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ISSN: 2359-3121
Vol. 1 | Nº. 8 | Ano 2018
RELEITURA
DA FILOSOFIA
DE LAURENIO
Marcelo Vinicius Miranda Barros
Graduado em Psicologia pela UEFS
e mestrando em Filosofia pela UFBA
SOMBRA
O CONCEITO DE REDE DE SENTIDOS
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RESUMO
Correspondência/Contato
Site: www.revistasisifo.com
E-mail: sisiforevista@gmail.com
Uma releitura da filosofia de Laurenio Sombra: o conceito de Rede de Sentidos
1.0 INTRODUÇÃO
Entendemos também que quando dizemos que a rede de sentidos é ontológica, estamos a
dizer, para sermos mais específicos, que é o termo “sentido” que é ontológico. É o “sentido” da
“Rede de sentidos” que é condição para o agir humano ou que permite um grau de coerência não
totalmente explicitável para a ação e a significação por parte dos sujeitos. A respeito do termo
“rede”, este expressa toda essa complexidade ontológica.
Portanto, a rede de sentidos, como condição ontológica para o sujeito no mundo, possui
coerência pela própria estrutura valorativa ou sentidos. São tais valores, ou sentidos, que
permitem uma coesão à rede de sentidos que, por sua vez, esta é o contexto ou a condição para
uma transformação ou extinção de um dado signo, permitindo os acontecimentos históricos, por
isso considerarmos aqui uma espécie de dialética, aliás, é esse próprio contexto como condição
de transformação de signos em si e vice-versa que é a história.
Já o termo “rede é utilizado para denotar a complexidade da produção de sentido: ela é
articulada a partir de diversos elementos conjugados e encarnados na relação complexa do animal
linguístico com os signos” (SOMBRA, 2015a, p. 100). O animal linguístico é o ser que é voltado
para linguagem, que adere a uma linguagem. O ser humano nasce no mundo e vai adquirindo seu
repertório linguístico no decorrer de sua existência.
Dissemos que a linguagem é um sistema articulado de signos, mas a rede é de tal
complexidade que não pode ser considerada totalmente coerente, pelo menos não é para a lógica
racional humana ou dita “pura” razão, até porque se a linguagem é constituída socialmente, ela
até tenta dar conta do universal, mas lhe escapa o singular de uma pessoa, “podendo caber nela
diversas relações equívocas sob o ponto de vista da linguagem” (SOMBRA, 2015a, p. 100).
Contudo, algo de coerente precisa estar presente na rede de sentidos, daí considerarmos o
universal e o singular, ou o objetivo e o subjetivo, do sujeito numa dialética.
O universal é que lhe dá uma coerência ou uma norma, e o singular é que foge da norma
geral e que permite novos signos, ou seja, que permite a historia acontecer, mas não se trata de
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O próprio filósofo Laurenio Sombra afirma que “os sujeitos são „sujeitos encarnados‟ [...] têm uma corporeidade”
(SOMBRA, 2015b, p. 65),ou seja, “somos „animais linguísticos‟” (SOMBRA, 2015ª, p. 97).
Isto é, são das relações que o sujeito estabelece com o ambiente e com os objetos do
entorno que se constrói a “realidade objetiva”. Essa realidade não pode ser ignorada já que afeta
o outro e o mundo de forma concreta. “Se os sujeitos são nomeados e qualificados como signo, o
nome próprio de um sujeito representa, justamente, o significante por excelência que permite que
ele seja identificado como tal” (SOMBRA, 2015a, p. 103), ou seja, como um exemplo, o tal
nome próprio é que dá existência social ao sujeito na acepção de que seu nome lhe permite
receber herança, obter um emprego, ter direitos civis, além daquilo que representa o sujeito para
ele mesmo, diz algo sobre sua filiação e sua história. Nisso está implícito a rede de sentidos, já
que o sujeito obtém sua “identidade” “a partir, a princípio, da compreensão de sua significação
no contexto da rede de sentido ao qual ele pertence” (SOMBRA, 2015a, pp. 103-104).
Por isso, entendemos que a rede de sentidos é uma base existencial que permite uma série
de operações por parte do sujeito, “como a ação cotidiana, a atribuição de significado de uma
palavra ou de um enunciado, a compreensão de práticas sociais em geral” (SOMBRA, 2015b, p.
64).
Daí também que o sujeito é essa complexidade ontológica e social que jamais é totalizada
ou compreendida por completo, com outras palavras,
da compreensão da rede de sentidos decorre uma consequência importante: se
ela tem natureza essencialmente prática, isso nos leva a concluir que o campo
de enunciados discursivos que podemos construir nunca é capaz de abarcá-la,
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Retomaremos a ideia de percepção no capítulo “Rede de sentidos: uma ação além da percepção como caráter
prático”.
Essa incapacidade de abarcar por completo a riqueza dos sentidos não se prende somente
a ideia de que a rede de sentidos permite compreender uma historização, como também o sujeito
não pode ser abarcado por ser a própria rede de sentidos, não permitindo enunciados adequados a
respeito do próprio sujeito, do outro e do mundo. Com outras palavras, apesar de estarmos
inseridos na rede de sentidos, sendo possível, de certa forma, nos situarmos de modo
interdependente, “não permite que definamos quem somos, mas permite que saibamos, em
alguma medida, que há „alguém‟ que não se dá como mera constituição nominal de sujeitos”
(SOMBRA, 2015a, p. 104). Devido a isso também, dentre outras análises ditas aqui, que
consideramos a rede de sentidos como ontológica e concreta, já que a prática ocorre em
determinado contexto tendo ainda “alguém” que não se dá como mera constituição nominal de
sujeitos. Podemos ainda dizer que a rede de sentidos é uma ontologia materialista na acepção de
que não é pura abstração, no sentido de que se baseia na ação, na experiência, fora do idealismo
de significados existentes antes da prática do sujeito.
Entendemos que a rede de sentidos é uma ontologia, porque ela é condição ou
possibilidade de direção das ações do sujeito, o que permite ainda uma coerência existencial de
tal sujeito, mas, de fato, “não é uma coerência de natureza lógica” (SOMBRA, 2015b, p. 64).
Não estamos no âmbito do puro psicologismo, pois os sujeitos “vivem a rede de sentidos, não
necessariamente de modo cognitivo” (SOMBRA, 2015b, p. 65). Mas isso só não nos basta,
portanto, compreendemos a rede de sentidos como ontológica porque “podemos compreender
uma rede de sentidos como certa constituição abrangente do sujeito” (SOMBRA, 2015b, pp. 63-
64).
Ou seja, os sujeitos podem obter valores diferentes, o que tende a gerar um atrito ou
conflito social. Sombra afirma ainda que divergências mais superficiais são passivas de ocorrer,
contudo, o conceito de antagonismo é mais grave, na acepção de que a diferença se manifesta
entre as redes de sentidos, quando há “certa inaceitação mútua com relação à rede de sentido do
outro” (SOMBRA, 2015b, p. 65). Então o antagonismo é uma inaceitação de um mundo, da
forma de existir do outro, como o outro estar-no-mundo. Esse “ser-no-mundo” de um ou alguns é
visto como inadequado perante o outro ou os outros. Daí a gravidade do conceito de antagonismo
que toca na rede de sentidos, sendo esta universal-singular como base do sujeito, como sua base
existencial, portanto, é a sua “estrutura” existencial que está sendo negada pelo outro. Em última
instância, trata-se de “uma discordância da forma de vida entre sujeitos, mas apenas nos casos em
que a convivência entre eles suscita algum nível de incompatibilidade prática entre as formas de
vida de cada um” (SOMBRA, 2015b, p. 66).
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Parece-nos que neste ponto chegamos a um ápice da filosofia de Laurenio Sombra, na qual pode questionar a
fenomenologia de Edmund Hursserl que considera a primazia da consciência perceptiva.