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A consulta médica no ambulatório de endocrinologia

Prof Josivan Gomes de Lima

A anamnese e o exame físico no ambulatório são diferentes em relação aos realizados


no paciente internado. No ambulatório, teremos menos tempo para colher dados do
paciente, de modo que devemos ser mais sucintos e buscar dados relacionados diretamente
com problema que traz o paciente para a consulta.
No ambulatório de endocrinologia, as doenças mais prevalentes são diabetes,
obesidade, dislipidemia, hipotireoidismo, hipertireoidismo, nódulo de tireoide, osteoporose,
síndrome dos ovários policísticos, doenças hipofisárias. A investigação clínica se inicia já
no momento em que o paciente entra na sala. A simples inspeção do paciente, procurando
bócio, acantose nigricans, obesidade abdominal, etc. e considerando ainda idade e sexo do
paciente pode, até mesmo antes do início da anamnese, trazer dados que ajudam a sugerir
uma hipótese inicial. Com essa (s) hipótese (s) em mente, fica mais fácil direcionar a
anamnese para confirmar ou afastar determinadas doenças. O exame físico ajudará mais
ainda a fechar o correto diagnóstico ou, se já existe um diagnóstico firmado, buscar
alterações clínicas que caracterizem complicações daquela doença. Se ainda persiste dúvida
diagnóstica após essas primeiras etapas da consulta médica (anamnese e exame físico), os
exames laboratoriais e/ou de imagem deverão ser solicitados. Lembramos que tais exames
são ditos complementares e só devem ser solicitados com um objetivo em mente. Devemos
evitar solicitar exames “de rotina”, ou seja, pedir exames simplesmente por pedir, sem um
porquê definido. É freqüente ver alunos solicitarem hemograma, ureia, creatinina, etc. sem
ter um motivo sólido para pedirem tais exames. Devemos sempre ser capazes de justificar a
solicitação de cada exame, baseando-nos em uma hipótese ainda não confirmada, na
avaliação diagnóstica de complicações ainda não estabelecidas ou ainda na análise de
melhora/piora após ter instituído um tratamento específico Não peça exames apenas por
rotina! Isso não significa que não existam rotinas para determinadas doenças. Existem,
porém são embasadas no entendimento daquela doença. Quando dizemos então que a rotina
para pacientes diabéticos inclui glicemia de jejum, glicemia pós-prandial, hemoglobina
glicada, colesterol total, HDL, triglicerídeos, creatinina, uréia, microalbuminúria,
fundoscopia, queremos dizer que esses exames, dependendo de quando foram realizados
previamente, podem ser solicitados para todos os pacientes diabéticos com a finalidade de
avaliar fatores de risco cardiovascular, tratamento atual do diabetes e complicações
crônicas decorrentes da hiperglicemia.

A ANAMNESE.
A abordagem durante a anamnese dependerá se o paciente está vindo pela primeira
vez ao serviço ou se é uma reconsulta.
Primeira consulta.
A seqüência de queixa principal, histórico da doença atual (HDA), antecedentes
pessoais fisiológicos (APF), antecedentes pessoais patológicos (APP), hábitos de vida
(HV), antecedentes familiares (AF) e interrogatório sobre diversos aparelhos (ISDA) pode
ser seguida, mas não com tanta rigidez como na anamnese do paciente internado. O que vai
definir como devemos fazer a anamnese é o motivo pelo qual o paciente foi até o
ambulatório. Lembre-se que os pacientes usualmente retornam para consulta com certa
freqüência e, provavelmente, se não for a primeira consulta naquele ambulatório, quase
todos os dados já foram colhidos anteriormente e não precisam ser anotados novamente.
Leia as consultas prévias. O HDA, entretanto, precisa ser atualizado em toda nova consulta,
escrevendo ali os dados novos que aconteceram desde o último atendimento.
Na primeira consulta do paciente no serviço, todos os dados devem ser coletados,
entretanto, devem ser direcionados para a hipótese que levou o paciente a ser encaminhado
para o ambulatório de endocrinologia. Por exemplo, se um diabético é encaminhado,
poderíamos colher os seguintes dados do mesmo:

1. HDA. Paciente diabético há ___ anos, em uso de ____, queixa-se de____.

Escrevendo dessa forma, já temos, em pouco espaço, muita informação sobre o


paciente. Temos a duração da doença (que é importante, pois quanto mais tempo, maior a
chance de complicações), o tratamento atual da doença e, avaliando as queixas, temos,
indiretamente, dados sobre se esse tratamento está sendo eficaz. Especificamente no
diabético, as queixas que devem ser sempre anotadas são polifagia, podipsia, poliúria, perda
de peso, turvação visual, parestesias em extremidades, prurido vaginal, disfunção erétil,
claudicação intermitente, etc.
2. Antecedentes Pessoais Fisiológicos: no homem, praticamente não haverá
dados para serem coletados nesse tópico. Na paciente mulher, interessa as características
menstruais (mulheres com síndrome de ovários policísticos têm risco maior para diabetes,
bem como aquelas com fetos macrossômicos (>4kg)). Idade de menopausa também pode
ser um dado importante, já que o risco cardiovascular e a chance de osteoporose aumentam
após a menopausa.
3. Antecedentes Pessoais Patológicos: doenças concomitantes mais prevalentes
no diabético incluem aquelas que fazem parte da síndrome metabólica (dislipidemia,
hipertensão arterial, hiperuricemia, AVC, IAM, etc). Cirurgias de revascularização
miocárdica, angioplastia, colecistectomia (paciente obeso) também devem ser anotadas.
Indicadores de complicações crônicas do diabetes, como aplicação de laser na retina,
amputações, realização de diálise devem ser pesquisados.
4. Hábitos de Vida: tabagismo, etilismo, realização de exercícios físicos (tipo,
freqüência), padrão alimentar (comedor noturno, beliscador, bulimia, alimentos
preferenciais, uso de adoçante, etc) são pontos importantes nesse tópico.
5. Antecedentes Familiares: deve ser questionado sobre a presença de diabetes,
hipercolesterolemia, hipertensão arterial, IAM, AVC, amputações, tireopatias, etc. na
família.
6. ISDA: esse é um tópico menos importante, pois se a história tiver sido bem
feita, não haverá nada para anotar aqui, podendo então ser omitido.

A anamnese de pacientes com tireopatias, usualmente, é menor, não exigindo todos


esses tópicos, pois a doença é mais limitada e não tão sistêmica como o diabetes.
Entretanto, na medida do possível, podem-se incluir todos os tópicos, lembrando-se apenas
de direcionar para a hipótese diagnóstica (hipotireoidismo, hipertireoidismo, nódulo
tireoidiano).

Consultas subsequentes (reconsulta).


Uma vez que o paciente esteja retornando ao ambulatório, seja para uma nova
consulta, seja para trazer resultados de exames, a anamnese deverá ser bem mais resumida,
pois todos os dados anteriores já devem ter sido coletados na primeira consulta. Devemos
sempre confirmar se as condutas propostas na consulta prévia foram seguidas pelo paciente
(Está tomando os medicamentos e seguindo a dieta conforme prescrito? Foram realizados
os exames conforme solicitado? O paciente procurou outros médicos conforme
encaminhado?). Há uma maneira bastante resumida e prática de anotar os dados dessa
consulta subseqüente, conforme exemplo abaixo:

02/02/2016 # DM2 – Glibenclamida 5mg 2+1+0


Metformina 850 1+1+1
# Dislipidemia – Sinvastatina 20mg 1cp/noite
# HAS – Enalapril 10mg 1+0+1
HCT 12,5mg 1cp/manhã
# Hipotireoidismo – Puran T4 50mcg 1cp/manhã

Paciente retorna sem queixas. Foi à nutricionista. Está fazendo


caminhadas 3x/semana e cumprindo a dieta. Não fez os exames
solicitados na última consulta.
Ao exame: P = 85kg (↓2kg) E = 164cm IMC = 31,6kg/m2
TA = 125 x 85 mmHg Cintura = 97cm Quadril= 104cm
Conduta: mantida. Aguardo exames.
Planos: iniciar aspirina.

Observem que em pequeno espaço a maneira de anotar nos permitiu saber exatamente
quais são as doenças que o paciente apresenta (diabetes, dislipidemia, hipertensão arterial,
hipotireoidismo), quais medicamentos está usando e em que posologia. Essa maneira de
anotar nos poupa tempo e espaço e é de mais fácil visualização que se fôssemos escrever
seqüencialmente em várias linhas. A maneira de anotar a posologia tanto pode ser no
formato X+Y+Z (quantos comprimidos no café, almoço, jantar), como pode ser
diretamente no formato Xcp/horário (x comprimidos no horário tal = café, almoço ou
jantar). Se estiver usando só um comprimido por dia (como é o caso da sinvastatina), esse
último formato é preferível, enquanto que o primeiro formato deve ser utilizado no caso de
vários comprimidos em horários diferentes (como a glibenclamida, por exemplo).
Observem ainda que a anamnese foi bastante reduzida, limitando-se ao que aconteceu
desde a última consulta, se o paciente cumpriu às recomendações, se está tomando
corretamente os medicamentos e fazendo a dieta e se fez os exames solicitados. Após o
exame físico, além da conduta, podemos incluir novas hipóteses diagnósticas (baseando-se
nos novos exames e/ou em algum dado novo do exame físico), bem como planos futuros
(lembre-se que a próxima consulta desse paciente poderá não ser realizada por você, de
forma que é importante anotar o que se estava planejando nessa última consulta).

EXAME FÍSICO.
As medidas do peso (kg), estatura (m), cintura (cm), quadril (cm), bem como o
cálculo do índice de massa corpórea (IMC – kg/m2) devem sempre estar presentes nas
consultas, mas podem não ser anotados caso seja uma consulta retorno com a finalidade
apenas de mostrar exames solicitados (a não ser que a última consulta para solicitar exames
tenha sido há mais tempo). Como síndrome metabólica é muito prevalente em nosso
ambulatório, sempre que possível, devemos medir a pressão arterial (nem sempre há
tensiômetro disponível no ambulatório, de modo que, se você tem o seu, leve-o).
Importante dizer que cada aluno deve ter seu próprio estetoscópio. No paciente diabético,
com a finalidade de avaliar hipotensão postural (neuropatia autonômica), pode-se medir a
pressão deitado, sentado e em pé (uma redução maior que 10-20 mmHg sugere neuropatia).
A palpação da tireóide parecerá, inicialmente, difícil, porém é apenas uma questão de
prática. Quanto mais você praticar, mais facilmente identificará alterações patológicas.
Devemos avaliar o tamanho, a consistência (tireóide normal é elástica, enquanto que a
tireóide no hipotireoidismo por tireoidite de Hashimoto é elástica firme ou endurecida), a
superfície (regular ou irregular pela presença de nódulos únicos ou múltiplos). Lembre-se
de pedir ao paciente para deglutir, pois assim poderá avaliar a mobilidade, bem como
facilitará a percepção de pequenos nódulos. Se não conseguir palpar alterações mostradas
pelo professor, não desanime, pois certamente até o final do semestre você irá melhorar
bastante, desde que palpe muitas tireóides (normais e patológicas). Mesmo que o paciente
não tenha queixas que levem à hipótese de tireopatia, palpe a tireóide para se acostumar
com o exame da tireóide normal. Existem duas maneiras de palpar: pela frente, com os
polegares ou por trás com os indicadores, médios e anelares. Tente das duas maneiras e
veja a de sua preferência. Identifique a cartilagem tireóidea e ficará fácil achar o istmo da
tireóide logo abaixo. Note a diferença na consistência e tente palpar os bordos laterais dos
lobos tireoidianos, lembrando que se for muito lateralmente irá palpar os músculos
esternoclido-occiptomastoideos. Perceba a diferença da palpação dos anéis traqueais e da
tireoide.
O exame físico do paciente diabético deverá incluir, além dos tópicos acima:
 Ausculta das carótidas (procurar sopros carotídeos que indicam aterogênese
avançada e aumenta o risco cardiovascular);
 Ausculta cardíaca: avaliar se o paciente tem taquicardia sustentada (paciente
não bradicardiza após manobra de Vassalva) que é um indicador de neuropatia autonômica;
 Medir pressão arterial sentado, deitado e em pé para avaliar a possibilidade
de hipotensão postural que também indica neuropatia autonômica;

Diabetes é a principal causa de amputação não traumática. Assim, o exame do pé


deve ser realizado pelo menos uma a duas vezes por ano ou sempre que o paciente tiver
alguma queixa específica. Podemos avaliar:
 Na inspeção já se pode avaliar presença e distribuição de pêlos (a ausência
ou rarefação de pêlos pode indicar vasculopatia); avaliar também se a musculatura
interóssea está normal ou hipo/atrofiada (indicador de neuropatia diabética).
 Avaliar unhas e orientar que não deve cortar muito no canto para não ferir;
questionar sobre crescimento das unhas (unhas que demoram a crescer podem ser um
indicador de vasculopatia).
 Observe o tamanho e as condições dos calçados e se eles estão adequados
para o uso; pacientes com deformidades necessitam de sapatos especiais, fabricados
exclusivamente para eles. Calosidades podem ser decorrentes de sapatos inadequados ou
pontos de pressão em determinadas partes do pé e aumentam o risco de ulcerações.
 Procurar micoses interdigitais que são portas de entrada para infecções
bacterianas (orientar que o paciente precisa sempre enxugar entre os dedos sempre que
lavar os pés, para evitar a umidade que predispõe a micoses);
 Na palpação, observar se há diferença de temperatura (se mais frio nas
extremidades, indica vasculopatia, enquanto que áreas quentes podem ser decorrentes de pé
de Charcot ou de infecções). Palpar pulsos (principalmente os de membros inferiores, já
que o acometimento no diabético é mais em extremidades). Avaliar pulsos pediosos, tibiais
posteriores, poplíteos e classificá-los em normais, diminuídos ou ausentes.
 Um exame neurológico sucinto poderá fechar o diagnóstico de neuropatia.
Deve consistir de análise da sensibilidade tátil e dolorosa (procurando, nos membros
superiores e inferiores, sempre áreas de hipo ou hiperestesias e lembrando que a
polineuropatia simétrica e distal é a forma mais freqüente de neuropatia diabética).
 Avaliar também a sensibilidade vibratória com o diapasão de 128 Hz:
Inicialmente, aplique o diapasão sobre o pulso, ou o cotovelo, ou a clavícula do paciente de
modo que ele saiba o que será testado. O diapasão é aplicado perpendicularmente sobre a
parte óssea dorsal da falange distal do hálux. Repita esta aplicação duas vezes, mas alterne
com, pelo menos, uma simulação, na qual o diapasão não vibre.
 O teste com monofilamento 10g poderá indicar o pé de risco: mostre o
monofilamento ao paciente e explique como fará o exame (peça para que ele diga quando
sentir a pressão do monofilamento no pé). Aplique o monofilamento nas cabeças dos
metatarsos na planta dos pés, dobrando-o levemente e não mantendo por mais que dois
segundos. Se o paciente não responder em um determinado local, continue aplicando em
outros locais e depois volte àquele local para confirmar o resultado. De cada três pontos, o
paciente deverá sentir pelo menos dois. Lembre-se que o monofilamento não é para avaliar
sensibilidade tátil, mas sim risco de ulceração.

EXAMES COMPLEMENTARES.
Os exames complementares dependerão da hipótese diagnóstica elaborada nas
etapas anteriores da consulta médica. Lembre-se de não pedir exames só por rotina, mas
sempre solicitar embasado em um motivo específico ou uma hipótese diagnóstica. No
paciente diabético, os exames de glicemia de jejum, glicemia pós-prandial (2h após
refeição), hemoglobina glicada, colesterol total, HDL, triglicerídios, creatinina, uréia,
microalbuminúria devem ser solicitados com uma freqüência que dependerá dos últimos
exames realizados (se foram normais ou alterados). Uma vez instituída terapêutica para
dislipidemia, as dosagens de colesterol deverão ser solicitadas após 45 a 60 dias após o
inicio da medicação. Lembre-se de sempre pedir colesterol total (CT), HDL e triglicerídios
(TG), pois só dessa forma você poderá calcular o LDL através da fórmula de Fridewald
(LDL = CT – HDL – TG/5). Essa fórmula não pode ser utilizada se a trigliceridemia for
maior que 400 mg/dl. As enzimas TGO, TGP e CPK deverão ser solicitadas para aqueles
pacientes em uso de estatina sempre que houver mialgia ou suspeita de hepatotoxicidade.
Lembrar que alguns pacientes obesos podem ter elevações de transaminases
(principalmente TGP) em decorrência de esteatose hepática. O colesterol não HDL (CT -
HDL) deve ser utilizado como meta terapêutica nos casos de hipertrigliceridemia (>400
mg/dl).
Em relação à tireóide, o TSH é o exame mais sensível e deve ser o preferido para
instituir ou modificar terapêutica. Dar preferência às formas livres do T4 e T3
(principalmente o primeiro), pois sofrem menos interferências das alterações nas globulinas
ligadoras de tiroxina (TBG).
Sempre que for solicitar cálcio para avaliar metabolismo ósseo, solicitar também
fósforo e albumina (essa última, para corrigir a dosagem do cálcio, já que estados de
hipoalbuminemia podem alterar o cálcio biodisponível). Calciúria de 24 horas pode ser
necessária. O exame de cálcio iônico não é bom, sendo preferível corrigir o cálcio total para
a albumina.

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