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Introdução
Neste artigo faço um levantamento de alguns eixos para leitura de relatos de professores sobre
suas experiências com as linguagens corporais da arte e da educação física. O objeto ao qual
lanço o olhar são os textos - memoriais de formação produzidos por professores durante o
curso de ensino de arte e educação física na infância, promovido pelo Paidéia/ UFRN.
Observando as experiências de formação de professores como práticas sociais em que
interagem vários actantesi na produção de sentidos, nos escritos dos professores estão os
enunciados de seu processo de formação. Nesta escrita configuram-se relações entre:
experiência estética, linguagens verbais e não verbais e construção de sentido para o ensino de
arte e educação física na infância. Neste artigo faço o exercício de aproximação a algumas
formulações conceituais que poderão ser facilitadoras da leitura dos memoriais. Penso,
sobretudo, na relação entre os aportes da semiótica discursiva francesa e as práticas de
formação de professores para lançar-me a olhar os efeitos de sentidoii enunciados nos
memoriais de formação.
A partir dessa obra, a semiótica passa a reflexão sobre o modo de presença estética na
vida humana, isto é, presença estética na cotidianidade. O contanto com as qualidades do
mundo sensível ou do Outro, vivido na relação com o mundo que nos circunda ou através da
figuratividade dos textos, como salienta Oliveira (OLIVEIRA, 2002: 11),
O sentido não está dado nos objetos, não existe para se pegar, ele deve ser construído.
A significação é produzida na interação com o mundo, isto é, em práticas semióticas
concretas. Sobre o conceito de significação da semiótica discursiva salienta Oliveira (2008:
28-29):
Quando os textos são textos propriamente ditos, seu sentido não procede
inteira e diretamente daquilo que eles são enquanto textos. Ele depende ao
mesmo tempo dos pontos de vista de leitura adotados por cada um, isto é, da
posição de cada leitor, enquanto ator num universo de práticas em conflitos.
A leitura acaba por adquirir o estatuto de uma prática em que quem lê não o faz
distanciado daquilo que defende e fundamenta o seu agir no mundo. Não somente o sentido
do texto se constrói, mas o próprio ato de leitura.
Assim, pensando sobre a minha prática leitora, busco entender como os professores
vêem e escrevem suas experiências? Quais efeitos de sentido estão enunciados nos seus
textos? Essas são as questões/indicadores para seguir na leitura dos memoriais. Para melhor
significá-las, se faz necessário refletir sobre outros disparadores de leitura, entre eles as
práticas de linguagens na produção de textos escritos.
As linguagens e as práticas
Kristeva (2007) salienta que o século XX foi do átomo, do cosmo e da linguagem. Em
relação à linguagem, pode-se observar que na contemporaneidade os verbos falar, ler e
escrever, ainda são conjugados em todas as pessoas e em todos os tempos. A essas
linguagens pressupõem-se outras, não menos ricas, do gesto, da imagem.
Para essa autora, cada época, cada civilização, em conformidade com o conjunto do
seu saber, das suas crenças, da sua ideologia, responde de modo diferente e vê a linguagem
em função dos moldes que a constituem. Seja qual for o momento histórico, a linguagem
apresenta-se como um sistema complexo em que se misturam problemas de ordem diversa:
caráter material diversificado, pois a linguagem é uma cadeia de sons articulados, mas é
também uma rede de marcas escritas ou um jogo de gestos; ao mesmo tempo a materialidade
enunciada comunica aquilo que chamamos de pensamento. A linguagem é, portanto, o modo
de ser do pensamento, a sua realidade e sua realização. Sendo a linguagem matéria do
pensamento e elemento de comunicação social, não há sociedade sem linguagem, com não há
sociedade sem comunicação.
A linguagem é “um processo de comunicação de uma mensagem entre dois sujeitos
falantes pelo menos, sendo um o destinador ou o emissor, e o outro, o destinatário ou o
receptor” (KRISTEVA, 2007: 17). No entanto, o destinador de uma mensagem é,
simultaneamente, também destinatário, pois ao emitir a mensagem endereça-a a uma
determinada pessoa ou grupo de pessoas. A mensagem destinada ao outro é destinada em
primeiro lugar àquele que fala – “falar é falar-se” (Idem: 18).
O sistema de signos convencionais a que chamamos de língua, fala e discurso e que
constitui a mais específica particularidade da espécie humana, é complexo nas suas origens e
função. Para estudá-lo o homem enfrentou o desafio de tomar face à linguagem a distância
necessária para considerá-la objeto separado de si próprio, condição indispensável para o seu
estudo. Para fins de estudo, a linguagem foi isolada e colocada à distância para ser captada
enquanto objeto de conhecimento particular, suscetível de nos dar acesso não apenas às leis
do seu próprio funcionamento, mas também a tudo que resulta da ordem social.
Conhecer a linguagem como um sistema que envolve sujeitos, sentidos, significações,
e estudar as suas particularidades enquanto tipo de linguagem, marca a reflexão sobre
linguagem apoiando-se na linguística. Para tanto, a linguística isola os traços referentes à
linguagem classificando-os em língua, fala e discurso. A língua é a parte exterior ao
indivíduo, parte social da linguagem que é reconhecida por todos os membros de uma
comunidade. A fala é sempre ato individual de vontade e de inteligência, segundo Saussure. O
discurso é a manifestação da língua na comunicação viva. “O discurso implica primeiro a
participação do sujeito na sua linguagem através da fala do indivíduo. Utilizando a estrutura
anônima da língua, o sujeito forma-se no discurso que comunica ao outro” (KRISTEVA,
2007: 21).
[...] todas são biplanas, o que quer dizer que o modo pelo qual elas se
manifestam são se confunde com o manifestado: a língua falada é feita de
sons, mas o seu propósito não é falar de sons; os assobios do golfinho
significam algo diferente dos ruídos que ele emite. Além disso, toda
linguagem é articulada: projeção do descontínuo sobre o contínuo, ela é feita
de diferenças e de oposições.
A opção por uma semiótica dos conjuntos significantes, que ultrapassa e engloba a
semiótica das unidades mínimas, os signos, leva a considerar a lógica do texto, discurso e
narrativa.
A semiótica discursiva estuda as linguagens tendo como foco a produção e apreensão
de sentidos a partir das marcas que estão no texto. O objeto da semiótica discursiva é o texto
entendido como objeto de significação. Assim, texto é aquilo que se dá a apreender, conjunto
dos fatos e dos fenômenos passíveis de leituras/análises. O texto pode ser verbal, não verbal
ou sincrético. Estar diante de textos é buscar compreender o que o texto diz e como faz para
dizer o que diz, pois um texto se organiza em dois planos: o plano de conteúdo e o plano de
expressão. Plano do conteúdo, lugar dos conceitos ou onde o texto diz o que diz; plano da
expressão, lugar de trabalho das diferentes linguagens que vão, no mínimo, carregar os
sentidos do plano do conteúdo.
Ao tratar da relação entre texto e discurso, Fontanille (2007: 88) refere-se ao texto
como objeto analisável no qual é possível detectar estruturas e o discurso como produto dos
atos de linguagem. Tais atos manipulam e produzem estruturas que só podem ser atualizadas
por atos de linguagem.
Desse modo, o discurso é uma instância de análise na qual a produção não poderia ser
dissociada de seu produto, o enunciado. O ato de enunciação no discurso produz uma tomada
de posição que de acordo como Fontanille (2007, p: 97-98) é ato de presença de um corpo que
significa.
Conforme o autor:
A escrita como linguagem que media o dizer do renascimento traz os enunciados das relações
de produção deste ato – relações familiares, relações profissionais, relações com outros textos - verbais
e não verbais. É um movimento de significar e significar-se em co-presença, compartilhando os
sentidos em construção com outros sujeitos.
Referências
BARROS, Diana Luz Pessoa. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 2005.
JOSSO, Marie – Chistine. Experiência de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.
KRISTEVA, Julia. História da linguagem. Lisboa: Edições 70, 2007.
NOVOA, Antônio & FINGER, Matthias. (Orgs.). O método (auto) biográfico e a formação.
Cadernos de Formação I, Lisboa: Pentaedro, 1988.
PASSEGGI, Maria da Conceição & BARBOSA, Tatiana Mabel Nobre (Org.). Memórias,
memoriais: pesquisa em formação docente. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paullus, 2008.
i
Actante - aquele que realiza ou sofre o ato independentemente de qualquer outra determinação. Actantes são
seres humanos, animais, objetos ou conceitos que, a um título qualquer e de um modo qualquer, ainda a título de
meros figurantes e da maneira mais passiva possível, participam do processo (GREIMAS. A. J; COUTÉS. J.
2008).
ii
Não há “o” sentido ou “um” sentido, mas efeitos de sentido produzidos na interação entre Sujeito – Objeto,
Sujeito-Sujeito.
iii
Fundamentada pela Fenomenologia, para a semiótica discursiva contemporânea o mundo se apresenta como
uma totalidade que faz sentido. É do nosso próprio estar-no-mundo que nasce a possibilidades de sentidos.
Assim, olhar semióticamente para a escrita de professores é um ato de significar no encontro entre o eu –
pesquisador – leitor e esses Outros Sujeitos que se enunciam nos textos.
iv
Na perspectiva semiótica, a PRESENÇA (o estar aí) será considerada como uma determinação atribuída a uma
grandeza, que a transforma em objeto de saber do sujeito cognitivo. Tal acepção, essencialmente operatória,
estabelecida no quadro teórico da relação transitiva entre o sujeito do conhecimento e o objeto cognoscível, é
muito ampla: estão presentes, neste caso, todos os objetos de saber possíveis e a presença identifica-se, em parte,
com a noção de existência (GREIMAS e COURTÉS, 2008, p. 383).
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