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Sumário

O Coração, Esporte e Seções


iv Carta do Presidente da SOCESP
Exercício Físico — II
v
Otávio Rizzi Coelho
Carta do Editor Convidado
vi Eventos
Editor Convidado: Nabil Ghorayeb viii Normas para Publicação

Artigos de Atualização
193 Atividade física na gravidez 231 Drogas lícitas e ilícitas nas academias
Exercise and pregnancy e no esporte
JANUÁRIO DE ANDRADE, Doping on the gym and on sports
CECI MENDES CARVALHO LOPES CLÁUDIO A. BAPTISTA,
ELVIRA R. RODRIGUES, SAMIR DAHER,
197 Hipertensão arterial e esportes GIUSEPPE DIOGUARDI,
Hypertension and sports NABIL GHORAYEB
GIUSEPPE S. DIOGUARDI, FLÁVIO
BORELLI, OSWALDO PASSARELLI Jr., 242 Morte súbita cardíaca em atletas:
CELSO AMODEO paradoxo possível de prevenção
Sudden cardiac death in the athletes:
204 Arritmias cardíacas em atletas paradox possible to prevent
Cardiac arrhythmias in the athlete NABIL GHORAYEB, MICHEL BATLOUNI,
DALMO ANTONIO RIBEIRO MOREIRA, GIUSEPPE S. DIOGUARDI,
RICARDO GARBE HABIB, SERGIO TIMERMAN, ALI NAKHLAWI,
LUIZ ROBERTO DE MORAES, ADRIANO M. TRICOTI,
NABIL GHORAYEB, CLARISSA C. DALL’ORTO,
CARLOS ANÍBAL SIERRA REYES, DANIEL F. MUGRABI
JÚLIO CESAR GIZZI
251
Na beira do campo como à beira do leito:
220 Esporte nas grandes altitudes Bioética e Medicina do Esporte
High-altitude sports Beside the playing field like beside the bed:
CARLOS ALBERTO CYRILLO SELLERA, Bioethics and Medicine of Sport
NABIL GHORAYEB MAX GRINBERG,
TARSO AUGUSTO DUENHAS ACCORSI
226 Impacto do “jet lag” no desempenho
atlético 268 Suporte básico de vida na atividade
The impact of jet lag on athletic performance desportiva
GUILHERME VERAS MASCENA, Basic life support and sports
NABIL GHORAYEB, SERGIO TIMERMAN, NABIL GHORAYEB,
GIUSEPPE S. DIOGUARDI, FLÁVIO B. R. MARQUES,
CLÉBER DE MESQUITA ANDRADE ANA PAULA QÜILICI, JOSÉ A. F. RAMIRES

Edição Anterior: O Coração, Esporte e Exercício Físico — I


Editor Convidado: Nabil Ghorayeb

Próxima Edição: Defesa Profissional


Editor Convidado: Miguel Moretti

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 iii
ATIVIDADE FÍSICA NA GRAVIDEZ
ANDRADE J e col.
Atividade física na JANUÁRIO DE ANDRADE, CECI MENDES CARVALHO LOPES
gravidez

Setor de Cardiologia da Mulher — Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera –


Caixa Postal 215 – São Paulo – SP

A atividade física na gravidez tem sido indicada para mulheres normais após
avaliação cardiológica, estabelecendo-se o risco na gravidez com a realização de
exercícios de preparo ao parto, mostrando à mulher as indicações e as contra-indi-
cações do exercício aeróbio nos diferentes trimestres da gravidez para facilitar o
parto normal.

Palavras-chave: exercício na gravidez, indicações para o exercício na gravidez.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:193-6)


RSCESP (72594)-1528

INTRODUÇÃO ma, a implementação de um programa de atividade fí-


sica para as gestantes deve ser avaliado e estabeleci-
A prática de exercícios físicos na gravidez tem sido do como para outros pacientes de risco, tais como dia-
recomendada e acatada largamente na literatura para béticos, renais, cardíacos, asmáticos, etc.
mulheres normais de todas as faixas etárias, de qual- Ao iniciar um programa de atividade de física, a ges-
quer raça e cor, desde que não haja contra-indicações tante deve ser avaliada por um clínico ou cardiologista,
obstétricas para a realização de exercícios aeróbicos, logo após seu encaminhamento pelo obstetra, que a
cujo objetivo é o de poder facilitar o trabalho de parto. acompanha ao longo de sua vida e na gravidez(2).
Assim, um número cada vez maior de mulheres pra- Procura-se, dessa forma, descartar os principais si-
tica atividade física ao longo de sua vida, com o objeti- nais e sintomas de risco, que devem observados na
vo de melhorar a capacidade física e seu condiciona- gravidez mês a mês, durante os três trimestres. Assim,
mento(1). o risco gestacional (RG) é representado por RG = ro,
Quando as mulheres estão na idade fértil, algumas em que ro representa o risco obstétrico. Se a mulher
questões podem ser formuladas, relacionadas com o for cardiopata, deverá ser avaliada por RG = (ro + rc)ra,
desenvolvimento e o bem-estar fetal, tais como: Que em que rc representa o risco cardiológico e ra, o risco
tipo de exercício é apropriado nessa fase da vida? das complicações associadas, que, somadas, permi-
Quanto de exercício deve ser realizado na gravidez de tem caracterizar o RG. Assim, segundo Andrade e Ávi-
forma segura? Quem deve ou não fazer exercício na la(3), a gestante portadora de cardiopatia evolui em pro-
gravidez? Quais os aspectos éticos e legais envolvi- gressão aritmética no risco obstétrico e em progres-
dos na recomendação do exercício na gravidez? O exer- são geométrica quanto ao risco cardiológico. Autores
cício é necessário e desejável na gravidez? como Siu e colaboradores(4) procuraram analisar o ris-
Ao longo deste artigo serão discutidas e respondi- co cardiológico na gravidez, embora não tenham defi-
das as diferentes colocações. nido seu risco para a atividade física na gravidez com
A gravidez determina alterações especiais à mulher vistas ao trabalho de parto.
em decorrência das necessidades calóricas, protéicas, Assim, as contra-indicações absolutas do exercício
minerais e vitamínicas do feto em desenvolvimento, e, aeróbico na gestação incluem: diabetes do tipo I, his-
claro, do ambiente fisiologicamente estável necessário tórico de dois ou mais abortos espontâneos, gravidez
para o processamento desses nutrientes. Dessa for- múltipla, tabagismo e ingestão excessiva de álcool.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 193
Entre as contra-indica- OUTRAS ADAPTAÇÕES AO ESFORÇO DINÂMICO
ções relativas incluem-se:
histórico de trabalho de O corpo humano, como um todo, está voltado para
ANDRADE J e col. parto prematuro, anemia, o suprimento de oxigênio e de nutrientes à musculatu-
Atividade física na obesidade, diabetes do ra que se exercita.
gravidez tipo II e história de condi- Os aparelhos cardiovascular e respiratório são me-
cionamento físico precário diados pelo sistema nervoso e desempenham papéis
antes da gravidez. importantes. Disfunções, mesmo discretas a modera-
Para proteger a vida do das, podem ser observadas pela monitorização do exer-
binômio materno fetal, cício. A freqüência cardíaca aumenta gradualmente à
uma consulta médica é medida que se eleva a intensidade do esforço e man-
recomendação razoável tém-se quando é alcançado o estado estável em con-
antes do início dos exercícios na gravidez.(1) dições de trabalho submáximo.
As adaptações cardiovasculares e metabólicas da
gravidez(5), em comparação com o estado não-gravídi- AÇÃO DO TREINAMENTO FÍSICO NA GRAVIDEZ
co, são:
1) volume sanguíneo aumentado em 40% a 50%; Os diferentes trabalhos realizados e divulgados até
2) captação de oxigênio discretamente maior no repou- então na literatura médica nos permitem inferir que: 1)
so e durante exercício submáximo; a intensidade do exercício é percebida de forma me-
3) consumo de oxigênio no exercício com suporte de nos extenuante pelas mulheres condicionadas; 2) a
peso acentuadamente aumentado (as freqüências car- capacidade de realizar exercício submáximo pode au-
díacas são maiores em repouso e durante exercício mentar com o treinamento; 3) a freqüência cardíaca
submáximo); submáxima é mais baixa na mulher condicionada; 4) o
4) débito cardíaco maior em repouso e durante exercí- treinamento de baixa intensidade não modifica o débi-
cio submáximo nos dois primeiros trimestres (no ter- to cardíaco ou o volume sistólico; 5) não há evidências
ceiro trimestre, o débito cardíaco é menor e a possibi- de que a baixa intensidade do treinamento possa tra-
lidade de hipotensão arterial é maior). zer malefícios para as mães.(6)
Apesar de todas as alterações, o exercício submá-
ximo parece não interferir na liberação de oxigênio do RECOMENDAÇÕES PARA O EXERCÍCIO
feto. A freqüência cardíaca fetal aumenta com a inten- NA GRAVIDEZ E NO PÓS PARTO
sidade e a duração do exercício realizado pela gestan-
te. A seguir são apresentadas algumas das diretrizes
do “American College of Gynecology and Obstetrics”,
ASPECTOS HISTÓRICOS de 1994, que se referem a atividade e exercícios para
populações especiais.
A referência mais antiga de que se tem notícia en- Durante a gravidez, as mulheres podem e devem
contra-se na Bíblia (Êxodo), como foi referido em texto continuar a se exercitar com o objetivo de beneficiar
sobre atividade física na gravidez de autoria de Mene- sua saúde, mesmo com rotinas de exercício leve a mo-
ghelo e Andrade (apud Andrade(1)): quando o Faraó derado. O exercício regular (no mínimo três vezes por
argüía as parteiras para saber por que não tinham cum- semana) é preferível à atividade intermitente.
prido sua ordem de matar todos os homens hebreus As mulheres devem evitar a posição supina no ter-
quando de seu nascimento, estas responderam que as ceiro trimestre, pois essa posição está associada à di-
mulheres dos hebreus deram à luz antes da chegada minuição do débito cardíaco em gestantes.
das parteiras, porque faziam trabalhos braçais mais As mulheres devem ter consciência da diminuição
intensos, e, em decorrência disso, era menor o núme- do oxigênio disponível para o exercício aeróbico na gra-
ro de distocias e de partos demorados entre as mulhe- videz.
res dos hebreus, quando comparadas com outras mu- Os exercícios sem suporte do peso corporal, como
lheres. Isso seria uma recomendação prática para o no ciclismo estacionário e na natação, diminuem o ris-
exercício na gravidez. co de lesão abdominal por trauma e facilitam a conti-
Geralmente, níveis acima de 47% do consumo má- nuidade de exercícios durante a gravidez.
ximo de oxigênio em exercícios com cargas crescen- As lesões morfológicas da gravidez devem servir
tes geram aumento do lactato sanguíneo e aumentos como contra-indicação relativa aos tipos de exercício
desproporcionais da ventilação e da produção de gás nos quais a perda do equilíbrio pode ser prejudicial ao
carbônico, que, até então, aumentavam de modo pro- bem-estar materno-fetal. Devem ser evitados, portan-
porcional ao aumento do consumo de oxigênio. to, exercícios que envolvam traumatismo abdominal,

194 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
mesmo que mínimo. Apgar(7), deve ser exposto para a mulher não-grávida e
A gravidez requer um para a gestante, enfatizando a sensação da mulher
adicional de 300 kcal por condicionada comparativamente à sedentária.
ANDRADE J e col. dia para a manutenção da Devem ser salientados os efeitos musculoesquelé-
Atividade física na homeostasia metabólica. ticos dos exercícios na gravidez, as variações de tem-
gravidez Assim, as mulheres que se peratura corpórea com a atividade física, e os efeitos
exercitarem na gravidez hemodinâmicos e de bem-estar fetal. A mulher que se
devem ter especial cuida- exercita pode requerer maior consumo de energia que
do para garantir dieta ade- o extra de 150 a 300 calorias por dia, recomendado
quada. para a grávida sedentária.
As mulheres grávidas As atividades esportivas encorajadas durante a gra-
que se exercitam no pri- videz são(5, 8, 9): andar; exercícios em bicicleta estacio-
meiro trimestre devem aumentar a dissipação de calor, nária; exercícios aeróbicos de baixo impacto.
garantindo hidratação adequada, vestindo roupas ade- Entre as atividades que devem ser desencorajadas,
quadas e praticando os exercícios em ambiente ideal. incluem-se: esportes de contato (aumento do risco de
As alterações morfológicas e fisiológicas da gravi- trauma abdominal); hóquei no solo e no gelo; boxe; fu-
dez persistem por quatro a seis semanas após o parto, tebol; “soccer”.
assim como a rotina dos exercícios pré-gravidez, e es- Entre os esportes de alto risco, destacam-se: exer-
tes devem ser reiniciados gradualmente, com base na cícios de ginástica acrobática; andar a cavalo ou correr
capacidade física da mulher. montada em cavalo; esquiar; esportes vigorosos com
Assim, o exercício na gravidez, segundo Wang e raquete; esportes com perda de peso; mergulho.

EXERCISE AND PREGNANCY


JANUÁRIO DE ANDRADE, CECI MENDES CARVALHO LOPES

Physical activites in pregnancy has been shown to keep women’s health and it
must be done after a cardiological examination before starting a program of exercise
in pregnancy, showing indications or contraindications to aerobic exercise to help
these women’s in the normal delivery. Exercises in water are the best during all the
period of pregnancy and puerperium.

Key words: physical activities in pregnancy, indications for physical activities in preg-
nancy.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:193-6)


RSCESP (72594)-1528

REFERÊNCIAS with heart disease. Circulation. 2001;104:515-21.


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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 195
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196 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
HIPERTENSÃO ARTERIAL E ESPORTES
DIOGUARDI GS
e cols. GIUSEPPE S. DIOGUARDI, FLÁVIO BORELLI, OSWALDO PASSARELLI JR.,
Hipertensão arterial e
esportes CELSO AMODEO

Seção Médica de Cardiologia do Exercício e Esporte –


Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera –


CEP 04012-180 – São Paulo – SP

A hipertensão arterial é menos freqüente em atletas que na população geral.


Entretanto, quando presente, o risco de eventos cardiovasculares está aumentado.
É importante estratificar esse risco para instituir o tratamento adequado, como tam-
bém decidir pela elegibilidade ou não para o esporte. O objetivo do tratamento não é
apenas controlar a pressão arterial, mas também não interferir negativamente no
desempenho físico-esportivo.

Palavras-chave: pressão arterial, hipertensão, atleta, esporte.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:197-203)


RSCESP (72594)-1529

INTRODUÇÃO Tabela 1. Classificação da hipertensão arterial. (WHO-


ISH Hypertension Guidelines, 1999, modificada)
Todo atleta, esportista ou pessoa fisicamente ativa
deve ser avaliado em relação à hipertensão arterial. Categoria Sistólica Diastólica
Se essa condição for diagnosticada, o risco cardiovas-
cular da atividade físico-esportiva deve ser estimado, Ótima < 120 < 80
e o tratamento médico adequado deve ser instituído a Normal < 130 < 85
fim de reduzir o risco. Deve-se também decidir sobre a Limites superiores 130-139 85-89
elegibilidade ou não do indivíduo para a prática dos Grau I (leve) 140-159 90-99
diferentes tipos de esportes e atividades físicas. Grau II (moderada) 160-179 100-109
Grau III (severa) > 180 > 110
DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DA Hipertensão sistólica
HIPERTENSÃO ARTERIAL isolada > 140 < 90
Subgrupo limítrofe 140-149 < 90
De acordo com as diretrizes da WHO-ISH (1, 2) e com
a IV Diretrizes da Sociedade Brasileira de Hipertensão
(SBH)(3), a hipertensão arterial é definida como pres- Os valores limites para diagnóstico de hipertensão
são sistólica > 140 mmHg e/ou pressão diastólica > 90 em crianças e adolescentes são obviamente inferiores
mmHg em adultos que não fazem uso de medicamen- e encontram-se em tabelas específicas. Em termos ab-
tos anti-hipertensivos. A classificação da hipertensão solutos e faixas etárias, um recente estudo epidemio-
em adultos está apresentada na Tabela 1. lógico italiano em pessoas entre 7 e 17 anos obteve os

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 197
seguintes valores máxi- duz um incremento da pressão arterial sistólica pro-
mos de normalidade(4): porcional ao incremento da intensidade de exercício. A
— idade entre 6 e 9 anos: pressão arterial diastólica habitualmente permanece es-
DIOGUARDI GS < 126/82 mmHg; tável ou diminui um pouco. Em hipertensos, há geral-
e cols. — idade entre 10 e 12 mente aumento de cerca de 10 mmHg ou mais nos
Hipertensão arterial e anos: < 130/82 mmHg; níveis da pressão arterial diastólica.
esportes
— idade entre 13 e 15 A resposta hipertensiva diastólica ao exercício di-
anos: < 136/86 mmHg. nâmico em indivíduo normotenso é sugestiva de que
Nos Estados Unidos, essa pessoa irá desenvolver hipertensão arterial no
os valores são um pouco futuro, se bem que isso ainda não tenha sido confirma-
menores(5, 6): do por grandes estudos.
— idade entre 3 e 5 anos: Nos exercícios de força, como levantamento de
116/76 mmHg; peso, a pressão arterial pode atingir níveis muito altos.
— idade entre 6 e 9 anos: 122/78 mmHg; Em um estudo de comportamento da pressão arterial
— idade entre 10 e 12 anos: 126/82 mmHg; durante levantamento de peso, a média da pressão ar-
— idade entre 13 e 15 anos: 136/86 mmHg. terial foi de 311/284 mmHg e um indivíduo chegou a
370/360 mmHg. É interessante que, nesses atletas, a
MÉTODO PARA A MEDIDA DA utilização de técnicas respiratórias que buscam evitar
PRESSÃO ARTERIAL a manobra de Valsalva durante o esforço limita signifi-
cativamente essa elevação tão exagerada da pressão
O diagnóstico da hipertensão arterial depende fun- arterial(7).
damentalmente de medidas confiáveis da pressão ar-
terial, e, para tanto, recomendam-se algumas regras HIPERTENSÃO ARTERIAL EM ATLETAS
de medição que ajudam a evitar erros:
a) O atleta deve estar sentado, com o braço apoiado e na Há poucos estudos de HAS em atletas. Habitual-
altura do coração, ter descansado por pelo menos 5 mi- mente, observa-se baixa prevalência de doenças car-
nutos, sem fumar ou ter ingerido substâncias estimulan- diovasculares em atletas e pessoas fisicamente muito
tes (tipo cafeína) por período mínimo de 30 minutos. ativas, pela própria necessidade de boa saúde para
b) O manguito deve ser adequado à circunferência do atividades que necessitam de alto nível de condiciona-
braço. mento físico. Nos atletas, a prevalência de hipertensão
c) O manguito deve ser insuflado rapidamente até 20- arterial é aproximadamente 50% mais baixa que na po-
30 mmHg acima dos valores esperados e desinsuflado pulação em geral(8) e a maioria desses hipertensos tem
20-30 mmHg por segundo. hipertensão estágios I ou II(9).
d) Medir em ambos os braços, efetuar duas medidas Entretanto, em alguns subgrupos de atletas, como
com intervalo de 2 minutos entre elas e considerar a os de raça negra, os veteranos, os com antecedente
média dos valores obtidos. familiar de hipertensão arterial, os diabéticos e os obe-
Apesar de todos os cuidados descritos, a pressão sos, entre outros, a prevalência pode ser igual à da
arterial obtida, se elevada, pode ainda não refletir os população geral ou mesmo discretamente mais alta(10).
valores reais do atleta. Esse fato pode resultar da rea- Em relação à faixa etária, a prevalência da HAS pode
ção de alarme ligada à emotividade no momento da variar de 5% a 10% entre os 20 e os 30 anos de idade
medição e à própria variabilidade espontânea da pres- e de 20% a 25% entre os 30 e os 60 anos de idade(9).
são arterial nas 24 horas de um dia. Para evitar que um Os poucos estudos em veteranos, porém, apresentam
atleta seja erroneamente rotulado como hipertenso, resultados contraditórios. Segundo um estudo finlan-
podemos complementar as regras de medição com três dês(11), nos corredores do sexo masculino que estavam
estratégias: em atividade entre os 35-59 anos de idade e que con-
1) reavaliar a pressão arterial em várias consultas num tinuaram até os 50-70 anos, a incidência de hiperten-
período de 3 a 6 meses; são arterial foi de 8,7%, o que corresponde a um terço
2) recorrer a automedições da pressão arterial pelo da incidência observada no grupo controle, demons-
atleta, com equipamento adequado; trando que a atividade física vigorosa de resistência
3) efetuar a monitoração ambulatorial da pressão arterial. está associada a baixa prevalência de hipertensão ar-
terial(10). Por outro lado, na Seção de Cardiologia do
RESPOSTA DA PRESSÃO ARTERIAL AOS Exercício e Esporte do Instituto Dante Pazzanese de
EXERCÍCIOS DINÂMICOS E ESTÁTICOS Cardiologia, de São Paulo, em 87 atletas veteranos com
40 anos ou mais em primeiro atendimento, com média
Em pessoas normotensas, o exercício aeróbico in- de idade de 57 anos, a prevalência de HAS foi de 24,7%.

198 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
Foi detectada hipertensão e) fármacos como anticoncepcionais orais, esterói-
arterial sistêmica estágio des, simpaticomiméticos, eritropoetina e drogas,
2, insuspeitada, em 9 como cocaína e anfetaminas.
DIOGUARDI GS (10,3%) que negavam ser 3. Avaliar a presença de outros fatores de risco, de le-
e cols. hipertensos e portanto es- são em órgãos-alvo e de outras doenças concomitan-
Hipertensão arterial e tavam sem tratamento, e 5 tes.
esportes
deles apresentaram nos
exames alterações indica- ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO CARDIOVASCULAR
tivas de lesões em órgãos-
alvo(12). Esses 9 veteranos, A estratificação de risco em hipertensos, atletas ou
com média de idade tam- não, é de fundamental importância na avaliação e na
bém de 57 anos, exerciam conduta médica, devendo ser efetuada observando-se,
prática esportiva, em média, há 11 anos, o que confi- de um lado, os níveis pressóricos, sistólicos e diastóli-
gura que não eram atletas desde a juventude. Esses cos, e, por outro lado, a presença de fatores de risco e
dados ressaltam a importância do exame pré-partici- de lesões em órgãos-alvo e a eventual presença de
pação e periódico de atletas veteranos também. outras doenças (Tab. 2).
Em relação a adolescentes, em um estudo de ava- Entre os fatores de risco, destacam-se:
liação pré-participação, Tanji(13) encontrou 12,2% com - grau da hipertensão (Tab. 1);
hipertensão arterial entre 467 atletas adolescentes, - idade (> 55 anos para homens, > 65 anos para mu-
considerando limite para o diagnóstico níveis pressóri- lheres);
cos > 142/92 mmHg. Destes, 79,6% continuaram cons- - fumo;
tantemente com níveis elevados da pressão arterial du- - hipercolesterolemia;
rante o seguimento médico de um ano, reforçando no- - diabetes melito;
vamente a importância da avaliação pré-participação - antecedente familiar positivo para doenças cardiovas-
também nesse outro subgrupo de atletas. culares.
Entre as lesões em órgãos-alvo, destacam-se:
AVALIAÇÃO DO ATLETA HIPERTENSO - hipertrofia ventricular esquerda;
- proteinúria e/ou discreto aumento da creatinina plas-
Efetuado o diagnóstico de hipertensão arterial em mática (1,2 mg/dl-2,0 mg/dl);
repouso, é necessário pesquisar as causas, a presen- - estreitamento focal ou generalizado das artérias reti-
ça de outros fatores de risco cardiovasculares, lesões nianas;
em órgãos-alvo, bem como outras doenças concomi- - placas ateroscleróticas em carótidas, aorta, ilíacas,
tantes. A seqüência pode ser a seguinte: femorais, observadas por meio de métodos não-inva-
1. Fazer a anamnese com dados pessoais e familiares, sivos.
exame físico e os seguintes exames complementares: Entre as condições clínicas associadas, encontram-se:
hemograma, glicemia, uréia, creatinina, sódio, potás- - doenças cerebrovasculares;
sio, colesterol total e frações, triglicérides, ácido úrico, - cardiopatias;
urina tipo I, eletrocardiografia, ecocardiografia e exa- - nefropatias;
me de fundo de olho. - vasculopatias ateroscleróticas;
2. Pesquisar possíveis causas da hipertensão. Do pon- - retinopatia hipertensiva avançada.
to de vista etiológico, na maioria dos casos, não se
encontra uma causa orgânica e a hipertensão é defini- Diagnóstico diferencial entre hipertrofia ventricular
da como primária ou essencial. Existe, entretanto, uma esquerda do atleta e hipertensão arterial
pequena porcentagem de hipertensos nos quais a hi- Um dos grandes desafios no atleta hipertenso é o
pertensão decorre de causas bem definidas, caracteri- diagnóstico diferencial entre hipertrofia ventricular es-
zando-se então a hipertensão secundária. As causas querda patológica decorrente de hipertensão arterial e
mais freqüentes da hipertensão secundária são: hipertrofia ventricular esquerda fisiológica decorrente
a) doenças cardiovasculares congênitas ou adquiri- de treinamento físico. A hipertrofia ventricular esquer-
das (coarctação da aorta, insuficiência aórtica); da do coração de muitos atletas pode ser de dois tipos:
b) doenças endócrinas (hipertireoidismo, feocromo- o primeiro, comum em atletas de resistência, é do tipo
citoma, etc.); excêntrico; o segundo tipo, mais comum em atletas de
c) nefropatias parenquimatosas e vasculares (glome- força, é do tipo concêntrico (em inglês “weight lifter’s
rulonefrite, fibrodisplasia, estenose da artéria renal); heart”).(14)
d) fatores exógenos, como excessiva ingestão de só- A ecocardiografia é um dos principais exames com-
dio, álcool, etc.; plementares para o diagnóstico diferencial, uma vez

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 199
que nas fases iniciais da xação dos dados do exame à superfície corpórea, in-
adaptação cardíaca ao clusive para o próprio diagnóstico da hipertrofia ventri-
exercício ocorre primeiro cular esquerda(17).
DIOGUARDI GS dilatação das cavidades A eletrocardiografia também é um exame muito útil.
e cols. ventriculares e posterior- O exame eletrocardiográfico do atleta pode mostrar bra-
Hipertensão arterial e mente hipertrofia miocár- dicardia sinusal, repolarização precoce e retardo da
esportes
dica. No hipertenso, ao condução intraventricular direita, além de outros pa-
contrário, ocorre primeiro drões de alteração da repolarização ventricular. No ele-
hipertrofia das paredes trocardiograma do hipertenso, observa-se, mais fre-
ventriculares, enquanto a qüentemente, sobrecarga atrial e ventricular esquer-
dilatação advém mais tar- das, desvio do eixo elétrico para a esquerda e retardo
diamente, em casos não da condução intraventricular esquerda.
tratados.
A avaliação da função diastólica torna-se de funda- ELEGIBILIDADE PARA O ESPORTE DO
mental importância. É normal na hipertrofia ventricular ATLETA HIPERTENSO
esquerda dos atletas e alterada na dos hipertensos. A
complementação do estudo da função diastólica pode A elegibilidade para o esporte do atleta hipertenso
requerer outros métodos, como a medicina nuclear e a e de pessoas fisicamente ativas segue as normas da
ressonância magnética do coração(15). Na hipertrofia Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte(18), da
concêntrica (“weight lifter’s heart”), o septo intraventri- Sociedade Brasileira de Cardiologia(19), do ACSM/ACC(20)
cular se espessa mais que a parede livre do ventrículo e do Comitê Cardiológico Italiano para a elegibilidade
esquerdo(16), o que dificulta inclusive o diagnóstico di- no esporte(4).
ferencial entre coração de atleta e cardiomiopatia hi- Hipertensão arterial secundária: a decisão de elegibili-
pertrófica assimétrica. Entretanto, os índices da inde- dade estará subordinada a sua causa e ao tratamento.
xação do septo e parede livre do ventrículo esquerdo à A hipertensão arterial secundária ocorre em menos de
superfície corpórea estão normais no atleta e habitual- 5% dos atletas e pessoas fisicamente ativas. É mais
mente acima do normal na cardiomiopatia hipertrófi- comum em jovens e em pacientes adultos com desen-
ca(16). Além disso, na cardiomiopatia hipertrófica tam- volvimento rápido de hipertensão grave, e, freqüente-
bém há deslocamento anterior da valva mitral. mente, a hipertensão arterial não responde ao trata-
Em atletas de resistência, em estudo ecocardiográ- mento habitual. A causa mais comum é renal, seja vas-
fico realizado no Instituto Dante Pazzanese de Cardio- cular ou parenquimatosa(21), mas também não é infre-
logia, também foi demonstrada a importância da inde- qüente a causa ser o uso de anabolizantes e, em mu-

Tabela 2. Risco absoluto de eventos cardiovasculares em 10 anos. (WHO-ISH Hypertension Guidelines, 1999,
modificado)

Outros fatores Grau I Grau II Grau III


de risco e PAS 140-159 mmHg PAS 160-179 mmHg PAS > 180 mmHg
doenças ou ou ou
pregressas PAD 90-99 mmHg PAD 100-109 mmHg PAD > 110 mmHg

I – Ausentes Risco baixo Risco intermediário Risco alto


II – 1-2 fatores Risco intermediário Risco intermediário Risco muito alto
de risco
III – 3 ou mais Risco alto Risco alto Risco muito alto
fatores de risco, lesão
em órgão-alvo ou
diabetes
IV – Outras condições Risco muito alto Risco muito alto Risco muito alto
clínicas

Risco baixo: < 15%; Risco intermediário: 15%-20%; Risco alto: 20%-30%; Risco muito alto: > 30%.
PAS = pressão arterial sistólica; PAD = pressão arterial diastólica.

200 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
lheres, também o uso de em outros esportes, etc.).
anticoncepcionais orais. Na escolha do medicamento ideal para o atleta hi-
Hipertensão arterial es- pertenso, devem-se considerar parâmetros hemodinâ-
DIOGUARDI GS sencial: além da estratifi- micos, metabólicos e de desempenho físico, pois o tra-
e cols. cação do risco em repou- tamento do atleta hipertenso tem como objetivo, além
Hipertensão arterial e so (Tab. 2), é necessário de normalizar a pressão arterial, não prejudicar o ren-
esportes
complementar os exames dimento esportivo. O fármaco ideal deve ter as seguin-
com teste ergométrico tes características:
máximo. O teste ergomé- - não deprimir a resposta cardíaca ao exercício físico;
trico pode ser efetuado em - não apresentar efeito arritmogênico;
esteira ou bicicleta, com - não prejudicar a distribuição de sangue aos múscu-
cargas contínuas, cres- los quando solicitados;
centes, até a carga máxima ou no mínimo 85% da fre- - não interferir negativamente na utilização de substra-
qüência cardíaca máxima prevista para a idade. Em tos energéticos.
normotensos, é considerada resposta anormal da pres- Os medicamentos que na atualidade têm as quali-
são arterial no teste ergométrico se esta atingir níveis dades descritas são basicamente os inibidores da en-
acima de 220 mmHg para a pressão arterial sistólica zima conversora da angiotensina, os antagonistas de
e/ou se houver elevação de 15 mmHg na pressão arte- receptores AT1 da angiotensina II e alguns antagonis-
rial diastólica(15), ou se não houver retorno aos níveis tas dos canais de cálcio.
basais pré-teste em 6 minutos(5). É importante lembrar
que os níveis pressóricos no teste ergométrico ainda ATIVIDADE FÍSICA COMO MEIO DE PREVENÇÃO
são objeto de estudo. E TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL
1. Hipertenso com risco global alto ou muito alto: não é
elegível para nenhuma atividade esportiva competitiva. A atividade física regular, principalmente isotônica,
2. Hipertenso com risco baixo: é elegível para todos os pode reduzir a pressão arterial, fato que já foi observa-
esportes se os valores tensionais no teste ergométrico do em muitos estudos,(21, 22) revelando que existe uma
forem normais. relação inversa entre prática regular de exercícios e
3. Hipertenso com risco intermediário: é elegível para níveis pressóricos. Não é uma redução substancial,
a maioria dos esportes se a pressão arterial no teste porém não é muito diferente da obtida por alguns me-
ergométrico for normal, porém é importante analisar dicamentos anti-hipertensivos. A hipótese mais prová-
caso a caso, excluindo, em geral, esportes que neces- vel é de que o exercício físico regular aeróbico promo-
sitem esforços extenuantes, principalmente isométricos, va modificações importantes no sistema nervoso autô-
tais como levantamento de peso, fisiculturismo, etc. nomo, induzindo principalmente a redução do tônus
4. Hipertenso de risco baixo ou de risco intermediário, simpático. Essa condição determina a redução da pres-
no qual a resposta pressórica no teste ergométrico foi são arterial e modifica também favoravelmente outros
anormal: a elegibilidade dependerá de controle ade- fatores de risco cardiovasculares, como a taquicardia
quado da pressão arterial, tanto no esforço como no de repouso e a maior atividade da renina plasmática.
repouso, por meio de medidas não-farmacológicas e O exercício aeróbico também tem efeitos benéficos em
de tratamento farmacológico. É necessário que o atle- outras condições, como dislipidemia, intolerância à gli-
ta compreenda e respeite o uso de medicamentos re- cose, obesidade, etc. Indivíduos sedentários têm 20%
gulares e tenha consciência do risco caso não observe a 50% mais chance de desenvolver hipertensão arteri-
o tratamento. al(23), enquanto a atividade física regular pode tanto pre-
5. Hipertenso não elegível para a prática esportiva: venir como tratar a hipertensão arterial. Não há neces-
podem ser permitidas atividades físicas não-competiti- sidade de exercícios extenuantes para reduzir a pres-
vas com finalidade terapêutica, subordinando sempre são arterial; andar de 30 a 45 minutos por dia já é efici-
a decisão a uma avaliação clínica abrangente. ente. Apesar de todos esses benefícios, pessoas fisi-
camente ativas ainda são minoria.
TRATAMENTO ANTI-HIPERTENSIVO E
ATIVIDADE FÍSICO-ESPORTIVA PESSOAS FISICAMENTE ATIVAS:
UMA MINORIA SAUDÁVEL
Como já exposto, para decidir sobre a elegibilidade
para a atividade físico-esportiva podem ser utilizados Nos Estados Unidos, organizações de renome mun-
fármacos anti-hipertensivos, não esquecendo que al- dial, como “National Institutes of Health’, “American
guns medicamentos são considerados “dopping” em College of Sports Medicine” e “Centers for Disease
certos esportes (betabloqueadores no tiro, diuréticos Control and Prevention”(24), recomendam no mínimo 30

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 201
minutos de atividade físi- 27% das mulheres com mais de 65 anos de idade têm
ca moderada por dia, se atividade física regular(25). Em obesos, os dados são
possível em todos os dias um pouco piores(26). Outro dado alarmante demonstra
DIOGUARDI GS da semana ou pelo menos que a taxa de obesos em crianças americanas aumen-
e cols. na maioria deles. Mas, ao tou de 7,6% em 1976-80 para 10,9% em 1988-91 e
Hipertensão arterial e contrário, estudos obser- para 14% em 1988-94.(27)
esportes
vacionais revelaram que a Esses dados não diferem muito nos demais países
maioria dos americanos ocidentais. Estudos epidemiológicos demonstraram cla-
não segue essas reco- ramente que indivíduos menos ativos fisicamente têm
mendações e não pratica chance muito maior de desenvolver doença cardiovas-
exercícios. O hábito do cular. O inverso também é verdadeiro. Estudos casos-
sedentarismo infelizmente controle europeus demonstraram que indivíduos fisi-
aumenta com a idade, quando também aumenta natu- camente treinados têm menor incidência de hiperten-
ralmente a incidência de hipertensão arterial e outras são arterial e quando esta ocorre em geral é de forma
doenças cardiovasculares: apenas 34% dos homens e branda(25).

HYPERTENSION AND SPORTS

GIUSEPPE S. DIOGUARDI, FLÁVIO BORELLI, OSWALDO PASSARELLI JR.,


CELSO AMODEO

In athletes, arterial hypertension is less prevalent than in general population.


However when present, the cardiovascular risk is increased. It is very important to
stratify the risk for the medical treatment and the eligibility for sports. The goal of the
treatment is not only to control the hypertension but also do not interfere in athletic
performance.

Key words: blood pressure, hypertension, athlete, sports.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:197-203)


RSCESP (72594)-1529

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 203
ARRITMIAS CARDÍACAS EM ATLETAS
MOREIRA DAR
e cols. DALMO ANTONIO RIBEIRO MOREIRA, RICARDO GARBE HABIB,
Arritmias cardíacas
em atletas LUIZ ROBERTO DE MORAES, NABIL GHORAYEB, CARLOS ANÍBAL SIERRA REYES,
JÚLIO CESAR GIZZI

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Rua Sampaio Viana, 75 – sala 106 – Paraíso –


CEP 04004-000 – São Paulo – SP

As arritmias cardíacas não são mais comuns em atletas em comparação à popu-


lação geral, mas trazem algum grau de preocupação quando presentes. A maioria
das arritmias em atletas é assintomática e geralmente não está associada a cardio-
patia. Em outros casos, as arritmias podem ser sintomáticas e estar associadas a
algum tipo de cardiopatia, e nem sempre são consideradas benignas. Bradicardia
sinusal, bloqueio atrioventricular de 1º grau e de 2º grau Mobitz tipo I são relativa-
mente comuns e secundários ao predomínio da atividade parassimpática sobre os
nódulos sinusal e atrioventricular, além de representarem um tipo de remodelamento
dessas estruturas em resposta ao treinamento freqüente e constante. Graus mais
avançados de bloqueio atrioventricular merecem atenção, pois podem evoluir com
hipofluxo cerebral e ser causa de síncope. O tratamento com marcapasso definitivo
deve ser considerado nesses casos. Atletas com taquicardia supraventricular podem
ser curados com ablação do circuito arritmogênico com radiofreqüência e, assim, ser
liberados para a prática de esportes competitivos. Entretanto, a taquicardia ventricu-
lar não-sustentada ou a sustentada, monomórfica ou polimórfica, merecem atenção
especial, pois geralmente estão associadas a alguma cardiopatia, como cardiomio-
patia hipertrófica, displasia arritmogênica do ventrículo direito, miocardites, e cardio-
miopatia dilatada. Não raramente evoluem com sintomas de baixo débito cardíaco e
até síncopes durante as atividades. Nesses casos, deverá ser realizada avaliação
clínica pormenorizada do atleta, não só para sua qualificação para o esporte mas
também com o objetivo de preservar sua vida. A taquicardia ventricular de corações
normais pode ser curada pela ablação com radiofreqüência com bom prognóstico
para o atleta, que pode até ser liberado para a prática de esportes competitivos,
quando confirmado o sucesso terapêutico. As taquicardias ventriculares secundárias
a anomalias genéticas acarretam prognóstico sombrio para o atleta, indicando sua
retirada definitiva da prática de esportes competitivos.

Palavras-chave: arritmias cardíacas, atletas, esporte, morte súbita cardíaca.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:204-19)


RSCESP (72594)-1530

INTRODUÇÃO do adversário. O atleta, para nós não-atletas, é o sím-


bolo máximo do bem-estar e da disposição física. Por
O atleta deve ser sinônimo de saúde perfeita ou qua- trás da figura de um atleta estão depositadas paixões,
se perfeita. O atleta é a pessoa que disputa jogos e luta esperanças, desejo ardente de vencer e até mesmo in-
para vencer, impondo sua melhor forma técnica diante teresses financeiros, pois o esporte profissional movi-

204 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
menta uma soma incalcu- atleta para prática do esporte sob diferentes pontos de
lável na atualidade. Por vista, desde a presença de cardiopatias congênitas ou
essas e outras, a “queda” adquiridas até a presença de arritmias cardíacas(1). O
MOREIRA DAR de um atleta frustra o mais objetivo deste artigo não será o de discutir o diagnósti-
e cols. esperançoso dos especta- co pormenorizado das arritmias, que também não se
Arritmias cardíacas dores. preocupou com a forma de tratá-las. Sempre que pos-
em atletas
Várias são as enfermi- sível deu-se ênfase ao risco pertinente a cada distúrbio
dades que podem acome- do ritmo relacionado à prática do esporte, a qual o tipo
ter atletas, mas a maioria de tratamento mais adequado para se poder liberar o
delas afeta sua participa- atleta para o esporte, e à maneira como o cardiologista
ção apenas transitoria- deve se comportar diante de um atleta com arritmia
mente, tal como acontece cardíaca.
com as lesões ósseas ou musculares. Mais dramáticas
são as doenças que tiram o atleta definitivamente do O ATLETA COM BRADIARRITMIA
convívio, tal como ocorre com a morte súbita; nesse
caso, as doenças cardiovasculares seriam a causa prin- A bradicardia sinusal é um evento comum em atle-
cipal. Doenças cardíacas em atletas são pouco freqüen- tas e está relacionada, provavelmente, à intensidade
tes, menos freqüentes ainda são aquelas que se mani- de treinamento a qual os indivíduos estão submetidos.
festam com sintomas. Por essa razão, a avaliação clíni- As causas dessa bradicardia podem ser desde a redu-
ca minuciosa, envolvendo exames complementares so- ção da freqüência cardíaca intrínseca causada pelo trei-
fisticados, é necessária para a garantia de que o de- namento até o aumento do tônus parassimpático(2). Atle-
sempenho de um desportista seja realizado sem o me- tas podem apresentar freqüências cardíacas de 40 a
nor risco de ser interrompido precocemente. 45 batimentos por minuto durante o sono, que se ele-
Dentre os tópicos de maior interesse na cardiologia vam gradualmente quando a atividade parassimpática
esportiva na atualidade está o das arritmias cardíacas. é removida com o despertar ou com o esforço físico(3).
De prevalência variável e provavelmente não superior Além do tônus vagal predominante em atletas, estudos
em comparação ao indivíduo não-atleta de mesma ida- recentes, que utilizaram bloqueio autonômico, demons-
de, as arritmias cardíacas revestem-se de uma impor- traram que indivíduos treinados apresentam freqüên-
tância extraordinária, já que podem ser sinalizadores cia cardíaca intrínseca mais baixa e comportamento do
de cardiopatia ou de risco maior de complicações car- automatismo sinusal e da condução atrioventricular
díacas durante a prática do esporte. Em decorrência durante a estimulação atrial programada e progressiva-
das alterações autonômicas causadas pelo treinamen- mente rápida, de maneira similar aos indivíduos não-
to regular, associadas a modificações estruturais do treinados(4). Esses achados sugerem que o treinamen-
coração, o esporte aumenta a chance do surgimento to regular causa remodelamento da função sinusal e da
de arritmias cardíacas no atleta durante a competição. condução atrioventricular como forma de adaptação car-
Naqueles com coração normal, a repercussão é míni- díaca ao treinamento constante, e não simplesmente
ma; entretanto, naqueles com cardiopatias aparentes aumento do tônus vagal isoladamente.
ou silenciosas, a descarga adrenérgica de uma compe- A bradicardia sinusal torna-se importante do ponto
tição pode mudar o quadro clínico e o indivíduo sofrer de vista clínico, não pela freqüência cardíaca observa-
as conseqüências dessa mudança fisiológica e pagar da ao repouso, mas quando esta não acompanha o grau
com a vida. Mesmo em esportes que não envolvam de esforço realizado pelo atleta, sendo, portanto, des-
muito esforço físico, apenas o estresse de participar de proporcional à atividade realizada, fato conhecido como
uma competição provoca grandes alterações autonô- incompetência cronotrópica, mais comum em atletas
micas, que podem influenciar tanto o desempenho do com idade acima de 35 anos. Os sintomas podem ocor-
atleta como o sistema cardiovascular. Essa observação rer durante a realização do esforço, o que pode indicar
reforça a hipótese de que não apenas o tipo de esforço que a freqüência cardíaca não se eleva de acordo com
empreendido num exercício mas também a carga emo- as necessidades, ou, então, após terminado o esforço,
cional associada parecem fundamentais no desenca- período no qual a atividade vagal intensa pode estar
deamento de arritmias cardíacas. presente.
Neste artigo serão discutidos os aspectos clínicos e Conduta para o atleta com bradicardia sinusal(1):
terapêuticos das arritmias cardíacas em atletas. Essa 1. Se a bradicardia for detectada em exame de rotina,
discussão é oportuna tendo em vista os fatos recentes se não for acompanhada de sintomas, e se não houver
publicados na imprensa em geral a respeito da morte sinais de cardiopatia estrutural associada, trata-se de
de atletas em campo, e coincide com a publicação de uma condição clínica benigna e não requer maiores
um consenso norte-americano sobre eligibilidade do cuidados.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 205
2. Quando a bradicardia graus maiores de bloqueio. Em alguns casos, o estudo
sinusal se acompanha de eletrofisiológico é necessário para se localizar a região
sintomas como tonturas, em que está ocorrendo o retardo da condução.
MOREIRA DAR cansaço fácil, incapacida- O bloqueio atrioventricular do 2º grau Mobitz tipo I
e cols. de de realizar esforço, pré- ou Wenckebach está relacionado ao efeito da atividade
Arritmias cardíacas síncopes e até mesmo sín- vagal sobre o nódulo atrioventricular, tal como ocorre
em atletas
copes, o atleta deve ser nos casos de bradicardia sinusal(5, 6). Também nessa
afastado da atividade físi- condição, com a retirada da atividade vagal, o grau de
ca e reavaliado quanto a bloqueio diminui e isso pode ser observado pelo desa-
seu real quadro clínico. O parecimento do mesmo com o despertar ou quando se
Holter de 24 horas pode eleva a atividade simpática pelo esforço físico. De ma-
fornecer informações im- neira geral, esse tipo de bloqueio manifesta-se com
portantes quanto ao comportamento da freqüência car- complexos QRS estreitos, indicando não haver compro-
díaca nos diferentes períodos do dia e revelar também metimento do restante do sistema de condução cardía-
a presença de pausas (mais significativas quando apre- co.
sentam duração maior que três segundos). Permite tam- Bloqueio atrioventricular do 2º grau Mobitz tipo II ou
bém correlacionar os distúrbios de ritmo com os sinto- bloqueio atrioventricular de grau avançado são raros em
mas, quando presentes. O teste ergométrico avalia o atletas e são manifestação de doença difusa do siste-
comportamento da freqüência cardíaca durante o es- ma de condução, particularmente quando se acompa-
forço controlado e progressivamente mais intenso, po- nham de complexos QRS alargados. Quando os com-
dendo, dessa maneira, tentar reproduzir os sintomas plexos QRS são estreitos e a relação atrioventricular é
quando a carga de esforço for similar àquela praticada do tipo 2:1 por longos períodos, fica a dúvida da locali-
durante o evento esportivo. Em algumas condições, zação do bloqueio, se nodal ou no feixe de His. Se for
quando os sintomas são esporádicos, a realização de observada, ao Holter de 24 horas, presença de bloqueio
gravações intermitentes pelo sistema Looper pode aju- do tipo Wenckebach é muito provável que o retardo es-
dar na correlacão clínico-eletrocardiográfica. O estudo teja localizado no nódulo atrioventricular. Quando a dú-
eletrofisiológico raramente está indicado na avaliação vida ainda persiste, em se tratando de atleta, o estudo
de eventual disfunção sinusal. eletrofisiológico está indicado para se definir sua locali-
3. O atleta deve inicialmente ser afastado da atividade zação e conduta.
física por dois a três meses e ser reavaliado após esse O bloqueio atrioventricular total pode ter duas ori-
período. É possível que, com o descondicionamento, a gens: a forma congênita e a forma adquirida. Não rara-
freqüência cardíaca se eleve novamente, os sintomas mente no bloqueio congênito os atletas já participam
desapareçam e o atleta volte a participar de esportes de esportes competitivos há um certo tempo, sendo o
competitivos. Caso isso não ocorra, o mesmo é afasta- bloqueio diagnosticado incidentalmente numa avaliação
do definitivamente da atividade física competitiva, e o de rotina ou quando passam a apresentar sintomas.
tratamento não é diferente daquele de indivíduos que Quando a freqüência cardíaca se eleva gradualmente
não praticam esporte, ou seja, a necessidade de im- com o esforço, não se tornando, assim, fator limitante,
plante de marcapasso deve ser avaliada caso a caso. raramente o indivíduo apresenta algum sintoma. No blo-
4. O atleta portador de marcapasso cardíaco artificial queio atrioventricular adquirido, existe algum tipo de
não deve participar de esportes que envolvam contato comprometimento do sistema de condução cardíaco,
corporal, pelo risco de dano ao gerador. seja no nódulo atrioventricular ou abaixo deste, que pode
limitar a freqüência cardíaca durante o esforço. Nesses
BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR casos, a cardiomiopatia chagásica em nosso meio tem
papel importante na gênese desse tipo de bloqueio.
O bloqueio atrioventricular do 1º grau é um achado Conduta para o atleta com bloqueio atrioventricular(1):
relativamente comum em atletas, em especial na fase 1. No bloqueio do tipo Wenckebach, se não houver car-
noturna, quando predomina o tônus vagal. Costuma ser diopatia associada, se o atleta for assintomático duran-
um bloqueio transitório, que desaparece com a ativida- te a prática do esporte ou se o bloqueio desaparece
de física ou com o aumento da atividade simpática. Se com o esforço, não há necessidade de afastamento da
os complexos QRS são normais, nenhuma outra inves- atividade esportiva, podendo, assim, participar de qual-
tigação é necessária além da eletrocardiografia. Se os quer tipo de esporte competitivo. Se o bloqueio se ins-
complexos QRS são alargados ou se o intervalo PR for tala na fase de recuperação, após o esforço, deve-se
maior que 0,30 segundo, torna-se necessária investi- orientar o atleta a não interromper subitamente a ativi-
gação com teste ergométrico, Holter de 24 horas e eco- dade física, para que se reduza a chance de bradicardi-
cardiografia para afastar alguma cardiopatia e riscos de as sintomáticas.

206 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
2. Se apresentar cardiopa- capasso definitivo.
tia e for assintomático, si- 9. Pacientes com bloqueio atrioventricular total adquiri-
tuação em que o bloqueio do, ao contrário da forma congênita, devem ser subme-
MOREIRA DAR desaparece ou não piora tidos a implante de marcapasso definitivo, antes de pra-
e cols. com o esforço ou na recu- ticar qualquer tipo de esporte competitivo. As recomen-
Arritmias cardíacas peração, o atleta pode par- dações quanto aos cuidados com o marcapasso são
em atletas
ticipar de todos os espor- semelhantes às do bloqueio de origem congênita.
tes competitivos, conforme
determinado pela limitação TAQUIARRITMIAS SUPRAVENTRICULARES
causada pela cardiopatia.
3. Atletas assintomáticos, As arritmias supraventriculares não são mais comuns
nos quais o bloqueio de 2º em atletas que na população geral, exceto, provavel-
grau tipo I aparece ou piora com o esforço ou durante a mente, a fibrilação atrial causada pela hipertonia va-
fase de recuperação pós-esforço, deverão ser submeti- gal(7). As principais taquiarritmias supraventriculares são:
dos a novas avaliações quanto à possibilidade de blo- taquicardia sinusal, extra-sístoles atriais, fibrilação atri-
queio intra ou infra-hissiano, podendo necessitar implan- al e “flutter” atrial, taquicardia por reentrada nodal, e
te de marcapasso definitivo. Tais atletas podem partici- taquicardia supraventricular envolvendo via acessória.
par de esportes classe IA.
4. Atletas com marcapasso não deverão participar de Taquicardia sinusal
esportes com risco de colisão corporal, pela possibili- Geralmente significa resposta a algum tipo de es-
dade de dano ao gerador. tresse, fisiológico ou não, tal como ocorre com o exercí-
5. Atletas com bloqueio atrioventricular do 2º grau Mo- cio ou com os processos infecciosos. Na maioria das
bitz tipo II ou bloqueio atrioventricular de grau avança- vezes não requer tratamento específico, mas a aboli-
do devem se submeter a implante de marcapasso defi- ção da causa que gera a taquicardia. Existe a forma
nitivo e ser afastados da atividade esportiva competiti- bem menos comum na clínica que é a taquicardia sinu-
va. Podem, contudo, participar de esportes com menor sal inapropriada, que surge mesmo com o indivíduo em
possibilidade de contato corporal e com menor risco de repouso e é também desproporcional ao grau de esfor-
dano ao marcapasso. Recomenda-se a avaliação da ço realizado. O risco desse tipo de arritmia é o surgi-
função do marcapasso quanto à freqüência cardíaca mento de miocardiopatia secundária à taquicardia, que
proporcional ao grau de esforço realizado, antes da li- pode limitar a participação de atletas em atividades com-
beração para a prática do esporte. petitivas. O tratamento definitivo realizado por meio da
6. Atletas com bloqueio atrioventricular total sem cardi- ablação com radiofreqüência da região do nódulo sinu-
opatia estrutural associada, com função cardíaca nor- sal e “crista terminalis” pode levar à cura e ao restabe-
mal, sem história de síncope, que se apresentam com lecimento da função ventricular à normalidade, o que
complexos QRS estreitos ao eletrocardiograma, com a permitiria ao atleta o retorno à atividade esportiva com-
freqüência cardíaca de repouso acima de 40 bpm e que petitiva. Avaliações periódicas a cada 6 ou 12 meses
se eleva proporcionalmente com o esforço, sem outras podem confirmar o sucesso do procedimento.
arritmias ventriculares associadas, podem participar de
todos os esportes competitivos. Extra-sístoles atriais
7. Atletas com bloqueio atrioventricular total com arrit- Apresentam especial atenção quando são gatilhos
mias ventriculares, síncope ou pré-síncope, e fadiga para o desencadeamento de outras taquiarritmias supra-
devem ser submetidos a implante de marcapasso defi- ventriculares, como a fibrilação atrial. Os focos ectópicos,
nitivo antes de praticar esportes competitivos. Tais atle- que se localizam em território de veias pulmonares e tam-
tas serão liberados apenas para a prática de esportes bém na região das veias cavas, podem ser os principais
com menor possibilidade de contato corporal, para evi- responsáveis pelo surgimento de fibrilação atrial em jo-
tar risco de dano ao gerador. Antes de retornar à práti- vens com coração normal(8, 9), e sua destruição ou isola-
ca de esportes, devem ser submetidos a avaliação clí- mento na região de origem com cateter e radiofreqüência
nica, preferencialmente com teste ergométrico com es- reduzem ou eliminam o risco de recorrências de fibrila-
forço similar àquele realizado na prática desportiva, para ção atrial. De maneira geral, quando os atletas não têm
se comprovar que o marcapasso acelera a freqüência cardiopatia estrutural associada e não apresentam sinto-
cardíaca na proporção requerida pelo esforço. mas, a conduta é a simples observação clínica, podendo
8. Atletas com condição hemodinâmica instável, como participar de todos os esportes competitivos.
aqueles com “shunts” intracavitários, não podem parti-
cipar de esportes competitivos sem um marcapasso, Fibrilação atrial
com as restrições normais para os portadores de mar- Tal como ocorre na população geral, a fibrilação atrial

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 207
deve ser a taquiarritmia valvulopatia mitral ou cardiomiopatia dilatada, há a ne-
supraventricular mais co- cessidade de anticoagulação crônica, o que pode limi-
mum em atletas, e isso se tar a participação dos mesmos em esportes com maior
MOREIRA DAR deve, pelo em menos em risco de sangramento. A conduta para anticoagulação
e cols. parte, ao aumento da ati- não difere da conduta adotada no indivíduo não-atleta.
Arritmias cardíacas vidade vagal provocado Conduta para o atleta com fibrilação atrial(1):
em atletas
pelo treinamento. Pode 1. Indivíduos que praticam esporte competitivo e que
ocorrer de forma intermi- sejam assintomáticos, sem cardiopatia estrutural, nos
tente, como crises de iní- quais a freqüência cardíaca se eleva e é reduzida gra-
cio e término súbitos a in- dualmente, com esforço e sua interrupção, respectiva-
tervalos variados, ou então mente, tal como acontece com a freqüência sinusal, e
de forma crônica(10). Focos que estejam ou não em uso de fármacos que retardam
ectópicos originados em veias pulmonares podem ge- a condução nodal, podem participar de todos os espor-
rar taquicardias que provocam remodelamento elétrico tes competitivos.
e histológico no tecido atrial, culminando com o surgi- 2. Quando há cardiopatia associada, nas mesmas con-
mento de fibrilação atrial, inicialmente de forma paro- dições descritas anteriormente, a liberação para a ativi-
xística seguida logo após por sua cronificação(8, 9). Não dade esportiva estará limitada pelo grau de comprome-
raramente os episódios agudos de fibrilação atrial sur- timento cardíaco causado pela cardiopatia.
gem logo após ter-se interrompido um esforço físico, 3. Os atletas que necessitam anticoagulação não deve-
por exemplo, momento no qual a atividade vagal é mais rão participar de esportes com possibilidade de choque
intensa. Em outros casos, ectopias atriais freqüentes corporal, pelo risco de hemorragias.
geram fibrilação atrial intermitente, independentemen- 4. Atletas sem cardiopatia que foram tratados por meio
te da atividade autonômica. Esses tipos de fibrilação da ablação focal da fibrilação atrial e que estejam livres
atrial têm origem diferente daqueles secundários a car- da arritmia podem participar de todos os esportes com-
diopatias, hipertensão arterial e insuficiência cardíaca, petitivos de quatro a seis semanas após o procedimen-
nos quais a arritmia pode ser causada por distensão do to, desde que não se documentem recorrências nesse
tecido atrial, isquemia e fibrose tecidual. Deve-se des- período ou que seja certificada sua não-indutibilidade
tacar, também, que, em jovens com coração normal, a ao estudo eletrofisiológico.
tireotoxicose é uma causa que deve ser investigada.
O diagnóstico deve ser feito quando o atleta apre- “Flutter” atrial
senta palpitações taquicárdicas ou cansaço físico des- O “flutter” atrial é uma arritmia rara em atletas. É cau-
proporcional ao grau de esforço realizado ou então a sado por um macrocircuito reentrante no átrio direito
não-redução da freqüência cardíaca após interrompido envolvendo o anel tricúspide, geralmente associado a
o esforço, quando o pulso se mantém rápido e irregular. alguma cardiopatia que causa dilatação atrial, sendo
Nesses casos, documenta-se a arritmia por meio de bem menos freqüente a forma idiopática, sem cardio-
eletrocardiografia simples. Quando os sintomas são es- patia. A descoberta do circuito elétrico causador do “flut-
porádicos, podem ser submetidos a Holter de 24 horas, ter” permitiu a cura definitiva por meio da ablação com
que detecta arritmia ou extra-sístoles atriais freqüentes cateter utilizando radiofreqüência como modalidade de
com episódios curtos de taquicardia. Em outras situa- energia. A cura com essa técnica atinge 80% a 85%
ções, o teste ergométrico pode reproduzir a fibrilação dos indivíduos, principalmente sua forma idiopática(11).
atrial quando a intensidade do esforço for similar àque- Em decorrência da associação com cardiopatia, é
la que desencadeia a arritmia quando da prática des- necessária a avaliação dos atletas com ecocardiogra-
portiva. A fibrilação atrial pode surgir durante o esforço fia. Com esse procedimento analisam-se os diâmetros
ou logo após seu encerramento. atriais, a função ventricular e a eventual presença de
Na avaliação clínica de indivíduos com fibrilação atri- cardiopatia, como lesões valvares ou doenças congê-
al, deve ser sempre considerada a freqüência cardíaca nitas do coração. Como é uma arritmia com especial
durante o esforço, que deve ser compatível com sua predileção a recorrências quando há falha na terapêuti-
intensidade. Isso pode ser feito por meio do Holter rea- ca medicamentosa, torna-se necessária a realização
lizado durante o esforço ou por meio do teste ergomé- de Holter de 24 horas ou até mesmo da gravação inter-
trico. Além disso, os atletas devem ser submetidos a mitente pelo sistema Looper, para se flagrar eventuais
ecocardiografia para que se afaste a possibilidade de episódios assintomáticos. O teste ergométrico está in-
cardiopatia estrutural ou para que se possa avaliar o dicado nos casos de “flutter” atrial crônico, para se ava-
grau de repercussão da fibrilação atrial sobre a função liar o comportamento da freqüência cardíaca no pico
cardíaca. Em alguns casos de atletas que apresentam máximo do esforço.
fibrilação atrial associada a alguma cardiopatia, como O tratamento do “flutter” foge aos objetivos deste ar-

208 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
tigo, mas a cardioversão por circuitos reentrantes no tecido atrial secundários a
elétrica é a técnica mais cirurgia cardíaca prévia, cardiopatias congênitas ou car-
apropriada para o restabe- diomiopatias. Trata-se de uma arritmia rara e as reco-
MOREIRA DAR lecimento do ritmo sinusal. mendações para a avaliação de atletas com esse dis-
e cols. Deve-se seguir a adminis- túrbio de ritmo são similares àquelas relacionadas ao
Arritmias cardíacas tração de fármacos para a “flutter” atrial. Como geralmente é uma arritmia rebelde
em atletas
prevenção das recorrênci- à terapêutica farmacológica, indica-se a ablação com
as e os mais indicados são radiofreqüência do foco arritmogênico como forma de
propafenona, sotalol e ami- tratamento definitivo. Uma das principais complicações
odarona. É importante sa- da taquicardia atrial, que evolui com freqüência cardía-
lientar que alguns medica- ca persistentemente rápida após sua cronificação, é a
mentos, incluindo os beta- taquicardiomiopatia, o que poderia limitar a participa-
bloqueadores, têm sua utilização limitada em alguns ti- ção de atletas em esportes competitivos.
pos de esporte. Além disso, a maioria dos medicamen- Conduta para o atleta com taquicardia atrial(1):
tos antiarrítmicos dificulta a prática desportiva, por im- 1. Atletas sem cardiopatia estrutural, que mantêm fre-
pedir a elevação adequada da freqüência cardíaca. O qüência cardíaca que se eleva e é reduzida com incre-
tratamento definitivo do “flutter” atrial é realizado por mento e interrupção do esforço, de maneira similar ao
meio da ablação do circuito com cateteres, com a gran- comportamento da freqüência sinusal em relação à in-
de vantagem de não se precisar administrar medica- tensidade de esforço praticada, com ou sem tratamen-
mentos posteriormente. A necessidade de anticoagula- to, podem participar de todos os esportes competitivos.
ção para o tratamento do “flutter” atrial segue as mesmas 2. Atletas com cardiopatias podem participar de espor-
diretrizes da conduta relacionada à fibrilação atrial. tes competitivos consistentes com as limitações impos-
Conduta para o atleta com “flutter” atrial(1): tas pela cardiopatia subjacente.
1. Atletas que praticam esporte competitivo e que se- 3. Atletas sem cardiopatia, que foram submetidos a tra-
jam assintomáticos, sem cardiopatia estrutural, nos tamento definitivo com cirurgia ou ablação com cateter,
quais a freqüência cardíaca se eleva e é reduzida gra- podem participar de todos os esportes competitivos após
dualmente com esforço e sua interrupção, respectiva- duas a três semanas do procedimento, desde que seja
mente, tal como acontece com a freqüência sinusal, comprovada ausência de recorrências.
estejam ou não em uso de fármacos que retardam a
condução nodal, podem participar de esportes leves, Taquicardia juncional não-paroxística
pelo risco de ainda apresentarem freqüências cardía- Esse tipo de taquicardia pode ser encontrado em
cas rápidas, como, por exemplo, relação AV 1:1 duran- adultos de forma transitória, em episódios curtos e com
te o “flutter” e de se tornarem limitados. Participação freqüências cardíacas não muito rápidas (de cerca de
em outros esportes competitivos não deverá ser permi- 120 bpm a 150 bpm), detectadas ao Holter de 24 ho-
tida, a menos que o atleta esteja sem “flutter” atrial por ras(12). A arritmia pode ser detectada quando o atleta
pelo menos dois ou três meses com ou sem tratamento relata sintomas, como, por exemplo, palpitações, e é
com fármacos. submetido a exame eletrocardiográfico. Em outras oca-
2. Atletas com cardiopatia estrutural e que apresentam siões, a arritmia é detectada por monitorizações eletro-
“flutter” atrial podem participar de esportes competiti- cardiográficas de 24 horas ou pelo sistema Looper. Na
vos leves (classe IA, ou seja, pouco estático e pouco avaliação dos indivíduos com taquicardia juncional, deve
dinâmico) somente após ter sido comprovado um perí- estar incluída, além de eletrocardiografia e Holter, a re-
odo de duas a três semanas sem episódios de “flutter” alização de ecocardiografia e teste ergométrico. Rara-
atrial. mente o estudo eletrofisiológico está indicado nos ca-
3. Atletas sem cardiopatia que foram tratados por meio sos de indivíduos com taquicardias muito rápidas com
de ablação com cateter do circuito do “flutter” e que es- repercussão hemodinâmica, quando a terapêutica defi-
tejam livres da arritmia podem participar de todos os nitiva por ablação com cateter estaria contemplada. O
esportes competitivos de quatro a seis semanas após tratamento com fármacos inclui a administração oral
o procedimento, desde que seja comprovada ausência de betabloqueadores, propafenona ou sotalol. O anti-
de recorrência. arrítmico nem sempre é eficaz, além de limitar o de-
4. Os atletas que necessitam anticoagulação não deve- sempenho do atleta ao esforço. Se for possível e se for
rão participar de esportes com possibilidade de choque necessário, nos casos mais rebeldes, pratica-se a abla-
corporal, pelo risco de hemorragias. ção do foco juncional; entretanto, a principal complica-
ção é a instalação de bloqueio atrioventricular total e
Taquicardia atrial paroxística posterior necessidade de implante de marcapasso de-
Arritmia causada por atividade automática atrial ou finitivo.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 209
Conduta para o atleta realizado particularmente quando a taquicardia é de-
com taquicardia juncional sencadeada durante a atividade física. O tratamento
não-paroxística(1): definitivo pode ser obtido por meio da ablação seletiva
MOREIRA DAR 1. Atletas assintomáticos da via lenta na junção atrioventricular com cateter, con-
e cols. sem cardiopatia e que duta que resulta em cura definitiva em mais de 95%
Arritmias cardíacas apresentam freqüência dos casos, sem a necessidade da administração poste-
em atletas
ventricular controlada, que rior de fármacos(15). Digital, betabloqueadores, propafe-
se eleva e é reduzida pro- nona, sotalol ou amiodarona são as opções farmacoló-
porcionalmente ao grau de gicas, embora existam sérias restrições a seu uso, por
esforço físico, comparati- limitarem a prática desportiva, restringindo o desempe-
vamente ao ritmo sinusal nho dos atletas durante o esforço.
em relação ao grau de ati-
vidade física, podem participar de todos os esportes Taquicardia paroxística supraventricular
competitivos. envolvendo via acessória
2. Atletas assintomáticos com cardiopatia ou freqüên- Nessa condição, existe uma via acessória paralela
cia ventricular incompletamente controladas durante o ao sistema de condução normal, com propriedades ele-
esforço podem se engajar em esportes competitivos trofisiológicas distintas, com condução retrógrada ex-
classe IA, dependendo da natureza da cardiopatia sub- clusiva (diferentemente da síndrome de Wolff-Parkin-
jacente e da freqüência ventricular. son-White, em que a via acessória apresenta também
3. Atletas com freqüência ventricular rápida inapropria- a capacidade de condução anterógrada) e que predis-
damente controlada, com ou sem cardiopatia, deverão põe à reentrada do impulso elétrico. Costuma evoluir
ser considerados para o controle da freqüência ventri- com freqüência cardíaca bastante elevada e ser menos
cular antes de participar de qualquer esporte. Atletas responsiva à terapêutica farmacológica. Freqüentemente
cuja taquicardia foi controlada com o tratamento, e com esse tipo de taquicardia é desencadeado pelo esforço
o resultado confirmado por meio de teste apropriado, físico, o que facilita a confirmação de seu diagnóstico
podem participar de esporte competitivo consistente por meio do teste ergométrico (Fig. 1). A confirmação
com seu estado cardiovascular. poderá ser feita também pela indução artificial da taqui-
cardia (estimulação atrial) ou por testes provocativos,
Taquicardia paroxística supraventricular por como infusão de adenosina(14). Do ponto de vista tera-
reentrada nodal pêutico, os melhores resultados são obtidos com a abla-
É talvez a taquicardia supraventricular mais comum ção da via acessória com cateter, conduta que cura
na clínica e sua prevalência não é maior em atletas em definitivamente cerca de 95% dos casos, sem a neces-
comparação com a população geral. É causada pela sidade de administração posterior de fármacos(16). Caso
presença de um circuito arritmogênico localizado na não se opte por essa técnica, os fármacos indicados
junção atrioventricular, composto de duas vias de con- são propafenona, sotalol ou amiodarona, com as mes-
dução eletrofisiologicamente distintas. Manifesta-se de mas ressalvas assinaladas quando do tratamento da
forma súbita, com palpitações geralmente percebidas taquicardia por reentrada nodal.
no pescoço (sinal do “sapo”)(13), e podem ser desenca- Conduta para o atleta com taquicardia supraventricular(1):
deadas pela mudança de posição do corpo (como o ato 1. Atletas sem cardiopatia estrutural, assintomáticos e
de se abaixar e de se levantar) e, menos freqüente- que têm taquicardia supraventricular reproduzida du-
mente, por estresse físico ou emocional. A importância rante o esforço e prevenida pela terapêutica garantida
dessa arritmia no atleta depende do estado hemodinâ- por testes apropriados podem participar de todos os
mico relacionado com a freqüência cardíaca durante esportes competitivos.
as crises, que pode ser elevada e prejudicar o desem- 2. Atletas que não têm a taquicardia desencadeada pelo
penho físico. Além disso, há esportes com risco de aci- esforço mas experimentam recorrências esporádicas
dentes graves causados pelo hipofluxo cerebral, tal deverão ser tratados. Entretanto, por causa da nature-
como acontece com a natação ou o ciclismo, secunda- za imprevisível da taquicardia, os objetivos finais dificil-
riamente à hipotensão arterial no momento das crises. mente podem ser alcançados; mas, uma vez estabele-
Se o quadro clínico não for característico e se ainda cidos, esses atletas podem participar de todos os es-
não se tiver a taquicardia documentada, pode-se pro- portes competitivos consistentes com seu estado car-
ceder a testes provocativos (estimulação atrial durante diovascular. Atletas com episódios de taquicardia com
estudo eletrofisiológico invasivo ou por meio do esôfa- duração de 10 a 15 segundos e que não pioram com o
go ou, então, teste da adenosina(14)). Pode-se recorrer esforço podem participar de esportes competitivos.
também à monitorização eletrocardiográfica prolonga- 3. Atletas com história de síncope, pré-síncope ou sin-
da pelo sistema Looper. O teste ergométrico pode ser tomas importantes secundários à taquicardia ou que

210 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
MOREIRA DAR
e cols.
Arritmias cardíacas
em atletas

Figura 1. Taquicardia supraventricular


envolvendo via acessória em um joga-
dor de basquetebol, desencadeada
durante teste de esforço. Observe a
freqüência cardíaca próxima de 240
bpm, complexos QRS estreitos, ondas
P negativas nas derivações D2, D3 e
aVF, além da alternância elétrica do
QRS (achado característico das taqui-
cardias envolvendo via acessória).

apresentam cardiopatia estrutural subjacente além SÍNDROME DE WOLFF-PARKINSON-WHITE


do circuito arritmogênico não devem participar de es-
portes competitivos até que sejam adequadamente A síndrome de Wolff-Parkinson-White é rara, ocor-
tratados e que não apresentem recorrências por pelo rendo em três entre cada mil indivíduos(17, 18). O grande
menos duas a quatro semanas. Após esse período, interesse nela está relacionado à possibilidade de sur-
podem participar de esportes leves (classe IA). gimento de taquicardia supraventricular envolvendo a
4. Para os atletas sem cardiopatia que tiveram via acessória (reentrada atrioventricular) e de fibrilação
ablação do circuito por meio de cateter, que este- atrial, que, na dependência das propriedades eletrofisi-
jam assintomáticos e sem apresentar taquicardi- ológicas da via, pode culminar em fibrilação ventricular.
as indutíveis artificialmente ou que não tenham As características eletrofisiológicas da via podem se mo-
nenhuma recorrência documentada estão libera- dificar na presença de níveis plasmáticos elevados de
dos para a prática de todos os esportes competi- catecolaminas, fato que ocorre durante a prática do
tivos pelo menos duas a quatro semanas após o esporte. As catecolaminas causam redução do período
procedimento. refratário anterógrado da via e maior velocidade de con-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 211
dução do impulso aos ven- 350 ms, e, em caso de indução artificial de fibrilação
trículos durante crises de atrial, intervalo RR com morfologia de pré-excitação
taquicardia ou fibrilação máxima maior que 250 ms. Por outro lado, são conside-
MOREIRA DAR atrial(19). Embora crises es- rados atletas com alto risco para complicações arrítmi-
e cols. porádicas de taquicardia cas aqueles com história de síncope, documentação
Arritmias cardíacas possam ocorrer no atleta prévia de fibrilação atrial ou taquicardia supraventricu-
em atletas
assintomático ao longo lar, história de morte súbita recuperada secundária a
dos anos, o risco de morte fibrilação atrial com resposta ventricular rápida, presen-
súbita é muito baixo(20), tor- ça de mais de uma via acessória ao mapeamento ele-
nando a abordagem des- trofisiológico, além de período refratário anterógrado da
se indivíduo bastante con- via menor que 350 ms ou intervalo RR com máxima
troversa. Em publicação pré-excitação menor que 250 ms.
recente, Pappone e colaboradores(21) demonstraram que O tratamento definitivo do atleta com síndrome de
crianças que apresentavam eletrocardiograma compa- Wolff-Parkinson-White por meio da ablação geralmen-
tível com pré-excitação ventricular eram assintomáticas, te é considerado a abordagem de escolha na maioria
mas apresentavam critérios de alto risco durante o es- dos casos, pois o índice de sucesso é elevado (> 95%)
tudo eletrofisiológico para o surgimento de arritmias po- e o risco de complicações é baixo (Fig. 2). Além disso, a
tencialmente letais, como a fibrilação atrial, e apresen- imprevisibilidade do comportamento da condução pela
tavam prognóstico adverso quando não eram submeti- via na presença de níveis elevados de catecolaminas
das a ablação da via com radiofreqüência(21). Esse es- plasmáticas torna a conduta ablativa a opção mais acer-
tudo, entretanto, mereceu críticas quanto aos critérios tada.
utilizados para a avaliação das crianças e à maneira Conduta para o atleta com síndrome de Wolff-Par-
pela qual foram randomizadas. kinson-White(1):
Há autores que defendem o estudo eletrofisiológico 1. Atletas sem cardiopatia estrutural, sem história de
para determinar a localização da via e suas proprieda- palpitações ou sem taquicardia (particularmente aque-
des eletrofisiológicas, enquanto outros defendem a li- les com 25 anos de idade ou mais) podem participar de
beração para atividade esportiva sem restrições, exa- todos os esportes competitivos. Entretanto, indivíduos
tamente pelo fato de esses indivíduos serem assinto- com menos idade devem ser submetidos a avaliação
máticos. Um fato importante a ser considerado nesse mais profunda (incluindo estudo eletrofisiológico) antes
contexto é que alguns atletas ainda são muito jovens e, de participar de esportes de intensidade moderada a
portanto, não tiveram chance de apresentar sintomas, elevada.
ao contrário de atletas de idade mais avançada, na fai- 2. Atletas com taquicardia supraventricular reciprocan-
xa dos 35 anos ou mais, em que a possibilidade de te devem ser tratados conforme a recomendação para
sintomas diminui juntamente com a redução da ativida- taquicardia supraventricular, relatada previamente. En-
de esportiva. tretanto, deve ser considerado que esses indivíduos
Na avaliação de atletas com síndrome de Wolff-Par- podem ter fibrilação atrial com resposta ventricular rá-
kinson-White, história clínica minuciosa para identificar pida. É recomendada indução de fibrilação atrial para
sintomas de taquicardia (palpitações, tonturas ou des- se determinar o mais curto intervalo RR com morfolo-
maios), exame físico, ecocardiografia para se afastar gia de pré-excitação máxima durante a infusão de iso-
cardiopatia estrutural, além de teste ergométrico com proterenol ou até mesmo durante esforço físico. Os atle-
realização de esforço similar àquele realizado durante tas cujo intervalo for menor que 250 ms deverão ser
a prática do esporte devem ser considerados. O Holter submetidos a ablação da via acessória.
de 24 horas, realizado durante atividades normais ou 3. Atletas com “flutter”/fibrilação atrial e síncope ou pré-
durante a prática do esporte, é importante para identifi- síncope em que a freqüência cardíaca máxima em re-
car taquiarritmias assintomáticas e também o compor- pouso (sem tratamento) como resultado de condução
tamento da condução anterógrada pela via acessória pela via exceder 240 bpm deverão ser considerados
(presença persistente ou intermitente de ondas delta). para a ablação com cateter antes de continuar compe-
Os indivíduos de baixo risco caracterizam-se por ser tindo. Aqueles nos quais a freqüência ventricular é me-
assintomáticos, por apresentar pré-excitação ventricu- nor que 240 bpm durante a infusão de isoproterenol
lar intermitente ao eletrocardiograma simples ou ao sem episódios de síncope ou pré-síncope parecem apre-
Holter de 24 horas, e por apresentar perda súbita da sentar menor risco para morte cardíaca súbita.
morfologia de pré-excitação ao teste ergométrico. Caso 4. Atletas sem cardiopatia que tiveram ablação com
o indivíduo seja submetido a estudo eletrofisiológico, cateter ou cirúrgica da via acessória e que estão assin-
os critérios são presença de uma única via acessória, tomáticos, apresentam condução atrioventricular nor-
período refratário anterógrado da via igual ou maior que mal e não têm arritmias indutíveis ao estudo eletrofisio-

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MOREIRA DAR
e cols.
Arritmias cardíacas
em atletas

Figura 2. Traçado obtido du-


rante a ablação com radiofre-
qüência para tratamento de
pré-excitação ventricular em
um atleta, jogador de futebol
de 20 anos. O traçado mos-
tra o momento da aplicação
da radiofreqüência (ver as in-
terferências no primeiro canal
intracavitário) e a perda da
pré-excitação no eletrocardi-
ograma de superfície mani-
festa pelo desaparecimento
da onda delta. O atleta foi li-
berado para a prática do fu-
tebol um mês depois.

lógico durante o seguimento podem participar de todos congênita e síndrome de Wolff-Parkinson-White(22). A


os esportes competitivos após alguns dias. Aqueles que atividade física competitiva aumenta em cerca de 2,5
não se submeteram a um segundo estudo ou que não vezes o risco de morte súbita em atletas com algum
apresentam recorrência da taquicardia por duas ou três tipo de cardiopatia, em comparação com aqueles sem
semanas após a ablação podem participar de todos os cardiopatia(23). Esse fato sinaliza que o esporte intenso
esportes competitivos. propriamente pode atuar como gatilho para o surgimento
de arritmias ventriculares em atletas com cardiopatias
O ATLETA COM ARRITMIAS VENTRICULARES silenciosas. Alguns estudos demonstram que atletas que
realizam atividade física intensa têm alteração de seu
Um dos maiores desafios da cardiologia esportiva balanço autonômico, que muda de uma atividade pa-
na atualidade é a avaliação de atletas portadores de rassimpática para uma atividade simpática predominan-
arritmias ventriculares que, na maioria das vezes, se te(24), e já se sabe que as catecolaminas apresentam
apresentam sem sintomas. Os fatores que mais bem elevado potencial para exacerbar circuitos arritmogêni-
definem o risco de morte súbita em atletas, secundari- cos e gerar arritmias malignas.
amente a uma arritmia ventricular, são a presença de Dentre as cardiopatias com maior risco de desenca-
sintomas (particularmente síncope ou pré-síncope) e deamento de arritmias ventriculares potencialmente fa-
de cardiopatia estrutural. Exceções a essas regras são, tais destacam-se a cardiomiopatia hipertrófica idiopáti-
provavelmente, os pacientes com história de fibrilação ca, a displasia arritmogênica de ventrículo direito, a mi-
ventricular idiopática, síndrome do intervalo QT longo ocardiopatia dilatada idiopática, as miocardites e a in-

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MOREIRA DAR
e cols.
Arritmias cardíacas
em atletas

Figura 3. Atleta, jogador de futebol de 19 anos, com história de miocardite, desen-


volveu bloqueio de ramo esquerdo (traçado superior). Foi submetido a estudo eletro-
fisiológico para avaliar a condução atrioventricular e durante a estimulação ventricu-
lar programada (traçado inferior), com três extra-estímulos, foi induzida taquicardia
ventricular polimórfica seguida de fibrilação ventricular. O ritmo sinusal foi restabele-
cido com a desfibrilação elétrica. O atleta foi afastado do esporte.

suficiência coronariana, particularmente em atletas com dela, destacam-se exame físico, eletrocardiografia, eco-
mais de 35 anos de idade. O surgimento de isquemia cardiografia, teste ergométrico (Fig. 4), Holter de 24
durante elevações da freqüência cardíaca que ocorre horas, até a monitorização eletrocardiográfica pelo sis-
na prática desportiva, além de alterações do relaxamen- tema Looper. Na dependência do tipo de arritmia en-
to diastólico, são as principais causas de arritmias ven- contrada e dos achados do ecocardiograma, exames
triculares malignas, que culminam em morte súbita em mais sofisticados, como ressonância nuclear magnéti-
indivíduos com cardiomiopatia hipertrófica. Na displa- ca ou cinecoronariografia, estarão indicados para com-
sia arritmogênica de ventrículo direito ocorre a substi- plementar a avaliação e se concluir o diagnóstico. Com
tuição do tecido cardíaco normal por gordura. Áreas de os resultados em mãos, deverá ser tomada a decisão
fibrose, gordura e tecido miocárdico normal entremea- sobre a possibilidade de o atleta participar ou não de
dos formam o substrato para o surgimento de arritmias esportes competitivos, visando fundamentalmente à pre-
ventriculares malignas, que são deflagradas na presen- servação da vida do atleta. Casos mais graves, com
ça de catecolaminas plasmáticas elevadas. A miocardi- elevado risco de morte súbita, deverão ser afastados
te provoca focos inflamatórios nos ventrículos, que se da atividade esportiva, enquanto casos com prognósti-
acompanham de distúrbios variados da condução in- co menos sombrio poderão ser liberados para a prática
traventricular e arritmias ventriculares potencialmente de esportes menos intensos.
malignas (Fig. 3). A disfunção ventricular da cardiomio- A forma de apresentação e o tipo eletrocardiográfi-
patia dilatada é talvez o principal fator predisponente co da arritmia ventricular podem ser outros fatores en-
ao surgimento de taquiarritmias ventriculares. volvidos na decisão sobre qual conduta a se tomar di-
O atleta que se apresenta para avaliação clínica ini- ante do atleta. Em corações normais, uma extra-sístole
cial com arritmias ventriculares deve ser submetido a ventricular que aparece ao esforço raramente é motivo
uma história rigorosa para se determinar a importância de preocupação. O mesmo ocorre nos atletas com co-
dos sintomas em relação à arritmia propriamente; além ração normal, assintomáticos, que apresentam taqui-

214 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
MOREIRA DAR
e cols.
Arritmias cardíacas
em atletas

Figura 4. Taquicardia ventricular sustentada desencadeada durante a realização de


teste ergométrico em um maratonista de 31 anos com história de palpitações e ton-
turas nos últimos meses. Os sintomas começavam a surgir poucos minutos depois
de iniciada a corrida, o que o impedia de prosseguir com o esforço.

cardia ventricular monomórfica não-sustentada. Num es- seguimento clínico (cerca de oito anos) dão suporte à
tudo prospectivo que avaliou atletas com arritmias ven- teoria de que essas arritmias apresentam caráter be-
triculares complexas ao Holter de 24 horas, divididos nigno, fazendo parte do que se conhece por síndrome
em três grupos de acordo com a prevalência das extra- do coração de atleta. Por outro lado, nos atletas com
sístoles (grupo A, > 2.000 extra-sístoles em 24 horas; cardiopatia estrutural, a redução da freqüência das ex-
grupo B, entre 100 e 2.000 extra-sístoles em 24 horas; tra-sístoles após o descondicionamento físico pode ser
grupo C, < 100 extra-sístoles em 24 horas), Biffi e cola- um mecanismo pelo qual ocorre a redução do risco de
boradores(25) demonstraram que 30% dos atletas do eventos cardiovasculares nessa população(26). O desa-
grupo A apresentavam algum tipo de cardiopatia, e to- parecimento ou a redução significativa das arritmias
dos desse grupo foram afastados da atividade esporti- ventriculares com a interrupção temporária do treina-
va. Os atletas dos grupos B e C continuaram suas ativi- mento podem justificar o retorno dos atletas sem cardi-
dades. Num período de seguimento de oito anos, todos opatia à atividade esportiva competitiva.
sobreviveram sem eventos cardiovasculares. Os auto- Atletas assintomáticos com coração normal raramen-
res concluíram que as extra-sístoles ventriculares são te necessitam tratamento das arritmias ventriculares, mes-
comuns em atletas treinados e geralmente não estão mo que desencadeadas durante o esforço. Por outro lado,
associadas a anormalidades cardiovasculares, não acar- atletas sintomáticos podem ser tratados com betabloque-
retam prognóstico ruim e parecem fazer parte do que adores para alívio dos sintomas. Esses fármacos têm sua
se conhece como síndrome do coração do atleta, não prescrição restrita em alguns tipos de esporte.
justificando, assim, o afastamento da atividade esporti- Conduta para o atleta com extra-sístoles ventriculares(1):
va(25). Num estudo subseqüente, em que os atletas com 1. Atletas sem cardiopatia e com extra-sístoles ventri-
mais de 2.000 extra-sístoles ventriculares nas 24 horas culares em repouso e durante o esforço, e até mesmo
foram submetidos a descondicionamento, por um perí- no teste ergométrico (esforço comparável àquele reali-
odo que variou entre 12 e 24 semanas (provavelmente zado durante a competição), podem participar de todos
os mesmos atletas do grupo A do estudo anterior), Biffi os esportes competitivos. Se as extra-sístoles se inten-
e colaboradores(26) observaram redução significativa das sificarem durante o esforço ou durante o teste ergomé-
extra-sístoles ao Holter realizado após aquele período, trico a ponto de produzirem sintomas de fadiga, disp-
tanto no grupo de atletas com cardiopatia como naque- néia ou distúrbios da consciência, o atleta poderá parti-
les sem comprometimento cardíaco. Esse estudo de- cipar de esportes menos intensos (classe IA).
monstrou que a redução da arritmia ventricular em atle- 2. Atletas com cardiopatia estrutural que se encontram
tas sem cardiopatia e a ausência de eventos durante o em grupos de risco e apresentam extra-sístoles ventri-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 215
culares complexas (com período de afastamento das atividades esportivas, e
ou sem tratamento) só po- deve ser considerada a reavaliação de alguns atletas.
dem participar de esportes 2. Para o atleta com cardiopatia estrutural e taquicardia
MOREIRA DAR competitivos menos inten- ventricular e atividade física moderada ou intensa está
e cols. sos (classe IA). Tais atle- contra-indicada, independentemente de a taquicardia
Arritmias cardíacas tas, cujas arritmias ventri- ser ou não suprimida pela ablação ou por fármacos.
em atletas
culares são suprimidas Apenas esportes classe IA são permitidos.
pelo tratamento medica- 3. Uma exceção a essa recomendação geral é o atleta
mentoso (avaliados pelo assintomático com curtos episódios (geralmente inferi-
Holter) durante a participa- ores a 8 a 10 batimentos consecutivos) de taquicardia
ção no esporte, podem ventricular monomórfica não-sustentada, com freqüên-
participar apenas de es- cia cardíaca abaixo de 150 bpm e sem cardiopatia es-
portes com classificação IA. trutural demonstrada por exames invasivos ou não-in-
vasivos. Esses atletas não parecem estar sob risco ele-
TAQUICARDIA VENTRICULAR vado de morte súbita. Se o teste ergométrico (preferen-
cialmente o Holter realizado durante atividade esporti-
A taquicardia ventricular não-sustentada, monomór- va competitiva) demonstra supressão da taquicardia ou
fica ou polimórfica, e também a forma sustentada de- o não-agravamento da mesma comparado ao exame
vem ser consideradas arritmias de potencial risco ele- controle, a participação em todos os esportes competi-
vado para o atleta que participa de esportes competiti- tivos está autorizada.
vos. Os atletas devem ser submetidos a avaliação não- 4. O desejo do atleta em participar de esporte competi-
invasiva, que inclui Holter de 24 horas e teste ergomé- tivo não deve representar indicação primária ao cardio-
trico. Ecocardiografia, cateterismo cardíaco e até estu- versor-desfibrilador (CDI) automático. A eficácia com que
do eletrofisiológico estão indicados para se avaliar a pre- essas próteses irão interromper as crises de taquicar-
sença de cardiopatia e estabelecer o tipo, os mecanis- dia potencialmente letais sob condições relacionadas
mos e a localização dos focos de taquicardia ventricu- ao esporte intenso, como alterações metabólicas e au-
lar. Os atletas de risco são aqueles portadores de car- tonômicas, além de provável isquemia, não foi ainda
diopatias como cardiomiopatia hipertrófica, displasia ar- estabelecida. Além disso, esportes com contato físico
ritmogênica de ventrículo direito, miocardites e cardio- podem resultar em dano ao gerador, impedindo sua fun-
miopatia dilatada. ção normal. Para atletas com cardioversor-desfibrilador
Conduta para o atleta com taquicardia ventricular(1): automático, todos os esportes de moderada a elevada
1. Atletas com coração estruturalmente normal e taqui- intensidade estão contra-indicados. Esportes do tipo
cardia ventricular monomórfica sustentada ou não-sus- classe IA estão liberados.
tentada, que pode ser localizada em uma região espe- Conduta para o atleta com “flutter” e fibrilação ventricular(1):
cífica do coração, são candidatos a ablação com cate- 1. Atletas com condição que resulta em parada cardía-
ter, que pode potencialmente levar à cura. Após a abla- ca na presença ou na ausência de cardiopatia estrutu-
ção bem-sucedida, na ausência de indução da taqui- ral geralmente são tratados com cardioversor-desfibri-
cardia durante o estudo eletrofisiológico, com ou sem lador automático e não podem participar de qualquer
isoproterenol, quando a taquicardia era reprodutivelmen- tipo de esporte moderado ou com intensa atividade com-
te induzida antes da ablação, o atleta pode retomar sua petitiva. Entretanto, os atletas com cardioversor-desfi-
atividade esportiva competitiva em duas a quatro se- brilador automático que não tiveram episódios de “flut-
manas. Conduta mais conservadora é recomendada aos ter” ou fibrilação ventricular com deflagrações do gera-
atletas que preferem a supressão das arritmias com dor nos últimos seis meses podem se engajar em es-
fármacos, pois nesses casos as catecolaminas podem portes classe IA. As recomendações da seção de ta-
reverter o efeito do medicamento, fazendo ressurgir a quicardia ventricular também se aplicam.
taquicardia. Nessa situação, o atleta não deve partici-
par de nenhum esporte competitivo por pelo menos dois O ATLETA COM ARRITMIAS VENTRICULARES
a quatro meses após o último episódio de taquicardia CAUSADAS POR SÍNDROMES GENÉTICAS
ventricular. Se não houver recorrências nesse período,
se a taquicardia ventricular não for reproduzida ao exer- Taquicardia ventricular polimórfica
cício ou teste ergométrico ou estudo eletrofisiológico, e catecolaminérgica
se o atleta não for portador de cardiopatia estrutural, Esta é uma forma muito rara de taquicardia ventri-
todos os esportes competitivos são permitidos. Pelo fato cular, que está relacionada com a prática de atividade
de o descondicionamento físico resultar em redução ou física. Cerca de 50% dos indivíduos com essa arritmia
abolição das arritmias ventriculares, está indicado um têm como origem alterações cromossômicas relaciona-

216 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
das com os canais iônicos nótipo positivo/fenótipo negativo, ou seja, o atleta as-
que liberam cálcio do retí- sintomático, sem taquicardia ventricular indutível.
culo sarcoplasmático. Os
MOREIRA DAR atletas são vulneráveis a Síndrome de Brugada
e cols. taquicardia ou fibrilação Síndrome genética rara que acomete preferencialmen-
Arritmias cardíacas ventricular desencadeada te homens, responsável por quadros de morte súbita no-
em atletas
pelo exercício físico.(1) turna de causa inexplicada. Caracteriza-se eletrocardio-
Conduta para o atleta graficamente por apresentar supradesnivelamento do
com taquicardia ventricular ponto J nas derivações V1 a V3, com elevação do seg-
polimórfica catecolaminérgi- mento ST freqüentemente seguida de ondas T negativas
ca(1): e uma onda R’(27). Apenas 15% a 20% dos casos de sín-
1. Pacientes sintomáticos drome de Brugada realmente são causados por doenças
têm prognóstico ruim, a menos que sejam tratados com de canal iônico por mutações do gene SCN5A, relaciona-
implante de cardioversor-desfibrilador automático; por das à síntese da subunidade alfa do canal que transporta
essa razão, têm atividade física competitiva restrita, íons sódio(28). A morte pode ocorrer secundariamente à
exceto nos casos em que exista o mínimo contato cor- atividade física leve ou durante o sono.
poral, em que são permitidos os esportes de classe IA. Conduta para o atleta com síndrome de Brugada:
Tal como ocorre na síndrome do intervalo QT longo tipo 1. Embora não haja associação clara entre exercício e
1, pacientes com essa forma de taquicardia não devem morte súbita, e também pelo impacto potencial que a
participar de esportes competitivos, como a natação. hipertermia pode ter em alguns casos, levando ao sur-
Pacientes assintomáticos que são identificados como gimento de taquicardia ventricular, os atletas devem
parte de uma avaliação familiar com taquicardia ventri- estar restritos à participação de esportes classe IA.
cular documentada ao esforço ou induzida pelo isopro- 2. A presença de cardioversor-desfibrilador automático
terenol devem evitar esportes competitivos, exceto os limita a participação dos atletas em esportes que não
de classe IA. Uma abordagem menos restritiva pode envolvam contato, podendo participar apenas de espor-
ser possível para o atleta que apresente a relação ge- tes classe IA.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 217
CARDIAC ARRHYTHMIAS IN THE ATHLETE
MOREIRA DAR
e cols. DALMO ANTONIO RIBEIRO MOREIRA, RICARDO GARBE HABIB,
Arritmias cardíacas
em atletas LUIZ ROBERTO DE MORAES, NABIL GHORAYEB, CARLOS ANÍBAL SIERRA REYES,
JÚLIO CESAR GIZZI

Cardiac arrhythmias are not more commom in athletes comparable to the general
population but are a frequent cause of concern. Most arrhythmias in athletes are
asymptomatic and are not associated with cardiac disease, being considered a be-
nign condition. In other cases however, some arrhythmias are associated with some
type of cardiopathy, are often symptomatic, and not considered benign most of the
time. Sinus bradycardia, first and second degree Mobitz type I AV block are common
and usually secondary to parasympathetic preponderance over the sinus node and
atrioventricular node and some type of remodeling due to intense and constant trai-
ning. More advanced degrees of atrioventricular block merit some attention because
they lead to low cerebral blood flow during sport activity that culminates with syncopal
spells. Pacemaker therapy has to be considered in symptomatic athletes with brady-
cardias due to AV block. Athletes with supraventricular tachycardias can be definitive-
ly treated with radiofrequency ablation and allowed to participate in competitive sports
after the cure. However, non-sustained or sustained monomorphic or polymorphic
ventricular tachycardia deserve attention because not uncommonly are associated
with some type of cardiac disease and can present with symptoms secondary to low
cardiac output. Idiopathic hypertrophic cardiomyopathy, arrhythmogenic right ventri-
cular dysplasia, myocardites, dilated cardiomyopathy are the most commom forms of
heart disease that can present with ventricular arrhythmias that are considered ma-
lignant most of the times. In these cases careful workup needs to be performed with
the purpose to release or not the athlete for the practice of sport and preserve his life.
Ventricular tachycardia not related to cardiac disease are not life threatening, have a
good prognosis and can be cured by radiofrequency catheter ablation. Those ventri-
cular tachycardias associated with genetic diseases have an ominous prognosis and
when detected in an athlete prompt his withdraw from competitions.

Key words: cardiac arrhythmia, sport, athlete, sudden cardiac death.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:204-19)


RSCESP (72594)-1530

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 219
ESPORTE NAS GRANDES ALTITUDES
SELLERA CAC e col.
Esporte nas CARLOS ALBERTO CYRILLO SELLERA, NABIL GHORAYEB
grandes altitudes

Serviço de Cardiologia — Santa Casa de Santos


Seção Médica de Cardiologia do Exercício e do Esporte —
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Rua Vahia de Abreu, 153 — ap. 82 A —


CEP 11050-120 — São Paulo — SP

No mundo inteiro, milhões de pessoas trabalham e vivem em regiões três mil


metros acima do nível do mar, o que os torna auto-suficientes por estarem natural-
mente adaptados. Indivíduos não aclimatados a essa altitude podem ser acometi-
dos de hipoxia, entre outros problemas decorrentes das altitudes elevadas, que pode
causar a morte mesmo quando a pessoa permanece inativa. As alterações fisiológi-
cas – mesmo de uma altitude média – ficam bastante evidentes durante a atividade
física. Essas alterações são resultado direto da menor PO2 ambiente, daí a necessi-
dade de aclimatação a altitudes elevadas, sendo o tempo necessário para adapta-
ção diretamente proporcional à altitude alcançada. Essa aclimatação é fundamental
para que o desempenho do indivíduo se normalize, e também para que não corra
risco de morte.

Palavras-chave: esporte e altitude, desempenho físico e altitude.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:220-25)


RSCESP (72594)-1531

FISIOLOGIA NAS GRANDES ALTITUDES Alguns efeitos são observados em grandes altitu-
des, tais como: diminuição do oxigênio alveolar às cus-
É de extrema importância a compreensão dos efei- tas da diluição do oxigênio com o vapor d’água e dióxi-
tos da altitude e das baixas pressões dos gases sobre do de carbono, diminuição da PO2 alveolar e queda da
a fisiologia humana. saturação da oxiemoglobina.
Ao nível do mar, a pressão barométrica é de 760 Como mecanismo de aclimatação do sistema circu-
mmHg; a 3.000 metros de altitude, a pressão cai para latório, o débito cardíaco aumenta em 30% imediata-
523 mmHg; e a 6.800 metros, é de 330 mmHg (altitude mente após uma pessoa ascender a uma altitude ele-
na qual comunidades nos Andes peruanos vivem e tra- vada, até que o hematócrito aumente, de modo que a
balham em “minas”). quantidade de oxigênio a ser transportado para os te-
Essa diminuição da pressão barométrica é a causa cidos volte ao normal.
básica de todos os problemas de hipoxia na fisiologia Outro mecanismo de adaptação circulatória é o au-
das grandes altitudes, pois à medida que a pressão mento do número de capilares nos tecidos, determi-
barométrica cai, a pressão parcial de oxigênio cai pro- nando “capilaridade aumentada”(1, 2).
porcionalmente. Nos tecidos ativos expostos a hipoxia crônica, o au-
Nessas situações, o organismo pode sofrer efeitos mento da capilaridade é mais acentuado. Por exemplo,
agudos importantes da hipoxia, tais como sonolência, a densidade capilar no músculo cardíaco do ventrículo
prostração, fadiga tanto mental como muscular, even- direito aumenta muito em função da hipoxia e do ex-
tualmente cefaléia e náuseas, e ocasionalmente eufo- cesso da carga de trabalho sobre esse músculo, de-
ria. correntes da hipertensão pulmonar em grandes altitu-

220 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
des. Essa hipertensão pul- Tanto o sistema renina-angiotensina-aldosterona
monar é causada pela bai- como a vasopressina podem ser causadores de reten-
xa concentração de oxigê- ção de líquido. O exercício é um potente estímulo para
SELLERA CAC e col. nio alveolar(3). secreção de renina e aldosterona, embora a vasopres-
Esporte nas Além de depressão sina deva estar elevada em indivíduos que já tenham
grandes altitudes mental, a hipoxia também edema pulmonar em grandes altitudes. Em estudo re-
acarreta diminuição da ca- cente, foi demonstrado que aqueles indivíduos que de-
pacidade de trabalho de senvolvem relativa hipotensão têm elevada concentra-
todos os músculos. Isso ção de vasopressina sérica. Edema periférico e fluido
inclui tanto os músculos extravascular aumentado têm sido demonstrados du-
esqueléticos como o mús- rante o exercício ao nível do mar(7, 8).
culo cardíaco, com conse-
qüente diminuição do nível máximo do débito cardía- TREINAMENTO E EXERCÍCIOS NAS
co. GRANDES ALTITUDES
A hipoxia é um potente vasoconstritor pulmonar, re-
sultando em aumento da resistência vascular pulmo- O estresse presente na grande altitude impõe res-
nar e aumento do trabalho cardíaco, com conseqüente trições importantes à capacidade de trabalho e à fun-
aumento do fluxo sanguíneo pulmonar. Tal mecanismo ção fisiológica. Mesmo em altitudes menores os ajus-
leva à hiperperfusão do leito capilar pulmonar; caso o tes orgânicos não compensam plenamente a menor
excesso de líquido não seja absorvido pelos vasos lin- pressão de oxigênio, e tanto a função fisiológica como
fáticos, o quadro evolui para edema pulmonar das alti- o desempenho físico ficam comprometidos. Certos pa-
tudes elevadas. Nessa situação, o edema intersticial râmetros circulatórios, especialmente o volume de eje-
precede o edema alveolar franco. O líquido é seme- ção sistólica e a freqüência cardíaca máxima, são alte-
lhante ao plasma e o edema pulmonar das altitudes rados, no sentido de contribuir para a menor capacida-
elevadas é considerado edema de alta pressão, com de de transporte do oxigênio.
aumento da permeabilidade microvascular.
Angiotensina II, catecolaminas, histaminas, prosta- CAPACIDADE AERÓBIA MÁXIMA
glandinas e mesmo o efeito direto da PO2 nos vasos
pulmonares são considerados prováveis mediadores A capacidade aeróbia mostra redução progressiva
da resposta vasoconstritora da hipoxia(1, 4). e bastante linear com os aumentos da altitude. Em ge-
O fluxo sanguíneo cerebral, que é reduzido pela hipo- ral, pode-se esperar redução de 1,5% a 3,5% no VO2
capnia e aumentado pela hipoxia, varia, conseqüentemen- máximo para cada 305 metros acima de 1.524 metros
te, com o equilíbrio entre CO2 e O2 arteriais. No edema de altitude. Aos 6.248 metros, o VO2 máximo corres-
cerebral da altitude elevada, a pressão do líquido cefalor- ponde aproximadamente à metade do valor ao nível
raquidiano pode estar elevada, mas sua composição é do mar, enquanto a potência aeróbia máxima de um
normal. homem relativamente apto no cume do Monte Everest
Uma recente revisão(5) sugere que variações da circu- seria de aproximadamente 1.000 ml de oxigênio/minu-
lação cerebral com possível perda de sua auto-regula- to. Esse valor corresponde a um ritmo de trabalho de
ção podem aumentar o edema cerebral em grandes alti- apenas 300 kg/minuto, aproximadamente, em bicicleta
tudes. ergométrica.
Êmbolos de fibrina e plaquetas e tromboses venosas O grau de condicionamento físico antes da exposi-
ocorrem com freqüência em vasos cerebrais, pulmona- ção à altitude oferece pouca proteção, pois a redução
res e periféricos. O estiramento das arteríolas pulmona- porcentual do VO2 máximo é igual em indivíduos tanto
res libera substâncias biologicamente ativas (ácidos ara- treinados como destreinados. Contudo, para os indiví-
quidônicos, prostaglandinas, tromboxanos), que podem duos bem condicionados, determinada tarefa de traba-
provocar rupturas nos capilares distendidos, causando lho na altitude impõe estresse relativamente menor, pois
escarro hemoptóico e, às vezes, hemólise franca(6). pode ser realizada com porcentual mais baixo de ca-
As glândulas endócrinas são normais, embora sua pacidade aeróbia da pessoa treinada.
função freqüentemente fique alterada.
O aumento da concentração de hemoglobina após FATORES CIRCULATÓRIOS
exposição aguda a altitudes tem sido justificada pela
transferência de líquido do compartimento intravascu- Após vários meses de aclimatação, a potência ae-
lar para o extravascular. Essas mudanças do fluxo im- róbia máxima disponível ainda continua abaixo dos
plicam o desenvolvimento de edema pulmonar e de valores ao nível do mar. Isso ocorre porque os benefí-
edema cerebral das altitudes elevadas. cios da aclimatação são neutralizados pela redução da

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 221
eficiência circulatória no mais reduzidas de carga que ao nível do mar. Numa
exercício moderado e ex- determinada intensidade de carga, o nível de lactato
tenuante. manifesta-se mais elevado, enquanto a concentração
SELLERA CAC e col. máxima alcançável é mais ou menos a mesma que a
Esporte nas Exercício submáximo obtida ao nível do mar(10).
grandes altitudes A resposta imediata à
altitude consiste no au- TREINAMENTO NA ALTITUDE vs.
mento do débito cardíaco TREINAMENTO AO NÍVEL DO MAR
submáximo, porém o dé-
bito cardíaco do exercício Entre alguns trabalhos na área, destacam-se os de
nos dias e semanas sub- De Kolias e de Buskirk, em que foram investigados 6
seqüentes de aclimatação atletas universitários para determinar qual dos treina-
sofre redução e não melhora com a exposição mais mentos seria mais eficiente. Foram treinados, ao nível
prolongada à altitude. Isso se deve principalmente à do mar, 6 corredores de meia-distância altamente con-
redução do volume sistólico de ejeção, à medida que a dicionados, por três semanas, com 75% do VO2 máxi-
permanência na altitude progride. mo para esse nível, enquanto outro grupo de 6 corre-
dores percorria distância equivalente com o mesmo por-
Exercício máximo centual de VO2 máximo numa altitude de 2.300 metros.
Redução do débito cardíaco máximo também ocor- A seguir, os grupos trocavam os locais de treinamento
re após cerca de uma semana em altitudes acima de e continuavam treinando por outras três semanas, com
3.048 metros. Essa redução do fluxo sanguíneo duran- intensidade semelhante àquela do grupo precedente.
te o exercício máximo (explosivo), que persiste duran- Inicialmente, os tempos para a corrida de duas milhas
te toda a permanência na altitude, em geral representa eram 7,2% piores na altitude que ao nível do mar, me-
o efeito combinado da diminuição da freqüência cardí- lhorando cerca de 2% para ambos os grupos após o
aca máxima e do volume de ejeção sistólica. O menor treinamento na altitude, porém o desempenho pós-al-
volume de ejeção sistólica pode resultar de redução titude ao nível do mar não se modificava, quando com-
do volume tanto plasmático como sanguíneo e do au- parado com as corridas pré-altitude ao nível do mar.
mento da resistência periférica total(9). Os autores concluíram, ao final da investigação, que,
para esses corredores de meia-distância bem condici-
FATORES LIMITANTES DE DESEMPENHO onados, não havia qualquer efeito sinérgico do treina-
EM GRANDES ALTITUDES mento aeróbio árduo numa altitude média sobre o trei-
namento com intensidade equivalente ao nível do mar.
Com a altitude crescente, a absorção máxima de
oxigênio exprimindo a capacidade de desempenho ae- ACLIMATAÇÃO A GRANDES ALTITUDES
róbio decresce. Simultaneamente ocorre o aumento dos
níveis de lactato sanguíneo, até mesmo em escalas Na Tabela 1 estão apresentados os principais da-

Tabela 1. Aclimatação a grandes altitudes.

Resposta Mecanismo Tempo

Ventilação Estimulação por hipoxia Imediata e


progressiva
Troca de gases Melhor competição da ventilação Imediata
no pulmão e da perfusão para otimizar o
transporte do oxigênio do ar
para o sangue
Sangue Aumento das hemácias para De dias a semanas
aumentar a capacidade de
transporte de oxigênio
Alteração na curva de dissociação
oxigênio-hemoglobina
Tecidos Aumento da densidade capilar Provavelmente semanas
Aumento da densidade mitocondrial

222 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
dos referentes à aclimata- auto-regulação normal(16). Nesse caso, também, pes-
ção a grandes altitudes(11). soas com PCO2 mais alto sofrem mais, embora sob
condições de hipoxia muito acentuada o fluxo sanguí-
SELLERA CAC e col. DOENÇA AGUDA neo cerebral aumente, independentemente da PCO2.
Esporte nas DA MONTANHA E Têm sido demonstrados aumentos do fluxo sanguíneo
grandes altitudes EDEMAS DAS da retina e, por dedução, também cerebral, em exposi-
GRANDES ALTITUDES ções agudas a grandes altitudes. Exercício e frio pro-
movem elevações súbitas da pressão arterial sistêmi-
Como conseqüência ca, contribuindo para o edema cerebral; essa elevação
do desenvolvimento de hi- é mais marcante nos exercícios isométricos que nos
poxia, particularmente nos dinâmicos. O sono também piora o edema cerebral,
indivíduos predispostos, pelo aumento da hipoxia. De fato, o distúrbio do sono é
não ocorre adaptação fisiológica normal, havendo o o sintoma mais freqüente na doença aguda das mon-
aparecimento de síndromes clínicas, conhecidas como tanhas. Os sintomas, especialmente a cefaléia, são pi-
“doenças das altitudes elevadas”, que são: doença ores ao levantar pela manhã, e resultam possivelmen-
aguda das montanhas, edema cerebral das altitudes te do aumento da hipoxia e/ou da PCO2 durante o sono.
elevadas, hemorragia retiniana das altitudes elevadas, Um mecanismo ainda inexplorado relacionado à for-
edema pulmonar das altitudes elevadas e edemas ge- mação do edema cerebral das altitudes é o provável
neralizados. aumento dos níveis de bradicinina na circulação, que
pode, por sua vez, aumentar a permeabilidade capilar
FISIOPATOLOGIA E SINAIS CLÍNICOS e, assim, a troca de fluidos e proteínas.

Doença aguda das montanhas Hemorragia retiniana das altitudes elevadas


O desenvolvimento de hipoxia e a intensidade do É assintomática e só observada ao exame fundos-
exercício são fatores patogênicos importantes(12). Os cópico da retina; reversível, pode ser absorvida mes-
sintomas são, em ordem decrescente de freqüência: mo enquanto o indivíduo permanece na altitude.
cefaléia, insônia, anorexia, náuseas, vômitos, ataxia e Ocorre em mais de 56% dos indivíduos que sobem
distúrbios de consciência. Caso os sintomas da doen- acima de 17 mil pés. Pode ser precipitada pelo exercí-
ça aguda das montanhas fiquem mais graves e o esta- cio e seu mecanismo é similar ao dos mecanismos de
do de consciência se deteriore, ocorre desorientação formação de edema em outros leitos vasculares, isto
e ataxia, além de piora da visão, da fala e da audição, é, vasodilatação com aumento do fluxo e pressão san-
condição clínica conhecida como “edema cerebral das guínea(17).
altitudes elevadas”(13).
Os sintomas da doença aguda das montanhas, pro- Edema pulmonar das altitudes elevadas
vavelmente, têm origem “vascular”, similar à enxaque- Tem início entre 6 e 96 horas após a chegada à
ca, com vasodilatação dos vasos cerebrais e extrace- altitude, com aparecimento de tosse, sem expectora-
rebrais(5). Estudos sugerem que a doença aguda das ção ou dispnéia. Se o edema pulmonar piorar, a tosse
montanhas é pior naqueles com altos níveis de PCO2 é acompanhada de expectoração e piora acentuada
ao chegar na altitude; portanto, deve-se supor que te- da respiração; o indivíduo torna-se cianótico e pode
nham mais fluxo sanguíneo cerebral(14, 15). Os sintomas haver expectoração espumosa sanguinolenta (rósea)(14).
se acentuam com o exercício físico, principalmente o A seqüência de aparecimento do edema pulmonar
isométrico, que aumenta a pressão sanguínea. Como das altitudes elevadas é similar à do edema cerebral
os sintomas se acentuam pela hipoxia e a hipoxia no- das altitudes elevadas e da doença aguda das monta-
turna é mais profunda em grandes altitudes, eles são nhas. A hipoxia – como já foi citado – é um potente
mais intensos à noite ou no início da manhã. Assim, vasoconstritor pulmonar; portanto, todo indivíduo ex-
com a combinação de hipoxia e hipercapnia relativa, a posto a grandes altitudes desenvolverá algum grau de
dilatação dos vasos sanguíneos cerebrais será máxi- hipertensão pulmonar, que também é acentuada pelo
ma, aumentando a pressão sanguínea e resultando na exercício(18).
cefaléia da doença aguda das montanhas.
Edema generalizado ou gravitacional
Edema cerebral das altitudes elevadas Aparece em certo número de pessoas nas grandes
Pode ser uma extensão da doença aguda das mon- altitudes, normalmente sem grande importância. Além
tanhas. O edema cerebral decorre de filtração aumen- do desconforto, não há outros sintomas concomitan-
tada, pelo alto fluxo e pressão na microcirculação ce- tes.
rebral, que perdeu sua resposta vasoconstritora como Cada um dos quadros mencionados parece estar

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 223
relacionado ao excesso de tantemente, de inflamação, hemorragia e trombose.
líquido nos compartimen-
tos extravasculares. ASPECTOS SUBCLÍNICOS
SELLERA CAC e col. O edema não é o úni-
Esporte nas co achado patológico en- Embora a doença aguda das montanhas seja a mais
grandes altitudes contrado, pois nos distúr- comum síndrome clínica associada com exposição a
bios circulatórios do cére- grandes altitudes, há evidências de que o edema pul-
bro e pulmão é freqüente monar, se bem que subclínico, seja mais comum do
o aparecimento, concomi- que se sabia anteriormente.

HIGH-ALTITUDE SPORTS

CARLOS ALBERTO CYRILLO SELLERA, NABIL GHORAYEB

Millions of people all over the world work and live in places higher than 3,000 m
over sea level. The reason of this capability is because they are naturally acclimati-
zed. Unacclimatized persons at this altitude can be affected by hypoxia, among others
high-altitude illness, and even death. It may happens under activity or not. The phy-
siological changes are quite evident during physical activities; these changes are
the direct result of lower environment PO2, and the necessary period of time to accli-
matize is proportional to the altitude reached. To be acclimatized is very important,
either for physical performance or safety.

Key words: sports and altitude, physical performance and altitude.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:220-25)


RSCESP (72594)-1531

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 225
IMPACTO DO “JET LAG” NO DESEMPENHO ATLÉTICO
MASCENA GV e col.
Impacto do “jet lag” no
desempenho atlético GUILHERME VERAS MASCENA, NABIL GHORAYEB, GIUSEPPE S. DIOGUARDI,
CLÉBER DE MESQUITA ANDRADE

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera –


CEP 04012-180 – São Paulo – SP

“Jet lag” é o termo utilizado para descrever as conseqüências físicas e mentais


da rápida travessia das zonas de tempo (fusos horários). Além do impacto no de-
sempenho físico e mental pelos sintomas do “jet lag”, os atletas profissionais são
expostos também às conseqüências negativas do desvio circadiano do próprio de-
sempenho atlético. Este artigo propõe-se a fazer uma revisão sobre os sintomas do
“jet lag” e uma análise crítica sobre as abordagens propostas para aliviar seus sinto-
mas.

Palavras-chave: “jet lag”, esportes, desempenho atlético, cronobiologia, ritmos cir-


cadianos.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:226-30)


RSCESP (72594)-1532

INTRODUÇÃO Os núcleos supraquiasmáticos do hipotálamo ante-


rior em mamíferos constituem o exemplo mais divulga-
A cronobiologia é a ciência que investiga as altera- do de relógios que controlam a ritmicidade circadiana
ções tempo-dependentes das variáveis fisiológicas. Pra- (ritmos da ordem de grandeza do dia de 24 horas) (Fig.
ticamente todas as células, tecidos e órgãos apresen- 1).(2)
tam tais variações, que, em geral, se repetem no perí- O ambiente externo, especialmente o ciclo noite e
odo de 24 horas. São os chamados ritmos circadianos dia, influencia os relógios biológicos, que, por sua vez,
(do latim “circa diem”). Alguns exemplos clássicos des- modulam as diversas atividades fisiológicas. Dentre
sas variações rítmicas são a temperatura central e o essas atividades a secreção de melatonina, substân-
ciclo vigília/sono, além de outros como pressão san- cia cronobiológica por excelência, pela glândula pineal
guínea, níveis de flutuações hormonais, freqüência merece menção especial. Ela é normalmente secreta-
cardíaca e resistência à dor. da à noite e serve para transmitir a informação noite/
As demonstrações de que o ciclo vigília/sono per- dia ao organismo, tendo também possível efeito hipnó-
siste em condições de isolamento temporal (pessoas tico. Além da melatonina, outros fatores podem ser con-
mantidas em cavernas continuam dormindo e acordan- siderados “moduladores cronotrópicos”, ou “Zeitge-
do com uma periodicidade de aproximadamente 25 bers”, como a composição dos alimentos, a atividade
horas), nas mais diversas espécies, sugerem a exis- física, a temperatura ambiente, a exposição à luz e,
tência de “relógios biológicos”, ou seja, mecanismos até mesmo, as interações sociais. Todos esses modu-
capazes de gerar ciclos independentemente da pre- ladores influenciam das mais variadas formas nossos
sença de estímulos ambientais. Relógios são os me- relógios biológicos, sendo o principal deles o núcleo
canismos geradores de ciclos e seu produto final são supraquiasmático já citado.
os ritmos biológicos.(1) Nem todas as pessoas têm seus relógios biológi-

226 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
MASCENA GV e col.
Impacto do “jet lag” no
desempenho atlético

Núcleo
Hipotálamo Supraquiasmático

Quiasma Óptico

Hipófise

Figura 1. Localização do núcleo supraquiasmático.

cos ajustados. Comumente reconhecemos pessoas apresentam “mascarados” pelos efeitos negativos do
com dificuldade de concentração pela manhã e que pre- estresse e da viagem em si.
ferem trabalhar à noite. Também reconhecemos aque- Há muito sabemos que viagens em sentido Oeste
les que acordam cedo e dormem cedo. A esses perfis são seguidas de recuperação mais rápida que viagens
cronobiológicos nomeamos cronotipos. Alguns pesqui- em sentido Leste.(4) Quando nos movemos para regiões
sadores avaliaram os dois principais cronotipos (diur- com horários “atrasados” em relação ao nosso (como
no e noturno) e estimaram uma diferença de 65 minu- do litoral brasileiro para o litoral do Chile – sentido Oes-
tos nos picos de temperatura corporal e de alguns hor- te) há maior facilidade para ajustar o relógio biológico,
mônios, o que justificaria seus distintos comportamen- comparativamente a viagens para regiões com horári-
tos ao longo do dia.(3) os “adiantados” (do litoral chileno para o litoral do Bra-
sil – sentido Leste) (Fig. 2).
O “JET LAG” E O ESPORTE Em interessante artigo, publicado em 1974,(5) os au-
tores calcularam o tempo necessário para ressincroni-
“Jet lag” define-se como a dessincronização do ritmo zação numa viagem entre os Estados Unidos e a Ale-
circadiano induzida pela rápida travessia de várias zonas manha e também no sentido contrário. Quando a via-
de tempo (fusos horários). Quando a viagem é feita ao gem ocorre dos Estados Unidos para a Alemanha (sen-
longo de dias, como, por exemplo, de navio ou de auto- tido Leste), são necessários 8 dias para a completa
móvel, o organismo tem tempo de se adaptar, ajustando ressincronização (ou, digamos, desaparecimento de
seu “relógio biológico” com o novo ambiente. À medida todos os sintomas do “jet lag”). Quando a viagem parte
que os meios de transporte (especialmente o aéreo) se da Alemanha para os Estados Unidos (sentido Oeste),
tornaram mais velozes, capazes de cruzar fusos horários são necessários apenas 3 dias para ressincronizar
mais rapidamente, o “jet lag” se tornou evidente. novamente o relógio biológico.(5) Como regra geral, di-
As competições internacionais tornaram o “jet lag” zemos que para cada fuso horário atravessado neces-
problemático e ao mesmo tempo alvo de inúmeras pes- sitamos de 1 dia para dessincronização. Há, porém,
quisas ao redor do mundo. grande variabilidade entre os diferentes indivíduos.
Os sintomas subjetivos usualmente associados ao Algumas variáveis fisiológicas ligadas ao desempe-
“jet lag” incluem desordens do sono, dificuldade de con- nho atlético demonstram claro padrão de variação cir-
centração, irritabilidade, depressão, noção distorcida cadiana. Dentre elas destacam-se: produção de lacta-
de tempo, espaço e distância, perda do apetite e dis- to, rigidez tendinosa, tempo de reação, força de flexão
túrbios gastrointestinais. e extensão, e percepção da dor. Vários estudos de-
Muitas vezes é difícil caracterizar os sintomas rela- monstram que a soma de todas essas variáveis pode
cionados ao “jet lag”, uma vez que esse sintomas se traduzir a própria variação rítmica do desempenho es-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 227
portivo, que, em geral, al- faixas de tempo (fusos horários) durante a temporada.
cança seu melhor momen- Os autores concluíram, após análise multivariada, que
to entre o fim da tarde e o os efeitos do “jet lag” representavam importante dife-
MASCENA GV e col. início da noite.(6) Logica- rencial negativo no rendimento dos times que viajavam
Impacto do “jet lag” no mente é preciso individu- para a costa Leste, comparativamente aos times que
desempenho atlético alizar o cronotipo de cada viajavam para a costa Oeste.(8)
atleta, bem como o tipo de
esporte. A seleção do me- ESTRATÉGIAS PARA MINIMIZAR O “JET LAG”
lhor momento circadiano
pode resultar em melhora Didaticamente o manuseio da síndrome de dessin-

Figura 2. Fusos horários (observar os horários “atrasados” a Oeste e “adiantados” a Leste).

de até 10% do desempenho atlético. Pode parecer pou- cronização cronobiológica (ou simplesmente “jet lag”)
co, mas esse porcentual é a perda de rendimento re- pode ser dividido em medidas não-farmacológicas e
presentada pelo consumo de álcool ou da privação do farmacológicas. As medidas não-farmacológicas devem
sono num atleta.(7) ser amplamente empregadas, uma vez que não repre-
A dessincronização circadiana causada pelo “jet lag” sentam qualquer risco para o atleta e são facilmente
há muito tempo é alvo de estudo e sucessivas pesqui- aplicadas. As medidas farmacológicas, por sua vez, me-
sas, com o objetivo claro de amenizar ao máximo esse recem nosso debate, mas ainda são alvo de pesquisas
fenômeno e evitar prejuízos em competições que já se e não encontram indicação unânime entre os especia-
encontram num estágio elevado de profissionalismo. Em listas.
clássico artigo, publicado em 1995,(8) os autores anali- Veremos, adiante, que a atuação básica de todas
saram três temporadas da liga americana de beisebol, as medidas que visam a minimizar o “jet lag” é “ajustar”
separando os times da costa Oeste e da costa Leste o relógio biológico o mais depressa possível para o ho-
dos Estados Unidos. Pelas dimensões continentais rário ambiente. Em outros palavras, essas medidas atu-
desse país, os times americanos atravessam várias am como verdadeiros moduladores cronotrópicos.

228 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
Medidas não- de alguns ritmos biológicos. A fototerapia, no en-
farmacológicas tanto, aguarda melhor respaldo científico e mesmo
Adaptação cronotrópica melhor conhecimento posológico para ser recomen-
MASCENA GV e col. – Medida fundamental e dada.(11-14)
Impacto do “jet lag” no razoavelmente eficaz, que
desempenho atlético consiste em tentar dormir Medidas farmacológicas
e praticar suas atividades Melatonina
rotineiras, visando ao ho- – Nenhum tipo de abordagem no manuseio do “jet lag”
rário do destino de sua vi- mereceu mais estudos, defensores e opositores que
agem. Como regra geral, a administração de melatonina. Há muito tempo ela
devemos iniciar essa pré- é conhecida como o “hormônio” secretado pela glân-
adaptação tantos dias an- dula pineal no período noturno. A melatonina traz
tes da viagem quantos forem os fusos horários atra- ao organismo, especialmente ao núcleo supraqui-
vessados. Ou seja, se um atleta viajar do Brasil para a asmático, a informação de que já é noite, e, com
Itália (diferença de 4 fusos-fase adiantada) ele deve inici- isso, momento de reduzir a atividade física, todo o
ar sua pré-adaptação 4 dias antes da viagem.(4, 9, 10) metabolismo, em resumo, hora de dormir. O desvio
Alimentação de fase provocado pela administração exógena de
– Como anteriormente citado, os alimentos são perfei- melatonina ocorre da seguinte forma: sua adminis-
tos “moduladores cronotrópicos”. Sabemos que ali- tração pela manhã promove atraso na fase (o orga-
mentos ricos em carboidratos e pobres em proteí- nismo entende que ainda é noite). Administrada à
nas promovem a conversão de triptofano em sero- noite, tem a propriedade de adiantar a fase de nos-
tonina, que induz o sono no sistema nervoso cen- so relógio biológico. Dessa forma, se a viagem pro-
tral. Já alimentos ricos em proteínas e pobres em gramada for para um lugar com o fuso “adiantado”
carboidratos promovem o aumento da captação de (sentido Leste), a melatonina deve ser administra-
tirosina e conseqüente conversão em adrenalina, da à noite, 3 a 5 dias antes da viagem, na dose de 5
que, sabidamente, facilita o despertar. Dessa for- mg por dia (dose da maioria dos trabalhos). Caso
ma, devemos utilizar a dieta de forma a induzir o contrário, numa viagem a Oeste (fase retardada), a
sono ou o despertar, conforme o fuso horário de melatonina deve ser administrada na mesma dose
destino. pela manhã.
Cuidados durante o vôo Em recente artigo de revisão, foram analisados
– O translado é um momento de crucial importância e 10 estudos comparando melatonina com placebo
devemos ter os seguintes cuidados: para viajantes de longa distância (num deles com-
a) Deve-se evitar o consumo de bebidas alcoólicas, parou-se melatonina com zolpidem). Na maioria
pelas suas propriedades diuréticas e efeitos negativos dos trabalhos (8 dos 10) houve clara redução dos
para o sono. sintomas relacionados ao “jet lag”, embora sejam
b) Os atletas devem ser encorajados a dar pequenos trabalhos metodologicamente distintos. Em ne-
passos na cabine e exercícios de alongamento são nhum desses trabalhos foram avaliados atletas de
sempre recomendados. alto desempenho. (14-18)
c) O atleta deve se esforçar para dormir, tendo em
mente o horário de destino. CONCLUSÃO
d) Aumentar a ingesta de água (a cabine despressuri-
zada pode acelerar a desidratação, que, por sua vez, A crescente profissionalização dos atletas e a com-
contribui para todos os sintomas do “jet lag”).(4, 10) pleta globalização do esporte trouxeram alguns novos
Fototerapia problemas para a medicina esportiva. A síndrome de
– Há muito tempo sabemos que a luz branca pode in- dessincronização cronobiológica (ou simplesmente “jet
terferir diretamente nos relógios biológicos, em es- lag”) traz impactos negativos que podem comprometer
pecial no núcleo supraquiasmático. A idéia de apli- um longo trabalho no preparo de um profissional. Estu-
car luz branca para “modular” o “horário interno” do dar de maneira mais aprofundada esse tema, em es-
organismo encontra embasamento teórico. A expo- pecial a aplicação da fototerapia e da melatonina, pode
sição a essa luz, com duração, intensidade e mo- ser o caminho para abolir ou pelo menos atenuar o pre-
mento apropriados, pode adiantar ou retardar a fase juízo no desempenho desses atletas.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 229
THE IMPACT OF JET LAG ON ATHLETIC
MASCENA GV e col. PERFORMANCE
Impacto do “jet lag” no
desempenho atlético

GUILHERME VERAS MASCENA, NABIL GHORAYEB, GIUSEPPE S. DIOGUARDI,


CLÉBER DE MESQUITA ANDRADE

Jet lag is a common name that refers to the detrimental physical and mental
consequences of flying across time zones. Apart from the decrements in mental and
physical performance directly consequent on such symptoms, competitive athletes
are also exposed to the additional negative consequences of a shift from the optimal
circadian window of performance. The present report reviews current data concer-
ning the symptoms of jet lag, the approaches proposed for the alleviation of jet lag
and the effectiveness of these strategies.

Key words: jet lag, sports, athletic performance, chronobiology, circadian rhythms.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:226-30)


RSCESP (72594)-1532

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230 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
DROGAS LÍCITAS E ILÍCITAS NAS ACADEMIAS
BAPTISTA CA e cols. E NO ESPORTE
Drogas lícitas e
ilícitas nas
academias e
no esporte CLÁUDIO A. BAPTISTA, ELVIRA R. RODRIGUES, SAMIR DAHER,
GIUSEPPE DIOGUARDI, NABIL GHORAYEB

Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa — São Paulo

Endereço para correspondência: Rua Borges Lagoa, 1231 — cj. 94 —


Vila Clementino — CEP 04038-033 — São Paulo — SP

O uso do “doping” vem se tornando cada vez mais freqüente no âmbito esportivo
em atletas competitivos de elite. Torna-se muito importante na medida em que pas-
sa a invadir os hábitos de nossos jovens adolescentes, com sérios riscos para sua
saúde, acarretando danos por vezes irreversíveis, e complicações sérias e até fa-
tais. É tarefa difícil no mundo da Ciência do Esporte, por meio de atividades médicas
e multidisciplinares naturais e fisiológicas, a preparação de um atleta olímpico, po-
rém é o que devemos sempre perseguir. Difícil também é a tarefa preventiva e nota-
damente educacional de nossos jovens. O presente artigo tem como objetivo infor-
mar aos médicos e a outros profissionais sobre os riscos de sua utilização, bem
como levantar, por meio de pesquisa nas esferas nacional e internacional, dados de
literatura que comprovam e amplamente justificam tal preocupação, incluindo dados
estatísticos já documentados por especialistas da área. O “doping” caracteriza-se,
hoje, como grave problema de saúde pública.

Palavras-chave: “doping”, controle do “doping”, efeitos clínicos, prevenção.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:231-41)


RSCESP (72594)-1533

INTRODUÇÃO a seu controle(1). A história já o demonstrava presente


com os chineses, por volta de 1700 a.C., com a efedra,
“Competir é mais importante que vencer.” e com os gregos, nos Jogos Olímpicos da Antiguidade,
Pierre de Cubertain por volta de 800 a.C., com ervas e fungos. Nos Jogos
Olímpicos da Idade Moderna, em 1986, somente efe-
A conquista pessoal é um fato histórico e inerente drina, cocaína e estricnina eram utilizadas como “do-
ao ser humano. Na área esportiva competitiva, assu- ping” e exclusivamente por ciclistas. Na 2ª Guerra Mun-
me, por vezes, aspectos perigosos, pois seu não do- dial, pilotos utilizavam anfetamina e especialistas ame-
mínio para conseguir o objetivo da vitória nos transpor- ricanos usavam anabólicos como medicação para a
ta para a execução de atos incompatíveis com as re- recuperação do sistema muscular de soldados prisio-
gras do desporto. Infringem-se as leis desportivas e, neiros. Os Jogos Olímpicos se sucederam e tiveram
nesse patamar, situa-se o “doping”. São cada vez mais infelizmente conotações políticas em Berlim (1936) e
freqüentes os casos de “doping” no mundo, principal- em Londres (1948), quando a vitória era “importante”,
mente no esporte de elite envolvendo atletas. Esse fato principalmente para representar raças e modelos polí-
adquiriu tanta relevância que a Agência Mundial Anti- ticos. Em 1967, o Comitê Olímpico Internacional (COI)
doping (AMA) publica, anualmente, relatórios relativos criou a primeira Comissão Médica do COI, presidida

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 231
pelo Príncipe Alexandre plasma e transfusão de sangue. Recentemente intro-
Merode e composta por duziu-se o termo “e substâncias relacionadas” ao final
especialistas em medicina da lista em cada classe de substâncias proibidas, com
BAPTISTA CA e cols. do esporte e toxicologis- a finalidade de também serem consideradas proibidas,
Drogas lícitas e tas. Conforme informado mesmo se não constarem da listagem nominal. Essa
ilícitas nas por De Rose e colabora- listagem é renovada a cada início de ano, em janeiro. A
academias e
no esporte
dores(2), o controle do “do- seguir serão abordadas as classes de substâncias proi-
ping” passou por diversas bidas, suas ações farmacológicas e conseqüências clí-
fases desde 1968. Somen- nicas adversas. Essas informações são de grande im-
te após os jogos de Los portância para a classe médica, em função dos danos
Angeles, em 1984, até os deletérios e até fatais advindos da utilização dessas
de Barcelona, em 1992, substâncias.
prevalecia o conceito médico, que avaliava cada positi-
vo analítico. Essa rotina gerou as liminares de aceita- ESTIMULANTES
ção notadamente para efedrina, cafeína, morfina, ca-
nabis e testosterona, e os resultados dos exames ana- São eles: anfepramona, anfetaminil, amineptina,
líticos e do parecer médico são analisados por juristas amifenazol, anfetamina, bambuterol, bromantano, ben-
por meio do Código Médico do COI, sendo a palavra zofetamina, cafeína, carfedon, catina, cocaína, clorfen-
final do Tribunal Superior, que, na maioria das vezes, termina, clobenzorex, clorprenalina, cropropamida, cro-
rejeita a opinião médica(2). tetamida, dimetanfetamina, efedrina, estricnina, etafe-
O COI define o “doping” como a utilização de méto- drina, etamivan, etilanfetamina, etilefrina, fencamfami-
dos ou substâncias exógenas que visam a influir no na, fenetilina, fenfluramina, fenproporex, formoterol,
aumento do desempenho do atleta durante competi- furfenorex, fendimetrazina, fentermina, fenilefrina, fe-
ções. A dopagem é a detecção de tais substâncias na nilpropanolamina, foledrina, heptaminol, metilenodioxi-
urina durante os treinamentos ou competições. Uma metanfetamina (MDMA), mefenorex, mefentermina,
amostra de urina cedida pelo atleta, de no mínimo 75 mesocarb, metanfetamina, metoxifenamina, metilendi-
ml, é dividida em dois frascos distintos, rotulados com oxianfetamina (MDA), metilefedrina, metilfenidato, mo-
um número idêntico e as letras A e B, com dois terços razona, nicetamida, norfefluramina, para-hidroxianfeta-
e um terço do volume total de urina, respectivamente. mina, pemolina, pentetrazol, pentilentetrazol, pipradol,
Essas amostras são, então, enviadas, por um correio prolintano, propilexedrina, pseudo-efedrina, pirovalero-
seguro, ao laboratório para análise. A primeira delas, na, reproterol, salbutamol, salmeterol, selegilina, ter-
com cerca de 50 ml ou mais, é estudada pelo laborató- butalina e compostos correlatos.
rio e designada pela letra A, sendo então dividida em Para a cafeína, é considerada positiva a concentra-
sete partes e submetida a cromatografia gasosa, es- ção na urina acima de 12 ug/ml. O café é uma bebida
pectometria de massa e ensaios imunológicos para hoje mais bem estudada e a presença de outras subs-
hormônios peptídeos. Seu resultado é informado sigi- tâncias tem sido identificada, questionando a ação da
losamente às autoridades esportivas que solicitaram o cafeína como estimulante. Estudos futuros irão definir
exame. Em caso da presença de substância ou méto- com mais precisão essas substâncias no café. Para a
do proibidos ou de seus marcadores ou metabólitos, o catina, é considerada positiva a concentração na urina
atleta é informado por meio de sua entidade e expres- acima de 5 ug/ml e para efedrina e metilefedrina, maior
sa o direito da utilização ou não da segunda amostra. que 10 ug/ml. Para fenilpropanolamina e pseudoefedri-
Quando afirmativo, será feita análise da amostra B, com na, é considerada positiva a concentração acima de
25 ml ou mais, na presença do atleta ou de seu repre- 25 ug/ml.
sentante, bem como de sua Federação Internacional. O salbutamol e o salmoterol são permitidos para
Caso o atleta abdique do direito à análise da amostra inalação (aerossol) somente na prevenção ou no trata-
B ou se for detectada presença da substância ou de mento da asma e no exercício induzindo asma. É ne-
métodos proibidos ou seus metabólitos e marcadores, cessária uma notificação do médico à autoridade mé-
o resultado será considerado analiticamente adverso(3). dica relevante, antes da competição, informando ser o
A Comissão Médica do COI fornece a lista de subs- atleta portador de asma. A critério dessa autoridade,
tâncias proibidas, distribuídas em cinco classes farma- poderá ser solicitada espirometria. Caso sua concen-
cológicas: estimulantes, narcóticos-analgésicos, ana- tração na urina seja superior a 100 ng/ml, o atleta po-
bolizantes, diuréticos e hormônios peptídeos. Acres- derá ser penalizado. Deve-se ressaltar que essas subs-
centam-se também os seguintes métodos proibidos: tâncias também são utilizadas como “doping” para ga-
manipulação física, química e farmacológica de urina, nho de força muscular, a exemplo dos anabólicos.
transportadores artificiais de oxigênio, substitutos de Todas as preparações imidazólicas são aceitáveis

232 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
para uso tópico. Vasocons- dienona, metandriol, metenolona, metiltestosterona, mi-
tritores, como a adrenali- bolerona, nandrolona, 19-norandrostenodiol, 19-noran-
na, podem ser usados drostenodiona, noretrandrolona, oxandrolona, oximes-
BAPTISTA CA e cols. como agentes anestésicos terona, oximetolona, testosterona, trembolona e com-
Drogas lícitas e locais. Também é permiti- postos relacionados.
ilícitas nas do o uso tópico (nasal, of- A relação de testosterona/epitesterona superior a
academias e
no esporte
tálmico, retal) de adrenali- 6/1 será considerada positiva, porém o atleta deverá
na e fenilefrina, sempre ter avaliação endocrinológica e deverá ser submetido
acompanhado de comuni- a testes sucessivos. Caso não existam testes anterio-
cação médica. res, o atleta deverá ser testado sem aviso prévio pelo
As ações centrais des- menos uma vez por mês durante três meses e colabo-
sas substâncias têm como rar com a investigação laboratorial. Em caso de não
objetivo a resistência à fadiga, retardando-a, com con- cooperação, será considerado positivo.
seqüente melhora do desempenho, muito útil em pro- Os hormônios esteróides são produzidos pelo cór-
vas de “endurance”. Também aumentam a agressivi- tex da supra-renal e pelas gônadas (ovário e testículo).
dade, ação útil em modalidades de luta. Em função da Os esteróides androgênicos anabólicos (EAA) incluem
elevação da atividade adrenérgica, podem ocasionar a testosterona e seus derivados(4). Alguns autores con-
aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca, sideram os EAA como derivados sintéticos da testos-
além de favorecer o surgimento de arritmias cardíacas terona(5), possuindo atividade anabólica (promoção de
e espasmo arterial coronário, em indivíduos suscetí- crescimento) superior à atividade androgênica (mas-
veis, com conseqüente isquemia miocárdica. culinização)(6). A testosterona é o esteróide androgêni-
co mais importante, produzido pelas células de Leydig
NARCÓTICOS nos testículos, embora também seja produzido em pe-
quena quantidade pelos ovários. Pode ser sintetizado
Entre os analgésicos narcóticos encontram-se: al- em ambos os sexos pela supra-renal. Sua produção
faprodina, anileridina, buprenorfina, dextromoramida, nas células testiculares é controlada pelo hormônio de
dextropropoxifeno, diamorfina (heroína), fenazocina, le- liberação das gonadotrofinas (GnRH) hipotalâmico, o
vorfanol, metadona, morfina, nalbufina, pentazocina, pe- qual atua na hipófise e libera o hormônio folículo-esti-
tidina, tramadol, trimeperidina e substâncias relaciona- mulante (FSH), estimulando a gametogênese. A sínte-
das. se dos hormônios androgênicos dá-se a partir do co-
Para ser considerada positiva, a concentração de lesterol, que, após sucessivas oxidações, forma a preg-
morfina na urina deverá ser superior a 1 ug/ml. nenolona, principal precursor dos hormônios esterói-
Codeína, dextrometorfan, dextropropoxifeno, diidro- des. Na conversão da pregnenolona à testosterona,
codeína, difenoxilato, etilmorfina, folcodina e propoxi- formam-se a desidroepiandrosterona (DHEA) e a an-
feno são substâncias permitidas, algumas vezes pre- drostediona(7). Os testículos também produzem, em
sentes em antitussígenos. É preciso atenção na pres- quantidade muito pequena, a 5-alfa-diidrotestosterona
crição de medicamentos com essa finalidade para atle- (DHT) e o androstenodiol, todos convertidos em tes-
tas em competição, sempre lembrando da comunica- tosterona pelo fígado. No homem, a concentração plas-
ção médica prévia. O objetivo do atleta é limitar e/ou mática de testosterona varia de 300 ng/dl a 1.000 ng/dl
eliminar a dor excessiva para competir, o que pode gerar e a produção diária fica entre 2,5 mg e 11 mg. Os este-
piora clínica em atletas lesionados, além de essas subs- róides androgênicos são moléculas lipofílicas e atra-
tâncias serem potencialmente perigosas para o risco vessam facilmente a membrana celular, atuando sobre
de provocar dependência. os receptores citosólicos intracelulares estabilizados
pelas proteínas do choque térmico com 90-KDa, as
AGENTES ANABÓLICOS hsp90, formando um complexo hormônio-receptor. As
hsp90 desligam-se do receptor e o complexo se deslo-
Dividem-se em duas classes: 1) esteróides andro- ca ao núcleo, onde se liga ao DNA nuclear(8). Se admi-
gênicos anabólicos e 2) agonistas beta-2. nistrada por via oral, a testosterona é rapidamente
metabolizada pelo fígado. A meia-vida da testosterona
Esteróides androgênicos anabólicos livre é de 10 minutos a 21 minutos. Ela é inativada pelo
Incluem: androstenodiol, androstenodiona, bolaste- fígado pela conversão em androstenediona e 90% de
rona, boldenona, clostecol, danazol, desidroclorome- seus metabólitos são excretados pela urina.
tiltestosterona, desidroepiandrosterona (DHEA), desi- A DHEA, a androstenediona e seus compostos re-
drotestosterona, drostanolona, estanozolol, fluoximes- lacionados (5-andrestenediona, 4-androstenediol, 5-an-
terona, formebolona, gestrinoma, mesterolona, metan- drostenediol) são os precursores da testosterona mais

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 233
utilizados pelos atletas. manas ou até meses(17). Qualquer suposto custo-bene-
Seu uso clínico está indi- fício em seu desempenho, obtido pelos atletas, é ina-
cado em tratamentos es- ceitável sob o ponto de vista médico. O objetivo procu-
BAPTISTA CA e cols. pecíficos das deficiências rado pelo atleta é o aumento da massa muscular, pro-
Drogas lícitas e androgênicas: hipogona- movendo aumento da síntese protéica muscular, da
ilícitas nas dismo, puberdade e cres- promoção e da retenção de nitrogênio, da inibição do
academias e
no esporte
cimentos retardados, mi- catabolismo protéico e da estimulação de eritropoiese.
cropênis neonatal, defici- Como já mencionado, por meio de mecanismos não
ência androgênica parcial inteiramente identificados, promovem aumento da
em homens idosos, defici- agressividade e da motivação, úteis benefícios em de-
ências androgênicas se- terminadas modalidades como lutas. Os androgênios
cundárias a doenças crô- podem estimular a expressão do gene para o IGF-I (“in-
nicas, e na contracepção hormonal masculina(9). Temos sulin-like growth factor-I”) intramuscular e, com isso,
relatos de que a administração por via transdérmica aumentar a síntese protéica(18). Podem também promo-
em baixas doses no tratamento de doenças cardiovas- ver o aumento da expressão da proteína do choque
culares tem efeitos antiaterogênicos e antianginosos(10). térmico hsp72 em fibras musculares de contração rá-
O registro histórico do uso de EAA foi sua utilização pida, contribuindo nos exercícios de alta intensidade(19).
por atletas russos em 1954, durante o Campeonato Os estudos clínicos são inconclusivos quanto ao au-
Mundial de Levantamento de Peso, em Viena(11). O la- mento da força e da massa musculares. Os EAA po-
boratório Ciba comercializou, em 1956, a metandros- dem maximizar o aumento da força muscular obtido
terona (Dianabol), que começou a ser amplamente uti- por meio da combinação de exercícios de alta intensi-
lizada pelos levantadores de peso. Nas Olimpíadas de dade e dieta, em alguns indivíduos, e não aumentam a
Tóquio, em 1964, foi utilizada em diversas modalida- potência aeróbia nem a capacidade de realização de
des(12). Em 1972, na competição “Mister America”, John exercícios musculares(20). Corrigan(21) descreve os efei-
Grimek estimou em 99% o uso de EAA pelos atletas tos psicológicos dos EAA em três grupos: 1) imediatos,
estreantes(13). O caso mais conhecido, mais recente- como mudança de humor e euforia, melhora da confi-
mente, foi o de Ben Johnson, medalhista de ouro em ança, da energia e da auto-estima, aumento da dispo-
Seul, em 1988, nos 100 metros rasos, que utilizou es- sição e do entusiasmo, e diminuição da fadiga, da in-
tanozolol(14). Nas Olimpíadas de Sydney, em 2000, a sônia, da habilidade de treino com dor, da agitação, da
nandrolona foi o EAA mais utilizado por vários atletas. irritação e da raiva; 2) após período maior de uso e de
O atleta Linford Christie (medalha de ouro em Barcelo- dosagem, perda da inibição e alterações de humor; e,
na, em 1992) revelou em seus exames traços dessa por fim, 3) aumento da agressividade, que evolui para
substância por meio de seu metabólito, a 19-norandros- efeitos graves, com comportamentos violentos, hostis
terona, fato que gerou discussão a respeito dos níveis e anti-sociais e ataques de fúria, que vão desde abuso
considerados como “doping”: 2 ng/ml para os homens infantil até suicídios e assassinatos. O mesmo autor
e 5 ng/ml para as mulheres não-grávidas, pois traços refere ainda que, de acordo com o tipo de EAA, sur-
de nandrolona têm sido encontrados em suplementos gem em atletas esquizofrenia, paranóia e depressão(21).
nutricionais consumidos por atletas(15). A utilização dos Outro aspecto clínico dos EAA é a dependência em
EAA pelos atletas em geral obedece três métodos: o usuários atletas competitivos e recreacionais, provo-
primeiro é conhecido como “ciclo”, referindo-se a qual- cando a síndrome da abstinência. Estudos revelam que
quer período de utilização de tempos em tempos, que 27% dos adolescentes fazem uso dessas substâncias
oscila entre 4 e 18 semanas; a segunda é denominada apenas para melhora da aparência(22). Seu uso por
“pirâmide” (começa com pequenas doses, que são pro- mulheres atletas ou não resulta em alterações mascu-
gressivamente aumentadas até atingir o ápice da do- linizantes e virilizantes: amenorréia, acne, pele oleosa,
sagem máxima, após o que ocorre redução progressi- desenvolvimento da musculatura mais precocemente
va até o final do período); a terceira, conhecida como que em atletas homens, hirsutismo facial, modificação
“stacking” (uso alternado de esteróides de acordo com da voz, que se torna mais grave, calvície masculina, e
a toxicidade), refere-se ao uso de vários esteróides ao hipertrofia do clitóris. São observados distúrbios gra-
mesmo tempo. Segundo o “Council on Scientific Affairs”, ves de crescimento, quando utilizados na puberdade,
os EAA podem aumentar o peso corporal, em parte pelo fechamento das epífises ósseas e de desenvolvi-
pela retenção de fluidos e em parte pelo aumento da mento ósseo, pois acarretam amadurecimento ósseo
massa livre de gordura(16). As doses utilizadas pelos precoce. É importante ressaltar que, quando detecta-
atletas superam em muito as concentrações farmaco- das precocemente, muitas dessas manifestações são
lógicas usadas no tratamento clínico, as quais em ge- reversíveis, porém seu uso prolongado e em doses cres-
ral são de até 500 mg/dia, consumidas por várias se- centes as tornam irreversíveis. Sua utilização por atle-

234 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
tas homens também gera hipopotassemia, que podem prejudicar a saúde e o de-
feminilização, como a gi- sempenho do atleta (cãibras e mialgias), por vezes com
necomastia, inibindo a se- risco de arritmias cardíacas, dependendo da suscetibi-
BAPTISTA CA e cols. creção de gonadotrofina lidade individual.
Drogas lícitas e no sistema hipotálamo-hi-
ilícitas nas pofisário, com conseqüen- HORMÔNIOS
academias e
no esporte
te falta de estímulo a es- Gonadotrofina coriônica humana (HCG)
permatogênese, atrofia Sua administração no homem leva ao aumento da
testicular, azoospermia e produção endógena de esteróides androgênicos, agin-
infertilidade, que podem do de maneira similar ao hormônio luteinizante (LH),
se tornar irreversíveis. Tem presente fisiologicamente na produção de hormônios
sido registrado o apareci- masculinos.
mento de grave colestase hepática, icterícia e, por ve- Corticotrofina (ACTH)
zes, necrose tubular renal aguda, além da possibilida- Estimula a produção endógena de corticóides, ob-
de de adenocarcinoma hepático(23). A utilização por via tendo-se efeitos euforizantes. Seus efeitos são análo-
intramuscular, em geral a mais preferida, pode levar a gos aos da administração tanto oral como intramuscu-
infecção por HIV, hepatite B e hepatite C(24). lar ou endovenosa dos corticóides.
Pelo lado cardiovascular, com o uso dos EAA, há Hormônios de crescimento (GH, somatotrofina)
retenção hidrossalina, podendo desenvolver-se hiper- Efeitos diabetogênicos, acromegalia e reações alér-
tensão arterial, elevação do colesterol de lipoproteína gicas, sendo proibidos todos os seus análogos.
de baixa densidade (LDL-colesterol) e diminuição da Eritropoetina (EPO)
fração de colesterol de lipoproteína de alta densidade Hormônio glicoprotéico de origem renal, que esti-
(HDL-colesterol), contribuindo para a aterogênese e mula determinadas “células-mãe” da medula óssea para
conseqüentes síndromes coronárias agudas, como in- que se diferenciem em hemácias. Seu emprego clínico
farto do miocárdio e até morte súbita. Os EAA acarre- é a correção da anemia conseqüente a insuficiência
tam, também, diminuição da fibrinólise, aumento da renal crônica, sendo a hipoxemia o melhor estímulo para
agregabilidade plaquetária, e hipercoagulabilidade(25). sua produção. Hoje, em decorrência de sua produção
Observa-se a ocorrência de alterações anatômicas, pela engenharia genética, está disponível em quanti-
como aumento da espessura da parede ventricular dades ilimitadas. Aumenta a formação de glóbulos ver-
esquerda e do septo interventricular, aumento da mas- melhos, aumentando, dessa forma, a capacidade de
sa do ventrículo esquerdo e, em certos casos, cardio- transporte de oxigênio e melhorando o desempenho,
miopatia dilatada, sendo a realização de ecocardiogra- notadamente em esportes de maior duração. Substitui
fia importante nessa avaliação clínica específica(26). o “doping” sanguíneo. Em 1997, a União Ciclística In-
ternacional efetuou controle de hematócrito na prova
Agonistas beta-2 ciclística Paris-Nice com controles diários em vários
Incluem: bamburerol, clenbuterol, fenoterol, repro- ciclistas. Como prevenção, o ciclista que apresentasse
terol, salbutamol, salmeterol, terbutalina e compostos hematócrito superior a 50% era considerado não-apto
relacionados. Fenoterol, salbutamol e salmeterol po- para a prática desportiva nos próximos 15 dias(27). A
dem ser utilizados na forma de aerossol, com as reco- EPO sintética é idêntica à endógena, o que dificulta a
mendações anteriormente descritas, usados também análise para sua detecção, desafiando as técnicas do
para aumento da massa muscular. controle do “doping”. Desde 2002 o Brasil possui a téc-
nica para a detecção da EPO na urina, embora a tria-
DIURÉTICOS gem seja feita pelo hematócrito, pela hemoglobina e
pelos reticulócitos. A maioria de seus efeitos colaterais
Incluem: acetazolamida, bumetamida, clortalidona, está relacionada ao aumento da viscosidade sanguí-
ácido etacrínico, furosemida, hidroclorotiazida, manitol nea, com conseqüente elevação do hematócrito, hiper-
(proibido endovenoso), mersalil, espironolactona, trian- tensão arterial, hiperpotassemia e síndrome pseudo-
tereno, indapamida, bendroflumetazida e substâncias gripal. A combinação de hematócrito aumentado em
correlatas. repouso e desidratação após exercícios prolongados
Por aumentarem o fluxo urinário em função da mai- tem como conseqüência um perigoso aumento da vis-
or fração de água eliminada, funcionam como agentes cosidade sanguínea. Em atletas suscetíveis, mesmo
que mascaram o efeito das drogas. Em algumas mo- após a suspensão da EPO, tanto o hematócrito como
dalidades são utilizados para perda de peso, para que a viscosidade podem permanecer elevados, pela ma-
o atleta se enquadre no peso ideal para a categoria, nutenção da resposta da medula óssea(28). Sua utiliza-
como em lutas. As conseqüências são desidratação e ção no esporte é proibida.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 235
Insulina “Marijuana” (canabis, maconha)
Permitida somente em As Federações Internacionais podem solicitar seu
atletas diabéticos insulino- controle e a presença de seus metabólitos na urina pode
BAPTISTA CA e cols. dependentes. É necessá- permanecer até cinco dias após sua utilização. Con-
Drogas lícitas e rio fazer a notificação mé- centração na urina do ácido 11-nor-delta 9-tetraidro-
ilícitas nas dica prévia de sua utiliza- carbinol-9-carboxílico (carboxi-THC) superior a 15 ng/
academias e
no esporte
ção. ml é proibida. Os fumantes passivos, portanto, não cor-
rem risco de punição. Em certos casos, o atleta “cria”
MÉTODOS DE em sua defesa a tese de que estava em local onde
DOPAGEM outros a utilizaram.

“Doping” sanguíneo Anestésicos locais


É feito por meio de transfusão de sangue, células Incluem bupivacaína, lidocaína, mepivacaína, pro-
vermelhas (papa de hemácias), produtos que conte- caína, xilocaína, mas não cocaína. Vasoconstritores
nham hemácias ou carreadores artificiais de oxigênio. (como, por exemplo, adrenalina) podem ser associa-
Podem ser obtidos do mesmo indivíduo (autotransfu- dos a anestésicos locais. Podem ser usados somente
são) ou de diferentes indivíduos (heterotransfusão). Tem em injeções locais ou intra-articulares. Sempre deve
emprego legítimo em casos clínicos, como anemia se- haver justificativa médica em relatório escrito forneci-
vera e hemorragia aguda. É contra-indicado pela ética do à Comissão Médica do COI, constando diagnóstico
do jogo e por riscos de reações alérgicas, hemólise e via de administração, antes da competição ou, se
aguda, transmissão de infecções, AIDS e hepatite vi- administrado durante a mesma, logo após seu uso. As
ral, sobrecarga circulatória e choque metabólico. São Federações Internacionais têm autonomia para a noti-
extraídas duas amostras de sangue (900 ml) do atleta ficação por escrito.
8 a 12 semanas antes da competição, das quais são
separadas as hemácias do plasma, congelando-as a Glicocorticóides
-80oC. Para a reinfusão, as hemácias congeladas são Proibidos, exceto para uso tópico (dermatológico,
reconstituídas com solução salina e são transfundidas nasal e oftálmico, não estando incluído o uso retal),
em uma a duas horas, entre um e sete dias da compe- terapia inalatória para asma, e injeções locais ou intra-
tição. As transfusões homólogas são raramente utiliza- articulares, sendo nestes dois últimos casos obrigató-
das na atualidade pelo grande risco de sensibilização ria a notificação à Comissão Médica do COI.
com repetidas transfusões. Diminuem o trabalho cardí-
aco e a velocidade do fluxo sanguíneo periférico, le- Betabloqueadores
vando a menor rendimento em sua capacidade aeró- Incluem acebutolol, alprenolol, atenolol, betaxolol,
bia, pelo aumento da viscosidade sanguínea. Podem bisoprolol, bunolol, carvedilol, labetolol, metoprolol, na-
também ocorrer reações auto-imunes, como febre, ur- dolol, ooxprenolol, propranolol, sotalol e compostos
ticárias, hemólise e choque anafilático. Também são correlatos. Seu controle pode ser solicitado por Fede-
proibidos os transportadores artificiais de oxigênio ou rações Internacionais e os resultados podem ficar su-
substitutos do plasma. jeitos a sanções, dependendo da modalidade esporti-
va. A partir de 1992, passaram à categoria de drogas
Manipulação farmacológica da urina restritas. Seu uso é proibido por produzir diminuição
Substâncias e métodos que alterem a validade das da ansiedade e do tremor, principalmente bradicardia,
amostras de urina, como cateterização, substituição ou e por reduzir o volume sistólico, podendo favorecer atle-
sua adulteração. Inibição da excreção renal, como o tas de provas como tiro ao alvo ou tiro com arco. Pela
uso de probenecida, compostos correlatos e diuréti- menor freqüência cardíaca, o atleta tem maior tempo
cos, tidos como agentes máscaras. Podem alterar a entre cada sístole, melhorando a mira. Também são
relação epitestosterona e testosterona (concentração proibidos na esgrima, em saltos ornamentais, na gi-
urinária de epitestosterona superior a 200 ng/ml será nástica e na equitação.
investigada como positiva para anabolizante).
Produtos “naturais”
CLASSES DE SUBSTÂNCIAS SUJEITAS É sempre importante o médico orientar seu atleta
A RESTRIÇÕES quanto ao uso desses produtos, já que suas “aparen-
tes” formulações naturais (chás, ervas, vitaminas, su-
Álcool plementos, bebidas isotônicas e outras) podem conter
Seu controle pode ser solicitado pelas Federações Inter- substâncias como estimulantes e/ou esteróides ana-
nacionais e os resultados podem ficar sujeitos a sanções. bólicos, sem discriminação nas bulas, pois não possu-

236 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
em controle adequado de Alan Lesner, do Instituto Nacional de Abuso de Drogas
qualidade. É muito impor- dos Estados Unidos, alerta: “Meio milhão (500 mil) de
tante que o médico res- jovens estão usando anabolizantes”. Em 2001, estima-
BAPTISTA CA e cols. ponsável esteja a par de se que esse número tenha se elavado para 1,5 milhão
Drogas lícitas e qualquer medicação con- de usuários de EAA em academias dos Estados Uni-
ilícitas nas sumida pelo atleta, seja dos(31). Alarmante registro foi feito em quatro escolas
academias e
no esporte
alopatia, homeopatia, fito- de Massachusetts(32), relativo ao uso de EAA em crian-
terapia, florais ou medici- ças entre 9 e 13 anos: 2,6% dos meninos (total = 466)
na ortomolecular, pois po- e 2,8% das meninas (total = 459). Em 13.914 estudan-
derá, assim, comunicar à tes atletas australianos da “National Collegiate Athletic
Comissão Médica do COI. Association”, 1,1% utilizavam EAA, assim distribuídos:
Lembramos que nomes 3,8%, treinadores; 20,8%, companheiros de equipe;
comerciais iguais podem trazer em suas preparações 17%, amigos ou parentes; 9,4%, empresários; 38%,
combinação de vitaminas com estimulantes psicomo- prescrição médica sem indicação correta; 11,3%, ou-
tores e esteróides anabólicos. tras fontes(33). No Brasil, em pesquisa realizada em pra-
ticantes de musculação em academias de Porto Ale-
CONSIDERAÇÕES FINAIS gre, 24,3% usavam EAA, dos quais 34% por vontade
própria, 34% fornecido por outros atletas, 19% forneci-
No Brasil e no mundo aumentam os casos de “do- do por amigos, 9% fornecido por professores, e 4% por
ping”. Seria possível, de forma natural, em esportes prescrição médica. Os EAA mais utilizados foram nan-
que requerem força, potência, velocidade e “enduran- drolona (37%), estanozolol (21%), e testosterona cris-
ce”, o atleta conseguir melhorar seu desempenho e talizada (18%). Demonstrou-se, também, que 80% uti-
bater os recordes olímpicos? A resposta, felizmente, lizavam mais de um EAA e em 35% já havia depen-
ainda é sim. Entretanto, nos maiores eventos esporti- dência tanto física como psicológica. As principais
vos, como os Jogos Olímpicos e o “Tour de France”, motivações foram: 42,2%, aquisição de força; 27,3%,
por exemplo, surgem casos de “doping” e a resposta aquisição de beleza estética; e 18,2%, melhora do de-
afirmativa anterior poderá ser oposta. Infelizmente exis- sempenho.(34) Em São Paulo, em freqüentadores de
te um global “código” de silêncio envolvendo o “doping”, grandes academias, foi encontrado uso de EAA em 19%
afastando o maior conhecimento público(29). A engenha- dos alunos(35).
ria química desenvolve substâncias e/ou drogas, como, Em trabalho realizado com 2.219 alunos da rede
mais recentemente, a tetraidrogestrinona (THC), apro- escolar de São Caetano do Sul, constatou-se que
ximando-as da composição fisiológica, com o único in- 12,8% usam ou já usaram substâncias químicas para
tuito de burlar sua detecção em testes laboratoriais. peso corporal, principalmente EAA(36). Levantamento re-
Tempos podem ser reduzidos em centésimos de se- alizado por Michelucci e colaboradores(37) em 59 atle-
gundos. Na antiga Alemanha Oriental, referia-se que o tas competitivos entre 14 e 20 anos, sendo 28 prati-
uso de esteróides anabólicos isoladamente reduzia o cantes de basquete, 13 praticantes de caratê, e 18
tempo nas corridas de 100 metros em cerca de 0,7 praticantes de natação, encontrou uso de álcool em
segundo e nas de 400 metros, 800 metros e 1.500 30,8% dos praticantes de caratê, tabagismo em 7,7%,
metros, entre 4 e 5 segundos, 5 e 10 segundos, e 7 e EAA em 7,7%, e creatina em 7,7% dos praticantes de
10 segundos, respectivamente, e que no arremesso de caratê e em 5,6% dos praticantes de natação. Quando
disco haveria ganho entre 10 metros e 20 metros(30). indagados se utilizariam o “doping” para chegar à sele-
Os benefícios são maiores nas mulheres, porque a pro- ção nacional, 27 responderam não e 1 sim no basque-
dução natural de testosterona na mulher jovem é míni- te; 11 não e 1 sim no caratê; e 10 não e 8 sim na nata-
ma. Recentemente a Agência Mundial Anti-“Doping” ção. A maioria desses atletas fazia uso de aminoáci-
(WADA) mostrou-se preocupada com a apreensão da dos e/ou polivitamínicos, sem orientação.(37)
desoximetiltestosterona (DMT), um novo esteróide (“ir- Quanto ao controle de “doping” em atletas em nos-
mão” do THC) encomendado por um velocista. Essa so meio, no trabalho realizado por De Rose e colabo-
substância foi desenvolvida para burlar o exame anti- radores(38) foram publicados os resultados investigati-
“doping”, não tendo aplicação prática na medicina. vos de “doping” em competições e fora de competições
A utilização dessas drogas por nossos adolescen- no ano de 2003, num total de 3.797 exames realizados
tes chega a caracterizar um problema de saúde públi- (3.266 em competições e 531 fora). O futebol profissio-
ca nessa população. Sua investigação é feita por meio nal respondeu por 2.975 exames realizados em com-
de questionários específicos e é conseguida pelos in- petições, com 8 positivos (0,27%). A maioria dos exa-
vestigadores com grande dificuldade. Em publicação mes realizados fora de competição foi feita pelo COI
do jornal “O Estado de S. Paulo”, de 22 de abril de 2000, durante a preparação de nossos atletas para os XIV

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 237
Jogos Pan-Americanos, da UFRJ e de certas Federações, os casos positivos
na República Dominicana, têm sido menores. Entretanto uma política global de
e foram encontrados 19 combate ao “doping” ainda precisa ser mais bem defi-
BAPTISTA CA e cols. positivos em competição e nida e aplicada.
Drogas lícitas e 6 fora de competição. Nes- Essas drogas têm sido acessadas via Internet, com
ilícitas nas sa amostragem, foram evi- requintes de sofisticação de compra e entrega bem
academias e
no esporte
denciados 5 resultados organizadas. Isso se deve, naturalmente, ao enorme
analíticos adversos fora da movimento financeiro gerado. Essas drogas entram no
competição, e que não re- país de forma ilícita, dificultando seu combate por ór-
sultaram em positivos por gãos como Anvisa e autoridades competentes.
estarem justificados: 1 Esse comportamento se difunde e como uma onda
caso de salbutamol, para “tsunami” invade o emocional, a exemplo das tragédi-
asma, 2 com diuréticos para hipertensão em esportes as humanas, matando e/ou ferindo seriamente as con-
que não possuem categoria de peso, e 2 casos na ca- dutas éticas e morais e abrindo caminho fértil e perigo-
noagem em que a relação T/E (testosterona/epitestos- so para uma repercussão dolosa, e porque não inten-
terona) foi adotada, não confirmados por controles clí- cional, à saúde. Temos observado, não raro, em nos-
nicos e laboratoriais posteriores. As substâncias mais sas avaliações em atletas jovens, a presença de hiper-
encontradas foram: 8 EAA, 6 estimulantes, 2 diuréti- tensão arterial, especialmente sistólica, cujas cifras não
cos, 1 hormônio peptídeo, 1 canabóide, e 1 narcótico. são compatíveis com as recomendadas como ideais e
Fora de competição, o fisiculturismo aparece com normais para essa faixa etária. A nós cardiologistas,
33,33% do total de exames positivos. O LAB DOP, do clínicos e especialistas em Medicina do Esporte, o ques-
Instituto de Química da UFRJ, realiza a maioria dos tionamento quanto ao uso dessas substâncias é uma
exames em nosso meio, sendo também realizados pela informação obrigatória a ser investigada no histórico
USP, por Montreal e por Paris. No sentido preventivo e clínico desse atleta nos exames pré-participação(39).
de advertência, o COB produz desde 2001 um manual Esse fato recentemente teve repercussão pública ex-
sobre “Uso de medicamentos no esporte”, com orien- tremamente importante e bem fundamentada pela So-
tações sobre essas substâncias, bem como com uma ciedade Brasileira de Cardiologia em recente editorial
listagem atualizada das mesmas e dos métodos proi- do jornal “Folha de São Paulo (“Direito do paciente” –
bidos pela WAMA, com o nome comercial dos medica- Opinião, 26/1/2005), tornando obrigatória a investiga-
mentos que podem ser utilizados em situações clíni- ção toxicológica de jovens que procuram os serviços
cas específicas. de emergência com problemas cardíacos sérios e até
O “doping” pode comprometer não somente a saú- fatais(40).
de de seus usuários, mas também sua integridade mo- Conforme exposto, estamos realmente diante de um
ral, ferindo de forma inequívoca a ética do esporte. problema de saúde pública. Proliferam as academias
Esses atletas usuários do “doping” modificam de ma- irresponsáveis, os locais de venda de suplementos em
neira expressiva os dados obtidos com seus índices, geral com maquiagem de “marketing” absolutamente
mascarando e não expressando a realidade dos mes- atrativa, sem nenhum controle de qualidade (conteúdo
mos alcançados com o esforço técnico e científico dos e especificidade), sem responsabilidade de quem as
esperados pela atuação ética das Ciências do Espor- vende e, o mais triste, o incentivo, a prescrição e as
te. Contribuem para uma falsa curva de ganho do de- “dicas” ao acesso por profissionais ligados às áreas
sempenho humano. A utilização do “doping” não se médica e multidisciplinar desportivas, que, convenha-
restringe apenas aos atletas de elite ou competitivos. mos, assumem papel irresponsável. Campanhas pu-
Evidentemente ganham espaço maior para o conheci- blicitárias e discussões temáticas sobre o “doping” na
mento público em função da modalidade envolvida e imprensa em geral, em cursos e congressos, nas Soci-
da competição em questão, mas principalmente pela edades Médicas (Medicina do Esporte, Clínica Médi-
notoriedade do atleta. Esses atletas têm destaque na ca, Cardiologia, Pediatria, Ortopedia, Endocrinologia e
mídia por causa de seu sucesso profissional, e em suas Psiquiatria, entre outras) e entre os profissionais de
exposições são tidos como modelos (sentido pleno da Educação Física e Nutrição devem sempre estar pre-
palavra) de “saúde”, principalmente pelo aspecto físico sentes. Acreditamos que a grande ferramenta tem como
e estético. fundamento a educação como um instrumento efetivo
Quanto aos atletas, o governo brasileiro recriou, em na orientação e no combate ao uso dessas substânci-
2002, o Conselho Nacional de Esporte (CNE), e em as nos adolescentes.
2003 foi estabelecida a Comissão de Combate ao “Do- Nossa experiência profissional no Centro Olímpico
ping”, no Ministério do Esporte. Com as ações conjun- de Treinamento e Pesquisa (COTP), em São Paulo, re-
tas entre Ministério do Esporte, COB, CBF, LAB DOP força essa argumentação ao longo de 20 anos de atu-

238 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
ação. O COTP é um cen- - Exame médico e multidisciplinar de rotina e obriga-
tro especializado na for- tório, reforçando de maneira inequívoca a importân-
mação de atletas e detec- cia do exame pré-participação e da orientação edu-
BAPTISTA CA e cols. ção de talentos, na faixa cativa.
Drogas lícitas e etária entre 7 e 16 anos. - Acompanhamento contínuo e regular, médico e mul-
ilícitas nas Do COTP já emergiram tidisciplinar, durante a vida desportiva do atleta (trei-
academias e
no esporte
atletas com grande desta- nos e competições), e orientação educativa.
que no desporto nacional - Professores e técnicos experientes não só em suas
e internacional. Participam modalidades específicas, como também na detecção
anualmente cerca de 800 de quaisquer alterações ou manifestações clínicas
atletas de ambos os se- e/ou psicológicas e comportamentais, reencaminhan-
xos, com treinamentos di- do esses atletas para reavaliação.
ários de quatro horas, de segunda-feira a sexta-feira, - Educação continuada sobre o tema “doping”.
em 11 modalidades. São realizadas, no total, 800 mil - Participação e orientação contínua dos pais.
horas de treinamento ano/800 atletas dia, gerando, nos Os ótimos resultados obtidos por esses atletas do
29 anos de fundação do COTP, um total aproximado COTP comprovam que o esporte saudável, orientado por
de 20 milhões de horas treino. Por se tratar de treina- equipe especializada e ético reflete seus benefícios. Fo-
mentos com freqüência, duração e intensidade eleva- ram obtidos vários primeiros lugares em competições na-
das, na admissão é realizado exame médico de rotina, cionais e internacionais nessa faixa etária, além de cam-
sem o qual o atleta não pode iniciar seu treinamento peões por equipes nas modalidades praticadas.
(história clínica e esportiva, exame físico), e exames O “slogan” da Sociedade Brasileira de Medicina do
subsidiários, a critério do médico assistente. Como pro- Esporte “ ‘DOPING’ NO ESPORTE É UMA DROGA” já
tocolo regular do COTP, os atletas também são avalia- caracteriza bem sua importância.
dos por equipes multidisciplinares (Odontologia, Nutri- O desafio é de todos os envolvidos no treinamento
ção, Psicologia, Assistência Social e Fisioterapia). Não e na formação de atletas. É necessário que haja parti-
houve nenhuma complicação, com registro zero de cipação e esclarecimento dos pais. A fiscalização dos
eventos cardiocirculatórios. Questionário e aconselha- locais de freqüência da população em geral, notada-
mento contínuo sobre esse tema específico das dro- mente de nossos jovens, principalmente as academi-
gas nos permitem afirmar a ausência da utilização des- as, é difícil de ser realizada, em função de dificuldades
sas substâncias em nossa específica população. Isso públicas. A luta é contínua, pois “o esporte é um cami-
se deve a: nho para a vida e não um atalho para a morte”.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 239
DOPING ON THE GYM AND ON SPORTS
BAPTISTA CA e cols.
Drogas lícitas e CLÁUDIO A. BAPTISTA, ELVIRA R. RODRIGUES, SAMIR DAHER,
ilícitas nas
academias e GIUSEPPE DIOGUARDI, NABIL GHORAYEB
no esporte

Doping use is becoming more frequent in the field of competition and by elite
athletes. Young people in touch with doping may cause serious damages to their
health, medical complications and even death. We should look for good preparation
of olympic athletes by multiprofessional and medical activities, which is a hard task
force in the world of Sports Sience, as much as the prevention and education lear-
ning. This paper aims to give information to physicians and professionals involved or
interested in this area about the risks of doping, besides to review national and
international papers which show the preoccupation with statistical analyses of its
use. Nowadays, doping is really a public health problem.

Key words: doping, doping control, adverse effects, prevention.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:231-41)


RSCESP (72594)-1533

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 241
MORTE SÚBITA CARDÍACA EM ATLETAS: PARADOXO
GHORAYEB N e cols. POSSÍVEL DE PREVENÇÃO
Morte súbita cardíaca
em atletas: paradoxo
possível de prevenção
NABIL GHORAYEB, MICHEL BATLOUNI, GIUSEPPE S. DIOGUARDI,
SERGIO TIMERMAN, ALI NAKHLAWI, ADRIANO M. TRICOTI,
CLARISSA C. DALL’ORTO, DANIEL F. MUGRABI

Seção Médica de Cardiologia do Exercício e do Esporte —


Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 — Ibirapuera —


CEP 04012-180 — São Paulo — SP

A morte súbita cardíaca relacionada ao esporte constitui evento dramático, que


pode ser evitado e tratado. Pode ocorrer em atletas tanto com coração estrutural-
mente patológico como com coração normal, porém com arritmias complexas. O
mecanismo que precede a morte súbita cardíaca durante o exercício é a redução
imediata e importante do débito cardíaco, secundário à isquemia miocárdica ou ar-
ritmia, a diminuição do fluxo sanguíneo central e a perda de consciência. A combina-
ção desses eventos ativados e miocárdio vulnerável desencadeia arritmias fatais,
especialmente a fibrilação ventricular. A interação de mecanismos fisiopatológicos
com elevada demanda miocárdica de oxigênio, alterações do tônus simpático ou
parassimpático, distúrbios eletrolíticos e trombogênicos, no miocárdio eletricamente
instável, por anomalias estruturais ou funcionais, constitui-se na mais provável ex-
plicação para a morte súbita cardíaca em atletas. Entre as causas mais freqüentes,
destacam-se as cardiomiopatias em geral, sendo a mais comum a hipertrófica obs-
trutiva, as miocardites e a origem anômala das coronárias. Acima dos 35 anos pre-
pondera a doença aterosclerótica do coração. A avaliação pré-participação e o acom-
panhamento médico periódico dos atletas constituem a maneira mais eficaz de pre-
venir a morte súbita. Dentre as causas mais freqüentes de morte súbita no esporte,
e que tem a concordância com as da literatura, enfatizamos a necessidade de de-
tecção da doença de Chagas entre atletas, ainda presente na população da Améri-
ca do Sul. A necessidade de afastar um atleta do esporte, por risco de vida, confron-
ta com a realidade dos atletas que escolhem o esporte como profissão e meio de
crescimento socioeconômico.

Palavras-chave: morte súbita cardíaca em atletas, parada cardíaca no esporte,


cardiopatia no atleta, esporte, morte súbita.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:242-50)


RSCESP (72594)-1534

INTRODUÇÃO te baixa quando comparada aos óbitos da população


em geral, a que ocorre em atletas é na maioria das
A parada cardíaca em atletas, durante atividade es- vezes rotulada de maneira vaga como morte súbita,
portiva, é evento raro e dramático, mas passível de ser sem, de fato, um conhecimento mais profundo de sua
prevenido e tratado(1). Dada sua freqüência relativamen- real causa(2, 3).

242 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
A morte súbita cardía- comunicação interatrial, 2 (1,3%); estenose pulmonar
ca é usualmente definida valvar, 1 (0,7%); hipertensão arterial sistêmica, 1 (0,7%).
como um evento inespera-
GHORAYEB N e cols. do, natural, não-traumáti- EPIDEMIOLOGIA(2, 3)
Morte súbita cardíaca co, de evolução rápida,
em atletas: paradoxo com perda de consciência, A morte súbita cardíaca é aproximadamente cinco
possível de prevenção
parada cardiorrespiratória vezes mais comum em atletas do sexo masculino(4). Nos
e morte, desde instantâ- Estados Unidos, a incidência absoluta de morte súbita
nea até seis horas do iní- cardíaca relacionada ao exercício em atletas jovens é
cio dos sintomas (1-4) . A de 0,75:100.000 homens e de 0,13:100.000 mulheres.
morte súbita relacionada Anualmente, 6:100.000 homens de meia-idade morrem
ao exercício físico/esporte durante o esforço físico, estimando-se a incidência de
é a que ocorre durante a atividade física ou até 24 ho- morte em 1:396.000 horas de atividade física(11). A inci-
ras após seu término, embora possa ocorrer também dência de morte súbita cardíaca relacionada à ativida-
em repouso ou durante o sono. Em 85% dessas mor- de física é de 1:200.000 a 1:250.000 pessoas(6). Esti-
tes as causas são cardíacas e em 90% o mecanismo é ma-se um número de 100 mortes em atletas nos Esta-
a fibrilação ventricular(3-7), daí o uso freqüente do termo dos Unidos por ano, o que corresponde a 4:1.000.000
morte súbita cardíaca ou morte súbita abortada(3-7). atletas a cada ano(2-4).
O crescente interesse pela prática esportiva, mes- Diferentes estudos sugerem que a morte súbita car-
mo amadora, trouxe sensível aumento de participan- díaca relacionada ao esporte ocorra numa freqüência
tes (30 mil na maratona de Nova York e 15 mil na de maior entre corredores de fundo que em atletas de
São Paulo), principalmente das faixas etárias mais ele- outras atividades. A morte súbita cardíaca entre os
vadas, nas quais a questão da prevenção da morte maratonistas é estimada em 1:50.000(12).
súbita relacionada ao exercício tem se tornado cada Considerando-se que ocorre uma morte súbita para
vez mais premente. cada 165 mil pessoas que fazem atividade física regu-
A despeito dos benefícios associados às atividades lar por ano(2, 3), o risco relativo aumenta de fato durante
físicas regulares na manutenção da saúde e da melho- o exercício, embora o risco absoluto permaneça mui-
ria da qualidade de vida, demonstrados em vários es- tíssimo baixo. Indivíduos com menor exposição à ativi-
tudos(8), ocasionalmente tais atividades podem consti- dade física têm maior risco para morte súbita que aque-
tuir fatores desencadeantes de eventos cardíacos gra- les que praticam atividade física regularmente(2). Estu-
ves e até fatais(1). do realizado no início dos anos 90 demonstrou que o
Em atletas jovens, apenas um terço das mortes não risco relativo de sofrer infarto agudo do miocárdio é
esperadas ocorre durante atividade física e cerca de 5,9 vezes maior no período de uma hora após o exercí-
15% das causas de morte súbita relacionada ao exer- cio físico vigoroso. No entanto, esse mesmo risco rela-
cício são de origem não-cardíaca, principalmente hi- tivo apresenta queda significativa quando a prática do
pertermia, rabdomiólise, asma, hemorragia gastrointes- exercício é regular e a freqüência semanal aumenta.
tinal, anemia falciforme, acidente vascular cerebral e Tal risco foi estimado em 19%, 8% e 2%, respectiva-
anafilaxia induzida pelo exercício(2, 9, 10). mente, para os indivíduos que realizam sessões de
A estratégia para diminuir o risco de morte súbita atividade física uma ou duas, três ou quatro, e cinco ou
cardíaca na atividade esportiva é o exame médico pré- mais vezes por semana(11). Exercício moderado não
participação, com ênfase para o aparelho cardiovascu- aumenta o risco de morte súbita, enquanto formas mais
lar, em atletas de qualquer idade. Para a realização da vigorosas associam-se com risco cinco a sete vezes
avaliação pré-participação, muitos obstáculos são co- maior(11).
locados pelos próprios atletas, pelo receio de serem
afastados da atividade esportiva. É freqüente omitirem FISIOPATOLOGIA DA MORTE SÚBITA
sintomas e o uso de substâncias proibidas.
Pesquisa realizada com 700 crianças de 7 a 14 anos Meta-análise sobre morte súbita, incluindo aquelas que
de idade, iniciantes de esportes em clubes paulistas ocorrem durante o exercício, demonstrou que todas têm
de classe média/alta e que constou de anamnese e cardiopatia subjacente. Segundo Bayes de Luna(13), “quan-
exame físico, ilustra essa importância. Foram detecta- do ocorrer uma morte súbita, temos que supor que existe
das anormalidades cardiológicas em 147 crianças algum problema, pois é muito difícil o desencadeamento
(21%)(3), assim distribuídas: sopro sistólico de provável de fibrilação ventricular em coração são”(13).
caráter funcional, 99 (67,0%); arritmias diversas (ex- A morte súbita cardíaca ocorre por taquiarritmia ven-
tra-sistolias), 67 (45,5%); prolapso da válvula mitral sem tricular em 80% dos casos e por bradiarritmia ou assis-
sopro, 40 (27,0%); estenose aórtica congênita, 5 (3,4%); tolia no restante. Os substratos morfológicos cardía-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 243
cos para o desencadea- do taquiarritmia maligna, quase sempre fatal. Entre
mento dessas arritmias esses fatores, incluem-se:
são: hipertrofia, alteração — substrato estrutural miocárdico: cardiomiopatias ge-
GHORAYEB N e cols. estrutural das fibras, fibro- nético-familiares e infecciosas, doença arterial co-
Morte súbita cardíaca se e necrose miocárdicas ronariana, valvopatias;
em atletas: paradoxo da maioria das cardiopati- — fatores agudos ou transitórios (gatilhos): neuroen-
possível de prevenção
as. Sobre esses fatores dócrinos, drogas e outras substâncias tóxicas, dis-
estruturais incidem fatores túrbios eletrolíticos, isquemia/reperfusão, alterações
funcionais agudos, transi- hemodinâmicas;
tórios, que atuam como — mecanismos das arritmias: reentrada, hiperautoma-
desencadeantes, tais tismo, atividade deflagrada, bloqueio/desacoplamen-
como distúrbios eletrolíti- to celular;
cos, hemodinâmicos ou descarga de catecolaminas, — arritmias finais: taquicardia ventricular, fibrilação
entre outros fatores agudos ou transitórios. A morte ventricular, dissociação eletromecânica e assisto-
súbita cardíaca no atleta pode ocorrer em corações es- lia.(15-17).
truturalmente comprometidos e em corações estrutu-
ralmente normais. Independentemente do mecanismo CAUSAS DE MORTE SÚBITA CARDÍACA
responsável pela ocorrência, o evento que precede a
morte súbita cardíaca no exercício é a imediata e im- As causas de morte súbita cardíaca em indivíduos
portante redução do débito cardíaco (secundária a is- treinados não diferem, de forma geral, das que acome-
quemia do miocárdio ou arritmia), a diminuição do flu- tem indivíduos sedentários(16). Tais causas variam, em
xo sanguíneo cerebral e a perda de consciência. Há relação a sua prevalência, de acordo com a faixa etá-
uma combinação de eventos ativados e miocárdio es- ria analisada. Em atletas com mais de 35 anos de ida-
truturalmente suscetível (vulnerável), que desencadeia de, a principal causa é a doença arterial coronária de
as arritmias fatais, especialmente fibrilação ventricular. etiologia aterosclerótica, e pelo menos dois fatores de
A ocorrência, não rara, de síncopes, arritmias e para- risco clássicos não controlados.
da cardíaca no período pós-exercício imediato deve- Em atletas jovens até 35 anos, o número de causas
se à cessação súbita do exercício, quando ainda está ultrapassa duas dezenas, as quais consistem, basica-
mantida a vasodilatação arterial, associada à acidose mente, de entidades congênitas com substrato genéti-
láctica própria do exercício intenso. A presença de ins- co. A causa mais comum de morte súbita cardíaca é a
tabilidade elétrica no substrato miocárdico, interagindo cardiomiopatia hipertrófica, correspondendo a mais de
com fatores agudos ou transitórios denominados “gati- um terço de todos os eventos, nos Estados Unidos,
lhos” e atuando sobre a propagação do impulso elétri- anomalias coronárias congênitas, miocardites, cardio-
co, pode, num determinado momento, gerar arritmias miopatia dilatada idiopática, displasia arritmogênica do
cardíacas e tornar o evento irreversível. Os fatores fisi- ventrículo direito (predominante na região italiana do
opatológicos propostos que podem conduzir à ativa- Vêneto(17, 18)), prolapso incompetente da válvula mitral,
ção de eventos ou a miocárdio suscetível, durante o ruptura aórtica, síndrome de Marfan e outras causas
exercício físico, são: raras. O “commotio cordis” foi a segunda causa mais
— elevada demanda miocárdica de oxigênio e redu- freqüente de morte súbita cardíaca em atletas(19) nos
ção simultânea da diástole e do tempo de perfusão Estados Unidos. As causas adquiridas, em particular a
coronária; doença arterial coronária, são incomuns em atletas jo-
— alterações do tônus simpático ou parassimpático; vens(2, 3, 15-18). Do total de 2 mil atletas com até 35 anos
— liberação de tromboxano-A2 e outros vasoconstrito- de idade, apenas 5 atletas com menos de 30 anos e
res coronários; fatores de risco positivos para aterosclerose foram aten-
— hipercoagulabilidade sanguínea; didos no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, um
— acidose láctica e alterações eletrolíticas intra e ex- futebolista com grave dislipidemia juvenil e 4 fisiculto-
tracelulares; res com dislipidemia pelo uso crônico de anabolizan-
— concentrações elevadas de ácidos graxos livres; tes.
— excessiva elevação da temperatura corpórea.(14) Alterações estruturais são independentes das mo-
dificações fisiológicas do coração do atleta(20) e destas
FATORES DE RISCO PARA MORTE SÚBITA devem ser diferenciadas, pois um diagnóstico equivo-
CARDÍACA cado pode significar a exposição de um indivíduo de
alto risco para morte súbita ou a desqualificação des-
São os fatores que interagem com o coração e que necessária de um indivíduo saudável.
podem induzir miocárdio eletricamente instável, geran- No Brasil, ainda não existem dados epidemiológi-

244 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
cos quanto à prevalência angulação da emergência das artérias coronárias;
das causas de morte sú- — espasmo coronário pelo movimento de torção da
bita cardíaca, porém julga- mesma;
GHORAYEB N e cols. mos que a distribuição das — compressão mecânica da artéria anômala entre os
Morte súbita cardíaca doenças seja similar à dos troncos das artérias pulmonar e aórtica durante o
em atletas: paradoxo dados da literatura: esforço;
possível de prevenção
— cardiomiopatias: dilata- — a porção inicial da artéria pode ser intramural (den-
da, hipertrófica, hipertrofia tro da túnica média da aorta), o que pode agravar
idiopática do ventrículo ainda mais a obstrução coronária, especialmente
esquerdo, miocardites com a expansão aórtica durante o esforço(14, 15).
inespecíficas, displasia ar- Como essas malformações podem não desencadear
ritmogênica de ventrículo sintomas ou alterações no eletrocardiograma ou no
direito; teste ergométrico, podem não ser reconhecidas em
— valvopatias; vida. Sintomas, quando ocorrem, são habitualmente
— síndromes arritmogênicas; síncope ou dor torácica durante o exercício. A ecocar-
— doença não-aterosclerótica das artérias coronárias: diografia, a medicina nuclear e a ressonância magnéti-
origem anômala das artérias coronárias, ponte mi- ca podem identificar ou suspeitar a existência dessas
ocárdica, espasmo coronário; anomalias. A confirmação anatômica é dada pela cine-
— doença coronária aterosclerótica no atleta; coronariografia(14, 21). Uma vez identificada, a prática de
— “commotio cordis” (concussão cardíaca); esportes deve ser proibida. A correção cirúrgica, quan-
— síndrome de Marfan; do viável, restaura o fluxo coronário.(1)
— doença de Chagas.
Algumas dessas causas não serão abordadas nes- Ponte miocárdica
te artigo. A ponte miocárdica é representada por pequenos
segmentos da artéria descendente anterior, medindo
Doença não-aterosclerótica das artérias de 1 cm a 3 cm, com trajeto intramiocárdico, completa-
coronárias mente circundados pelo miocárdio do ventrículo esquer-
Cerca de 20% das mortes súbitas em atletas jovens do. São ocasionalmente encontrados em atletas jovens
são causadas por anormalidades coronárias: origem que tiveram morte súbita(14, 15). É incerto seu papel no
ou curso anormal de uma coronária (16%); doença ate- desencadeamento da morte súbita desses atletas(1, 2, 21).
rosclerótica (3%); aneurisma de artéria coronária (1%); Cogita-se a hipótese de que a ponte miocárdica possa
hipoplasia das artérias coronária direita e circunflexa; provocar obstrução arterial sistólica crítica e compres-
artérias descendente anterior ou coronária direita que são diastólica residual durante esforço intenso e taqui-
se originam do tronco da artéria pulmonar; intussus- cardia acentuada, resultando em isquemia miocárdica
cepção espontânea; dissecção das artérias coronári- e aumento do risco de parada cardíaca. No entanto, o
as; estenose fibromuscular de ramos das coronárias, fluxo sanguíneo coronário ocorre predominantemente
incluindo os que suprem o sistema de condução; ponte na diástole, e os estudos de necropsia documentaram
miocárdica; estenose coronária induzida por radiação; ponte miocárdica em pacientes que não faleceram su-
arteriopatia coronária associada a transplante cardía- bitamente(14, 15).
co; distúrbios metabólicos, como homocisteinúria e Alguns autores estudaram o significado tanto clíni-
amiloidose(2, 9, 21). co como prognóstico da ponte miocárdica da descen-
dente anterior em crianças com cardiomiopatia hiper-
Origem anômala das artérias coronárias trófica. Arteriografias de 36 crianças demonstraram pon-
A origem anômala da artéria coronária no seio aór- tes miocárdicas em 28%. Comparadas com pacientes
tico constitui a terceira causa de morte súbita cardíaca sem ponte, apresentaram maior incidência de dor torá-
com relação a freqüência e importância, ocorrendo em cica e taquicardia ventricular. Os portadores de pontes
cerca de 14% dos casos.(9) A mais comum dessas con- também demonstraram redução da pressão arterial,
dições, que pode provocar morte súbita, é a origem maior depressão do segmento ST e maior dispersão
anômala da artéria coronária esquerda(14). A isquemia do intervalo QT com o exercício(14).
miocárdica ocorre em surtos cumulativos, que, com o
tempo, resultam em fibroses esparsas do miocárdio. Espasmo da artéria coronária
Predispõem a arritmias ventriculares letais, por cria- O esforço físico pode induzir espasmo arterial co-
rem um substrato miocárdico eletricamente instável. ronário. Este ocorre mais freqüentemente perto de um
Admite-se que os mecanismos envolvidos sejam: segmento vascular comprometido por aterosclerose,
— origem em ângulo agudo e dobra ou oclusão pela mas pode ocorrer em artérias sem lesões. Deve ser

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 245
suspeitado quando a is- outras manifestações fisiológicas do exercício podem
quemia miocárdica ocorre ser os responsáveis pelo desenvolvimento de arritmi-
sem obstrução coronária as.
GHORAYEB N e cols. significante ou quando o Há incremento de risco de morte súbita cardíaca
Morte súbita cardíaca limiar desencadeante da relacionada ao exercício intenso em homens adultos,
em atletas: paradoxo isquemia durante o exer- nos quais o fator mais importante é a doença arterial
possível de prevenção
cício é muito variável. coronária. O risco relativo de morte súbita que ocorre
Entre os mecanismos durante o exercício quando comparado a outros mo-
que induzem vasoespas- mentos é cinco a sete vezes maior. Em indivíduos que
mo coronário incluem-se: não se exercitam regularmente, o risco de morte súbi-
hipercontratilidade da pa- ta quando realizam exercícios vigorosos é muito mais
rede coronária acometida alto. Embora o exercício possa ser um gatilho para in-
por aterosclerose; elevação da concentração plasmáti- farto agudo do miocárdio e morte súbita, freqüentemen-
ca de agentes vasoconstritores; e disfunção endotelial te o exercício mostra-se redutor do risco de ocorrência
coronária. Atletas com aterosclerose discreta e vaso- desses eventos em exercícios subseqüentes(1, 14, 20).
espasmo conhecido devem ser aconselhados de for-
ma similar aos atletas com aterosclerose grave. Indiví- “Commotio cordis”
duos com vasoespasmo e arteriografia normal podem A concussão cardíaca é relatada na literatura como
ser liberados para atividades competitivas de baixa in- a segunda causa de morte súbita em atletas jovens(20).
tensidade(14). É um trauma não penetrante na parede torácica, que
pode induzir fibrilação ventricular, na ausência de anor-
Doença aterosclerótica coronária no atleta malidades cardíacas subjacentes. É observada princi-
Atletas com mais de 35 anos de idade e que mor- palmente no beisebol, entre jovens, em que a veloci-
rem subitamente durante o exercício são, provavelmen- dade de impacto da bola e a conseqüente energia dis-
te, portadores de doença aterosclerótica coronária, fre- pendida são ainda relativamente baixas (normal para
qüentemente com múltiplos fatores de risco não-con- a faixa etária envolvida). Níveis mais altos de energia
trolados. Cerca da metade tem história de doença ate- (beisebol adulto profissional) que atingem violentamen-
rosclerótica coronária conhecida ou sintomas prévios. te a parede torácica, lesões traumáticas não penetran-
Quase metade tem evidência de infartos cicatrizados. tes no futebol americano e certos acidentes automobi-
Vários mecanismos podem contribuir para precipi- lísticos podem causar infarto do miocárdio, formação
tar infarto agudo do miocárdio e morte durante o exer- de aneurismas cardíacos, contusão e ruptura miocár-
cício, em indivíduos com doença aterosclerótica coro- dica, e arritmias ventriculares, mas não o fenômeno
nária(3, 8): “commotio cordis”.
— ruptura de placa e trombose coronária; De 1980 a 1990, foram documentadas dezenas de
— contração de uma placa não complacente, induzin- casos de “commotio cordis” nos Estados Unidos, en-
do ruptura; volvendo beisebol, hóquei, “lacrosse” e “softball”, além
— alterações no contorno epicárdico das placas coro- de socos no tórax (caratê e “kickboxe”). Em todos es-
nárias; ses esportes, parece ser essencial que o impacto seja
— aumento das forças de cisalhamento; por um objeto relativamente duro(20, 22).
— aumento da agregação plaquetária induzida por ca- A ocorrência de “commotio cordis” é maior em atle-
tecolaminas; tas jovens, com média de idade de 12 anos; 70% dos
— espasmo coronário induzido pelo exercício. casos ocorrem em menores de 16 anos, provavelmen-
O mecanismo presumível de morte súbita em uma te em decorrência da maior flexibilidade do tórax, faci-
oclusão aguda coronária é o desenvolvimento de arrit- litando a transmissão de energia mecânica para o mio-
mias malignas, geralmente a fibrilação ventricular. A cárdio.
isquemia pode ser o gatilho para arritmias malignas, As vítimas, em sua maioria, são homens. A razão
na presença de um substrato apropriado, como infarto para essa predominância de gênero não é clara e não
agudo do miocárdio. é inteiramente explicada pela maior freqüência de par-
Arritmias ventriculares em pacientes com infartos ticipantes homens nesses esportes. Diferenças bioló-
prévios são freqüentemente induzidas pelo exercício. gicas fundamentais e relevantes entre os sexos, possi-
A isquemia nem sempre é o gatilho para morte súbita velmente incluindo diferenças na repolarização ventri-
na presença de infarto antigo. O teste ergométrico nes- cular, influências hormonais ou anatomia da parede
ses pacientes pode não mostrar manifestações isquê- torácica, talvez possam influenciar, porém ainda não
micas precedendo o desenvolvimento das arritmias. Na está claro se tais fatores existem e quais são eles. Nas
ausência de isquemia, o aumento de catecolaminas e vítimas de “commotio cordis”, o impacto torácico ocor-

246 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
re no lado esquerdo do seguida pela melhoria dos equipamentos esportivos
tórax, diretamente sobre a (bolas, protetores torácicos, etc.) utilizados nos espor-
silhueta cardíaca. Colapso tes de risco(20).
GHORAYEB N e cols. instantâneo ocorre em
Morte súbita cardíaca aproximadamente metade Síndrome de Marfan
em atletas: paradoxo das vítimas. Nas outras, há A síndrome de Marfan tem caráter hereditário, au-
possível de prevenção
um breve período de cons- tossômico dominante. As manifestações ocorrem em
ciência, geralmente mar- muitos sistemas, principalmente esquelético, ocular,
cado por tontura ou deso- cardiovascular e neurológico. O diagnóstico é geralmen-
rientação. A arritmia mais te clínico.
freqüentemente documen- No sistema cardiovascular é causa de aneurisma e
tada é a fibrilação ventri- dissecção da aorta ascendente e, menos caracteristi-
cular, mas um caso de bloqueio completo de ramo e camente, dos segmentos torácico e abdominal, insufi-
ritmo idioventricular (após 10 minutos) foi relatado. ciência aórtica, prolapso da válvula mitral com ou sem
Depois da ressuscitação, o eletrocardiograma de 12 regurgitação e dilatação da artéria pulmonar na ausên-
derivações evidencia acentuada elevação do segmen- cia de estenose valvular.
to ST, principalmente nas derivações anteriores. En- O maior risco associado ao exercício físico na sín-
tretanto, as manifestações da “commotio cordis” se re- drome de Marfan é a morte súbita por evento elétrico e
solvem com o tempo, sem o desenvolvimento de onda a dissecção aórtica. A parede da aorta enfraquece-se
Q, e sem elevação das enzimas cardíacas. pela redução do número de fibras elásticas, por necro-
Quando o impacto ocorre durante a repolarização, se cística da camada média. Arritmias são quase sem-
na porção da onda T particularmente vulnerável (10 pre associadas com prolapso da válvula mitral e, fre-
ms a 30 ms antes do seu pico), imediatamente ocorre qüentemente, com história de palpitações. A dilatação
fibrilação ventricular. Impacto durante outras partes do da base da aorta ocorre de forma gradual, provavel-
ciclo cardíaco não induzem fibrilação ventricular, mas mente pela repetição do estresse do volume ejetado
causam elevação do segmento ST e bloqueio comple- pelo ventrículo esquerdo e por fragilidade intrínseca da
to transitório. parede vascular. Desse modo, o manejo desses paci-
Em estudos experimentais, outras variáveis relevan- entes é baseado em três objetivos: detectar a dilata-
tes para o risco de desencadear fibrilação ventricular ção aórtica; reduzir a chance de eventos traumáticos,
foram observadas: consistência do objeto que colide que poderiam levar ao rompimento repentino da pare-
contra o tórax (objetos duros) e velocidade do objeto de da aorta; e reduzir o estresse repetitivo na base di-
(mais provável entre 48 km/h e 96 km/h). latada da aorta.
Como a fibrilação ventricular é um fenômeno ins- Indivíduos com síndrome de Marfan devem evitar
tantâneo, postula-se que ela ocorra na concussão car- esportes de contato, nos quais as colisões podem pro-
díaca provavelmente por um fenômeno elétrico primá- vocar injúria na aorta por desaceleração, e exercícios
rio. É possível que canais iônicos específicos sejam isométricos, que geralmente aumentam o produto da
ativados com o impacto, e o mais provável é o canal de pressão sanguínea pela freqüência cardíaca, e devem
potássio — ATP, considerando-se que ele é o respon- usar betabloqueadores para diminuir o inotropismo e o
sável pela elevação do segmento ST e pela fibrilação cronotropismo. A dosagem deve ser individualizada, ob-
ventricular na isquemia do miocárdio. jetivando alcançar freqüência cardíaca de repouso de
A sobrevida é de aproximadamente 10%. Tal como 60 bpm ou menos e no esforço submáximo inferior a
em outras causas de fibrilação ventricular, o fator mais 110, além de pressão arterial de repouso em níveis
importante determinante da sobrevida é a desfibrila- normais. Terapia farmacológica e restrição de exercí-
ção cardíaca precoce. Dos 70 casos relatados, 11 con- cio devem ser instituídas assim que o diagnóstico é
seguiram sobreviver até o hospital, porém 4 deles mor- estabelecido. Quanto maior a base da aorta, maior a
reram em decorrência de graves lesões em órgãos vi- restrição ao exercício. Para os pacientes com mínima
tais. Dos 7 que sobreviveram até o hospital, 5 tiveram ou branda dilatação da base da aorta, caminhadas
completa recuperação neurológica. Desses 7 indivídu- aeróbicas provavelmente não são nocivas e podem
os, o suporte básico de vida foi iniciado com intervalo beneficiar em termos de bem-estar e condicionamento
de um a cinco minutos e apenas 1 indivíduo teve reso- físico geral. A expectativa de vida para as pessoas com
lução espontânea do evento (provavelmente da arrit- síndrome de Marfan foi marcadamente aumentada pelo
mia)(2, 3, 20, 22). diagnóstico precoce, pela restrição de exercícios, pelo
Além da instituição de manobras rápidas de ressus- uso de betabloqueador, e pela cirurgia profilática da
citação cardiopulmonar e desfibrilação, a prevenção da base da aorta.
morte súbita pela concussão cardíaca poderá ser con- Adultos com síndrome de Marfan e dilatação mode-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 247
rada da base da aorta (50 entre 45 e 55 anos, praticantes de atletismo (fundis-
mm a 55 mm) podem ser tas), apresentavam extra-sístoles ventriculares polimór-
submetidos a cirurgia pro- ficas, função sistólica de ventrículo esquerdo normal,
GHORAYEB N e cols. filática, com risco de mor- porém com alterações variáveis da função diastólica.
Morte súbita cardíaca talidade inferior a 2%. So- Apesar da orientação para interromper a atividade com-
em atletas: paradoxo brevida a longo prazo, de petitiva, mantiveram-se em atividade, sem evento car-
possível de prevenção
até sete décadas, tornou- diovascular registrado até o presente. Cinco atletas (4
se comum. fundistas e 1 ciclista), apresentando apenas sorologia
O seguimento é feito positiva e bloqueio completo de ramo direito, continu-
com ressonância magné- am suas atividades esportivas por decisão pessoal.
tica. Se o diâmetro ultra- Acompanhados clinicamente com regularidade, não ti-
passar 55 mm, o reparo é veram registrado qualquer evento relevante até o mo-
realizado. Indivíduos com dissecção crônica tipo 1 de- mento.
vem evitar qualquer exercício e não podem levantar De forma geral, são utilizados dados referentes a
mais que 9 kg de peso(1-3, 10, 14). não-atletas para decidir sobre a desqualificação ou não
de atletas com doença de Chagas, considerando de
Doença de Chagas alto risco aqueles com alteração da função ventricular,
Embora não seja objeto deste artigo, julgou-se opor- portadores de arritmias ventriculares complexas e de
tuno tecer algumas considerações sobre a doença de doença avançada do sistema de condução (ver itens
Chagas. Incluída na avaliação pré-participação espor- específicos). Não obstante tais recomendações, a ade-
tiva, a investigação para doença de Chagas visa prin- rência à interrupção da atividade competitiva, quando
cipalmente à presença de comprometimento cardíaco. indicada, tem sido muito baixa.
O encontro de anormalidades clínicas, radiológicas e
eletrocardiográficas é condição para afastamento defi- CONCLUSÃO
nitivo da prática esportiva. Quanto à forma crônica,
denominada indeterminada (sem alterações clínicas ou O problema da morte súbita cardíaca relacionada
em exames complementares), não são obrigatórias ao esporte ou à atividade física intensa é tema com
restrições acentuadas à atividade física, porém com algumas vertentes não resolvidas. A primeira é o fato
os conhecimentos atuais não é possível estratificar ris- de que não existe, em nosso meio, lei que obrigue a
cos e estabelecer limites seguros de intensidade dos realização de exames clínicos de pré-participação para
exercícios para proteção e segurança do atleta com todos os atletas que competem em provas oficiais, o
essa forma da doença(23-25). que com certeza diminuiria significativamente o núme-
Os dados relacionando morte súbita cardíaca e do- ro de atletas em risco de morte. Na Itália há mais de 25
ença de Chagas em atletas são escassos. Na Seção anos vigora lei obrigando a avaliação pré-participação,
Médica de Cardiologia do Esporte do Instituto Dante em que 3,3% dos mais de 33 mil atletas examinados
Pazzanese de Cardiologia, 9 atletas chagásicos foram foram afastados da prática esportiva, sendo a metade
acompanhados nos últimos sete anos(25). O número deles por cardiomiopatia hipertrófica. O segundo fato é
baixo de indivíduos, apesar da pesquisa de rotina da a escassez de informações das reais causas das mor-
doença de Chagas em todos os atletas avaliados, pode tes súbitas em atletas, pois as verificadas em provas
ser explicado pela própria restrição ao exercício que de corridas públicas, como maratona e suas variações,
ocorre na maioria dos afetados pela doença. são omitidas pelos responsáveis e o serviço de verifi-
Todos os atletas com sorologia positiva apresenta- cação de óbito nem chega a ser acionado para desco-
vam bloqueio completo do ramo direito ao eletrocardi- brir a causa da morte súbita, pois atestados de óbito
ograma. Um atleta (praticante de triatlo) apresentava, são fornecidos de modo suspeito. O uso de substânci-
além do bloqueio completo do ramo direito, bloqueio as ilícitas de risco cardíaco é de difícil constatação. Por
atrioventricular de 2º grau (tipo 1 e tipo 2 de Mobitz, fim, o pouco conhecimento da área de cardiologia do
concomitantemente), extra-sístoles ventriculares poli- esporte com peculiaridades notórias e os estudos de
mórficas e miocardiopatia dilatada leve. A despeito da casos não são suficientemente amplos para ditar nor-
orientação expressa para interromper a atividade des- mas de conduta definitivas. Além do mais, essa talvez
portiva, esse atleta continuou a competir. Na evolução seja a área mais sensível e difícil para tomar decisões
aos 36 anos de idade, apresentou acidente vascular sobre o afastamento parcial ou definitivo de um atleta,
encefálico isquêmico, secundário a trombo intracavitá- com risco de morte súbita, de suas atividades profissi-
rio, após competição. Três atletas, com idade variando onais.

248 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
SUDDEN CARDIAC DEATH IN THE ATHLETES:
GHORAYEB N e cols. PARADOX POSSIBLE TO PREVENT
Morte súbita cardíaca
em atletas: paradoxo
possível de prevenção
NABIL GHORAYEB, MICHEL BATLOUNI, GIUSEPPE S. DIOGUARDI,
SERGIO TIMERMAN, ALI NAKHLAWI, ADRIANO M. TRICOTI, CLARISSA C. DALL’ORTO,
DANIEL F. MUGRABI

Sudden cardiac death is an uncommon but a dramatic event that can be preven-
ted and is potentially treated. This syndrome can happen in an structurally normal
heart or can be associated with silent cardiac diseases, but it is usually linked to
complex and severe ventricular arrhythmias most of the time. The mechanisms rela-
ted to sudden cardiac death are mainly an acute reduction of the cardiac output
caused by myocardial ischemia or a complex arrhythmia that decrease cerebral blood
flow that culminates with uncounciousness. The combination of these several events
with the vulnerable myocardium set the origin of fatal arrhythmias, like ventricular
fibrillation. The interaction of other physiopathologic mechanisms with increased
oxygen demand by the myocardial cell, changes in the autonomic balance, electro-
lyte disturbances and activation of thrombogenic mechanisms acting in an unstable
myocardium, may be the most plausible explanation for sudden cardiac death in
athletes. Other diseases related to death are idiopathic hypertrophic cardiomyopa-
thy, arrhythmogenic right ventricular dysplasia, anomalous origin of the coronary
arteries and dilated cardiomyopathy. Coronary artery disease is more frequent in
athletes 35 years or more. Clinical evaluation and periodic medical assessment of
these athletes are the most reliable means to prevent disease and death during
sport activity. In Brazil, Chagas’ disease is a very commom cardiomyopathy and has
to be searched when the athletes come from endemic areas. To disqualify an athlete
from sport due to the risk of die, goes against the reality of several athletes that
choose sports as a professional way of living, and socioeconomic growing.

Key words: sudden cardiac death in athletes, sudden death in sports, heart disea-
ses in athletes, sports, sudden death.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:242-50)


RSCESP (72594)-1534

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250 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
NA BEIRA DO CAMPO COMO À BEIRA DO LEITO:
GRINBERG M e col. BIOÉTICA E MEDICINA DO ESPORTE
Na beira do campo como
à beira do leito: Bioética e
Medicina do Esporte
MAX GRINBERG, TARSO AUGUSTO DUENHAS ACCORSI

Unidade de Valvopatia Clínica — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —


Cerqueira César — CEP 05403-900 — São Paulo — SP

Caberia analisar o esporte sob a óptica da bioética? Um enfoque à beira do


campo análogo ao da beira do leito? Atividade física e esporte são parte da cultura
da sociedade, contribuindo para a saúde da população, para sua socialização, para
a diversidade cultural e para a qualidade de vida. Há muito tempo se praticam espor-
tes, há poucos anos ganha espaço a Medicina Esportiva. A prática esportiva incita
múltiplas reflexões bioéticas. A bioética, abordando questões inerentes à vida, acom-
panha os profissionais de saúde nas atitudes e decisões diárias. Princípios funda-
mentais como não-maleficência, beneficência, autonomia e justiça devem ser cons-
tantemente consultados para guiar decisões a um desfecho adequado.

Palavras-chave: bioética, esporte.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:251-67)


RSCESP (72594)-1535

“Orandum est ut sit mens sana in corpore sano” até certo ponto distorção – do conselho do mestre ro-
(Desejemos uma mente sadia num corpo sadio) mano em sátiras Juvenal, “mens sana in corpore sano”,
Decimus Iunius Iuvenalis (60-127) ou vice-versa, dependendo de um ângulo mais profis-
sional ou mais amador, o esportista é visto como mo-
ATENDENDO À CONVOCAÇÃO delo da pessoa saudável(8). Atletas são considerados
pela sociedade como jovens bem adaptados, que se
Cabe observar o esporte sob a óptica da bioética? valem de órgãos treinados em prol de um objetivo com
Os princípios da bioética(1-4) são úteis para fundamen- maior ou menor superposição ao aforismo do Barão
tar reflexões no âmbito da Medicina Esportiva? Um en- Pierre de Coubertain (1863-1937), o criador dos Jogos
foque da bioética na beira do campo será análogo ao Olímpicos modernos: “O importante não é ganhar, o
da beira do leito?(5-7) Se partirmos das premissas a se- importante é competir”.
guir, teremos cinco razões para considerar que o sinal O espelho do atleta jovem reflete a auto-estima en-
é verde: a) a bioética se preocupa com o “Homo sapi- grandecida pelo “corpore sano”, em que uma “mens
ens” ser humano; b) valores distintos podem dominar ingênua” recusa-se a admitir “doenças de velho”, e
determinadas circunstâncias; c) saúde e valores do quando ocorre, por exemplo, a notícia sobre uma car-
esportista são sensíveis a aspectos culturais e ambi- diopatia, o raciocínio amplia-se para “velho é quem
entais; d) valores dão o caminho quando se atingem morre do coração”. A imagem na qual o atleta se vê
os limites científicos de um processo de decisão; e e) a centro do universo distorce quando o médico do es-
aplicação desta não significa ausência de dúvidas. E, porte comunica ao atleta que ele será transferido da
assim, devemos prosseguir, valorizando o que não fal- beira do campo para a beira do leito. As mudanças de
ta no esporte: desafio, regras e resultados. ambiente correm por conta de estatísticas respeitáveis,
Estimulado pela atualizadíssima simplificação – e que calculam que a incidência de morte súbita em atleta

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 251
jovem, cuja causa princi- dução a 300 km/h ou num nado sincronizado. E Medi-
pal é cardiopatia estrutu- cina Esportiva é arte que se serve da ciência na beira
ral, é de 1 caso para 43 do campo.
GRINBERG M e col. mil, na faixa de 12 a 35 Práticas de sobrevivência tornaram-se esporte,
Na beira do campo como anos(9). Por curiosidade, no como arco-e-flecha, lutas, remo e natação; esportes
à beira do leito: Bioética Brasil, 20% da população tornaram-se meios de sobrevivência, em meio a graus
e Medicina do Esporte
está na faixa etária entre distintos de profissionalismo, inclusive de médicos.
15 e 24 anos(10). O esporte associa-se a um espírito de ideologia,
Já o comportamento proporcionando uma afinidade para a convivência de
oposto, o sedentarismo, é indivíduos sem relação de parentesco – uma torcida
fator de risco para muitas irmanada – e para o embate – um time – por motivos
morbidades(11). Há sufici- diferentes dos atávicos interesses genéticos. Quando
ente evidência para sustentar a concepção de que um o homem mudou o estilo de vida de nômade para as-
estilo de vida que inclui atividade física regular contri- sentado, surgiram especialistas para cuidar das mais
bui para a preservação da saúde e o adiamento de ma- variadas necessidades de uma densidade populacio-
nifestações mórbidas, como coronariopatia e diabe- nal crescente; o esportista é fruto dessa especializa-
tes(12). ção observada na evolução social, nos músculos em
Dualidades é que não faltam: a prática esportiva busca de atividade, no lazer em busca de músculos. E
pode provocar morbidades(9, 13) ou reduzi-las(11, 14, 15), o médico do esporte em busca do saudável.
como é o caso na hipertensão arterial sistêmica, por Esporte bom e agradável contribui para agregar pes-
influência sobre fatores neuro-humorais, vasculares e soas segundo um padrão moral, como se houvesse
estruturais(16). um contrato social que representa mais do que a visão
Ademais, o progresso faz a sociedade dispor de tec- de formalismo, em que um jogo é simplesmente uma
nologia, tanto a que promove o sedentarismo como a disputa sob regras. E a Medicina Esportiva é partícipe
que facilita o exercício. Etiopatogenia e terapêutica! desse contrato.
Uma contribuição da bioética ao esporte é ampliar O esporte analisado pelos aspectos de práticas e
uma cultura de segurança, em que há o charme do prioridades sociais transcende o idealismo de mero
além limites. Ela fundamenta reflexões sobre o risco prazer e/ou do respeito às tradições da modalidade;
de o atleta colocar a saúde em segundo plano, hipnoti- essa visão facilita enxergar o médico do esporte como
zado por ganhos esportivos e não esportivos, atuando um guardião da moral e da ética.
sob condições inóspitas, altitude, frio ou calor excessi- O médico do esporte deve ajustar seu relógio-des-
vos, atendendo a obrigações contratuais. pertador ético para que soe o alarme tão logo perceba
Ademais, a bioética estimula discussões sobre a que estão sendo aplicadas condutas indevidas, visan-
postura do médico diante da ultrapassagem de limites do ao aperfeiçoamento do desempenho. Cada encon-
biologicamente aceitáveis por quem faz um controle do tro do ponteiro da ciência com o da tecnologia deve
seu corpo atendendo a apelos sociais e culturais, sem marcar a hora oficial da ética, aquela que o médico do
considerar as reais necessidades que sua constituição esporte cuida para, na medida do possível, não adian-
física lhe determina. Ela provê subsídios para juízos tar o ainda não autorizado e não atrasar a tecnologia
sobre a prática da exaltação da imagem do corpo por aprovada. E, nesse particular, a bioética comporta-se
quem o pretende esculpido para beneficiar a auto-esti- como competente relojoeiro.
ma ou representar real mensagem para as outras pes-
soas. Uma pesquisa sueca recente chegou a duas cons- FAZENDO O AQUECIMENTO
tatações: a má notícia é que cerca de 6% dos adoles-
centes usam substância considerada “doping” por ra- Historicamente, os médicos colocaram as necessi-
zões estéticas e a boa é que se observa um declínio dades de saúde acima das do esporte, à beira do leito;
do porcentual porque o ideal passou a ser o desenvol- na beira do campo, há a reprodução da postura, contu-
vimento natural dos músculos(17, 18). do há adaptações.
O que o médico do esporte aconselharia para um
RECEBENDO A CAMISA não-atleta talvez ele não faça para o atleta, e vice-ver-
sa. Para o não-atleta, há uma relação médico-paciente
Atividade física e esporte fazem parte da cultura da que pode ficar adstrita aos dois personagens(3, 19, 20); para
sociedade e contribuem para a qualidade de vida da o atleta, o vínculo é extensivo a patrões e padrões (Tab.
população, para a socialização e para a diversidade 1).
cultural. Pode-se praticar o esporte sem o auxílio do médi-
Esporte é arte, num drible no basquete, numa con- co, mas não é aconselhável para quem deseja enfren-

252 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
Tabela 1. Código de Ética na Medicina do Esporte (“Fédération Internationale de Méde-
cine Sportive” — FIMS).

GRINBERG M e col. Posicionamento Oficial


Na beira do campo como Este documento foi preparado por: Prof. Dr. Pear A.F.H. Renström (coordenador), Prof. Dr. Walter
à beira do leito: Bioética e R. Frontera, Prof. Anthony J. Parker e Dr. Jonhn V.M. Wesseling. Aprovado pelo Comitê Executivo
Medicina do Esporte da FIMS em 23 de setembro de 1997.
1. ÉTICA MÉDICA GERAL
Os mesmos princípios éticos que se aplicam à prática médica geral devem ser aplicados também
na Medicina do Esporte. Os principais deveres de um médico incluem:
- Sempre fazer da saúde do atleta sua prioridade.
- Nunca causar nenhum prejuízo à saúde de ninguém.
- Nunca impor sua autoridade de modo a restringir o direito do atleta de tomar sua própria deci-
são.
2. ÉTICA NA MEDICINA DO ESPORTE
Os médicos que cuidam de atletas de todas as idades têm uma obrigação ética de compreender as demandas físicas, mentais e
emocionais da atividade física, do exercício e do treinamento desportivo.
Há uma relação diferente entre especialistas em Medicina do Esporte, seus empregadores, organizações oficiais de esportes,
colegas de profissão e atletas. Na Medicina do Esporte há também uma conexão entre o conceito de patologia e as atividades
desportiva e profissional específicas. Uma lesão desportiva exerce impacto direto e imediato sobre a participação naquela ativida-
de específica, que pode trazer implicações psicológicas e financeiras. A diferença mais óbvia entre a Medicina do Esporte e outras
especialidades é que atletas são geralmente saudáveis.
A ética na Medicina do Esporte também deve ser diferenciada da lei quando relacionada com o esporte. Uma diz respeito à moral
e a outra, a um conjunto de regras sociais. Embora seja desejável que a lei seja baseada em princípios morais e que assuntos de
importância moral tenham respaldo legal, na maioria das vezes nem tudo que é ilegal é imoral e da mesma forma nem todo
comportamento imoral é contra a lei. Assim, quando se fala de ética na Medicina do Esporte não se fala de etiqueta ou leis, mas
sim de moral básica.
3. QUESTÕES ESPECIAIS DE ÉTICA NA MEDICINA DO ESPORTE
O dever do médico para com o atleta deve ser sua principal preocupação, e responsabilidades contratuais e outras ficam em
segundo plano. Uma decisão médica deve ser tomada com honestidade e consciência.
Um princípio ético básico na área de saúde é o respeito à autonomia. Um componente essencial da autonomia é o conhecimento.
A não obtenção de um termo de consentimento informado é ferir a autonomia do atleta. Da mesma forma, não lhe fornecer as
informações necessárias viola o direito do atleta a realizar escolhas próprias. A confiança e a verdade são importantes para a ética
na área de saúde. O conceito de ética é proporcionar informações da melhor forma possível para que o indivíduo possa decidir e
agir com autonomia.
O maior respeito será sempre mantido pela vida e pelo bem-estar. Questões financeiras não devem nunca influenciar a condução
das práticas e condutas na Medicina do Esporte.
4. A RELAÇÃO MÉDICO-ATLETA
O médico não deve permitir que seus conceitos sobre religião, nacionalidade, raça, política ou questões sociais interfiram no seu
cuidado sobre o atleta.
A base da relação entre o médico e o atleta deve ser a absoluta confiança e o respeito mútuo. O atleta tem o direito de esperar que
seu médico utilize toda sua capacidade profissional a todo e qualquer momento. Os conselhos dados e as ações tomadas devem
sempre visar ao interesse do atleta.
O direito à privacidade do atleta deve ser protegido. As regras gerais sobre registros e prontuários médicos devem também ser
aplicadas no campo da Medicina do Esporte. O médico do esporte deve manter um registro completo e detalhado do paciente.
Levando em conta o grande interesse do público e da mídia sobre a saúde dos atletas, o médico deve decidir em conjunto com o
atleta quais informações podem ser liberadas para distribuição pública.
Quando está atuando como médico de uma equipe desportiva, o médico do esporte assume a responsabilidade sobre os atletas,
da mesma forma que os dirigentes e a comissão técnica. É fundamental que cada atleta seja informado dessa responsabilidade e
autorize a divulgação das informações médicas que de outra forma seriam confidenciais, mas somente para profissionais especí-
ficos e para o propósito expresso de determinar a aptidão do atleta para competir.
O médico do esporte informará ao atleta sobre o tratamento, sobre o uso de medicamentos e sobre as possíveis conseqüências
de forma inteligível e procederá de modo a obter sua permissão para o tratamento.
O médico do esporte explicará ao atleta que ele é livre para consultar outro médico.
5. TREINO E COMPETIÇÕES
O médico do esporte deve se opor a treinos, práticas e regras que possam prejudicar a saúde do atleta. Em geral, o médico deve
conhecer as demandas físicas e mentais específicas de cada atleta quando está participando de sua atividade desportiva. Os
aspectos relevantes nesse aspecto incluem a habilidade, a eficiência e a segurança.
Se os atletas em questão são crianças ou indivíduos em fase de crescimento, o médico deve levar em consideração os riscos
continua na página seguinte

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 253
continuação da página anterior

especiais que o esporte pode representar para quem ainda não atingiu a completa maturidade
física ou psicológica. Quando o atleta é um indivíduo em crescimento, o médico do esporte deve
GRINBERG M e col.
assegurar que o treinamento e as competições sejam adequados para seu estado de crescimen-
Na beira do campo como
à beira do leito: Bioética to e desenvolvimento. O médico deve contribuir para divulgar as informações ou as condições
e Medicina do Esporte especiais que são pertinentes a jovens que treinam e competem. É fundamental que essa infor-
mação atinja atletas jovens, pais, tutores e treinadores.
6. ASPECTOS EDUCACIONAIS
Os médicos do esporte devem participar de cursos de educação médica continuada para aprimo-
rar e manter o conhecimento e as habilidades que os permitirão proporcionar o melhor cuidado a
seus pacientes atletas. O conhecimento deve ser compartilhado com os colegas da área.
7. PROMOÇÃO DE SAÚDE
Os médicos do esporte são obrigados a educar os indivíduos de todas as idades sobre os bene-
fícios de saúde proporcionados pela atividade física e pelo exercício.
8. LESÕES E ATLETAS
É responsabilidade do médico do esporte determinar se os atletas devem continuar a treinar ou a participar de competições. A
época de início das competições ou os técnicos não devem influenciar a decisão, mas somente os possíveis riscos e conseqüên-
cias para a saúde do atleta. Se o médico considera que um determinado esporte traz maiores riscos, ele deve tentar eliminar os
risco exercendo pressão sobre os atletas e dirigentes. A prevenção de lesões deve receber a máxima prioridade.
9. EXERCÍCIO TERAPÊUTICO
Quando houver apoio de dados científicos consistentes, deve-se incluir uma prescrição minuciosa de exercícios como parte do
plano de tratamento de um atleta que se recupera de uma lesão ou de uma doença.
10. RELAÇÃO COM OUTROS PROFISSIONAIS
O médico do esporte deve trabalhar em colaboração com profissionais de outras áreas. O médico do esporte deve cooperar com
fisioterapeutas, podólogos, psicólogos, e cientistas do esporte, incluindo bioquímicos, biomecanicistas, fisiologistas e outros. O
médico do esporte tem a responsabilidade final sobre a saúde e o bem-estar do atleta e deve, dessa forma, coordenar os respec-
tivos papéis desses profissionais e de outros especialistas médicos na prevenção, no tratamento e na reabilitação de lesões e
doenças. O conceito de equipe multidisciplinar é fundamental para a prática da Medicina do Esporte.
O médico do esporte deve evitar criticar publicamente colegas que estejam envolvidos no tratamento de atletas.
O médico do esporte deve se comportar em relação a seus colegas e colaboradores da mesma forma que gostaria que eles se
comportassem em relação a ele.
Quando o médico do esporte reconhece que o problema do atleta está além de seu conhecimento técnico, cabe a ele aconselhar
o atleta sobre outros profissionais com conhecimento e experiência necessários para tratá-lo e encaminhá-lo a eles.
11. RELAÇÃO COM DIRIGENTES E CLUBES
Como profissional do esporte, é responsabilidade do médico do esporte determinar quando um atleta lesionado pode retornar à
atividade competitiva. O médico não deve delegar essa decisão. Em todos os casos, a prioridade deve ser dada à saúde e à
segurança do atleta. A data das competições nunca deve influenciar tais decisões.
Para assegurar que o médico do esporte manterá essa obrigação ética, ele deve insistir na sua autonomia profissional e na
responsabilidade sobre todas as decisões médicas referentes a saúde, segurança e interesses legítimos do atleta. Terceiros não
devem influenciar essas decisões. Nenhuma informação sobre um atleta pode ser divulgada a terceiros sem o consentimento do
atleta.
12. “DOPING” (vide posicionamento oficial da FIMS)
O médico do esporte deve se opor e, na prática, evitar utilizar quaisquer métodos ou substâncias que melhorem artificialmente o
desempenho, tais como aqueles proibidos pelo Comitê Olímpico Internacional.
Os médicos têm se oposto energicamente à utilização de métodos que não estejam em conformidade com a ética médica ou com
dados científicos consistentes. Assim, tolerar qualquer forma de “doping” é contrário à ética médica. O médico também não pode,
de qualquer forma, mascarar a dor do atleta para permitir sua participação em competições se houver algum risco de agravamento
da lesão.
13. PESQUISAS
A pesquisa em Medicina do Esporte deve ser conduzida dentro dos princípios éticos aceitos para pesquisas em animais e seres
humanos. A pesquisa nunca deve ser conduzida de modo tal que possa lesionar os atletas ou prejudicar seu desempenho.
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Fonte: Revista Brasileira de Medicina do Esporte, volume 7, número 3, maio/junho de 2001.

254 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
tar o exercício com a mes- Evento fisiológico como a menstruação pode susci-
ma segurança do repou- tar o desejo por manipulações hormonais, mas o des-
so(21). Esse comportamen- taque da atuação do médico do esporte é para duas
GRINBERG M e col. to mostra-se crescente em situações: a primeira corresponde à lesão de estrutura
Na beira do campo como “feedback” com a progres- diretamente relacionada aos movimentos do esportis-
à beira do leito: Bioética e siva capacitação da ciên- ta, como músculo e articulação; a segunda refere-se a
Medicina do Esporte
cia quanto à fisiologia e à restrições dependentes de órgãos, como coração, rins
fisiopatologia do esportis- e fígado.
ta. O médico do esporte concorre para que gatilhos de
O médico do esporte eventos permaneçam virtuais quando exerce um pa-
experiente tem em mente pel múltiplo como médico de família, coordenador de
que o atleta treina para interconsultas, vigilante a decisões anticlínicas de não-
“ver o jogo do esporte” e tomar decisões dentro de cam- médicos e, principalmente, atento para prevenir que o
po; mas não necessariamente está preparado para “ver momento de pendurar as chuteiras contenha etiopato-
o jogo da saúde” e tomar decisões aquém das quatro genias que possam ter sido “descuidos durante a vida
linhas. O médico do esporte tem a responsabilidade de esportista”.
de conscientizar o atleta que uma derrota não o impe- Para efeito deste artigo, distinguiremos o esporte
de de ser um vencedor no esporte, mas que perder a coletivo, paixão do brasileiro.
saúde significa ter que vencer uma doença num con-
fronto que pode ser de vida ou morte. ECOSSISTEMA DO ESPORTE
Para essa tarefa, o médico do esporte precisa sen-
tir bem-estar profissional e respeito ao comportamen- Há pessoas que privilegiam ambições intelectuais
to ético, e deve valer-se de uma lógica no atendimento e preenchem as horas com o desenvolvimento da men-
para que seu conhecimento seja a capacitação da te, o que inclui muitos dos chamados sedentários; há
Medicina Esportiva. as que colocam o corpo em primeiro lugar, até por se-
Há vários ambientes de atuação do médico do es- rem profissionais em alguma modalidade esportiva; há
porte. O seu “consultório” pode ser num campo, numa os que conciliam e, malhadores ou não, entendem que
piscina ou numa pista. Conceitualmente, seus “pacien- a juventude não é um bem durável e desejam prolon-
tes” variam desde praticantes de esportes radicais até gar a sensação de jovem.
pacatos jogadores de xadrez, desde competidores in- Atletas sofrem as transformações do envelhecimento
dividuais até membros de um time. Cada modalidade como qualquer ser humano, razão de suas carreiras
esportiva tem suas morbidades. O denominador comum terem um tempo de vida útil. Após o auge vem a desa-
é a necessidade de cuidar da saúde de campeões e, celeração, e eles passam a ser ex-atletas ou mesmo
de nem tanto, de dezenas de modalidades tão distin- “masters”(23).
tas quanto motociclismo e judô sob os mesmos princí- Atletas sofrem as determinações de seu genoma e
pios éticos fundamentais: o alvo de toda a atenção do as muitas circunstâncias da vida acrescidas das ne-
médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual cessidades e dos percalços do esporte (acidentes de
deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua competição, lesões como a epicondilite lateral – “ten-
capacidade funcional (art. 2º do Código de Ética Médi- nis elbow” – ou a epicondilite medial – “golfer’s elbow”)
ca) e ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito (Fig. 1).
desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom Um único aspecto negativo na saúde pode ser sufi-
conceito da profissão (art. 2º do Código de Ética Médi- ciente para arruinar a condição de atleta, o que nos
ca)(22). permite adaptar o princípio Anna Karenina para “Todas
As doenças comuns que não costumam impedir o as carreiras felizes no esporte se parecem, cada car-
trabalho, senão por pequeno espaço de tempo, não in- reira infeliz é infeliz ao seu próprio modo”.
terferem expressivamente na carreira do esportista. As Cabe ao médico do esporte contribuir para maximi-
habitualidades que determinam uma conduta “só por zar a vida esportiva útil do atleta e minimizar prejuízos
enquanto”, contudo, podem restringir o uso de alguns para sua expectativa de vida.
medicamentos que contenham sal não autorizado para Por isso, é útil considerar um ecossistema do es-
competições. porte, em que inter-relações do conjunto de seres hu-
O médico do esporte cuida do atleta de modo se- manos das mais diversas funções ligadas ao esporte e
melhante ao não-atleta perante gripe, gastrite ou diar- do ambiente entendido de modo bem amplo, natureza
réia, pelo menos em tese, já que ele pode ser alvo de e tecnologia, precisam ser as mais harmônicas possí-
pressões para um “mais pronto restabelecimento”, in- veis.
clusive por parte do atleta. O médico do esporte situa-se numa posição de des-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 255
GRINBERG M e col.
Na beira do campo como
à beira do leito: Bioética
e Medicina do Esporte

Figura 1. Inter-relações de interesse do médico do esporte.

taque no equilíbrio de um ecossistema competitivo que O empenho do médico do esporte pela melhor con-
avalia, compara e classifica atletas e conjuntos de es- duta na circunstância não pode ser visto, contudo, como
portistas de acordo com o desempenho e distribui ta- vestir o atleta com um colete salva-vidas. O bom resul-
ças, medalhas e outras honrarias, segundo regras prees- tado é êxito pessoal e acerto profissional que se apoiou
tabelecidas. O médico do esporte tem seu lugar no fiel em beneficência com não-maleficência; o mau resulta-
da balança, em que em um prato está a legitimidade do pode ser um fracasso pessoal, mas não é um erro
da excelência no esporte e no outro, a credibilidade na profissional quando escolhas aconteceram sem as se-
Medicina Esportiva. duções da esperança à margem do zelo e da benefi-
Como todos os atletas devem ter oportunidades cência e sem os perigos da utopia que desvaloriza a
iguais de competição, o médico do esporte é fator de prudência e descrê da não-maleficência.
eqüidade. Alertas do atleta existem, queixas que se tornam a
O médico do esporte dá sua parcela de profissiona- anamnese que vai dar início à avaliação na proporção
lismo para que cada atleta emergente não deixe de se das hipóteses levantadas(24). Há, contudo, o achado com
tornar famoso por causa de imprudências ou negligên- anamnese branca, e na dependência da circunstância
cias médicas. E que cada um não retroceda por essas para o esporte ele gera desafios, especialmente quan-
mesmas razões. to a prognóstico da carreira do esportista.
O médico do esporte tem a responsabilidade de apli- A autonomia do atleta portador assintomático de
car seu “expertise” técnico-científico incluído num con- uma cardiopatia estrutural, como, por exemplo, para
trato de prestação de serviços, e tem prerrogativas opinar sobre o risco-benefício para si e para sua car-
como praticar a humanização e o sentimento de ajuda reira e participar de decisões, é um dos pontos insti-
ao próximo não por dever, mas como virtude. gantes da bioética ligada à Medicina Esportiva. A com-

256 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
preensão não é suficiente, um Departamento Médico do Esporte deve estar am-
habitualmente, para con- plamente estruturado para atender às necessidades do
tornar a frustração do atle- cidadão-atleta-trabalhador. Objetivando prevenção, tra-
GRINBERG M e col. ta e o médico do esporte tamento e reabilitação, interage com vários profissio-
Na beira do campo como está sujeito a transferên- nais, como fisiologistas, fisioterapeutas, farmacêuticos,
à beira do leito: Bioética e cias ameaçadoras. psicólogos e colegas das várias especialidades, inclu-
Medicina do Esporte
Perante situações em indo aqueles que desenvolvem maior atenção aos efei-
que existe risco à vida, ân- tos do treinamento e da competição sobre determina-
gulos jurídicos e trabalhis- dos órgãos.
tas devem ser bem consi- Um chute, uma tacada, uma braçada, um trabalho
derados pelo médico do ósteo-muscular eficiente, enfim, são a ponta do “ice-
esporte antes de aplicar, berg” que se enxerga e se comenta. Para conhecer os
na beira do campo, a estratégia que, porventura, cogi- 90% submersos, o médico do esporte precisa mergu-
taria à beira do leito. A figura da alta a pedido não exis- lhar – e com profundidade – na ciência e na tecnolo-
te na beira do campo! gia, e, oxigenado pela bioética, manter-se consciente
Por maior solidariedade, acessibilidade, espírito de das estatísticas sobre atletas, inclusive que elas ensi-
amizade, compaixão e tolerância que dedique ao atle- nam que eventos trágicos acontecem, como foi fato com
ta, o médico do esporte não está imune àquele assus- o pretensamente indestrutível Titanic.
tador quarteto de palavras com quatro letras, dano pro- Para navegar no oceano de ondas de riscos e ame-
vocado, nexo estabelecido, alegação de dolo e pena aças de tormentas, o médico do esporte vale-se da
analisada. Estar sentado no banco de reservas é mais humanização estimulada pela bioética para derreter o
confortável que no banco dos réus. gelo que se forma a baixas temperaturas de comuni-
É oportuno lembrar o poeta e educador Henry Wa- cação, ou seja, utilizar o calor humano para reduzir os
dsworth Longfellow (1807-1882): “...nós nos julgamos impactos que poderiam pôr à deriva a relação médico-
pelo que nos propomos a fazer, os outros nos julgam atleta.
por aquilo que fazemos...”. O médico partícipe do Ecossistema do Esporte de-
senvolve relação médico-atleta mais de perto, pois ela
MEDICALIZAÇÃO DO ESPORTE é exercida por “consultas” diárias que viabilizam diag-
nósticos precoces e condutas prontamente aplicadas.
Atletas existem há séculos, e há poucos anos ga- A medicalização do esporte contribui para um ideal
nha espaço a Medicina Esportiva no Brasil, incluída maior da Medicina, que é a prevenção (“Prevenir, me-
entre as 52 especialidades reconhecidas pelo Conse- lhor do que remediar”), por meio de: a) busca de crité-
lho Federal de Medicina. rios para os limites entre adaptação fisiológica e esta-
A Medicina Esportiva lida com atletas, envolve-se do patológico; b) conscientização de que bem se de-
com as necessidades físicas, mentais e emocionais da sempenhar numa atividade esportiva não significa obri-
atividade física, do exercício e do treinamento despor- gatoriamente órgãos saudáveis; c) valorização da revi-
tivo, e adapta-se a relações especiais com comissão são estruturada de saúde, algo como uma renovação
técnica, dirigentes, entidades e legislações esportivas. periódica da licença para praticar; e d) aplicação de
Atletas brasileiros disputam por uma bola e são dis- “vacinas” contra desvios das boas práticas esportivas.
putados no mundo da bola; competem por recordes e É sabido que, como o homem é um ser imperfeito,
pisam no pódio da fama internacional; despendem es- atletas podem manifestar certos sintomas que resul-
forços pelo preparo físico e retribuem o esforço dos tam rotulados como “variações do normal”. Cada épo-
dirigentes. Esses comportamentos serão tanto mais ca tem seus critérios para considerar que uma deter-
saudáveis quanto mais desenvolvida se fizer a Medici- minada manifestação “não é indicativa de doença”. Não
na Esportiva no Brasil. faz muito tempo, os cardiologistas conviveram com
O médico do esporte vale-se da Medicina para pro- casos identificados como prolapso da valva mitral; o
teger o atleta de males internos e externos; portanto, que se pretendeu representar cardiopatia hoje está in-
as limitações que existem estão em consonância com cluído no diagnóstico de normalidade; muitos exami-
as obscuridades da chamada ciência das probabilida- nados daquela época deixaram de praticar esporte re-
des e arte das incertezas. Cabe a questão: foi o médi- creativo pela verdadeira cardiomania que se instalou.
co como agente da Medicina que, eventualmente, não A chamada reserva funcional permite que um ór-
conseguiu ou é a Medicina, como limitadora do médi- gão com graus de alteração morfológica não cause des-
co, que não permitiu? confortos; por outro lado, nem sempre é fácil avaliar
O médico que atua diretamente com atletas costu- quanto falta para o copo transbordar. Assim se expli-
ma ter afinidade com a especialidade de ortopedia, mas cam as “surpresas” de eventos com atletas assintomá-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 257
ticos no repouso e no exer- cruzamentos de informações; em cada um cabe en-
cício. xergar as três luzes universais do semáforo ético para
À reboque do anterior- elevar a segurança de uma boa condução clínica. O
GRINBERG M e col. mente comentado vem a daltonismo ético provoca colisão com o art. 29 do Có-
Na beira do campo como noção do “check-up” estru- digo de Ética Médica (“é vedado ao médico praticar
à beira do leito: Bioética turado para o atleta, que atos profissionais danosos ao paciente, que possam
e Medicina do Esporte
tem o duplo objetivo do di- ser caracterizados como imperícia, imprudência ou ne-
agnóstico precoce e da gligência”)(22).
avaliação periódica da ca- Habilitado pela beneficência com zelo e pela não-
pacitação para a atividade maleficência com prudência, o médico do esporte tra-
competitiva. É lógica com fega por caminhos sinalizados para evitar entrar num
grande apelo ético e que beco sem saída. A fluidez depende de como contorna
se superpõe à recomendação de avaliação cardiovas- certas rotatórias: 1) Quais diagnósticos podem ser afas-
cular prévia à participação do atleta em campeonatos. tados, confirmados ou mantidos como hipótese? 2)
Recentemente, o “Study Group on Sports Cardiology Como qualificar os riscos dos diagnósticos não afasta-
of the Working Group on Cardiac Rehabilitation and dos (confirmados ou não) no contexto da modalidade
Exercise Physiology and the Working Group on Myo- esportiva? 3) Qual o grau presumido de involução dos
cardial and Pericardial Diseases of the European Soci- riscos com escolhas terapêuticas aplicáveis? 4) Qual a
ety of Cardiology”, com partícipes acostumados a cui- linha de corte admissível entre superação do risco e
dar de atletas jovens e fundamentados na experiência liberação para o retorno às atividades do esporte e o
italiana de obrigatoriedade de avaliação prévia, emitiu malogro e persistência do afastamento? 5) Que impli-
considerações, especialmente, sobre morte súbita du- cações éticas e bioéticas surgiram? 6) Qual a opinião
rante atividade esportiva e recomendou a implantação do atleta quanto às eventuais implicações no seu dia-
de uma rotina européia(25). a-dia?; 7) Quais providências de humanização estão
Há várias necessidades de “vacinas” contra desvi- sendo exigidas pelos vínculos médico-atleta e nas ra-
os das boas práticas esportivas. O médico do esporte mificações do entorno do atleta? 8) Qual o planejamento
deve individualizar os comportamentos anormais e to- para a conduta selecionada após passar pelos crivos
mar medidas preventivas para que uma determinada científicos, éticos e bioéticos?; 9) Como está sendo a
competição persista digna de ser chamada de esporte. execução da estratégia consentida? 10) Quanto foi fei-
O médico do esporte ficará tanto mais confortável to do planejado e qual o resultado final?
nas atitudes quanto mais aceitar a bioética como um A gratidão do médico àqueles que lhe apontaram
símbolo do “expertise” profissional, ao lado do estetos- os caminhos éticos é retribuir honrando-os na aplica-
cópio e do bisturi. ção. Cada ação nesse sentido traz um muito obrigado
a Hipócrates de Cós (460 a.C.-377 a.C.). Foi ele quem
ESPÍRITO HIPOCRÁTICO COM ESPÍRITO dissociou a Medicina da religião e legou a seus futuros
OLÍMPICO, UM IDEAL DA MEDICINA ESPORTIVA colegas – estamos próximos da centésima geração de
seus herdeiros – a mensagem-símbolo da ética médi-
Uma rotina estruturada para tomada de decisões é ca “... não prejudique o paciente...”, e que foi adotada
construída pelo médico do esporte com alicerces num pela bioética como o fundamento do princípio da não-
amplo senso ético. O método será valioso em qualquer maleficência. A outros gregos somos gratos por nos
circunstância, desde uma banal avaliação da condição deixarem a herança das Olimpíadas, símbolo do es-
física até uma angustiante opinião sobre volta ao es- porte.
porte pós-ressuscitação de um atleta. Os significados de humanização evocados por es-
O escudo ético forjado na autenticidade resguarda ses dois símbolos são muito fortes e sinérgicos; a jun-
o médico do esporte das estocadas; é orientação para ção do espírito hipocrático com o espírito olímpico é
formar a barreira contra a cobrança por faltas antiéti- um ideal da Medicina Esportiva.
cas. Pela fidelidade à saúde do atleta no futuro, mais A prática do esporte competitivo tem regras defini-
vale privilegiar uma real tristeza que uma falsa alegria. das; eventos clínicos não necessariamente obedecem
O médico do esporte sabe que os 145 artigos do ao que está escrito em livros. O placar biológico é mais
Código de Ética Médica brasileiro valem também à beira cruel que o esportivo, pois ele é construído por muitos
de nossos campos, quadras, ringues, pistas, piscinas, impedimentos e por voluntários gols contra.
etc. Não há espaço para concessões, o “caput” de 77% A prática do ideal espírito hipocrático com espírito
dos artigos é um inflexível alerta: “é vedado ao médi- olímpico é útil para que o esculápio do esporte não
co”.(22). receba “presente de grego”, como um Cavalo de Tróia
À beira do leito ou na beira do campo, há muitos cheio de argumentações destituídas da lógica clínica,

258 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
para que não fique “falando leficência.
grego” na beira do campo, e Exemplo é a preparação física: o benefício pelos
para que não seja visto como treinamentos exige atenção ao que possa ser admitido
GRINBERG M e col. um onisciente oráculo de como término do fisiológico e início do patológico. O
Na beira do campo como Delfos. Ademais, a difusão médico do esporte não deve tirar passaporte e muito
à beira do leito: Bioética e favorece o consenso entre menos visto de entrada para ultrapassar a referida fron-
Medicina do Esporte
gregos e troianos na beira do teira; esta é demarcada, comumente, não por uma de-
leito. Eureka! sejável linha organizadora, mas por limites imprecisos
entre não-doença e doença.
O TRIO DE Na beira do campo, a não-maleficência que se ex-
ARBITRAGEM pressa como “... não prejudique o atleta...” com danos
físicos e de ordem moral e social tem semelhanças e
A mescla de “fairplay” com negócio no esporte im- distinções em relação à praticada à beira do leito. A
põe ao médico do esporte atuar na defesa da saúde, visão de futuro é o denominador comum das superpo-
no ataque a certas práticas e no meio de campo entre sições; distinções estão ligadas, especialmente, a efei-
esporte saudável e vitória a qualquer custo. tos no presente – bradicardia acentuada adaptativa no
Autonomia, beneficência e não-maleficência são o atleta não tem a mesma preocupação que a redução
trio de arbitragem atento para transgressões morais e exagerada da freqüência cardíaca de um não-atleta pelo
éticas. uso de betabloqueador.
No esporte recreativo, apreciações sobre autono- Na questão osteomuscular, a beira do campo e a
mia do praticante superpõem-se às práticas da beira beira do leito tratam de modo distinto o estímulo repe-
do leito, em que conselhos funcionam como estímulo tido que prepara o atleta e o que causa lesão por estí-
para o próprio discernimento. No esporte competitivo mulos repetidos no não-atleta.
profissional, qualquer análise sobre autonomia exige O que se observa é que o não-atleta é protegido
considerar interfaces com o que está escrito e assina- ergonomicamente sob responsabilidade do médico do
do em contratos e regulamentos. Os esportistas filiam- trabalho, por exemplo, enquanto o atleta se expõe sem
se a associações, federações e confederações por meio que o médico do esporte tenha o mesmo grau de influ-
de contratos, as cláusulas não podem ser quebradas ência sobre a segurança do que acontece em seu lo-
por vontade própria e há sanções a serem aplicadas cal de trabalho.
aos infratores. O cuidado com a não-maleficência está na determi-
Motivações também influenciam de modo distinto, nação dos limites entre o útil para a atualidade e o de-
pois, no recreativo, pretende-se um equilíbrio “despre- terminante de desconforto para o futuro. O uso de anes-
tensioso” entre “corpore sano” e “mens sana” e no com- tésico local, por exemplo, dá condições de jogo, mas o
petitivo profissional o “corpore sano” é um instrumento atleta fica sob risco de ter agravada a lesão, uma pro-
de trabalho e passível de desequilíbrios por uma “mens babilidade que deverá ser apresentada ao esportista;
ambitiosa”. idealmente, o procedimento só deverá ser aplicado se
Pelo princípio da autonomia, o direito de o paciente ambos os personangens, médico e atleta, concorda-
concordar ou discordar contrabalança, de certo modo, rem que os benefícios superam os riscos.
posturas de imposição por parte do médico, desníveis Eficiência e honestidade enriquecidas com zelo e
de poder ou mesmo narcisismo. prudência são a tática do médico do esporte para cum-
Atletas não são músculos eficientes sem boca ou prir seu papel sem receber cartão amarelo ou verme-
ouvidos; contudo, o médico do esporte transita por ca- lho da arbitragem da bioética.
minhos de heteronomia, com vários quebra-molas e
curvas que exigem a desacelaração de pretensões para O MÉDICO SAI NA FOTO?
respeitar as placas de permissão.
Valendo-se de um Niccoló Maquiavel (1469-1527) O art. 102 do Código de Ética Médica dispõe que “é
livre de intrepretações superficiais, para quem “os fins vedado ao médico revelar o fato de que tenha conheci-
justificam os meios” era o conselho para a boa gover- mento em virtude do exercíco de sua profissão, salvo
nabilidade dos príncipes, o médico do esporte tem por por justa causa, dever legal ou autorização expressa
fim dar condição de jogo por meios etiquetados como do paciente” e acrescenta no parágrafo único: “mesmo
beneficência e fazendo adaptações de percurso (não- que o fato seja de conhecimento público”.(22)
maleficência) sempre que vislumbra que eles estão Conhecimento público sobre o que acontece no es-
sendo prejudiciais (“senso lato”) ao fim pretendido. Pró- porte é o que não falta, uma distinção entre a visibili-
qualidade de vida e pró-expectativa de vida de modo dade da beira do campo e a intimidade da beira do
útil e seguro, amparadas pela beneficência e não-ma- leito.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 259
A beira do leito teste- como será que devemos entender essas questões do
munha o paciente autori- cotidiano de uma agremiação esportiva? Deve o médi-
zar, de maneira pratica- co do esporte selecionar informações para a comissão
GRINBERG M e col. mente tácita, o comparti- técnica? Limitá-las aos pontos de relevância para as
Na beira do campo como lhamento das informações condições de disputa? Ampliá-las para aspectos extra-
à beira do leito: Bioética com os familiares, com esportivos que tenham o potencial de afetar o desem-
e Medicina do Esporte
baixa probabilidade de penho competitivo?
conflito de interesses em Em prol da saúde ética da Medicina do Esporte, cri-
relação à quebra de segre- térios devem ser elaborados sobre o que se deve en-
do; ademais, a beira do tender como “expressa autorização do paciente ou de
leito não exige do médico, seu responsável legal” e como obrigação de médico-
na maioria das vezes, to- funcionário.
mar iniciativas para diálogos com patrões dos pacien- É oportuno mencionar que três organizações es-
tes, envolver-se com relações trabalhistas ou ter con- portivas inglesas (“British Olympic Association”, “Bri-
tato com a imprensa – este é excepcional e regula- tish Medical Association” e “The Football Association”),
mentado pelo Conselho Regional de Medicina. recentemente, deram passos importantes para o res-
Já na beira do campo, a penumbra íntima da beira peito à confidencialidade de assuntos médicos no meio
do leito é substituída pelo iluminamento de muitos wat- esportivo(26, 27).
ts. Atletas de elite são pessoas notórias e o interesse O médico do esporte deve dar sua parcela de con-
pela saúde deles está intimamente ligado à idolatria tribuição para que as organizações que estruturam as
dos mesmos. A expectativa pela competição compele modalidades esportivas pautem suas decisões, cada
à comunicação dos fatos para um público que tem no vez mais, como agentes morais da sociedade.
esporte uma verdadeira ideologia.
Há muitas pessoas que se postam entre o médico e GANHANDO A COMPETIÇÃO SEM PERDER
o atleta, achando-se no direito de compartilhar infor- A SAÚDE
mações sobre a saúde do atleta, o que quebra a ir-
mandade entre o espírito hipocrático e o espírito olím- Um atleta necessita preservar sua capacidade la-
pico. borativa por uma manutenção física sem danos à saú-
A “família” do atleta é ampla e diversificada: os pri- de. A harmonia pela solidariedade de homeostase é
mos da comissão técnica precisam saber, os tios diri- fundamental; o desenvolvimento do músculo esquelé-
gentes solicitam informações e os irmãos da imprensa tico exige a hipertrofia do músculo cardíaco e esta in-
correm atrás de pormenores. A satisfação de tantas volui quando o atleta se aposenta das competições(28).
notícias sobre a saúde do atleta poderia corresponder Outra constatação é que, na situação de repouso, o
a infrações éticas, se produzidas à beira do leito. excedente para a função de um órgão não é visto como
O que se materializa no espaço restrito das poucas prejudicial para o atleta, como poderia ser visto para o
linhas de um atestado médico, à beira do leito, na beira não-atleta.
do campo pode resultar em manchetes e muitas pági- O aperfeiçoamento do desempenho do atleta exige
nas, causando constrangimentos ao art. 117 do Códi- uma tríplice atenção do médico do esporte sobre: a)
go de Ética Médica: “é vedado ao médico elaborar ou benefícios e malefícios das técnicas autorizadas; b) re-
divulgar boletim médico que revele o diagnóstico, prog- percussões de fato acontecidas pelo uso das técnicas;
nóstico ou terapêutica, sem a expressa autorização do e c) uso de ilícitos.
paciente ou de seu responsável legal”.(22) O médico do esporte precisa estar consciente do
O que se observa no dia-a-dia do esporte é como quanto ele está agente ou espectador privilegiado, em
se houvesse uma autorização tácita do atleta para a cada circunstância.
divulgação de sua privacidade, mesmo quando foi trans- Parte-se do princípio de que ainda não se criou um
ferido da beira do campo para a beira do leito, ou uma esporte que não possa causar danos ao corpo e che-
atuação do médico do esporte à semelhança da do ga-se àqueles que excedem e são perigosos na acep-
médico do trabalho, contratado para observar os inte- ção da palavra; o conceito de coragem costuma variar
resses da empresa. para quem pratica e para quem assiste.
Considerando o que dispõe o art. 105 do Código de O boxe tem o objetivo de nocautear o adversário. É
Ética Médica (“é vedado ao médico revelar informações esporte peso pesado no potencial de danos, não fal-
confidenciais obtidas quando do exame médico de tra- tam exemplos de golpes certeiros na carreira e que
balhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de também mandam à lona a vida civil do lutador.
empresas ou instituições, salvo se o silêncio puser em As luvas de boxe não estão na mão da não-malefi-
risco a saúde dos empregados ou da comunidade”),(22) cência, elas estão na contra-mão, paradoxalmente. A

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intenção de proteger as cia. Quanto à autonomia, o atleta não tem muito o que
mãos transformou-se na influenciar, está sujeito ao paternalismo associado à
possibilidade de uma su- heteronomia da natureza.
GRINBERG M e col. cessão de golpes e mais Estatísticas asseguram a benignidade da hipertro-
Na beira do campo como conseqüências subclínicas. fia do coração de atleta como algo planejado para be-
à beira do leito: Bioética e O respeito do médico neficência; outras recomendam a conveniência de tra-
Medicina do Esporte
do esporte com a não-ma- tamento farmacológico – inclusive restrições à ativida-
leficência passa por as- de física competitiva – para a hipertrofia do miocárdio
pectos do próprio corpo do análoga em aspectos morfógicos, mas distinta nas re-
atleta, dos equipamentos lações etiopatogênicas, por que de um não-atleta.
necessários e do ambien- Assim, aos olhos do cardiologista, o coração que
te da disputa. bate na beira do campo não é exatamente idêntico ao
Dentro da diversidade das modalidades esportivas, que é cuidado à beira do leito. Zelo e prudência têm
a conceituação de não-maleficência na Medicina Es- aplicações distintas.
portiva acentua que, na beira do campo, não há ór- Não se observa a possibilidade de um transplante sim-
gãos, há esportistas, à semelhança que, à beira do lei- ples de conduta, uma doação da beira do leito para a
to, não há doenças, há doentes. beira do campo, pois compatibilidades nosológicas não
Essa apreciação faz com que o médico do esporte necessariamente evitam rejeições conceituais e práticas.
paute sua conduta privilegiando cuidados para que o es- Interpretações distintas para apreciações morfoló-
porte não provoque mais danos que aqueles que estão a gicas similares tornam o médico atuante no esporte
eles intrinsecamente ligados. A ampliação de limites de um verdadeiro atleta do diagnóstico diferencial e da ca-
influência sobre decisões extracampo deve fazer parte racterização de beneficência e não-maleficência.
dos objetivos do médico do esporte. Por características Dilemas existem, ambigüidades surgem e o médico
inerentes ao médico, ele tem propensão a funcionar como do esporte precisa estar habilitado para evitar tomar
um tutor de jovens experientes com uma bola, contudo decisões equivocadas; elas são representadas por per-
inexperientes com uma vida de fascínios. missões não fundamentadas em beneficência associ-
ada à hipertrofia do miocárdio ou por proibições que,
COM A FORÇA DE UM HALTEROFILISTA pretensamente invocativas de não-maleficência, com-
prometem indevidamente a carreira do atleta. O cha-
É estimulante para o cardiologista que o coração mado princípio da proteção alerta para que, na ausên-
seja um órgão que consta no nome de um diagnóstico cia de certeza científica e em presença de risco de dano
de adaptação fisiológica ao esporte. sério, se exija a implementação de medidas que evi-
O coração do atleta(29, 30) tem razões que o cardiolo- tem o dano(32).
gista reconhece como uma remodelação adaptativa que Uma inquietação é precisar o nível de cruzamento
estende a capacidade funcional. do aumento na massa cardíaca com o grau de esforço
A mensagem do coração do atleta é que se a natu- solicitado ao coração pelas características da compe-
reza é sensível ao estilo de vida escolhido pelo indiví- tição(15, 33-35); ele pode representar gatilho para as alte-
duo e se dispõe a ajustes, o médico deve conciliar suas rações do ritmo cardíaco com risco de se associar a
intervenções às necessidades e desejos do paciente, óbito em atletas(28, 36-40).
sempre que possível. A bioética é instrumento para Sons, números e imagens em suas infinitas combi-
assistir a essa visão holística. nações são os instrumentos do cardiologista para fun-
O coração aperfeiçoado em seu desempenho pelo damentar limites entre um desejável e benéfico cora-
estímulo da necessidade representa o útil e eficaz das ção do atleta e um indesejável e maléfico coração para
potencialidades filogeneticamente herdadas; a ativação o atleta. As exigências aeróbicas como da natação ou
de uma reserva neuro-hormonal do atleta lhe provê um as isométricas como do halterofilismo justificam o aden-
miocárdio exigido para que possam ser satisfeitos os samento das pesquisas sobre Cardiologia interligada
almejados benefícios físico, social e emocional da ati- à Medicina Esportiva. Cada nova peça no quebra-ca-
vidade física. beça é fator de não-maleficência também para a car-
Alguns limites da normalidade são ultrapassados, reira do médico do esporte!
um estado pré-patológico não fica fora de cogitação,
mas não há exatamente uma doença cardíaca(31). É, SÍNDROME DO EXCESSO DE
simplesmente, o coração fisiologicamente necessário TREINAMENTO (“OVERTRAINING”)
para acompanhar uma circunstância saudável.
Respeitar o coração de atleta é beneficência, estar Exercício e repouso constituem um ciclo no treina-
atento a variações é preocupar-se com não-maleficên- mento; os benefícios do primeiro são consolidados, do

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 261
ponto de vista biológico, sa pela certeza da recomposição das condições de não-
durante o período com- maleficência; por isso a importância do zelo e da pru-
pensatório e regenerativo dência com que o médico do esporte procura eventu-
GRINBERG M e col. do segundo(41). ais causas do “overtraining” e acompanha o treinamento
Na beira do campo como O mito do grego Phei- “desintoxicante”.
à beira do leito: Bioética dippides parece querer Médicos do esporte devem ficar atentos a nadado-
e Medicina do Esporte
nos alertar, justamente, res, praticantes de canoagem e remadores, que estão
para a importância do mais propensos à síndrome de excesso de treinamen-
equilíbrio entre ação e to, podendo haver uma relação com vírus em ambien-
descanso; na esteira da te aquático(42).
história do corredor mais
qualificado da cidade de GENE GENIAL
Marathon (490 a.C.) vem a questão do desejo de so-
brepujar limites, desatenção com fatores básicos de Uma visão de futuro prevê que o médico do esporte
sobrevivência, ansiedade pelo resultado e morte súbi- cuidará de verdadeiros atletas-“cyborgs”. Não se trata
ta. de videogame ao vivo ou de substituir o estetoscópio e
O médico do esporte sensível à bioética decodifica o esfigmomanômetro por uma caixa de ferramentas. É
que resguardar o atleta de “overtraining” é praticar não- um braço da capacitação em conhecer as instruções
maleficência. O malefício a ser evitado é a perda da genéticas presentes desde a concepção até a morte,
capacidade de recuperação do estresse físico repou- permitido pelo projeto genoma; a idéia é o desenvolvi-
so-dependente. O sono reparador da vigília dos mús- mento de superesportistas geneticamente modificados
culos! ou selecionados por possuírem genes favorecedores
Síndrome de “overtraining”, síndrome da queda idi- da excelência no esporte(14, 44-46). Encontro do talento
opática de desempenho ou síndrome do excesso de com a criatividade!
treinamento é morbidade neuro-endócrina que deve ser Na base dessa proposição, estão cientistas que en-
vista pelo médico do esporte como uma comunicação tendem que a modificação genética é uma forma de
extraverbal, que, em analogia à chamada linguagem compensar desigualdades das infra-estruturas que dão
corporal, pode ser sintetizada como o corpo fala... e suporte ao esportista ou deficiências de adaptação ao
reclama. meio externo – considerando, inclusive, a inter-relação
O médico do esporte diagnostica síndrome do ex- filogenética entre gene e meio ambiente.
cesso de treinamento quando a beneficência do “trai- Dentro da concepção acadêmica de Medicalização
ning” é comprometida pela exaustão do “overtraining”, do esporte, pesquisadores partem do princípio de que
ou seja, alguém que se mostrava bem condicionado a sociedade nunca foi prejudicada pelo conhecimento
fisicamente passa a manifestar distúrbios físicos, com- em si, mas pelo mau uso do mesmo. Assim inseridos
portamentais e emocionais progressivos, inviabilizan- no amplo objetivo de definir relações entre genótipo-
do o objetivo primário do treinamento(42, 43). O atleta fenótipo, eles procuram substrato genético para expli-
desvia-se da condição de “mens sana in corpore sano” car por que há atletas tão qualificados e há indivíduos
e fica, por algumas semanas, imposto, curiosamente, tão desqualificados para qualquer atividade esportiva.
ao tratamento pelo sedentarismo. Não há duas pessoas iguais e cada uma tem sua quo-
Fadiga do sistema biológico e “anorexia” pela dis- ta de necessidade de exercício, que parece fazer parte
puta competitiva representam sintomas de alerta quanto de sua identidade. Mas, tudo é passível de mudança e
ao respeito que todos devem às realidades humanas; o cardiologista é um tradiconal iconoclasta do seden-
por mais que limites possam ser vencidos, por mais tarismo.
que haja tentações de criação de um super-homem, O relatório anual “Human Gene Map for Performan-
esbarra-se na “overdose’, uma intoxicação pela buli- ce and Health-related Fitness Phenotypes”(46, 47) acres-
mia competitiva. centa, periodicamente, candidatos a genes de desem-
O vínculo próximo entre o médico do esporte e o penho, lembrando que uma forma específica do gene
atleta facilita o “expertise” clínico confirmar com preco- da enzima conversora em angiotensina foi relacionada
cidade a síndrome de “overtraining” num leque de pos- à capacitação em esporte de resistência.
sibilidades para fadiga, especialmente em relação ao A Medicina Esportiva não pode se furtar a se envol-
diagnóstico diferencial com infecção; o olho clínico é ver na ligação da filosofia e ética no esporte com apre-
valioso, pois exames laboratoriais não costumam auxi- ciações políticas e morais sobre a aplicação de méto-
liar na conclusão diagnóstica, embora certas alterações dos de engenharia genética visando à geração de atle-
hormonais e enzimáticas possam ser observadas(42). tas de elite; e valer-se da bioética como instrumento
A recuperação da beneficência do treinamento pas- das reflexões dessa circunstância nova e complexa

262 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
como o esportista-“cy- rece a igualdade ou a desigualdade na sociedade? É
borg”. O médico do espor- experiência in “anima nobile”? Dignifica o homem?
te é membro nato de qual- A bioética ajuda nas respostas ante a criatividade
GRINBERG M e col. quer pretensão de deter- inesgotável da ciência e da tecnologia.
Na beira do campo como minar limites esportivos A beneficência está intimamente ligada a quanto de
à beira do leito: Bioética e aceitáveis, por meio de um fato a modificação genética poderá trazer de ganho para
Medicina do Esporte
Código de Ética em Mani- o desempenho do atleta em conformidade com os re-
pulação Genética. gulamentos da modalidade esportiva, sabendo-se que
O atleta geneticamen- a excelência atual já torna muito próximos os resulta-
te modificado constitui dos de vencedor e perdedor, separados por centési-
uma nova identidade de mos de segundo.
esportista, algo como uma A não-maleficência refere-se à premissa de que atle-
evolução da espécie não determinada pela natureza, e tas geneticamente modificados têm por objetivo exce-
que exigiria adaptações no Departamento Médico Es- der limites humanos de desempenho e, assim, há ris-
portivo. O médico do esporte precisa estar convencido co de prejudicar salvaguardas naturais quanto à pre-
sobre a correção ética de tudo que disser respeito a servação do equilíbrio entre órgãos.
uma clínica de supercampeões, incluindo um novo sig- Reunião recente patrocinada pela “World Anti-Do-
nificado de humanização para atletas geneticamente ping Agency” (WADA), um projeto cooperativo entre o
modificados. Novas habilidades podem estimular a cri- “International Olympic Committee”, federações interna-
atividade para novas regras de competição e, certa- cionais e governos, incluiu nas conclusões(48): a) a tec-
mente, ser alvo de um filtro pela Medicina Esportiva. nologia genética associa-se a alta perspectiva de be-
Há várias questões que precisam ser analisadas a nefício terapêutico, contudo cientistas, eticistas, atle-
respeito do enquadramento do atleta geneticamente tas, médicos e outros devem se preocupar com o risco
modificado na conjugação dos espíritos hipocrático e de mau uso; b) é essencial haver aderência a regras
olímpico, ou seja, apreciar tendo em alto valor valores internacionais estabelecidas; c) governo e agências
do esporte como respeito entre os competidores, dedi- reguladoras devem trabalhar em regime de urgência
cação à modalidade, firmeza de caráter, solidariedade para estabelecer uma estrutura social e política para
e excelência. Abrangem: O quanto é pertinente para o controlar pesquisa e aplicação; d) tecnologia genética
esporte descobrir um gene que se associa a retardo não-terapêutica e meramente destinada a elevar o de-
da estafa? É ético manipular genes no feto para capa- sempenho deve ser proibida; e) métodos de detecção
citar um futuro esportista? É lícito valer-se da enge- devem ser desenvolvidos; f) o Código da WADA (a ser
nharia genética para abreviar a recuperação de lesões implementado) deve proibir o uso de tecnologia gené-
do esporte? Quais modalidades de esporte poderiam tica para favorecer o desempenho de atletas; g) gover-
ser praticadas no futuro? no e autoridades do esporte devem estabelecer pro-
Temas de discussão incluem: a autonomia de um gramas educacionais e éticos para impedir o mau uso
atleta diante de uma proposta que poderá ser irresistí- de tecnologia genética no esporte.
vel para ele – jovem e ambicioso –, para se expressar
com toda a liberdade; seu livre arbítrio para selecionar A LEI DE GERSON
uma determinada vantagem da tecnologia genética; seu
ponto de vista quanto a ser promovido a outro patamar Há o permitido e o proibido, há o que é para fazer e
de competitividade a fim de ampliar a motivação da o que não é para fazer, há o que é necessário escolher
sociedade pelo espetáculo esportivo; seu real prazer e o que é necessário evitar numa determinda circuns-
em quebrar recordes sobre recordes pelos ajustes ge- tância; o maniqueísmo é quebrado pelos que enten-
néticos. dem que devem levar vantagem em tudo.
É uma postura pró-ativa em consonância com o Almejar algo, sentir necessidade de possuir alguma
papel social da Medicina e com o princípio fundamen- distinção não é motivação bastante para conseguir a
tal art. 12 do Código de Ética Médica, que dispõe: o qualquer custo, como, por exemplo, por meio de sub-
médico deve buscar a melhor adequação do trabalho terfúgios como drogas de ilusão.
ao ser humano e a eliminação ou controle dos riscos À beira do leito, o uso de substâncias ilícitas é trata-
inerentes ao trabalho(22). do como enfermidade; na beira do campo, é essencial-
Há perguntas que não querem calar: modificação mente um ato de desrespeito a regulamentos.
genética assemelha-se a “doping”? É prejudicial para O “doping” constitui um método para modificar o de-
a saúde como definida pela Organização Mundial da sempenho do atleta(14, 49-52); dependendo da substân-
Saúde? É prejudicial para a função de algum órgão na cia, ela pode não fazer exatamente mal à saúde, o que
homeostase? É prejudicial para a humanidade? Favo- não invalida o mau exemplo de postura ética e valores

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 263
educacionais. Muitos sais, com pouco interesse sobre a prática do aperfeiçoamen-
no entanto, são prejudici- to do desempenho. Mais recentemente, cresceu o in-
ais à saúde. Metandroste- teresse do médico do esporte pelo aperfeiçoamento
GRINBERG M e col. nolona e clorodeidrometil- do desempenho e pelo alcance de melhores resulta-
Na beira do campo como testosterona são de inte- dos na competição.
à beira do leito: Bioética resse cardiológico pela A ênfase do médico do esporte contemporâneo na
e Medicina do Esporte
cardiotoxicidade e associ- qualidade do desempenho do atleta trouxe questiona-
ação com eventos isquê- mentos éticos. Um desses aspectos diz respeito à ma-
micos(53). nipulação de drogas não autorizadas, empregadas para
A procura pelo “doping” promover melhor desempenho do esportista.
está interligada a dois fa- O envolvimento dos médicos do esporte na ambi-
tores sociais: o primeiro é ção por vitórias e recordes aproximou-os de excelênci-
a medicalização do esporte, que aproximou fármacos as de dietas e de tecnologia, mas também do desen-
e esportistas; o segundo corresponde às mudanças dos volvimento e aplicação de substâncias ilícitas.
cenários no esporte, com declínio do espírito amador A literatura aponta que desde o final do século XIX
e elevação do comercial, que aproximaram economia há vários exemplos bem documentados de envolvimen-
e política aos esportistas(52). to médico e conivência com o “doping”(50, 55-57). Médicos
A vitória, mais do que sucesso do esportista, tor- que justificam envolver-se com o “doping” em atletas
nou-se um objeto de investimento em negócios do es- de elite racionalizam usando argumentos como: dro-
porte. O conceito de justo conforme a lei ou o respeito gas são imprescindíveis para a competitividade; atle-
à igualdade pode ficar comprometido. Por mais que es- tas devem ter a liberdade de usar drogas; elas não di-
portistas possam ser solidários em muitas questões, ferem de outras formas de aperfeiçoamento do desem-
eles são concorrentes. O afã de suplantar adversários penho; “doping” supervisionado é mais seguro(50).
e de alcançar uma imagem de sucesso torna o espor- Por outro lado, a prescrição pode ocorrer via cole-
tista refém da exigência, ao invés de fiel ao que mere- gas “especializados em certa droga” não envolvidos no
ce. dia-a-dia do esportista e que se justificam como aten-
A Medicina Esportiva pode contribuir com sua força dendo a um desejo do atleta e, inclusive, com a res-
em prol do respeito entre esportistas, por meio de ori- ponsabilidade de acompanhar os efeitos.
entações farmacológicas de acordo com disposições O médico do esporte faz parte do conjunto de auto-
do Código Anti-Doping Mundial, que incluem: 1) pre- ridades com responsabilidade ética sobre o controle
sença de substância proibida, metabólitos ou marca- do “doping”, e, dessa forma, envolve-se num verdadei-
dores no corpo do atleta; 2) uso ou intenção de uso de ro esgrima com usuários e afins, ataques e defesas
substância ou método proibido; 3) recusa de se sub- representadas por técnicas cada vez mais sofisticadas
meter a exame anti-“doping”; 4) adulterar ou tentar adul- e que incluem hormônios recombinantes, meias-vidas
terar qualquer fase do controle anti-“doping”; 5) porte curtas e nanopartículas para detecção (nanomedici-
de substâncias proibidas; 6) traficar substância proibi- na)(58). Em seu dia-a-dia, cumpre ao médico do esporte
da. alertar o atleta, por exemplo, sobre a possibilidade de
A Medicina Esportiva não pode entender a benefi- envolvimento involuntário, como a ingestão de certos
cência de certas substâncias como seria à beira do suplementos nutricionais que contêm substâncias proi-
leito; há critérios para uso de esteróide anabolizante à bidas(59).
beira do leito e há proibições na beira do campo.(17) A seguinte conclusão do artigo “Sports Medicine –
Nesse aspecto, admite-se que a utilização de anabóli- is there lack of control?”, publicado há 17 anos(49), deve
cos no Brasil começa nas escolas secundárias e se servir como ponto de referência para quaisquer refle-
ramifica por academias de musculação, atingindo, por xões sobre a relação entre Medicina Esportiva e de-
último, o esporte profissional, embora em grandeza senvolvimento e uso de drogas indutoras de melhor
menor que a que se verifica no exterior(54). desempenho por parte do atleta: “... evidências são cres-
De mesmo modo, a não-maleficência não está ads- centes que médicos estão mais interessados em des-
trita a não provocar algum tipo de mal físico. A autono- cobrir novas maneiras de melhorar o desempenho do
mia para uso de substâncias modificadoras do desem- atleta que no bem-estar dos mesmos... logo será ne-
penho está restringida pela universalidade da salva- cessário pôr um freio nas atividades desses médicos e
guarda anti-“doping”, muito embora esportistas se colocar a Medicina Esportiva sob a guarda de uma es-
achem no direito de não fornecer amostras biológicas trutura que promova o credenciamento profissional...”.
para exame anti-“doping”(55). O “doping” traz muitos desafios à Medicina Esporti-
É válido lembrar que os médicos inicialmente viram va. Há sutilezas como o seguinte comentário sobre mú-
o esporte como uma fonte de informação fisiológica, sica na piscina de Alexei R. Koudinov (http://

264 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
dopingjournal.org), um ci- uso de produtos que elevam a captação, o transporte e
entista presente na última a oferta de oxigênio; de acordo com esse conhecimen-
olimpíada e que reprodu- to, os resultados dos nadadores que eu vi com fones
GRINBERG M e col. zimos a seguir: “... pesqui- de ouvido pouco antes de competirem não deveriam
Na beira do campo como sa publicada (J Nurs Res. ser revistos?...”.
à beira do leito: Bioética e 2003;11:209-16) concluiu Para terminar, parece-nos proveitoso que o médico
Medicina do Esporte
que a musicoterapia deter- do esporte faça suas reflexões sobre ciência disponível
mina volta mais rápida à para a humanidade e valores dos humanos, recordando
normalidade do nível de Van Rensselaer Potter, que viveu 90 anos, criou a bioéti-
saturação de hemoglobi- ca aos 60 anos de idade e aos 87 anos a redefiniu como
na; essa observação pode “a nova ciência ética que combina humildade, responsa-
trazer conflito com a proi- bilidade e competência interdisciplinar, intercultural e que
bição da ‘World Anti-Doping Agency’ (WADA) sobre o potencializa o senso de humanidade”.

BESIDE THE PLAYING FIELD LIKE BESIDE THE BED:


BIOETHICS AND MEDICINE OF SPORT

MAX GRINBERG, TARSO AUGUSTO DUENHAS ACCORSI

Is it coherent to analyse the sport at the optics of bioethics? Is the look beside the
playing field like the look beside the bed? Physical practice and sports are part of
social culture and improve population health, socialization, culture and quality of life.
Sports are practicised since a long time ago, but Medicine of Sport is begining. The
sports practice incites bioethics thinking. The bioethics, that studies general life pro-
blems, must accompany the health workers in daily decisions. Important principles
like no-maleficent, beneficence, autonomy and justice must be consulted to guide to
correct decisions.

Key words: bioethics, sport.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:251-67)


RSCESP (72594)-1535

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 267
SUPORTE BÁSICO DE VIDA NA
TIMERMAN S e cols. ATIVIDADE DESPORTIVA
Suporte básico de vida
na atividade desportiva

SERGIO TIMERMAN, NABIL GHORAYEB, FLÁVIO B. R. MARQUES,


ANA PAULA QÜILICI, JOSÉ A. F. RAMIRES

Laboratório de Treinamento e Simulação em Emergências Cardiovasculares –


Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –


CEP 05403-900 – São Paulo – SP

O suporte básico de vida, em sua essência, visa ao atendimento imediato da


parada cardiorrespiratória. O reconhecimento da parada cardiorrespiratória, a reali-
zação de manobras de ressuscitação cardiopulmonar e de desfibrilação precoce,
assim como a chegada do suporte avançado estão diretamente relacionados com a
sobrevida. A participação da população leiga no atendimento da parada cardiorres-
piratória é de fundamental importância, assim como a participação médica. As cida-
des e comunidades, em nosso país, precisam se empenhar para desenvolver méto-
dos populacionais de esclarecimento e incentivo à busca por informações precisas
do tratamento da parada cardiorrespiratória. O mesmo deve ser observado na ativi-
dade desportiva. Ressaltam-se as principais modificações nas novas diretrizes em
emergências e ressuscitação em suporte básico de vida.

Palavras-chave: suporte básico de vida, parada cardíaca, ressuscitação, desfibrila-


ção.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:268-80)


RSCESP (72594)-1536

INTRODUÇÃO Na atividade desportiva, os amantes de esportes, pra-


ticantes ou espectadores, devem ter em mente que
A parada cardiorrespiratória por fibrilação ventricu- estádios desportivos e “fitness centers” não estão isen-
lar é a principal causa de morte súbita. O reconheci- tos de morte súbita.
mento da parada cardiorrespiratória, a realização das
manobras de ressuscitação cardiopulmonar e a desfi- ESSÊNCIA DO SUPORTE BÁSICO DE VIDA –
brilação imediata, assim como a chegada do suporte PERSPECTIVAS PARA AS NOVAS DIRETRIZES 2005
avançado estão diretamente relacionados com a so-
brevida. A participação da população leiga no atendi- Uma das questões mais polêmicas em suporte bá-
mento da parada cardiorrespiratória é de fundamental sico de vida é quando se deve ativar o serviço médico
importância, assim como a participação médica. As ci- de emergência para uma vítima adulta, não-responsi-
dades e comunidades, em nosso país, precisam se va, apnéica e sem pulso. Estudos antigos revelaram
empenhar para desenvolver métodos populacionais de que 80% a 85% dos episódios de parada cardiorrespi-
esclarecimento e incentivo à busca por informações ratória em adultos eram decorrentes de fibrilação ven-
precisas do tratamento da parada cardiorrespiratória. tricular. Como o único tratamento efetivo para a fibrila-
Campanhas públicas com esses objetivos obtêm ex- ção ventricular é a desfibrilação, é fundamental que um
celentes resultados, conforme já pôde ser observado. desfibrilador esteja disponível o mais breve possível

268 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
para que um choque desfibri- bra de Heimlich ou compressões torácicas seguidas
latório possa ser aplicado, da varredura digital). Essa seqüência é complexa, lon-
revertendo a fibrilação ventri- ga e requer considerável tempo para ser ensinada(3-5).
TIMERMAN S e cols. cular a um ritmo de perfusão. A incidência de morte por obstrução de vias aéreas
Suporte básico de vida No entanto, sabemos por corpo estranho é de 1,7/100.000 habitantes e a de
na atividade desportiva que algumas pessoas, em morte por doença arterial coronariana é de 198/
particular crianças, vítimas 100.000. A incidência de morte não testemunhada por
de insuficiência respiratória, obstrução de vias aéreas, portanto, é uma entidade
obstrução de vias aéreas, relativamente rara. Existe crescente evidência de que
trauma e afogamento pode- as compressões torácicas geram suficiente pressão
riam se beneficiar de uma intratorácica para deslocar um corpo estranho que es-
estratégia que provesse um teja alojado nas vias aéreas superiores.
minuto de ressuscitação cardiopulmonar seguida da ati- Com base nesses dados, profissionais de saúde e
vação do serviço médico de emergência. Esse dado foi pessoas que estejam encarregadas de atender emer-
evidenciado por um estudo europeu recente, que demons- gências médicas devem continuar a ser treinados para
trou incidência de parada cardíaca de origem não-cardí- atender a obstrução de vias aéreas por corpo estranho
aca de 34%, com prognóstico melhor que o de vítimas de na vítima inconsciente; esse passo, porém, deve ser
parada cardíaca de causa cardíaca(1). excluído dos cursos para o público leigo. Assim, diante
O algoritmo antigo pedia para que, diante de vítima de vítima inconsciente e que não respira, o leigo deve
adulta não-responsiva, o serviço médico de emergên- passar imediatamente a realizar as manobras de res-
cia fosse imediatamente ativado, mesmo que para isso suscitação cardiopulmonar.
o socorrista precisasse abandonar a vítima por alguns
minutos. Pode-se propor, então, um algoritmo baseado POSIÇÃO DE RECUPERAÇÃO
em etiologia, segundo o qual, assim que houver evi-
dências de que a etiologia da parada cardiorrespirató- Nas diretrizes da “American Heart Association”, de
ria é de causa não-cardíaca, se deve prover um minuto 1992, pela primeira vez fez-se referência à posição de
de ressuscitação cardiopulmonar seguido da ativação recuperação, que deve ser utilizada quando pacientes
do serviço médico de emergência, como ocorre no al- inconscientes estejam respirando espontaneamente. As
goritmo de suporte básico de vida em pediatria(2). diretrizes, no entanto, não descrevem tal posição. De-
No entanto, qualquer alteração do algoritmo implica senham um “homem de um só braço”, o que indica que
o aumento de sua complexidade, dificultando o apren- o braço que está abaixo deve estar colocado para trás
dizado e reduzindo a capacidade de retenção por par- em direção ao dorso (posição de recuperação do coma).
te do socorrista. Além disso, vários aspectos devem Outras diretrizes de 1992 recomendavam a posição de
ser levados em conta, como, por exemplo, a possibili- recuperação lateral, com o braço que está abaixo colo-
dade de o aumento da complexidade do algoritmo cau- cado à frente do corpo.
sar “paralisia” no socorrista enquanto este decide qual Estudos em voluntários demonstraram que, na po-
passo seguir. Outro aspecto a ser considerado é o fato sição de recuperação lateral, existe comprometimento
de não sabermos realmente qual a porcentagem de epi- para o fluxo sanguíneo no braço que está abaixo, o
sódios em que existe na cena apenas um socorrista. que não ocorre na posição de recuperação do coma.
Em decorrência desses fatores, acredita-se que não No entanto, rolar uma vítima da posição do coma para
deve haver mudanças nas diretrizes e que o “chame decúbito dorsal causa dor, além de ter sido reportado
primeiro” deve continuar a ser parte integrante do al- que a posição lateral é mais confortável e mais fácil de
goritmo de suporte básico de vida no adulto. No entan- ser aprendida pelos alunos(6).
to, em circunstâncias especiais essa ordem pode ser A partir desses dados, sugere-se que seja adotada
alterada. Sugere-se como método mnemônico para a a posição de recuperação lateral, com o braço que está
inversão do “chame primeiro” para o “chame rápido” a abaixo colocado adiante do corpo; caso precise ficar
palavra KIDS, em que K = “kids” (crianças), I = injúria na posição de recuperação lateral por mais de uma
(trauma), D = drogas, e S = submersão (afogamento). hora, a vítima deve ser colocada sobre o outro lado
para evitar isquemia persistente do braço.
TRATAMENTO DA OBSTRUÇÃO DE VIAS AÉREAS
POR CORPO ESTRANHO NA VÍTIMA INCONSCIENTE JÁ É HORA DE RECOMENDARMOS A
RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR APENAS
As diretrizes antigas incluíam os passos para trata- COM COMPRESSÕES TORÁCICAS?
mento da obstrução de vias aéreas na vítima inconsci-
ente (abrir vias aéreas, respiração de resgate, mano- Existe uma séria relutância por parte de vários so-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 269
corristas em realizar res- realizar intervenções terapêuticas muito mais rapida-
piração boca-a-boca em mente que quando é utilizada a relação 5:1. A relação
vítimas desconhecidas de 15:2 parece ser mais eficaz que a relação 5:1, sem
TIMERMAN S e cols. parada cardíaca pelo comprometer a qualidade da ressuscitação cardiopul-
Suporte básico de vida medo da aquisição de do- monar. Utilizando modelos matemáticos (ressuscitação
na atividade desportiva enças transmissíveis, par- cardiopulmonar com dois socorristas, utilizando volu-
ticularmente pelo risco de me corrente de 1.000 ml e freqüência de 100 compres-
contágio com o HIV e o sões por minuto), a relação 5:1 resulta em 50 com-
vírus da hepatite B. Por pressões por minuto, comparativamente a 64 compres-
causa disso, muitas víti- sões por minuto com a relação 15:2, com volume mi-
mas de parada cardiorres- nuto de 10 litros por minuto na relação 5:1 e de 8,6
piratória deixam de rece- litros por minuto na relação 15:2.
ber ressuscitação cardiopulmonar. A relação ventilação/compressão recomendada
Estudos em laboratório demonstram, consistente- deve ser de 15:2 com um ou dois socorristas. Essa re-
mente, que a ventilação com pressão positiva não é comendação vem ainda ao encontro da tendência de
essencial durante os primeiros minutos da ressuscita- simplificar os algoritmos de suporte básico de vida,
ção. O Grupo de Ressuscitação Cerebral da Bélgica porém é preciso aguardar as Diretrizes 2005, que tra-
demonstrou não haver diferenças nos resultados de res- rão novidades nesse campo, demonstrando que a re-
suscitação quando a ressuscitação cardiopulmonar era lação ideal será de 30:2.
realizada com ou sem ventilação boca-a-boca. Em es-
tudo publicado em 1997, realizado por van Hoeywe- DESFIBRILAÇÃO IMEDIATA(7)
ghen e colaboradores, o “gasping” espontâneo mante-
ve a PaCO2 e a PaO2 próximas do normal quando res- A principal modalidade de parada cardíaca no adul-
suscitação cardiopulmonar era aplicada sem ventila- to é a fibrilação ventricular. O único tratamento dispo-
ção com pressão positiva. Um estudo recente, realiza- nível e efetivo para reversão da mesma é a desfibrila-
do por Hallstrom e colaboradores, que incluiu 500 pa- ção elétrica, que se encontra indicada nos casos de
cientes vítimas de parada cardiorrespiratória, demons- fibrilação ventricular propriamente dita ou em situações
trou não haver diferença nos resultados da ressuscita- similares, como taquicardia ventricular sem pulso.
ção cardiopulmonar quando esta era realizada com ou A precocidade na instituição do tratamento elétrico,
sem ventilação boca-a-boca. por meio da desfibrilação, interfere diretamente nos ín-
Evidências indicam, portanto que talvez a ventila- dices de sucesso das manobras de ressuscitação car-
ção boca-a-boca não seja necessária nos primeiros mi- diopulmonar, na ocorrência de seqüelas posteriores, e
nutos após parada cardíaca; no entanto, até que sur- na qualidade de vida futura.
jam evidências mais fortes, não se deve encorajar a Seleção da energia adequada para desfibrilar, me-
realização de ressuscitação cardiopulmonar utilizando- didas com o objetivo de diminuir a impedância transto-
se apenas as compressões torácicas. No caso de o rácica e efeitos deletérios da corrente elétrica no mio-
socorrista não estar disposto a realizar ventilação boca- cárdio são algumas das novas áreas exploradas na
a-boca, porém, as compressões torácicas devem ser essência do suporte básico de vida.
iniciadas imediatamente e a ressuscitação cardiopul- Atualmente, existe uma tendência crescente ao
monar deve seguir sem a realização da ventilação boca- emprego dos desfibriladores elétricos com ondas bi-
a-boca.(6) fásicas, os quais, pelo uso de menor energia, atenu-
am o dano miocárdico e propiciam índices de suces-
QUAL A RELAÇÃO COMPRESSÃO / VENTILAÇÃO so similares ou superiores aos dos tradicionais des-
NA RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR fibriladores com ondas monofásicas. Devemos enfa-
DO ADULTO?(5) tizar a importância de uma legislação pública e de
um programa de educação continuada para o leigo e
As diretrizes antigas indicavam que a relação venti- para o profissional da saúde, para que possamos dis-
lação/compressão na ressuscitação cardiopulmonar seminar o conceito de desfibrilação imediata. No Bra-
com socorrista deveria ser de 15 compressões para sil, está em caráter terminativo, desde janeiro de
duas ventilações, e que na ressuscitação cardiopulmo- 2005, a lei de autoria do Senador Tião Viana, seme-
nar com dois socorristas a relação deveria ser de 5:1. lhante à que foi sancionada dia 7 de janeiro de 2005,
Não houve estudos sistemáticos para estabelecer qual na cidade de São Paulo, pelo prefeito José Serra,
relação é a ideal, nos últimos anos. que torna obrigatória a existência de desfibriladores
Quando um socorrista realiza ressuscitação cardi- em locais de grande circulação e o treinamento em
opulmonar com relação 15:2, o segundo socorrista pode suporte básico de vida.

270 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
DESENVOLVENDO ção ventricular ou taquicardia ventricular, utilizando
AS SEMENTES – desfibrilador externo automático.
O GRANDE DESAFIO(6) 4) Reconhecimento da vítima com obstrução de via
TIMERMAN S e cols. aérea por corpo estranho e realização de manobras
Suporte básico de vida A recomendação para o de desobstrução, conforme indicado.
na atividade desportiva ensino de suporte básico de Atualmente.existem evidências de que a ressusci-
vida nas escolas secundá- tação cardiopulmonar imediata realizada por voluntári-
rias consta das diretrizes da os e a desfibrilação precoce diminuem a mortalidade
“American Heart Associati- de vítimas de parada cardíaca. A ressuscitação cardi-
on” desde 1979. A idéia bá- opulmonar imediata previne a deterioração da fibrila-
sica para incentivar esse ção ventricular para assistolia, pode aumentar a chan-
treinamento é que quanto ce de desfibrilação e contribui para a preservação da
antes a semente da ressuscitação cardiopulmonar for função tanto cardíaca como cerebral. A desfibrilação
implantada na vida das pessoas e quanto antes as infor- imediata é o fator isolado que comprovadamente mais
mações forem transmitidas para a comunidade, maior será aumenta a sobrevida de adultos com parada cardíaca(1).
o impacto dessa informação na redução da morbidade e A fim de garantir a ressuscitação cardiopulmonar
da mortalidade por doenças cardiovasculares. imediata e a desfibrilação precoce para vítimas de pa-
Vários estudos vêm sendo realizados, desde 1992, rada cardíaca, é fundamental o treinamento em massa
os quais reforçam o valor do ensino de ressuscitação car- da comunidade e a disponibilidade de desfibriladores
diopulmonar na escola secundária. Vários modelos foram externos automáticos em locais públicos.
utilizados com sucesso: 1) instrutores externos vindos da
comunidade (paramédicos, bombeiros, profissionais de SEQÜÊNCIA DO SUPORTE BÁSICO DE VIDA(1)
saúde, etc.); 2) professores da instituição que receberam
treinamento para atuar como instrutores de suporte bási- Para padronizar o atendimento do suporte básico
co de vida; e 3) estudantes treinados.(8-10) de vida, utiliza-se o termo vítima adulta para as vítimas
Em 1999, a “American Heart Association”, com todo com mais de 8 anos de idade.
o esforço em treinamento em suporte básico de vida, O suporte básico de vida consiste de vários passos
conseguiu treinar cerca de 2,4 milhões de pessoas. A e manobras realizados seqüencialmente, que incluem
cada ano passam pelas escolas secundárias america- avaliação e intervenção em cada fase da ressuscita-
nas cerca de 14 milhões de pessoas que poderiam re- ção cardiopulmonar. Cada passo começa com uma
ceber treinamento nesse local, aumentando significati- avaliação: A – Abertura das vias aéreas (avaliação e
vamente o número de pessoas treinadas, capazes de posicionamento correto das vias aéreas); B – Boca-a-
realizar os passos iniciais básicos do suporte básico boca (avaliação dos movimentos respiratórios e, na
de vida e da cadeia da sobrevivência. ausência, realização da respiração de resgate); C –
Em situações de emergência, a avaliação da vítima Circulação (avaliação de sinais de circulação e, se in-
e seu atendimento devem ser prontamente realizados dicado, realização de compressões torácicas).
de forma objetiva e eficaz, a fim de aumentar a sobre- Nos Estados Unidos, o sistema de serviço médico
vida e reduzir as seqüelas dessas vítimas. O suporte de emergência é ativado quando uma vítima é encon-
básico de vida inclui várias etapas de socorro à vítima trada inconsciente; em outros países, a recomendação
em situação que represente risco de vida. Na maioria pode ser diferente, sendo ativado quando a vítima está
das vezes, o socorro a essas vítimas tem início fora do inconsciente e sem respirar ou sem pulso.
ambiente hospitalar. O reconhecimento precoce da ví-
tima de infarto do miocárdio ou de acidente vascular A – Abertura das vias aéreas
cerebral deflagra o suporte básico de vida, que inclui: Avaliar o nível de consciência (Fig. 1A)
1) Ativação do sistema de serviço médico de emergên- Após ter certeza de que o local é seguro, o socor-
cia – No Brasil, todas as pessoas devem conhecer o rista deve se aproximar da vítima e rapidamente avali-
número do telefone do Sistema de Serviço Médico de ar a presença de qualquer trauma e determinar se a
Emergência Local (SAMU 192), uma vez que não exis- pessoa está respondendo, batendo e agitando gentil-
te um número único para todas as regiões, como ocor- mente os ombros da vítima e gritar: “Você está bem?”.
re em outros países (911 nos Estados Unidos, 112 na Se houver suspeita de trauma, o socorrista só deve
Europa ou 119 no Japão). mover a vítima se necessário, pois qualquer movimen-
2) Avaliação da vítima com perda súbita da consciên- to inadequado pode causar lesão medular.
cia e realização de manobras para sustentação de vias Ativar o sistema de serviço médico de emergência (Fig.
aéreas, respiração e circulação, conforme necessário. 1B)
3) Tentativa de desfibrilação de pacientes com fibrila- Quando a vítima estiver inconsciente, o serviço mé-

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 271
dico de emergência deve lado da cabeça da vítima, apoiando seus cotovelos na
ser ativado e solicitado superfície em que a vítima está deitada. Segurar firme-
desfibrilador externo auto- mente no ângulo inferior da mandíbula e levantar am-
TIMERMAN S e cols. mático. Ativar o serviço bos os lados. Se os lábios se fecharem, devem ser re-
Suporte básico de vida médico de emergência abertos com os polegares. Se a respiração boca-a-boca
na atividade desportiva significa telefonar para o for necessária, enquanto é mantida a tração da mandí-
número de emergência lo- bula, as narinas da vítima devem ser fechadas, com o
cal (pronto-socorro próxi- socorrista colocando sua face contra elas. Essa técni-
mo, serviço de atendimen- ca é muito eficaz para abrir as vias aéreas, porém tec-
to médico domiciliar, bom- nicamente difícil e cansativa para o socorrista, sendo a
beiros, etc.). Esse núme- mais segura para a abordagem inicial de vítima com
ro deve ser largamente di- suspeita de trauma cervical. O socorrista deve se lem-
vulgado na comunidade. A pessoa que chama o servi- brar de apoiar a cabeça da vítima sem movê-la para os
ço médico de emergência deve estar apta a fornecer lados ou para trás.
os seguintes dados: localização (endereço completo e Avaliação da respiração
pontos de referência), telefone do local, explicar o que Para avaliar a respiração, o socorrista deve colocar
aconteceu (acidente automobilístico, ataque cardíaco, seu ouvido próximo à boca/nariz da vítima, enquanto
etc.), quantas pessoas necessitam de atendimento, mantém a via aérea aberta. Assim, enquanto observa
condições das vítimas, o que está sendo feito para as o tórax da vítima: 1) verificar se o tórax da vítima se
vítimas, e outras informações solicitadas pelo pessoal eleva, 2) ouvir se há ruído de ar durante a respiração; e
do serviço médico de emergência. 3) sentir se há fluxo de ar. Se não houver elevação do
Posicionamento das vias aéreas (Fig. 2) tórax e se não houver fluxo de ar é sinal de que a víti-
Para que a avaliação e a ressuscitação sejam efica- ma não está respirando. Essa avaliação não deve du-
zes, a vítima deve estar em decúbito dorsal, sobre uma rar mais que 10 segundos.
superfície plana e rígida. Se a vítima estiver com a face Ausência de respiração ou respiração inadequada
voltada para o chão, role-a como uma unidade (em blo- (sinais de obstrução das vias aéreas, “gasping”, etc.)
co), de forma que a cabeça, o pescoço, os ombros e o requerem a realização da respiração de resgate.
tronco sejam movidos sem torção. Todo o corpo da vítima Posição de recuperação
deve estar em um mesmo plano, com os braços ao longo Se a vítima estiver respirando e apresentar sinais
do corpo. O socorrista deve estar ao lado da vítima, posi- de circulação (pulso, respiração normal, tosse ou mo-
cionado para fazer respirações e compressões torácicas vimentos) durante ou após a ressuscitação, o socorris-
(a altura dos ombros da vítima é ideal). ta deve manter as vias aéreas abertas e colocar a víti-
É importante lembrar que a língua é a causa mais ma em posição de recuperação.
comum de obstrução das vias aéreas em uma vítima A posição de recuperação é usada para vítimas in-
inconsciente, uma vez que está presa na parte posteri- conscientes com respiração e sinais de circulação. Se uma
or da mandíbula. Quando a mandíbula é movida para a vítima inconsciente permanecer em decúbito dorsal e res-
frente, a língua é levantada, liberando a parte de trás pirando espontaneamente, as vias aéreas podem ficar
da faringe, permitindo a passagem de ar. obstruídas com secreção, vômitos ou com a língua. Esse
Se não há evidência de trauma craniano ou cervi- problema pode ser resolvido colocando-se a vítima de
cal, o socorrista deve usar a manobra de inclinação da lado, facilitando a drenagem de líquidos pela boca.
cabeça/elevação do queixo (descrita a seguir) para abrir Não há uma posição perfeita para todas as vítimas.
a via aérea, remover qualquer material/vômito da boca Para decidir em que posição a vítima deve ser colocada,
e secar os líquidos com os dedos protegidos por luvas o socorrista deve levar em consideração os seguintes
ou panos. O socorrista deve tirar qualquer substância pontos: a vítima deve estar o mais próximo possível do
da boca da vítima, enquanto mantém a via aérea aber- decúbito lateral, permitindo a drenagem dos líquidos pela
ta com a outra mão. boca; a posição deve ser estável; não deve haver pres-
Inclinação da cabeça – elevação do queixo são sobre o tórax a ponto de impedir a respiração; deve
Para fazer a manobra de abertura das vias aéreas, ser possível colocar a vítima de lado e de costas com
o socorrista deve colocar uma das mãos firmemente facilidade e segurança, sem trauma cervical; deve ser
sobre a testa da vítima e inclinar a cabeça para trás. possível a observação e a avaliação das vias aéreas; e a
Simultaneamente, colocar o segundo e o terceiro de- posição não deve causar dano à vítima.
dos da outra mão na parte óssea do queixo e realizar
movimento de elevação do queixo (Fig. 2). B – Boca-a-boca
Tração da mandíbula Respiração de resgate
O socorrista deve colocar as mãos, uma de cada Se a vítima não apresentar respiração efetiva, o so-

272 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
Figura 1. Abertura das
vias aéreas. A) Avaliação
do nível de consciência. B)
TIMERMAN S e cols.
Suporte básico de vida Ativação do sistema de
na atividade desportiva serviço médico de emer-
gência.

Figura 2. Abertura das


vias aéreas. A) Posiciona- A
mento da vítima e abertu-
ra das vias aéreas. B)
Manobras para abertura
das vias aéreas. C) Avali-
ação da respiração. D)
Posição de recuperação.

corrista deve iniciar as respirações de resgate. A pal-


ma de uma das mãos deve ser mantida sobre a testa
da vítima e as narinas da vítima devem ser ocluídas
com o polegar e o dedo indicador, evitando a saída do
ar. O socorrista deve realizar inspiração profunda, se-
lar sua boca ao redor da boca da vítima e promover
duas respirações lentas efetivas, de aproximadamente
2 segundos, observando a elevação do tórax da vítima
durante a respiração. A freqüência usada quando ape-
nas a respiração é necessária é de 10 a 12 por minuto
(Fig. 3).
A fim de reduzir o risco de distensão gástrica e suas
complicações, recomenda-se que o volume ofertado
seja de aproximadamente 10 ml/kg (700 ml a 1.000 ml)
em 2 segundos por ventilação. B
Se as tentativas iniciais de respiração forem frus-
tradas, o socorrista deve reposicionar a cabeça da víti- C
ma e tentar novamente. Abertura inadequada da via
aérea é a principal causa de dificuldade para ventilar a
vítima. Se a vítima não puder ser ventilada mesmo após
o reposicionamento da cabeça, deve-se suspeitar de
obstrução da via aérea por corpo estranho. O profissi-
onal de saúde (não o socorrista leigo) deve iniciar a D
manobra de desobstrução da via aérea, descrita a se-
guir.

C – Circulação
Avaliação de sinais de circulação (Fig. 4)
Estudos recentes demonstraram a dificuldade que
os socorristas leigos têm para determinar a presença ristas leigos ao invés de avaliação do pulso. Isso signi-
ou não de pulso em vítimas inconscientes(3). A fim de fica que, após oferecer as ventilações iniciais, o socor-
evitar atraso na ressuscitação, passou-se a recomen- rista deve procurar por respiração normal, tosse ou mo-
dar a verificação dos sinais de circulação para socor- vimentos como resposta às ventilações. O socorrista

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 273
Figura 3. Boca-a-boca. A)
Ventilação boca-a-boca.
B) Técnica lateral.
TIMERMAN S e cols.
Suporte básico de vida A
na atividade desportiva
deve ver, ouvir e sentir a
respiração enquanto pro-
cura por movimentos. En- B
sina-se procurar por respi-
ração normal para não
haver confusão com respi-
ração agônica.
Para profissionais de saúde, acrescenta-se a verifi-
cação do pulso enquanto se procura por outros sinais
de circulação, como tosse, movimentos e respiração.
Essa avaliação não deve demorar mais de 10 se-
gundos. O profissional de saúde deve verificar o pulso
enquanto procura por sinais de circulação. Se não es-
tiver certo da presença de pulso, deve iniciar imediata-
mente as compressões torácicas.
Para verificar o pulso em vítimas com mais de 1
ano de idade, a artéria carótida deve ser palpada do
mesmo lado em que o socorrista se encontra.
Compressões torácicas (Fig. 5)
Figura 4. Circulação. A e B) Verificação do pulso.
Dados de estudos em animais e humanos demons-
tram que, com o ritmo de 80 compressões por minuto,
obtém-se bom fluxo sanguíneo durante a ressuscita- 1) Localizar o rebordo costal da vítima com os dedos,
ção. Por essa razão, recomenda-se que o ritmo de com- do lado em que o socorrista estiver.
pressões torácicas seja de 100 por minuto. Dá-se pre- 2) Deslizar os dedos para cima do rebordo costal até
ferência à velocidade e não ao número de compres- encontrar o apêndice xifóide.
sões. A velocidade de 100 compressões por minuto 3) Colocar a parte inferior de uma das mãos na parte
resultará em menos que isso, principalmente quando inferior do esterno e colocar a outra mão por cima des-
feita por socorrista que precisa interromper as com- ta. Certificar-se de que o áxis da mão está sobre o áxis
pressões para fazer a respiração. do esterno. Isso manterá a força da compressão sobre
A recomendação anterior para adultos era de 15 o osso e diminuirá a chance de fratura de costela. Não
compressões e 2 ventilações para um socorrista e de fazer compressões sobre a base inferior do esterno.
5 compressões e 1 ventilação para dois socorristas. A 4) Manter os dedos estendidos ou entrelaçados e afas-
recomendação atual é de 15 compressões e 2 ventila- tados do tórax.
ções para um e dois socorristas, pois, dessa forma, Outro método utilizado para localização das mãos
obtém-se mais compressões por minuto, uma vez que é colocar a base de uma das mãos sobre a outra no
a qualidade das compressões e das ventilações não é centro do esterno, entre os mamilos. Esse método tem
afetada pela freqüência. sido usado pelos “despachantes” americanos por mais
Durante a parada cardíaca, a pressão de perfusão de 10 anos.
coronariana aumenta gradualmente com as compres- Para compressões efetivas, devem ser seguidas as
sões torácicas, sendo mais elevada após 15 compres- orientações apresentadas a seguir:
sões se comparada a 5 compressões. Essa recomen- 1) Com os braços estendidos, travar os cotovelos. Po-
dação é indicada tanto para socorristas leigos como sicionar os ombros perpendicularmente às mãos; des-
para profissionais de saúde. Após a via aérea ser esta- sa forma, cada compressão ocorrerá diretamente so-
belecida (intubação orotraqueal), a ressuscitação pode bre o esterno.
ser sem sincronia com a freqüência de 5:1. 2) Comprimir o esterno de um terço a metade do diâ-
O posicionamento adequado das mãos é estabele- metro ântero-posterior do tórax da vítima. A compres-
cido ao se identificar a metade inferior do esterno. A são ideal do esterno gera pulso carotídeo ou femoral
seguir estão apresentadas quatro recomendações que (para ser checado, é necessário um segundo socorris-
podem ser usadas pelo socorrista: ta).

274 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
3) Descomprimir o tórax
até que este volte à posi-
ção normal, para que o
TIMERMAN S e cols. sangue possa circular pelo
Suporte básico de vida A B
coração. Isso deve ser fei-
na atividade desportiva to a cada compressão,
mantendo as mãos em
contato com a vítima no C
mesmo local.
4) A efetiva perfusão tan-
to coronariana como cere-
bral ocorre quando se têm
as fases de compressão e relaxamento iguais, 50% do
tempo para cada fase. Os socorristas conseguem essa
freqüência com facilidade.
5) As mãos devem ser mantidas na mesma posição,
não devem ser movidas ou levantadas durante as com-
pressões, mas deve-se permitir que o tórax volte à po-
sição normal após cada compressão. D
As respirações de resgate e as compressões torácicas
devem ser combinadas para uma ressuscitação eficaz. Figura 5. Circulação. A, B, C e D) Compressões toráci-
Durante a ressuscitação, a compressão cardíaca cas.
adequadamente realizada pode gerar pressão arterial
sistólica de 60 mmHg a 80 mmHg, mas a pressão dias-
tólica é muito baixa. O débito cardíaco gerado pela com-
pressão torácica não ultrapassa um terço do normal e
diminui quando a ressuscitação se prolonga. Para oti-
mizar o fluxo sanguíneo, recomenda-se que durante a
ressuscitação a força e o ritmo das compressões se-
jam mantidos.

Desfibrilação Figura 6. Desfibrilação.


Na maioria dos adultos com parada cardíaca súbita
não-traumática, o ritmo mais freqüente é a fibrilação ada a respiração.
ventricular. Por essa razão, o tempo entre o colapso e Se a respiração estiver presente, o socorrista deve
a desfibrilação é determinante para a sobrevivência. A colocar a vítima em posição de recuperação, monito-
sobrevivência de uma parada cardíaca por fibrilação rando a respiração e a circulação.
cai de 7% a 10% por minuto sem desfibrilação. Assim, Se a respiração estiver ausente mas com sinais de
os profissionais de saúde devem estar aptos e equipa- circulação, o socorrista deve promover respiração de
dos para promover a desfibrilação o mais rápido possí- resgate (uma ventilação a cada 4 a 5 segundos, de 10
vel em vítimas de morte súbita. a 12 ventilações por minuto) e monitorizar os sinais de
A desfibrilação precoce também deve ser feita em circulação de tempos em tempos.
hospitais e ambulatórios; portanto, todo pessoal res- Se não houver sinais de circulação, o socorrista deve
ponsável pelo atendimento de emergência deve estar continuar a ressuscitação e parar a cada poucos minu-
apto a usar o desfibrilador em vítimas de parada cardí- tos para verificar a presença de sinais de circulação.
aca por fibrilação dentro de 3 minutos do colapso. Para A ressuscitação não deve ser interrompida, exceto
atingir esse objetivo, todos devem estar treinados e fa- em situações específicas.
miliarizados com o desfibrilador de sua área (Fig. 6). Quando houver sinais de circulação e ventilação es-
pontânea adequada, o socorrista deve colocar a vítima
Reavaliação em posição de recuperação, mantendo a abertura da
Após 4 ciclos de 15 compressões e 2 ventilações, o via aérea.
socorrista deve verificar os sinais de circulação (por 10
segundos). Se não houver sinais de circulação, a res- Ressuscitação cardiopulmonar com dois
suscitação deve ser reiniciada pelas compressões to- socorristas
rácicas; se houver sinais de circulação, deve ser avali- Todas as pessoas que prestam atendimento de

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 275
emergência, seja por pro- O corpo estranho na via aérea pode causar obstru-
fissão seja por ocupar car- ção parcial ou total. Se a obstrução for parcial, a vítima
go que exija treinamento será capaz de fazer a troca de ar, que pode ser boa ou
TIMERMAN S e cols. em emergência, devem má, dependendo do grau de obstrução. Com boa troca
Suporte básico de vida ser treinadas para realizar de ar a vítima está consciente e consegue tossir forte-
na atividade desportiva a ressuscitação com um e mente, embora algumas vezes pode-se ouvir um ruído
com dois socorristas; entre as respirações. Enquanto houver boa troca de ar,
quando possível, deve ser deve-se encorajar a vítima a tossir e o socorrista não
acrescentado treinamento deve interferir, mas manter-se atento caso seja neces-
com barreiras e máscara. sário tomar alguma atitude. Se a obstrução persistir, o
Na ressuscitação com serviço médico de emergência deve ser ativado.
dois socorristas, um deles Algumas vítimas de obstrução de via aérea por cor-
deve se posicionar ao lado da vítima e realizar as com- po estranho podem apresentar má troca de ar imedia-
pressões torácicas; o outro socorrista deve se posicio- tamente ou boa troca de ar inicialmente, progredindo
nar na altura da cabeça da vítima, manter as vias aére- para má troca de ar. Os sinais de má troca de ar inclu-
as abertas, realizar as respirações de resgate e moni- em fraqueza, tosse ineficaz, batimento da asa do nariz
torar o pulso carotídeo. durante a respiração, aumento da dificuldade respira-
As compressões torácicas devem ser feitas na fre- tória e cianose. A obstrução parcial das vias aéreas e a
qüência de 100 por minuto e a relação deve ser de 15 má troca de ar devem ser tratadas como obstrução
compressões para cada 2 ventilações. Quando o so- completa e a ação deve ser imediata.
corrista que está fazendo as compressões torácicas A completa obstrução das vias aéreas não permite
ficar cansado, os socorristas devem mudar de posição, que a pessoa fale, respire ou tussa. Ela ainda pode
porém a interrupção das manobras deve ser a menor estar com as mão ao redor do pescoço. Não há passa-
possível. gem de ar. O público deve ser encorajado a usar o si-
nal universal de dificuldade respiratória quando se en-
Desobstrução das vias aéreas por corpo estranho contra engasgado. O socorrista deve perguntar à víti-
A completa obstrução das vias aéreas pode resul- ma se ela pode falar – se a vítima não puder falar, indi-
tar em morte se não for tratada em poucos minutos. A ca que tem uma completa obstrução das vias aéreas e
causa mais comum de obstrução das vias aéreas su- que o socorrista deve agir imediatamente.
periores é a língua durante a perda da consciência e a Recomenda-se que socorristas leigos usem a ma-
parada cardiorrespiratória. Uma vítima inconsciente nobra de Heimlich (pressão subdiafragmática ou pres-
pode desenvolver obstrução da via aérea por causa são abdominal) para desobstruir as vias aéreas de ví-
intrínseca (língua e epiglote) e por causa extrínseca tima consciente a partir de 1 ano de idade, não sendo
(corpo estranho). A língua pode cair para trás e obs- recomendada para bebês. Também é recomendada,
truir a faringe e a epiglote pode bloquear a entrada da quando usada por profissionais de saúde, em vítimas
via aérea na vítima inconsciente. Vítimas de trauma inconscientes (adultos e crianças, mas não em bebês).
facial podem apresentar sangramento, fazendo com que A manobra de Heimlich por meio de pressão ab-
coágulos passem a obstruir a via aérea. dominal eleva o diafragma, aumentando a pressão
A obstrução de via aérea por corpo estranho (OVA- do ar e forçando-o para fora dos pulmões, o que pode
CE) é relativamente rara e é uma causa pouco comum ser suficiente para criar um tosse artificial e expelir o
de morte. Não é comum em casos de afogamento, pois corpo estranho das vias aéreas. O sucesso do uso
a água não causa obstrução da via aérea; portanto, a da manobra já foi relatado pela imprensa pública e
manobra de desobstrução da via aérea não é usada médica. Entretanto, o uso da manobra de Heimlich
em vítimas de afogamento. pode causar complicações, como rompimento de ór-
Obstrução de via aérea por corpo estranho deve gãos internos, e não deve ser usada se não for real-
ser considerada causa de parada cardiorrespiratória mente necessária. Toda vítima que necessite dessa
em qualquer vítima, especialmente crianças que subi- manobra, portanto, deve ser avaliada por um médico
tamente param de respirar, ficam cianóticas e perdem posteriormente. Para minimizar a possibilidade de
a consciência sem causa aparente. Em adultos, a obs- trauma, a mão não deve ser colocada sobre o pro-
trução de via aérea por corpo estranho em geral ocor- cesso xifóide ou nas bordas das costelas. As mãos
re durante a alimentação, e a carne é a causa mais devem ser posicionadas abaixo dessas estruturas,
freqüente. Entre os fatores associados à obstrução de porém acima da cicatriz umbilical e na linha media-
via aérea por corpo estranho estão as tentativas de na. Mesmo quando realizada corretamente, a mano-
ingerir grandes pedaços de comida, o elevado teor de bra de Heimlich pode acarretar regurgitação e con-
álcool e o uso de dentadura. seqüente aspiração.

276 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
Manobra de Heimlich em SEGURANÇA DO SOCORRISTA: RISCO DE
vítima consciente sentada TRANSMISSÃO DE DOENÇAS
ou em pé
TIMERMAN S e cols. O socorrista deve ficar No treinamento de ressuscitação cardiopulmonar
Suporte básico de vida atrás da vítima, passar com manequins, devem ser respeitadas normas de des-
na atividade desportiva seus braços ao redor do contaminação dos manequins a fim de minimizar o ris-
abdome e proceder da se- co de transmissão de doenças infecto-contagiosas en-
guinte forma: tre as pessoas em treinamento(5). Nos Estados Unidos,
1) Fechar uma das mãos até o momento, aproximadamente 70 milhões de pes-
em forma de punho. soas já realizaram treinamento de ressuscitação cardi-
2) Colocar o lado do pole- opulmonar em manequins e não há relato de compli-
gar contra o abdome da ví- cações infecciosas. Alunos que sabidamente estão na
tima, na linha mediana acima da cicatriz umbilical e vigência de doença infecto-contagiosa devem ser con-
abaixo do processo xifóide. vidados a adiar o curso para outra ocasião, após reso-
3) Colocar a outra mão sobre a que está fechada, e lução da doença.
pressioná-las contra o abdome da vítima em movimen- Quanto à realização de respiração boca-a-boca em
tos rápidos para dentro e para cima. vítimas reais, até o momento não existem relatos de
4) Repetir as compressões abdominais até que o cor- transmissão de hepatite B ou aids. Nas duas últimas
po estranho seja expelido ou a vítima se torne incons- décadas foram registrados 15 relatos de transmissão
ciente. de doença durante a ressuscitação cardiopulmonar real.
Deve haver um intervalo entre as compressões, pois O risco é maior para doenças de transmissão respira-
cada movimento deve ser feito distinta e separadamente tória (Neisseria meningitidis, tuberculose, vírus respi-
um do outro. Quando a vítima se torna inconsciente, o ratórios). Sendo assim, qualquer pessoa que tenha re-
sistema de emergência deve ser acionado. Se o socor- alizado respiração boca-a-boca em vítima com doença
rista for leigo, a orientação atual é que se inicie a res- infecto-contagiosa deve ser tratada como contactante.
suscitação cardiopulmonar, uma vez que as manobras Sempre que disponível, deve ser utilizada uma barrei-
descritas a seguir são muito complexas e de baixa re- ra na realização das respirações de resgate. Preferen-
tenção pelo aluno leigo. Cada vez que a via aérea for cialmente deve ser utilizada máscara acoplada a bol-
aberta (durante os ciclos da ressuscitação), porém, sa-valva ou então máscaras com filtros e válvula de
deve-se procurar por algum objeto na garganta e re- fluxo unidirecional ou os lenços faciais como terceira
movê-lo, caso seja visualizado. As compressões to- opção, pois são menos eficazes, permitindo contato de
rácicas da ressuscitação cardiopulmonar, na práti- secreção entre a vítima e o socorrista.
ca, podem servir como manobra de desobstrução de
via aérea. Se o socorrista for um profissional de saú- MORTE SÚBITA NA ATIVIDADE DESPORTIVA
de, deve passar para a seqüência de desobstrução
das vias aéreas da vítima inconsciente, descrita a Estudos epidemiológicos(8) demonstraram os bene-
seguir. fícios do exercício regular de intensidade leve e mode-
Varredura digital e elevação mandíbula-língua rada, com redução da incidência de morbidade e mor-
A varredura digital deve ser usada somente por pro- talidade por doenças cardiovasculares, bem como da
fissionais de saúde, em vítimas inconscientes, e jamais mortalidade por outras causas na população geral. O
em vítimas conscientes ou em crise convulsiva. sedentarismo, hoje, é um dos quatro principais fatores
O socorrista deve posicionar a vítima com o rosto de risco, além de ser o mais potente fator independen-
para cima e proceder como se segue: te para a doença arterial coronária(9).
1) Abrir a boca da vítima segurando a língua e a man- O enorme estímulo para a prática de exercícios físi-
díbula entre seus dedos polegar e indicador, que puxa cos vem resultando em crescente aumento de sua de-
a língua para a frente da faringe onde o corpo estranho manda pela população em geral, que busca melhor qua-
pode estar alojado (essa manobra pode, por si só, de- lidade de vida e manutenção da saúde. Essa atividade
sobstruir a via aérea). física influencia favoravelmente o perfil lipoprotéico plas-
2) Colocar o dedo indicador da outra mão dentro da mático, a adiposidade, a pressão arterial, a tolerância
boca da vítima e percorrer as bochechas e a faringe à glicose e a capacidade funcional cardiopulmonar.
(até a base da língua). Usar o dedo em forma de gan- Esse benefício do exercício na prevenção da ateros-
cho, seja para remover o corpo estranho seja para pres- clerose, porém, pode transformar-se em risco, ao se
sioná-lo contra o lado oposto à faringe e puxá-lo para efetuar exercício extenuante não habitual, no lazer ou
fora. Deve-se tomar muito cuidado para não empurrar numa competição de elevada demanda energética (ma-
o objeto para dentro da faringe. ratona), provocando desde isquemia silenciosa até

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005 277
evento agudo fatal num arterial coronária; e “presumível”, no achado de necrop-
indivíduo com coronario- sia de um prolapso de valva mitral incompetente(12). A
esclerose. O mecanismo morte súbita, no esporte, tem incidência(13) estimada
TIMERMAN S e cols. pode agir de quatro mo- em:
Suporte básico de vida dos: vasoespasmo coro- – 1:13.000 homem/hora no esqui-“country”;
na atividade desportiva nário determinando rotura – 1:300.000 homem/hora na maratona;
da placa aterosclerótica; – 1:396.000 homem/hora no “jogging”.
torção e mudanças de di- As etiologias são essencialmente iguais às dos não-
âmetro da coronária, le- atletas, sendo o mecanismo de desencadeamento da
vando à rotura; descarga morte súbita cardíaca associada à atividade física (em
adrenérgica própria das que ocorre descarga adrenérgica) uma arritmia termi-
competições, provocando nal, representada pela fibrilação ventricular, por meca-
hiperagregação plaquetária; ou arritmia isquemia-de- nismo de reentrada ou automatismo, relacionada às
pendente. condições conhecidas e na ausência de doenças não-
A morte súbita em atletas jovens é rara, mas pelo cardíacas. Os atletas estão sujeitos a desenvolver as
fato de ocorrer em indivíduos símbolos da saúde tor- mesmas arritmias que a população em geral. A bradi-
na-se trágica(10). As causas cardiovasculares(11) variam cardia do atleta poderá torná-lo mais suscetível à sín-
com a idade e a população estudada, podendo ser clas- cope neurogênica e à fibrilação atrial(14), assim como
sificadas como “certa”, em caso, por exemplo, de rotu- as taquiarritmias podem ser precipitadas pelo exercí-
ra de aorta; “provável”, quando decorrente de doença cio físico(15, 16).

Figura 7. Corrente de sobrevivência.

278 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 3 — Maio/Junho de 2005
BASIC LIFE SUPPORT AND SPORTS
TIMERMAN S e cols.
Suporte básico de vida SERGIO TIMERMAN, NABIL GHORAYEB, FLÁVIO B. R. MARQUES,
na atividade desportiva
ANA PAULA QÜILICI, JOSÉ A. F. RAMIRES

Basic life support is a core skill in which all healthcare professionals should be
proficient. It is logical to provide basic life support training during undergraduate
years ensuring basic competence in all graduating healthcare students. Cardiopul-
monary resuscitation provides artificial circulation and ventilation during cardiopul-
monary arrest. Cardiopulmonary resuscitation is further categorised as basic life
support, advanced cardiac life support and postresuscitation support. Basic life su-
pport consists of provision of a patent upper airway, ventilation and circulation of
blood by closed chest cardiac compressions. Advanced cardiac life support includes
use of specialised equipment to maintain the airway, early defibrillation and pharma-
cologic therapy. Successful outcome from an arrest depends on the total duration of
an arrest and early defibrillation, as ventricular fibrillation is the most common cardi-
ac rhythm found in adult cardiac arrest. Initial drug therapy during cardiopulmonary
resuscitation aims at correction of arterial hypoxaemia and restoring coronary and
cerebral perfusion.

Key words: basic life support, cardiac arrest, emergency, cardiopulmonary resusci-
tation.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;3:268-80)


RSCESP (72594)-1536

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