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SENADO FEDERAL
Gabinete do Senador Randolfe Rodrigues

Sr. Presidente,

Apresento questão de ordem, nos termos dos arts. 60 e 403, do Regimento Interno
do Senado Federal, bem assim como com fundamento no art. 2º; art. 5º, LX; e art, 37,
caput, todos da Constituição da República.

A presente questão de ordem se resumirá em dois eixos centrais: (1) a defesa da


votação aberta e (2) em dois turnos para a Mesa do Senado Federal. Passo aos
fundamentos detidamente, a par de considerar ambos os pontos questão demasiado
complexa, que não comporta formulações amesquinhadas.

O Regimento Interno do Senado, uma resolulção legislativa editada em 1970, no


auge da Ditadura Militar, estatui, em seu art. 60, que “a eleição dos membros da Mesa
será feita em escrutínio secreto”. O seu texto é de clareza meridiana e uma inteligência
apressada da integridade da ordem jurídica vigente sugere que nós, Senadores da
República, devamos nos furtar de dar satisfação ao público sobre o que decidiremos nessa
sessão.

Muito embora o Regimento Interno (Resolução do Senado Federal nº 93, de 1970)


preveja in casu votação secreta, trata-se de disposição legislativa incompatível
verticalmente com a Constituição de 1988, que elevou o princípio da publicidade à
máxima potência, impondo-o como regra das decisões públicas (CF, art. 5º, LX) e que
por ela não foi recepcionada na nova ordem jurídica.

A excepcionalização de tal imperativo constitucional só se faz legítima


quando presentes e conjugados (1) a autorização constitucional expressa e (2) a justa
causa subjacente, que se deduz da proteção à intimidade (igualmente direito

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fundamental, plasmado no Art. 5, inc. X da Constituição1) ou ao interesse social2 (art.5º,


LX, da Constituição). No caso em discussão, certamente uma deliberação sigilosa não
estaria provida de justa causa e muito menos possui previsão constituicional, mas
antes se daria ao arrepio dos fundamentos republicanos.

Não há como entender diferentemente, na medida em que, em reverência ao


princípio republicano, no tocante às votações no seio do Parlamento, o silêncio da
Lei Maior somente pode ser interpretado como compulsoriedade de “votação
aberta”, sendo que as hipóteses de “votação secreta”, justamente por serem exceção
àquele princípio, é que devem estar claramente especificadas no texto da própria
Constituição.

A mesma questão de fundo foi decidida nos autos da Medida Cautelar em


Mandado de Segurança nº 33.908-DF, impetrado por mim [RANDOLFE
RODRIGUES], no STF, em 2015, da ilustre Relatoria do Ministro Edson Fachin.

Na ocasião, se discutia a previsão regimental de voto secreto para relaxar a prisão


do então Senador Delcídio do Amaral, em contraste com o princípio constitucional da
publicidade (art. 37, CF).

“Não há liberdade à Casa Legislativa em estabelecer, em seu regimento, o


caráter secreto dessa votação”, disse S. Exa. o Ministro Fachin, ao conceder a ordem
e determinar a votação aberta, em socorro ao princípio da publicidade dos atos dos
Poderes.

Em nova controvérsia, em que se discutia o relaxamento de medidas


cautelares impostas ao então Senador Aécio Neves (PSDB-MG), dentre as quais o

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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
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Art. 5º ........................................................................................................................................
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o
interesse social o exigirem

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recolhimento noturno, esta Casa novamente manifestava sua predileção pelo


segredismo dos Gabinetes e das reuniões a portas fechadas. Fui novamente ao STF
reivindicar a votação aberta, municiado pela compreensão de que o Povo
(representados) possuem o direito inafastável de saber o que pensam e fazem seus
representantes no Poder Legislativo.

Naquela nova ocasião, a Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº


35.265-DF foi deferida pelo eminente Ministro Alexandre de Moraes, ao assentar que
“O princípio da publicidade consagrado constitucionalmente somente poderá ser
excepcionado quando o interesse público assim determinar, pois o eleitor tem o direito
de pleno e absoluto conhecimento dos posicionamentos de seus representantes”.

Os senadores Delcídio e Aécio já deixaram esta Casa, mas a pretensão de furtar-


se ao controle social nas votações mais fundamentais para a sociedade, ainda não: em
nova e terceira ocasião, tendo por discussão de fundo justamente a votação para a
Mesa desta Casa, o Senador Lasier Martins (PSD-RS) impetrou novo mandado de
segurança junto ao STF (MS nº 36.169-DF), pleiteando a concessão de ordem para que
a votação que hoje fazemos fosse aberta.

Sua Execelência, o Ministro Marco Aurélio, honrando a toga que traja e


desprezando os temores e a subalternidade do compadrio, deferiu o pedido,
determinando que a votação fosse aberta: “prevalece, como direito inalienável dos
cidadãos, a submissão dos atos de exercício de poder, tanto do Executivo como do
Judiciário e do Legislativo, à luz meridiana, dogma do regime constitucional
democrático. Constitui fator de legitimação das decisões governamentais, indissociável
da diretriz que consagra a prática republicana do poder, o permanente exercício da
transparência. Inexiste órgão – menos ainda composto por mandatários eleitos – que
escape à claridade imposta pela Lei Maior e ao crivo da ampla e nítida fiscalização
social, prerrogativa inafastável da cidadania”. Sua decisão, para desalento da
sociedade brasileira, foi indevidamente cassada.

Como bem anotou o “Pai Fundador” da democracia americana, Alexander


Hamilton, nos multiciados “artigos federalistas”, “o princípio republicano requer que

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o senso deliberado da comunidade governe a conduta daqueles a quem ela confia a


administração de seus assuntos”. Esse processo de democratização somente estará
sendo respeitado e aprimorado se houver possibilidade de o eleitorado fiscalizar a atuação
dos parlamentares na votação de importantes questões, evitando-se, assim,
incompatibilidade frontal e absurda entre o senso deliberativo da Comunidade e
eventuais conluios político-partidários.

O voto aberto não é questão de fulanização, de favorecer uma ou outra


candidatura: é imperativo da República, que qualifica o Senado enquanto
instituição fundamental e o reconcilia com os anseios da sociedade. Só defende o voto
secreto aquele que se envergonha de explicitar suas vontades ao Público: esse não é
um luxo de que possa se servir um Parlamento!

Quanto à votação em turno único ou em dois turnos, o artigo 60 do Regimento


igualmente prevê que “a eleição dos membros da Mesa será feita em escrutínio secreto,
exigida maioria de votos, presente a maioria da composição do Senado”.

A leitura literal do dispositivo poderia levar a errônea compreensão de que o


quórum necessário para ser eleito Presidente do Senado Federal é de maioria simples,
podendo ser eleito Presidente um Senador com maiorias muito precárias, de pouco mais
de uma dúzia de votos. Esta controvérsia nunca veio a deate, pois é tradição da Casa
eleger por Presidente o indicado pela maior bancada, ou, ainda, haver apenas dois
candidatos.

Entretanto, o cenário atual é de múltiplas candidaturas, sendo possível que o


Senador com mais votos tenha não só menos da metade dos votos da Casa, como um
número muito aquém deste quórum, trazendo instabilidade indesejável para um início
de candidatura e inviabilização do correto andamento dos trabalhos.

A legitimidade do Presidente e, por conseguinte, o preceito constitucional da


independência do Poder Legislativo, decorre diretamente do número de votos e da
percepção dos liderados em relação ao líder, elemento este que resta fragilizado em caso
de eleição que se sirva de quórum de maioria simples.

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Ademais, o dispositivo citado possui a redação original de 1970, momento em que


vigorava um bipartidarismo repressor, nos chamados “Anos de Chumbo”. Impõe-se sua
interpretação conforme a Constituição de 1988, que redefine a República Federativa do
Brasil como Estado Democrático de Direito, e traz a previsão de votação em dois turnos
para todas as eleições para cargos com atribuições de presidir ou governar, com exceção
dos Municípios de até 200 mil habitantes, quando nenhum dos candidatos atinge a maioria
absoluta dos votos no primeiro turno.

Aliás, é princípio do processo legislativo desta Casa, na linha do preconizado no


art. 412, VI, do Regimento Interno, se proceder às “decisões dos casos omissos de
acordo com a analogia e os princípios gerais de Direito”.

Nesse ponto, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados é muito mais claro
que o desta Casa, já que prevê sua eleição presidencial em dois turnos, senão vejamos a
dicção do seu art. 7º: “a eleição dos membros da Mesa far-se-á em votação por escrutínio
secreto e pelo sistema eletrônico, exigido maioria absoluta de votos, em primeiro
escrutínio, maioria simples, em segundo escrutínio”.

Advogo a aplicação analógica do art. 7º do Regimento Interno da Câmara dos


Deputados à vertente votação senatorial: a eleição em turno único, utilizando quórum de
maioria simples, diante do quadro de múltiplas candidaturas, terá por consequência a
eleição de um Presidente raquítico, eleito por uma frágil maioria circunstancial, que não
terá legitimidade ou apoio para a importante e relevante atribuição de ordenar os trabalhos
do Senado pelo biênio vindouro.

Foi, a propósito, nesse sentido o explicitado no bojo da Questão de Ordem nº


15 de 2018, decidida pelo então Presidente Eunício Oliveira na mesma sessão nos
seguintes termos, sem que houvesse qualquer recurso: “O Presidente informa que será
eleito Presidente o Senador que obtiver a maioria absoluta dos votos, sendo realizadas
tantas eleições quantas necessárias para que algum postulante atinja esse número.”

Diante de todo o exposto, REQUEIRO, Sr. Presidente, que a votação para a


Mesa se processe de modo nominal, com a identificação do colégio de votantes e suas

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respectivas decisões, bem assim como que ocorra em dois turnos, acaso nenhum dos
candidatos logre a maioria absoluta dos votos já em primeiro turno.

Por fim, Sr. Presidente, apelo para que, qualquer que seja a decisão de V.Exa.,
que, a considerar a dimensão de absoluto relevo e grandeza deste tema, que remeta de
ofício sua decisão para confimação imediata deste Plenário soberano, para que,
apenas através de votação nominal (aberta), dividida em dois quesitos, possa decidir sobre
(1) a natureza aberta da eleição da Mesa e (2) sobre a necessidade de maioria
absoluta para a confimação dos eleitos e a conseguinte necessidade de votação em
dois turnos, acaso nenhum candidato se sagre vencedor já no primeiro escrutínio.

Advirto que, remeter o tema à discussão ulterior da CCJ, na linha do art,. 408
do Regimento Interno e do que tem sido a prática institucional desta Casa, é perder o
tempo dos fatos e da política: esse expediente tem feito daquela Comissão um
verdadeiro “cemitério das questões de ordem”, na medida em que jamais volta a
decidir sobre os temas em que a Presidência decide sozinha e impõe sua vontade ao
colegiado, sem nunca submetê-la a um referendo confirmatório.

Aqueles que têm apreco pela votação secreta, que votem nominalmente
declinando tal predileção, dizendo ao povo que são adeptos desse estilo de escrutínio,
sem o conforto do anonimato. Em outras palavras, se quiserem voto secreto, que
decidam essa preliminar da eleição obrigatoriamente através do voto aberto: sou um
democrata e saberei recolher a decisão da maioria e, se for o caso, resignar-me a um
modelo de votação absolutamente desconcetado do sentimento das ruas e dos imperativos
da convivência republicana.

É a questão de ordem que humildimente submeto a V.Exa. e aos eminentes pares.

RANDOLFE RODRIGUES (REDE-AP)

Líder da Rede Sustentabilidade no Senado Federal

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