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História do Pensamento Jurídico no

Brasil República: O Direito Alternativo.


Histórico, Fundamentos e Críticas
History of Juridical Thinking in the Brazilian Republic:
Alternative Law. History, foundations, critiques

La Historia del Pensamiento Jurídico en el Brasil


República: El Derecho Alternativo
COLIGNI LUCIANO GOMES

Delegado de Polícia, Professor de Direito Penal do


Instituto Superior de Ciências Aplicadas, em Limeira, e
da UNIFIAN, em Leme. Mestrando em Filosofia do
Direito, pela UNIMEP.

RESUMO

Este artigo discute o Direito Alternativo, o uso Alternativo do Direito e o Pluralismo Jurídico.
Analisa-se o Movimento, as críticas e propostas para um "novo Direito", insurgente e emancipador,
autogestionário, elaborado mediante o paradigma de uma ética política de cunho libertário que apresenta a
negação da apoliticidade, imparcialidade e independência do Judiciário e do Magistrado, em oposição ao
direito liberal-burguês, mantenedor do atual status quo, analisando-se ainda a atuação do direito como
retor da transformação social.

Palavras-chave: DIREITO ALTERNATIVO – PLURALISMO JURÍDICO – AUTOGESTÃO –


UTOPIA – RUPTURA

ABSTRACT

This paper dicuses Alternative Law, the Alternative Use of Law and Juridical Pluralism. It
analyses Movement, critiques and proposals for a "New Law", which is revolutionary and emancipating,
self-managing elaborated according to a paradigm of a libertarian political ethics and shows the negation
of apolitics, impartiality and independence from the Courts, in opposition to the liberal-bourgeois law,
which maintains the status quo and analysing the current law as rhetoric of social transformation.

Keywords: ALTERNATIVE LAW – JURIDICAL PLURALISM – SELF-MANAGEMENT – UTOPIA


– RUPTURE

RESUMEN

Este artículo discute el Derecho Alternativo, el uso Alternativo del Derecho y Pluralismo
Jurídico. Se analiza el Movimiento, las críticas y propuestas para un "nuevo Derecho", insurgente y
emancipador, autogestionable, elaborado através del paradigma de una ética política de cuño libertario y
la negación de la apoliticidad, imparcialidad e independencia del Poder Judicial y del Magistrado, en
oposición al derecho liberal-burgués, mantenedor del actual status quo, analizandose también la actuación
del derecho como rector de la transformación social.

Palabras-clave: DERECHO ALTERNATIVO – PLURALISMO JURÍDICO – AUTOGESTIÓN –


UTOPÍA – RUPTURA
INTRODUÇÃO

A idéia do direito alternativo surge do conflito entre o normativismo e o conceito de justiça, que
não pode ser limitado pela inflexibilidade da lei, ante o caso concreto. A proposta alternativista é, pois,
romper com o consagrado positivismo-legalismo, embasado nas relações jurídicas como uma das formas
das relações sociais. Leva em consideração, igualmente, que determinadas camadas da população estão
excluídas do processo de distribuição de Justiça, quer pela impossibilidade de acesso, quer pela ausência
de objeto de lide (não possuem bens patrimoniais a serem defendidos).
Antes do denominado direito alternativo, surge na Itália, há meia dúzia de lustros, "por inúmeros
magistrados integrantes da "Magistratura Democrática", época em que despontam inúmeros trabalhos,
destacando-se "Pietro Barcelona (L’uso Alternativo Del Diritto – 1973: Stato e Giuristi tra crisi e
Riforma), com Giuseppe Coturri – 1974"1, o que se denominou o "uso alternativo do direito"2, sempre
voltado à solução momentânea no caso concreto, cuja aplicação inflexível da lei, por sua ortodoxia e
mantenedora do status quo (não por ela edificado) levaria à decisão que, embora legal, não atende aos
princípios de distribuição de justiça. Metodologicamente, deveria, de um lado, levar o jurista à uma visão
menos mítica e mais crítica do direito e, de outro , ampliar sua liberdade perante a lei, para construir
doutrinas e jurisprudências mais independentes do poder político estabelecido, ou seja, a valorização da
função doutrinal do direito em detrimento do direito legislado. O ambiente propício se deu entre os
juristas acadêmicos e os juízes, meio este considerado "menos contaminado ou menos contaminável"3,
seja pelo método selecionador de seus pares, quer pela dispersão, impediente de formação de uma rede de
corrupção.
Recai, sobretudo sobre os juízes, por suas garantias, o ideário reformador e transformador
político e cívico, através da realização de um direito igual, mesmo em uma sociedade estamentada.
Não se confundem, entretanto, o direito alternativo (sentido estrito) e o uso alternativo do direito,
estabelecendo-se entre ambos a relação de gênero e espécie, respectivamente.
O primeiro, toma como ponto de partida o pluralismo jurídico, valorando, ainda que contra o
direito posto pelo Estado (ex vi, pela classe dominadora), o insurgente direito emanado das comunidades,
que é praticado consciente ou inconscientemente, máxime quando a práxis resulta aquele, em detrimento
dos interesses dos grupos sociais dominados. Socorre-se de casos como a emblemática situação em que se
coloca um juiz sul africano, que tem de julgar um pedido formulado por um negro em matéria que tem
por obstáculo numa lei do "apartheid"4. Além do racismo, o autor tece uma série de âmbitos onde "há
consenso universal no mundo civilizado": a não aceitação da opressão da mulher, a rejeição da tortura, a
exploração das crianças, a prostituição infantil etc.
O uso alternativo do direito, por sua vez, atua na esfera da hermenêutica, a partir das normas
jurídicas reconhecidas pelo Estado, contudo, pela ocupação dos espaços e lacunas, propugna a
interpretação que tenha por objeto sua ampliação e aplicação de forma transformadora e emancipadora da
rigidez normativista, visando a função social do direito, ou seja, no esclarecedor conceito de Amilton
Bueno de Carvalho5:

Na nossa realidade, tenho que, em determinados casos, há que se romper os limites da legalidade. Aqui tudo é tão
cruel e agressivamente contraditório que, na luta travada no jurídico, não se permite aceitação de tais limites.

A denominação "Direito Alternativo", contudo, não é dominante entre seus preceptores. Os que a
entendem equivocada, argúem que oferece conotação pura e simples de um direito que se contrapõe ao
direito oficial, ou seja, como uma alternativa que encontra fundamento numa proposta de emancipação
jurídica para atendimento das necessidades e interesses das classes menos favorecidas, mesmo que a
solução se encontre contra legem.
Outras denominações são encontradas para definir o novel direito, tais como Teoria Crítica do
Direito (Oscar Correa) Direito Insurgente (Miguel Pressburguer), Direito Comunitário (Antonio

1
CARVALHO, amilton Bueno de. Lei 8009/90 e o direito alternativo. In: ARRUDA JR, Edmundo Lima de. (org.). Lições de
direito alternativo. São Paulo: Academia, 1991, p. 53.
2
HESPANHA, Antonio Manuel, Panorama histórico da cultura jurídica européia. Lisboa: Europa América, 1998, nota nº 399.
p. 227. (Terminologia elaborada num congresso em 1972, em Catania, na Sicilia, actas Barcellona, 1873.)
3
Ibidem, p. 228.
4
GENRO, Tarso Fernando. Os juízes contra a lei. In: ARRUDA JR., Edmundo Lima de (org.). Lições de direito alternativo I. São
Paulo: Acadêmica, 1991, p. 17: E a expectativa é pela resposta positiva: “sim o Juiz neste caso deve julgar contra a lei, porque o
“apartheid” não tem qualquer sustentação ética ou moral, porque é anti-humano e carece de qualquer valor”.
5
GENRO, Tarso Fernando. Os juízes contra a lei. In: ARRUDA JR., Edmundo Lima de. (org.). op. cit., p. 17.
Carlos Wolkmer) e Direito Achado na Rua (Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos, da
UnB)6.
Como se refere Rui Portanova, desembargador no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Não sei bem como que se começou a chamar Movimento do Direito Alternativo. Talvez os mais cultos estivessem se
lembrando de juízes espanhóis e italianos que têm este nome. Olha, sinceramente, eu gosto do nome. E não pode
haver equívocos: são dois "direitos" mesmo. Tenho pensado que o Direito é, por natureza, dúplice. Sabe, eu sou
daqueles que ainda acredita no antagonismo entre "esquerda e direita", "opressor e oprimido", "social e individual"
etc. A luta de classe, que existe na sociedade, vem para dentro do Poder Judiciário7.

1 FUNDAMENTOS DA ALTERNATIVIDADE

O Movimento do Direito Alternativo pátrio surge primeiramente no Rio Grande do Sul, da


manifestação de 50 juízes de direito, inconformados com ação "robotizada" da magistratura, estruturada
num sistema kelseniano de distribuição do direito, em que este resulta do estrito cumprimento da lei,
satisfazendo a sociedade e seus fins ao atuar no devenir, na suposta segurança jurídica proporcionada pela
norma fundamental desse sistema: pacta sunt servanda. O saber jurídico, voltado para o conceito do justo
fica absolutamente vinculado aos limites da lei e sua ortodoxia dogmática, em geral estabelecida com o
intuito de manutenção não só da segurança nas relações jurídicas, mas principalmente como mantenedor
do status quo, a saber, a serviço das classes dominantes.

Assim se refere Wolkmer8, quanto ao positivismo:

A ideologia do positivismo jurídico que se manifesta através de um rigoroso formalismo normativista torna-se o
autêntico produto de uma sociedade burguesa solidamente edificada. Esse formalismo esconde as origens sociais e
econômicas da estrutura de poder harmonizando as relações entre capital e trabalho, e eternizando através das regras
de controle o "status quo" dominante.

O direito vigente seria a expressão estatal, jungido ao dogmatismo e seus códigos comentados,
como se essas posições fossem verdades definitivas, mas que impedem as interpretações
contextualizadas. No Estado neoliberal, fixa-se o direito como instrumento de dominação, incluindo o
Direito Processual e seus cerimoniais burocráticos, cuja ritualística se sobrepõe ao próprio direito
material, pela imperfeição ou ausência de determinado rito9.
Não menos importante é sua crítica à visão positivista do Estado, como produto de uma
evolução, e assim reflete em um conceito evolucionista do direito ao aperfeiçoar-se. Aos alternativistas, é
uma visão de mundo tanto quanto a-histórica, colonialista e preconceituosa, tradicionalmente transmitida
aos estudantes de direito e ideologicamente introjetada aos operadores jurídicos de todas as estirpes.
A-histórica, pois não considera a possibilidade do direito surgir em sociedades sem a presença
onipotente do Estado, sendo fruto, portanto, das lutas e culturas emergentes dessas sociedades.
Desconsiderando as regras sociais elaboradas, implementadas e sancionadas pelo conjunto na sociedade
organizada.
Colonialista porque considera o tempo presente, o agora, como sendo sempre o ponto central da
história, desprezando as fases pretéritas. A transposição do idealismo liberal ocorre no Brasil cerca de 50
anos após o Código Napoleônico, operada de forma cautelosa pelas classes dominantes, porquanto
mantendo-se no âmbito do reconhecimento monárquico, mas reconhecendo o direito de propriedade
fundiária (Lei de Terras).
Preconceituosa, pois não se permite as diferenças e o surgimento do novo. Destarte, as normas
indígenas não são direito, mas costumes. Do mesmo modo, aqueles que pensam o Estado como transitório
e perverso são rotulados de comunistas, anarquistas ou utópicos.

6
LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito civil alternativo. In: ARRUDA JR., Edmundo Lima de. (coord.). CHAGAS, Silvio Donizete
(org.). Lições de direito civil alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1994. Nota nº 1, p. 11.
7
PORTANOVA, Rui. Direito alternativo: o que é e o que pretende? Revista Cultura Vozes. Disponível em:
<http://www.culturavozes.com.br/revistas/n3ano96/entrevista.html>. Acesso em 04 jun. 2003.
8
WOLKMER, Antonio Carlos. Contribuição para o projeto da juridicidade alternativa. In: ARRUDA JR., Edmundo Lima de.
(org.). op. cit. (v. I). pág. 29.
9
PRESSBURGER, T. Miguel. Direito urgente: o dirito dos oprimidos. In: ARRUDA JR., Edmundo Lima de. (org.). op. cit. p. 09.
O direito civil no sistema romano-germânico e, entre todos os ramos jurídicos, o mais refratário a mudanças ou
transformações[...] Diante desse quadro, os civilistas encaram com muita desconfiança o direito alternativo, porque
põe em risco a estabilidade desses fundamentos e a segurança jurídica10.

Entre expoentes gaúchos, destaca-se o já mencionado juiz de direito Amilton Bueno de


Carvalho, cuja utilização da denominação "Direito Alternativo" decorre do fato de ministrar na Escola
Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, a disciplina assim denominada.
A expressão, segundo Armando do Lago Albuquerque, deveu-se à ação da imprensa ao divulgar,
em veladas críticas, o trabalho dos referidos magistrados gaúchos, numa tentativa de macular e mitigar o
movimento, ainda que algumas delas desprovidas de fundamento jurídico11.
Sobre utopia, vale a pena transcrever a manifestação de Carvalho, ao parafrasear Eduardo
Galeano:

E, ainda, sobre utopia e o movimento alternativista:

O movimento caracteriza-se pela busca (desesperada e urgente) de um instrumental prático-teórico destinado a


profissionais que ambicionam colocar seu saber/atuação na perspectiva de uma sociedade radicalmente democrática.
Uma atividade jurídica comprometida com a utópica vida digna para todos, com abertura de espaços democráticos
visando a emancipação popular, tornando o Direito em instrumento de defesa/libertação contra qualquer tipo de
dominação, ou seja, o direito enquanto concretização da liberdade.

De sua doutrina, é oportuno destacar os conceitos e propostas do alternativismo12:

– manifestação de luta de classes e serve ao processo de emancipação da classe trabalhadora;


– nega a apoliticidade, imparcialidade e independência dos juízes;
– interprete deve sacar das normas critérios de valoração progressista;
– utiliza de incoerências, lacunas e contradições do direito em favor dos menos favorecidos;
– busca, no limite do possível, o direito e os juristas ao lado dos que não possuem poder;
– direito, embora seja vontade da classe dominante, às vezes é justiça ante sua ambivalência, quando
resume conquistas políticas e éticas ou expressa exigências sociais democráticas;
– direito é terreno válido à luta de classes e não território abandonado à dominação;
– não se cuida de fazer revolução através do direito, mas de desenvolver interpretação jurídico-
progressista, restituindo aos trabalhadores a capacidade criadora da história;
– é proposta de caráter prático-teórica de utilizar e consolidar o direito em uma direção emancipadora,
privilegiando interesses e práticas dos dominados;
– tomada de consciência da função política do direito, sua interdependência com as relações sócio-
econômicas e sua idoneidade como fator de mudança social;
– utiliza e consolida o direito diversamente do usual predominante;
– busca ampliação dos espaços democráticos do ordenamento jurídico.

Wolkmer, por sua vez, propõe o "novo Direito", com bases sólidas em uma "ética comunitária",
em que a racionalidade prático-comunicativa se sobreponha à racionalidade instrumental, constituindo
uma ética política de cunho libertário como paradigma aos movimentos transformadores das "nações

10
LOBO, Paulo Luis Neto. Direito civil alternativo. In: ARRUDA JR., ARRUDA JR., Edmundo Lima de. (org.). op. cit. p. 12.
11
ARRUDA JR., Edmundo Lima de. Direito alternativo – notas sobre as condições de possibilidade. In: ARRUDA JR., Edmundo
Lima de. (org.). op. cit., Nota de rodapé. p. 72 (“Juízes de tênis, juízes de biquíni”, publicada na Gazeta do Povo (PR) 11.11.90, em
artigo de João Régis Fassbender Teixeira. E continua o articulista: “Sou do tempo em que homem era homem e um gato, um bicho”
[...] “Agora, com a Justiça Alternativa, logo, certamente, o 3º sexo vai ser, muito rápido [...]. o primeiro.”).
12
CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito Alternativo e Processo. In: RODRIGUES, Horácio Vanderlei. Lições alternativas de
direito processual. São Paulo: Acadêmica, 1994.
emergentes do capitalismo periférico"13. À construção desse "novo Direito", baseado em um processo
alternativo, exige-se passagem obrigatória por algumas questões14:

◦ a redefinição de uma nova racionalidade emancipatória;


◦ a formulação de uma ética política libertadora (ética da responsabilidade "dialógica
consensual")
◦ a praxis pedagógica de um discurso crítico "conscientização/emancipação";
◦ a redescoberta de um "novo sujeito histórico" (um sujeito histórico-em-relação);
◦ reconhecimento dos múltiplos centros de produção normativa supra e infra-estatal;
◦ a aceitação dos movimentos e práticas sociais como fontes geradoras do pluralismo jurídico
(grupos micro e macrossociais insurgentes);
◦ a materialização da "juridicidade alternativa" assentada nos pressupostos da alteridade,
solidariedade, pluralismo, mobilização e participação.
O Movimento do Direito Alternativo se processa por duas frentes. A primeira, atuando
diretamente na esfera do direito instituído, e, a segunda, se desenvolve no âmbito do direito instituinte, ou
seja, de um direito insurgente. Ambas compõem o gênero, que pode ser denominado de Direito
Alternativo em Sentido Lato, o qual, por sua vez, é formado pelas espécies: positivação de combatida, o
uso alternativo do direito e o direito alternativo em sentido estrito.
A "positivação combatida" (Carvalho) tem como finalidade concretizar os direitos individuais
e sociais que já se encontram em nossos textos legais, mas não são aplicadas em favor das classes
populares, oprimidas, e tem como instrumento uma espécie de "guerrilha" a fustigar constantemente as
agências políticas. Sob este aspecto, não ficam perfeitamente delimitados ou estanques os âmbitos da
juridicidade e da política.
O "uso alternativo do direito" tem como instrumento a própria interpretação extensiva da
norma positivada, aproximando os grupos menos privilegiados no contexto social da democracia e da
proteção efetiva de seus interesses. Utiliza-se da hermenêutica, e a partir do que encontra nas normas
instituídas, busca a interpretação extensiva e adequada capaz de propiciar e sedimentar, no próprio direito
positivo, os espaços legais convergentes aos interesses da camada populacional mais fragilizada. No
ensinamento de Jesús Antonio de la Torre Rangel (1990):

[...] constituye las diversas acciones jurídicas encaminadas a que la normatividade y su aplicación por parte de los
tribunales e instancias administrativas favoreza a los intereses del pueblo o clases dominadas.

O "Direito Alternativo stricto senso" é o repúdio ao monismo, e o reconhecimento de que não


só o Estado que cria o Direito e o faz vigente, mas o caminhar da sociedade, caminhar histórico desse
direito insurgente, paralelo, achado na rua, emergente.
À essa espécie, e num pólo mais radical, se aproxima uma outra classe desse discurso, em que se
denomina crítica do direito total15, que propugna pela extinção total do direito, tido como "expressão da
burguesia triunfante", para realização de uma sociedade sem classes. Ou, no dizer de Calera: "é a vontade
da classe dominante erigida em forma de lei"16.
A face mais significativa desse movimento volta-se ao direito de propriedade, especialmente
tutelado em nosso ordenamento jurídico, elaborado a partir do ideário iluminista-liberal que tem a
propriedade como expressão da liberdade.
E quem são os destinatários da codificação civil?
4% da população economicamente ativa percebem mais que 20 salários mínimos mensais.

13
WOLKMER, Antônio Carlos. Contribuição para o projeto da juridicidade alternativa. In: ARRUDA JR., ARRUDA JR.,
Edmundo Lima de. (org.). op. cit,. p. 36.
14
Ibidem, p. 43.
15
OLIVEIRA, Luciano. Ilegalidade e direito alternativo: notas para evitar alguns equívocos. Brasília: Ensino Jurídico – OAB,
1992. p. 192. apud LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito Civil alternativo. In: ARRUDA JR., Edmundo Lima de. (coord.). CHAGAS,
Silvio Donizete. (org.), op. cit., p. 12. Nota nº 02.
16
CALERA, Nicolas M. Lopes. LOPES, Modesto Saavedra. ANDRÉS, Ibañes Perfecto. Sobre El uso Del derecho. Valência:
Fernando Torres, 197. apud, CARVALHO, Amilton Bueno de. Lei 8009/90 e o directo alternativo. In: ARRUDA JR., Edmundo
Lima de. (org.) op. cit., p. 55.
Apenas 10% das famílias têm rendas mensais superiores a dez salários mínimos.17
A maioria da população está excluída da tutela legal.
Sob este aspecto, vale inscrever a questão formulada por Carvalho18:

O conceito de vida com dignidade urge seja ampliado, sempre e sempre, para que o ideal utópico vida em abundância para
todos se aproxime cada vez mais. Afinal é de se perguntar: vida digna com superação de todas as necessidades vitais é direito
apenas dos ricos?

E qual área da legislação civil não está intimamente relacionada com os interesses da
propriedade privada?
E é justamente nesse espaço jurídico em que se observa mais acentuado o atuar do uso
alternativo do direito, influenciando decisivamente a história e aplicação do direito modificando-o
através da jurisprudência e até mesmo o processo legislativo. Algumas habilidosas construções
jurisprudenciais têm alargado o direito posto em interpretações extensivas de modo a abarcar grupos
sociais até então excluídos do ordenamento jurídico favorável.
Quanto ao sujeito: a desconsideração da pessoa jurídica, para coibir abusos, fraudes ou
prejuízos.
No direito de família: o reconhecimento da sociedade de fato e a partilha de bens havidos pelo
esforço comum dos conviventes; a possibilidade de reconhecimento de filho adulterino por varão casado;
expurgo dos termos adulterino e adotivo (Constituição Federal de 1988 e Estatuto da Criança e do
Adolescente).
No direito das propriedades: o reconhecimento do direito à moradia ou à habitação, embora
sem assumi-lo, no retardamento (na prática) das ações rendendo-se aos fatos já consumados. As invasões,
com o passar do tempo, se tornam irreversíveis. Os próprios governantes ficam receosos com a má
repercussão política.
Na responsabilidade civil: a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (Código de
Defesa do Consumidor). A impenhorabilidade do único bem imóvel, ou de outros bens indispensáveis à
dignidade humana.
No direito penal: o recente enunciado do Superior Tribunal de Justiça: "Movimento popular
visando a implantação da reforma agrária não caracteriza crime contra o patrimônio". Trata-se de questão
complexa, não pacífica, a saber se configura aplicação de uma das correntes do alternativismo, ou se
resume apenas na aplicação extensiva da lei, com base na norma magna.
A questão possessória: Desocupação da Fazenda Flor Roxa, em Mirante do Paranapanema, São
Paulo19. Expressão do delegado de polícia:

Como ser humano e como cristão que somos, nos deprimiu realmente ter que autuar em flagrante delito, por tentativa
de furto e formação de quadrilha, oito trabalhadores pobres, e entre eles, um com 74 anos de idade, e outro com 80
anos [...]

3 CRÍTICAS AO MOVIMENTO DO DIREITO ALTERNATIVO

Em que pese o saber jurídico e toda fundamentação teórica, social política e econômica, o
Direito Alternativo tem recebido as mais variadas críticas, dos mais variados matizes.
A alternatividade ao direito estatal leva, inexoravelmente à construção de um novo modelo, pois
não se concebe uma ordem integradora e reguladora das interações sociais sem um modelo de regras; do
contrário não haverá outro destino, senão à anarquia. Destarte, o direito alternativo deve se manifestar em
um novo sistema jurídico: seja instituinte, insurgente ou achado na rua.
Seus defensores propugnam pela ação transformadora do direito, imprimindo mudanças sociais
através da "aplicação de um "outro" direito, gerado espontaneamente no seio dos movimentos sociais e
substituindo paulatinamente o "opressor" direito do Estado"20.
Dentre as críticas que se estabelecem, destaca-se a realizada sobre o ponto de vista
metodológico, vez que se pretende a coexistência de um direito estatal, taxativo, concebido pela vontade
política, com exercício de soberania sobre qualquer outro sistema de regramento social; com um direito
insurgente, comunitário, que se contrapõe a esse direito estatal, mesmo que ideologicamente se pretenda

17
PNAD-IBGE apud LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito Civil alternativo. In: ARRUDA JR. Edmundo Lima de (coord.), CHAGAS,
Silvio Donizete (org.). op. cit., p. 14.
18
CARVALHO, Amilton Bueno de. Lei 8009/90 e o direito alternativo. In: ARRUDA JR., Edmundo Lima de. (org.). op. cit., p. 65.
19
CUNHA, Sérgio Sérvula da. A nova ação possessória. In: ARRUDA JR., Edmundo Lima de. (coord.)., CHAGAS, Silvio
Donizete (org.) op. cit., p.42.
20
SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 90.
um "direito justo" nascido e voltado espontaneamente às necessidades peculiares de determinados sujeitos
coletivos21.
De outro lado, o direito alternativo, do sujeito coletivo flui para o pluralismo jurídico, pela
insurgência do direito comunitário, peculiar, adequado aos grupos cujos componentes se identificam, em
relação ao espaço vital (favelas), interesses ideológicos (sem terra), ou para ir mais longe, em torno de
objetivos absolutamente ilícitos (máfia), vez que a vontade popular (formal), representada no direito
estatal, não atende ou contraria os interesses dessas sociedades, cuja efetiva aplicação poderia alcançar o
status de ilegalidade22.
Em Portugal, no período imediatamente posterior à "Revolução dos Cravos", as denúncias em
relação às ações desenvolvidas no período de exceção próximo, levaram à uma profunda crise de
legitimidade o direito estatal, considerado "burocrático", de que não atendia aos interesses populares. Daí
a institucionalização de tribunais de base, populares, assembléias; associações de estudantes, vizinhos,
operários etc.
Foi um período de rica experiência na distribuição de justiça e solução de conflitos. Expressões
freqüentes como "O povo é que mais ordena", "legalidade revolucionária", "dinâmica do processo
revolucionário em curso", levaram a instituir como principal o novo direito e a capacidade de aferir a
legitimidade do direito estatal e sua conformidade como direito revolucionário23.
Decorreu o "saneamento" da Faculdade de Direito de Lisboa, com a exclusão dos professores,
que "foram substituídos por trabalhadores, militantes políticos e juristas comprometidos com as lutas
populares"24. À justiça oficial, considerada muito cara, inacessível, acadêmica, "afastada das massas
populares e marcada pelo espírito de casta", se pretendia organizações de massas, mescladas por
populares e juízes de carreira, que, entretanto, nunca se estabeleceu, considerada "suspeita, muitos
juristas, mesmo de esquerda"25.
Relata, Hespanha, um dos poucos "julgamentos populares":

O mais conhecido foi o "caso José Diogo", em que um trabalhador rural matara, na seqüência de uma discussão, o
proprietário das terras em que trabalhava. No dia do julgamento oficial uma multidão ocupou o tribunal e,
substituindo-se aos juízes (que decidiram adiar o julgamento, transferindo-o para outra comarca), constituiu um
tribunal popular e condenou[...] o morto, classificando o homicídio como um acto de legítima defesa 26.

Entretanto, essa aplicação do uso alternativo do direito, com inversão da legalidade do direito
estatal, acabou com a demissão, por parte do Conselho Superior da Magistratura, de um juiz que insistia
em indeferir in limine as ações de despejo, por considerá-las contrárias às garantias constitucionais
relacionadas ao direito de habitação27.
Nestas plagas, Gilberto Calado aproxima-se da passionalidade ao atacar o direito alternativo
(cujos eventos propagandísticos considera um levante28), a ele atribuindo um caráter dialético e sectário
de um processo revolucionário que tem por fim aniquilar o direito posto, insuflando a luta de classes. Da
apresentação de sua obra, tem-se a síntese de sua contrariedade:

Pari passu a inserção de um discurso menos agressivo, porém subordinado às teses aproveitáveis de Marx, vai
criando uma atmosfera de confusão tépida, discreta e cômoda, de modo que a transição dialética e sectária do
processo revolucionário alternativo (da primeira etapa de aniquilamento do direito tradicional para a segunda e
definitiva etapa da utopia autogestionária) possa seguir progressiva e sem obstáculos29 .

Em que pese o profundo escopo humanístico em que se fundamenta ética e moralmente o Direito
Alternativo, muitas são as críticas que a ele endereçada por Gilberto Calado:

21
SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 91.
22
Ibidem, p. 109: “[...] se consideramos as regras da máfia como “direito” no sentido informal, então deveríamos também sustentar
que num tribunal do Estado que decide punir um “chefão” da máfia viola o direito mafioso e comete uma ilegalidade”.
23
HESPANHA, Manuel Antonio. op. cit., p. 233.
24
Ibidem, p. 233.
25
Ibidem, p. 234: “Pode-se dizer-seque o projecto de uma justiça popular era activamente apoiado apenas pelos grupos radicais de
esquerda; os juristas comunistas permaneceram sempre muito indecisos quanto a esse ponto”.
26
Ibidem, p. 235.
27
Ibidem, loc. cit.: Pela forte pressão exercida pela imprensa e por setores conservadores, Celso Degucho era juiz da Marinha
Grande, foi demitido “(apesar da sua inteligência, saber e honestidade), bem falta de “idoneidade moral”, bem como do bom senso,
equilíbrio e sensatez necessários para o exercício da magistratura”.
28
OLIVEIRA, Gilberto Callado, A verdadeira face do direito alternativo. São Paulo: Juruá, 1998, p. 69.
29
Ibidem, loc. cit.
O direito alternativo nasce da concepção marxista de lutas entre classes, e tem seu cerne na crítica do chamado direito
dominante, ou o direito como instrumento de dominação a serviço da burguesia; 30
O direito alternativo é contraditório, é a antítese do direito tradicional; seu discurso é livre, e de uma tal liberdade
que, dentro de sua dialética real, não admite nenhum princípio de justiça, neutralidade ou imparcialidade de seus
aplicadores;31
O ideário alternativo é a construção de uma sociedade democrática, autogestora e socialista, livre de revoluções ou
crimes: um paraíso quimérico e anárquico. Homens que não erram, nem intelectual nem moralmente, ou nos quais o
erro é tão ligeiro que uma elucidação cordial os põe logo no justo caminho, têm necessariamente uma vida política
sem atrito nem fricções.32

CONCLUSÃO

O direito alternativo, como proposta de abolir o direito estatal e adoção de um pluralismo


jurídico, não nos parece um avanço no ordenamento jurídico, quer para favorecer as classes menos
favorecidas, quer para alcançar, através do direito denominado achado na rua a praxis do justo pela
possibilidade do tratamento isonômico.
Se o alternativismo tem seu móvel no prisma de neo-iluministas, vale lembrar o Marquês de
Beccaria, que logo no início de sua obra afirma que as vantagens de uma sociedade devem ser
distribuídas igualmente entre seus membros, mas demonstra a terrível tendência da riqueza ser acumulada
pela minoria, para deixar a maioria na fraqueza e miséria. "Só com boas leis podem impedir-se tais
abusos"33.
Uma das mais expressivas mentes do período iluminista, passa a demonstrar a nocividade das
"interpretações" fluindo emmovimento, caso a caso, fixando-se na solução casística ou casuística, livres
de dogmas e de limites legais. Cautelosamente repudia a falta de lei geral, escrita e inteligível pelo
destinatário, estes reunidos em sociedade "cansados em viver em estado de guerra":

Fatigados de só viver no meio de temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que a
incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para gozar do resto com mais segurança. A soma
de todas essas porções de liberdade, sacrificadas assim ao bem geral, formou a soberania da nação; e aquele que foi
encarregado pelas leis do depósito das liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado o soberano do
povo.34

Bem certo, todavia, que o contratualismo encontra veementes críticas, justamente pelo fato de
alicerçar o justo no cumprimento dos contratos livremente acordados35, em que se identifica a pacta sunt
servanda, consistindo, destarte, a amarração dogmática repudiada pelo alternativismo, por lançar todos os
conflitos na vala comum das soluções, tal qual o positivismo jurídico exacerbado, em que se espelha a
pejorativa imagem de uma Justiça cega.
Independente de abordagem dicotômica evolucionismo/continuísmo, o certo é que as tentativas
de justiça distributiva abandonaram a centenária casística da Antigüidade, na procura incessante de tratar
os conflitos semelhantes, aplicando-lhes soluções semelhantes (por mais óbvio ou perfunctório que se
possa haver essa afirmação).
As ideologias e propostas filosóficas desenvolvidas nos últimos séculos, notadamente após o
renascimento, não nos levaram ao sistema de perfeita distribuição de justiça, partindo inicialmente de um
direito posto pelo Estado. Todavia, isso não significa que o pressuposto de coercibilidade estatal seja o
empecilho para o êxito. Porque não há direito sem coercibilidade; como não há coercibilidade legítima
sem sustentação legislativa, dentro de um processo instituído pela vontade geral (maioria).
Ora, a negativa da lei é a negativa do poder constituinte (Legislativo) e do poder judicante
(Judiciário), para aplicação de soluções alheias ao poder administrativo (Executivo). Ou seja, parece-nos
um paradoxo a um ideal neo-iluminista que se contrapõe a uma das mais importantes instituições
iluminista: a tripartição do poder.
O pluralismo jurídico, num país de dimensões continentais como o nosso, levaria uma
diversidade imensurável, cuja coercibilidade do direito peculiar flui fatalmente à substituição da tirania do
direito estatal pela tirania de um direito tribal. Algumas questões surgem fatalmente para exercício prático
desse sistema fragmentado, ainda que fragmentado em relação aos diversos agrupamentos e coeso no
âmbito de cada um deles, enraizado no insurgente direito gerado em peculiaridades próprias:

30
Ibidem, p. 60.
31
Ibidem, p. 70.
32
Ibidem, p. 89.
33
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 15.
34
Ibidem, p. 19.
35
HOBBES, Thomas. O Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 111.
Como garantir a justiça distributiva sem o poder da coerção? De onde verterá a legitimidade da
coerção ao cumprimento, senão da lei?
Poder-se-ia argumentar que não haveria necessidade de coerção para se cumprir o direito, uma
vez que esse direito, ainda que peculiar ao grupo, se realizaria pela imanência, ou seja, pelo
reconhecimento geral daquilo que foi gerado em si mesmo, no agrupamento, pela convergência das
vontades quanto ao tratamento dado aos eventuais conflitos ("dialógica consensual"?).
A desnecessidade de coerção (entenda-se: o uso da força legítima) adviria pelo reconhecimento
dos litigantes do poder de realização de justiça baseado exclusivamente na razão do magistrado,
construída através de seu conhecimento acumulado pela experiência, que por sua vez verte das
particularidades, e que não se submete a qualquer outra fonte direta (lei) ou indireta (jurisprudência,
dogmática) do direito, vez que cada caso deve ser tratado não genericamente, senão de acordo com suas
especifidades. (o reconhecimento dos múltiplos centros de produção normativa supra e infra-estatal?).
A decisão no caso particular faz-se lei entre as partes envolvidas nesse caso, não se estendendo
obrigatoriamente aos demais casos, por maior que seja a semelhança entre eles, podendo, entretanto,
repetir-se se atender ao direito comunitário.
E quanto à policiticidade do poder judicante? Considerando a incontestável influência da
opinião/vontade popular quanto às necessidades e ações políticas respectivas, e, principalmente, a
volaticidade, para não dizer leviandade, desses vetores políticos, como certificar-se de que o direito
aplicável à espécie não será volátil e efêmero, tal como a "efemeridade das nuvens" (Deputado Ulisses
Guimarães)36.
A vontade do magistrado, dirigida ao caso concreto, é lei? E quais são as garantias do
magistrado em dizer o direito (lei aplicável ao caso concreto)? Advêm de outra lei, maior? Essa lei maior
é escrita, obrigatória e estável, ou mutante, ao sabor da vontade geral da comunidade? Ou a estabilidade
do magistrado é garantida pela força? E onde se fundamenta essa força?
Há expectativa do empenho (boa vontade) de todos quanto ao respeito e obediência ao direito
insurgente, ou o respeito e obediência são obtidos pelo uso da força? Do contrário, em que se baseia a
certeza da desnecessidade do uso da força?
A força legítima flui do acordo de vontades entre os comunitários? Esse acordo de vontades faz-
se lei entre os integrantes do grupo? A lei, proveniente do acordo de vontades (contratualismo?) serve
para legitimar a coerção, mas não fundamentar o direito aplicado?
Poder-se-ia argüir, ainda, que a alternatividade reside exatamente na utilização do direito tal
como posto, na medida do interesse da comunidade, respeitando-se sua aplicabilidade concretamente.
Desse modo, haveria uma alternância de direito, ora instrumentalizado pelo direito posto pelo Estado, ora
o imanente e aplicável ao caso em exame, pertencendo este a uma categoria de direitos casuísticos, de
existência e características individualizantes. Nesta hipótese, melhor que "Direito Alternativo", seria
denominação de "Uso Alternado do Direito".
A oportunidade (necessidade) em que se deve recorrer ao direito estatal ficaria a critério do
magistrado, sob os mesmo fundamentos de legitimidade acima questionados?
Quais os parâmetros pelos quais o membro da comunidade pode executar o seu rol? A retidão de
caráter (fundamento moral)? O desprezo pelos bens materiais (platônico), solidariedade?
É o momento apropriado de recorrermos a Hitlodeu37:

Nenhuma família ou comunidade agrícola tem menos de quarenta pessoas, homens e mulheres, além de dois
escravos, encontrando-se todos sob a direção do casal, ambos prudentes, sábios e idosos. (grifo nosso)

E prossegue a narrativa:

Os embaixadores dos países vizinhos, que até então tinham vindo à Utopia, conheciam os usos dos Utopianos e
sabiam que estes não apreciavam vestuários suntuosos, desprezavam a seda e consideravam o ouro infamante38.

Entretanto, vale lembrar que, mesmo em Utopia, a observância do direito positivo integrava a
virtude39:

36
Consta do folclore político que o Dep. Ulisses Guimarães foi abordado por um colega que o instava a explicar porque mudara de
opinião de um dia para o outro. Teria respondido ele: - Você disse muito bem; que mudei de opinião quanto ao que pensava ontem.
O que eu pensava ontem, é passado. Hoje eu penso o que penso hoje.
37
MORE, Thomas. op. cit., p. 54.
38
Ibidem, p. 72.
39
Ibidem, p. 77.
Pensam também os Utopianos que não só as alianças e convenções entre particulares devem ser escrupulosamente
observadas e cumpridas. Também o devem ser a leis públicas, promulgadas por um príncipe justo ou sancionadas
pelo povo, que não estava oprimido pela tirania nem enganado com fraudes e artimanhas, leis que distribuem os
prazeres da vida, quer dizer, que regulam a matéria do prazer.

Como se vê, o Direito Alternativo teria alguma dificuldade em ser aceito em Utopia.
A luta (sem lei) de classes leva ao caos e ao ódio, na referida guerra de todos contra todos40, em
que vencerá o mais forte, mas o conflito suscitado entre elas sensibiliza a vontade geral e move o direito
em seus princípios basilares, ou seja, a dinâmica social. De observar-se, que o ideário de liberdade,
combatido pelos marxistas e apesar do pensamento liberal-burguês, foi um avanço contra a tirania da
nobreza, e um repúdio ao ancien regime, notadamente à praxis de consultar o espírito da lei para
aplicação da justiça, que resultava naquela época, como pode resultar hoje, na "consulta ao próprio
espírito do julgador". De notar-se o caráter adogmático que se propõe o movimento em apreço. Sobre o
que repousará a decisão final sobre o conflito apreciado? Sempre em favor do mais fraco? Isso nada ma is
é que dogma!!
Como assegurar a declaração justa ao caso concreto, sem parâmetros a orientar o julgador, senão
sua própria autonomia em recorrer, alternativamente, ao direito posto? Ou, para ir mais a frente: Como se
fazer justiça específica a cada caso específico? Somente com a diversificação de julgadores tanto quanto
diversificadas as comunidades, influenciados pelo saber jurídico de cada uma delas, para que a declaração
seja conforme a vontade geral da própria comunidade. Ou seja, uma justiça comunitária, baseado num
direito comunitário, ou em outra palavra: tribal. Então, para redescobrir o direito, o retorno ao ancien
regime, veementemente combatido pelos iluministas é insuficiente. Faz-se necessário o retorno aos
primórdios do homo sapiens.
Talvez fosse esta a oportunidade de adotarmos o "Filarco ou Sifogrante" e o "Protofilarco ou
Traníboro"41.
De outro lado, se é inegável o uso do ordenamento jurídico como instrumento mantenedor dos
interesses das classes dominantes, ou melhor, do presente status quo, de outro, não nos parece tão certa e
segura a idéia de mudança social através do direito, a não ser por um atuar político.
As críticas importantes ao direito alternativo em sentido estrito não se aplicam com a mesma
intensidade ao uso alternativo do direito, que propõe a modificação do próprio direito estatal, pelo atuar
constante da prática de interpretação voltada ao equilíbrio do suporte da balança do direito posto pelo
Estado, atuando segundo a vontade geral, ou seja, da maioria que é formada pelas classes dominadas
economicamente.
Não se pode lançar fora todo o edifício do direito, às duras penas construído na luta constante
dos que acreditaram e dos que crêem na justiça distributiva, segundo as necessidades para o equilíbrio
social, observado o bem estar comum. O atuar constante, tendo por terreno de combate as lacunas e
demais espaços da lei, na busca de colocar o direito e o jurista ao lado dos que não tem poder, é dizer,
"una actitud orientada por via interpretativa a la ampliación de los posibles espacios democráticos Del
ordenamiento jurídico"42.
A maioria da população, ao largo do direito civil, estabelece ou tenta estabelecer suas relações e
conflitos sem qualquer influência da legislação, posto que não lhe é aplicável, invariavelmente procura
pela delegacia de polícia, para solução desses conflitos, ou os solucionam fazendo justiça de mão própria.
O uso alternativo do direito surge como uma atividade corretiva da aplicação do direito, baseada
não na aplicação inflexível da lei, segundo um dogmatismo estruturado, mas nos princípios gerais
constitucionais e do próprio direito, que informam essa lei, vez que recepcionados pela própria
constituição, destacando-se entre eles o bem comum. Essa atividade deve ser entendida como um direito
correcional, ou seja, o atuar constante para aplicação desses princípios, quer na interpretação extensiva da
lei, quer modificando-a em sua base legislativa, sob pena de perda da coercibilidade e da extinção do
próprio direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

40
HOBBES, Thomas. op. cit., p. 98.
41
MORE, Thomas. op cit., p. 58. (FILARCO ou SIFOGRANTE: Nome dado aos magistrados em Utopia, eleito, cada um, por trinta
famílias, com mandato de um ano. PROTOFILARCO ou TRANÍBORO: a quem se subordinam dez filarcos e respectivas trezentas
famílias.)
42
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