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Radio Rethink

uma experiência canadense

Lilian Zaremba

A cidade de Banff no Canadá possui um importante Centro de Artes. No


final dos anos 80 esse Centro recebeu um rádio-transmissor permitindo
que se formasse uma comunidade ao seu redor. A exemplo do que
acontece em vários centros de estudos universitários no Canadá uma série
de projetos imediatamente foi constituída dando origem aquele que
ficaria conhecido como projeto Rádio ReThink .
Junto com a aquisição do rádio-transmissor vários artistas foram
incentivados a criar trabalhos fora das definições correntes de produção
artística e desenvolver novas audiencias.
Assim começa a estação de rádio informal em Banff Centre : a Radia 89.9
Diversos aparelhos de rádios foram instalados no campus e dormitórios
de Banff, sendo que uma mistura de expressões constituía a transmissão
intermitente do canal. Isso durou várias semanas, durante as quais vários
projetos específicos para transmissão eram desenvolvidos. Esse período
inicial de transmissão da Radia 89.9 foi observado com o objetivo de
formular questões que pudessem ser trabalhadas pelos artistas
posteriormente. Percepções relacionadas a audiencia, ao fenômeno
técnico do dead air, fora do ar ou como se pode chamar também ar
morto, questões foram colocando as diferenças entre radio art e
programações alternativas ou entre radio art e instalações , entre outras.
O resultado dessa experiência foi a gravação de um CD, publicação de
uma coletânea de textos relacionados ao assunto e uma série de eventos
na Galeria Walter Phillips.
Daina Augaitis , diretora de Artes Visuais de Banff Centre e curadora da
Galeria Walter Phillips comentou:

... Radio Rethink foi um foco concentrado em várias dessas questões ,


trazendo junto uma série de pre-projetos , trabalhos vivos e peças
interativas para rádio . É também significativo que isso tenha sido
adotado por uma galeria de arte trocando os limites pre-determinados
do cubo branco e alargando a participação e o processo de atividade
orientada em seu espaço.1

1
AUGAITIS , D. Lander (edt) , 1994 , p. 4
in : Radio Rethink , art , sound and transmission. Walter Phillips Galery, Banff 1994

1
O conjunto de trabalhos ao qual tivemos acesso através das gravações em
CD e textos com fotos da coletânea impressa, é bastante heterogêneo
incluindo reflexões sobre arte, som e transmissão radiofônica e relato dos
eventos na galeria Walter Phillips. Não pretendemos neste artigo analisar
as propostas radiofônicas do projeto Radio ReThink por duas razões:
primeiro não dispomos de informações e material suficiente para um
estudo mais detalhado, sendo a experiência desse projeto muito recente2
o próprio tempo deverá se encarregar de condensar seus excessos e fazer
divulgar seu conteúdo de valor sobrevivente .
Consideramos também o fato dessas experiências radiofônicas se
desenvolverem no espaço de uma galeria de artes plásticas extrapolando o
universo de estudo radiofônico proposto por essa pesquisa atingindo uma
outra área ou seja , as artes plásticas.
Sendo assim nosso foco estará direcionado à observação de duas dessas
experiências extraídas do projeto Radio ReThink, através das quais
discutiremos aquela que vem sendo a questão principal de nossa
observação, isto é a possibilidade de modificação nos padrões de
transmissão radiofônica clássica3. Nos interessa investigar até que ponto
o rádio estará realmente fora do rádio quando atomizar categorias e
conceitos pertencentes ao discurso das artes plásticas em uma galeria de
arte.
Selecionamos para nossa observação o trabalho realizado pelo produtor
radiofônico e escritor canadense Christof Migone, pesquisador do Centre
for Radio-Telecommunications Contortions (CRTC) em Montreal. Esta
produção de Migone possui o título de Open your Mouth and Let the Air
Out sendo montada como instalação radiofônica na Galeria Walter
Phillips. Descreveremos também a experiência de Colette Urban, artista
plástica canadense e professora da Memorial University in St. John's,
Newfoundland, que foi executada parcialmente na mesma galeria de arte
e em sete pontos exteriores a ela, em locais públicos da cidade de Banff.
It's on Your Head , It's on Your Head é o título da proposta apresentada
por Urban .
Para nos auxiliar na configuração de uma série de questões que
pretendemos levantar na continuidade dessa observação, entrevistamos o
artista plástico Waltércio Caldas, um dos expoentes da arte
contemporânea brasileira e internacional.

2
este artigo foi escrito em 1997, portanto, apenas três anos após a realização deste
projeto canadense.
3
Por “clássica” vamos entender os padrões habituais de transmissão e recepção radiofônica
nos anos 80.

2
Abra sua Boca e deixe o Ar sair

A instalação radiofônica proposta por Christof Migone parte da idéia de


que o aparelho do rádio representa ... uma implosão , um cubículo
sinistro a ponto de produzir em antítese com o espaço por definição
expansivo da difusão . Sem fios , mas com um emaranhado interior que
se assemelha a um cérebro inanimado mais do que a um grande
comunicador o rádio é constrangido não apenas pelos interesses
comerciais e pelas regulamentações governamentais , mas também por
si mesmo . A ofuscação de seu aparato é endemica.4

A idéia de Migone é que o rádio despido de seu aparato tecnológico, seu


hardware, seria pura radiofonia, metáfora, sugerindo que a radiofonia não
se relaciona apenas ao carater tecnológico do rádio mas a numerosas
referências de outras naturezas como por exemplo, o confessionário
religioso, esse espaço da clausura é uma radiofonia sem transmissor.
Como no aparelho de rádio, a arquitetura do confessionário existe em
paradoxo com seu impacto de longo alcance. Open Your Mouth and Let
the Air Out transforma o aparelho de rádio, ou crânio, num confessionário
personalizado e computadorizado. Ali pode-se entrar no rádio…o rádio
não bate a sua porta, você simplesmente entra dentro dele.5
Uma vez lá dentro, acionando programa pre-gravado, o ouvinte vai ser
convidado a participar de dialogos que são verdadeiros jogos de mímica.

... As ondas do ar são o parque de diversões ideal para que dois


estranhos tenham uma conversa íntima. Você pode participar de um
pas de deux , onde e a conversa não precise ir a lugar nenhum , como
numa dança .
Eu a aborreci , ela disse : você me aborreceu !
E eu respondi : eu acho que sua voz se tornou a minha assim que você
me chamou .
Trancados dentro de um rádio, nós fincamos nossos dentes dentro
dessa eletricidade e encontramos um discurso que foge de nossas bocas
sòzinho.6

A despeito do impacto e curiosidade que um confessionário montado no


espaço de uma galeria de arte possa causar, sua classificação como obra
radiofônica ou radioarte nos parece vaga . Senão vejamos.

4
Migone, Christof - 1994 , p. 119 in Radio Rethink , ibidem.
5
Ibidem p.119.
6
ibidem p.120

3
Inexiste um aparato técnico que se configure como rádio7 e sim um
conjunto de aparelhos eletrônicos, computadorizados, encarregados de
funções como gravar ou reproduzir mensagens/confissões.
Ao eliminar a delimitação dos papéis de transmissor e receptor, Migone
anula aquela que seria a condição inicial para a comunicação radiofônica.
No caso Migone pretende tomar a radiofonia como metáfora,
dispensando o conjunto de elementos que sustentam seu desenho técnico
e teórico. Mas como definir aspectos essencialmente radiofônicos num
diálogo que se quer não-diálogo e mais, propõe ser uma negação da
mensagem no sentido de que não se endereça a ninguém?
Como observou Waltércio Caldas8, o confessionário de Migone parece
trabalhar com a idéia de gravação e não exatamente de radiofonia.
Numa operação de gravação você grava e recebe o retorno, o feed back e
não de emissão, lançando uma mensagem seja para onde for .
Porém, como ressalva Caldas, esse confessionário ... não considera que
a utilização que ele faz dos elementos é valor de linguagem (...) quando
Alfred Hichtcock pega um livro que é de pouquíssima qualidade
literária e faz um bom filme é porque ele sabe que a transposição de um
elemento a outro é que vai fazer a linguagem; é na utilização daquele
sentido reproduzido, que ele dilata a possibilidade de significação do
material anterior . Mas o que eu vejo nesse confessionário é uma
utilização precária das potencialidades espaciais do rádio, do
confessionário e da galeria de arte .
O maior gol de Migone reside na sugestão de um espaço, embora a
proposta radio fora do radio se mostre incipiente. Waltércio acrescentou:

...acho que nesse trabalho a espacialidade é mais importante do que a


transmissão radiofônica (...) a significância desse trabalho estaria em
vários conceitos que se referem a espacialidade da galeria através de
um novo espaço interior da galeria , que seria a reduplicação da
interioridade da galeria através de um outro espaço que seria o do
confessionário . Assim, você teria a galeria, o confessionário e dentro
do confessionário você teria o rádio, três graus de interioridade. O que
eu me pergunto é até que ponto esse trabalho acrescenta alguma coisa
(...) o único avanço seria inserir dentro do espaço íntimo de uma
galeria duas ou três instâncias de intimidades, uma dentro da outra.

7
este artigo foi escrito bem antes das conexões multimías e opções digitais de
transmissão e recepção que mudariam o que se pode chamar de “rádio”.
8
entrevista relaizada no atelier do artista em 1995.

4
It's on your head / performance

A segunda experiência que escolhemos observer foi classificada por sua


autora, a artista plástica Colette Urban, como uma performance .9
A montagem de Urban contava com sete participantes e durou sete dias
seguidos. Esquematizado da seguinte maneira: a cada dia um participante
do grupo ficava no posto de transmissão de um equipamento radiofônico
instalado na Galeria Walter Phillips. Os outros seis integrantes do grupo,
devidamente vestidos com seus bonés-rádio (espécie de gorro preto
grosso que escondia dentro um pequeno aparelho) saíam as ruas, a cada
dia em direção a um local público da cidade pré escolhido por Urban .
Esses bonés ou gorros pretos são modelos comuns, utilizados por muitos
canadenses para se proteger do frio. A diferença é que eles apresentam no
tôpo da cabeça um bolso de nylon que embute um pequeno receptor
AM/FM equipado com relógio digital e cronômetro.
Naturalmente saindo desse mini-rádio, uma antela longa, espetada em
direção ao céu. Cada boné-chapéu-rádio está sintonizado na estação
Radia 89.9, a frequência do projeto Rádio Rethink .
Com os bonés na cabeça o grupo passeia normalmente pelas ruas.
Uma das premissas da experiência é que os componentes orais e auditivos
sejam cumulativos.
Por isso, a cada dia é realizada uma gravação - pelo membro do grupo
que permanece na Galeria - de um minuto de duração. No final do dia, a
gravação é mixada a outra realizada no dia anterior, e assim
sucessivamente, de tal maneira que no domingo, quando a performance
se encerra os sete minutos de transmissão foram compostos através dessa
colagem semi-aleatória de audio individuais .
Além disso, cada boné-rádio possui um número e cada um estará
recebendo um trecho diferente dessas gravações a qualquer momento,
fazendo com que nunca ninguém saiba o que o seu boné vai transmitir, é
sempre inesperado .
O resultado pode ser uma coincidência como, num dos passeios externos
do grupo, entrando em uma casa de bebidas, um dos bonés começou a
irradiar um texto de Dylan Thomas sobre um casal de bêbados que
entrava no chuveiro de roupa e tudo. Surpresas para todos os

9
URBAN , C. 1994 , p. 195 . apud WESTBURY , T. artigo Urban Radio in Radio
Rethink

5
componentes da experiência e mais para o public na loja que num
primeiro momento não percebe os rádios instalados nos bonés.
A performance “It's on your head” de Colette Urban se mostra disposta a
lidar com aspectos da linguagem radiofônica como a descorporificação
temporária da voz emitida pelas ondas do rádio.
No momento em que alguém fala, de dentro de um chapéu, no meio da
rua, e não se pode definir quem fala, uma voz solta no ar, não se pode
identificá-la visualmente, Urban brinca com a impossibilidade de
corporificação. A intensão é provocar uma alteração na rotina ...
lançando alguma coisa ao público que possa ajudar na percepção
daquilo que estão vivendo e estimulando uma relação diferente com o
meio ambiente.10
Na opinião do músico e produtor de media Tim Westbury ,

... a proposta de Urban reside em utilizar o rádio como ferramenta para


exposição e compreensão das complexas relações sociais que precisam
ser renegociadas. As tecnologias orais/auditivas residem na existência
do "público ", assim, na peça de Urban, os participantes são, eles
mesmos, os (re)transmissores que se endereçam ao público como
contadores de estórias numa escala muito mais complexa do que se dá
numa simples tecnologia de transmissão.11

Urban Radio propõe o deslocamento do canal do rádio, a estação


ambulante expressa em cada performer, utilizando operações de acaso na
mixagem e colagem dos diversos discursos de seus participantes, ensaia
um desejo de interatividade quando aproxima público e (re)transmissores
confundindo os papéis. Admitindo esse perfil, devemos igualmente
observar que não ocorrem alterações significativas nas relações de
transmissão: conserva-se o aparato técnico de uma estação transmissora,
um veículo e receptores (os receptores são ambulantes). Não se desenha
nenhuma novidade do ponto de vista da composição de suas mensagens
em relação a linguagem radiofônica. Da mesma forma uma suposta
participação do público é apenas esboçada.
A série de performances, transmissões, instalações e textos do projeto
Radio Re-Think formularam propostas um tanto ousadas considerando a
época e seguem sendo referência importante, inspirando ousadia ao se
repensar com novos ouvidos (e olhos) a comunicação via rádio. Passado o
tempo, se mostram atuais nesta incessante reinvenção da longeva
radiofonia como comunicação e arte.
10
ibidem, Urban
11
WESTBURY , T. , 1994 , p. 194 Urban Radio in : Radio Rethink

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