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Walace Ferreira
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06/02/2019 Abolicionismo penal e realidade brasileira - Jus.com.br | Jus Navigandi
Outra falha do sistema penal, muito apontada, é a sua seletividade: a julgar pela
população carcerária, a prática da criminalidade é quase que restrita às classes
sociais menos favorecidas. Em verdade, a criminalidade é difundida por todo o
espectro social, mas a ação do sistema penal está focada sobre os despossuídos.
Isso fere frontalmente o princípio da igualdade, defendido no caso brasileiro pela
Constituição de 1998, e que se constitui como um dos principais alicerces dos
Estados de Direito do Ocidente. É, enfim, a universalidade do crime em contraste
com a seletividade da justiça.
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2. PROPOSTAS ABOLICIONISTAS
O Abolicionismo penal tem como posição nuclear a extinção de todo sistema penal
e tudo que é associado a ele. Defende-se, com isso, que o sistema penal não é uma
solução, mas um problema devido a suas precariedades e sua ineficiência, uma vez
que esse só funcionaria de modo segregacionista, atingindo muito mais as classes
menos favorecidas do que todo o conjunto de atores que cometem delitos nocivos
à vida social, deixando muitas vezes imunes aqueles que mereciam ser punidos
(Machado, 2008).
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Criticando o Direito Penal e os seus efeitos, apontando seus métodos não como
solução, mas como problema, os membros dessa corrente exigem projetos mais ou
menos radicais, mais ou menos teóricos e mais ou menos políticos. Seriam eles,
segundo a Vera Regina Pereira de Andrade (2003):
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Tendo como um dos seus principais objetivos – como já foi dito - a supressão do
sistema penal, tido como ineficiente e precário, buscar-se-ia através dos outros
ramos do direito como o civil, por exemplo, a solução para questões que são
resolvidas pelo poder coercitivo. Propõe-se, assim, a despenalização via busca de
solução de conflitos por meio da conciliação, bastante utilizada nos ramos do
direito processual civil, supondo que neste campo do direito ela prevaleceria, e se
encontraria o meio mais eficaz para a pacificação real da violência.
Assim, tal propósito de eliminar o seu objeto de estudo é a única circunstancia que
o define. É dito que pensar que o abolicionismo infere numa teoria coerente,
sistemática e acabada seria incorrer em erro. Por isso, verificam-se no sistema
atual tantos fundamentos e explicações a favor da abolição do sistema penal.
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Nesse aspecto, Louk Huslman (1997) acredita que todos os princípios ou valores
sobre os quais tal sistema se apóia, tais como a igualdade dos cidadãos, a
segurança, o direito à justiça, dentre outros, são radicalmente deturpados, na
medida em que só se aplicam àquele número ínfimo de situações que são os casos
registrados. O enfoque tradicional se mostra, de alguma forma, às avessas. Em
outras palavras, a supressão do sistema penal iria unificar a solução adotada
diante de um fato definido como crime, estendendo à parcela minoritária que é
alcançada pelo sistema o tratamento não penal que, na prática, resolve os conflitos
da maioria das pessoas envolvidas em eventos criminalizáveis.
Há, assim, uma seletividade que começa antes da intervenção do sistema penal,
com a discriminação social e escolar, com a intervenção dos institutos de controle
do desvio dos menores, da assistência social, entre outros fatores sociais. O
processo seletivo prossegue ainda no plano legislativo, onde se verifica uma
grande desproporção entre as penas cominadas aos delitos que ocorrem com
maior freqüência na periferia (agressões, furtos, roubos, etc.), se comparados aos
delitos próprios de agentes com poder aquisitivo alto (colarinho branco, uso de
tóxicos, crimes econômicos, culposos, de trânsito, etc.).
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Argumenta-se que o sistema penal está estruturado para que, de fato, não
funcione, pois tipifica uma quantidade de condutas muito superior à capacidade
operativa dos órgãos incumbidos da repressão criminal.
O sistema penal encontra como uma das principais justificativas para a sua
existência o que se convencionou chamar de “prevenção geral”. Segundo este
argumento, prevendo-se a punição em razão da prática de determinados atos,
todos ficariam intimidados e, por isso, não agiriam da forma considerada
reprovável.
Isso implica em dizer que as pessoas não deixam de praticar as condutas definidas
como crime por temor à sanção prevista no preceito secundário da norma, mas
por força dos valores injetados em toda sua existência, tais como o relacionamento
familiar, a escola, a igreja, a sociedade, etc.
Entretanto, o que se configura é o exato oposto, visto que a pena de prisão não
intimida, pois os cárceres estão abarrotados de pessoas que não se amedrontam
diante da pena e pelas ruas circulam criminosos que praticam toda sorte de delitos
indiferentes à possibilidade de serem punidos. Além de rejeitar o sistema penal
como inibidor da criminalidade, os abolicionistas entendem que, por apresentar
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resposta violenta e pública, ele acaba por estimular a própria violência em outros
campos, principalmente nos presídios, considerado por muitos como verdadeira
“escola do crime”.
Argumenta-se que o sistema penal supõe que todos os envolvidos (réus e vítimas)
têm as mesmas reações e necessidades, desconsiderando a singularidade de cada
um. Dessa maneira, na grande maioria dos casos, mesmo a opinião do ofendido
não possui qualquer relevância para o desfecho do processo criminal, cabendo
unicamente ao Estado a persecução e aplicação da sanção. As partes envolvidas,
tanto o réu como as vítimas são vistas pelo Estado sem a intenção que o caso exige
e adota sempre a ideia de que o agredido exige uma vingança imediatista e ao
agressor não é permitido o questionamento, caracterizando-se implicitamente um
caráter de vingança particular.
Nesse aspecto, Louk Hulsman (1997) lembra que no dia do julgamento a vítima
pode considerar o problema inicialmente vivido de outra forma, passando a não
desejar a punição prevista legalmente, mas ainda assim a questão será julgada
com o rigor da lei. A proposta abolicionista, de promover um encontro entre as
partes envolvidas, valorando especialmente a expectativa do ofendido,
proporcionaria maior possibilidade de composição do conflito. Ou seja, para os
abolicionistas o sistema penal não interfere de maneira justa, satisfatória e
coerente com a realidade, pois visualiza os fenômenos criminais de uma só
maneira em que o deleito e os seus respectivos protagonistas são estáticos, sem
levar em conta nenhuma individualidade factual, produzindo uma resposta
insatisfatória.
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Ao analisar uma das maneiras pela qual a teoria seria posta na prática, nos
deparamos com um provável controle interno materializado pela auto-censura e
pelo policiamento moral coletivo e/ou um controle social rígido imposto pelo
Estado em que haveria uma completa vigilância da população, seja pela polícia,
seja pelo controle tecnológico com o objetivo de “disciplinar” a sociedade. Um
doutrinador que argumenta nesse sentido é Luigi Ferrajoli (1998), para quem o
controle social excessivo de modo a prevenir a ocorrência de qualquer crime
limitaria a liberdade dos cidadãos, assim como afetaria a privacidade de todos. O
maior receio quando se toca nesse assunto é de que com a supressão do Direito
Penal esse controle se torne demasiadamente repressivo e seja regido por técnicas
um tanto quanto irracionais, fazendo com que a humanidade regredisse alguns
passos na sua evolução histórica caso o sistema falhasse. Isso significa,
paradoxalmente, que o abolicionismo, ao defender o fim do direito penal, prega
uma alternativa em que exalta outra forma de controle social, como em que uma
exaltação ao “direito penal” em que supera em rigor muitos ardorosos
proponentes da legitimidade da pena.
A criminalidade tem raízes muito mais profundas do que uma análise rápida pode
expor: a problemática social, a perspectiva de ascensão célere no meio marginal,
impensável com o dispêndio de trabalho honesto, a excessiva procura por drogas,
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alheios à falta de perspectiva, uma vez que os seus agentes dispuseram de todas as
oportunidades educacionais que o dinheiro pode oferecer, leva a reiteração da
ideia de pena como maneira de manifestação de reprovação por parte da
sociedade a atitudes à margem da lei.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Autor
Walace Walace Ferreira
Ferreira
Professor de Sociologia da UERJ. Pesquisador. Doutor em
Sociologia pelo IESP/UERJ.
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