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PROJETO DE PESQUISA
CNE 2018
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1. Resumo do projeto.
O projeto tem por objeto as ações para o controle do câncer de mama no Brasil,
analisando o desenvolvimento dos conhecimentos e práticas médicas sobre essas doenças
e sua consolidação como políticas de saúde. A análise contemplará a ampliação das
preocupações médicas com o câncer, no final do século XIX, o desenvolvimento das
técnicas cirúrgicas, durante a primeira metade do século XX, o surgimento das terapias
quimioterápicas a partir dos anos 1950 e o desenvolvimento das formas de diagnóstico
precoce, como o auto-exame e os exames clínicos das mamas. Nesse aspecto, teremos
como principal foco o desenvolvimento da mamografia, nos anos 1970 e as questões
relacionadas às possibilidades de prevenção dessas doenças a partir de campanhas de
rastreamento populacional.
No que se refere aos cuidados com os acometidos pela doença, o estudo se direcionará à
trajetória das instituições relacionadas à prevenção e tratamento, em especial para os
hospitais de câncer de origem pública ou filantrópica. No campo da história das técnicas
e práticas científicas teremos como principal foco o desenvolvimento das concepções
sobre diagnóstico precoce e o desenvolvimento da tecnologia de exames de exames de
imagens das mamas. Trata-se de conhecer como o processo de estabilização da
mamografia, sua relação com os outros exames diagnósticos então empregados e os
debates e controvérsias sobre o uso dessa tecnologia no país. Ocorridos desde a década
de 1970.
Atualmente, o discurso médico sobre o câncer de mama sugere que a doença está
fortemente relacionada aos modos vida contemporâneos, e que seu controle deve ter
como base a prevenção primária, a ampliação do diagnóstico precoce e a melhoria na
qualidade dos tratamentos. Com essa pesquisa, objetivamos ampliar a compreensão sobre
o desenvolvimento técnico, as mudanças na compreensão da doença e as demandas dos
movimentos sociais por ações para o seu controle, mostrando como esse fatores ajudaram
a formatar as políticas de saúde.
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2. Introdução
Na última década, a história do câncer surgiu como um tema específico de estudos que tem
renovado o campo da história das doenças, em virtude do trabalho de um grupo heterogêneo
de médicos e historiadores, sociólogos, antropólogos e profissionais de saúde, baseados
inicialmente em países da Europa anglo-saxónica e na França. As abordagens
multidisciplinares então desenvolvidas, possibilitaram o surgimento de novas perspectivas e
alguns insights significativos, relacionados à muitas perguntas sobre o que a doença
representou no passado e, muitas vezes, sobre o que ela representa no presente. Desta forma,
essas pesquisas estão contribuindo para expandir a análise da história das doenças, chamando
atenção para doenças crônicas, cuja relevância tem sido negligenciada em comparação com
a atenção dada às doenças transmissíveis.
No Brasil, a história do câncer começou a ser objeto de historiadores a partir de 2007, quando
a Casa de Oswaldo Cruz e o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva
financiaram um projeto sobre o tema. A pesquisa deu origem ao livro “De doença
desconhecida à problema de saúde pública: o INCA e o controle do câncer no Brasil (Teixeira
e Fonseca, 2007). Desde então a COC abriga um grupo de pesquisa voltado para a história
da doença. Os diferentes estudos sobre essa temática surgidos nessa área de pesquisas, hoje
ultrapassam em muito os limites da COC, sendo efetuados por historiadores de outras
instituições como por alunos de diferentes pós graduações.
Uma parte dos estudos históricos brasileiros sobre o câncer concentrou-se principalmente na
história do câncer feminino, mais especificamente, cânceres ginecológicos (mama, colo do
útero, ovário e útero), começando a delinear as trajetórias desses cânceres particulares a partir
de uma visão abrangente da saúde da mulher, sem deixar de pensar, de forma mais ampla,
1
seu impacto nas sociedades . O protagonismo dos estudos sobre canceres femininos no
âmbito da história mais geral da doença se relaciona ao fato de que durante muito tempo o
1
Embora saibamos que diversos tipos de câncer podem atingir as mulheres, utilizaremos o termo câncer
feminino ou ginecológico para designar o câncer de cole e o de mama pela referência que essas doenças
tiveram na construção da ideia que o câncer era uma doença que acometia principalmente as mulheres (Lowy,
2011). Também utilizaremos indistintamente o termo câncer de colo, câncer de colo do útero e câncer cervical
nos referindo a mesma doença.
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câncer foi visto como uma doença de mulheres. Essa noção, vigente na medicina e no
pensamento leigo até o século XIX, se relacionou a maior possibilidade de acesso aos
tumores da mama e do colo do útero para observação dos médicos (Lowy, 2011) e ao menor
conhecimento da diversidade de formas da doença. Certamente também se deveu às
preocupações demográficas, biológicas e raciais; à primazia da função maternal imputada às
mulheres e à uma longa tradição de medicalização do sexo feminino (Martins, 2004). Apesar
disso, o componente de gênero não dominou as interpretações históricas sobre o câncer, de
forma semelhante às observadas em algumas doenças – como as que relacionaram as
mulheres à determinados distúrbios mentais. Os historiadores tem sido cautelosos em retratar
os componentes do gênero nas iniciativas para o controle do câncer. No entanto, a visão do
papel social da mulher mostra-se central ao processo construção dos saberes e práticas em
torno da doença.
Algoz de mulheres dos mais diferentes grupos sociais, o câncer de mama – como diversos
outro cânceres - durante a maior parte do século XX, permaneceu na orbita das doenças pouco
conhecidas e de péssimo prognóstico. Normalmente era diagnosticado tardiamente, quando
a medicina pouco podia fazer no tratamento de suas vitimas, sendo que a extirpação dos seios
ou a utilização de terapias paliativas eram as únicas formas de lidar com a doença. No que
tange à prevenção, o desconhecimento do intricado conjunto de fatores relacionados às suas
causas determinaram a impossibilidade de medidas eficazes para a sua prevenção.
saúde de corte universal amplia-se a cobertura das ações educativas visando o controle do
2
câncer de mama . Em meados da década surge o programa Viva Mulher, primeira ação de
âmbito nacional para o controle do câncer de colo do útero. Posteriormente, o programa
encamparia as ações direcionadas ao controle do câncer de mama.
2
Em 1988, com a promulgação da nova Constituição Federal, completa-se o processo de retorno do país ao
regime democrático. No contexto de ampliação do chamado Estado de bem-estar social, a nova carta
constitucional transforma a saúde em direito individual e da origem ao processo de criação de um sistema
público, universal e descentralizado de saúde, ratificado em lei dois anos depois com o nome de Sistema
Único de Saúde (Paiva e Teixeira, 2014).
3
À exceção da Região Norte, onde o câncer do colo do útero lidera a incidência, o câncer de mama é o câncer
mais incidente em todas as regiões do Brasil, com as maiores taxas ocorrendo nas Regiões Sul e Sudeste (Inca
2011)
6
4
Por todo o texto utilizaremos o termo ‘história da saúde pública’ e ‘saúde pública’ na acepção a ele atribuída
por historiadores da saúde ingleses, em especial por Dorothy Porter. No entender dessa autora, a história da
saúde pública caracteriza-se como a história das ações coletivas em relação à saúde das populações. Esse
conceito faz com que as ações de origem pública, privadas e filantrópicas façam parte desse universo mais
amplo caracterizado como saúde pública (Porter, 1999).
5
Em 1919, uma reforma da saúde pública deu origem ao Departamento Nacional de Saúde Pública, primeira
instituição de saúde de abrangência nacional. Sua organização contava com diversas inspetorias, entre elas a
Inspetoria da Lepra e Doenças Venéreas que também se dedicava a então chamada profilaxia do câncer
(Teixeira, 2010).
7
6
Em 1934, foram criadas a Liga Paulista de Combate ao Câncer e a Liga Brasileira Contra o Câncer, no Rio de
Janeiro. Dois anos depois surgiu a Liga Baiana Contra o Câncer. As três tinham o objetivo de angariar fundos
para a construção de centros de diagnóstico e tratamento; as duas primeiras também objetivavam organizar
campanhas educativas para a prevenção do câncer. (Teixeira, 2010).
8
No Brasil, esse contexto fez com que o câncer, inicialmente circunscrito às cirurgias
e aos tratamentos radioterápicos, elaborados em alguns centros ligados a instituições de
ensino médico, passasse a ser campo de trabalho de médicos em forte processo de
especialização, em hospitais especializados em pesquisas clínicas e no tratamento da doença.
Na década de 1950, a doença passaria a ocupar maior espaço na agenda da saúde pública
brasileira. O processo de modernização do país, vis a vis a ampliação de sua incidência fez
com que o Estado investisse no aumento do número de leitos nas instituições conveniadas,
que ofereciam serviços gratuitos aos doentes. Também se ampliou a rede hospitalar privada,
que progressivamente passou a oferecer tratamento aos cancerosos incluídos no sistema de
assistência médica individual previdenciária, repassando os custos dos atendimentos para a
assistência social7. É também o período de modernização do Instituto de Câncer, que viria a
se transformar em um grande centro de tratamento e formação de cancerologistas (Teixeira
2010). Além disso, esse período vê surgir diversos serviços ginecológicos ligados a
universidades, entidades associativas e filantrópicas que também atuavam como
ambulatórios para a prevenção e tratamento de cânceres ginecológicos e de mamas. Esses
serviços tiveram papel central na prevenção do câncer do colo do útero e também puseram
em prática ações educativas direcionadas a detecção precoce do câncer de mama (Teixeira e
Lowy, 2011).
7
Entre os anos 1930 e o final dos anos 80, o Brasil contou com um sistema de saúde do tipo seguro social, onde
os trabalhadores do mercado formal, empregadores e governo contribuíam para os "institutos", responsáveis
pela organização ou compra ou de serviços médicos curativos (Escorel e Teixeira, 2008).
9
uma questão afeita principalmente à medicina curativa de base hospitalar e privada. Nesse
sentido, a política estatal em relação à doença buscou reforçar as ações médico-hospitalares
através da compra de serviços privados pelo Estado, ainda sob o modelo seguro saúde.
Somente na década seguinte, essa situação começaria a mudar. Nesse momento, na esteira
das concepções planificadoras que dominaram diversos Estados Nacionais Latino-
americanos, foi instituído o Programa Nacional de Controle do Câncer (PNCC), que visava
coordenar as ações referentes à doença em âmbito nacional, integrando as atividades do
Ministério da Saúde e da Previdência Social8. O programa deu especial atenção ao
diagnóstico precoce do câncer do colo do útero, efetuando convênios com a Organização
Pan-Americana de Saúde para a elaboração de ações para o controle da doença. Além disso,
possibilitou a compra de equipamentos de alto custo para diversos hospitais especializados
no tratamento da doença (Lago, 2004). No entanto, a crise econômica que abateu o país a
partir de meados da década de 1970 implicou na paralização do programa e na desagregação
de sua estrutura. Muitos dos equipamentos comprados no período passaram a ser usados
somente no diagnóstico de serviços privados de saúde (Teixeira, Porto e Noronha, 2012).
Nos anos 1980, o problema do câncer passaria a ser tratado pela saúde pública no
âmbito mais geral das doenças crônico-degenerativas, no entanto no que tange aos canceres
ginecológicos, como veremos mais a frente, as preocupações se intensificam à medida que a
saúde da mulher começou a entrar na pauta da saúde internacional e os movimentos
feministas, em fase de expansão, começam a intensificar, suas demandas relacionadas à
doença (Lago, 2004;). No entanto, somente a partir do final dos anos 1980, com o processo
de reforma sanitária que redundou na fusão da assistência médica previdenciária com a saúde
pública através da criação do Sistema Único de Saúde, as ações em relação ao câncer
tomariam um rumo diferenciado. De problema de saúde relacionado fundamentalmente as
ações curativas de alta complexidade, ou campanhas pontuais, voltadas para populações
específicas, o câncer passou a ser visto como uma questão de saúde pública, cujo controle
deve ter em sua base a prevenção, a detecção precoce e a integração dos serviços. No entanto,
as diversas dificuldades relacionadas principalmente à escassez de recursos, ao precário nível
de organização do sistema de saúde em diversas regiões e mesmo as difíceis condições de
8
Em 1970, o decreto 66.623, de 22/05 criou a divisão Nacional do Câncer, para substituir o antigo Serviço
Nacional do Câncer. A Divisão ficou responsável pela implementação do PNCC (Teixeira e Fonseca, 2007).
10
O câncer de mama por seu caráter externo facilmente identificável, é uma doença
9
conhecida dos médicos desde longa data . No entanto, as diferentes formas de vida dos
tempos passados – em particular a amamentação e a menor exposição à produtos
carcinogênicos – e a esperança de vida mais baixa fazia com que sua frequência e visibilidade
fosse muito menor. No final do século XIX, com o desenvolvimento das técnicas de assepsia,
a doença passou a ser tratada por cirurgiões, que empregavam a cirurgia radical (técnica de
10
Halsted) , em especial nas enfermarias de grandes hospitais filantrópicos, como as Santas
Casas da Misericórdia.
9
Os primeiros registros de tumores dos seios datem da Antiguidade. Para Hipócrates, tal como os outros
cânceres, o câncer do seio era uma doença causada pelo excesso de um fluido no corpo (bile negra). Ele o
chamou de karkinos, uma palavra grega para o “caranguejo, ” porque a deformação provocada pelo tumor
sobre os vasos sanguíneos fazia a região adquirir tal aparência (Ekmektzoglou et all, 2009).
10
Em 1892, William Stewart Halsted sistematizou várias técnicas cirúrgicas e criou a mastectomia radical,
baseada no conceito da “ressecção em bloco”, isto é, na retirada da mama inteira, dos músculos peitorais
abaixo dela e de todos os linfonodos da axila para impedir a recidiva da doença (Sakorafas, 2010).
11
dando uma pequena sobrevida as pacientes (Teixeira, Porto e Silva, 2013). A partir do final
da década de 1930, o desenvolvimento mais geral da cirurgia aplicada à cancerologia
possibilitou a ampliação doo uso das cirurgias de mamas que passaram a ser efetuada em
hospitais específicos, como a enfermaria de Câncer criada por Mario Kroeff ou o Instituto de
Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho, criado em São Paulo (Teixeira e Fonseca 2007).
11
No âmbito da ciências médicas e de saúde o termo prevenção se relaciona às praticas que buscam evitar a
doença antes que ela se instale no organismo. Nesse sentido, o diagnóstico do câncer de mama pela observação
de tumores a partir de exames clínicos, auto exames ou exames de imagem se caracteriza como diagnóstico
precoce – uma vez que detecta a doença (neste caso o tumor) já instalada.
12
desses trabalhos. Além desses estudos, o Instituto desenvolvia pesquisas sobre o câncer de
mama e realizava exames clínicos para a detecção precoce da doença
O mesmo caminho seguido pelo IG seria trilhado pela Faculdade de Medicina de Belo
Horizonte, onde também foi criado um ambulatório de prevenção contra câncer cervical nos
moldes do Laboratório Preventivo do Câncer Ginecológico na Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro. Na década de 1950, os ambulatórios preventivos de canceres ginecológicos se
multiplicariam. Eles atuavam principalmente na detecção precoce do câncer de colo de útero
e em seu tratamento e, também elaboravam ações de educação em saúde direcionadas à
detecção precoce do câncer de mama a partir de exames clínicos e de incentivo ao autoexame.
Mesmo sendo difundida amplamente a partir dos anos 1970, o uso da mamografia era
fonte de grande polêmica. Os defensores elogiavam sua capacidade de detectar os menores
cânceres, o que aumentava as chances de cura. Já os críticos, questionavam a exposição
radiológica das pacientes durante a realização do exame (LERNER, 2001). Apesar das
controvérsias, nesta época, a mamografia se legitima como a técnica mais apropriada para o
diagnóstico e, posteriormente, também para o rastreamento do câncer de mama. Para tanto
também pesaria o argumento de sua capacidade de detectar tumores menores,
proporcionando aumento das chances de sobrevida das pacientes (STEEN e TIGGELEN,
2007).
Como observamos na seção anterior, nesse período, a saúde pública brasileira passara
por algumas reformas, que determinaram a criação do Programa Nacional de Controle do
Câncer (PNCC, 1974). Embora direcionado prioritariamente ao câncer de colo, o programa
incorporou as ações direcionadas ao câncer de mama, entre elas um projeto de diagnóstico
nacional de equipamentos instalados para a prevenção da doença. A partir desse diagnostico
o governo federal adquiriu alguns mamógrafos, que foram instalados em hospitais públicos
e filantrópicos para atendimento no âmbito da saúde previdenciária (Capucci, 203). Embora
esse programa marque o início do uso da mamografia pela saúde pública brasileira, a
iniciativa ainda estava muito distante da possibilidade de atender o numero adequado de
mulheres que necessitavam de mamografias diagnósticas.
Somente em 1999, a partir da infraestrutura criada, quatro anos antes, para o programa
nacional de rastreamento do câncer cervical, “Viva Mulher”, os profissionais responsáveis
15
formaram um grupo de pesquisas sobre câncer que, reuniu diversos estudiosos e, nos últimos
anos, vem produzindo trabalhos sobre os diversos aspectos relacionados ao tema12.
12
Entre os diversos trabalhos dos pesquisadores desse grupo é digno de nota a publicação do anteriormente
citado Bulletin of History of Medicine (2007), que no ano seguinte também foi publicado em forma de livro.
17
no país. Durante o período em que o câncer de colo de útero esteve relacionado à medicina
privada e às ações filantrópicas de pouco alcance, a ampla utilização da colposcopia foi uma
forma adequada para a sua prevenção; quando a doença passou a ser caracterizada como um
problema de saúde pública e um signo de fragilidade do sistema de saúde, as ações baseadas
na citologia esfoliativa, que tinham um alcance populacional muito mais amplo, passaram a
ser a base do seu controle (Teixeira e Lowy, 2011).
13
Ver, principalmente, Sakorafas, 2010: 145-166.
14
O livro de Lerner (2003) também questiona o poder médico e analisa a persistência da cirurgia de Halsted
(cirurgia radical) mesmo quando ela não era mais necessária
15
O argumento central de seu livro se refere a definição da doença, a transformação do câncer na mama para
doença específica ‘câncer de mama’. No entender do autor, essa transformação se relaciona ao contexto de
medo, ansiedade, incerteza e esperança que ajudam a compor o quadro geral da compreensão da doença.
Reconfigurada em doença específica no final do século XIX, o câncer de mama passou a ser temido social e
individualmente. Nas últimas décadas, a despeito do desenvolvimento de novas terapias, as técnicas de
triagem e a noção do risco passam a potencializar o medo em relação a doença (Aronowitz, 2007)
18
recursos para a pesquisa e tratamento da doença, analisada por Gayle Sulik em seu livro Pink
16
Ribbon ink .
6. Justificativa
Embora seja extensa a produção nacional sobre o câncer no campo da saúde coletiva,
os estudos históricos são ainda poucos, sendo o tema tratado de forma descontínua por nossos
historiadores. Em 1987 surgiu a primeira obra de caráter histórico sobre a doença. O livro
História e Saúde Pública: a política de controle do câncer no Brasil, coordenado pela
pesquisadora Regina Bodstein, da Escola Nacional de Saúde Pública (Fiocruz), congregou
diversos historiadores que elaboraram um grande painel sobre a ação estatal contra a doença
entre os primeiros anos do século XX e a década de 1980. Somente vinte anos mais tarde,
viria à luz uma nova publicação totalmente dedicada à doença. De doença desconhecida a
problema de saúde pública: o INCA e o controle do câncer no Brasil (Teixeira e Fonseca,
2007) retomou os passos da obra anterior a partir de novas fontes, que possibilitam a
16
Sulik, 2011. A autora tem uma crítica contundente em relação ao ativismo não crítico em relação à doença.
Seu livro traça uma trajetória desse ativismo mostrando como ele se transformou numa febre nos Estados
Unidos, favorecendo o desenvolvimento de uma forma de filantropia específica voltada a causas sociais.
19
ampliação da análise sobre a atuação médica contra a doença na primeira metade do século
XX.
As reflexões que deram origem a esse livro foram o ponto de partida para a reunião de
pesquisadores e criação de um grupo de pesquisa sobre o tema vinculado ao CNPq. Por mim
liderado e composto por pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz, da Universidade Federal
Fluminense, da Universidade Federal do rio de Janeiro, da Oxford Brookes Uuniversity (UK)
e do Crmes/Insern (FR) o grupo tem por objetivo realizar pesquisas sobre a trajetória do
controle do câncer no Brasil, analisando o desenvolvimento científico dessa área do
conhecimento médico e as políticas públicas relacionadas à doença. “Seus principais objetos
de estudo são as campanhas e programas preventivos, postos em prática na segunda metade
do século XX, em especial as relacionadas à prevenção ao câncer de colo de útero, a formação
de recursos humanos na área da oncologia e as campanhas de educação em saúde relacionada
17
ao câncer” . 1
Nos últimos anos, o grupo vem elaborando diversos estudos e atividades acadêmicas
sobre o tema, entre as quais ressalto a organização de um número especial da revista História,
Ciência Saúde Manguinhos direcionado ao controle do câncer e composto por trabalhos de
18
diversos participantes do grupo de pesquisas e especialistas internacionais e o Seminário
Internacional “Câncer Mulher e Saúde Pública”, onde pesquisadores nível internacional e
estudiosos brasileiros dos campos da história, da saúde coletiva e gestores da saúde pública
discutiram diversos aspectos da história e da atualidade do controle dos canceres femininos
19
no Brasil . 2
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Grupo de Pesquisa História do controle do câncer no Brasil. Lider: Luiz antonio Teixeira. Pesquisadores:
Claudia Jurberg, Dilene Raimundo do Nascimento, Ilana Lowy, Marco Antonio Teixeira Porto, Yolanda
Eraso. Estudantes: Vanessa Lana e Tiago Jaques
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=003970529IU4BL
18
História, Ciência, Saúde – Manguinhos. vol.17 suplemento.1. Rio de Janeiro, Julho de 2010
19
O seminário aconteceu em outubro de 2010 e teve como principais palestrantes os pesquisadoras Ilana
Zelmanowicz Lowy (CERMES/Inserm) Yolanda Eraso (Brookes University), Sahra Gibbon (Wellcome
Trust), Luis Claudio Zeferino (Unicamp), Claudio Noronha (Inca)
20
equipe de 6 pesquisadores esse projeto tem como principais temas de análise a política de
controle do câncer no Brasil e a expansão das ações para o controle do câncer de colo do
útero no Brasil. Além dos trabalhos de investigação também elabora um banco de dados
sobre as imagens da propaganda educativa sobre o câncer e um acervo de história oral com
depoimentos de técnicos responsáveis pelas políticas de controle do câncer no Brasil
7. Objetivos
Temos como objetivo principal a produção de conhecimento sobre a trajetória dos
saberes, práticas e políticas públicas relacionadas ao controle do câncer de mama no Brasil
durante a segunda metade do século XX.
Objetivos Específicos
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• Analisar a trajetória das ações de controle do câncer de mama no Brasil e sua relação
mais geral com as políticas de saúde do país.
8. Métodos
Esse estudo caracteriza-se como uma pesquisa sócio-histórica, baseada em
metodologia dos Estudos Sociais das Técno-ciências (STS). Tal abordagem permite que
o objeto de estudo seja em suas dimensões sincrônica e diacrônica, possibilitando
investigar práticas contemporâneas, mas com interesse em sua evolução ao longo do
tempo. Os STS compõem um campo interdisciplinar que investiga a criação, o
desenvolvimento e as consequências da ciência e tecnologia nos seus contextos cultural,
histórico e social.
20
muitos estudos veem tematizando diferentes doenças, sob diversas orientações teóricas .
Entre elas, temos maior interesse na perspectiva de Charles Rosenberg, que procura
conceituar a doença como uma extensão das conexões entre os indivíduos, a biologia e a
sociedade. Ou seja, como fenômenos que atuam na interface entre o orgânico e o social,
se caracterizando simultaneamente como construções mediadas pelo social e elementos
de transformações deste último (Rosenberg, 1997)
20
No âmbito da Casa de Oswaldo Cruz, existe um sólido grupo de pesquisas sobre História das Doenças, que
há vários anos vem produzindo trabalhos sobre o tema. Entre suas produções, destaca-se a coletânea “Uma
História Brasileira das Doenças”, editada periodicamente pela Dra. Dilene Nascimento.
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Para Clarke e seus colaboradores, esse período caracteriza-se por um novo tipo
de relacionamento entre medicina e sociedade, baseado em um conjunto de processos
como a privatização da pesquisa biomédica, a ampliação de intervenções sociais a partir
de tecnologias médicas baseadas na informática, o surgimento de uma nova concepção
de vigilância e de saúde relacionada ao risco, o desenvolvimento de novas formas de
padronização dos corpos relacionadas ao conhecimento genético, etc. A
biomedicalização além de caracterizar o perfil da medicina contemporânea, define suas
práticas assim como grande parte das representações sobre saúde e doença existentes na
sociedade (Clark, 2003).
Metas
• Ano I
Clínica Obstétrica
Maternidade e Infância
• Ano II
• Ano III
Organização de Seminário
ORÇAMENTO DETALHADO
ORÇAMENTO
Justificativa do orçamento
Este projeto se iniciará com uma pesquisa bibliográfica aprofundada; que visa
consolidar os métodos de investigação e de análises. Em seguida passaremos para a fase
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9. Resultados Esperados
• Publicação de artigos analíticos sobre o tema em periódicos científicos.
• ERASO, Yolanda; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Female cancers: a perspective from the
Latin South. Dynamis 2014; 34 (1): 17-24.
• TEIXEIRA, Luiz Antonio., LÖWY, Ilana. Imperfect tools for a difficult job:
Colposcopy, ‘colpocytology’ and screening for cervical cancer in Brazil. Social
Studies of Science. , v.41, p.585 - 608, 2011.
MARQUES, Eduardo Cesar. Notas críticas à literatura sobre Estado, políticas estatais e
atores políticos. Bib: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências
Sociais. Rio de Janeiro, N. 43, 1997.
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políticos na história do PAISM / Cecília Chagas de Mesquita. Dissertação (Mestrado
em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de
Janeiro, 2010.
MINISTÉRIO DA SAÚDE – DEPARTAMENTO NACIONAL DE SAÚDE – SERVIÇO
NACIONAL DE CÂNCER, 30 anos de atividade do Instituto Nacional de Câncer –
XXX aniversário – 1938 – 1968, Rio de Janeiro, Brasil, 1968.
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Brasil. Cadernos de Saúde Pública. 1998, vol.14, suppl. 1.
PAIVA, Carlos Henrique Assunção; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Reforma sanitária e a
criação do Sistema Único de Saúde: notas sobre contextos e autores. História,
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