esses padrões sexuais, os outros, de tão marginais e
indesejáveis, nem sequer lembrados são. Mesmo com a teoria queer, a comunidade

102
OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 68.
103
OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 68.
49

é dominada por um pensamento conservador que impede a construção de múltiplas


identidades. Mesmo contrariando o padrão, percebe-se uma necessidade de
determinação. O indivíduo que não se denomina sexualmente para todos é
extremamente repreendido: pode-se afirmar que, para alguns puristas, melhor ser
desviante denominado que uma unidade amorfa, sem um contorno específico.

Dessa pressão de categorização, nasce a estereotipação. Mesmo silente,


o indivíduo é julgado em seu comportamento externo, que desconsidera o seu
pensamento íntimo sobre si. E não há motivo para se pensar que o padrão é estável:
na Grécia, há diversos relatos de que a homossexualidade era um comportamento
normal, que demonstrava respeito a um indivíduo superior intelectualmente. Com a
chegada da moral cristã e da ideia religiosa do sexo para a procriação, a
heterossexualidade foi assumida, principalmente no Ocidente, como obrigação. Aos
variantes, a sarjeta.

Consciente de si, o indivíduo deve possuir o direito de autodeterminação.


A poluição ideológica de quaisquer outros padrões é extremamente perigoso. O
processo de construção da personalidade, o modelo edipiano de Freud deve ser
ultrapassado pelo indivíduo para que haja a caracterização da consciência
individual.

3.3 Aspecto Jurídico de Autodeterminação Sexual

Primeiramente, a construção da autodeterminação confirma a intrínseca e


constante carência da dignidade da pessoa humana. Respeitar a construção da
identidade sexual e o poder de escolha individual é obrigatório para uma sociedade
igualitária e de um Estado que é cunhado Estado de Direito.

De acordo com a Constituição Federal, em seu art. 1°, III, assenta a


dignidade humana, cuja proteção é a promoção do desenvolvimento da pessoa
humana “sob todos os seus aspectos, garantindo que ela não seja desrespeitada e
violentada em sua integridade psicofísica.”104 Deduz-se, disso, a liberdade de
escolha individual que o todo o sujeito deve possuir seguramente. A escolha de
seguir ou não o padrão dominante deve ser individual sem quaisquer outras
poluições ou tendências. Ainda na CF, art. 70, caput, há descrito a carência de

104
CHOERI, Raul Cleber da Silva. O Conceito de Identidade... Op. cit., p. 132.
50

garantir uma existência digna ao sujeito, sem que ele seja alvo de preconceitos e de
violências.

O indivíduo não deve ser igual a nenhum outro. Mesmo com padrões
queer, marginais, desviantes, a diferença é critério básico para a expressão da
dignidade do homem e de sua identidade:

[...] não admitir equivalência significa, em última análise, ter identidade, ser
singular e irredutível, ser único e irrepetível, ser o que é verdadeiramente.
Sob esse raciocínio, a afirmação da identidade sexual, compreendida pela
identidade humana, constitui uma realização da dignidade, no que tange à
possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero
intrínseco de cada pessoa.105

Com a autodeterminação individual, o indivíduo, ciente de si e de seus


desejos, deve construir uma identidade sexual de maneira autônoma, resgatando as
influências que a ele próprio convir. Consequentemente, garantir a
autodeterminação é confirmar o direito à liberdade individual, liberdade de orientar
sua sexualidade e comportamento de acordo com sua psique, vontades e
sentimentos.106 Vale ressaltar que a igualdade entre os indivíduos está exposta na
CF, no inciso IV, art. 3°; no inciso I, art. 5°; e no inciso XXX, do art. 7°.

Corroborando com a discussão acerca da autodeterminação sexual, a


jurisprudência caminha no sentido de solidificar a compreensão sobre esta matéria.
No caso do transexual, a mudança de prenome, como já mencionado, é essencial
para a efetivação da dignidade do indivíduo. Contudo, parecia ser uma regra a
transgenitalização para que o Direito entendesse a possibilidade de se
autodeterminar. Felizmente, esta acepção vem, aos poucos, se alterando.

Aqui, enseja o cuidado com a não banalização dessa questão. Não sendo
absoluto, o direito à autodeterminação sexual e à identidade de gênero estão
subordinadas ao respeito integral à legislação, configura-se como “forma de
expressão de sua personalidade diretamente conectada com a dignidade, não se
confundindo com um bem acessório, passível de aquisição.”107

Sendo a cirurgia transgenitalizadora, um processo extremamente sério e


invasivo, que amedronta diversos indivíduos acerca da possibilidade de não mais

105
CHOERI, Raul Cleber da Silva. O Conceito de Identidade... Op. cit., p. 133.
106
OLIVEIRA, Alexandre Miceli Alcântara de. Direito de ... Op. cit., p. 97.
107
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos..., Op. cit., p. 224.
51

possuírem prazer sexual, ou a longa e penosa recuperação, há outras formas de se


aferir a estabilidade, de certa forma, na decisão da identidade de gênero. Por
exemplo, o chamado Testa da Vida Real108, que, pela experiência social, avalia a
convivência do indivíduo, seja no trabalho, nos estudos, na família, para que haja a
construção de um mapeamento das dificuldades individuais acerca do gênero
disfuncional. Assim, o indivíduo em conflito passa por etapas que o colocam
diretamente em contato com ações que serão por ele enfrentadas quando obtiver a
troca do nome.

Assim:

Os parâmetros fixados pela Associação Harry Benjamin deixam bem claro


também que a cirurgia, ao lado da terapia hormonal e da experiência da
vida real, consiste em uma forma de tratamento, a corroborar a
caracterização da transexualidade independentemente da operação e,
portanto, a necessidade de encontrar mecanismos jurídicos que permitam a
tutela da identidade dos transexuais não operados.109

Para os transexuais que não aceitaram a cirurgia, ajustou-se o nome


social como tentativa de se promover uma maior socialização e bem-estar a eles.
Seria o nome social a forma que o indivíduo trans quer ser tratado na comunidade,
em despeito ao seu prenome civil de registro. A aceitação dessa forma está calcada
na ADI-4275, que prevê que esta abordagem social está centrada no direito à
autodeterminação individual livre de quaisquer coerções sociais, morais, religiosas,
familiares.

Anota-se:

31. O fundamento [...] é o fato de que não é a cirurgia que concede ao


indivíduo a condição de transexual.
31. Portanto, o direito fundamental à identidade de gênero justifica
igualmente o direito à troca de prenome, independentemente da realização
da cirurgia, sempre que o gênero reivindicado (masculino ou feminino) não
esteja apoiado no sexo biológico respectivo.
32. No caso de não haver cirurgia, e na linha do que propõe a jurisprudência
no Tribunal Constitucional Federal Alemão, devem ser fixados os seguintes
requisitos para as alterações de prenome e sexo no registro civil: pessoas a
partir de 18 anos de idade, que se encontram há pelo menos três sob
convicção de pertencer ao gênero oposto ao biológico, e seja presumível,
com alta probabilidade, que não mais modificarão a sua identidade de

108
Em inglês, Real Life Experience, teste proposto pela HBIGDA (Harry Benjamin Internacional
Gender Dysphoria Association).
109
GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Transexualidade e Direitos Humanos..., Op. cit., p. 225.
52

gênero, requisitos que devem ser atestados por um grupo de especialistas


que avaliem aspectos psicológicos, médicos e sociais.110

Apesar da intensa repressão ao nome social, há diversos decretos e


portarias que ratificam a dignidade trazida por ele aos que desejam a alteração. Os
críticos desse avanço valem-se do dinamismo da identidade do indivíduo como algo
negativo, esquecendo que o homem é um ser social e passível de quaisquer tipos
de mudanças. Negar direitos baseados na intermitência humana é algo repugnante
e totalmente questionável.

Segundo o art. 1° da portaria n. 1.612/2011 do Ministério da Educação:

Art. 1°- Fica assegurado às pessoas transexuais e travestis, nos termos


desta portaria, o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e
procedimentos promovidos no âmbito do Ministério da Educação.
§ 1o Entende-se por nome social aquele pelo qual essas pessoas se
identificam e são identificadas pela sociedade.111

Indo além da mera aceitação do nome social do transexual ou do travesti,


a legitimação da mudança de nome efetiva a dignidade individual, a liberdade e a
tolerância da sociedade com esses sujeitos. Apesar de ser considerado em diversos
órgãos públicos, o nome social carrega consigo o estigma do prenome segundo, de
apelido112. O caminho para a efetivação da autodeterminação é árduo, longo, mas
necessária para o bem-estar de todos os cidadãos que sofrem diariamente vítimas
do abominável preconceito e de quaisquer violências. O silêncio é, por certo, a pior
forma de reação.

3.4 Teoria Queer

Conhecida como Teoria Queer, a ideia de contraposição à ordem vigente,


talvez, é fruto essencial do movimento de contracultura iniciado na década de 1960.

110
BRASIL, ADI n. 4275. Disponível em
<<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=400211&tipo=TP&descricao=ADI%2F4275
>. Acesso em: 09 dez. 2016.
111
BRASIL, Ministério do Estado da Educação. Portaria n. 1.612/2011. Disponível em: <
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/inc_social_lgbtt/Legislacao_LGBTT/PortariaMEC1
6122011NomeSocial.pdf>. Acesso em: 09 dez. 2016.
112
BALLEN, Kellen Cristina Gomes; BIZETTI, Lilian Fernanda. Nome Civil em Contraposição com o
Nome Social como (Des)Serviço a Efetividade de Direitos na Sociedade Globalizada. Disponível em:<
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=73ed442a8eafbb12>. Acesso em: 10 dez. 2016.
53

Nos Estados Unidos, essa rebeldia contra o pensamento dominante gerou três
grandes lutas: a negra, a feminista e a homossexual. Nesta época, viu-se como
novidade a preocupação da classe trabalhadora com pautas que não diziam
diretamente o discurso salarial ou de igualdade de acesso à renda. Para Miskolci:

[...] a desigualdade ia além do econômico. Alguns, mais ousados e de forma


vanguardista, também começaram a apontar que o corpo, o desejo e a
sexualidade, tópicos antes ignorados, eram alvo e veículo pelo qual se
expressavam relações de poder. A luta feminista pela contracepção sob o
controle das próprias mulheres, dos negros contra os saberes e práticas
racializadores e dos homossexuais contra o aparato médico-legal que os
classificava como perigo social e psiquiátrico tinham em comum demandas
que colocavam em xeque os padrões morais. Assim, em termos políticos, o
queer começa a surgir nesse espírito iconoclasta de alguns membros dos
movimentos sociais expresso na luta por desvincular a sexualidade da
reprodução, ressaltando a importância do prazer e a ampliação das
possibilidades relacionais.113 (grifou-se)

O autor prossegue afirmando que a década de 80 fortaleceu, nos Estados


Unidos, a construção de um espírito contestador da moral e dos costumes vigentes.
A praga gay, como era chamada a AIDS, respingava não só na minoria, mas em
outros grupos não dominantes. Houve, de certa forma, uma junção de romper com a
oligarquia conservadora de pensamento e de se fazer pública a negativa do Estado,
na época capitaneado por Ronald Reagan, em reconhecer a AIDS como uma
emergência de saúde. Construiu-se, então, uma inquisição aos homossexuais. Essa
perseguição confirma, mais uma vez, que a sociedade não aceita o desviante e o
direciona para a imoralidade e a culpabilização por mazelas não só sociais, mas de
saúde. Em contraponto, no Brasil, o processo de redemocratização e a insurgência
de movimentos minoritários uniram a população ao Estado para o combate a esta
epidemia mortal.114

Nesse ínterim, a AIDS deu gênese, de certa forma, a insurgências


radicais direcionada à nomeada Queer Nation, ou ainda, em tradução livre, a nação
estranha, “bicha”. A razão para este nome seria a de expor o nojo e a repulsa dos
demais à parte estranha da nação norte-americana. O queer, então, nasce como um
levante contestador do padrão conservador aplicado ao combate da AIDS,
principalmente, na década de 80.

113
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. 2. ed. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2016, p. 22.
114
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado... Op. cit., p. 23.
54

A palavra central para a compreensão deste movimento seria a abjeção,


ou melhor: o degredo, o espaço marginalizado reservado aos seres estranhos, gays,
tudo que possa ameaçar, de qualquer forma, a sociedade tradicional.

Quanto à diferença entre o movimento homossexual e o queer, Miskolci


admoesta que:

Enquanto o movimento homossexual apontava para adaptar os


homossexuais às demandas sociais, para incorporá-los socialmente, os
queer preferiam enfrentar o desafio de mudar a sociedade de forma que
lhes seja aceitável. Enquanto o movimento mais antigo defendia a
homossexualidade aceitando os valores hegemônicos, os queer criticam
esses valores, mostrando como eles engendram as experiências de
abjeção, da vergonha, do estigma. [...] O queer, portanto, não é uma defesa
da homossexualidade, é a recusa dos valores morais violentos que
instituem e fazem valer a linha da abjeção, essa fronteira rígida entre os que
estão socialmente aceitos e os que são relegados á humilhação e ao
desprezo coletivo.115

Desalinhados da grande maioria, as drag queens, os transexuais,


sadomasoquistas, travestis, muitas vezes, não se veem reconfortados pela bandeira
do movimento homossexual. Este movimento pode ser visto, ainda, como tímido,
pois se cala diante a moldes sociais já carregados de preconceito. Tanto é real essa
caracterização da normalidade do homossexual que hoje o preconceito contra o
chamado “gay padrão” não se faz tão gritante quanto à repulsa social a um travesti,
por exemplo. Ao descontruir as barreiras binárias (homem/mulher, hétero/homo), os
queer buscam a defesa da marginalidade, o não concordar com quaisquer padrões e
expectativas quanto à expressão de gênero individual.116

Disso, afirma-se que o queer é uma nova política de gênero. Judith Butler,
teórica principal do queer, centra o seu estudo na relação entre o sujeito e o poder.
Aqui, compreende-se o sujeito e as normas com as quais ele dinamiza. Para isso,
ela recorre a Hegel, Foucault e Freud117, para explicar que as relações de poder se
subdividem em duas: a opressiva, na qual os partícipes sociais travam um embate

115
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado... Op. cit., p. 25.
116
LICÍNIO, José Vaughan Jennings Holanda. Uma crítica queer ao tratamento jurídico do
casamento igualitário e da mudança de sexo no Brasil; 2014. 142 fls. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2014. Disponível em: < http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/23547/23547.PDF>. Acesso em: 15 out.
2016.
117
SALIH, Sara. Judith Butler e a Teoria..., Op. cit., p. 20.
55

contra o poder por liberdade; e a disciplinar, que objetiva a desconstrução de


padrões normativos e expectativas culturais que nos constituem como sujeitos.118

Concomitantemente, Eve Sedgwick, também teórica do queer, descreve o


chamado pânico heterossexual, que aduz à “resposta paranoica da cultura hétero à
natureza múltipla, cambiante e indeterminadas das identidades sexuais”.119

Para esta teoria, os estudos de Foucault sobre sexualidade e poder foram


essenciais:

[...] a concepção do poder como localizável e repressor não dá conta da


realidade histórica contemporânea, na qual o poder está em toda parte e
opera também por meio da incitação dos sujeitos a agirem de acordo com
os interesses hegemônicos. Nessa perspectiva, o poder deixa de ser algo
facilmente associado a alguém ou a uma instituição, [...] e passa a ser visto
como uma situação estratégica em uma dada sociedade em certa época.120

No Brasil, nas décadas de 1970 e 180, os vários estudos sobre a temática


homossexual auxiliaram, mesmo sem esta intenção, a criar a impressão de que a
heterossexualidade era a regra e que a homossexualidade se reduzia a uma minoria
que o dominante deveria aprender a aceitar e a respeitar. Em contraposição direta a
isso, o queer questiona essa dominância heterossexual, pois, se a
homossexualidade é uma construção social, a heterossexualidade também seria
construída. É como se afirmar que as pessoas possuem inúmeros instintos e
desejos, não se cabem em somente uma direção. Isso reforça a principal ideia desta
teoria: sendo o gênero uma construção e formação social, o homem e a mulher
estão em cada indivíduo.

E essa construção baseia-se na performance individual. Gênero é


linguagem em um contexto social. Construir-se homem ou mulher não é mero acaso
repentino. A performance de gênero o identifica como aquilo que o indivíduo faz, não
o que é. A linguagem e o discurso integram a construção de gênero. O queer
preocupa-se com a expressão disso em meio social. Não há nenhuma intenção em
seguir quaisquer moldes e regras sociais fixas.

118
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado... Op. cit., p. 27.
119
SALIH, Sara. Judith Butler e a Teoria..., Op. cit., p. 20.
120
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado... Op. cit., p. 28.
56

Entende-se o queer como a contestação direta ao terrorismo cultural121


que acachapa a sociedade a vivenciar aquilo que é geral e aceito. Esse terrorismo é
o mesmo que revela o heterossexismo e a forma como ele se impõe: o medo da
violência. O medo, inúmeras vezes, faz o indivíduo calar-se e curvar-se ao
dominante. O queer resgata o desviante, o estranho e lhe dá proteção,
compreensão. Não são todos iguais, não há contorno na matéria de gêneros. O
sujeito é, sim, uma folha em branco a ser preenchida, riscada, desenhada sem
qualquer pretensão de ser mera cópia da classe dominante e violenta.

121
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado... Op. cit., p. 34.
57

4 BREVES ANOTAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI JOÃO W. NERY

Fruto de intenso e caloroso debate social e em plenário, o Projeto de Lei


5.002/13, conhecido também por João W. Nery, passa por inúmeras dificuldades
para ser deferido. Escrito pelo Deputado Federal Jean Wyllys e pela Deputada
Federal Erika Kokay, esse projeto busca estabelecer o direito à identidade de gênero
em um texto legal, legitimando a atenção da comunidade em geral à
autodeterminação de gênero e ao necessário respeito à identidade de gênero.

É interessante notar que, desde o seu art. 1°, o projeto estabelece a


identidade gênero como parte integrante do indivíduo e que deve ser tratada de
maneira respeitosa e dentro da maior naturalidade possível. O estabelecimento dos
direitos identitários reforça, mais uma vez, os direitos da personalidade. Também é
erigida o conceito central de identidade de gênero, que acompanha o entendimento
de autores e da jurisprudência existente.

Contudo, a construção legal não permite a compreensão explícita da


teoria queer e dos demais desviantes. Tentando generalizar para abranger o
máximo possível de sujeitos, o projeto de lei deve ser adensado pela construção do
sujeito marginalizado. Antes mesmo da identidade de gênero, a teoria queer luta
para a identificação e valorização do estranho. Talvez, uma maior atenção aos
rejeitados, até mesmo dos movimentos sexuais dominantes, como o
homossexualismo e o lesbianismo, valorizaria o discurso.

Por sua vez, a ideia de se alterar o arcaísmo do art. 58 da Lei 6.015/73,


que dispõe sobre a imutabilidade do prenome, salvo a substituição por prenomes
notórios e públicos, faz-se acertada, já que, como foi abordado, o prenome é
intrínseco para a construção de uma relação harmônica entre indivíduo e sociedade.
De modo inteligente, no art. 4°, do projeto debatido, há a fixação de critérios
objetivos para a alteração do prenome, que se destaca, além da idade de 18 anos, a
apresentação do prenome escolhido em cartório de registros. Vale ressaltar que o
número do registro de identidade permanece inalterado, estende-se a alteração do
nome, também, a outros documentos oficiais, como a carteira nacional de
habilitação e também a alteração da certidão de nascimento. A tempo: os bens,
filiação do transexual requerente permanecem incólumes. Essa desburocratização
58

do processo de autodeterminação é um enorme avanço do respeito a quaisquer


identificações sexuais no Brasil.

Anulando a transgenitalização, ou quaisquer outros procedimentos


médicos como requisitos para a mudança do prenome, o texto legal discorre, talvez,
sobre o ponto mais polêmico: a identidade de gênero do menor de idade. O artigo 5°
sopra a possibilidade de alteração do prenome e da identificação de gênero da
criança e do adolescente, desde que expressamente autorizado pelos responsáveis
e considerando os critérios de capacidade jurídica. Contudo, o debate tem gênese
na formação identitária da criança e do jovem.

Por se tratar de um assunto sério e com ampla repercussão na vida do


indivíduo, muitos reprovam a possibilidade do menor poder alterar o prenome de
acordo com sua identificação de gênero, já que a formação do caráter social e moral
ainda é muito contaminado pela família e pela sociedade. O medo decorre das
influências que o sujeito sofre. Alguns acusam a mídia de propagar e incentivar a
homossexualidade e a repressão ao heterossexismo. Contudo, é pouco provável
que os oprimidos possam possuir algum tipo de influência dominante. Não há
qualquer necessidade de se proteger a criança ou o adolescente de identidades de
gênero desviantes, pelo contrário: a convivência em um ambiente plural não
influencia negativamente o sujeito em formação da identidade, mas é um necessário
exercício à tolerância.

Para os menores que, por quaisquer motivos, não lograrem êxito com
seus representantes ou responsáveis, há a expressa possibilidade de o próprio
sujeito buscar assistência da Defensoria Pública para a referida autorização judicial.
A facilidade em se conseguir a nomeação em concordância com a identidade de
gênero é a chave para a carência social deste projeto de lei.

Ainda mais inovador na área social, seria a gratuidade do processo


transexualizador que seria expandido. Apesar de já existente, a espera é enorme e o
sofrimento dos transexuais só aumenta com as incertezas. Contudo, outro ponto
contrário seria de que não somente o Sistema Único de Saúde seria o responsável,
mas os planos de saúde e redes conveniadas devem proporcionar este tratamento
aos seus clientes.
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A desconstrução do preconceito é urgente para uma sociedade que se diz


igualitária e tolerante. A punição a atos discriminatórios, mesmo não considerados
diretamente pelo projeto de lei 5.002/13, deve ser legitimada para a proteção integral
dos sujeitos que constantemente sofrem com toda sorte de repressões e violências.
60

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a popularização das redes sociais, as chamadas minorias sociais


ganharam força e destaque. Com isso, o discurso dominante foi diminuído e a
expressão dos desviantes adensou o entendimento queer acerca do indivíduo.
Mesmo não conscientes, páginas de humor, blogs pessoais de homossexuais, de
prostitutas, de travestis propagam os preceitos básicos para a construção do sujeito.

Com essa rede de discussão, o discurso marginal pode ser, sim,


entendido como um ato de militância diante do preconceito alarmante que se
esconde em um discurso conservador, pobre de argumentos. Os direitos da
personalidade devem ser o norte não só do Direito, mas de toda a sociedade. O
respeito à individualidade e à intimidade e ao gênero são o ponto de partida para a
afirmação da igualdade.

O cada vez maior espaço que os desviantes ganham na mídia, seja em


papéis de novelas, de filmes é extremamente importante para expandir o plural, o
diferente. A quebra dos padrões normativos deve ser feita continua e
incansavelmente. A defesa do direito à autodeterminação deve ser implacável: a
poluição por quaisquer tipos de repressões deve ser expurgada. Liberdade e
pluralidade são o objetivo.

Infelizmente, vive-se em um país extremamente preconceituoso. Contudo,


esse preconceito é ainda mais preocupante quando aparece de forma velada: com a
militância queer, o discurso repressor é subjetivo, é escondido, mas menospreza
inúmeros indivíduos Brasil afora. Preconceito esse que, tacitamente, fecha os olhos
para os travestis que são degolados, estuprados e expostos nas esquinas e
avenidas das cidades. Silêncio que se mantém quando a mulher é culpada por ser
estuprada, a família abandona o homossexual e o coloca impiedosamente na rua.
Veladamente, os espaços sociais não compreendem as roupas, os trejeitos, a
maquiagem dos transexuais. O afastamento e o riso histérico que o gay ganha ao
falar com um tom que muitos julgam efeminado.

O chiste é a mais triste forma de se reduzir alguém. Disso, explicita-se a


carência social de se proteger a identidade individual. Uma vez reconhecido
juridicamente, o transexual consegue a alteração do seu prenome, mesmo sem a
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obrigação da cirurgia de transgenitalização. Com a mudança, diminui-se


consideravelmente a penosa realidade. Será? Infelizmente, a sociedade não
entende mudança e, muito menos, respeita alterações. O transexual, mesmo após a
cirurgia, aos olhos da comunidade, sempre será desviante. O que deve ser anulado
é o sempre, é o elemento totalizante, injusto e infundado.

Mesmo com as diversas legislações, entendimentos jurisprudenciais, a


sociedade demonstra sua mais dura realidade: a condenação pela não adequação a
expectativas. Expectativas criadas e não ensinadas de modo claro e coerente.
Abandonado em seu íntimo, o transexual vive angustiado e com medo de ser
repreendido por seu desejo distinto da maioria.

Com a aprovação do Projeto de Lei João W. Nery, espera-se que haja um


maior cuidado e respeito com todos os gêneros e identificações. Espera-se também
que haja menos reduções a chicanas os “modos” homossexuais. Viver com
dignidade significa não somente respeitar a si próprio, mas respeitar a todos, sem
quaisquer distinções.
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