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FAMÍLIAS VULNERÁVEIS como


expressão da questão social, à luz da política
de assistência social Por Izabel Herica Gomes M. Cronemberger* e
Solange Maria Teixeira**

 o crescente mapa de miséria e pobreza, no Brasil, constitui inquietação que incita refletir sobre
suas influências na proteção social e, principalmente, na área de atuação junto às famílias. Neste sentido,
o presente artigo tem como objetivo evidenciar a vulnerabilidade da família que, desassistida pelas políticas
públicas, se encontra impossibilitada de responder às necessidades básicas de seus membros e, por
conseguinte, tem sua condição de exclusão, pobreza aprofundada. Pretende-se, com isso, contribuir para
o debate acerca da construção de caminhos que fortaleçam a família cidadã protegida pelos direitos sociais.
O recurso metodológico consistiu em revisão de literatura e documental sobre a questão social e a temática
da família. Conclui-se que as políticas públicas se eximem de uma ação mais emancipada e que, de fato,
atendam as necessidades da família contemporânea.
 Questão social. Proteção Social. Família.

 impossibilitada de responder às necessidades


Nos últimos vinte anos, várias mudanças básicas de seus membros e, por conseguinte,
ocorridas nos planos socioeconômico-culturais, aprofunda a sua condição de exclusão, pobreza e
pautadas no processo de globalização da situação de vulnerabilidade. Além disso, pretende-
economia capitalista, vêm interferindo na dinâmica se, ainda, contribuir para o debate acerca da
da família e da ordem societária. Tais mudanças construção de caminhos que fortaleçam a família,
têm recorte na vida econômica, social e cultural da permeando o debate à luz da Política nacional de
população, gerando altos índices de desigualdade Assistência Social. O recurso metodológico
social. consistiu em revisão de literatura e documental
Como reflexo da estrutura de poder instituída, sobre a questão social e a temática da família.
principalmente no que tange às mudanças A estrutura do trabalho contempla os seguintes
econômicas, acentuam-se as desigualdades itens: 
sociais e de renda das famílias, afetando as suas  - discute
condições de sobrevivência, minando as conceitualmente as categorias em tela; 
expectativas de superação desse estado de discute a
pobreza e reforçando sua submissão aos serviços responsabilização das famílias mais vulneráveis e a
necessidade da atenção pública; 
públicos existentes. 
Fora das cenas política, social e econômica, o expõe
caminho para grande parte da população, segundo avanços e limites na forma como é pensada a
Telles (1996), é a dependência das juras de proteção social na Política descrita às famílias
absorção, seja pela via mercado, ou pela crescente vulneráveis, com destaque para a reflexão se a
prática da filantropia privada ou pública, o que de proteção prevista é capaz de proporcionar
fato atualiza a pesada tradição de exclusão e autonomia para as famílias ou se reforça
desigualdade. responsabilidades; encerrando-se com as
Neste sentido, intenciona-se refletir sobre as .
vulnerabilidades sociais, como uma das 
expressões da questão social, e sobre a interface 
com a proteção social a famílias vulneráveis. Outro O termo exclusão social é uma construção
objetivo é apontar a vulnerabilidade da família que, teórica e vem antes da formulação do conceito de
desassistida pelas políticas públicas, se vê vulnerabilidade social, tendo sido utilizado para a

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distinção de circunstâncias sociais extremas, de social, pois se tratava agora não mais de analisar
marginalidade ou pobreza. Nesse sentido, é situações de inclusão ou exclusão, mas das
pertinente recuperar a diferenciação entre os situações intermediárias, mais bem definidas pelo
conceitos de exclusão, vulnerabilidade social e conceito de vulnerabilidade social aplicado ao
pobreza. mundo do trabalho.
A gênese das discussões sobre a exclusão Os limites do conceito de exclusão social
social remete às últimas décadas do século XX, na provocaram outros estudos como o de Castel
França, e se estende a outros países europeus, (1997). Este teórico reconhece a existência de uma
devido ao contexto de mudanças tecnológicas, , formada por setores
reestruturação econômica e desmonte do estado pobres que buscam alternativas para estar
de bem-estar social. incluídos ou por setores médios empobrecidos que
O estado de exclusão leva em conta diversas têm perdido canais de inclusão. Nos termos de
caracterizações como um conjunto de situações Castel (1997, p. 27), “a vulnerabilidade social é uma
marcadas pela falta de acesso a meios de vida, que conjuga a
tais como: falta de emprego, de salários, de precariedade do trabalho e a fragilidade dos
propriedades, de moradia, de um nível mínimo de suportes de proximidade”. Se ocorrer algo, como
consumo; ausência ou dificuldades no acesso a uma crise econômica, o aumento do desemprego,
crédito, a terra, a educação, a cidadania, a bens e a generalização do subemprego, a zona de
serviços públicos básicos. Além disso, deve-se vulnerabilidade dilata-se, avança sobre a zona de
considerar um conjunto de questões relacionadas à integração e minam a desfiliação.
identidade cultural, gênero, raça e posição A desfiliação tem, como marca principal, a
econômica e social da família. impossibilidade de participação em qualquer
O termo exclusão está vinculado à atividade produtiva e também de um isolamento
desestruturação dos  que promovem relacional que, aos poucos, vai lançando os
a coletividade na sociedade, bem como aos riscos sujeitos em trajetórias cada vez mais complexas,
de ruptura da coesão social, da integração como do ponto de vista de sua capacidade de resolução.
resultado de ocasiões de desagregação política, A ênfase na desfiliação, na invalidação social,
econômica, social, etária e cultural. Portanto, está provoca sentimento de inutilidade dos “desfiliados”
relacionado à perda dos vínculos societais como nas relações de trabalho, dos familiares, das redes
resultado da negligência dos direitos sociais de solidariedade e de proteção social, e fortalece a
estabelecidos. sensação de insegurança.
Para este debate conceitual, destacam-se O conceito de vulnerabilidade, pela sua
algumas críticas, pois i) o termo exclusão capacidade de apreensão da dinâmica dos
apresenta-se muitas vezes desvinculado de uma fenômenos, tem sido, na opinião de muitos
relação de determinação; ii) o conceito retrata uma autores, apropriado para descrever melhor as
condição ou estado das coisas, em contrapartida à situações observadas em países pobres e em
ideia de que se trata de um processo; iii) a desenvolvimento, como os da América Latina, que
inadequação do termo para estudo da realidade dos não podem ser resumidas nas dicotomias pobres e
países periféricos do capitalismo (DIEESE, 2007). ricos, incluídos e excluídos.
A partir de tais, alguns estudos passam a apontar a Dentre os vários enfoques atribuídos ao termo
existência de uma “zona de vulnerabilidade”, , observa-se uma aceitável
formada por setores pobres que buscam concordância, em volta de uma questão nodal: a
alternativas de inclusão ou por novos setores capacidade do termo em captar situações
empobrecidos. intermediárias de risco localizadas entre situações
Com o aprofundamento da crise social, o termo extremas de inclusão e exclusão, dando um
 passa a ser dialogado por sentido dinâmico para o estudo das desigualdades.
estudiosos de outra forma, pois a crise que Os estudos sobre vulnerabilidade social, nos
provocou a desestruturação do mercado de trabalho países menos desenvolvidos, estão associados
estendeu-se também aos setores formais, onde os também à ideia de risco frente ao desemprego, à
trabalhadores eram antes considerados , precariedade do trabalho, à pobreza, à falta de
cidadãos e estáveis. Isso proporcionou um sentido proteção social ou acesso aos serviços públicos, à
diferenciado para as reflexões sobre a exclusão fragilidade dos vínculos familiares e sociais. A

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noção de vulnerabilidade social tem sido adotada subjetivos, como a desvalorização social, a perda
para a construção de indicadores sociais mais da identidade, falência de laços comunitários,
amplos, não se restringindo à delimitação de uma sociais e familiares, em que a tônica do problema é
determinada linha de pobreza, como pontua dada pelo empobrecimento das relações sociais,
Yazbek (2001). econômicas, culturais e das redes de
Um somatório de situações de precariedade, para solidariedade.
além das precárias condições socioeconômicas
(como indicadores de renda e escolaridade ruins) O termo exclusão social, 
[...]. São considerados como elementos relevantes  tem sentido temporal e espacial. No
no entendimento da privação social aspectos
como a composição demográfica das famílias aí Brasil, está relacionado principalmente à situação
residentes, a exposição a situações de risco de pobreza, uma vez que as pessoas nessa
variadas (como altas incidências de certos
agravos à saúde, gravidez precoce, exposição à condição constituem grupos em exclusão social,
morte violenta, etc.), precárias condições gerais porque se encontram em risco pessoal e social, ou
de vida e outros indicadores (CENTRO DE
ESTUDO DA METRÓPOLE, 2004, apud YAZBEK, seja, excluídas das políticas sociais básicas
2001, p. 21). (trabalho, educação, saúde, habitação, segurança
A noção de vulnerabilidade social exprime, alimentar). No entanto, segundo Garcia (2006), o
ainda, várias situações de precariedade e não termo vulnerabilidade seria o que descreveria
apenas a de renda, como destaca Oliveira (apud melhor a realidade dos mercados de trabalho e da
YAZBEK, 2001, p.19): “uma definição econômica sociedade dos países latino-americanos,
de vulnerabilidade social é insuficiente e conseguindo apreender o dinamismo do processo
incompleta, mas deve ser a base material para o de desigualdade de forma mais ampla.
seu enquadramento mais amplo”, incluindo também Para Garcia (2006), o debate sobre
outras precariedades, como a fragilização de vulnerabilidade social passou a enfocar a
vínculos afetivos, tanto os relacionais como os de problemática do mercado de trabalho,
pertencimento, decorrentes também das principalmente a partir da segunda metade dos
discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por anos 90, quando então se observou um amplo
deficiências, dentre outras. processo de reestruturação com consequências
Segundo Yazbek (2001), vulneráveis são as sociais que foram além do que se convencionou
pessoas ou grupos que, por condições sociais, de chamar de , atingindo também
classe, culturais, étnicas, políticas, econômicas, os setores formais da economia. Esse processo
educacionais e de saúde, distinguem-se por suas alimentou novos debates que passaram a
condições precárias de vida. O que implica: questionar a qualidade das ocupações,
suscetibilidade à exploração; restrição à liberdade; especialmente nos países desenvolvidos, que
redução da autonomia e da autodeterminação; estavam sendo ofertadas no contexto das
redução de capacidades; fragilização de laços de mudanças estruturais do capitalismo.
convivência; rupturas de vínculos e outras tantas As discussões teóricas e metodológicas sobre
vulnerabilidade social no mercado de trabalho
situações que aumentam a probabilidade de um estiveram num primeiro momento mais focadas
resultado negativo na presença de risco. na análise do fenômeno da informalidade, onde o
conceito de setor informal urbano tornou-se um
A vulnerabilidade social, especialmente a que se dos mais utilizados para se referir a este universo
aplica à realidade dos países menos desenvolvidos, de precarização. Embora o setor informal urbano e
os diferentes enfoques sobre as causas deste
como é o caso do Brasil, está associada também à fenômeno, tenha se convertido no principal
ideia de  frente ao desemprego, à precariedade universo de análise dos estudos sobre as
deformidades do mercado de trabalho, logo foram
do trabalho, à pobreza e à falta de proteção social. apontados os limites deste conceito (GARCIA,
A noção de risco social é a probabilidade de 2006, p.32).
ocorrência de um evento que cause dano, O processo de precarização percorre algumas
geralmente de rupturas, como: familiar, violação de das áreas de emprego estabilizadas. Neste
direitos, e está associada ao aumento da pobreza, sentido, Castel (1998) sublinha que o problema
das desigualdades e vulnerabilidades sociais atual não é apenas o da constituição de uma
(YAZBEK, 2001). “periferia precária”, mas também o da
O surgimento de termos, como exclusão, “desestabilização dos estáveis”. Assim como o
vulnerabilidade e risco social, implica considerar pauperismo do século XIX estava inserido no
aspectos objetivos, como restrição de renda, coração da dinâmica da primeira industrialização,
condições de vida dos indivíduos; e aspectos também a precarização do trabalho é um processo

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central, liderado pelas novas exigências midiáticas, efetivamente respostas políticas para as demandas
telemáticas e cibernéticas do capitalismo moderno. presentes no contexto social através da efetivação
Sendo assim, Castel (1998) aponta “a razão de políticas públicas.
para levantar uma nova questão social” que, em No lastro das considerações supracitadas,
seus termos, para espanto dos contemporâneos, destaca-se que as manifestações da questão
tem a mesma amplitude e a mesma centralidade social ressentem-se da intervenção estatal, no
da questão erguida pelo pauperismo na primeira cumprimento de sua função social protetiva e de
metade do século XIX. Então cabe a inquietação: responsabilidade pública, principalmente perante as
trata-se de uma nova questão social? entidades familiares, como se verá no próximo
As determinações da “questão social”, como item. Nesse sentido, é importante destacar que a
defende a autora Pastorini (2004), persistem, Constituição Brasileira de 1988 trouxe grandes
amalgamadas diretamente em três pilares centrais: transformações principalmente no que tange à
a primeira submetida à relação capital/trabalho, a proteção à família. A família assumiu posição de
segunda à ordem estabelecida e, por fim, a terceira sujeito de direito e obrigações, sendo considerada
que é expressão das manifestações das como base da sociedade e espaço de realização
desigualdades e incompatibilidades das pessoal com dignidade humana de seus membros.
contradições da sociedade capitalista. Pastorini À luz dessas ponderações, ressalta-se que a
(2004) reconhece que os traços essenciais da proteção social da família pelo Estado é um dever
“questão social” perduram, o que não implica fundamental deste, juridicamente fundamentado,
asseverar que a categoria é única e que se conforme preceitua o art. 226 da Constituição
manifesta de forma similar em todas as sociedades Federal de 1988, tal qual outros instrumentos
capitalistas e momentos históricos. Ao contrário, a jurídicos contemporâneos, como se poderá ver
questão social assume expressões particulares adiante. Tais assertivas possibilitam refletir sobre
dependendo da inserção de cada país na ordem as formas de intervenção do Estado nas expres-
capitalista. sões da questão social como exercício de sua
Conforme a análise de Pastorini (2004), a função protetiva principalmente junto às famílias
novidade reside nas formas que a questão social vulnerabilizadas. Nessa direção, a efetividade da
assume a partir das mutações do mundo proteção do Estado necessita da implementação
capitalista, que produz aumento de pobreza, de políticas públicas que garantam os direitos.
desestabilização dos trabalhadores, como dito Dessa forma, pode-se afirmar que, à medida
antes, estáveis, que, por conseguinte, perdem que o Estado passa a responsabilizar-se pela
garantias conquistadas de proteção social. A estas promoção e proteção de um conjunto de direitos,
se somam as antigas expressões da questão resultado de intensas lutas e mediações
complexas e contraditórias, a política pública
social constantemente (re)atualizadas dos
passa a desenvolver-se enquanto principal
excluídos do mundo do trabalho e historicamente
mecanismo do Estado na materialização de
atendidos pelo sistema de proteção social de forma
direitos assegurados.
residual e estigmatizadora.

Em consonância com o elenco de informações
A pobreza e as situações de grave miséria
apresentadas, ressalta-se a necessidade de
econômica trazem, em seu bojo, situações de
ponderação sobre a questão social, compreendida,
extrema vulnerabilidade social caracterizada pela
nos termos de Castel (1995,  TELLES, 1996,
vida em condições adversas, esfacelando ou ainda
p.85)
impedindo laços de convivência social e familiar,
a questão social é a aporia das sociedades
modernas que põe em foco a disjunção, sempre levando ao abandono, ausência de cuidados e dos
renovada, entre a lógica do mercado e a dinâmica vínculos relacionais, devido ao cotidiano de luta
societária, entre a exigência ética dos direitos e os
imperativos de eficácia da economia, entre a pela sobrevivência.
ordem legal que promete igualdade e a realidade
das desigualdades e exclusões tramada na Compreendemos que as desigualdades de
dinâmica das relações de poder e dominação. renda impõem sacrifícios e renúncias para toda a
A análise produzida neste trabalho inclui tal família. Petrini (2003) afirma que à medida que a
compreensão da questão social enquanto conflito família encontra dificuldades para cumprir
entre o capital e o trabalho, e a problematização satisfatoriamente suas tarefas básicas de
das necessidades sociais por sujeitos que buscam socialização e de amparo/serviços aos seus

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membros, criam-se situações de vulnerabilidade. A relação aos parâmetros da renda necessária para
uma família viver com o mínimo de dignidade
vida familiar, para ser efetiva e eficaz, depende de (FÁVERO, 2001, p.90).
condições para sua sustentação e manutenção de Kaloustian e Ferrari (1994, p.11) elegem a
seus vínculos. A situação socioeconômica é o fator família como espaço imprescindível para a garantia
que mais tem contribuído para o esfacelamento da da sobrevivência e da proteção integral de seus
família, repercutindo diretamente e de forma vil nos membros, independentemente da configuração
mais vulneráveis desse grupo; os filhos (crianças familiar ou da forma como esta vem se
sem creche, escola; adolescentes, jovens sem estruturando. A família propicia aportes afetivos e,
expectativas), os idosos, as pessoas com sobretudo, materiais necessários ao
deficiência, os sem trabalho. desenvolvimento e bem-estar dos seus
A questão da família pobre aparece como a face componentes. Ela desempenha um papel
mais cruel da disparidade econômica e da primordial na educação formal e informal; é no seu
desigualdade social. Esse estado de privação de espaço que valores éticos e morais são
direitos atinge todos os membros da família de introduzidos e incorporados, onde se fortalecem os
forma profunda: incita e precipita a ida das crianças laços de solidariedade.
para a rua e, na maioria das vezes, o abandono da Sob a análise da questão social, cabe observar
escola, a fim de ajudar no orçamento familiar, que a sua passagem do domínio privado,
comprometendo, de forma significativa, o caracterizado pela relação capital/trabalho, para a
desenvolvimento das crianças; provoca o abandono esfera pública, foi promovida pelas lutas sociais, as
dos idosos, dentre outras mazelas, o que favorece quais a transformaram em uma questão política, e
o enfraquecimento das relações, sejam afetivas, isso exigiu a intervenção do Estado no
sociais, econômicas ou culturais. reconhecimento de novos atores sociais, como
A ausência do cumprimento da legislação de sujeitos de direitos e deveres, e na viabilização do
proteção social, aliada à ausência de políticas acesso a bens e serviços públicos pelas políticas
públicas de apoio, remete muitas famílias à sociais. Conforme Pastorini (2004, p.103),
condição de vulnerabilidade, às quais nem sempre a questão social na sociedade capitalista tem sua
conseguem cumprir sua função provedora e gênese nos problemas sociais a serem
resolvidos nas diferentes formações sociais pré-
protetora, acarretando muitas vezes na perda da capitalistas, mas sua origem data da segunda
convivência familiar. Conforme entendimento de metade do século XIX, quando a classe operária
faz sua aparição no cenário político na Europa
Gomes e Pereira (2005, p.361) “o Estado reduz Ocidental; em definitivo quando a questão social
suas intervenções na área social e deposita na torna-se uma questão eminentemente política.
família uma sobrecarga que ela não consegue Nos termos assim colocados, destaca-se que a
suportar tendo em vista sua situação de análise da questão social não é compreendida,
vulnerabilidade socioeconômica”. simplesmente, como sinônimo de “problema social”
A convivência constitui condição relevante para ou de pobreza que remete ao indivíduo
a proteção, crescimento e desenvolvimento dos isoladamente ou a certos grupos sociais a
membros da família, assim como são importantes, responsabilidade ou culpa pelo conjunto de
também, as transformações impostas à família, em carências e privações por eles vividas.
decorrência do sistema socioeconômico e político Assim, considerando que a pobreza é apenas
do capitalismo, do crescimento demográfico da uma das diversas expressões da questão social,
sociedade contemporânea e de mudanças em sua pondera-se pertinente a reflexão sobre a gravidade
própria composição, seja com crescimento de do quadro de pobreza e miséria, no Brasil, e sua
famílias monoparentais, casais sem filhos, casais influência no campo social e, principalmente, na
do mesmo sexo com ou sem filhos, diminuição das área de atuação junto às famílias, na qual as
famílias formadas por casais com filhos, embora políticas públicas ainda se ressentem de uma ação
este último tipo ainda seja hegemônico na mais expressiva. Sobre esta questão Yazbek
contemporaneidade. (2003, p.62) definiu que “são pobres aqueles que,
Sob esta ótica, Fávero (2001) posicionou-se da de modo temporário ou permanente, não têm
seguinte forma: acesso a um mínimo de bens e recursos sendo,
As difíceis condições de trabalho, a baixa portanto, excluídos em graus diferenciados da
remuneração percebida e a ausência de renda riqueza social”.
mostram a face mais violenta de suas condições
de vida, notadamente se forem analisadas em O entendimento da autora corrobora a assertiva

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de que a pobreza não é uma expressão da Todavia, é preciso desmascarar essa versão da
incapacidade dos indivíduos (e suas famílias) em realidade. Como destaca Iamamoto (2008, p.125-
prover sua existência, mas está diretamente 126), deve-se “eliminar a conformidade da
vinculada ao não acesso a bens e serviços naturalização das desigualdades sociais e da
indispensáveis ao desenvolvimento do ser humano, submissão das necessidades humanas ao poder
apontando para o aguçamento dos conflitos das coisas sociais – do capital dinheiro e do seu
sociais, decorrentes da relação dialética entre fetiche”, do discurso da culpa em responsabilizar
capital e trabalho. as famílias frente a suas limitações de gerir e
Com base nas considerações supracitadas, prover vida digna aos seus membros.
compreende-se que a situação de vulnerabilidade Dentre as políticas sociais que tomam a família
social a que as famílias pobres estão expostas como centralidade e que combatem a pobreza,
encontra-se diretamente ligada à miséria estrutural. vulnerabilidades e riscos sociais, destaca-se a
Neste sentido, é mister pontuar que: Política de Assistência Social que vem sendo alvo
A família é apenas uma das instâncias de
resolução dos problemas individuais e sociais. de mudanças em direção às garantias de direitos
Os serviços públicos devem ser flexíveis para sociais não-contributivos, dirigidas às famílias e
responder de forma diferenciada às diversas
formas de apresentação dos problemas locais. indivíduos vulneráveis.
Apenas aqueles a quem interessa esconder os 
conflitos de classe social, de raça e sexo, negar a
relação fundamental dos problemas pessoais 
com a forma de organização do Estado e da  
economia, bem como diminuir a importância das
lutas dos movimentos sociais e dos partidos A história brasileira da Assistência Social é
políticos, é que busca colocar a família como
centro absoluto da abordagem dos problemas marcada pelo direcionamento no enfrentamento das
sociais. (VASCONCELOS, 1999, p. 13). diversas expressões da questão social, pela ação
Como destacam Fontenele (2007) e Teixeira compensatória sobre carências e necessidades e,
(2010), a família de alvo difuso e desfocado da em certos momentos, apresenta-se de forma
política social assume centralidade nas políticas populista, paternalista e benevolente.
sociais no Brasil em destaque a Política de As medidas de iniciativa estatal de atendimento
Assistência Social. A família está no centro das aos mais necessitados restringiam-se ao caráter
políticas de proteção social e é impulsionada, da focalização (FLEURY, 1994). O Estado atuava
nesse cenário de crises, retrações do Estado e junto aos menos favorecidos no sentido tutelar e,
intervenções da sociedade civil na provisão social, por conseguinte, para manter o controle social. A
a assumir responsabilidades da proteção social, ação era, portanto, de cunho autoritário e
antes garantidas pelo Estado. Esse processo leva assistencialista.
ao desmonte dos padrões de proteção social De outro lado, temos acompanhado, nos
público, que constituem um precioso patrimônio últimos anos, avanços na Assistência Social,
conquistado pelas classes em suas lutas expressos nos marcos legais: Política Nacional de
cotidianas. Assistência Social de 2004 – PNAS/2004 e Norma
Deste modo, as políticas públicas, em especial de Operacionalização Básica\Sistema Único de
as de caráter social, são constituídas como Assistência Social– NOB/SUAS. Essa política é
dispositivos centrais de enfrentamento da questão definida como política pública de direito,
social, acionados pelo Estado. Essas políticas abrangendo as três esferas de governo e amparada
passam, então, a figurar como mecanismos de no princípio da descentralização política e
operacionalização da função protetiva do Estado, administrativa, com a participação da sociedade
enquanto processo de materialização dos direitos civil, cujas ações visam romper com a
sociais assegurados constitucionalmente, fruto da segmentação, a fragmentação do seu público.
mediação capital e trabalho. Mas, agora, são Tomam a família como foco de intervenção,
consideradas empecilhos ao amplo colocando em pauta as necessidades dela, de
desenvolvimento e reprodução ampliada do capital, seus membros, cidadãos e grupos que se
devendo ser restringidas, focalizadas e, sobretudo, encontram em situação de vulnerabilidade e risco,
contar com a parceria da sociedade civil e com as tais como:
Famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de
redes informais de proteção social, respon- vínculos de afetividade, pertencimento e
sabilizadas pelas soluções da questão social. sociabilidade; ciclos de vida; identidades

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social, à luz da política de assistência social

estigmatizadas em termos étnicos, cultural e processos de trabalhos, no desenvolvimento de


sexual; desvantagem pessoal resultante de
deficiência; exclusão pela pobreza e/ou no acesso novas competências e saberes. A PNAS/2004 e
às demais políticas públicas; uso de substâncias NOB/SUAS 2005 provocam, de maneira geral,
psicoativas; diferentes formas de violência
advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; expectativas e demandas, por uma nova lógica de
inserção precária ou não inserção no mercado de gestão, seja financeira, seja de recursos humanos
trabalho formal e informal; estratégias e
alternativas diferenciadas de sobrevivência que e novas estruturas físicas, com a implantação de
podem representar risco pessoal e social Centros de Referência de Assistência Social –
(BRASIL, 2004, p. 33).
CRAS na atenção básica e Centros de Referência
Corroborando as discussões da seção anterior, Especializado de Assistência Social – CREAS na
essa definição é significativa na Política de atenção especial. O CRAS atua com famílias e
Assistência Social, enquanto política de Estado e indivíduos em seu contexto comunitário, visando à
se constitui “como estratégia fundamental no orientação e ao convívio sociofamiliar e comunitária;
combate à pobreza, à discriminação, às e a proteção social especializada, materializada
vulnerabilidades e à subalternidade econômica, nos CREAS, opera com um conjunto de ações
cultural e política em que vive grande parte da voltadas para o atendimento de indivíduos e famílias
população brasileira” (YAZBEK, 2001, p. 20-21), com direitos violados, em situação de risco pessoal
ampliando seu campo de intervenção. e social por ocorrência de maus tratos, abuso e
O que significa avanço na legislação em relação exploração sexual, trabalho infantil, entre outros.
à noção de pobreza, adotando o referencial da A Proteção Social, nessa política, opera, de
exclusão, vulnerabilidade e risco social, tomando acordo com Sposati (2006, p.111), sob três
como importantes os critérios objetivos de renda, situações. A primeira refere-se à proteção das
mas ultrapassando-os e associando-os aos “fragilidades próprias do ciclo de vida do cidadão” o
subjetivos, como sentimento de desfiliação, perda que remete ao diálogo com os direitos da criança,
de vínculos, discriminações etárias, étnicas, do adolescente, dos jovens e idosos entendendo
sexuais, dentre outras. suas especificidades. O segundo eixo opera sobre
A PNAS/2004 orienta-se pela “primazia à a proteção “às fragilidades da convivência familiar”,
atenção às famílias e seus membros, a partir do já que a família, enquanto base da sociedade, vem
seu território de vivência, com prioridades àquelas sendo afetada por mudanças diversificadas no
com registro de fragilidades, vulnerabilidades e contexto social, mas ainda é a unidade de
presença de vitimização entre seus membros” referência afetiva dos seus membros, carecendo,
(BRASIL, 2005, p.28). Contemporaneamente, pois, de atenção especializada. O terceiro eixo
processaram-se transformações no campo da refere-se à “proteção à dignidade humana e às
Assistência Social que passaram de uma suas violações” e inclui a necessidade de trabalhar
dimensão mais de apoio, compensatória, para as com o respeito à “heterogeneidade e à diferença
formas redistributiva e preventiva, provendo sem discriminação ou apartação”.
cuidados e serviços de longo prazo ao lado das Para tal, ampliam-se as expectativas e
situações emergenciais, de estados de sofrimento, demandas co-relacionadas ao trabalho social com
exclusão, vulnerabilidade, discriminações, dentre famílias, onde, segundo Teixeira (2010), as marcas
outras (TEIXEIRA, 2010). da tradição histórica de organização das políticas
Essas dimensões da assistência social sociais mostram que o trabalho foi realizado de
ampliam o escopo da atuação e apresentam novo forma segmentada, em problemáticas, e os
reordenamento para esse campo da ação estatal. serviços foram organizados a partir de
Como destaca Sposati (2006), a perspectiva da “indivíduos-problemas” e “situações específicas”,
PNAS, reafirmada no SUAS, ao propor a proteção como trabalho infantil, exploração sexual,
social básica, além da especial, ultrapassa o delinquência, dentre outras, não contemplando a
caráter compensatório do entendimento da família como uma totalidade.
proteção social promovida pela assistência social Em relação às famílias pobres, co-relacionada
que ocorre, via de regra, após a gravidade do risco à lógica das políticas sociais, estava a ideia de que
instalado, sempre nas situações limites. É, sem a família é constitutiva do problema social e de que
dúvida, a face preventiva das ações da assistência seus responsáveis não tinham capacidade de
social. educar e proteger seus membros. Nessa
Essas inovações implicam mudanças nos perspectiva, Mioto (2004) esclarece que o trabalho

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e Solange Maria Teixeira 24 Famílias vulneráveis como expressão da questão
social, à luz da política de assistência social

social com famílias dirigiu-se às chamadas famílias social denominado ajustamento conservador que,
“, com práticas conforme Soares (2001), abriu passagem às
socioeducativas desenvolvidas numa dimensão tentativas de desmonte das políticas sociais e à
normatizadora e disciplinadora. implementação de políticas de perfil neoliberal.
Com as alterações na contemporaneidade, Isso não significa dizer que o modelo da PNAS
como foi visto, a política de Assistência Social seja conservador, pelo contrário, é a tentativa de
supera, em sua proposta, as visões e atendimentos efetivação da política de assistência social como
parcializados, segmentados e isolados, dirigindo-se política pública. Entretanto, esta absorve, em seu
à família e às suas necessidades numa perspectiva desenho, a nova cultura ou consenso no modo de
de totalidade e de intersetorialidade. Mesmo assim, fazer política social que envolve o mix público/
há expectativas quanto à redefinição do trabalho privado na composição das redes. O privado é
social com famílias, com práticas socioeducativas também a própria família e comunidades, tomadas
alternativas dirigidas para sua autonomia e como parceiros, sendo função do poder público
protagonismo e com políticas públicas que coordenar, financiar e potencializar essa rede. Tal
socializem serviços antecipadamente aos custos potencialização inclui as funções clássicas da
enfrentados por elas, sem esperar que sua família: sustento, socialização, educação e
capacidade se esgote. Logo, à luz da questão cuidados, o que amplia o trabalho das mulheres,
social, torna-se imperativo entender que a historicamente responsabilizadas por esses
responsabilidade da proteção social não está serviços.
restrita às famílias. Destaca-se que a absorção dessas funções da
Torna-se um desafio, no trabalho social com família pelo Estado, como se percebe na tentativa
famílias, segundo Teixeira (2010), realizar, de fato, de criação de um sistema público de proteção
de forma dialética e articulada, assuntos internos e social, sob a égide da seguridade social, nunca
externos a elas, nas questões objetivas e significou desfuncionalização da família, pois esta
subjetivas de sua vida social. O trabalho, segundo sempre foi tomada como parceira do Estado,
as reflexões a segundo a autora, deve ser principalmente no Brasil, em que o Estado é
direcionado numa perspectiva de ampliação do subdesenvolvido em proteção ao conjunto da
universo informacional, da oferta de serviços e população, especialmente da parcela não inserida
recursos no âmbito das diversas políticas, de forma no mercado formal de trabalho. Para Santos (2007),
a buscar a inserção das pessoas e famílias na rede essa acentuação da parceria, na
de segurança social garantida pelo poder público, contemporaneidade, faz com que o que antes já
em quantidade e qualidade para atender suas era uma tradição se renove e assuma feições de
necessidades. Isto dentro do quadro de lutas por modernidade.
direitos de cidadania. É mister esclarecer que a realidade atual indica
No geral, pode-se afirmar que a implantação do que as formas de organização das famílias são
SUAS traz um significativo avanço para a diversas e se modificam continuamente para
concretização da Política Pública de Assistência atender as exigências que lhes são impostas pela
Social, tanto pelo seu caráter organizativo, como sociedade, assim como foi dito anteriormente, o
também pela definição de atribuições nas três terreno sobre o qual a família se movimenta não é
esferas de governo. Mas, por outro lado, como somente o da estabilidade, mas do conflito, da
afirma Fontenele (2007), é inquietante refletir que a contradição, apesar de reconhecer-se também que,
retomada da família, no campo das políticas no seu seio, se movimenta a cooperação e a
públicas, sem subsídios para a efetivação dos solidariedade. Destaca-se ainda, que muitas
direitos, através da garantia de uma rede de dessas novas formas de organização familiar, como
serviços públicos integral, acaba por as famílias chefiadas por mulheres, as
responsabilizá-la pela garantia desse direito e a monoparentais, a de um único provedor em
penaliza pelo insucesso. situação de trabalho precário e irregular, acumulam
Vale ressaltar que o retorno da valorização da pobreza, vulnerabilidades, impossibilidades de
família, como canal natural de proteção social, é cuidados aos membros dependentes no seu
fruto, também, da adesão do Brasil, na década de interior. Portanto é impossível atuar-se de forma
1990, à agenda de reformas conservadoras. Tal fato preventiva, responsabilizando-as, potencializando
instaura um novo momento no sistema de proteção funções clássicas da família, o que só aumentaria

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e Solange Maria Teixeira 25 Famílias vulneráveis como expressão da questão
social, à luz da política de assistência social

o sentimento de culpa por não poderem realizar as tônica do problema é dada pelo empobrecimento
funções e expectativas sociais. das relações sociais e das redes de solidariedade.
Entende-se, deste modo, que os problemas que As famílias, alijadas das mínimas condições
se apresentam ao longo da história das famílias socioeconômicas, são expostas a situações de
estão relacionados, prioritariamente, com a vulnerabilidades sociais que fragilizam suas
impossibilidade de elas articularem respostas funções protetivas, e consequentemente, o convívio
compatíveis com os desafios que lhes são familiar. Portanto, a determinação básica é
colocados. Assim, a proposição de cuidados a econômica e política, a falta de renda, trabalho,
serem dirigidos às famílias deve partir do princípio serviços públicos de apoio à família geram rupturas
de que elas não são apenas, nas palavras de Mioto familiares, desvinculação e empobrecimento das
(2000, p. 219),  mas relações humanas. Nessa perspectiva, a prevenção
principalmente . não é apenas o investimento no subjetivo, mas em
Como destaca Fontenele (2007), posição aqui ambos, pois, sem inclusão da família, ela
aceita, o foco na família, na Política de Assistência continuará negligente, melhor dizendo,
Social, em sua grande maioria as vulneráveis, tema negligenciada para realizar suas funções.
da discussão em tela, coloca dois pontos para Além do esfacelamento das relações
reflexão: “primeiro a questão da família como conjugadas pelas expressões da questão social, é
usuária de serviços [...] e depois a família na mister destacar que a NOB/SUAS e a PNAS não
perspectiva da responsabilização pela proteção esboçam as questões de âmbito estrutural e, mais
social” (FONTENELE, 2007, p. 201). uma vez, tem-se a tendência a reeditar a política de
A maneira como se dá esse “retorno” da família base assistencialista, remediando os efeitos da
como “a menina dos olhos” da política social é de acumulação capitalista, ou seja, dando continui-
certa forma, para Pereira (2006), o esvaziamento da dade às práticas compensatórias sem, de fato,
política social como direito de cidadania, uma alterar a condição de classe dos usuários da
estratégia resultante do impacto do neoliberalismo, política, pois as expressões da questão social que
já que, ao invés de emancipar a família, constituem demandas da assistência são
sobrecarrega-a com tarefas e responsabilidades abordadas como se fossem situações autonomiza-
protetivas do Estado. Embora a PNAS/2004 das e estivessem descoladas da base desigual da
reconheça a importância da família na vida social sociedade.
apontando-a como merecedora da proteção do Torna-se, pois, urgente e inegável a necessida-
Estado, tal proteção tem sido discutida, na medida de de se operarem mudanças qualitativas e
em que a realidade tem dado sinais cada vez mais quantitativas na ordem econômica, sem as quais a
evidentes de penalização das famílias brasileiras. questão social, no Brasil, não tem chances de ser
Apesar disso, a PNAS/2004 representa clara pelo menos minimizada, haja vista que a sua
possibilidade de avanço na sua organização e no superação demanda a transformação da estrutura
seu legítimo reconhecimento, ainda que existam política e econômica do país.
diversas questões para serem discutidas, Por estas questões, mesmo reconhecendo os
decifradas e repensadas, como é o caso da avanços da Política de Assistência, nas palavras de
matricialidade sociofamiliar que passa a ter papel Alves (2008, p. 141) o SUAS “não pode ser
de destaque na Política de Assistência Social. encarado e executado como simples técnica de
 gestão”, devendo ser assumido como espaço de
“tensionamento do econômico, de ampliação de
As disparidades sociais, proveniente da direitos, de articulação de políticas sociais e de
estrutura econômica continuam sendo a primeira radicalização da democracia” (BOSCHETTI, 2005, p.15).
razão da pobreza. Desigualdades de renda, de Nessa perspectiva, afirma-se: a família
acesso, de oportunidades, de informação necessita de proteção estatal. Esta, por sua vez,
constituem suas várias expressões. O surgimento constitui-se como dever do Estado consagrado no
de termos, como exclusão, vulnerabilidade e risco §8º do art. 226 da Carta Magna e contempla todas
social, implica considerar também aspectos as configurações familiares. Diante do exposto,
subjetivos, relativos às condições de vida dos abordar o papel do Estado e das políticas públicas
indivíduos, como a perda da identidade, falência de no processo de materialização de direitos sociais,
laços comunitários, sociais e familiares, em que a enquanto dever fundamental de proteção, frente a

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e Solange Maria Teixeira 26 Famílias vulneráveis como expressão da questão
social, à luz da política de assistência social

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