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BRASIL

RACISMO ›

“Sentia que não fazia parte desse ambiente”: os desafios de


ser negro e da periferia em uma universidade
Jovens estudantes relatam o racismo e os obstáculos no cotidiano do campus
universitário
Na PUC-Rio, coletivos como o Nuvem Negra e o Bastardos da PUC lutam por
mudanças institucionais.

Manifestação na PUC-Rio contra o racismo nos jogos jurídicos. JULIANA DO NASCIMENTO (COLETIVO NUVEM NEGRA)

FELIPE BETIM

Jornalista | Periodista - El País

Rio de Janeiro - 12 SET 2018 - 08:55 BRT


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Nascimento Costa. "Eu me sentia desconfortável. Chegava em casa chorando porque não
queria estar aqui, não me identificava", conta ela, que aos 21 anos
Learn More estuda CinemaTO
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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), um curso "muito elitista" no
qual, segundo diz, os alunos geralmente possuem uma vivência muito diferente da sua:
todos viajam para fora do país, falam inglês fluentemente, têm pais que trabalham em
grandes empresas e conversam sobre grandes cineastas, músicos e escritores. No início
ela nem sabia por que se sentia tão incomodada. Assim como não compreendia por que
muitas pessoas pediam informações sobre como conseguir uma bolsa de estudos na
universidade, já que no início pagava a mensalidade normalmente — só mais recentemente
conquistou uma bolsa.

Costa, que é negra, diz que com o tempo foi percebendo como a cor de
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sua pele é determinante para que se sinta "um peixe fora d'água" na
PUC-Rio, uma das melhores e mais caras universidades do país. "Foi
aqui que eu me entendi como uma mulher negra e comecei a entender
a importância de estar aqui e de persistir", explica. Moradora do
Recreio, um bairro de classe média da zona oeste do Rio de Janeiro, ela
Estudantes negros
enfrentam o racismo é a primeira mulher de sua família a completar o ensino médio e a
de professores e
segunda pessoa a ingressar no ensino superior — a primeira foi seu pai.
colegas em
universidades Já a instituição em que estuda é a mesma dos futuros advogados,
juízes, promotores e defensores públicos que, há poucos anos atrás,
cantaram a seguinte música nos Jogos Jurídicos:

Agora a UFRJ se fudeu, se fudeu


Estudantes
denunciam
O pobre deles não é mais pobre que o seu.
professora por aulas
racistas em
universidade
Quer ajuda pro trem? Eu inteiro

Um trocado pro lanche? Eu dou

“Estamos num
Aproveita que hoje eu to bonzinho,
momento em que o
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“Para você não Learn More


No fim do mês a grana vai faltar, vai faltar CONTINUE TO SITE
romper o silêncio e
manter as relações
Vai no lixão lá da central catar lata!

Canções do tipo eram até pouco tempo frequentes e consideradas


como parte da diversão nessa competição esportiva, realizada entre
saudáveis, você tem
que negar a sua cor” várias universidades. Mais precisamente até junho deste ano, quando,
segundo relatos, alunos imitaram macacos diante de torcedores negros
do time rival e uma menina jogou uma casca de banana em direção a
um atleta negro. O que sempre foi brincadeira tornou-se escândalo.
Após a faculdade ter sido suspensa dos jogos deste ano, a vice-reitoria
comunitária e o Departamento de Direito constituíram uma comissão
Fabiana Cozza: “Eu
não sou uma vítima” disciplinar formada por três professores para apurar o ocorrido. Até o
momento não encontraram culpados, mas sugeriram a contratação de
mais docentes negros.

A PUC-Rio vem mantendo a discrição desde que estourou o escândalo. Além de ter
constituído a comissão, lançou notas lembrando de seu pioneirismo na "implementação de
políticas de inclusão educacional, racial e social, através de uma prática efetiva e
consolidada de apoio a vestibulares populares, concessão de bolsas de estudo e apoio de
material didático, além de outras iniciativas que propiciem a permanência do beneficiário
na instituição". Também garantiu repudiar "qualquer discriminação baseada em raça, sexo,
língua, credo e opções existenciais, temas que são objeto de debates, discussões e
pesquisas em inúmeros Departamentos".

A diferença entre antes e agora é que o debate sobre o racismo —assim como sobre
LGBTfobia, machismo, entre outros temas— vem ganhando uma amplitude sem
precedentes na história do país. De tal modo que gritos de torcida, piadas ou comentários
racistas e classistas são cada vez menos tolerados. Mas os obstáculos enfrentados por
estudantes negros e das periferias —incluindo também os brancos que estão no segundo
grupo— são inúmeros e vão muito além de comentários ou piadas, segundo conta Lucas
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Clementino.
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depois, após fazer transferência externa, na PUC-Rio. Trabalha desde os 15 anos e, ao


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ingressar no ensino superior, passou a conciliar o trabalho com a faculdade e os longos
deslocamentos em transporte público. "Fazemos uma matéria que se chama Projeto em
que temos uma demanda de produção muito grande. Toda hora tem que fazer alguma
coisa nova. Quando entrei, ainda morava em Mesquita e não tinha tempo pra produzir
porque o meu tempo era gasto no transporte público", conta.

A principal questão sempre foi o dinheiro, apesar de estar isento da mensalidade. "O
material é absurdamente caro, as canetas são muito caras... No último período, eu e minha
dupla de projeto tivemos que passar o cartão e parcelar uns 500 reais em maquete e
prancha. E isso é o valor para um período e uma só matéria", conta Clementino. Ele explica
que alguns professores compreendem e tentam ajudar, enquanto outros já dizem no
primeiro dia de aula que é melhor "os alunos bolsistas desistirem se não se adequarem,
porque a matéria é de tal jeito e não tem como mudar". Ele até propôs que alguns trabalhos
fossem apresentados em slides ao invés das caras impressões, mas diz que alguns
docentes ainda relutam por causa de "preciosismos". A solução passa por fazer menos
matérias e atrasar sua formatura. "Existe uma exclusão por classe. Muitas pessoas que não
conseguem pagar e não conseguem fazer o curso acabam desistindo, porque ele é
pensado de tal jeito para determinado tipo de gente".

Otavio Leonidio, professor e diretor do departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC-


Rio, conta que, desde que assumiu o cargo, em março deste ano, está aplicando mudanças
para contemplar as demandas dos alunos negros ou bolsistas. Após fazer uma plenária
com os estudantes, a primeira questão que apareceu foi a dos custos mencionados por
Clementino. "Todos os desenhos coloridos podem agora ser projetados no projetor. E isso
diminuiu em 80% os custos de plotagem [um tipo de impressão]. Só vamos pedir plotagem
para o desenho técnico, mas estamos comprando uma impressora plotter de uso exclusivo
dos alunos. O preço, super subsidiado, vai ser revertido para o centro acadêmico e para a
manutenção da máquina", explica. "Estamos também fazendo um banco reserva de
material de maquete que antes não era reaproveitado. E vamos também começar a
subsidiar as viagens de estudo, que não terão os mesmos preços para quem pode e não
pode pagar", acrescenta.
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transporte público e que, apesar de não poder interferir diretamente em cada aula, tenta
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que todos os demais professores também sejam compreensíveis. Garante, por fim, que a
PUC-Rio como instituição está aberta e empenhada em fazer mudanças, sob a batuta do
vice-reitor comunitário Augusto Luiz Duarte Lopes Sampaio. "Temos que dar boas vindas a
essas mudanças, temos uma dívida tremenda que está na hora de saldarmos. E essa ideia
de que vamos fazer uma conciliação muito apaziguada é ainda uma expectativa do mundo
branco. É ainda a ideia de dominação. Claro que vai haver mal-estar, uma reação forte de
quem perde privilégios", diz ele, que também defende incorporar nas bibliografias dos
cursos autores e conhecimentos negros.

Os coletivos se fortalecem
Em momento crucial para um ensino superior brasileiro em crise, cujo financiamento e
viabilidade entrou na rota dos candidatos a presidente neste ano de eleições, soma-se um
desafio que vai além da democratização de seu acesso: como mudar mais rapidamente
uma estrutura ainda considerada opressora de instituições públicas e privadas, que
absorveram nos últimos anos um imenso contingente de pessoas a partir de políticas
afirmativas, como os sistemas de cotas raciais e para alunos de escolas públicas, o
programa de financiamento estudantil FIES e o sistema de bolsas de estudo PROUNI. Após
esse choque de mistura racial e de classe, os campus tornaram-se palco de disputas por
espaço.

"As universidades não eram vistas como um lugar em que negros pudessem normalmente
estar. Quando você começa a mudar isso, muito por conta da luta do movimento negro e
de democratização do acesso a educação, você tem um aumento dessa disputa. Ela fica
mais evidente", explica Silvio Almeida, professor de filosofia do Direito da FGV e Mackenzie.
Estudioso das questões raciais, Almeida argumenta que os coletivos negros universitários,
mais visíveis também por conta das redes sociais, já não são apenas movimentos de
resistência, mas que também demandam transformações na dinâmica universitária. "O
fato de que a sociedade seja racista faz com que as instituições reproduzam essa dinâmica,
mas não quer dizer que não possam se colocar numa postura contraria a isso. Senão, a
gente não responsabiliza tanto as instituições como os indivíduos".

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referência a "Filhos da PUC", expressão normalmente usada por aqueles que estudam na
instituição. O grupo, que reúne alunos bolsistas, negros ou não,
Learn começou
More como um
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de WhatsApp em que os estudantes trocavam informações sobre lugares mais baratos


para comer ou tirar xerox e se tornou uma grande rede de apoio entre eles. Em uma página
no Facebook com 14.000 curtidas estão os vários relatos de situações e dificuldades
cotidianas pelas quais acabam passando. "Existe uma discussão entre os alunos bolsistas
sobre esse espaço da universidade, não só sobre o acesso a ele, mas também sobre
permanência. Percebemos claramente que esse espaço não é pensado para nós e, apesar
de existirem professores e funcionários sensíveis as nossas discussões, há uma estrutura
muito grande que se organiza para se manter e perpetuar essa exclusão dentro do
ambiente universitário".

O rapaz, assim como Juliana Costa e outros alunos e ex-alunos da graduação e da pós-
graduação, também participa de atividades do Nuvem Negra. "É um espaço de acolhimento
e fortalecimento dos negros na universidade, construído por pessoas negras para pessoas
negras", explica Ana Carolina Mattoso, 28 anos e doutoranda em Direito. "É uma questão
de articulação política no ambiente universitário, no sentido de pautar e reivindicar uma
luta antirracista na universidade", acrescenta Mattoso. Seu colega, Lucas Obalera de Deus,
ex-aluno de Ciências Sociais de 27 anos, argumenta que o racismo está institucionalizado
"na ausência de disciplinas e de professores negros", assim como na "naturalização de
você chegar na sala de aula e ser o único aluno negro". O resultado disso, ele diz, é o
acúmulo de "uma série de violências, de microagressões".

O coletivo faz reuniões semanais, publica um jornal semestral, desenvolve várias atividades
abertas e, principalmente, centra sua luta em conseguir mudanças efetivas na estrutura da
universidade. "Queremos mexer no currículo, no plano pedagógico, acrescentando
disciplinas que tratam das relações étnico-raciais, que apresentem uma epistemologia
negra, um conhecimento negro. Estamos propondo aos departamentos disciplinas e
emendas de disciplinas, para que haja uma transversalidade do tema racial", explica
Mattoso. Não há dados sobre a proporção de alunos autodeclarados negros na
universidade. No caso dos professores, são apenas 86 entre um total de 1.985, 4,3%. "É
preciso que a universidade passe a ser uma pluriversidade. Isso impacta diretamente na
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negra encarcerada, que faça com que Rafaéis Braga se proliferem", exemplifica Obalera de
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Deus.
Mattoso fez sua graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um ambiente
menos elitizado por ser uma instituição pública. Mas ainda assim hostil, em sua percepção.
"Sempre fui confiante como estudante, mas nas relações você percebe por que não faz
amizade com determinados grupos, ou não é incluído perto de determinadas pessoas. As
turmas na UFRJ são enormes e divididas em guetos. Eu sempre ficava nos guetos dos
pobres", diz ela. É o que conta também Aline Araújo Sampaio Conceição, ex-aluna de
Direito da UNIRIO até 2012 — época em que ainda não possuía cotas raciais. "Éramos
apenas quatro negros na turma, totalmente invisíveis. Aliás, uma turma que foi apelidada
de senzala, o que soube por acaso", conta ela, hoje com 34 anos e mestranda na França.
Além disso, ela diz que o racismo sempre aparecia nas conversas de forma velada. "Coisas
do tipo 'você é negra, mas...'. Depois desse 'mas' vem 'é inteligente, é esforçada, não é
preguiçosa'. Mas no Jogos Jurídicos as coisas ficavam bem as claras", acrescenta.

Entre as situações mais constrangedoras que vivenciou está o dia em que uma professora
ofereceu uma vaga de estágio na Defensoria Pública para seus alunos e colocou várias
exigências. "O aluno tinha que ser oriundo de escola de ponta, como o Colégio Cruzeiro,
Escola Britânica, São Bento e Santo Inácio. Segundo ela, alunos que vem desses colégios
são aptos a escrever em língua portuguesa, outros não", conta Conceição. "Ou seja, eu me
formei com nota 9,3, mas não estaria apta para ser estagiária dela. Esse é o tipo de coisa
que remarca bem o lugar de cada um na sociedade da meritocracia".

O professor Almeida dá outro exemplo: "Ainda hoje, em sala de aula, os professores de


Direito dão exemplos racistas para explicar casos, associando pessoas que cometem
crimes com pessoas negras, como se isso fosse algo normal". Ele também explica que
professores negros, como ele, possuem pouco espaço para discutir problemas do Brasil e
do mundo. "Uma coisa que muito me incomoda é que o fato de que ser professor negro não
significa que você apenas possa falar de racismo. Isso é um ponto central pra mim. Quando
se é um professor negro, você acaba pautado pela questão racial. E tenho dito que eu pauto
a questão racial, mas ela não me pauta". Assim, um ponto fundamental é que as
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racial ou não". "O que eu entendo", ele prossegue, "é que não se pode tratar nenhuma
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dessas questões sem tratar da questão racial, que é um elemento analítico, um objeto
científico".
› ARQUIVADO EM:

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