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Direitas Já!

O cristão pode usar armas de fogo, reagir e se proteger?


Davi Caldas 11 meses ago

Texto originalmente publicado no blog “Reação Adventista“. Para ler na página original,
clique aqui.

Alguns cristãos acreditam que seria errado buscar a autoproteção e reagir à


agressões físicas, principalmente utilizando armas de fogo. Um dos textos
utilizados para se defender essa concepção passiva em relação à agressões está
em Mateus 5:39-41. Nesse texto, Jesus afirma: “Mas eu lhes digo: Não resistam
ao perverso. Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra. E se
alguém quiser processá-lo e tirar-lhe a túnica, deixe que leve também a capa. Se
alguém o forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas”.

Bom, se Jesus foi literal ao dizer estas palavras, devemos considerar que elas se
estendem para todo e qualquer tipo de agressão sofrida. Isso quer dizer que,
embora Jesus tenha dado apenas três exemplos, devemos aplicar o pensamento a
outros. Sendo assim, segue-se que: (1) Se alguém vier com um pedaço de pau, te
der uma cacetada na cabeça e você não desmaiar, ofereça o outro lado da cabeça
também; (2) Se alguém vier com um caco de vidro e te cegar um olho, ofereça o
outro olho também; (3) Se você é uma menina e um rapaz vem te beijar à força,
ofereça outro beijo; (4) Se uma pessoa do seu mesmo sexo que você quiser te
beijar à força, também deixe e ofereça outro beijo; (5) Se um estuprador quiser te
violentar…

Como fica claro, interpretar as palavras de Jesus como sendo literais traz
implicações nefastas. E essas implicações não parecem possuir qualquer ligação
com os preceitos cristãos, tampouco possuem alguma utilidade racional. Ao
contrário, quando interpretamos Mateus 5:39-41, estamos dizendo que os
cristãos devem assumir uma postura de covardia e desvalorização da própria
vida, o que não são virtudes cristãs. O cristão, como criatura de Deus, deve zelar
por sua vida, a qual não pertence a si mesmo, mas é um dom de Deus. Deve
ainda cultivar a coragem em todos os sentidos, já que a própria Palavra ensina
que de fora do céu ficarão os covardes (Ap. 21:8). Ser corajoso, no sentido cristão,
é não permitir que o medo nos paralise e nos impeça de fazer nossas obrigações.
Isso inclui, evidentemente, a obrigação de proteger nosso corpo, nossa saúde,
nossa vida, bem como nossa família, nosso próximo e nossos bens (sim, os bens,
já que eles também provém de Deus).

Alguém poderá argumentar aqui que os mártires entregaram seus corpos e suas
vidas em nome de Cristo e que, portanto, não seria correto tomar uma atitude de
proteção da própria vida. Talvez até me citem Mateus 16:25: “Pois quem quiser
salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a vida por minha causa, a
encontrará”. A argumentação não é válida. Em primeiro lugar, porque eu não
estabeleci a autoproteção como princípio máximo. Há ocasiões em que o
sacrifício do próprio corpo ou da própria vida será necessário a fim de alcançar
um bem maior. A autoproteção vigora como princípio básico apenas enquanto
não há nada mais importante que a sua própria vida em jogo. No momento em
que sua vida se torna secundária em função de algo superior, o sacrifício não só é
permitido como é a cosia certa a se fazer. Num caso desse, negar a sua vida
torna-se egoísmo. Essa é, aliás, a argumentação que faz G. K. Chesterton (grande
pensador cristão) em um trecho de “Ortodoxia”, onde pontua a diferença entre
um mártir e um suicida. Em um dos parágrafos ele afirma:

“O suicídio não só constitui um pecado, ele é o pecado. E o mal extremo e


absoluto; a recusa de interessar-se pela existência; a recusa de fazer um
juramento de lealdade à vida. O homem que mata um homem, mata um homem.
O homem que se mata, mata todos os homens; no que lhe diz respeito, ele
elimina o mundo”. Na sequencia, Chesterton continua enfatizando o quão
hediondo é o suicidio e então confronta o suicidio com o martírio cristão:

“Obviamente um suicida é o oposto de um mártir. Um mártir é um homem que


se preocupa tanto com alguma coisa fora dele que se esquece de sua vida pessoal.
Um suicida é um homem que se preocupa tão pouco com tudo o que está fora
dele que ele quer ver o fim de tudo. Um quer que alguma coisa comece; o outro,
que tudo acabe. Em outras palavras, o mártir é nobre, exatamente porque
(embora renuncie ao mundo ou execre toda a humanidade) ele confessa esse
supremo laço com a vida; coloca o coração fora de si mesmo: morre para que
alguma coisa viva. O suicida é ignóbil porque não tem esse vínculo com a
existência: ele é meramente um destruidor. Espiritualmente, ele destrói o
universo”.

Então, não, não existe contradição entre o principio da autoproteção e o martírio


cristão. O que existe são ocasiões distintas. Há ocasiões em que o martírio
suplanta a autoproteção porque o que está em jogo é algo mais importante que a
vida. E o que seria mais importante que a nossa própria vida? A lealdade a Deus é
o maior exemplo. A vida de um filho geralmente é colocada num patamar acima
da autoproteção também. E há quem nobremente coloque sua proteção em risco
em prol de pessoas doentes ou em situação de perigo. A isso se chama amar ao
próximo. Parafraseando Chesterton, quem age dessa maneira está morrendo para
que algo viva.

Infelizmente, às vezes a autoproteção implicará a morte do agressor. Mas não se


trata aqui de um caso de assassinato. O mandamento de Deus proíbe o
assassinato, que seria um homicídio por motivo torpe ou vingança. Mas Deus
outorga o direito de tirar a vida de outro ser humano quando esta é a única
maneira de sobreviver a um ataque do mesmo. Isso é legítima defesa. Aliás, abro
parênteses para ressaltar que Deus também outorga o direito de tirar vidas ao
Estado, quando determinada sociedade resolve que crimes hediondos devem ser
punidos com a pena capital. Há quem pense que a pena de morte é proibida pela
Bíblia. O fato, no entanto, é que a Bíblia joga essa questão para o âmbito civil, a
ser resolvida pela sociedade. Não há qualquer condenação da pena capital nas
Escrituras. No Antigo Testamento ela era prescrita na sociedade israelita para
alguns crimes. E no Novo Testamento, as poucas passagens que mencionam o
assunto, deixam claro que o assunto é de âmbito civil. Em Atos 25:11, por
exemplo, Paulo afirma: “Contudo, se fiz qualquer mal ou pratiquei algum crime
que mereça a pena de morte, estou pronto para morrer. Mas, se não são
verdadeiras as acusações que me afrontam esses homens, ninguém tem o direito
de me entregar a eles. Portanto, apelo para César!”. Já em Romanos 13:3-4:
“Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando
se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela,
visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o
mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de
Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal”. Em suma, ser contra ou a
favor da pena de morte não é irrelevante no tocante à vida cristã, pois não é
discussão de cunho religioso, mas civil. Os argumentos, portanto, devem ser de
outra natureza que não teológica.

Mas voltando ao texto de Mateus 5, é importante ressaltar que Jesus costumava a


usar analogias para enfatizar suas verdades. Algumas delas recorriam à imagens
absurdas para impactar as pessoas. Por exemplo, em Mateus 5:29-30 lemos: “Se
o teu olho direito te leva a pecar, arranca-o e lança-o fora de ti; pois te é mais
proveitoso perder um dos teus membros do que todo o teu corpo ser lançado no
inferno. E, se tua mão direita te fizer pecar, corta-a e atira-a para longe de ti;
pois te é melhor que um dos teus membros se perca do que todo o teu corpo seja
lançado no inferno”. É evidente que esse texto não é literal, pois a automutilação
é um pecado. Jesus jamais a receitaria como método para vencer outro pecado. O
que Jesus faz aqui é utilizar uma hipótese absurda para enfatizar que, na
verdade, só há uma alternativa: abandonar o pecado. As analogias feitas por Jesus
em Mateus 5:39-41 são do mesmo tipo; não devem ser entendidas literalmente. A
essência do ensinamento de Jesus é bem clara e simples: não devemos procurar
vingança pessoal contra as pessoas, mesmo que elas nos causem grandes danos.

Outro texto utilizado pelos cristãos defensores da passividade se encontra em


Mateus 26:52, onde Pedro recebe uma advertência de Jesus ao tentar defendê-lo
dos soldados romanos no Jardim das Oliveiras: “Guarde a espada! Pois todos os
que empunham a espada, pela espada morrerão”. Esse texto, inclusive, é o
preferido de cristãos que acreditam ser um pecado possuir armas de fogo. O que
se deve perceber aqui é que essa assertiva de Jesus não é um mandamento geral
para todas as pessoas de todas as épocas em todas as situações. Na verdade, a
assertiva de Jesus é bem mais específica para o contexto do que os cristãos
passivos supõem. Vamos analisar.

Em primeiro lugar, a preocupação central de Jesus não é com o fato de que Pedro
está armado, nem com o uso que o mesmo faz da arma para enfrentar o soldado
que prendia Cristo. A preocupação central de Jesus está no fato de que Ele possuía
uma missão clara e que não poderia ser frustrada: morrer pela humanidade. Em
outras palavras, ele precisava se entregar. Qualquer pessoa que, naquele
momento, intentasse salvá-lo estaria se tornando literalmente um obstáculo aos
planos de Deus. O contexto do da própria passagem de Mateus deixa isso claro.
Nos versos que se seguem Jesus afirma: “Acaso, pensas que não posso rogar ao
meu Pai, e Ele me mandaria neste momento mais de doze legiões de anjos?
Como, no entanto, se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim deve
suceder?” (Mateus 26:53-54). Aqui Jesus deixa claro que está se deixando
prender porque faz parte de sua missão. Cristo está literalmente dizendo: “Não
quero sua ajuda, Pedro. Eu vim exatamente para isso”.

A mesma ideia é expressa de modo mais direto no evangelho de João. Ele relata o
episódio da seguinte maneira: “Mas Jesus disse a Pedro: ‘Mete a espada na
bainha; não beberei, porventura, o cálice que o Pai me deu?'” (João 18:11). Ou
seja, a parte central da repreensão é que Pedro estava lutando contra os planos de
Deus. O problema não estava no uso da espada, mas no momento, que era
inoportuno. Marcos, ao narrar a mesma cena, sequer vê a necessidade de relatar
a repreensão de Jesus feita a Pedro. Limita-se a descrever: “Nisto, um dos
circunstantes, sacando da espada, feriu o servo do sumo sacerdote e cortou-lhe a
orelha” (Marcos 14:47). Já Lucas resume a repreensão de Cristo na seguinte
frase: “Mas Jesus acudiu, dizendo: ‘Deixai, basta’. E, tocando-lhe a orelha, o
curou” (Lucas 22:51). Em suma, nenhum dos textos oferece qualquer margem
para que Jesus estivesse fazendo uma teologia antirreação e antiarmas. Supor
isso é forçar os textos a dizerem o que eles não dizem; enfatizar nos textos o que
eles não enfatizam; deixar de lado o que realmente os escritores bíblicos querem
chamar a atenção no evento narrado.

Em segundo lugar, quando Cristo afirma que “todos os que empunham a espada,
pela espada morrerão”, deve-se ter em mente o contexto histórico da época.
Israel vivia sob domínio do Império Romano, cujo poderio militar era
incrivelmente grande. Roma tinha poder para massacrar qualquer grupo de
rebeldes que desejasse. Se, portanto, os discípulos iniciassem seu ministério
empunhando espadas por aí, rapidamente seriam vistos por Roma como
rebeldes. Principalmente se esses discípulos viessem a matar algum soldado
romano. O resultado disso seria, sem dúvida alguma, um rápido extermínio por
parte do Império. As palavras de Jesus estavam, na verdade, traçando uma
distinção entre a missão de um soldado e a missão de missionário. A missão do
soldado é lutar fisicamente e o seu fim geralmente é a morte pelas próprias
armas que utiliza. A missão do missionário, entretanto, era viajar por centenas de
lugares pregando o evangelho. Longe de estar condenando a missão de um
soldado, Jesus estava apenas enfatizando que os discípulos não eram soldados,
mas missionários. Não há como ser as duas coisas. Não por haver alguma
contradição moral, mas por haver uma incompatibilidade de missões.

Se os discípulos fossem caraterizados e rotulados, desde o início, como uma


organização paramilitar, não teriam sequer um momento de paz para pregar o
evangelho. O império romano, historicamente, perseguiu os cristãos não de
maneira initerrupta, absoluta e geral, mas sim de maneiras localizadas no tempo
e no espaço. Houve períodos e lugares com forte perseguição, mas também
períodos e lugares em que os cristãos gozaram de liberdade. Mas isso só se deu
porque os cristãos não eram soldados. Se fossem, o império romano teria sido
absolutamente implacável desde o início, em todos os lugares e o tempo todo. O
resultado teria sido a morte do cristianismo logo no seu surgimento.

Ademais, se os discípulos tivessem se caracterizado como soldados, o evangelho


adquiriria um caráter distorcido, não mais de uma transformação espiritual e de
um volver da mente às coisas celestiais, mas sim de luta política e militar, de
guerra terrena, de batalha física, de revolta, conquista e ambição. Tal distorção
era, aliás, o que havia tomado conta da teologia judaica sobre o Messias. Os
judeus esperavam justamente um Messias político-militar, com uma frota de
soldados fieis, que comandaria a destruição dos romanos e a libertação terrena de
Israel. A militarização dos discípulos só faria consolidar esta ideia, dando ao
evangelho a mesma significação que “revolta civil”, “revolução” e “luta
armada”. Neste sentido, deixaria de ser uma fonte de salvação espiritual para ser
meramente um movimento terreno por libertação efêmera. E um movimento
desses, longe de criar gerar transformação interior e de ligar os homens
intimamente a Deus, geraria lutas vis e homens que se uniriam ao movimento
unicamente por razões terrenas e até egoístas. Talvez aqui deva-se enfatizar que
esta foi a grande diferença entre o cristianismo e o islamismo em suas origens.
Enquanto o cristianismo se inicou com missionários, interessados unicamente
em pregar a salvação por meio do sacríficio de Cristo Jesus, o islamismo se
iniciou com soldados interessados em coisas diversas. A diferença é notável.

Em suma, Jesus não queria que Pedro ou seus demais discípulos fossem
soldados, mas missionários. A expansão da Igreja necessitava disso. Cristo
necessitava de homens dispostos a abnegar até mesmo seus direitos mais
básicos, como o da autoproteção e o da reação, a fim de unicamente anunciar o
evangelho e manter intacto o caráter do mesmo. O contexto exigia isso. E ser
missionário requer essa abnegação.

De tal fato não se pode depreender que todas as pessoas devem ser missionárias.
Missionário, no senso estrito da palavra, é aquele que trabalha integralmente
com o evangelho. Este é totalmente guiado pela missão evangelítica. Ele não
pregará onde mora; morará onde precisa pregar. Ele não pregará para onde viaja;
viajará para onde precisa pregar. Se precisar trabalhar, ele trabalhará para
sustentar sua missão. Não pregará onde trabalha, trabalhará onde precisa pregar.
O missionário estará pronto para abnegar todos os seus direitos/desejos se for
necessário. Talvez o sonho de fazer faculdade, de ser juiz, de ir à Disney, de
morar na Suíça, de ser rico, de casar, de ser um jogador de futebol. Ele não é mais
um homem da sociedade. Ele é um ambulante, um peregrino, um nômade de
futuro incerto que se movimenta em função de sua missão. O missionário é o
oposto do homem cristão da sociedade, que desempenha a missão evangelística
de acordo com as raízes que fincou na sociedade.

Ambos, no entanto, são importantes. O homem cristão da sociedade precisa


existir justamente porque precisa compor a sociedade. A sociedade carece de
cristãos espalhados por ela, com suas raízes fincadas, com suas relações na
família, na vizinhança, na escola, no trabalho e etc. Nem só de nômades se faz o
cristianismo. Além do mais, são os homens da sociedade que, com seu trabalho e
sua fixidez social, financiam o trabalho do missionário. Para que haja missionário
em tempo integral é necessário haver o cristão da sociedade. Para que haja
recursos suficientes para a missão é necessário haver o cristão da sociedade.
Repare que os discípulos tornaram-se nômades, mas as igrejas que plantavam
em cada região eram feitas de cristãos da sociedade. Nem todo mundo nasceu
para ser missionário. Nem todo mundo nasceu para ser cristão de sociedade. Cada
qual tem sua importância nos planos de Deus. O evangelho deve ser pregado por
ambos, mas as funções são distintas.

Aqui fica clara a distinção. O missionário, ao abnegar direitos dados ao cristão de


sociedade, acaba por ter de abnegar também o uso de armas para autoproteção e
reação. Como já dito, ele encontrou ali um contexto em que sua vida já não é
mais prioridade. As armas tornam-se inconvenientes e o sacrifício, a única opção
viável. Tal como ocorreu com Jesus.

Em suma, não há como utilizar o texto de Mateus 26:52 para sustentar que seria
pecado buscar autoproteção ou reagir a agressões físicas. A passagem deve ser
entendida dentro de seu contexto bem específico, no qual: (1) Pedro não deveria
sacar sua arma naquele momento, pois Cristo necessitava morrer pelo ser
humano; (2) os discípulos não deveriam parecer um grupo paramilitar, a fim de
não distorcerem o caráter do evangelho, nem serem vistos pelo Império Romano
como uma ameaça; (3) os discípulos não deveriam ser soldados, mas como
missionários, abdicando de alguns direitos legítimos para pregar o evangelho
intensa e integralmente, espalhando-o pelo mundo. Interpretar além disso é
forçar o texto.

O cristão passivo pode tentar argumentar ainda com base em algumas ideias
extraídas da Bíblia tais como: “O cristão deve ter fé em Deus e não em armas
para protegê-lo”, ou ainda: “O cristão não deve agredir ninguém, mas amar”.
Ora, essas ideias são distorções das Escrituras. Analisemos a primeira. Apela-se
para a fé em Deus para protegê-lo. É óbvio que devemos ter fé em Deus sempre,
mas isso não nos proíbe, tampouco nos exime de fazer a nossa parte. Se a fé em
Deus nos desobrigasse de tomar medidas para nossa proteção, não faria sentido
trancar a porta de casa com chave, ter extintor no carro, usar cinto de segurança,
comprar um computador com garantia de fábrica, guardar pertences valiosos em
um cofre, ir ao médico e etc. Na verdade, o próprio Jesus diz a Satanás: “Não
tentarás o Senhor teu Deus”. E o texto bíblico que afirma: “Se o Senhor não
guardar a cidade, em vão vigia a sentinela” (Salmo 127:1), não exclui a
necessidade de um sentinela, embora ele nada possa se Deus não estender sua
proteção. O mundo que Deus criou funciona por meio de leis naturais. Não
devemos viver nele como se vigorasse a magia. Na vida real devemos fazer a
nossa parte à todo o momento. Deus fará a dEle. Ter uma arma ou aprender artes
marciais podem ser atitudes importantes para se proteger ou proteger a outros.
Não há qualquer passagem bíblica que desabone esse tipo de conduta. Pelo
contrário, trata-se de algo prudente. E Deus poderá salvar pessoas através disso,
inclusive.

Quanto à segunda ideia, perceba que ela distorce o amor. É evidente que amar não
implica permitir que coloquem em risco sua vida ou a vida de alguém ao redor.
Imagine que você está andando na rua e encontra um sujeito tentando se
aproveitar de sua filha. Qual será sua postura? Deixar que o sujeito abuse de sua
filha, alegando que precisa amá-lo e não agredi-lo? Ou tentará salvar sua filha,
apartando-o com sua força física ou algum instrumento de proteção? Tenho
certeza de que sua postura será a segunda. Não é diferente quando se trata de
nossa própria vida em jogo. É perfeitamente possível ser um cristão amoroso,
perdoador e que ajuda ao próximo, mas, ao mesmo tempo, que reage quando sua
vida ou a vida de pessoas ao seu redor está em perigo.

Enfatizo que toda essa reflexão se refere à autoproteção e não ao uso da violência
como forma de vingança, justiça própria e retaliação. A Bíblia é bem clara ao
dizer que não devemos nos vingar, no âmbito moral, pois a “vingança” pertence
a Deus. E, no âmbito civil, também não devemos buscar justiça com as próprias
mãos, pois cabe ao Estado julgar, através do corpo de leis vigentes e de juízes
preparados para isso. O próprio princípio do Antigo Testamento “olho por olho,
dente por dente”, não passava de uma regra jurídica aplicada apenas por juízes,
após um julgamento formal, para determinados tipos de crimes – a saber, crimes
de agressão física à inocentes ou falso testemunho (Êxodo 21:22-25, Levítico
24:19-20 e Deuteronômio 19:15-21). Aliás, a crítica de Jesus, no Sermão do
Monte, ao princípio “olho por olho, dente por dente” não se referia a sua
aplicação jurídica, a qual era legal, mas sim à sua aplicação no âmbito moral. Em
outras palavras, muitos utilizavam o princípio como uma justificativa para odiar
e retaliar, buscando vingança e justiça com as próprias mãos. Jesus, portanto, faz
uma clara distinção entre princípio jurídico e princípio moral, estabelecendo que,
no âmbito moral, o individuo deveria estar pronto para liberar perdão, e no
âmbito jurídico, deveria deixar o julgamento e a punição à cargo dos juízes. Essa
deve ser a postura cristã.

É curioso como que cristãos que sustentam a passividade gostam de pintar um


“Jesus Cristo paz e amor” que jamais faria nada agressivo. Um colega chegou
mesmo a me dizer, dia desses, que não conseguiria imaginar Jesus andando com
uma Ak-47. Pois creio que esses cristãos nunca devem ter lido Apocalipse, por
exemplo, que descreve Jesus voltando com uma espada que mata todos os ímpios
da terra. A cena é simbólica, claro, mas o morticínio não. E a imagem utilizada
para simbolizar essa terrível e gigantesca punição derradeira é justamente a de
Jesus armado. Não com uma Ak-47, já que esse tipo de armamento não existia à
época que João escreveu o Apocalipse. Mas com uma espada. Sim, a espada, a
arma antiga, a arma utilizada pelos exércitos israelitas ao longo de todo o Antigo
Testamento. A arma utilizada pelos discípulos enquanto andavam com Jesus. A
arma com a qual todo o homem protegia a sua família de perigos. A arma que
todo mundo tinha.

Demonizar a autoproteção e os meios com os quais pode-se torná-la efetiva não


é uma postura que encontre base bíblica, tampouco lógica. Quando fazemos isso,
encontramos inúmeras incoerências pela frente. Uma delas se refere ao próprio
trabalho da polícia. Ora, se proteger e reagir são dois pecados e todos deveriam
ser passivos em relação aos agressores, então todos os policiais estão em pecado.
Sob essa interpretação, a atividade policial é, em si mesma, pecaminosa, imoral,
anticristã, pois se baseia justamente em proteger e reagir. Posso imaginar um
policial que tenha acabado de se tornar cristão e vê um homem agredindo
fisicamente uma mulher. Ele corre para defendê-la, mas então se lembra: “Cristo
me ensinou a não reagir”. Então, com a consciência tranquila, deixa que a
mulher morra nas mãos de seu agressor. Será mesmo que foi isso que Cristo
ensinou? Certamente não! E, sem dúvida, o raciocínio serve para qualquer
cidadão. É dever do cristão estar disposto a reagir e proteger, sempre que a
situação não requerer a passividade. Fugir a essa obrigação é ser covarde. E os
covardes, como já dito, não herdarão o Reino dos Céus.

Concluímos, portanto, que não há absolutamente nenhum ponto na Bíblia em


que seja proibido ao cristão buscar a autoproteção, reagir à agressões físicas e
utilizar armas para isso. A questão das armas (e atualmente, das armas de fogo)
não é uma discussão teológica, mas uma questão civil. A Bíblia não proíbe, como
também não impõe, cabendo à sociedade julgar se deve possuir o direito de
portar armas ou não.

Categorias: Direito, Educação, Política, Segurança, Sociedade

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