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Eni R. Orlandi (2000) afirma que não se pode não estar sujeito à linguagem, o que significa
que todos estão sujeitos aos equívocos, à opacidade e ao entrar no simbólico e no mundo dos signos
torna o sujeito interprete da realidade quer se queira, quer não. Esta contribuição da análise do
discurso nos leva a refletir e saber que não somos conscientes de tudo, mas também nos torna menos
ingênuos diante da linguagem. Interessa-nos saber como o discurso funciona a partir da memória do
sujeito e de sua relação com o sentido. Estes sentidos, estabelecidos ou não, enquanto objetos
simbólicos são interpretados, cria-se um discurso sobre ele, uma fala que interpreta. Pretende-se
refletir sobre a linguagem, o sujeito, a história e a ideologia sem a pretensão de esgotar o discurso,
tornando-o definitivo ou completo, mas entender os princípios e procedimentos analíticos
possibilitando saber sobre o confronto entre a linguagem e o mundo com os sujeitos e os sentidos na
história.
Existem diferentes formas de se estudar a linguagem, seja ela como um sistema de signos ou
como regras formais através da linguística ou como normas através da gramática. Estas tendências
faz pensar “que há muitas maneiras de se significar que os estudiosos começaram a se interessar pela
linguagem de uma maneira particular que a que deu origem à Análise do Discurso” (ORLANDI,
2000, P. 15). Trata-se, portanto, do discurso que “tem a ideia de curso, de percurso, de correr por, de
movimento” (Ibid.). O discurso não é a língua ou a gramática a ele associado, mas é a fala humana.
Na análise do discurso “procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho
simbólico, parte do trabalho geral, constituído de homem e da sua história” (Ibid.). A linguagem é a
principal mediadora entre o mundo natural e social, é o que dá sustentação ou transformação no
ambiente vivido pelo ser humano. É nela que ele significa as coisas e significa-se:
[…] procura extrair sentidos dos textos, respondendo à questão: O que este texto quer dizer?
Diferente da análise de conteúdo, a Análise do Discurso considera que a linguagem não é
transparente. Desse modo ela não procura atravessar o texto para encontrar um sentido do
outro lado. A questão que ela coloca é: como este texto significa? (Ibid.).
O texto não será mera ilustração da constatação de algo já conhecido, mas a Análise do
Discurso produz o conhecimento a partir do próprio texto. Esta produção do conhecimento se faz “a
partir do próprio texto, porque o vê como tendo uma materialidade simbólica própria e significativa,
como tendo uma espessura semântica: ela o concebe em sua discursividade” (Ibid., 2000, p. 18).
Embora tenhamos importantes contribuições do linguista francês Michel Bréal no século XIX, que
em sua materialidade linguística indicavam uma semântica histórica, dos formalistas russos nos anos
20 e 30 do século XX, que entendiam o texto como uma estrutura, buscando a lógica interna do texto
de um ponto de vista literário, foi com o estruturalista americano Zellig Harring nos anos 50 com seu
método distribucional, superando as análises conteudistas com o uso do isomorfismo e com o
estruturalismo europeu do britânico Michael Alexander Kirkwood Halliday que pensava a linguagem
em uso, contribuindo na ideia de que o texto é realizado por sentenças, invertendo a perspectiva
linguística, que a linguística se aproxima da Análise do Discurso, ainda que se reconheça os limites
de suas análises (ORLANDI, 2000).
Deve-se considerar que foi somente a partir da década de 60 do século XX que a Análise do
Discurso rompe em definitivo com o século XIX: “Nos anos 60, a Análise do Discurso se constitui
no espaço de questões criadas pela relação entre três domínios disciplinares que são ao mesmo tempo
uma ruptura com o século XIX: a Lingüística, o Marxismo e a Psicanálise” (Ibid., 2000, p. 19). A
língua não é transparente em si mesma, mas possui sua ordem. Isto indica que a relação da linguagem
com o pensamento e o mundo não se realiza de forma completa e direta, não é unívoca. Cada uma
delas possui sua especificidade. A Análise do Discurso toma como base o materialismo histórico,
afirmando um real histórico, ainda que a história não seja transparente. Será na conjugação entre
língua e história que se realiza a produção de sentido: “Daí, conjugando a língua com a história na
produção de sentidos, esses estudos do discurso trabalham o que vai-se chamar a forma material (não
abstrata como a da linguística) que é a forma encarnada na história para produzir sentidos: esta forma
é, portanto, lingüístico-histórica” (Ibid.). A contribuição da psicanálise se dá na indicação do sujeito
da história. Não será mais o homem, e este deslocamento se realiza de forma simbólica:
Tudo o que havia de base para a elaboração das Ciências Humanas e Sociais no século XIX
nos conceitos de sujeito e linguagem são superados pela Linguística e pela Psicanálise. Da mesma
forma a noção de língua, como conceito abstrato, não será mais o mesma após a contribuição do
Materialismo. “A Análise de Discurso, trabalhando na confluência desses campos do conhecimento,
irrompe em suas fronteiras e produz um novo recorte de disciplinas constituindo um novo objeto que
vai afetar essas formas de conhecimento em seu conjunto: este novo objeto é o discurso” (ORLANDI,
2000, p. 20).
Para a Análise de Discurso o que importa é o conceito de discurso. Não para trabalhar os
esquemas de comunicação, no qual a mensagem é transmitida por um emissor, denominada referente,
e é recepcionada por um receptor, denominada código, delegando maior importância ao processo de
transmissão de uma mensagem. Para o sujeito que realiza o discurso não se trata de transmissão da
informação de forma linear, no qual se exige uma decodificação e não há separação em emissor e
receptor. Não há na língua um só código, e não existe uma sequência na relação emissor, receptor,
código, mensagem e referente. O importante será que
Para além da dicotomia entre a língua e a fala, proposta por F. Saussure, o discurso não se
opõe à língua como um sistema estático, mas “o discurso tem sua regularidade, tem seu
funcionamento que é possível apreender se não opomos o social e o histórico, o sistema e a realização,
o subjetivo ao objetivo, o processo ao produto” (Ibid., 2000, p. 22). Na Análise do Discurso o discurso
não é visto como liberdade independente de condicionantes da língua ou determinação histórica, nem
língua sem falhas, fechada e sem equívocos. Na sistematização da língua se realiza o discurso: “As
sistematicidades lingüísticas – que nessa perspectiva não afastam o semântico como se fosse externo
– são as condições materiais de base sobre as quais se desenvolvem os processos discursivos. A língua
é assim a condição de possibilidade do discurso” (ORLANDI, 2000, p. 22). A sistematização da língua
não se constitui de algo homogêneo, um todo organizado, no entanto há superposições, mas não
separação, sendo assim a relação entre língua e discurso mantêm-se numa abertura que comporta
falhas e acertos na sistematicidade linguística, estabelecendo uma relação significativa com o mundo
podendo ser equívoco ou não. O processo discursivo não anula os outros, mas torna-se complementar,
dando à língua as condições para sua existência viva.
Referências