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O ESTAGIO NA FORMACAO DE PROFESSORES: UNIDADE ENTRE TEORIA E PRATICA2* Selma Garrido Pimenta Depto. de Metodologia do Ensino e Educagaio Comparada Faculdade de Educagao da USP RESUMO © artigo aiscute os conceltos de pratica (@ de teoria) presentes a formago de professores, tendo por base a andlse das at \idades de estagio em curso nos Centros do Formagio © Aper: feigoamento do Magistéio (CEFAMs), que jd apontam para a sua compreensio como unidade entre tooria © prética, Para Isso, sintotiza 0s conceitos de prétca presentes nos cursos de formago (Escola Normal @ Habiltacao Magistéie),ciscute 08 Conceites de tearia, pratica © préxis, apresenta e interpreta Os dadios da investigaeao de campo, concluindo que na prtica con ‘wacitora dos CEFAMs hd possibilidades de eletvar-se a rofeida unidade. ESTAGIO — TEORIA E PRATICA — PRAXIS — FORMAGAO. DE PROFESSORES ABSTRACT INTERSHIPS IN TEACHER TRAINING: THE UNITY OF THEORY AND PRACTICE? Tho articla discusses the concepts of practice (and theory) envolved in teacher taining, based on ‘an analysis of the activites of the prosent intorships at the Conter for Training and Advanced Studies in Education (Centros de Formagéo @ Aperteigcamanto do Magistério — CEFAMS), which demonstrate an understanding of the unity between theory ‘and practice, To this end, It synthesizes the concepts of practice present in the taining courses at the School for Teacher Training ‘and. Certification (Escola Normal ¢ Habiltagao Magistéro), ‘discusses concepts, theory, practice and praxis, and presents ta from the field’ study, concluding that in the contradictory practices of the CEFAMs there are possibilities for realizing the referenced unity. © presente artigo 6 parte do orginal que apresentol como tase de vre-dacdncia em Didatica, junto ao Departamento de Metodologia do Ensino @ Educagao Comparada, da Faculdade de Edueagdo da Universidade de Sa0 Paulo (USP), em dezembro de 1993, 0b 0 titulo © Estagio na fermagao do professor - Um estudo do estagio nos cursos de magisério 2° grau, desenvovido nos ontros de Formagéo e Aperfeicoamento do Magisério — CEFAMs, 58 Cad. Pesq., S4o Paulo, n.94, p.58-73, ago. 1995 ‘Tendo por base os resultados de pesquisa de campo realizada em dois CEFAMs' da cidade de Sao Paulo, a temdlica central deste texto é a unidade entre a teo- fia e a pratica na formacdo de professores para as séries inicials da escolaridade basica. Essa temética tem preocupado os educadores desde longa data, uma vez que tradicionalmente ha uma cisdo entre teoria e pratica. E nao tem sido raro professores e alunos clamarem por "mais pratica” uma vez que se consideram os cursos “muito teori- cos". As aspiragdes por “mais pratica’ frequentemente tém sido direcionadas as atividades de estagio. Por isso foi importante toma-las como o fenémeno a ser investigado. Para a realizacdo da pesquisa delimitamos o es- tdgio que estd sendo realizado em dois CEFAMs, na medida em que nosso objetivo era investigar néo as. mazelas do estdgio, 0 que j4 vem sendo suficiente- mente denunciado em varios estudos (Mediano et al., 1987; Piconez, 1988), mas identificar possiveis avan- 0s na diregao da unidade teoria e prattica, ja que o projeto CEFAM se propde finalidades nessa perspec tiva. ual conceito de pratica (e de teoria) esta pre- sente na fala dos professores @ alunos? Como esse conceito tem sido considerado historicamiente nos cur- sos de formagaio de professores? A Pedagogia e a Didética tem pesquisado esse tema? Quais os resul- tados? Os professores precisam de “mais pratica” ou “mais teoria’ em sua formagao? Ou ambas? (Os estudiosos brasileiros vém falando que 6 ne- cessaria a unidade entre teoria e pratica. Mas o que isso significa? Serd que estamos diante de mais uma “teoria"? De mais uma novidade? E possivel essa uni- dade? Serd que ela j4 ocorre? Esse questionamento orientou a realizagao da pesquisa. Os resultados a que chegamos constituem uma interpretagao possivel. Outras poderdo ocorrer a partir dos dados de que aqui dispomos. A interpretagéo que elaboramos esté fundamen- tada numa revisdo histérico-conceitual do curso de formagao de professores no Brasil, no periodo dos anos 30 aos 80 © nas concepgdes de varios autores que tém estudado o tema, Também esta fundamen- tada no conceito de unidade entre teoria e pratica de- senvolvido por Vasquez (1968). Especificamente dis- cutimos como essa unidade se faz presente na Pe- dagogia, ciéncia que estuda a educagao como pratica social, ¢ na Didatica, area da pedagogia que estuda @ atividade de ensinar. Esse estudo esta sintetizado nas duas primeiras partes deste artigo. Na terceira parte apresentamos os dados de cam- po © nossa interpretagao, com a expectativa que pro- voquem novos estudos, pois “nada é fixo para aquele que alternadamente pensa e sonha.." (Bachelard, 1991. p.95) 0 estagio na formagao. SINTESE DOS CONCEITOS DE PRATICA NOS CURSOS DE FORMAGAO DE PROFESSORES ‘Ao niciar os estudos sobre os cursos de forma: 40 de professores ao longo do periodo delimitado, Constatamos que a atividade de estagio sempre se fez presente sob 0 nome de pratica de ensino (Almeida, 1989; Caetano, 1955). Assim, a investigagao foi dire- cionada para captar o significado dessa pratica: como se fazia presente nos cursos? quais atividades eram consideradas praticas? quando um curso era conside- rado pratico? @ tedrico? Para investigar as diferentes significagdes de ‘pratica” e de “teoria’, trabalhamos com a seguinte pe- Fiodicidade dos cursos de formagao: os anos que se seguiram a 1930, tendo por base as legislagdes es- taduais; o periodo entre 1940 e 1960, tendo por base ‘a Lei Organica do Ensino Normal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional; os anos 70, com a Lei $692/71; @ os anos 80, o movimento de critica @ propostas dos educadores. Em todos esses periodos procedemos a uma anélise tedrico-histérica, captando hos respectivos contextos as contradigées presentes entre as legislagoes e a realidade dos cursos. Assim foi possivel chegar a algumas conclusoes. + O estagio (ou a prética de ensino) em nenhum momento foi considerado desnecessério como ele- mento formador, Tanto que sempre esteve presente com denominagdes variadas nos curriculos dos cursos. + Nos anos 30 especialmente nos 40, a finali- dade primeira do ensino normal era, conforme a lei prover a formacao do pessoal docente necessario as ‘escolas primérias e a pratica nele esta colocada como a imitagdio de modelos teéricos existentes, bem como a observagao de priticas bem-sucedidas. O pressu- posto era de que 0 campo da atividade docente (a escola priméria) no apresentava modificagdes inter- nas significativas nos dois tipos de escola: a urbana ea rural. Assim, a pratica docente poderia ser apren- dida mediante a observagao e reprodugao de bons modelos (Almeida Jr., 1946; Freitas, 1934; Penteado, 1944). + Examinando-se 0 que era a profissao de pro- fessor primario, qual 0 estagio de seu desenvolvimen- to e quem eram os professores primatios, percebe-se que na verdade 0 magistério néo era uma profissao, mas uma ocupagao, exercida por mulheres (embora nao proibida aos homens), oriundas dos segmentos ‘economicamente favorecidos da sociedade @ cuja ca- racteristica marcante era ser uma extensao do lar, do papel de mae e coerente com 0 de esposa. Era uma missdo digna das mulheres. Essas constatagées evi- denciadas por pesquisas foram propiciando que a Es- cola Normal, que se ampliou e consolidou no pais nos 1 CEFAM — Centro de Formagdo @ Apertsigoamento do Ma- dstério — 6 um projeto ormulado por educadores brasileicos ‘Com © apoio do MEC (1983) © que vem se desenvolvendo fem alguns estados do pais. 59 ‘anos 30, fosse desvirtuando a sua finalidade, para preparar suas alunas para os papéis de mde e espo- sa. A andlise dos contetidos curriculares da época o demonstra. Secundariamente, a escola preparava Para 0 exercicio do magistério, porque, afinal, esse Papel poderia substituir 0 de maes para aquelas mu: lhetes que nao se casassem. Ou, como ocorreu so- bretudo nos anos 50 e 60, quando a mulher comegou a ter necessidade econémica de trabalhar para com- pletar a renda familiar (Blay, 1978; Lopes, 1991; Pe- reira, 1963). A pratica, entio, foi ficando teérica. Isto é, a pré- tica que se exigia para a formacao da futura profes- sora era téo-somente aquela possibilitada por algu- mas disciplinas do curriculo (prética curricular). A pré- tica profissional, como componente da formago, sob forma de estagio profissional, nao se colocava como ecessaria, uma vez que no tinhamos propriamente uma profisséo, pois o destino das alunas da escola lormal néo era necessariamente o exercicio do ma- gistério, + Em fins dos anos 60 o distanciamento entre a escola normal e a escola priméria era tal que a nova realidade desta titima, que jd contava entre seus alu- nos com as criangas originarias dos segmentos mais Pobres da populagao, nao estava servindo de referén- Sia para a formacao tedrico-pratica das professoras. Conseqientemente, foram agravando-se os indices de Teprovagao @ de expulsao na escola priméria. Some- ‘se a isso a persisténcia dos baixos salarios do ma- gistério, configurando a perda de status social e eco- Némico dos professores @ provocando a presenga de professores nao habilitados nas escolas primédrias®. Mantido 0 conceito de pratica como o de obser- vagao e reprodugao de praticas modelares de ensinar, 6 de se indagar onde estavam estas. Talvez nas es- Colas “modelo” ou “padrao” ou “de aplicagso” que eventualmente poderiam ser tomadas como referéncia para a formacdo — mas nelas estavam as criangas origindrias dos segmentos sociais dominantes. A pré- tica, portanto, consistia em reproduzir os modelos de ensino considerados eficazes para ensinar aquelas criangas que possuiam os requisites considerados adequados a aprendizagem. Tal “pratica” culpabilizava a crianga que nao aprendia (a maioria) por seu pré- prio fracasso. + Nos anos 70, a Lei 5692/71 pretendeu a pro- fissionalizagao no ensino médio e criou as habilita- gées, dentre as quais a do magistério, o que, em tese, oderia recolocar a dimensao do mesmo como pro: fissdo. Entretanto, na realidade, essa habiltagso néo Possibilitou introdugao da pratica (e da teoria) na for- magao de professores (Andrade, 1972; Barros, 1975; Bemardes, 1976; Candau, 1986; Gatti © Rovai, 1977; Veras, 1973). Nos niveis conceitual e curricular a pré tica ficou restrita ao entendimento de uma instrumen- talizagao, a ser realizada em algumas disciplinas ( datica e Metodologias), Devido a varios fatores, dentro os quais ressalta- se a persisténcia dos baixos salarios, 0 curso Normal (agora Habilitagao Magistério) foi se distanciando 60 ‘cada vez mais da realidade da escola primaria (agora séries iniciais de 1? grau), configurando os estagios. como praticas burocraticas. Dessa forma, © conceito de pratica foi sendo o de que “na pratica a teoria é outra’. Ou seja, a “teoria” era desnecessaria uma vez que nao preparava para o enfrentamento da proble- matica posta pela realidade do ensino primério; ensino que entao jé estava ampliado, com uma nova e de- finida populagao, a exigit nova(s) teoria(s) e nova(s) praticas(s) por parte dos professores. Mas a Habill- tagao Magistério configurou-se como um curso cada vez mais precério, incapaz de responder a essas de- mandas, Ainda nos anos 70 houve tentativas de superar esses problemas. Praticar passou a ser sinénimo de aprender novas técnicas instrumentalizadas de dar aulas. Pautados na racionalidade do processo de en- sino, ganharam énfase 0 planejamento ¢ controle das agdes, a instrugdo programada e outras técnicas de auto-ensino. Consequentemente, tals técnicas passa- ram a ser 0s contetidos de Didatica. Uma “didatica instrumental” (Candau, 1984), isto é, que possibilitas- se 0 treino de habilidades técnicas de ensinar, garan- tindo resultados de ensino mais eficazes. Em que ese a importancia de técnicas na alividade docente, cedo percebeu-se que a melhoria técnica, por si, nao garante melhores indices de aprendizagem. A énfase os recursos técnicos, desvinculada de andlises glo- balizantes do real e associada a caréncia de recursos financeiros frente a politicas de expansfo da escola- Tidade de massas no Brasil provocou um maior dis- tanciamento entre os cursos de formagao @ as neces- sidades do ensino primario. + Nos anos 80 a insatisfagao entre os educadores frente a esse quadro impulsionou a realizagao de pes- quisas* (10) em escolas evidenciando a necessidade de revisdo por inteiro dos cursos de formacao no que se refere a teoria e a prética Dai um novo entendi- mento (ou proposta?) de que a unidade entre teoria € pratica abrira possibilidades de avangos para a me ihoria da formagao de professores. Ou seja, no fazer Pedagégico 0 “que ensinar” © 0 “como ensinar’ deve ser articulado ao “para quem’ e “para qué" e em “quais circunstancias", expressando a unidade entre contatidos teéricos ¢ instrumentos do curriculo. Nessa perspectiva, o curso de formagao deve estar artcula- do a escola basica, possibiltando um projeto no qual 0 explcite 0s conhecimentos © as habilidades que uma professora deve possuir para assegurar o ensino de qualidade, necessério & educagao das criancas. 2 Vatios estudos realizados pelo Instituto Nacional de Estudos «8 Pesquisas Padagogicas (INEP/MEC) apontam nessa dice: 0: ASSOCIAQAO.., 1966; Caldeira, 1956; Bras, 1956; Brasil, 1976; Lourenco Filho, 1955; Pinheiro, 1967; Telxeia, 1967; Werebe, 1960. 9 Dentre essas, destacem-se as seguintas: Berger, 1985; Bran- ‘a0, 1980; Brzezinski, 1987; Carvalho, 1988; Costa, 1986; ENCONTRO... 1986; Favoro, 1987; Freitas, 1907; Freitas, 1992; Lelis, 1969: Lequerica, 1983; Mediano et al, 1988; Mello, 1983; Picango, 1968; Rocha, 1987; Tanuri, 1988, Cad. Pesq., 1.94, ago. 1995

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