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UNILASALLE-RJ

Italo Giuseppe Barros Petraglia

O Direito Natural de John Locke e Murray N. Rothbard e sua aplicação


pragmática

Niterói
2018
Italo Giuseppe Barros Petraglia

O Direito Natural de John Locke e Murray N. Rothbard e sua aplicação


pragmática

Projeto de Pesquisa apresentado no curso


de Direito, da UNILASALLE-RJ, a ser utilizado
como diretrizes para manufatura do trabalho de
conclusão de curso.

Niterói
2018
Centro Universitário La Salle – RJ
Curso de Bacharelado em Direito

Italo Giuseppe Barros Petraglia

O Direito Natural em John Locke e Murray N. Rothbard e sua aplicação


pragmática

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Centro Universitário LASALLE-RJ como requisito
parcial para a conclusão do Curso de Graduação em
Direito.

Orientador: André Miranda

Banca Examinadora

_____________________________________________

Orientador: Dr. André Miranda


Centro Universitário Lasalle

_______________________________________________

Avaliador: Dr(a):
Centro Universitário Lasalle

_______________________________________________

Avaliador: Dr(a):
Centro Universitário Lasalle

Niterói
2018
DEDICATORIA

Dedico esta monografia à minha família, pelo apoio


emocional e suporte familiar nos momentos de dificuldade.

Aos meus amigos pela confiança e estímulo.

Aos meus professores pela difusão conhecimento.

A todas as pessoas que de certa forma passaram na minha


e agregaram valor para mim.

À Rede Lasalle pela minha formação acadêmica e de


caráter.
AGRADECIMENTOS

À minha família pelo suporte familiar e pela construção do meu caráter.

Ao professor orientador André Miranda

Aos integrantes do Corpo Docente da UNILASALLE-RJ

Aos colegas de jornada acadêmica


EPÍGRAFE

“Ideias e somente ideias podem iluminar à


escuridão.” (VON MISES, L.)
LISTA DE ABREVIATURAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF Arguição de descumprimento de preceito fundamental

Art. Artigo

C.P Código Penal

Min. Ministro

Nº Número

Pág. Página

RExt Recurso Extraordinário

STF Supremo Tribunal Federal

Vol. Volume
Ficha catalográfica

Petraglia, Italo Giuseppe Barros


O Direito Natural em John Locke e Murray N.
Rothbard e sua aplicação pragmática / Italo Giuseppe
Barros Petraglia. – Niterói: Unilasalle-RJ, 2018.
42p.

Orientador: Prof. Dr. André Luiz Miranda de Abreu.


Trabalho de conclusão de curso (Bacharel em Direito) –
UNILASALLE-RJ – Centro Universitário La Salle-RJ.

CDD

CDD
RESUMO

A presente monografia aborda o instituto do Direito Natural, começando pelo teórico


inglês John Locke, minuciando seu contexto histórico, sua abordagem filosófica, além
de sua influência acadêmica e argumentos. É também objeto desta monografia a
análise da lei natural do autor norte-americano Murray N. Rothbard, abordando seus
fundamentos filosóficos que originaram a sua própria tese, bem como também é a
relação da teoria deste autor com outras de direito natural como, por exemplo, do
próprio John Locke. Após essa minuciosa análise de ambas teorias, foi abordado a
aplicabilidade pragmática delas em casos concretos já enfrentados, ou que ainda irão
ser objeto de julgamento de nosso Supremo Tribunal Federal.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Natural – John Locke – Rothbard – Ética - Filosofia


ABSTRACT

This monograph adresses the institute of natural law, starting by the british academic
John Locke, going though his historical context, his philosophy approach, even his
academic influence and arguments. It is also object of this monograph the review of
natural law by the north-american academic Murray N. Rothbard, as also going though
his philosophical groundwork that originated his thesis and his relation with the thesis
of John Locke. After all that, it was approached the pragmatical aspect of their work
with the analysis with real cases that were already judged or that it will eventually by
our Supreme Court.

KEYWORDS – Natural Law – John Locke – Rothbard – Ethics - Philosophy


SUMÁRIO
Introdução...............................................................................................................................11
CAPÍTULO I – O DIREITO NATURAL EM JOHN LOCKE.....................................................12
1.1- Contexto Histórico da filosofia de John Locke..............................................................12
1.2- Desdobramento do direito natural até a formação do contrato social..........................13
1.3- Relação do Direito Natural e o Estado.........................................................................16
1.4- Os atributos do Direito de Propriedade de Locke.........................................................18
CAPÍTULO II – O DIREITO NATURAL DE MURRAY N. ROTHBARD..................................20
2.1- Contexto histórico da abordagem filosófica de Murray N. Rothbard............................20
2.2 - A lei Natural Rothbardiana equiparada a uma ciência................................................22
2.3 - A lei natural Rothbardiana e sua relação geral com outras teorias de Direito
Natural........................................................................................................................................
....23
2.4 - Análise Rothbardiana de Lei Natural em contraposição com a Lei positivada............24
2.5 - A lei de Direito Natural de Murray Rothbard e a similitude com a teoria lockeana.....24
2.6 - A moralidade da ética Rothbardiana...........................................................................27
CAPÍTULO III – ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA COM A ÓTICA DO DIREITO NATURAL
DE LOCKE E ROTHBARD.....................................................................................................30
3.1- ADI 4275 / DF - Registro Civil para Transexuais mesmo sem cirurgia de mudança
de sexo ...............................................................................................................................30
3.2- ADI 5543 - Doação de sangue por homossexuais.......................................................31
3.3- Recurso Extraordinário 635.659 – Descriminalização das drogas para consumo
próprio.........................................................................................................................................
.32
3.4- ADPF 132/RJ e ADI 4277 – Ilegalidade da distinção de tratamento legal às uniões
estáveis
homoafetivas................................................................................................................33
3.5 - (ADPF) 442 – Descriminalização do Aborto................................................................34
Conclusão...............................................................................................................................38
Referências Bibliográficas......................................................................................................40
11

INTRODUÇÃO

O objeto desta monografia é a análise das teorias de direito natural de John


Locke e de Murray N. Rothbard. Será também realizado uma aplicação pragmática de
ambas teorias em casos concretos de relevantes temas em nossa sociedade atual já
julgados por nosso Supremo Tribunal Federal ou que ainda serão apreciados pelo
mesmo.

No primeiro capítulo foi abordado o contexto histórico da teoria de John Locke,


suas influências, seus fundamentos e atributos. Além da relação de sua filosofia com
a teoria do contrato social.

No primeiro capítulo foi também abordado a relação do jusnaturalismo lockeano


com o Estado Constitucional da época.

No segundo capítulo foi abordado o contexto histórico da teoria de direito


natural de Murray N. Rothbard, sua influência filosófica e seus fundamentos éticos.

No terceiro capítulo foi aplicado as teorias de ambos autores em casos


concretos do nosso Supremo Tribunal Federal.

Este trabalho também visa demonstrar que muitas de nossas justificativas


jurídicas para casos em concreto, mesmo em um sistema de lei positiva, também
partem de uma raiz de direito natural.

A metodologia utilizada por este trabalho foi a descritiva, ao descrever as


teorias dos autores abordados e, dedutiva, ao aplicá-las em casos concretos.
12

CAPÍTULO I – O DIREITO NATURAL EM JOHN LOCKE

1.1- Contexto Histórico da filosofia de John Locke

Inicialmente, cabe mencionar o contexto no qual John Locke desenvolve sua


teoria de direito natural, tendo em vista o conturbado momento histórico vivido pelo
autor que o influencia diretamente para a abordagem e o desenvolvimento de sua
filosofia liberal.

As obras filosóficas tratadas de direito natural lockeano estão inserida no


contexto das revoluções inglesas do século XVII, isto é, um período de grande tensão
política e social marcado pela disputa entre o pensamento absolutista e o pensamento
liberal. (Ribeiro, Portilho Gabriel, 2016 – Locke e a propriedade como direito fundamental)

John Locke era um grande opositor ao absolutismo monárquico defendido pela


Coroa inglesa e, principalmente durante ao período da dinastia dos Stuart, Locke
contribuiu com seus ensinamentos para uma visão liberal, influenciando através de
suas obras, o estabelecimento das bases teóricas do Estado Liberal .( ARANHA;
MARTINS, 2009, p. 303)

Justamente pela sua oposição filosófica contrária ao absolutismo monárquico


da coroa inglesa e pela acusação de ter se envolvido com conspiradores família real,
Locke foi fortemente perseguido pela família real resultando no fato do autor precisar
se refugiar na Holanda. (ARANHA; MARTINS, 2009, p. 304).

Só então, posteriormente a esse evento, que John Locke se tornaria o teórico


da revolução liberal inglesa e suas ações teriam consequências político-ideológicas
mundialmente, como expressa Aranha Martins: “Suas ideias políticas fecundaram
todo o século XVIII, dando o fundamento filosófico das revoluções liberais ocorridas
na Europa e nas Américas.” (ARANHA; MARTINS, 2009, p. 304).
13

1.2- Desdobramento do direito de propriedade até a formação do contrato social


em Jonh Locke

Locke é considerado um dos mais importantes pensadores da


concepção jusnaturalista e sua fundamentação de direito natural é através da teoria
da propriedade, diretamente relacionada com a concepção que Locke tinha do
trinômio estado natural/contrato social/estado civil, conforme será analisado
posteriormente.

Segundo Locke, o estado de natureza o qual o homem, em uma


concepção individualista, se inseria em um ambiente de relativa harmonia e paz, por
meio do qual os homens detinham de forma integral toda a sua garantia de liberdade
e igualdade. Segundo Leonel Itaussu Almeida Mello (2006, p. 84-85):

“Locke afirma ser a existência do indivíduo anterior ao


surgimento da sociedade e do Estado. Na sua concepção
individualista, os homens viviam originalmente num estágio pré-
social e pré-político, caracterizado pela mais perfeita liberdade e
igualdade, denominado estado de natureza.”

Nesse estágio de paz e harmonia, os homens já eram dotados de razão e


conseguiam exercer o seu direito de propriedade que, num primeiro entendimento
utilizada por Locke, simultaneamente significava a vida, a liberdade e os
bens(propriedade) como direitos naturais do ser humano.

Como se observa da citação acima de Leonel, a propriedade preexiste de uma


instituição de sociedade civil, ou seja, ela é proveniente da própria natureza, estando
ligada diretamente à cada indivíduo a sua própria condição humana, sem precisar da
concessão de uma legislação ou instituição estatal.

A teoria lockeana de propriedade tem uma concepção em sentido amplo, na


qual abrangeria de forma simultânea, tanto a vida, quanto a liberdade e os bens do
ser humano, isto é, segundo Aranha Martins: “é tudo o que pertence a cada indivíduo
14

sendo que a primeira coisa que a pessoa possui, portanto, é o seu corpo: todo
indivíduo é proprietário de si mesmo e de suas capacidades” (ARANHA; MARTINS, 2009,
p. 305).

Em suma, John Locke qualifica o direito de propriedade como um direito


natural, ou seja, um direito inerente ao próprio homem por sua própria condição
humana. Segundo o filósofo:

“cada homem tem uma ‘propriedade’ em sua própria ‘pessoa’; a


esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. Podemos
dizer que o ‘trabalho’ do seu corpo e a ‘obra’ das suas mãos são
propriamente seus. Seja o que for que ele retire do estado que a
natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao
próprio trabalho, juntando-se-lhe algo que lhe pertence e, por
isso mesmo, tornando-o propriedade dele. (LOCKE, John. Um
Ensaio Referente à Verdadeira Origem, Extensão e Objetivo do
Governo Civil, V. págs 409-10, em Dois Tratados sobre o
Governo.).”

Conforme fica nítido com essa passagem, cada ser humano teria propriedade
sobre o seu próprio corpo, isto é, a autopropriedade. Sendo assim, Locke afirma que
por sermos detentores de nosso próprio corpo, teríamos autonomia de utilizarmos ele
da maneira que entendermos melhor, desde que isso não infringisse a propriedade de
outra pessoa. Essa passagem acima mostrada caracteriza o princípio da liberdade
lockeana.

Ademais, a origem do direito natural para Locke se vem de uma análise divina,
tendo em vista, segundo estudo de Marilena Chauí sobre o autor liberal, que, para ele,
Deus teria instituído, “no momento de criação do mundo e do homem, o direito à
propriedade privada como fruto legítimo do trabalho” (CHAUÍ, 2007, p. 207). Se conclui,
então, que a origem foi a teoria divina criacionista que efetivou o direito de propriedade
em Locke.

Outra consequência da teoria de propriedade lockeana é o que se refere ao


ação do trabalho como um indicador de fundamento e de aquisição da propriedade,
conforme ilustra Aranha Martins na seguinte citação:

“O trabalho de seu corpo é propriamente dele; portanto, o


trabalho dá início ao direito de propriedade em sentido estrito
15

(bens, patrimônio). Isso significa que, na concepção de Locke,


todos são proprietários: mesmo quem não possui bens é
proprietário de sua vida, seu corpo, seu trabalho e, portanto, dos
frutos do seu trabalho. (ARANHA; MARTINS, 2009, p. 305).”

Continua abordando o fato que:

“o trabalho exercido pelo homem constitui sua propriedade,


assim como os frutos que dele obtiver. É primariamente a partir
do trabalho que o homem consegue sair de sua carência inercial
para alcançar bens que saciem suas necessidades básicas
(LEAL, Roger Stiefelmann 2012, p. 54).”

No entanto, apesar de Locke delimitar o estado de natureza como um ambiente


em harmonia e paz, na qual sua consequência seria a igualdade e coexistência das
liberdades entre as pessoas, esse estado natural não era imune a violações em sua
ordem, pois poderiam ainda ocorrer danos aos direitos supracitados das pessoas.
(Ribeiro , Portilho Gabriel, 2016 – Locke e a propriedade como direito fundamental)

Isto pois não havia nesse ambiente a segurança contra as violações de


propriedade. Não se conseguiria proteger o avanço e a eventual sobreposição da
liberdade de um indivíduo perante à liberdade de outro indivíduo. Por assim que Locke
estabelece a necessidade da interposição de um contrato social para, então, com uma
estrutural estatal buscar prevenir essas inconveniências resultantes do estado de
natureza, conforme fica explicado a seguir:

Assim como Hobbes e posteriormente Rousseau, Locke partiu


da concepção pela qual os indivíduos isolados no estado de
natureza unem-se mediante contrato social para constituir a
sociedade civil. Segundo essa teoria, apenas o pacto torna
16

legítimo o poder do Estado. ARANHA e MARTINS (2009, p. 304-


305)

O contrato social seria para Locke o instrumento feito para marcar a transição
do estado de natureza para o estado em sociedade civil. Sociedade que nasce com o
intuito de, exatamente, garantir a proteção da propriedade dos indivíduos dos perigos
internos e externos da própria sociedade, como é explicado por Roger Stiefelmann
Leal (2012, p. 54):

“a garantia da propriedade acaba por configurar o principal


móvel e estímulo à produção e, portanto, ao desenvolvimento
econômico. Em termos jurídicos, sua segurança e estabilidade
promovem, nessa linha, a necessária valorização do trabalho
enquanto atividade humana.”

Portanto então, a propriedade estaria com uma maior proteção juntamente com
o elemento que concretiza a sociedade civil, isto é, o contrato social, uma vez que
neste “os direitos naturais inalienáveis do ser humano à vida, à liberdade e aos bens
estão melhor protegidos sob o amparo da lei, do árbitro e da força comum de um corpo
político unitário”. (MELLO, 2006, p. 86).

.1.3- Relação do Direito Natural e o Estado

Locke confirma sua orientação jusnaturalista ao afirmar que os direitos naturais


não se extinguem ao ser realizado o contrato social. Pelo contrário, o direito natural
existiria justamente para limitar o poder estatal. Para o autor liberal, a relação entre
indivíduo e Estado se daria pela confiança do governado ao governante e caso esta
confiança seja quebrada, o governado teria o direito natural de retirar essa confiança
dele e oferecer a um outro. (Portilho, Gabriel Ribeiro – Locke e a propriedade como direito
fundamental)

A teoria de propriedade de Locke, além de ser fundamentada por um prisma


jusnaturalista, é também fundamentada em uma visão jurídica positivista dos
17

governos. Vale destacar que a visão juspositivista Lockeana não poderia ir de


encontro com a jusnaturalista, conforme ficou explicado acima.

Pois bem, seguindo essa dupla aplicação jurídica, as ideias de Locke serviram
como fundamentos para movimentos políticos revolucionários no século XVIII como,
por exemplo, o constitucionalismo. Este movimentou buscou delimitar princípios
constitucionais que buscassem limitar o poder estatal de forma que fosse possível
assegurar as liberdades básicas humanas. Roger Stiefelmann Leal explica a análise
de , Locke com a seguinte passagem:

“passou a se reconhecer a existência de direitos que derivam da


própria natureza humana. Seriam direitos universais, pois (a)
inatos à condição de pessoa humana e (b) fundantes da
constituição do Estado” (LEAL, 2012, p. 55).

Esses direitos são a base para a formulação de documentos de caráter


revolucionários na temática, como, por exemplo, a Declaração dos Direitos de 1689.
Declaração esta que atribuiu pela primeira vez, apesar de já haver influência desde o
direito romano, o instituto do habeas corpus, conforme Barbosa, Maria Bueno.
BARBOSA, Maria Bueno. O instituto do “habeas corpus” e os direitos humanos. Disponível em:
<http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2006/Docentes/pdf/Maria.pdf>. Acesso em: 20 junho. 2018

Posteriormente, esse documento que iria consolidar a ideia de direito humano,


argumentando que o direito natural teria caráter de norma jurídica, ou seja, no campo
objetivo e não mais no campo ético e, portanto, tendo passando a ser garantidos em
documentos jurídicos internacionais. Contextualiza Roger Stiefelmann Leal (Leal,
2012, p. 55):

“tais documentos são denominados “declarações” pois não


estariam a instituir ou criar direitos. Sua finalidade resume-se a
declará-los, reconhecê-los, na medida em que emanam da
própria natureza humana, constituindo realidade prexistente ao
Estado e à sociedade.”

Ademais, ao que especificamente Locke aborda o direito de propriedade


lockeano, narra o autor supramencionado que:
18

“A propriedade é inserida justamente no âmbito desses direitos.


Considerada, a partir das lições de John Locke (1963), como
direito vinculado às ideias de liberdade e de trabalho, a
propriedade passou a constar de tais declarações como direito
fundamental, inato à pessoa humana. Assim, a Declaração da
Virgínia, ao anunciar, em seu art. 1o, os direitos certos,
essenciais e naturais do homem, indica o direito de gozar a vida
e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades,
de procurar obter a felicidade e a segurança. Por seu turno, o
art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
1789, ao discriminar os direitos naturais e imprescritíveis do
homem, estabelece: esses direitos são a liberdade, a
propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Já o art.
17 da mesma Declaração reitera a mesma ideia, agregando,
ainda, a seguinte disposição: como a propriedade é um direito
inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado (...). (LEAL,
2012, p. 55).”

E, então, finaliza citando que:

“Tal orientação concebe a propriedade, a exemplo da liberdade,


como direito do homem – pois inerente à condição humana –
precedente, portanto, ao Estado. Comporia o conjunto de
direitos que se encontram na base da ordem política, que
constituem seu fundamento, seus direitos fundamentais. (LEAL,
2012, p. 55).”

Conforme fora abordado na presente obra, a doutrina de Locke aborda a


concepção da propriedade como um direito natural e é influenciada pelo ideal político
liberal, marcado por uma visão de direito focado no indivíduo, ou seja, uma filosofia
individualista. Por isso que John Locke é associado ao individualismo liberal,
concepção político-filosófica oriunda em um contexto histórico de luta contra o
absolutismo monárquico inglês. Nessa época, buscou-se a limitação do poder do
Estado sobre o indivíduo, de forma que aquele deveria assumir uma posição negativa
perante este e assim, garantindo as liberdades do homem. Concluindo
resumidamente então, Locke caracteriza a propriedade como um jusnaturalismo de
origem divina e fundamenta sua análise pelo trabalho humano sobre os bens e sobre
o próprio corpo.

1.4- Os atributos do Direito de Propriedade de Locke

Conforme foi visto neste trabalho, Locke qualifica a propriedade como um


direito natural. Ou seja, era um direito conceituado fora do campo das normas estatais.
Porém, no Séc. XVIII, o movimento constitucionalista ganhou força e a demanda pela
19

positivação das leis jusnaturalistas em caráter constitucional aumentou. Foi a


transição do direito natural de propriedade para um direito fundamental de
propriedade. Bernardo Gonçalves diferencia os dois termos na seguinte passagem:

Realizando a distinção terminológica entre direitos do homem


(ou direitos naturais), direitos humanos e direitos fundamentais,
assevera que: direitos do homem, no sentido de direitos naturais,
correspondem àqueles não positivados ou ainda não
positivados; direitos humanos são aqueles reconhecidos e
positivados na esfera do direito internacional; e os direitos
fundamentais são aqueles direitos positivados e protegidos
pelo direito constitucional interno de cada Estado. Bernardo
Gonçalves (2014, p. 307),

Para qualificar o jusnaturalismo de John Locke, devemos observar que se trata


de um direito sem segurança jurídica aplicável. Conforme foi tratado nesta monografia,
Locke defendia o contrato social justamente para proteger o próprio direito natural.

Por conclusão lógica, se percebe que se trata de um direito com baixo caráter
normativo, isto é, sem segurança jurídica por si só. Necessitando que haja uma
positivação que o afirme para que ele seja efetivado.

Ademais, por ser um direito oponível a todos, se trata de um direito com caráter
universal. Locke argumentava que todos os seres humanos eram proprietários de si
mesmo, isto é, todos estariam sob a égide desse direito. Reafirmando seu caráter
universal.

Além deste, o direito de propriedade seria também caracterizado sua


inviolabilidade. Vale ressaltar que nem mesmo a positivação da lei pode violá-la,
somente afirmar o que já é o próprio direito natural. Para Locke, a sociedade civil
nasce justamente para a proteger esse direito universal.

Pelo fato do direito de propriedade estar intrinsecamente correlacionado ao


direito à vida e à liberdade, Locke dizia que esses três direitos devem ser vistos em
conjunto. Conclui, portanto, que o jusnaturalismo lockeano é também dotado de
caráter complementar.

CAPÍTULO II – O DIREITO NATURAL EM MURRAY N. ROTHBARD


20

2.1- Contexto histórico da abordagem filosófica de Murray N. Rothbard

Murray N. Rothbard nasceu no ano de 1926 em Nova Iorque e foi um um


intelectual de variedade extraordinária, fez grandes contribuições no campo da
economia, da história, da filosofia política, e também inclusive do direito. Lewis, David
Charles (2006). «Rothbard, Murray Newton (1926–1995)». In: Ross Emmett. Biographical Dictionary of
American Economists. [S.l.]: Thoemmes. ISBN 1843711125

Suas contribuições acadêmicas são de grande inspiração para a filsofia


libertária anarquista, sempre com grande influência com a combinação de
pensamento da concepção de direito e da ação humana com a ótica única e
exclusivamente do indivíduo como um todo, isto é, o próprio indivíduo como o único
motor de suas ações.

Rothbard também abordou sua filosofia com uma concepção aristotélica e


tomista, como apresenta em sua maior obra A Ética da Liberdade, de 1982. No campo
político, Rothbard foi de fato um grande defensor do fim do militarismo norte-
americano e, portanto um grande opositor ao conservadorismo pós-segunda guerra
mundial nos Estados Unidos da América, no qual o país americano invadira por busca
de petróleo diversos países. (https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=37 (Acessado em
30/06/2018)

No campo do Direito, Rothbard propõe uma ética objetiva baseada no direito


natural de propriedade – porém diferente da proposta por John Locke – com uma
análise oriunda da razão, isto é, uma concepção jusracionalista de direito natural.
Ademais, Rothbard critica a abordagem teológica de direito natural por achar que
acaba por afastar os não adeptos da teologia do campo dos estudos, conforme o
próprio autor narra:

“Por sua vez, os opositores da lei natural concordaram


alegremente; já que a fé no sobrenatural é considerada
necessária para a crença na lei natural, tal conceito deve ser
expulso do discurso científico secular, e ser despachado para o
enigmático campo dos estudos divinos.” (Rothbard, Ética da
Liberdade, 2013, pág 57)

Por conseguinte, ao criticar a abordagem de origem do direito natural pela


teologia, Rothbard exalta que a natureza humana é domada pelo nosso caráter
racional em tomar ações e resolver os nossos conflitos. Porém, Rothbard não era um
21

crítico da teologia, apenas criticava aplicarem a teologia como fundamento do direito


natural. Inclusive, o autor americano exalta a tradição de São Tomás de Aquino, por
apesar de toda a sua origem teológica, este defende uma filosofia que independa da
teologia, da crença para a salvação. Esta posição fica destacada na seguinte
passagem:

“Então, aquele que acredita na existência de uma lei natural


fundamentada na razão enfrenta a hostilidade de ambos os
campos: do grupo que percebe nesta posição um antagonismo
à religião; e do grupo que suspeita que Deus e o misticismo
estão entrando sorrateiramente pela porta dos fundos. Deve ser
dito ao primeiro grupo que sua opinião reflete uma posição
extremamente agostiniana, a qual defende que a fé, e não a
razão, é a única ferramenta legítima para investigar tanto a
natureza quanto os fins apropriados do homem. Em suma, nesta
tradição de fé, a teologia substituiu completamente a filosofia. A
tradição tomista, ao contrário, era precisamente o oposto:
defende uma filosofia independente da teologia e proclama a
capacidade da razão humana de compreender e alcançar as leis
da ordem natural, sejam físicas ou éticas.” (Rothbard, Murray N.
- Ética da Liberdade, 2013, pág 58)

Ademais, Rothbard, ao fundamentar seus argumentos de direito natural,


defende que a lei natural seria tão ética quanto as leis da Física e que o único modo
de provarmos essas leis éticas seria somente através da razão. Rothbard segue uma
análise tanto tomista quanto aristotélica ao dizer que por usar a razão, o ser humano
se distingue dos animais. Além disso, afirma, conforme trecho a seguir, que nossas
ações são, justamente por usarmos a razão, propositadas:

“deu ênfase ao lugar e à função da razão na conduta moral. Ele


[Aquino] compartilhou com Aristóteles a opinião de que é a razão
que distingue o homem dos animais” e que “o habilita a agir
deliberadamente em busca de seus fins conscientemente
compreendidos e o eleva acima do nível do comportamento
meramente instintivo.”

“Aquino, então, constatou que os homens sempre agem


propositadamente, mas também foi mais longe ao argumentar
que os fins também podem ser compreendidos pela razão como
objetivamente bons ou ruins para o homem.” (Rothbard, Murray
N. – Ética da Liberdade, 2010 – pág 60)
22

2.2 - A lei Natural Rothbardiana equiparada a uma ciência

Para Rothbard, caso uma maçã seja largada no ar, pelas leis da Física, ela
sempre irá cair no chão, não importa em que lugar ou a época que esse fato tenha
ocorrido. O resultado desse ato será sempre o mesmo. O autor defende que cada
entidade teria a sua própria natureza e sustenta:

“O comportamento observável de cada uma destas entidades é


a lei de suas naturezas, e esta lei inclui aquilo que acontece
como resultado de suas interações. O complexo que nós
podemos desenvolver a partir destas leis pode ser denominado
como a estrutura da lei natural.”

E adiante complementa:

“E ainda, se maçãs, pedras e rosas tem cada qual uma natureza


específica, será o homem a única entidade, o único ser
desprovido de uma? E se o homem tem uma natureza, porque
ela não pode estar aberta à observação e reflexão racionais? Se
todas as coisas têm naturezas, então certamente a natureza do
homem está aberta à inspeção; a brusca rejeição atual ao
conceito da natureza do homem é, portanto arbitrária e a priori.”

Por essa análise que o autor defendia que, para entendermos a nossa própria
natureza, isto é, nossas verdades acerca da nossa própria existência como um ser
vivo e um ser pensante, que age com propósitos, é necessário usarmos nosso dote,
o que nos diferencia dos animais, a razão humana. (Rothbard, Ética da Liberdade. 2013
Página 64)

Sustenta o autor que a razão humana seria objetiva, ou seja, ela seria universal
e atemporal. Todos os seres humanos em todos os tempos têm essa virtude e que
ela poderá, então, buscar as verdades sobre o mundo. Também argumenta que
somente encontraremos as verdades sobre nossa natureza – e de todas as outras
também - através da prática de nossa razão, isto é, estudando e agregando
conhecimento.

O autor americano ainda afirma que a lei natural traz a felicidade humana,
conforme explica na seguinte passagem:
23

“No caso dos seres humanos, a ética da lei natural


declara que o bom ou ruim para o homem pode ser
determinado pelo que satisfaz ou impede aquilo que
é melhor para a natureza humana.” (Murray N. Rothbard
- Ética da Liberdade, 2013 pág 66)

E complementa:

“A lei natural, então, elucida o que é melhor para o homem — os


fins mais harmoniosos com sua natureza, e que mais tendem a
satisfazê-la. Em um sentido profundo, então, a lei natural
propicia ao homem uma “ciência da felicidade”, com os
caminhos que levarão a sua verdadeira felicidade.” (Murray N.
Rothbard - Ética da Liberdade, 2013 pág 66)

Rothbard defende que unicamente nesse ramo da ética de lei natural, o valor
dessa felicidade buscada seria objetivo, isto é, em sentido racional, igualitária para
todos, pois todos seres-humanos a utilização razão objetiva para o seu próprio
interesse subjetivo. (Murray N. Rothbard - Ética da Liberdade, 2013 pág 66)

2.3 - A lei natural Rothbardiana e sua relação geral com outras teorias de
Direito Natural

Murray N. Rothbard afirma que uma teoria de lei natural não necessariamente
vai de encontro com outras teorias sobre o tema, nem, outrora, que, por uma tese ser
antagônica a outra, ambas devam ser descartadas. (Rothbard, Ética da Liberdade, 2013 -
página 65).

O autor defende que diferenças de opinião não são justificativas para invalidar
todas as teorias, até porque, sustenta o mesmo, que é normal que seres humanos
cometam erros ao formular suas teses. Vale ressaltar que Rothbard ainda usa de
exemplo o fato de que nas ciências da física e da química, existem várias discussões
sobre diversas teorias e seus diversos erros.

Ademais, o autor explica que o fato de haver diversas teorias divergentes sobre
o mesmo tema é do próprio processo do ser-humano responsável de utilizar sua
24

capacidade racional e examinar vários pontos para, assim, formular sua própria
opinião. (Ética da Liberdade – página 64 – Murray N. Rothbard)

2.4 - Análise Rothbardiana de Lei Natural em contraposição com a Lei


positivada

Murray N. Rothbard foi um grande crítico da lei positivada, pois, segundo o


autor, a lei natural seria suficiente e objetiva, isto é, sempre será correta e válida,
conforme o mesmo narra na seguinte passagem:

“Se, então, a lei natural é descoberta pela razão a partir das


“inclinações fundamentais da natureza humana . . . absolutas,
imutáveis e de validade universal para todos os tempos e
lugares,” segue-se que a lei natural fornece um conjunto objetivo
de normas éticas que guiam as ações humanas em qualquer
tempo ou lugar. A lei natural é, em sua essência, uma ética
profundamente “radical”, pois ela expõe o status quo existente,
que pode violar gravemente a lei natural, à impiedosa e inflexível
luz da razão. No campo da política ou da ação estatal, a lei
natural fornece ao homem um conjunto de normas que pode ser
radicalmente crítico às leis positivas atualmente impostas pelo
estado.”

O autor defende que a mera existência de uma lei natural obtida pela razão seria,
na verdade, um obstáculo e uma potencial ameaça ao aparato estatal e seus grupos
de interesses, pois sua natureza iria de encontro com “as soberanias de costumes
cegamente tradicionais ou à vontade arbitrária do aparato estatal” (Murray N. Rothbard,
Ética da Liberdade 2013, pág. 71)

2.5 - A lei de Direito Natural de Murray Rothbard e a similitude com a teoria


lockeana
25

Primeiramente, vale relembrar que a teoria lockeana de Direito Natural parte de


um pressuposto individualista, ou seja, o próprio indivíduo como agente de suas
próprias ações, que pensa, raciocina, escolhe e age, conforme trecho a seguir:

“Cada homem possui a propriedade de sua própria pessoa. A


esta ninguém tem direito algum, além dele mesmo. O trabalho
de seu corpo e a obra de suas mãos, pode-se dizer, são
propriamente seus. Qualquer coisa que então retire do estado
que a natureza proveu e deixou, e misture com seu trabalho e
adicione algo que é seu, se torna sua propriedade. Sendo por
ele retirado do estado comum em que a natureza a deixou, a ela
agregou, com esse trabalho, algo que exclui o direito comum dos
demais homens. Por ser esse trabalho propriedade
inquestionável do trabalhador, homem algum além de si pode ter
direito àquilo ao qual tal trabalho tenha sido agregado. ...

Aquele que se alimenta das bolotas que apanha debaixo de um


carvalho ou das maçãs que colhe das árvores do bosque com
certeza delas apropriou-se para si mesmo. Ninguém pode negar
que o alimento lhe pertença. Pergunto então quando passou a
pertencer-lhe? . . . Fica claro que, se o fato de colher o alimento
não o fez seu, nada mais o faria. Aquele trabalho imprimiu uma
distinção entre aqueles frutos e os comuns, acrescentando-lhes
algo mais do que a natureza, mãe comum a todos, fizera; desse
modo, tornaram-se seu direito particular. E poderá alguém dizer
que não tinha direito algum a essas bolotas ou maçãs de que se
apropriou por não ter tido o consentimento de toda a
humanidade para torná-las suas? . . . Fosse tal consentimento
necessário, o homem teria morrido de fome, não obstante a
abundância com que Deus o proveu. Vemos nas terras comuns,
que assim permanecem em virtude de um pacto, que a origem
da propriedade advém da apropriação de algo comum e sua
retirada do estado no qual a natureza o; sem isso, o comum não
tem utilidade alguma.2 LOCKE, John. Um Ensaio Referente à
Verdadeira Origem, Extensão e Objetivo do Governo Civil, V.
págs 409-10, em Dois Tratados sobre o Governo.

Apesar da similitude, em contraposição com Locke, Murray N. Rothbard,


abordava sua teoria de lei natural baseada somente pelo prisma do direito de
propriedade, sendo o direito à vida e à liberdade apenas consequências lógicas
daquele direito, conforme será analisado seus fundamentos pela ótica do autor.

O Direito Natural de propriedade, segundo Rothbard, seria o direito que todo


homem possuiria naturalmente a propriedade de seu próprio corpo, isto é, a chamada
autopropriedade. É o próprio indivíduo quem comanda suas próprias ações, seus
26

raciocínios, sua mente e não um agente externo ao indivíduo. Todas as coisas que o
homem, através do uso do seu próprio corpo, aplicar esforço, retirando essas coisas
de seus estados naturais, elas se tornariam uma extensão daquela própria pessoa,
isto é, se tornará sua propriedade. Exemplificando, um indivíduo que pegar uma maçã
de uma árvore na natureza é dono daquela maçã. Para resumir, os seres humanos
são donos de si mesmo e do resultado de seu trabalho. Pelas palavras do próprio
autor:

O homem, através da introspecção de sua própria consciência,


também descobre o fato natural primordial que é sua sua
liberdade: sua liberdade de escolher, sua liberdade de usar ou
de não usar sua razão em qualquer assunto existente. Em
resumo, a ocorrência natural de seu “livre arbítrio”. Ele também
verifica o fato natural do comando de sua mente sobre seu corpo
e suas ações: ou seja, de sua propriedade natural sobre si
mesmo. (Rothbard, Murray N. Ética da Liberdade, 2013 – pág
88)

Vale ressaltar que a base da teoria de autopropriedade também é defendida


por John Locke conforme fora mostrado neste trabalho no capítulo I.

A partir dessa análise do Direito Natural de Propriedade de Rothbard, se


justifica o direito de troca voluntária, isto é, transferência do título de propriedade de
uma coisa de um indivíduo para outro. Murray demonstra que, ao trocar manteiga por
maçãs, ou ouro por cavalos, não são as mercadorias fisicamente que estão sendo
trocadas, mas simplesmente, o título de propriedade delas. Portanto, então, se concluí
que pela análise rothbardiana, um indivíduo não pode trocar aquilo que não é seu,
pois ele não tem o direito natural de propriedade sobre aquele produto, nem mesmo
aplicar trabalho sobre a propriedade alheia não lhe dá direito sobre esta, como, por
exemplo, um sujeito colher a maçã da árvore de um outro sujeito não tem o direito
sobre a maçã. Assim explica o autor:

Se alguém deseja compreender o quanto nós devemos ao


processo de troca, basta considerar o que poderia acontecer
com o mundo moderno se todos os homens repentinamente
27

fossem proibidos de trocar qualquer coisa com qualquer outro


homem. Cada pessoa seria obrigada a produzir ela mesma
todos os seus próprios bens e serviços. O caos total, a fome
completa de grande parte da raça humana e o retorno ao estado
primitivo de subsistência por parte da meia dúzia de pessoas
remanescentes podem ser facilmente imaginados. Rothbard,
Murray N. Ética da Liberdade, 2013 – pág 93-94)

O segundo direito natural de Rothbard seria a liberdade. Porém, este seria uma
consequência lógica do primeiro, ou seja, do direito de propriedade. Pelo fato do
indivíduo ser o próprio dono do seu próprio corpo e de seus bens que ele tem
propriedade, este indivíduo seria livre para utilizá-los da maneira que bem entender,
sendo limitado apenas pelos limites impostos pelas leis da natureza, como a lei da
gravidade e também desde que não entre em conflito com o direito de propriedade de
um outro indivíduo.

A sucinta passagem a seguir do autor aborda essa questão

O homem, através da introspecção de sua própria consciência,


também descobre o fato natural primordial que é sua sua
liberdade: sua liberdade de escolher, sua liberdade de usar ou
de não usar sua razão em qualquer assunto existente. Em
resumo, a ocorrência natural de seu “livre arbítrio”. Rothbard,
Murray N. Ética da Liberdade, 2013 – pág 93-94)

O terceiro direito natural, o da vida, é o direito que todo indivíduo tem de não
ser agredido, nem ter sua vida ceifada, ou seja, é o que se permite que o indivíduo
alcance todos os seus meios para que ele continue vivo. Pela vida ser uma extensão
do próprio corpo, isto é, da sua própria propriedade, ou seja, da propriedade sobre si
mesmo, a análise de Rothbard é que o direito à vida seria também uma conclusão
lógica do primeiro direito de propriedade. Segundo o autor, da mesma forma que a
violação de propriedade seria uma afronta ao seu direito natural, a violação da vida
também seria uma violação a esse direito.(Rothbard, Murray N. - Ética da Liberdade, pág 33,
2010)
28

2.6 - A moralidade da ética Rothbardiana

A teoria de lei natural de Murray N. Rothbard é uma teoria de direito natural


ética objetiva, isto é, aplicável a todos os seres humanos em todos lugares do mundo
e em todos os tempos passados, presentes e futuros. Porém, a nossa sociedade é
dinâmica e nossos valores mudam com o tempo, conforme explica a antropóloga
Neusa Maria Mendes de Gusmão:

“O mundo se globaliza, a cultura se mundializa, os mercados se


unificam. Grupos diversos se deslocam no tempo e no espaço e,
no entanto, em diferentes espaços e latitudes, as
particularidades se reafirmam, diferentes povos, grupos, regiões
e culturas reivindicam um lugar próprio e singular, fazendo de
nosso tempo um tempo aparentemente esquizofrênico.”
(http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n3/v19n3a04 Acessado em
1/06/2018)

Assim, causando possíveis conflitos entre a ética e a moral. Diante dessa


dinâmica moral-cultural e da sua relação com a ética, Rothbard, ao formular sua teoria
ética, argumenta que os seres humanos utilizam da razão para alcançar esse objetivo,
porém, ele também é passível de erros morais ao longo desse processo, podendo até
formular teorias equivocadas ou incompletas.

Isto é, nem todo ação humana ética será também uma ação humana moral. Por
esta razão, Rothbard utiliza a noção de Direito de James A. Sadowsky, no qual este
sustenta que:

“Quando dizemos que alguém tem o direito de fazer algo,


queremos dizer isto e tão somente isto, a saber, que seria imoral
para outro, sozinho ou em grupo, impedi-lo de fazê-lo através da
ameaça ou do uso de força física. Nós não queremos dizer que
qualquer uso que um homem faça de sua propriedade dentro
dos limites expostos seja necessariamente moral.” (James A.
Sadowsky, S.J., Private Property and Collective Ownership, em
Tibor Machan, ed., The Libertarian Alternative (Chicago: Nelson-
Hall, 1974), págs. 120–21.)
29

Para Rothbard, a moralidade seria necessária e importante e usaríamos a


nossa razão para descobrirmos qual moralidade seria adequada em todas as
situações éticas.

Para exemplificar essa distinção entre a ética e moral, Rothbard usa o exemplo
do direito de boicotar algo. O autor começa conceituando o que seria um boicote,
conforme trecho:

“Um boicote é uma tentativa de persuadir outras pessoas a não


se envolverem com alguma pessoa ou firma específica – seja
suspendendo as relações sociais ou concordando em não
comprar os produtos da firma.” Rothbard, Murray N. – Ética da
Liberade, 2013, pág 199)

Ademais, o autor explica o porquê do ato de boicote ser ético, porém podendo
ser ou não, dependendo de nossos valores subjetivos, ser moral ou imoral, conforma
trecho a seguir:

“Moralmente, um boicote pode ser usado por motivos absurdos,


repreensíveis, louváveis ou neutros. Ele pode ser usado, por
exemplo, para tentar persuadir as pessoas a não comprar as
uvas de produtores não sindicalizados ou a não comprar as uvas
de produtores sindicalizados. Do nosso ponto de vista, a questão
importante a respeito do boicote é que ele é puramente
voluntário, um ato de tentativa de persuasão, e, portanto, que ele
é um instrumento de ação perfeitamente legal e lícito. De novo,
como no caso da difamação, um boicote pode muito bem
diminuir o número de clientes de uma firma e, portanto, reduzir
o valor da propriedade; mas tal ato ainda é um exercício
perfeitamente legítimo da liberdade de expressão e dos direitos
de propriedade. Se vamos achar qualquer boicote em particular
bom ou mau, isso depende de nossos valores morais e de nossa
atitude perante um objetivo ou atividade concretos.” Rothbard,
Murray N. – Ética da Liberade, 2013, pág 199)

Para o autor, o boicote seria uma atitude legítima por si só, por não violar a
ética proposta por ele, porém cada indivíduo valora se aquela atitude é também moral
ou não, repreensível ou não. Se tivermos a sensação de que um certo boicote é
moralmente repreensível, então está dentro dos direitos daqueles que se sentem
assim de organizarem um contra boicote para persuadir os consumidores do contrário,
30

ou de boicotar os “boicotadores”. Tudo isso faz parte do processo de disseminação


de informação e de opinião dentro do sistema de direitos de propriedade.

CAPÍTULO III – ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA COM UMA ÓTICA DO DIREITO


NATURAL DE LOCKE E ROTHBARD

3.1- ADI 4275 / DF - Registro Civil para Transexuais mesmo sem cirurgia
de mudança de sexo

O Supremo Tribunal Federal julgou a ADI 4275 / DF na qual tratava sobre o


registro civil para transexuais mesmo em caso de não haver sido realizado uma
cirurgia de mudança de sexo. O ministro Marco Aurélio, em seu voto defendeu esse
direito por uma justificativa com base na autoafirmação do indivíduo.

Aponta existirem duas abordagens não excludentes da


transexualidade: a biomédica, que a define como distúrbio de
identidade de gênero, e a social, embasada no direito à
autodeterminação da pessoa. Consoante alega, impor a cidadão
a manutenção de prenome em descompasso com a própria
identidade atenta contra a dignidade e compromete a
interlocução com terceiros, em espaços públicos e privados.
Alude ao direito comparado, sustentando ter o Tribunal Europeu
de Direitos do Homem entendido que a recusa em autorizar a
retificação de certidão de nascimento de transexual ofende a
garantia à vida privada prevista na Convenção Europeia de
Direitos Humanos. Diz ser incongruente permitir a alteração de
prenome sem a correspondente modificação de sexo no registro
civil. Assevera que o direito fundamental à identidade de gênero
31

justifica a troca de prenome, independentemente da realização


da cirurgia. Pondera que a configuração da transexualidade não
depende do procedimento cirúrgico. Reporta-se à experiência
alemã, na qual reconhecida, pelo legislador, duas situações de
mudança de prenome por transexual: com e sem cirurgia.
Informa haver o Tribunal Constitucional Federal alemão
condicionado a alteração no registro civil sem a cirurgia à faixa
etária – ao menos 18 anos –, à convicção, há 3 anos, de
pertencer ao gênero oposto ao biológico e à aferição da
observância dos requisitos por grupo de especialistas.
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4.2
75VotoEF.pdf (acessado em 02/07/2018)

O argumento do ministro pauta-se, sobretudo, na identidade de gênero e na


autoafirmação individual. Preceito esse que é uniforme com a teoria de Direito Natural
tanto de John Lock, pelo princípio do direito natural da liberdade individual, quanto
também pela ótica do direito natural da propriedade do seu próprio corpo de Murray
N. Rothbard.

3.2- ADI 5543 - Doação de sangue por homossexuais

O Supremo Tribunal Federal tem em mãos a Ação Direta de


Inconstitucionalidade (ADI) 5543, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB)
para questionar normas do Ministério da Saúde e da Anvisa que restringem a doação
de sangue por parte de homens homossexuais. No momento, a ação está em pedido
de vista do Ministro Gilmar Mendes, porém o ministro relator Edson Fachin fez o seu
voto indo contra a restrição da doação, conforme o voto do ministro:

Compreendo que essas normativas, ainda que não


intencionalmente, resultam por ofender a dignidade da pessoa
humana na sua dimensão de autonomia e reconhecimento,
porque impede que as pessoas por ela abrangidas sejam como
são. Para mim, as normas estabelecem uma discriminação
injustificável, tanto do ponto de vista do direito interno como do
ponto de vista da proteção internacional dos direitos humanos.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteu
do=359525&caixaBusca=N

Analisando o caso em espécio, sob o prisma do direito natural de John Locke,


por se tratar do direito natural da liberdade de um indivíduo homossexual poder
32

livremente doar seu próprio sangue e também do direito natural de liberdade do


indivíduo que irá receber esse sangue doado também aceitar recebê-lo, não há
nenhuma infração ao direito natural de ambos indivíduos.

Com base nos estudos de direito natural Rothbardiano, também há


convergência do voto do ministro com a lei natural do autor, pois, por se tratar do
direito de proautopriedade do corpo do homossexual doar seu próprio sangue para
alguém que voluntariamente também aceite receber o sangue, não há violação de
propriedade e, portanto, a ação é ética.

3.3- Recurso Extraordinário 635.659 – Descriminalização das drogas para


consumo próprio

Está em andamento no Supremo Tribunal Federal o RExp 635.659 que trata da


descriminalização das drogas para consumo próprio. O ministro Luís Roberto Barroso,
em seu voto, defendeu a descriminalização das drogas para uso pessoal, conforme
trecho narrado a seguir:

O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, na sua


dimensão instrumental, funciona como um limites às restrições
dos direitos fundamentais. Para que a restrição a um direito seja
legítima, ela precisa ser proporcional. Em matéria penal, tal ideia
se expressa em alguns conceitos específicos, que incluem a
lesividade da conduta incriminada, a vedação do excesso e a
proibição da proteção deficiente. O denominado princípio da
lesividade exige que a conduta tipificada como crime constitua
ofensa a bem jurídico alheio. De modo que se a conduta em
questão não extrapola o âmbito individual, o Estado não pode
atuar pela criminalização. O principal bem jurídico lesado pelo
consumo de maconha é a própria saúde individual do usuário, e
não um bem jurídico alheio. Aplicando a mesma lógica, o Estado
não pune a tentativa de suicídio ou a autolesão. Há quem
invoque a saúde pública como bem jurídico violado. Em primeiro
lugar, tratar-se-ia de uma lesão vaga, remota, provavelmente em
menor escala do que, por exemplo, o álcool ou o tabaco. Em
segundo lugar porque, como se procurou demonstrar, a
33

criminalização termina por afastar o usuário do sistema de


saúde, pelo risco e pelo estigma. De modo que pessoas que
poderiam obter tratamento e se curar, acabam não tendo acesso
a ele. O efeito, portanto, é inverso. Portanto, não havendo lesão
a bem jurídico alheio, a criminalização do consumo de maconha
não se afigura legítima. https://www.conjur.com.br/dl/leia-
anotacoes-ministro-barroso-voto.pdf(acessado (02/07/2018)

Analisando o caso do recurso sob a ótica do direito natural lockeano, há um


embate nessa questão, pois, por mais que seja eivado do direito natural da liberdade
o uso de substância tóxica em seu próprio corpo, é também defendido pelo autor que
é papel do Estado limitar as ações que visem prejudicar a liberdade do mesmo
indivíduo, então, portanto, seria necessária a observância da lei positivada para
resolver a presente demanda.

Por outro lado, pela observância do direito natural de propriedade de Murray N.


Rothbard, por se tratar de uma análise puramente ética, sendo neutra moralmente
sobre o ato em si, um indivíduo inserir algo que é de sua propriedade em seu próprio
corpo não há lesão a bem jurídico alheio e, portanto, este ato estaria em seu direito
natural de ser realizado.

3.4- ADPF 132/RJ e ADI 4277 – Ilegalidade da distinção de tratamento legal


às uniões estáveis homoafetivas.

A ADI 4277 buscou a declaração de reconhecimento da união entre pessoas


do mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que os mesmos direitos e
deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros
nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Por outro lado, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental


(ADPF) 132, o governo do Estado do Rio de Janeiro (RJ) alegou que o não
reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como
igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da
34

dignidade da pessoa humana, todos da Constituição Federal. Com esse argumento,


pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo
1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio
de Janeiro.

A Ministra Carmen Lúcia, em seu voto, abordou pontos interessantes sobre a


matéria, conforme é narrado:

Observo, inicialmente, que a conquista de direitos é tão


difícil quanto curiosa. A luta pelos direitos é árdua para a geração
que cuida de batalhar pela sua aquisição. E parece uma
obviedade, quase uma banalidade, para as gerações que os
vivem como realidades conquistadas e consolidadas. Bobbio
afirmou, na década de oitenta do séc. XX, que a época não era
de conquistar novos direitos, mas tornar efetivos os direitos
conquistados. Este julgamento demonstra que ainda há uma
longa trilha, que é permanente na história humana, para a
conquista de novos direitos. A violência continua, minorias são
violentadas, discriminações persistem. Veredas há a serem
palmilhadas, picadas novas há a serem abertas para o caminhar
mais confortável do ser humano.

Para ser digno há que ser livre. E a liberdade perpassa


a vida de uma pessoa em todos os seus aspectos, aí incluído o
da liberdade de escolha sexual, sentimental e de convivência
com outrem. O que é indigno leva ao sofrimento socialmente
imposto. E sofrimento que o Estado abriga é antidemocrático. E
a nossa é uma Constituição democrática. Garantidos
constitucionalmente os direitos inerentes à liberdade (art. 5º,
caput, da Constituição) há que se assegurar que o seu exercício
não possa ser tolhido, porque, à maneira da lição de Ruy
Barbosa, o direito não dá com a mão direita para tirar com a
esquerda. Não seria pensável que se assegurasse
constitucionalmente a liberdade e, por regra contraditória, no
mesmo texto se tolhesse essa mesma liberdade, impedindo-se
o exercício da livre escolha do modo de viver, pondo-se aquele
que decidisse exercer o seu direito a escolhas pessoais livres
como alvo de preconceitos sociais e de discriminações, à
sombra do direito.
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI42
77CL.pdf (acessado 02/07/2018)

A teoria de Direito Natural de John Locke é baseada também no prisma do


direito à liberdade e, conforme é inclusive citado no próprio voto da ministra, “para ser
digno há de ser livre”, então, fica nítida a consonância entre a decisão e o direito
natural lockeano.
35

Pela ótica do Direito Natural de Murray N. Rothbard, um casal homoafetivo usar


o seu seu direito natural de liberdade oriundo do direito de autopropriedade para se
associar voluntariamente em união estável é válido, pois não há lesão a bem jurídico
alheio, portanto o voto da ministra também é consoante com a concepção ética deste
autor.

3.5 - (ADPF) 442 – Descriminalização do Aborto

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou no Supremo Tribunal Federal


a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, na qual pede
que a STF declare a não recepção parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal pela
Constituição da República. O partido alega que os dispositivos, que criminalizam o
aborto provocado pela gestante ou realizado com sua autorização, violam os
princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal.

Diz o artigo 124 do Código Penal:

“Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:

Pena – detenção, de um a três anos”

Ademais, segue o artigo artigo 126 do C.P

“Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante: ( VIDE ADPF


54)

Pena – Reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior


de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência.”

O caso em si ainda não foi resolvido e, no momento do presente trabalho, está


marcada uma audiência pública para debater o tema no próprio STF. Porém, há de se
36

fazer uma análise do pedido da autora com base no direito natural dos autores
estudados no presente trabalho.

O sujeito ativo pediu na ação:

O partido pede a concessão de liminar para suspender


prisões em flagrante, inquéritos policiais e andamento de
processos ou decisões judiciais baseados na aplicação dos
artigos 124 e 126 do Código Penal a casos de interrupção da
gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12
semanas de gravidez. No mérito, pede a declaração de não
recepção parcial dos dispositivos pela Constituição, excluindo do
âmbito de sua incidência a interrupção da gestação induzida e
voluntária realizada nas primeiras 12 semanas, “de modo a
garantir às mulheres o direito constitucional de interromper a
gestação, de acordo com a autonomia delas, sem necessidade
de qualquer forma de permissão específica do Estado, bem
como garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar o
procedimento”.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteu
do=337860 (Acessado 01/07/2018)

Resumidamente, então, o partido pede a descriminalização do aborto nas


primeiras 12 semanas de gestação.

Para se fazer uma análise do caso em si por uma ótica de direito à liberdade e
propriedade de John Locke, há de debater se o feto do caso abstrato também teria o
direito natural lockeano. Caso a resposta seja positiva, não há o que se falar em
descriminalização do aborto, pois, então, a descriminalização do aborto resultaria em
uma violação ao direito natural à vida do feto.

Por outro lado, numa perspectiva de Direito Natural Rothbardiana, o autor


inclusive aborda especificamente o tema em sua obra “A Ética da Liberdade”,
conforme argumenta a seguir:

Primeiro, vamos começar com a criança no período pré-natal.


Qual é o direito de propriedade sobre o feto que os pais, ou mais
especificamente a mãe, possuem? Em primeiro lugar, devemos
observar que a posição conservadora católica geralmente tem
sido rejeitada muito rapidamente. Esta posição afirma que o feto
é uma pessoa viva e, portanto, que o aborto é um ato de
assassinato e, por isso, deve ser declarado ilegal como qualquer
37

outro caso de assassinato. A resposta mais comum é que se


deve simplesmente demarcar o nascimento como o início da
vida de um ser humano possuindo direitos naturais, incluindo o
direito de não ser assassinado; antes do nascimento, prossegue
a contra-argumentação, a criança não pode ser considerada
uma pessoa viva. Contudo, a réplica católica de que o feto está
vivo e na iminência de ser uma pessoa em potencial fica então
perto demais da opinião geral de que um bebê recém-nascido
não pode ser agredido porque ele é um adulto em potencial.
Enquanto o nascimento é de fato a linha de demarcação
apropriada, a formulação usual faz do nascimento uma linha de
divisão arbitrária, e falta fundamentação racional suficiente na
teoria de autopropriedade. A fundamentação apropriada para
analisar o aborto está no absoluto direito de autopropriedade de
cada homem. Isto imediatamente implica que toda mulher tem o
absoluto direito ao seu próprio corpo, que ela tem o domínio
absoluto sobre seu corpo e sobre tudo que estiver dentro dele.
Isto inclui o feto. A maioria dos fetos está no útero da mãe porque
a mãe consentiu a esta situação, porém o feto está lá pelo livre
e espontâneo consentimento da mãe. Mas, se a mãe decidir que
ela não deseja mais o feto ali, então o feto se torna um invasor
parasitário de sua pessoa, e a mãe tem o pleno direito de
expulsar o invasor de seu domínio. O aborto não deveria ser
considerado o “assassinato” de uma pessoa, mas sim a
expulsão de um invasor não desejado do corpo da mãe.2
Quaisquer leis restringindo ou proibindo o aborto são portanto
invasões dos direitos das mães. (Rothbard, Murray N. Ética da
Liberdade, 2013, pág 159-160)

Portanto, então, a descriminalização do aborto é válida pela ética de


Rothbardpois seria um direito de autopropropriedade da gestante utilizar o seu próprio
corpo de uma maneira que interrompa a gestação. Thomson, Judith Jarvis. “A Defense of
Abortion,” Philosophy and Public Affairs (1971), mencionado em Rothbard, A Ética da Liberdade, pág.
161.

Novamente, deve ser ressaltado que essa é uma visão somente no campo da
ética, não levando em consideração o valor moral do ato.
38

CONCLUSÃO

No decorrer da pesquisa e da realização deste trabalho, foram observados


diversos elementos que cercam a produção acadêmica sobre o direito natural.
Primeiramente, observei o material de um gigante autor em um período histórico mais
afastado, sendo base para a concepção de direito fundamental constitucional e
também agregando demais no campo do jusnaturalismo.

Segundamente, estudei o material de um autor com influência em diversas


áreas humanas, porém, na minha opinião, não devidamente influente ainda aqui no
Brasil. Sua teoria de direito natural inspirada também em Locke confirma o que disse
acima, pois um autor depois de três séculos continuar sendo fonte de inspiração
acadêmica é algo magnífico.
39

Outro aspecto que conclui e admito que não dava muita importância antes da
realização deste projeto é a relevância de se estudar o contexto histórico de um autor
para se entender as razões de suas teorias. Olhando o caso de ambos os autores, é
compreensível fundamentar uma concepção de direito com base no indivíduo ao
passo que os governos de sua época realizaram opressões inimagináveis como a
Coroa Inglesa em John Locke e o imperialismo norte-americano pelo petróleo em
Rothbard.

De fato, o tema desta monografia consiste em um grau de abstração elevado


e, na minha opinião, isso dificulta o interesse de muitas pessoas nesse rico campo
material. Porém, por outro lado, se percebe pelos votos dos ministros citados neste
trabalhoque, além dos indivíduos que demandam os direitos ao Tribunal que, mesmo
de forma involuntária, natural, temos sim uma concepção de direito, de justiça inata
em nós mesmos.

Observando o aspecto de direito individualista de ambos os autores, se


demonstra a importância de um enfoque assim, pois em tempos em que é demandado
ao poder público medidas que reconheçam a autoafirmação do indivíduo,
principalmente em tempos de incertezas políticas tanto nacionais quanto globais, não
sabemos se haverá proteção a essas garantias individuais no futuro, portanto sendo
extremamente necessário o estudo racional de temas assim para aprofundar e
melhorar o debate de ideias.
40

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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