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CARVALHO, Ana Beatriz e SILVA, Eliane Moura.

Políticas Públicas em Educação a Distância e a Formação de Professores no Estado da


Paraíba. In: IV Seminário Regional de Política e Administração da Educação no Nordeste, 2006, Natal. IV SEMINÁRIO REGIONAL DE
POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO DO NORDESTE, 2006.

POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E A FORMAÇÃO DE


PROFESSORES NO ESTADO DA PARAÍBA

Eliane Moura da Silva


Universidade Estadual da Paraíba
elimourasilva@bol.com.br

Ana Beatriz Gomes Carvalho


Universidade Estadual da Paraíba
anabeatrizuepb@gmail.com

Introdução

Este trabalho é resultado de uma pesquisa mais ampla, desenvolvida na Universidade


Estadual da Paraíba no período de agosto de 2005 a julho de 2006, com o objetivo de analisar o
impacto das políticas públicas em Educação a Distância ou semipresencial na formação de
professores da rede pública do Estado, especificamente em municípios distantes dos principais
eixos econômicos com maior acessibilidade ao Ensino Superior. Outros temas como avaliação,
perfil do aluno de Educação a Distância e evasão, também foram pesquisados. Utilizamos dados
do INEP, entrevistas semi-estruturadas com os alunos participantes do curso e a análise de dados
da própria universidade. Nos propomos a recuperar o histórico das ações desenvolvidas no
Estado em Educação a Distância e analisar seus desdobramentos e resultados.

Vygotsky (1991) afirma que a aprendizagem se realiza sempre em um contexto de


interação, através da internalização de instrumentos e signos levando a uma apropriação do
conhecimento. Esse processo promove o desenvolvimento e a aprendizagem precede o
desenvolvimento. Ao compreender desta forma as relações entre aprendizagem e
desenvolvimento Vygotsky confere uma grande importância à escola (lugar da aprendizagem e
da produção de conceitos científicos); ao professor (mediador desta aprendizagem); às relações
interpessoais (através das quais este processo se completa). A aprendizagem é um processo de
construção compartilhada, uma construção social. Assim, a alternativa que nos parece válida para
o nosso objeto de estudo é uma perspectiva sócio-histórica para a prática de nossa pesquisa que
foi desenvolvida em dois eixos:

A análise do material documental que precedeu e fundamentou a concepção político


pedagógica dos programas de formação de professores na modalidade a distância, observando a
contextualização da conjuntura local/global, e dos projetos pedagógicos desenvolvidos pelas
Universidades Públicas participantes, observando sua capacidade de articulação com outras IES e
demais esferas do poder público.
O outro eixo está centrado na prática do professor, entendido agora como sujeito e
principal agente com a possibilidade de uma reflexão que parte do que o professor faz, para uma
reconstrução do que pode ser feito, confrontando-o com o seu contexto social e político.
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Considerando que o nosso objeto de estudo envolve os resultados no processo de formação do


professor observados através da transformação em suas práticas no cotidiano escolar, a
ferramenta entrevista é muito mais do mais um elemento de pesquisa, constituindo-se em um
componente fundamental para a credibilidade e sucesso deste eixo. A opção por entrevistas
abertas e semi-estruturadas (individuais e coletivas) tem como vantagem a sua elasticidade
quanto à duração, permitindo uma cobertura mais profunda sobre determinados assuntos.

As Políticas Públicas em Educação a Distância

As inovações tecnológicas provocaram um impacto sem precedentes em nossa sociedade


na segunda metade do século XX. Chamamos a sociedade em que vivemos hoje de sociedade de
informação, conceito que define bem a existência de fluxos tão complexos de idéias, produtos,
dinheiro, pessoas, que estabeleceu uma nova forma de organização social. O fato é que
verificamos claramente as transformações na organização do trabalho, na produção, nos
mecanismos de relacionamento social, no acesso à informação. O fenômeno da globalização
provocou mudanças profundas nas relações econômicas e sociais nas mais distantes localidades
do mundo, provocando um curioso paradoxo entre o global e local, constituindo-se uma disputa
entre a influência exercida pelo mundo globalizado através da mídia e da nova ordem econômica
e o local, com sua expressão máxima na historicidade e importância do visto e experimentado
para os indivíduos.

Segundo Oliveira (2001), “no decorrer dos anos 90 o debate sobre educação e
desenvolvimento esteve pautado pela exigência de responder ao padrão de qualificação
emergente no contexto de reestruturação produtiva e de globalização da economia, ocupando
lugar de destaque nas políticas educacionais. As discussões que ocorreram explicitam a
necessidade de serem pensadas alternativas para problemas estruturais da educação brasileira,
passando pela reforma dos sistemas públicos de ensino”. A preocupação central, contudo, não
estava limitada à formação da força de trabalho para lidar com as inovações tecnológicas e
organizacionais, incluiu também questões políticas como financiamento, controle e gestão da
educação pública.

Provavelmente um dos maiores entraves ao processo de adaptação do sistema público de


educação ao novo padrão de acumulação e produção esteja vinculado aos processos lentos de
mudança dos paradigmas para a construção efetiva de um novo modelo de educação. O Brasil
assumiu o compromisso com outros nove países em 1990 para garantir a melhoria e
universalização da educação básica, e para tanto, uma série de medidas foram tomadas neste
período. Mesmo assim, o próprio MEC admite a limitação destas mudanças, “de fato, os
progressos educacionais realizados pelo Brasil na segunda metade da década de 90 foram
notáveis. Mesmo assim, estes avanços não foram suficientes para satisfazer adequadamente as
demandas existentes, até porque as exigências da sociedade mudaram, acompanhando as
transformações tecnológicas. Hoje, já não basta garantir a universalização do ensino
compulsório, que no Brasil é de oito anos. Para uma cidadania plena, e uma vida produtiva,
exige-se, no mínimo, doze anos de escolaridade básica”. (MEC/INEP, 2000).
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Percebe-se claramente a preocupação não apenas com a duração do período de


escolarização como também com a qualidade. Nesse sentido, a universalização precisa ser
acompanhada de um aproveitamento efetivo do que é oferecido pela escola. Trata-se de colocar a
escola pública (que apresenta estrutura e práticas do século XIX), em um contexto de inovação
tecnológica e flexibilidade de uma sociedade de informação no mundo globalizado.

Dentro desta perspectiva, o Governo Federal implementou uma ação que pretendia
articular vários setores da esfera federal, os diferentes níveis de esfera pública (Estados e
Municípios), e as universidades públicas na criação e implementação de um programa de
formação de docentes na modalidade a distância. O programa Pró-Licenciatura tem como
objetivo a criação de cursos de Graduação (Licenciaturas) na modalidade a distância para
formação e qualificação do professor que atua em sala de aula na rede pública, sem nível superior
(ou quando apresenta nível superior em uma área diversa da que efetivamente atua). Esta
distorção existente nos quadros da Educação Básica pública ocorre principalmente em
localidades distantes dos grandes centros. Segundo documento do MEC, “trata-se de um
Programa de formação inicial voltado para professores que atuam nos sistemas públicos de
ensino, nos anos/séries finais do Ensino Fundamental e/ou no Ensino Médio e não têm
habilitação legal para o exercício da função (licenciatura). O Pró-Licenciatura - Programa de
Formação Inicial para Professores dos Ensinos Fundamental e Médio se insere no esforço pela
melhoria da qualidade do ensino na Educação Básica realizado pelo Governo Federal por meio
do Ministério da Educação (MEC), com a coordenação das Secretarias de Educação Básica
(SEB) e de Educação a Distância (SEED) e com o apoio e participação das Secretarias de
Educação Especial (SEESP) e Educação Superior (SESu).”

A implementação destes cursos através da parceria entre os Consórcios Regionais 1 e o


MEC, coordenado por diversas secretarias, já aponta por uma diferenciação na própria concepção
da construção das licenciaturas. Ao invés de convocar o Banco Mundial para definir as políticas
públicas que são mais adequadas ao sistema educacional brasileiro, agregaram-se as principais
universidades públicas, respeitando suas diferenças regionais, para a construção de cursos de
licenciatura na modalidade a distância. Na conceituação do Pró-Licenciatura “as Instituições de
Ensino Superior (IES) serão chamadas a participar do processo tanto para a concepção como
para a execução dos cursos a serem oferecidos pelo Programa. São parceiras estratégicas nesse
desafio, pois a elas cabe a formação inicial desses profissionais. Além disso, podem dar
contribuição inestimável aos processos de formação continuada que venham a ser criados para
complementar a ação central do Programa. A parceria entre as universidades e o sistema
público de ensino tem grande potencial de transformação sócio-educativa, contribuindo,
inclusive, para que as IES avaliem e aprimorem constantemente seus cursos de licenciatura, a
partir das demandas concretas da Educação Básica. Assim, as IES assumirão, junto com o
MEC, a elaboração dos cursos, contando também com a participação dos Gestores Estaduais e
Municipais de Educação para a execução do Programa. Caberá as IES a responsabilidade
acadêmica das ações”. (Anexo III, MEC)

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A criação de consórcios regionais é um desdobramento de uma proposta mais ampla da UNIREDE, (Universidade
Virtual Pública do Brasil), um consórcio de 70 instituições públicas de ensino superior tendo como objetivo
democratizar o acesso à educação de qualidade por meio da oferta de cursos a distância, recebendo o apoio dos
ministérios da Educação (MEC), da Ciência e Tecnologia (MCT) e outros parceiros.
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Estas ações do MEC foram precedidas pelo Programa de Formação de Professores, o


PROFORMAÇÂO. Segundo documento do MEC, “o PROFORMAÇÃO utiliza para sua
consecução atividades a distância, orientadas por material impresso e videográfico, atividades
presenciais, concentradas nos períodos de férias escolares e nos sábados (Encontros
Quinzenais), e atividades de prática pedagógica nas escolas dos professores cursistas,
acompanhadas por tutores e distribuídas por todo o período letivo. Dessa forma, somam-se os
benefícios da formação em serviço às vantagens da educação a distância, atingindo uma
população numerosa e dispersa geograficamente, com o fornecimento de orientações e
conteúdos pedagógicos de qualidade”. Os resultados positivos desta ação e a experiência
adquirida pelas Universidades parceiras, possibilitando que proposta fosse assimilada por
diferentes universidades públicas brasileiras que desenvolveram um curso de Pedagogia para
professores da rede de ensino em diferentes regiões.

Como exemplos podemos citar a Universidade Federal de Mato Grosso que desenvolve,
desde 1995, o Programa Interinstitucional de Qualificação Docente. Esse programa define uma
série de ações com vistas a profissionalização dos professores da rede pública de ensino,
integrando ações de formação e de consolidação da carreira docente em parceria com a Secretaria
de Estado da Educação e a Universidade do Estado de Mato Grosso. A Universidade Federal de
Alagoas implementou o curso de graduação em Pedagogia a Distância, com abrangência em
cinco pólos que vêm atendendo 68 municípios alagoanos, tendo já capacitado mais de 1.200
professores do ensino fundamental, conforme exigência da Lei de Diretrizes e Bases – LDB. Foi
a primeira instituição de ensino superior no Nordeste credenciada pelo Ministério de Educação –
MEC, para oferecer um curso dessa modalidade.

A partir de 1996, A Universidade Estadual da Paraíba iniciou suas ações com a formação
de professores em modalidades especiais a partir de projetos do Governo Federal. Ao participar
de projetos como o PROFORMAÇÃO, PROFA e Parâmetros em Ação, surgiu a oportunidade de
adquirir experiência em formação continuada de educadores em serviço envolvendo professores
do Centro de Educação. Na Universidade Estadual da Paraíba foi criado o curso de Pedagogia em
Regime Especial ofertado desde o ano de 2002, em vários municípios do interior da Paraíba, com
o objetivo de habilitar professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental e Educação
Infantil, conforme exigências da Lei 9394/96. Esse programa já formou e habilitou 2.520
professores em serviço, em 72 municípios paraibanos, entre os anos de 2002 e 2004. A
metodologia utilizada envolve encontros presenciais e estudos orientados a distância. Apesar da
carga-horária do curso ser desenvolvida na modalidade presencial, em encontros de 10h/aula, aos
sábados, há uma complementaridade com atividades semipresenciais, através de estudos a
distancia, previstas no projeto, caracterizando uma prática de educação a distância com a
utilização de vídeos da TV Escola e material impresso. Estas experiências apontaram para a
necessidade de implantação de novos cursos utilizando a educação a distância.

A formação do professor em uma modalidade com inserção tecnológica embutida na


própria metodologia do curso será capaz de fazer uma diferença significativa em sua atuação na
Educação Básica. Ao fazer o curso de Licenciatura na disciplina em que efetivamente atua, o
professor que já exerce essa atividade, possivelmente acumulará não apenas o conteúdo
específico que leciona, mas também inúmeras possibilidades pedagógicas que permitam uma
atuação mais efetiva, inserida realmente em uma sociedade de informação e conhecimento.
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Assim, os professores atuantes no mais remoto município do interior da Paraíba, por exemplo,
travarão conhecimento com a Internet, software livre, descobrindo as inúmeras possibilidades que
o acesso à informação permite, ao mesmo tempo em que desenvolvem um conceito de autonomia
na aprendizagem na construção de sua própria aprendizagem.

Esta concepção de aprendizagem implementa o conceito de acessibilidade, tratado aqui


como o obstáculo maior hoje na sociedade do conhecimento: um mundo dividido entre os que
possuem acesso à informação e os que estão excluídos deste processo. A questão é: uma vez
garantindo a acessibilidade aos professores, mudando completamente os paradigmas de sua
formação, conseguiremos transformar sua atuação no ambiente escolar? Estaremos construindo
uma nova forma não apenas de atuação do professor, mas sim de gestão escolar? A opção por
uma metodologia a distância garante as transformações nos paradigmas individuais?

É de extrema importância para a compreensão da prática de EAD como uma modalidade


de ensino, entender as mudanças ocorridas na produção que são um reflexo da transformação no
padrão de acumulação econômica. Vários autores já escreveram sobre a relação intrínseca entre o
padrão de acumulação vigente e as práticas de EAD. Segundo Belloni (2003), este debate é
crucial já que estes modelos têm influenciado não apenas a elaboração dos modelos teóricos, mas
as próprias políticas e práticas de EAD, no que diz respeito tanto às estratégias desenvolvidas
como a organização do trabalho acadêmico e de produção de materiais pedagógicos.

O próprio surgimento da EAD teve suas bases consolidadas no modelo fordista de


produção que buscava produzir em larga escala para atender o consumo de massa. No campo da
educação, essa lógica vai evidenciar-se na expansão da oferta de educação, especificamente na
universalização do ensino fundamental e médio e nas estratégias implementadas, fazendo parte
deste quadro o surgimento de uma nova disciplina: a tecnologia educacional. (Evans e Nation,
1992).

Ainda segundo Oliveira (2001), nos anos 1990 procurou-se perceber em que medida as
reformas educacionais que tiveram como objetivo garantir a oferta de educação básica para todos
não estaria respondendo às exigências de adequação das condições gerais de produção impostas
pelo atual processo de reestruturação capitalista. Embora se procure estabelecer uma conexão
entre o as necessidades de mudança na educação e as mudanças no paradigma de produção
globalizada, traduzida pela empregabilidade, nos parece que a política de Estado mais pertinente
seria a busca de uma educação para a cidadania. Para realizar uma educação plena neste aspecto,
precisamos de professores autônomos, críticos e com uma percepção clara da constituição da
sociedade em que vivemos hoje.

A busca pela melhoria da educação básica é, sem dúvida, o princípio norteador das ações
de qualificação dos professores. A avaliação realizada pelo Sistema de Avaliação Básica apontou
a deficiência de qualidade da escolarização, servindo de base para uma série de ações do Governo
Federal. A implementação de programas de formação de professoras na modalidade a distância,
objeto do nosso estudo, é uma delas e caracteriza-se por uma ação que reuniu elementos diversos
em sua concepção, formando uma verdadeira rede de colaboração entre diversas instituições, dos
mais diferentes níveis, enriquecendo a construção de um programa de formação de professores da
rede pública.Os indicadores educacionais relativos à formação de professores, que se encontram
nas salas de aula das escolas públicas no Brasil, sinalizam para as disparidades de formação em
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nível regional dos professores em exercício na rede pública nas séries finais do Ensino
Fundamental e Médio; como também para a necessidade de se desenvolver projetos de formação
acadêmica para esse educador, de modo que haja mudanças na qualidade da educação básica
ofertada na rede pública de ensino.
Os dados apresentam a seguinte configuração: de um total de 87.770 professores do
ensino fundamental, 44,07% ainda não possuem formação superior. No que diz respeito ao
ensino médio, de um contingente de 22.257 docentes ainda tem-se 24,14% sem a referida
formação. A carência de professores licenciados em áreas específicas é um dado por demais
conhecido e comprovado na região nordeste do Brasil. Segundo dados do INEP, baseado no
Censo Escolar de 2003, ainda é possível encontrar professores lecionando no ensino médio e
dispondo apenas de formação no nível fundamental.

No momento em que atingimos níveis bastante elevados de desenvolvimento tecnológico,


devemos capitalizá-los para a educação, melhorando o perfil acima apresentado no que tange à
formação dos educadores, e conseqüentemente, contribuindo para o desenvolvimento econômico,
social e cultural do país. A utilização de tecnologias da informação pode ser aliada no processo
de reversão do quadro existente, sendo a modalidade a distância um instrumento que
possivelmente é capaz de viabilizar essa reversão.

No caso específico da Paraíba, são ofertados cursos na modalidade a distância em diversas


licenciaturas, onde 85% dos alunos são oriundos de municípios do interior do Estado. Deste
universo de alunos apenas 9% não estão exercendo atividades docentes na Educação Básica. Os
demais exercem uma ou mais atividades relacionadas com educação. Isso significa,
concretamente, que estes professores continuam exercendo suas atividades em sala de aula,
freqüentando a comunidade onde estão inseridos, deslocando-se para realizar suas atividades
acadêmicas na Universidade, esporadicamente. A proposta pedagógica destes cursos possibilita
ao aluno realizar suas atividades a distância, utilizando a Internet como importante ferramenta de
comunicação. Os alunos se dirigem ao pólo apenas para receber o material impresso, tirar suas
dúvidas ou resolver questões burocráticas.

A existência de um percentual tão alto de alunos distribuídos em localidades remotas do


Estado (alguns alunos deslocam-se até sete horas de viagem para chegar ao pólo), provocou
mudanças significativas observadas em entrevistas com os alunos. A primeira mobilização foi a
necessidade de uma organização em grupos, seja por uma questão econômica (divisão de
despesas de viagem) como por questões de caráter pedagógico (trabalho em grupo).

A conquista da autonomia no processo de aprendizagem não é tarefa fácil, principalmente


quando mediado por uma tecnologia desconhecida por grande parte do grupo. Observa-se então,
a necessidade de novas estratégias onde o estudo coletivo ganha uma força e importância muito
maior do que no processo de aprendizagem regular. Os alunos, por si só, criam uma rede de
conhecimento e compartilhamento de informações, que dificilmente existiria em um curso
presencial.

Essas mudanças na condução de um processo de formação docente desdobram-se na


prática educativa individual, e a medida que são multiplicadas, podemos ter uma amplitude ainda
maior no impacto destas práticas. Constatamos que as escolas, sobretudo nos bolsões de exclusão
distantes dos grandes centros, ainda não absorveram os elementos inerentes a um novo modelo de
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sociedade informacional. São modelos educativos que ainda privilegiam a memorização, que
praticam avaliações quantitativas e excluem o aluno muito cedo do ambiente escolar. São
propostas de educação baseadas no principio fordista da massificação e reprodução da força de
trabalho. Os professores e alunos desta realidade social e econômica não percebem em seu
cotidiano os efeitos da globalização e da sociedade de informação. O pouco que conseguem
absorver desta realidade não é apropriado em seu benefício, mas sim utilizado como mais um
elemento de exclusão.
A modalidade a distância, por sua concepção e estrutura, já absorve o aluno dentro desta
sociedade informacional. No caso do curso de Biologia da Universidade Estadual de
Pernambuco, por exemplo, o aluno já entra no curso obrigatoriamente como usuário de algumas
ferramentas tecnológicas, que vão sendo aprimoradas ao longo de sua aprendizagem. Ao
contrário do professor da escola pública que pode escolher utilizar ou não as tecnologias
disponíveis, ao estar como aluno do curso de graduação, ele é obrigado a familiarizar-se com
estas ferramentas, sendo condição básica para o avanço em seus estudos.

O sistema de organização da EAD é espelhado na organização do modelo fordista e


conseqüentemente sofre o impacto das transformações ocorridas nele, incorporando sua
reestruturação muito mais rapidamente de que outros segmentos da educação (muito mais
complexos, rígidos e resistentes as mudanças).

Belloni (2003) ressalta que os modelos industriais de produção já penetraram em todas as


esferas sociais e o setor educacional não é uma exceção. A idéia é que com o avanço tecnológico
e as transformações no processo de trabalho, a tendência em longo prazo é que a educação como
um todo; incluindo EAD e o ensino convencional, vá se transformando num complexo organismo
de educação aberta. Mas que transformações seriam essas neste modelo de acumulação?

O fato de existir articulação sincronizada com a sociedade é um dos elementos chaves que
contribuiu para a solidez do regime fordista durante todos estes anos. Nesse regime, todos os
segmentos sociais estavam vinculados à base, e muitas vezes o regime controlava as insatisfações
de um determinado grupo, cedendo em um ponto menos importante a fim de que o modelo
continuasse funcionando. Embora não haja uma harmonia no funcionamento, a existência de um
equilíbrio é fundamental, mesmo que o regime seja sacudido por algumas crises periodicamente.

A idéia de progresso está profundamente arraigada ao modelo fordista: o progresso da


técnica (que permite aumento de produtividade), o progresso da melhoria de vida (e conseqüente
aumento do consumo) e o progresso do Estado, que cada vez mais deveria desenvolver sua
capacidade de prover e garantir o pleno-emprego e o aumento do consumo. A “quebra” deste
modelo aconteceu pela ocorrência de diversos fatores simultâneos. A baixa produtividade, a
revolta dos trabalhadores em relação à alienação, a internacionalização dos mercados, o
surgimento de uma nova forma de produção mais eficiente (o modelo japonês). Esses foram
fatores determinantes que comprometeram a vigência do modelo.

A mudança no padrão de acumulação está estreitamente vinculada não apenas a uma


mudança no setor produtivo, mas em mudanças na própria sociedade e em todos os elementos a
ela ligados. Surge nesse momento a expressão flexibilidade que parece resumir o conceito
essencial desse novo paradigma de acumulação. A flexibilidade está relacionada com as
alternativas encontradas pelas firmas para a superação dos problemas que a rigidez do fordismo
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não conseguiu resolver. É a flexibilidade na versatilidade dos produtos fabricados, em sua


quantidade, em seus estoques, nos projetos, etc. Trabalha-se com estoques menores, produtos
segmentados e diferenciados, o que faz com que a qualidade e a versatilidade desses produtos
sejam primordiais.

A introdução das novas tecnologias pode ser caracterizada pela revolução tecnológica
com novos produtos que “redefinem o próprio significado de automação” (Lipietz, 1990). A
conceituação desse novo paradigma tecnológico faz-se necessária para entendimento do que
realmente mudou com a introdução dessas tecnologias no processo de produção e
desenvolvimento do trabalho. A introdução das inovações tecnológicas transforma o processo de
trabalho, tornando-o incompatível com o fordismo. O taylorismo separou o desenvolvimento do
trabalho intelectual do manual, mas como se operariam esses métodos quando são introduzidas
máquinas sofisticadas para serem operadas por trabalhadores desqualificados? Obviamente, a
inserção das novas tecnologias tem de ser acompanhada de um mínimo de capacitação do
empregado que será o usuário do sistema. Trata-se de juntar o que o taylorismo separou, ou seja,
os aspectos manuais e intelectuais do trabalho (Leborgne e Lipietz, 1990). A única alternativa
viável para permitir esta reunificação seria uma reeducação da força de trabalho.

As novas tecnologias não são simplesmente substituidoras da força de trabalho. Se assim


o fossem, não haveria muitas dificuldades na análise desse processo. Para Castells (1999), a
designação de alta tecnologia não se refere a uma indústria, a uma atividade ou a um invento. É
preciso entender que é um processo, uma forma específica de produzir, a partir da base
fundamental, que é a informação. As inovações traduzidas em produtos de ponta de
microeletrônica processam as informações muito mais velozmente, reduzindo o custo de
transmissão e permitindo descentralização e personalização no modo de trabalho e produção.

Conclusão

A disseminação da informação é o elemento essencial para o entendimento das


transformações ocorridas no trabalho. O controle da produção e do trabalho passa a um outro
patamar com o uso de computadores de forma intensiva. Assim, a organização interna da firma é
modificada, facilitando o acúmulo de funções, a diversificação do trabalho, etc. Estas mudanças
se traduziram em um modelo de organização do trabalho e da produção que acabaram por
impactar a educação aberta. Segundo Belloni, (2003) “os modelos da sociologia industrial
penetraram no campo da educação aberta por dois caminhos: de um lado, as mudanças na
produção econômica e na organização do trabalho provocaram mudanças na demanda; de
outro houve grande influência destes modelos na organização interna das instituições
educacionais, com significativo impacto em suas concepções e estratégias educacionais”.

Ainda segundo a autora, as demandas na formação inicial e continuada mudam


substancialmente, apontando para duas grandes tendências, a reformulação radical dos currículos
e métodos de educação privilegiando a multidisciplinaridade e a aquisição de habilidades de
aprendizagem e oferta de formação continuada ligada aos ambientes de trabalho, numa
perspectiva de aprendizagem ao longo da vida. Lévy (2001) sintetiza esta necessidade ao
afirmar que “o uso crescente das tecnologias digitais e das redes de comunicação interativa
acompanha e amplifica uma profunda mutação na relação com o saber. Ao prolongar
determinadas capacidades cognitivas humanas (memória, imaginação, percepção), as
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tecnologias intelectuais com suporte digital redefinem seu alcance. E algumas vezes até mesmo
sua natureza. As novas possibilidades de criação coletiva distribuída, aprendizagem cooperativa
e colaboração em rede oferecida pelo ciberespaço colocam novamente em questão o
funcionamento das instituições e os modos habituais de divisão do trabalho, tanto na empresa
como nas escolas.”

O que se discute aqui é ainda mais profundo, a escola não precisa modificar-se para
acompanhar o novo modo de produção, e sim porque as formas de aprendizagem se modificaram,
e todos os paradigmas anteriores não funcionam mais e quando aplicados dificultam a ação fim
da escola: possibilitar a aprendizagem.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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