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SUMÁRIO (FICTÍCIO)

INTRODUÇÃO
Apresentação
Justificativa
Metodologia
CAPÍTULO 1 - DISCURSO E COMUNICAÇÃO
1.1 DISCURSO SUJEITO E IDEOLOGIA
1.2 O DISCURSO DA MÍDIA
12.1 Informador e alvo: possíveis interpretativos
1.2.2Contrato comunicacional
1.3 CENAS DE ENUNCIAÇÃO E ETHOS DISCURSIVO
1.3.1 Gêneros do discurso e cena de enunciação
1.3.2 Ethos

CAPÍTULO 2- O EDITORIAL: DISCURSO COMENTADO E POLÍTCO


2.1 O EDITORIAL NO JORNALISMO OPINATIVO
2.2 O EDITORIAL COMO GÊNERO DISCURSIVO
2. 2.1 Mecânica argumentativa
2.3.
CAPÍTULO 3 – CAROS AMIGOS: À PRIMEIRA A ESQUERDA
3.1 O SURGIMENTO DA REVISTA
3.2 DISCURSO DE ENGAJAMENTO POLÍTICO
3.2.1 Formação discursiva
3.2.2 a ideologia a contramão da grande mídia
CPÍTULO 4: O ETHOS NOS EDITORIAIS DA REVISTA CAROS AMIGOS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CAPÍTULO 1- DISCURSO E COMUNICAÇÃO
1.1 DISCURSO, SUJEITO E IDEOLOGIA

A tripla relação entre discurso, sujeito e ideologia é, por assim dizer, a base do
funcionamento da linguagem. Neste funcionamento, os sujeitos e o sentido estão submersos na
linguagem, pois são afetados pela língua e pela história. Seja qual for o ato de comunicação,
ele é determinado pela situação imediata, como ensinou Mikhail Bakhtin. A palavra dentro de
uma enunciação, está vinculada a um dado momento histórico, funciona na interação entre um
locutor e interlocutor (outro) e em função desse outro: por exemplo, a palavra pode ser dirigida
aos pais no ambiente familiar; na rua ou escola para os colegas; para um médico, professor, etc.
A ideia de um indivíduo não é originada no seu pensamento, se constrói mediante a
interação com outros indivíduos, organizados socialmente, e com o mundo. Esse processo
dialético é a realidade do signo. E segundo Bakhtin a própria compreensão individual “é uma
resposta a um signo por meio de outros signos” (2009, p.114). A própria consciência “é um fato
socioideológico”. Em outras palavras, o indivíduo utiliza os signos apreendidos para opor a
outros signos, num processo dialético, fazendo assim surgir daí um novo signo. Isso é o que
ocorre nas relações interindividuais, numa sociedade organizada econômica, política e
ideologicamente.
Mas que aqui a ideologia não seja vista cerceada da arena em que atua, ou seja, o próprio
signo. O objeto ideológico possui um significado, portanto “tudo que é ideológico é signo”.
Sem signos não existe ideologia” (BAKHTIN, 2009, p. 31). Ao tratar a palavra como signo
ideológico por excelência, Bakhtin passa a direcionar o seu estudo da linguagem para a
enunciação e enunciado, onde a palavra se manifesta. E nisso, o filósofo russo diz que cada
campo do domínio dos signos produz e refrata a realidade como bem lhe convém, porque “todos
os campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem” (BAKHTIN, 2011, p. 261).
Tudo que os interlocutores comunicam, seja através de discursos mediante os textos orais ou
escritos, será determinado pelo campo no qual é produzido.
Em suma, quando um sujeito passa pelas etapas da objetivação social, entrando no
sistema das ciências, da arte, da moral, do direito, faz da sua “consciência uma força real, capaz
mesmo de exercer uma ação sobre as bases econômicas da vida social” (idem, p. 12). Esses
sistemas se cristalizam na ideologia do cotidiano na qual existem vários níveis de ideologias
que vão do inferior ao superior.
Sobre isso, Michel Foucault foi bastante perspicaz e crítico, contrário a concepção de
ideologia numa perspectiva marxista que se restringe ao poder do Estado e da ciência, e vista
como falsa consciência, considera que todo conhecimento é determinado por uma combinação
de pressões discursivas, institucionais e sociais. Dessa forma, alguns desses conhecimentos
desafiarão os discursos dominantes e outros o aceitarão, num jogo de configurações. Para esse
filósofo:
[…] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de
procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu
acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (FOUCAULT,
2014, p. 9).

Isso quer dizer que por trás de todo discurso existe uma ordem prestes a controlar o que
pode ou não ser dito. Por conseguinte, existem procedimentos de exclusão, o mais conhecido é
a interdição que consiste em três: “o tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado
ou exclusivo do sujeito que fala” (FOUCAULT, 2014, p. 9).
Foucault, concebe o discurso não como um mero conjunto de signos que servem para
significar as coisas, é muito mais do que isso, defende a ideia de que o discurso é pratica que
forma sistematicamente os objetos de que fala. Ele renuncia a ver no discurso um fenômeno
meramente de expressão ou tradução verbal de uma síntese realizada em algum outro lugar,
busca nele um campo de regularidades para diversas posições de subjetividade:
O discurso, assim concebido, não é a manifestação, majestosamente desenvolvida, de
um sujeito que pensa, que conhece, e que diz: é, ao contrário, um conjunto em que
podem ser determinadas a dispersão do sujeito e sua descontinuidade em relação a si
mesmo. É um espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares
distintos (FOUCAULT, 1987, p. 61).

Na tentativa de escrever a história das ideias, ao fazer tais considerações, o autor de A


ordem do discurso não recorre ao sujeito moderno, cartesiano, que pensa e logo passa a existir,
racionalmente soberano. Se enquadra numa das características pós-estruturalistas, que
epistemologicamente, considera e prefere analisar o sujeito não mais numa forma unitária e
sólida, mas sim em crise, desintegrado. Ele vê no discurso um lugar em que vários sujeitos estão
dispersos, e que é preciso colocar sob regularidade. Assim, o discurso é visto por Foucault,
como prática social, essa concepção do discurso como prática que regula as coisas e o sujeito
será a adotada neste trabalho.
Bakhtin situa o sujeito e língua nas relações sociais, passa a considerar a fala ou
enunciação, enunciado e ou discurso como sendo o objeto essencial da linguagem. Assim, a
superar a dicotomia estruturalista saussuriana, pois, leva em conta a troca do enunciado ou
enunciação entre os sujeitos, locutores e interlocutores na sociedade. Por outro lado, Michel
Pêcheux e Michel Foucault “historicizam” as estruturas, estabelecendo uma relação tensa com
os conceitos e métodos da linguística saussuriana, problematizam também o corte entre a língua
e fala, e a história, retornam ao sujeito suspensos na definição do objeto saussuriano. Nas
palavras de Gregolin:
Da articulação entre propostas de Saussure, Marx e Freud surgirão novos conceitos
(sujeito, História, língua) e deles vai derivar o objeto ‘discurso’, tensionado por uma
relação entre esse novo ‘estruturalismo’ (releitura de Marx) e uma nova teoria do
sujeito (releitura de Freud). Nessa revisão, há um conceito específico de ‘história’ que,
evidentemente, não se trata da visão tradicional, mas de uma ‘nova história’
(GREGOLIN, 2006, p. 25).

Pode-se dizer assim que a forma como esses três estudiosos pensam a língua, sem
deixar de relacioná-la com a história e tornando o sujeito imprescindível para a compreensão
do funcionamento da produção de sentido na sociedade é o ponto comum que os mantém unidos
na maneira de pensar o discurso. E como foi visto, Foucault e Bakhtin refletem sobre as
instâncias da sociedade em que os discursos são proferidos, o que leva o primeiro a falar de
uma ordem de discurso prestes a controlar o que pode ou não ser dito. Mas, reiterando
novamente, para o filósofo francês, o discurso seria uma dispersão de enunciados, que o analista
deve ordenar; e mais, o sujeito “não é a causa, origem ou ponto de partida do fenômeno de
articulação escrita ou oral de um enunciado e nem fonte ordenadora, móvel e constante, das
operações de significação que os enunciados viriam manifestar na superfície do discurso”
(BRANDÃO, 2004, p. 35).
Semelhante a essa não submissão do enunciado à consciência suprema de um sujeito,
Bakhtin diz o seguinte:
O enunciado é pleno de tonalidades dialógicas, e sem levá-las em conta é impossível
entender até o fim o estilo de um enunciado. Porque a nossa própria ideia – seja
filosófica, científica, artística – nasce e se forma no processo de interação e luta com
os pensamentos dos outros, e isso não pode deixar de encontrar o seu reflexo também
nas formas de expressão verbalizada do nosso pensamento (BAKHTIN, 2011, p. 298).

Ele, o sujeito, é constituído pelo discurso dos outros, pelas relações discursivas. O
enunciado é, portanto, não só a marca apenas de um indivíduo, mas se constrói também a partir
da relação com os outros. Não deve ser visto apenas como um objeto linguístico, mas como
acontecimento, prática social. E a determinação das regularidades desse enunciado “formação
discursiva”, evitando, como diz o próprio Foucault, palavras demasiado carregadas de
condições e consequências, inadequadas, aliás, para designar semelhante dispersão, tais como
‘ciência’, ou ‘ideologia’, ou ‘teoria’, ou ‘domínio de objetividade’ (FOUCAULT, 1987, p. 43).
Com isso, para Foucault até o modo como um indivíduo interpreta é condicionado pelas
formações discursivas. A formação discursiva consiste na descrição do sistema de dispersão
entre enunciados e na definição de uma regularidade (uma ordem, correlações, posições, etc.)
entre objetos a serem analisados, os tipos de enunciação, os conceitos e as escolhas temáticas
(FOUCAULT, 1987, p. 43).
Além desses dois pensadores mencionados, Michel Pêcheux defende uma posição de
referência a História em relação as questões linguísticas, o que para ele só se:
[…] justifica na perspectiva de uma análise materialista do efeito das relações de
classes sobre o que se pode chamar as ‘práticas linguísticas’ inscritas no
funcionamento dos aparelhos ideológicos de uma formação econômica e social dada:
com essa condição, torna-se possível explicar o que se passa hoje no ‘estudo da
linguagem’ e contribuir para transformá-lo, não repetindo as contradições, mas
tomando-as como efeitos derivados da luta de classes hoje em um ‘país ocidental’,
sob a dominação da ideologia burguesa (Pêcheux, 1995, p. 24).

Essa preocupação de M. Pêcheux com a questão da ideologia produzida pela luta de


classes, deriva da contradição gerada pelo confronto classista. Assim é uma forma de
compreender como funciona a ideologia burguesa, evitando que as pessoas das classes
estigmatizadas não a reproduzam. Traduzindo: trata-se de mostrar a contradição dos sentidos
na linguagem determinados por essa luta classista.
M. Pêcheux toma emprestado o conceito de “formação discursiva” a Michel Foucault
para mostrar essa contradição e sua relação com a ideologia. Segundo Pêcheux:
[…] uma FD não é um espaço estrutural fechado, pois é constitutivamente ‘invadida’
por elementos que vêm de outro lugar (isto é, de outras FD) que se repetem nela,
fornecendo-lhe suas evidências discursivas fundamentais (por exemplo sob a forma
de ‘preconstruídos’ e de ‘discursos transversos’) (1995, p. 314).

Isso quer dizer que uma formação discursiva pode ser invadida por outra FD advinda
de outro lugar, ao explicar essa questão Pêcheux parte da tese de que “as palavras, expressões,
preposições, etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as
empregam” (PÊCHEUX, 1995, p. 160), o que equivale a dizer, em termos bakhtinianos, que a
palavra enquanto signo ideológico por excelência é a arena da luta de classes, e o seu sentido
dependerá da “formação ideológica”, o que leva Pêcheux a chamar, então:
[…] formação discursiva aquilo que, numa formação ideológica dada, determinada
pelo estado da luta de classes, determina o que deve ser dito (articulando sob a forma
de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa,
etc.) (PÊCHEUX, 1995, p. 160).

Desse modo, como dito anteriormente, nem tudo pode ser dito livremente, pois como
mostra Foucault o sujeito não é dono do seu discurso, porque a palavra de enunciação será
determinada pela formação ideológica a qual pertence. As palavras que enuncia dão a ilusão de
que é o dono do próprio discurso, quando na verdade não o é, está sob uma ordem de discurso,
de acordo com uma determinada estrutura, e mesmo porque, reiterando a firmação de Bakhtin,
a própria ideia – filosófica, científica, artística – nasce e se forma no processo de interação e
luta com os pensamentos dos outros.
Em suma, cada ideia é produzida por essas instâncias através de um reflexo e de uma
refração da realidade que as cria, a qual pertencem, são uma forma e um determinado conteúdo
ideológico, ou seja, enunciados diversos “relativamente estáveis” aos quais Bakhtin denomina
com a categoria bastante conhecida, “gêneros do discurso”, que serão tratados mais adiante.
Segue-se nesse estudo a seguinte questão defendida por Orlandi, na sua obra
introdutória Análise do discurso: princípios e procedimentos, em que a língua ao fazer sentido
apenas na história, como mostra Bakhtin, Pêcheux e Foucault, e visto que há por detrás dos
discursos certas ordens, que o colocam sobre uma determinada estrutura a partir de formações
ideológicas, resulta que a interpretação é regulada de a acordo com determinadas condições.
Assim mostra que o “gesto de interpretação se faz entre a memória institucional (o arquivo) e
os efeitos de memória (interdiscurso), podendo assim tanto estabilizar como deslocar sentidos.
Ser determinada não significar ser (necessariamente) imóvel” (ORLANDI, 2005, p. 48). Para
esse estudo se optou pela escolha do segundo, os efeitos de memória, denominado por
Maingueneau de interdiscurso, e dialogismo por Mikhail Bakhtin.
Antes de dar prosseguimento a essa abordagem é preciso fazer uma distinção entre os
sujeitos da enunciação e da análise do discurso. Para Orlandi:
A maneira como concebem o sujeito (na enunciação, o sujeito é um sujeito origem de
si; na argumentação o sujeito é o sujeito psicossocial; na Análise de Discurso, como
vimos, o sujeito linguístico-histórico, constituído pelo esquecimento e pela ideologia)
e o modo como definem o exterior (na pragmática o exterior é fora e não o
interdiscurso) marcam as diferenças teóricas, de distintos procedimentos analíticos,
com suas consequências diversificadas (ORLANDI, 2005, p. 91).

Nessa pesquisa será levado em conta o sujeito do discurso, linguístico-histórico, visto


que se trata aqui de buscar entende-lo produzindo sentido em determinado discurso a partir de
uma formação ideológica e discursiva na sua relação dialógica, porque “todo discurso sempre
está fundido em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora
dessa forma não pode existir” (BAKHTIN, 2011, p. 274).
Depois dessas considerações, é cabível dizer que a comunicação não se restringe a
mera interação entre um “receptor” que “transmite” uma “mensagem” formulada em código
que se refere a algum elemento da realidade (ORLANDI, 2005, 21). O processo de
comunicação envolve sujeitos que são constituídos mediante uma situação imediata, envolvida
pela história e por uma língua dada. E é por meio desse processo que o a produção de sentido
também é determinada.
1.2 O DISCURSO DA MÍDIA
1.2.1 A relação informador e alvo: possíveis interpretativo
Qualquer discurso, como visto nas teorias de Bakhtin e Foucault no tópico anterior, se
origina em determinada instância da sociedade, e materializa-se a partir de tipos de enunciados
relativamente estáveis. Com isso, determinado enunciado possui uma maneira peculiar
correspondente a regras que são determinantes do modo como tratam certas temáticas. Essas
normas se originam do mesmo lugar de atividade em que surgem esses gêneros do discurso.
Cada discurso constitui seu objeto e o elabora até transformá-lo inteiramente. (FOUCAULT,
1987, 37).

Por exemplo, os gêneros do discurso jornalístico ou o próprio discurso jornalístico


pertencem a uma esfera mais abrangente, que é a do discurso midiático. Isso significa que
existem certas regras relacionadas a esse tipo de discurso; ou seja, certas regularidades
determinantes na forma como circulam na sociedade; como nos dizeres de Bakhtin, no modo
como refletem e refratam a realidade de acordo com uma dada visão de mundo.

Inicialmente, uma característica do discurso midiático que precisa ser posta em questão
vai de encontro a essa afirmação do filósofo russo, e é muito bem explicada por Patrick
Charaudeau quando diz que “as mídias não transmitem o que ocorre na realidade social, elas
impõem o que constroem do espaço público” (CHARAUDEAU, 2006, p. 20). O que significa
que a informação por elas transmitida baseia-se numa visão particular construída dessa
realidade. A informação é uma questão de linguagem e como visto anteriormente a linguagem
não é pura como se nascesse sempre de um “grau-zero” toda vez que um sujeito dela faz uso;
nem é transparente de toda. Ao contrário, “ apresenta sua própria opacidade através da qual se
constrói uma visão, um sentido particular do mundo” (idem, 2006, p. 20). Por isso, as mídias
impõem sua própria interpretação da realidade, aquilo que elas constroem a partir dos
acontecimentos.

Ademais, as mídias de informação possuem uma finalidade contraditória em sua


essência, pois se baseiam em uma dupla lógica, contraditórias entre si:

[…] uma lógica econômica que faz com que todo organismo de informação aja como
uma empresa tendo por finalidade fabricar um produto que se define pelo lugar que
ocupa no mercado de troca dos bens de consumo (os meios tecnológicos acionados
para fabricá-lo fazendo parte dessa lógica); e uma lógica simbólica que faz com que
todo organismo de informação tenha por vocação participar da construção da opinião
pública” (CHARAUDEAU, 2006, p. 21).
Essa finalidade ambígua das mídias de informação acaba influenciando as condições de
produção do discurso midiático que são construídos a partir de três lugares definidos por
Charaudeau: o lugar da condição de produção que compreende as práticas de organização
profissionais e realização do produto; o lugar de construção do produto que diz respeito a
organização estrutural semiodiscursiva segundo hipóteses sobre a co-intencionalidade
correspondente a “efeitos visados” e “efeitos possíveis” referentes a relação enunciador-
destinatário; e finalmente, o lugar das condições de interpretação que se baseia no alvo
imaginado pela instância midiática “efeitos produzidos” e nas instância de consumo do produto
“efeitos do produto”. Abaixo o esquema dos três lugares da máquina midiática:

São esses três lugares que constroem o sentido da máquina midiática, a partir dos quais,
segundo Charaudeau, é possível explicar a informação. A explicação virá a partir da análise
desses três lugares, que servirá para dizer o seguinte, que a informação não corresponde apenas
a intenção do produtor, nem apenas à do receptor, ela é sim, de fato, resultado da co-
intencionalidade, pois compreende “efeitos visados” e “efeitos possíveis”. Isso significa que o
discurso midiático se configura em texto a partir de uma organização semiodiscursiva na qual
são escolhidas as formas de um sistema verbal, e de diferentes sistemas semióticos: icônico,
gráfico, gestual. Assim, o sentido só é possível a partir do reconhecimento dessas formas pelo
receptor, da co-intencionalidade.
Em outras palavras, todo texto midiático se direciona a um receptor ideal, imaginado
pela instância midiática, que se encontra em dada condição de interpretação. É por isso, que
para Patrick Charaudeau, “toda análise de texto nada mais é do que a análise dos ‘possíveis
interpretativos’” (2006, p. 27), pois somente uma parte do texto produzido é interpretada.
“No que tange à comunicação midiática, isso significa que qualquer artigo de jornal,
qualquer declaração num telejornal ou num noticiário radiofônico, está carregada de
efeitos possíveis, dos quais apenas uma parte – e nem sempre a mesma –
corresponderá às intenções mais ou menos conscientes dos atores do organismo de
informação, e uma outra – não necessariamente a mesma – corresponderá ao sentido
construído por tal ou qual receptor” (CHARAUDEAU, 2006, p. 28)

Com base nessa explanação, é possível dizer que qualquer que seja o gênero do discurso
jornalístico: editorial, crônica, artigo de opinião, notícias etc., terá apenas uma parte das
intenções conscientes tanto daqueles que produzem os textos jornalísticos, quanto daqueles que
deveram recebê-los, os leitores, que são, em termos midiáticos, o alvo. Um leitor interpretará
um gênero determinado a partir da condição de interpretação em que está inserido. Condição
essa que é determinada pelas condições sociais. Tal concepção não está distante da que foi visto
acima (ver: 1.1), segundo a qual a própria formação ideológica condiciona os gestos de
interpretação, pois a língua que é histórica em essência interpela o sujeito, e neste caso o sujeito-
leitor, interlocutor, destinatário etc.
Sobre esse processo de cooperação entre locutor e leitor, Dominique Maingueneau, fala
em sua obra, Análise de textos de comunicação, do leitor-modelo e saber enciclopédico;
segundo o linguista, ao se tratar de um texto impresso, o destinatário ainda não é um “público
empírico”, mas uma imagem ideal que o sujeito que escreve almeja atingir, este sujeito atribui
a imagem certas aptidões: espera, assim, que o leitor possua uma competência linguística e uma
competência enciclopédica (MAINGUENEAU, 2004, p. 47). A competência enciclopédica diz
respeito aos saberes e scriptes (roteiros) acumulados ao longo da vida.
Comunicar, informar, é questão de “escolha” de conteúdos a transmitir, das formas
adequadas em acordo com a norma do bem falar, está sobretudo na escolha do efeito de sentido
para influenciar o outro, por fim, na escolha de “estratégias discursivas” (CHARAUDEAU,
2006, p. 30). Patrick Charaudeau considera a informação como discurso. Nesse âmbito do
informativo indaga sobre três elementos: a mencânica de construção do sentido, sobre a
natureza do saber que é transmitido e sobre o efeito de verdade que produz no receptor.
A mecânica de construção do sentido se refere aos processos de semiotização: de
transformação e de transição. Primeiro consiste na transformação do “Mundo a significar” em
“mundo significado”, estruturando o segundo através de categorias, expressas por formas.
Aborda: as categorias que identificam os seres do mundo nomeando-os, que aplica a eles
propriedades qualificando-os, as que descrevem as ações nas quais esses seres estão engajados
narrando, que fornecem os motivos dessas ações argumentando, que avaliam esses seres, essas
propriedades, essas ações e esses motivos modalizando. É nesse processo que o ato de informar
se inscreve porque deve descrever (identificar-qualificar fatos), contar (reportar
acontecimentos), explicar (fornecer as causas desses fatos e acontecimentos)
(CHARAUDEAU, 2006, p. 41).

Quanto ao mecanismo de construção, o processo de transição, acaba sendo primordial


no processo da produção de sentido, pois é ele que determina o processo de transformação.
Nessa transação, o sujeito que produz um ato de linguagem, dá uma significação psicossocial
a seu ato, isto é, lhe atribui um objetivo em função de um certo número de parâmetros.

Desse modo, elabora hipóteses sobre a identidade do outro, o “destinatário-receptor”,


quanto a seu saber, sua posição social, seu estado psicológico, suas aptidões, seus interesses
etc.; o efeito que se pretende produzir nesse outro; o tipo de relação que pretende instaurar com
esse outro e o tipo de regulação que prevê em função dos parâmetros precedentes. Ao participar
desse processo, o ato de informar conduz a circulação entre os parceiros de um objeto de saber
que um possui e o outro não, pois apenas a um é dado o papel ou lugar de encarregado da
transmissão e o outro de receber, compreender, interpretar, sofrendo ao mesmo tempo uma
modificação com relação a seu estado inicial de conhecimento (Idem, p. 41).

Só para reforçar: o processo de transação comanda o primeiro, porque no momento da


interação ou ato de comunicação a preocupação não está, inicialmente, no ato de recortar,
descrever estruturar o mundo. O homem fala, a princípio, para se comunicar com o outro,
Bakhtin deixa isso claro, ao considerar que “a função central da linguagem não é a expressão,
mas a comunicação” (BAKHTIN, 2009, p. 127), o que leva a considerar a participação
importantíssima do outro, pois “a linguagem nasce, vive e morre na intersubjetividade”
(CHARAUDEAU, 2006, p. 42). O comentário, a descrição e estruturação do mundo é realizado
falando com o outro. No discurso informativo, o “mundo a significar” pode ser considerado um
“mundo a descrever e comentar”, e o mundo significado um mundo “descrito e comentado”. O
seguinte esquema dá uma ideia disso:
O discurso representa uma relação antes de representar o mundo. Tal aspecto não está
isento no discurso de informação, em que o sujeito informador é capturado nas “malhas” do
processo de transação e só constrói sua informação através dos dados específicos da situação
de troca. Charaudeau afirma que a informação vai além dos “termos de fidelidade aos fatos ou
a uma fonte” de informação. Nenhuma informação pode pretender a transparência, à
neutralidade ou à factualidade” (2006, p. 42). O ato de transação depende do tipo de alvo
escolhido pelo informador, da coincidência ou não coincidência deste com receptor que
interpretará a informação. Em suma, a informação depende do tratamento que lhe é dado no
processo de transação.
A atividade de construção torna o mundo inteligível, como foi visto, devido ao modo
como se propõe a categorizar certo número de parâmetros de combinação complexa. Por isso,
a natureza do saber, Charaudeau afirma, é inexistente, pois o saber resulta de uma construção
humana através da linguagem em exercício. O saber é estruturado a partir da visão do homem
voltado para o mundo, nesse processo há descrição do mundo em categorias de conhecimento;
ao voltar para si esse homem constrói categorias de crença. De modo simultâneo a estruturação
ocorre, pois, a partir da escolha atividade discursiva” (CHARAUDEAU, 2006, p. 43). São essas
atividades as configuradoras dos sistemas de interpretação do mundo.
Charaudeau divide os saberes de conhecimento e de crença. Os saberes de conhecimento
se referem a uma visão mais racionalizada do mundo; com esses saberes o homem estabelece
hierarquias, conjuntos e subconjuntos, isto é, constrói taxionomias. O sujeito constrói esse
conhecimento mediante uma dupla aprendizagem. A primeira se desenvolve a partir da
experiência em que se envolvem os atos referentes aos sentidos, sentir, ver e ouvir o que existe
no mundo objetivo. Em segundo, pela aprendizagem dos dados científicos e técnicos em que
explicam o mundo a partir de do que não é visível e se torna apreensível a partir de um
instrumento intelectual (cálculo, raciocínio, discurso de explicação…). Esses conhecimentos
são categorizados a de acordo com a suposta natureza do que é percebido e a maneira pea qual
aquilo que é percebido é descrito. Charaudeau cita três categorias de base (2006, p. 44):
 Existencial: aqui a percepção mental é determinada pela descrição da existência de
objetos do mundo em seu “estar aí” levando em conta o tempo, as propriedades e o
espaço desse objeto. Ao se inscrever numa enunciação, esse tipo de percepção e de
descrição serve para esclarecer uma conduta desejada. Apresenta-se sob uma forma
discursiva de definição (dicionários e manuais técnicos) ou indicações factuais: dizer
a hora, indicar uma direção, anunciar através de placas, cartazes ou pela imprensa (as
páginas de classificação dos jornais, por fornecerem listas de ofertas de emprego,
imóveis, encontros ou diversas manifestações culturais.
 Evenemencial: a percepção mental é determinada pela descrição do que ocorre ou
ocorreu, isto é, do que modifica o estado do mundo (dos seres, de suas qualidades,
dos processos nos quais estão implicados). Essa descrição só pode ser feita sob o
modo da maior ou menor verossimilhança. É um tipo de percepção em que a
descrição se inscreve numa enunciação informativa fazendo ver ou imaginar (através
da reconstituição) o que se passa ou se passou, chamando a atenção ora para o próprio
processo da ação (um acidente, um bombardeio, assinatura de um ato de paz) ora
para uma declaração (entrevista coletiva, discursos oficiais, trecho de entrevista), ora
para a identificação dos atores implicados ( o agente, as vítimas ou beneficiários, os
aliados ou oponentes), ora para as circunstâncias materiais (no espaço e/ ou no
tempo).
 Explicativa: a percepção mental determinada pela descrição do porquê, do como e da
finalidade dos acontecimentos, isto é, dos motivos ou intenções que presidiram o
surgimento do acontecimento e de seus desdobramentos. Quando esse tipo de
percepção e de descrição se inscreve em uma enunciação informativa, serve para
fornecer para ele, para tornar inteligíveis os acontecimentos do mundo, ou seja, com
fundamento na razão.
Os saberes de crença estão voltados para olhar subjetivo que o sujeito lança sobre o
mundo. São eles que resultam da atividade humana quando esta se põe a comentar o mundo, a
significá-lo. É uma tentativa não mais de inteligibilidade do mundo, mas de “avaliação quanto
á sua legitimidade, e de apreciação quanto ao seu efeito sobre o homem e suas regras de vida”
(CHARAUDEAU, 2006, p. 45). As crenças dependem dos sistemas de interpretação: existem
sistemas que se baseiam na avaliação do possível e do provável dos comportamentos em dadas
situações, procedendo por hipóteses e verificações; outros que apreciam os comportamentos
segundo um julgamento positivo ou negativo, em confronto com normas que foram
estabelecidas socialmente, procedendo a afirmações que ganham valor de evidência sob
diferentes pontos de vista: ético (o que é bom ou mau), estético (o que é belo ou feio), hedônico
(o que é agradável ou desagradável), pragmático (o que é útil ou inútil, eficaz ou ineficaz), sob
a forma de julgamentos mais ou menos estereotipados que circulam na sociedade
(intertextualidade), e que representam os grupos que os instauram e servem de modelo de
conformidade social (o guia de saber se comportar e julgar) (CHARAUDEAU, 2006, p. 46).
Numa enunciação informativa, essas crenças servem para fazer com que o outro
compartilhe os julgamentos sobre o mundo, criando assim uma relação de cumplicidade. A
respeito de uma crença toda informação funciona como uma interpelação do outro, visto que o
obriga a tomar posição com relação a avaliação que lhe é proposta.
Além disso, é preciso ainda dizer que Charaudeau trata do problema da representação,
uma questão implícita para os dois tipos de saberes apresentados e que diz respeito a relação
percepção-construção que o ser humano mantém com o real. As representações constroem uma
organização do real através de imagens mentais transpostas em discurso, apontam para um
desejo social, produzem normas e revelam sistemas de valores; os saberes de conhecimentos e
de crenças constroem-se no interior do processo de representações, isso significa que um
enunciado aparentemente simples para ser interpretado depende de entrecruzamentos entre
discursos de representações produzidos na sociedade. Devido a fronteira entre os dois tipos de
saberes ser difícil de determinar no interior dessas representações:
[…] é nosso direito indagar sobre os efeitos interpretativos produzidos por algumas
manchetes de jornais (ou mesmo sobre determinada maneira de comentar a
atualidade) quando estas, em vez de inclinar-se para saberes de conhecimento (“o
presidente da comissão entrega o relatório ao primeiro-ministro”), põe em cena
saberes de crença que apelam para a avaliativa do leitor (“presidente da comissão
entrega uma bomba ao primeiro-ministro”). Assim, como se vê, são as palavras que
apontam para as representações (CHARAUDEAU, 2006, p. 47).

Aqui é preciso reiterar novamente o caráter de não neutralidade da informação, que


como sendo um ato de linguagem, se vale da palavra, e palavra como bem colocado por Bakhtin,
é arena da luta classista, o que significa que no seu “manejo” as ideologias estão sempre lhes
determinando. As palavras usadas recorrentemente pelos mesmos tipos de locutores ganham
determinados valores.
Na sua relação com o mundo, o homem se baseia num “crer ser verdade”. Pode ser que
seja verdade, mas também é uma questão de crença. Isso tudo é uma questão de julgamento
epistêmico. Charaudeau diferencia valor de verdade e efeito de verdade, mas ambos se
relacionam a tal julgamento epistêmico. Verdade e crença estão intimamente ligadas no
imaginário de cada grupo social.
Na sociedade ocidental, os homens constroem a verdade, pois há uma crença de que ela
preexiste à sua manifestação, num estado puro, inocente, e que é preciso descobri-la por meio
de pesquisas em que o homem é o agente (movido pelo desejo de saber) e o beneficiário (ele
descobre a resposta à pergunta: quem sou eu?). Daí ser a questão da verdade marcada pela
contradição, pois a verdade seria exterior ao homem, sendo assim só seria possível atingir essa
verdade por meio de seu sistema de crenças. Daí a tensão entre verdade e crença. Em que ora
se procura os meios para fundar um sistema de valores de verdade, ora há conformidade com
os seus efeitos (CHARAUDEUA, 2006, P. 49).
Os homens elaboram o valor de verdade com a ajuda de instrumentos da ciência, como
um conjunto de técnicas de saber dizer, de saber comentar o mundo. Portanto, os valores de
verdade não são de ordem empírica. Apesar de ser uma construção humana, essa
instrumentação é exterior ao homem, objetivante e objetivada, permite ainda que se construa
um “ser verdadeiro que se prende a um saber erudito produzido por textos fundadores.
Quanto ao o efeito de verdade está mais voltado a subjetividade do sujeito em relação
ao mundo, que diante de um valor de verdade ficará na condição do “acreditar ser verdadeiro”,
e o que é diferente “do ser verdadeiro”. O efeito de verdade se baseia na convicção, se prende
a um saber opinião, apreendido em textos que manifestam julgamento. Assim se difere do valor
de verdade, baseado na evidência. Esse efeito existe dentro de um dispositivo enunciativo de
influência psicossocial, numa troca verbal, os parceiros de comunicação pretendem fazer com
que o outro dê sua adesão a seu universo de pensamento verdade. Nesse caos não é a busca da
verdade em si que está em causa, mas a busca da “credibilidade”, aquilo que determina o
“direito a palavra”, o que se assemelha um pouco ao “ritual da palavra” de Foucault.
Os discursos modulam os efeitos de verdade. No âmbito da informação isso ocorre:
“segundo as supostas razões pelas quais uma informação é transmitida (por que informar?),
segundo os traços psicológicos e sociais daquele que dá a informação (quem informa) e segundo
os meios que informador aciona para provar sua veracidade (quais são as provas?)”
(CHARAUDEAU, 2006, p. 50).
A necessidade de abordar essas considerações de Charaudeau sobre: a mencânica de
construção do sentido, a natureza do saber transmitido e sobre o efeito de verdade que
produzido no receptor, se devem ao fato de fazerem compreender como o discurso de
informação não é apenas uma transmissão de mensagens de um locutor a um interlocutor
passivo, mas acima de tudo um processo complexo que envolve não só os sujeitos da interação,
mas também vários elementos que compõe a situação imediata de comunicação.

1.2.2. Contrato de comunicação


Na situação ou instância de enunciação existem certas restrições que acabam
influenciando no ato comunicacional. Nestes atos, o locutor e interlocutor se submetem a certas
restrições de espaço, tempo, relações, e palavras condicionadas por regulações das práticas sociais
na situação comunicacional. O locutor, por exemplo, supõe que seu interlocutor, ou
destinatário, tem capacidade de reconhecer tais restrições, as quais está submetido. Com o
interlocutor, ou leitor de textos também acontece o mesmo, pois ele supõe que aquele que lhe
diz alguma coisa sabe das suas restrições. Essa relação de reconhecimento das restrições
caracteriza a co-intecionalidade. Como visto acima, na comunicação midiática não é diferente,
existe também o reconhecimento dessa restrição, o que leva Charaudeau a dizer que os parceiros
da troca linguística estão ligados por um acordo prévio, denominado por ele de contrato de
comunicação resultado dos dados externos e dos dados internos da situação de comunicação
(2006, p. 68).
Os dados externos dizem respeito as regularidades que determinaram o comportamento
social dos indivíduos no ato de comunicação. Se reagrupam em quatro categorias
correspondentes a “condição de enunciação da produção linguageira” (idem, ibidem, p. 68):
condição de identidade, condição de finalidade, condição de propósito e condição de
dispositivo.
A condição de identidade se refere aos sujeitos que integram a situação de comunicação,
assim surge a pergunta: “quem fala a quem? ” ou “quem se dirige a quem?”. No momento de
interação cada um dos atores ao comunicar algo possui determinado objetivo que ordena o que
deve ser dito, ou seja, possui uma finalidade. Esta se define a partir da expectativa de sentido
em que se baseia a troca e responde à pergunta seguinte: “Estamos aqui para dizer o quê? ”. A
resposta a essa questão se dá em termos quatro tipos de visadas que podem combinar entre si:
a prescritiva que consiste no “fazer-fazer”; a informativa, que consiste em querer “fazer-saber”,
a incitativa, que consiste em querer “fazer-crer”; e a visada do pathos, que consiste em “fazer-
sentir”, ou seja provocar no outro um estado emocional agradável ou desagradável. O propósito
é a condição que requer que todo ato de comunicação se construa em torno de um domínio de
saber. Se define através da resposta à pergunta: “Do que se trata? ”. Por fim, o dispositivo é a
condição que requer o ato de comunicação se construa de uma maneira particular, segundo as
circunstâncias materiais.
Quanto aos dados internos, que definem o contrato de comunicação, são propriamente
discursivos, visto que respondem à pergunta do “como dizer? ”. Se dividem em três espaços de
comportamentos linguageiros, a saber: o espaço de locução, o espaço de relação, o espaço de
tematização. No espaço de locução o sujeito falante deve resolver o problema da “tomada da
palavra”. Deve justificar por que tomou a palavra (em nome de quê), impor-se como sujeito
falante, e identificar ao mesmo tempo o interlocutor (ou destinatário) ao qual ele se dirige. Ele
deve, de algum modo, conquistar seu direito de poder comunicar. O espaço de relação: sujeito
falante, ao construir sua própria identidade de locutor e a de seu interlocutor (ou destinatário),
estabelece relações de força de aliança, de exclusão ou de inclusão, de agressão ou de
conivência com o interlocutor.
O último espaço, o de tematização, diz respeito a organização do domínio ou domínios
do saber, e o tema da interação verbal. Aquele que fala, toma a posição em relação a um tema
a ele imposto no momento da comunicação pelo contrato, assim escolhe um modo de
intervenção e um modo de organização discursivo particular que pode ser (descritivo, narrativo,
argumentativo) para este campo temático, em função das instruções contidas nas instruções
contidas nas restrições situacionais (CHARADEAU, 2006, p. 71).
Mas apesar dessas restrições imposta pelo contrato, Charaudeau, explica que nenhum
ato de comunicação está previamente determinado, já que o sujeito está apenas em parte
determinado pelo contrato de comunicação, pois dispõe de uma margem de manobra que lhe
permite realizar seu projeto de fala pessoal. Ele faz a escolha dos modos de expressão
correspondentes ao seu projeto de fala, (idem, 2006, 71).
A finalidade do contrato de comunicação midiática encontra-se em meio a tensão entre
duas visadas:
[…] uma visada de fazer saber, ou visada de informação propriamente dita, que tende
a produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica: informar o cidadão; uma
visada de fazer sentir, ou visada de captação, que tende a produzir um objeto de
consumo segundo uma lógica comercial: captar as massas para sobreviver à
concorrência” (CHARAUDEAU, 2006, p. 87).

Essas visadas vão de encontro a finalidade ambígua da mídia anteriormente


mencionada, que se baseia na lógica econômica e na lógica simbólica. Desse modo, pode-se
dizer que, por um lado, existe uma preocupação com a informação, de como ela deverá ser
transmitida aos interlocutores e, por outro lado, uma preocupação com a concorrência, visto
que as máquinas midiáticas estão numa constante disputa para vender seu produto e captar as
massas.
1.3 CENA DE ENUNCIAÇÃO E ETHOS DISCURSIVO
1.3.1 Gêneros do discurso e cena de enunciação
De acordo com Mikhail Bakhtin, “cada época e cada grupo social tem seu repertório
de formas de discurso na comunicação socioideológica” (BAKHTIN, 2009, p. 44). São formas
discursivas elaboradas por cada campo de utilização da língua a sua maneira própria, são “tipos
relativamente estáveis de enunciados”, denominados “gêneros do discurso”. Esses gêneros, são
tipos de enunciados presentes em várias áreas da atividade humana.
As pessoas se comunicam discursivamente através de enunciados, pois o discurso só
existe através da enunciação. É por isso que o filósofo russo, considera como a verdadeira
substância da língua não um sistema abstrato nem a enunciação monológica, mas o fenômeno
social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações (BAKHTIN,
2009, p. 127). Em suma, os indivíduos se comunicam através de gêneros do discurso, que
“presumem um contrato específico pelo ritual que definem” (MAINGUENEAU, 1994, p. 34).
Além disso, Bakhtin faz uma distinção entre “gêneros primários” (simples) e “gêneros
secundários” (complexos). Os primários são discursos proferidos em situações imediatas, isto
é, nas “interações verbais espontâneas” (SOBRAL, 2016, p. 174), no cotidiano. Em
contraposição, os secundários, são mais complexos, devido a uma certa forma mais elaborada,
relacionam-se as esferas culturais letradas, são por exemplo: romances, pesquisas científicas,
editoriais, etc.
Cada gênero possui três elementos importante: tema ou conteúdo temático, forma de
composição e estilo. Porque “uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial,
cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo,
geram determinados gêneros” (BAKHTIN, 2011, p. 266). Dependendo da formação ideológica
e discursiva dos sujeitos do discurso, um determinado tema pode obter várias formas de
interpretação ou posição, pois o discurso nas palavras de Foucault está ligado ao desejo e ao
poder, o que faz dele não apenas “aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas
aquilo porque, pelo que se luta, o poder pelo qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2014,
p. 10).
Dominique Maingueneau, aborda os gêneros de discurso em termos de cena da
enunciação, para evitar os termos como “situação de enunciação”, de ordem estritamente
linguística, ou de “situação de comunicação”, utilizado em abordagem puramente sociológica,
os quais foram abordados anteriormente neste estudo. Ao fazer isso Maingueneau aborda de
um modo mais amplo sobre as questões que envolvem o estilo, o conteúdo temático e a
construção composicional abordados por Bakhtin.
Tratar os gêneros a partir de cenas, consiste no fato de que “apresenta a vantagem de
poder referir ao mesmo tempo um quadro e um processo” (Maingueneau, 2015, p. 117). Uma
cena da enunciação apresenta o espaço em que acontece a cena, ou teatro, e sequências de ações
verbais e não verbais.
Toda cena de enunciação relativa a qualquer gênero de discurso não é um bloco
compacto. Ela faz interagir três cenas: a englobante, a genérica, e a cenografia.
A) Cena englobante – corresponde ao tipo de discurso, resultado do recorte de um
setor da atividade social caracterizável por uma rede de gêneros de discurso
(MANIGUENEAU, 2015, p. 118).
Quando alguém entrega a você um panfleto na rua, pode ser que este panfleto pertença
a um determinado discurso: religioso, político, publicitário… Dependendo do campo ao qual
pertence a cena englobante varia. Numa cena englobante política, pode ser um candidato
dirigindo-se em período de eleição aos cidadãos, mostrando suas propostas, seu projeto político.
Na cena englobante científica, o sujeito deverá se submeter a todas as regras impostas aos
“homens de ciência”. Isso ocorre porque:
Os produtores de discurso derivados de determinada cena englobante devem,
por meio de sua enunciação mostrar que se conformam aos valores prototipicamente
relacionados ao locutor pertinente para o tipo de atividade verbal em pauta: assim, um
político deve ser um “homem de convicções”, um funcionário, um homem “devotado”
ao serviço público etc. (MAINGUENEAU, 2015, 119).
Tal característica do discurso ocorre porque, como nas palavras de Michel Foucault, os
discursos “dão lugar a certas organizações de conceitos, a certos reagrupamentos de objetos, a
certos tipos de enunciação, que formam, segundo seu grau de coerência, de rigor e de
estabilidade, temas ou teorias” (FOUCAULT, 1987, p. 71). Em outras palavras, os discursos
são unidades que podem dar lugar a conceitos, reagrupamentos de objetos, tipos de enunciação
que formam temas ou teorias. É por isso, como se verá mais adiante que o sujeito acolhe
determinados esquemas relacionados ao discurso e aos gêneros pertencentes em que se insere.

B) Cena genérica – Trata-se aqui do gênero de discurso. Cada gênero define o seu
papel.
As cenas genéricas funcionam como normas que suscitam expectativas. Aos gêneros
estão associadas (MAINGUENEAU, 2015, p. 120):
 Uma ou mais finalidades: supõe-se que que os locutores sejam capazes de atribuir
uma (ou várias) finalidades(s) à atividade da qual participam para poder regular
suas estratégias de produção e de interpretação dos enunciados.
 Papéis para os parceiros: em um gênero de discurso, a fala vai de um papel a outro.
A cada um desses papéis são atribuídos direitos e deveres, bem como competências
específicas. Há papéis ‘estatuários’ (professor, presidente, comerciante…) E certas
atitudes durante a enunciação (entusiasmo, calma, benevolência…).
 Um lugar apropriado para seu sucesso: pode se tratar de um lugar fisicamente
descritível (uma escola, um tribunal, uma sala de banquete…), mas, para a Web,
para emissões de rádio e de TV, para textos escritos, trata-se de espaços de outro
tipo.
 Um modo de inscrição na temporalidade que atua em diversos eixos: a periocidade
ou a singularidade das enunciações, sua duração previsível, sua continuidade, seu
prazo de validade.
 Um suporte: um “texto” não é um conteúdo que tomaria emprestado de maneira
contingente algum suporte (a oralidade do face a face, as ondas do rádio, o livro em
papel, uma tabuleta em argila…): ele é indissociável de seu modo de existência
material, tanto que ele próprio condiciona sua forma de transporte e,
eventualmente, de arquivamento.
 Uma composição: dominar um gênero de discurso é ter uma consciência mais ou
menos clara de suas partes e de seu modo de encadeamento.
 Um uso específico de recursos linguísticos: todo locutor tem à disposição um
repertório mais ou menos extenso de variedades linguísticas (quer se trate de
escolher entre diversas línguas ou dialetos ou entre diversos registros no interior da
mesma língua) e cada gênero de discurso impõe, tacitamente ou não restrições na
matéria.
Apesar desta caracterização ser útil para uma análise, Maingueneau diz que identificar
essas normas da cena genérica não é o bastante, pois “enunciar não é apenas ativar as normas
de uma instituição de fala prévia; é construir sobre essa base uma encenação singular da
enunciação: uma cenografia” (MAINGUENEAU, 2015, p. 122).
C) Cenografia – Esta noção se apoia na ideia de que o enunciador, por meio da
enunciação, organiza a situação a partir do que pretende enunciar.
Um romance pode muito bem ser enunciado por meio de uma cenografia do diário
íntimo, do relato de viagem, de uma conversa ao pé do fogo, de uma correspondência amorosa,
etc. A cenografia consiste na forma como o enunciador, por meio da enunciação, organiza a
situação da qual pretende enunciar (MAINGUENEAU, 2015, p. 123). É a cenografia que
legitima o discurso, pois é por meio dela que se tenta buscar a adesão do destinatário.
Essa noção elaborada por Maingueneau não se restringe a projeção de cenários
entendida como de praxe. Cenografia é a legitimação de um enunciado que deve legitimá-la.
Estabelecer que essa cenografia da qual a fala vem é precisamente a cenografia requerida para
enunciar como convém num ou noutro gênero de discurso (Idem, 123).
1.3.2 Ethos discursivo e cenografia
Aristóteles, em sua obra Retórica, é o primeiro autor que elabora conceitualmente a
noção de ethos, concepção que chegou até a contemporaneidade. De acordo com Dominique
Maingueneau, Aristóteles pretendia apresentar uma technè cujo objetivo era examinar o que é
persuasivo para tal ou qual indivíduo. A boa impressão pela forma como se constrói o discurso
e a imagem dada de si para convencer o auditório, no intuito de ganhar sua confiança, são o
essencial para se provar pelo ethos. O destinatário deve atribuir certas propriedades à instância
posta como fonte do acontecimento enunciativo (MAINGUENEAU, 2011, p. 13).
Em Aristóteles, o ethos está vinculado à própria enunciação, e não a um saber extra-
discursivo. Para convencer seus interlocutores, o locutor deveria ganhar sua confiança lhes
passando uma imagem de si positiva. Na formação dessa imagem deveria se valer de três
qualidades fundamentais: a pronesis, ou prudência, a aretè, ou virtude, e a eunoia, ou
benevolência.
Apesar do ethos estar associado ao locutor, visto ser ele a fonte da enunciação, é do
exterior que ocorre a caracterização do locutor pelo ethos, pois “o destinatário atribui a um
locutor inscrito no mundo extradiscursivo traços que são em realidade intradiscursivos, já que
são associados a uma forma de dizer” (MAINGUENEAU, 2011, 14). Ele, o ethos, mobiliza a
afetividade do destinatário, implica uma experiência sensível do discurso, “não se trata de uma
representação estática e bem delimitada, mas antes, de uma forma dinâmica, construída pelo
destinatário através do movimento da própria fala do locutor” (idem, 2011, p. 14).
O termo ethos é tratado por diversos campos. Seu sentido pouco especificado se presta
a múltiplos investimentos: na retórica, na moral, na política, na música… Até mesmo nos textos
de Aristóteles, se verifica que a noção é objeto de diversos tratamentos como na Política e na
Retórica.
Maingueneau estabelece uma distinção entre ethos discursivo e ethos pré-discursivo.
Para o linguista, o ethos está crucialmente ligado ao ato de enunciação, mas não se pode ignorar
que o público constrói representações do ethos do enunciador antes mesmo que ele fale. Isso se
deve a interação de fenômenos de ordens muito diversas na elaboração do ethos. Pois este se
elabora mediante “uma percepção complexa, mobilizadora da afetividade do intérprete, que tira
suas informações do material linguístico e do ambiente” (idem, 2011, p. 16).
Como se vê o ethos relaciona-se não só ao material linguístico, mas também aos
elementos extralinguísticos que influem na interação verbal tanto de um texto oral quanto
escrito. Em suma, o ethos “é um comportamento que, como tal, articula verbal e não-verbal,
provocando nos destinatários efeitos multi-sensoriais” (idem, 2011, p. 16).
Esses efeitos são diferentes tanto para o locutor quanto para o destinatário: o ethos
visado não é necessariamente o ethos produzido. Um professor que queira passar uma imagem
de muita cordialidade e gentileza pode ser interpretado como sendo superficial demais, outro
que queira passar uma imagem mais séria e ortodoxa pode ser percebido como monótono; um
político que queira se passar por um indivíduo aberto e amigo do povo, pode ser visto como
demagogo.
Maingueneau assinala a variação da concepção de ethos que pode ser concebido:
- Como mais carnal ou menos carnal, concreto ou mais ou menos “abstrato””. Tudo
depende, antes de qualquer outra coisa, do modo como se traduz o termo ethos: caráter, retrato
moral, imagem, costumes oratórios, feições, ar, tom… Pode-se privilegiar a dimensão visual
(“retrato”) ou a musical (“tom”), a psicologia vulgarizada (“caráter”).
- Como mais ou menos saliente, manifesto, singular vs coletivo, partilhado, implícito
e visível.
- Como mais ou menos fixo, convencional vs ousado, singular. É evidente que existem,
para um dado grupo social, ethe fixados, que são relativamente estáveis, convencionais. Mas
não é menos evidente que existe também a possibilidade de jogar com esses ethe convencionais.
Sobre certos princípios mínimos, Maingueneau está de acordo:
- o ethos é uma noção discursiva, ele se constrói através do discurso, não é uma
“imagem” do locutor exterior a sua fala;
- o ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o outro;
- é uma noção fundamentalmente híbrida (sócio-discursiva), um comportamento
socialmente avaliado, que não pode ser apreendido fora de uma situação de comunicação
precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura sócio-histórica.
A concepção de ethos proposta por Dominique Maingueneau se inscreve no quadro da
análise do discurso e sobre corpora de gêneros “instituídos”, que opõe aos gêneros
“convencionais. Sobre isso o linguista francês diz o seguinte:
A perspectiva que defendo ultrapassa em muito o domínio da
argumentação. Para além da persuasão por meio de argumentos, essa noção de ethos
permite refletir sobre o processo mais geral de adesão dos sujeitos a um certo discurso.
Fenômeno particularmente evidente quando se trata de discursos como a publicidade,
a filosofia, a política etc., que – diferentemente dos discursos que revelam de gêneros
“funcionais”, como os formulários administrativos e os manuais de instrução – devem
ganhar um público que está no direito de ignorá-los ou recusá-los (MAINGUENEAU,
2011, p. 17).
Neste trecho é perceptível a divergência da noção formulada por Maingueneau, pois
não há a restrição do ethos apenas a retórica, ao processo de convencimento por meio da
argumentação. Ele entende que o ethos permite “refletir” sobre o processo de “adesão” dos
sujeitos a um certo discurso. Em cada discurso os sujeitos se manifestam de modo diferente.
Discursos tais como a filosofia, a política, devem ganhar um público. O enunciador provoca
um efeito no público-destinatário. Entretanto esses efeitos não são impostos pelo sujeito.
Na realidade, do ponto de vista da AD, esses efeitos são produzidos pela formação
discursiva. Dito de outra forma, eles se impõem àquele que, no seu interior, ocupa um
lugar de enunciação, fazendo parte integrante da formação discursiva, ao mesmo título
que as outras dimensões da discursividade. O que é dito e o tom com que é dito são
igualmente importantes e inseparáveis” (MINGUENEAU, 1997, p. 45).

Acima, é perceptível a concepção de sujeito contrária ao sujeito cartesiano, dono


daquilo que pensa e diz. Os efeitos produzidos num enunciado dependem daquilo que permite
uma formação discursiva. Outra diferença da noção aristotélica, é que o ethos em Maingueneau
[…] não diz respeito apenas, como na retórica antiga, à eloquência judiciária ou aos
enunciados orais: é válido para qualquer discurso, mesmo para o escrito. Com efeito,
o texto escrito possui, mesmo quando o denega, um tom que dá autoridade ao que é
dito. Esse tom permite construir uma representação do corpo do enunciador (e não,
evidentemente, do autor efetivo). A leitura faz, então, emergir uma instância subjetiva
que desempenha o papel de fiador do que é dito (Atc, p. 98).

Na perspectiva da análise discursiva, o ethos permite articular corpo e discurso para


além de uma oposição empírica entre oral e escrito. A instância subjetiva manifesta no discurso
não pode ser concebida somente como um estatuto (professor, profeta, amigo…) associado a
uma cena genérica ou a uma cenografia, mas como uma “voz” indissociável de um corpo
enunciante historicamente especificado. Por isso, todo texto escrito possui uma vocalidade que
se manifesta a partir de uma multiplicidade de tons, que estão associados, por sua vez, a uma
caracterização do corpo do enunciador, a um “fiador”, construído pelo destinatário a partir de
índices liberados na enunciação.
Maingueneau se preocupa com uma concepção de ethos que trate tanto da dimensão
verbal quanto do conjunto das determinações físicas e psíquicas ligados ao "fiador" pelas
representações coletivas estereotípicas. Ao fiador é atribuído um "caráter" e uma
"corporalidade", cujos graus de precisão variam de acordo com os textos. Em outras palavras,
o ethos discursivo é uma noção que envolve o caráter e a corporalidade do enunciador. Entende-
se por caráter, os aspectos psicológicos atribuídos ao enunciador. E a corporalidade está
vinculada às predisposições físicas, a uma forma de se vestir e comportar-se; como nos dizeres
de Maingueneau, “o ethos implica uma maneira de se mover no espaço social, uma disciplina
tácita do corpo apreendida através de um comportamento” (MAINGUENEAU, 2011, p. 18). O
destinatário identifica tal comportamento baseando-se no conjunto de representações sociais
avaliadas positiva ou negativamente e nos estereótipos que a enunciação contribui para
confrontar ou transformar: o velho sábio, a mocinha romântica, o político carismático, o
professor bonzinho…
O destinatário constrói Maingueneau, observa que que o discurso de algumas entidades
abstratas como a Ciência, a Lei, a Política, é percebido social. Da leitura feita pelo destinatário,
um “mundo ético” é ativado, pois a sua interpretação relaciona-se a um certo número de
situações estereotípicas associadas a comportamentos. A publicidade contemporânea se apoia
de modo massivo sobre tais estereótipos, basta pensar no mundo: dos artistas de cinema, dos
ricos, das celebridades, etc. Um exemplo desse mundo ético (constituído por normas, condutas
e situações próprias) das estrelas de cinema, é a cena da subida dos degraus do palácio do
Festival de Cannes, seções de filmagem, entrevistas à imprensa, seções de maquiagem etc
(MAINGUENAU, 2011, 1).
Maingueneau designa a maneira como o intérprete – audiência ou leitor – se apropria
do ethos com o termo “incorporação”. Faz render essa “incorporação” sob três registros:
- A enunciação da obra confere uma “corporalidade” ao fiador, ela lhe dá corpo;
- O destinatário incorpora, assimila um conjunto de esquemas que correspondem a uma
maneira específica de se remeter ao mundo habitando seu próprio corpo;
- Essas duas primeiras incorporações permitem a constituição de um corpo da
comunidade imaginária dos que aderem ao mesmo discurso.
Consequentemente, Dominique Mainguneau faz perceber que o ethos de um discurso
resulta da interação de diversos fatores: ethos pré-discursivo, ethos discursivo (ethos mostrado),
dos fragmentos do texto nos quais o enunciador evoca sua própria enunciação (ethos dito) ou
indiretamente por meio de metáforas ou alusões a outras cenas de fala. Tal distinção entre ethos
dito e mostrado é de difícil definição devido a impossibilidade de definir a fronteira entre ambos
ethos. Resulta da interação dessas diversas instâncias o ethos efetivo.
CAPÍTULO 2 – O EDITORIAL: DISCURSO COMENTADO E POLÍTICO
2.1. – O EDITORIAL NO JORNALISMO DE OPINIÃO
O pesquisador José Marques de Melo, em seu livro A opinião no jornalismo brasileiro,
estuda sobre a opinião no jornalismo nacional. Esse estudioso procura compreender as
“propriedades discursivas”. Segundo o ponto de vista desse autor o jornalismo brasileiro se
divide em dois: o da informação e o da opinião.
Dentro do campo do jornalismo informativo, são considerados a nota, a notícia, a
reportagem, a entrevista; enquanto no jornalismo opinativo existe o editorial, o comentário, o
artigo, a resenha, a coluna, a crônica, a caricatura, a carta, etc. No primeiro nível, é possível
dizer que há uma versão dos fatos que ocorreram e/ou continuam ocorrendo; no jornalismo
opinativo, tem-se uma versão dos fatos, o editorialista ou o articulista manifestam para o leitor
uma opinião.
A divisão entre informação e opinião sugerida por Melo (1985) se reflete a partir de
classificações de jornais internacionais, como uma forma de dividir os assuntos abordados. A
partir de então, propõe-se uma subcategorização de gêneros, tanto para opinião como para
informação. Pensando no discurso jornalístico e em como a mídia influencia a construção social
da realidade, cabe lembrar que o discurso jornalístico é o responsável por grande parte dessa
influência, pois é através, principalmente, de seu viés informativo-opinativo que o jogo
comunicativo entre produtor e leitor se estabelece.
Embora o editorial seja caracterizado pela ausência de assinatura, há, como em qualquer
outro texto, um indivíduo que o produz, um sujeito empírico do enunciado, um ser da
experiência, o autor do texto. Esse autor assume o papel social de editorialista, momento em
que passa de figura empírica para figura discursiva que “diz”, ou seja, esse sujeito deixa de ser
autor para se constituir como locutor, aquele que tem a autoridade para “dizer” no editorial.
Sendo assim, o locutor exerce a função social de editorialista; ele passa a “dizer” de um certo
lugar social determinado pela instituição jornalística para a qual trabalha. De certa forma,
apaga-se o sujeito empírico, o indivíduo real, para dar lugar ao sujeito institucionalizado, ao
editorialista, que não só “diz” a partir do lugar social que ocupa, mas que, também, “harmoniza”
no texto as diversas “vozes” que o constituem. O editorialista é, na realidade, um porta-voz de
vários enunciadores e locutores, uma vez que a opinião expressa no editorial não é somente a
sua e tampouco a do dono da instituição jornalística.
Segundo Melo (1985, p. 79), “nas sociedades capitalistas atuais, a opinião expressa no
editorial reflete o consenso de várias vozes que emanam dos diferentes núcleos que participam
da propriedade da organização”, sendo, portanto, o editorial um discurso altamente polifônico.
O autor salienta que:
cada editorial passa por um sofisticado processo de depuração dos fatos, e conferência
dos dados, da checagem das fontes. A decisão é tomada pela diretoria, funcionando o
editorialista, que se imagina alguém integrado na linha da instituição, como intérprete
dos pontosde vista que se convenciona devam ser divulgados. Além disso, o
contatocom personalidades externas à organização significa a sintonização com as
forças de que depende o jornal para funcionar ou cujos interesses defende na sua
política editorial (MELLO, 1985, p. 81).
Nesse sentido, o locutor “diz” por outros indivíduos, que “olham” e polemizam de
posições sociais e ideologias diferentes. Ele gerencia uma pluralidade de “vozes” que
atravessam o editorial:
I) a voz dos acionistas, ou seja, dos constituintes da própria instituição;
II) dos financiadores que subsidiam recursos para o jornal;
III) do Estado;
IV) de vários enunciadores e locutores, através de citações, provérbios, slogans,
discursos relatados;
v) do próprio editorialista, que, além de escritor do texto, deixa transparecer sua opinião.
Na realidade, o editorialista possui como função articular um discurso que consiga conciliar as
opiniões de todos os que sustentam financeiramente a instituição jornalística, conforme
podemos averiguar no exemplo a seguir
Melo (1985), afirma que a impessoalidade dos editoriais se justifica pela própria
transição das empresas jornalísticas que deixaram de ser propriedades individuais ou familiares
e se tornaram organizações complexas. Tal impessoalidade se manifesta basicamente através
do fato de não ser matéria assinada e por usar a terceira pessoa do singular ou a primeira do
plural.
Benvindo Moura crítica essa afirmação de Marques Melo, pois este:
[…] autor afirma que o comentário e o editorial estruturam-se segundo uma
angulagem temporal que exige continuidade e imediatismo. Porém, se vale novamente
de uma perspectiva reducionista, ao descrever o editorial como um texto sem autoria
explícita, sendo esse, o principal traço que o distingue dos demais (MOURA, 2012,
93).

Tanto o editorial quanto o artigo de opinião são produtos de um sujeito que escreve para
outros sujeitos, em um dado momento, sobre um fato noticioso, atual e, muitas vezes, polêmico.
Os editoriais e os artigos de opinião, portanto, são reconhecidos, dentro do domínio discursivo
jornalístico, pelo estilo opinativo e suporte argumentativo com a finalidade de persuadir.
Tais textos caracterizam-se por expressar a opinião do jornal e a opinião da instituição
que representam em relação aos acontecimentos, em geral, mais polêmicos. Como salientado,
pode-se entender que o editorial é um texto que emite uma opinião, a do jornal. Diferentemente,
o artigo de opinião emite a opinião de um autor, seja um jornalista, seja um colaborador. Em
geral, os textos opinativos, no domínio jornalístico, por abordarem temas polêmicos e atuais,
podem propiciar ao leitor a concordância ou a discordância de opinião. Essa é a principal
característica do artigo de opinião, ao contrário do editorial, que apresenta uma tendência mais
expositiva, ainda que também calcada na argumentatividade.

2.2 O EDITORIAL ENQUANTO GÊNERO DE DISCURSO


Na sua tese de doutorado Análise discursiva de editoriais do jornal meio norte, do
estado do piauí, João Benvindo de Moura, observa que há uma intersecção entre diferentes
pontos de vista no quadro de abordagens do editorial, mas que duas orientações são principais,
de acordo com a nomenclatura utilizada para o conceito de gênero: uma mais voltada para a
materialidade textual, que opta em geral pela denominação “gêneros de texto”; outra centrada
nas situações de produção do discurso, que se aglutina em torno da denominação “gênero do
discurso” (MOURA, 2012, p. 73).
Aqueles que se enquadram dentro de uma teoria dos gêneros de texto adotam as noções
herdadas da linguística textual e possuem diversos pontos em comum, dentre os quais: a
existência de famílias de texto, reconhecidas através de similaridades no nível do texto ou do
contexto, e de uma leitura pragmática ou funcional do texto/situação de produção. Aqueles que
se enquadram dentro de uma teoria dos gêneros discursivos tendem a selecionar, sem a intenção
de esgotá-los, “os aspectos da materialidade linguística determinados pelos parâmetros da
situação de enunciação” (ROJO apud MOURA, 2012, p. 73), ressaltando as marcas linguísticas
relevantes no discurso. Desse modo, a analisar um gênero numa perspectiva dos gêneros do
discurso partirá sempre dos aspectos sócio-históricos da situação comunicativa e buscará as
marcas linguísticas que refletem esses aspectos. As regularidades dos gêneros que forem
observadas estarão vinculadas não às formas fixas da língua, mas à esfera da comunicação.
O editorial, como gênero do discurso, é um dispositivo de comunicação que só pode
aparecer quando certas condições sócio-históricas estão presentes (MAINGUENEAU, 2004, p.
61). Sua existência depende de certos fatores que se encontram na materialidade do texto como:
a influência ideológico-política das empresas de comunicação na qual é produzido; a existência
de uma imprensa escrita de grande tiragem, responsável tanto pela veiculação do mesmo quanto
pelo noticiamento de fatos políticos, sociais, esportivos etc. que podem vir a ser tematizados
por ele (MOURA, 2012, 79).
A partir dessa definição é preciso dizer também que o editorial é:
[…] um texto que emite uma opinião, mas não uma qualquer, a do jornal.
Diferente dos outros gêneros que emitem a opinião de um autor (que torna público o
seu nome, como sendo responsável por sua obra) – seja um jornalista, colaborador ou
leitor – o editorial é responsabilidade da instituição, ou seja, da empresa editora
(PEREIRA, 2006, 57).

É válido dizer, nos termos bakhtinianos, que o editorial pertence aos gêneros
secundários, que se caracterizam pela complexidade de sua elaboração. Assim, diz Moura sobre
essa condição dos editoriais que “como gêneros secundários, são fruto de uma escolha pensada
ou mais premeditada pelo autor, que, ao inseri-los em outros espaços genéricos produz a sua
encenação discursiva” (MOURA, 2002, p. 76).
Ao propor uma definição de gênero de informação Charaudeau (2006), o faz segundo o
resultado do cruzamento entre tipo de instância enunciativa, um tipo de modo dsicursivo, um
tipo de conteúdo e um tipo de dispositivo:
 O tipo de instância enunciativa se caracteriza pela origem do sujeito falante. Origem que pode
estar na própria mídia (um jornalista) ou fora da mídia (um político, um especialista, uma
personalidade convidada a falar-escrever na mídia).
 O tipo de modo discursivo transforma o acontecimento midiático em notícia, atribui a esse
acontecimento propriedades dependentes do tratamento geral da informação. Organizam-se
em torno de três categorias: "relatar o acontecimento" , "comentar o acontecimento" ,
"provocar o acontecimento". Com isso é possível distinguir os seguintes gêneros discursivos:
a reportagem ("acontecimento relatado"), o editorial ("acontecimento comentado") e o debate
("acontecimento provocado").
 O tipo de conteúdo temático constitui o macrodomínio abordado pela notícia de política
nacional ou estrangeira, acontecimento esportivo, cultural etc.
 O tipo de dispositivo, especifica os textos e diferencia os gêneros de acordo com o suporte
(imprensa, rádio, televisão).
Charaudeau constrói sua tipologia baseada numa hierarquização: para ele é necessária
uma tipologia de base que entrecruze os principais modos discursivos do tratamento da
informação (“acontecimento relatado”, “acontecimento comentado”, “acontecimento
provocado”) colocados sobre um eixo horizontal, e os principais tipos de instâncias
enunciativas (instância de “origem externa”, instância de “origem interna”), às quais superpõe-
se um grau de engajamento (+/-), colocados sobre um eixo vertical. Abaixo um a figura
ilustrativa dessa tipologia:

No eixo vertical é possível perceber duas zonas de instanciação do discurso midiático,


de acordo com as intervenções dos jornalistas ou de pessoas exteriores ao organismo de
informação. Em cada zona se inscreve um eixo graduado representante do grau de engajamento,
maior ou menor da instância de enunciação. O engajamento aqui é entendido pelo fato de o
enunciador manifestar mais ou menos sua opinião ou suas próprias apreciações na análise que
propõe, na maneira como encena o acontecimento.
O editorial e a crônica estão na zona superior, se incluem na categoria “acontecimento
comentado” e aparecem na parte superior do eixo. Títulos, composição da primeira página e
perfis encontram-se na zona de “acontecimento relatado”, mas integrando elementos de
comentário mais ou menos explícitos, daí porque se acham entre AR (acontecimento relatado)
e AC (acontecimento comentado), com um grau médio de engajamento. As análises e
comentários de especialistas jornalistas situam-se no meio do eixo horizontal porque estão na
categoria de “acontecimento comentado”, e localizam-se numa altura média porque, embora os
jornalistas sejam especialistas, eles são analistas engajados.
Na zona inferior, os especialistas-analistas podem ser especialistas de ciências humanas
e sociais ou técnicos num determinado domínio, daí seu engajamento. Pode ser também que se
recorram a um político que se expressam um ponto de vista partidário.
As características do editorial de “acontecimento comentado” e de engajamento, o
colocam no eixo horizontal, livre da instância midiática, livre do eixo vertical. Esse gênero trata
do ponto vista suscetível de esclarecer tanto os acontecimentos considerados os mais
importantes quanto os acontecimentos culturais mais recentes (lançamento de um filme, de uma
peça de teatro, de um CD, de um livro etc.). Com isso, o autor do editorial reivindica o direito
à personalização do ponto de vista e mesmo à subjetividade. O editorial, em essência, exerce
sobre um propósito exclusivamente do domínio político e social. Pela temática política o
enunciador é levado a produzir um discurso de opinião; pela temática cultural, o enunciador
produz um discurso de julgamentos e apreciações. O editorialista político tem a liberdade de
expressar seu ponto de vista partidário de maneira argumentada, pois seu ponto de vista implica
o engajamento de toda a redação do jornal.
Em suma, os editorialistas comentam um acontecimento, colocam sobre ele o ponto de
vista do jornal. E comentar um acontecimento, consiste em problematiza-lo, levantar sobre ele
certas teses e argumentar em favor dessa tese. Enquanto discurso comentado, o editorial, pelo
que foi mostrado, constrói o acontecimento a partir da argumentação, visto ser ele um gênero
persuasivo, no intuito de fazer-saber e fazer-sentir.
A informação midiática não é reflexo do que acontece no espaço público, é uma
construção. O acontecimento passa por um filtro, só ocorre, como já anteriormente mencionado
no capítulo 1, quando abordada por determinado discurso, a mídia lápida o acontecimento para
assim chegar ao público de acordo com a sua visão. Há uma seleção de atores, fatos.
2.2.1. Mecânica argumentativa
Comentar é uma atividade de discurso. No momento em que se comenta o jornalista
passa a exercer a faculdade de raciocínio, visto que, passa a argumentar. E como todo ato de
linguagem não deixa de ser ideológico, pois todo signo é ideológico por excelência, impõe ao
comentar sua visão de mundo. Segundo Charaudeau (2006, 177) no momento em que se
argumenta o sujeito, problematiza sobre seus propósitos, elucida e avalia seus diferentes
aspectos.
Quem comenta impõe uma visão do mundo de ordem explicativa. Não quer apenas
mostrar ou imaginar o que foi, o que é ou o que se produz; procura revelar o que não se vê, o
que é latente e constitui o motor (causas, motivos e intenções) processo evenemencial do
mundo. O comentário problematiza os acontecimentos, constrói hipóteses, desenvolve teses,
traz provas, impõe conclusões (CHARAUDEAU, 2006, 176). Aqui não se projeta o mundo
contado da narrativa, do relato, mas sim a avaliar, medir, julgar o comentário, para tomar a
decisão de aderir ou rejeitar, seguindo a razão.
O comentário exige do leitor uma atividade intelectiva, exige seu raciocínio, uma
tomada de posição a favor ou contra, no fim “desta atividade não há ninguém que saia incólume
(o comentário é histórico) ” (CHRAUDEAU, 2006, p. 176).
Diz Patrick Charaudeau que “para argumentar, o sujeito deve problematizar seu
propósito, elucidar e avaliar seus diferentes aspectos” (2006, p. 177).
PROBLEMATIZAR
O questionamento de todo propósito do mundo deve ser realizado. Indagar-se sobre as
proposições quanto a razão de ser delas. Aquele que elabora uma interrogação precisa propor
ao seu interlocutor uma maneira de tratá-la, examinando os prós e os contras de cada
proposição. A proposição baseia-se em três atividades mentais: emitir um propósito (o tema de
que se fala), inseri-lo numa proposição (o questionamento) e trazer argumentos (persuadir).
ELUCIDAR
Elucidar diz respeito ao esclarecimento do que não se vê, daquilo que está oculto,
latente, as mídias de informação se propõe a isso, a fazer emergir o que não se vê para fornecer
ao consumidor de informação as circunstâncias e implicações do fato.
É preciso mostrar as intenções dos atores do acontecimento, pois assim se mostra o
poder de passar para o outro lado do espelho.
O editorialista ao comentar o acontecimento passa a impor um ponto de vista, que não
somente o seu, mas de todo uma organização do jornal. Assim, passa a levantar
questionamentos, problematiza com se verá mais adiante sobre os temas recorrentes na
sociedade, passando a elucida-lo para no fim avaliar seus diversos aspectos.
Na encenação midiática do comentário acaba enfrentando duas particularidades da
máquina midiática, precisa manter a credibilidade por ele alcançada pelo contrato e, ao mesmo
tempo, captar a massa, mas para isso precisa ser claro, o que chega a ser arriscado, já que, pode
cair na banalização, tendência a simplificar a explicação sobre o fato. Nisso constrói para si
uma imagem, quase que uma performance, em vista de convencer o seu leitor, de
3.2 . A FORMAÇÃO DISCURSIVA ANTICAPITALISTA NOS EDITORIAIS
3.1 Editorial e discurso político
Devido a esse caráter persuasivo e que marca a posição ideológica jornal, perceber nos
editoriais da as marcas discursivas que mostram tal posicionamento contrário ao sistema
capitalista mediante alguns temas abordados nos editoriais, relacionados às áreas diversas como
a política, econômica, educacional, midiática e ambiental. Dentre esses temas estão: o
Consumismo, crise no meio ambiente, agricultura, agroecologia, os movimentos sociais, as
Manifestações sociais, Igualdade social, valorização do professor, regulamentação ou
democratização da mídia e a Reforma política, etc. Abaixo um esquema que mostra claramente
alguns desses temas:

Temas abordados nos editoriais dos jornais


 Consumismo  Violência contra mulher (machismo)
 crise no meio ambiente  Conservadorismo da bancada BBB

 agricultura  Igualdade social


 Criminalização dos  valorização do professor
movimentos sociais
 Reforma política.  Alimentos industriais (agronegócio,
transgênicos)

No quadro, é possível perceber que esses assuntos identificados e analisados nos


editoriais os insere no antigo debate político entre “esquerda” e “direita”, assim é possível
perceber que esse gênero discursivo acaba de alguma forma sendo intersectado por ideais do
discurso políticos.
Como se sabe essa dicotomia esquerda e direita, marca posições bastante divergentes
tanto no plano político e ideológico. Passa a ser relacionada também ao confronto entre
igualdade e desigualdade, liberdade e opressão, etc.
Abaixo veja, por exemplo, como Emir Sader (1995) coloca as definições para cada uma
dessas posições:
Quadro 2
ESQUERDA DIREITA

Intervencionismo econômico Liberalismo econômico

Estado grande Estado pequeno


Igualdade de renda Igualdade de oportunidades

Estado laico Estado religioso

Coletivismo Individualismo

Inovação Conservadorismo

A lei dita a cultura A cultura dita a lei

Diferenças básicas entre esquerda e direita


Fonte: Sader (1995, p. 61)
Esse quadro ilustra um pouco das ideias defendidas pelas duas posições. Pode se ver
que a esquerda luta pela igualdade, o coletivo. De acordo com a tese defendida por Noberto
Bobbio, segundo a bandeira distintiva da esquerda ser o igualitarismo, pode ser deduzido que
um dos temas principais, senão o principal, da esquerda histórica, tanto aos comunistas quanto
aos socialistas, é a remoção daquilo que é o obstáculo da igualdade entre os homens: a
propriedade individual (BOBBIO, 1995, p. 121). Assim, nessa imagem de confronto baseado
numa classificação de Sader entre os dois lados é possível perceber tal característica apontada
por Bobbio.
Embora, também seja evidente tal posição nos editoriais, é mais pertinente abordá-los a
partir de uma FD anticapitalista, pois ao problematizarem as temáticas mostradas no primeiro
quadro, referem sempre a elas como consequência do capitalismo, dessa forma será possível
até mesmo levar os alunos a refletir sobre como esses determinados gêneros constroem um
efeito de sentido negativista inserido num discurso engajado.
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