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Social construction: entering the dialogue by Kenneth J. Gergen and Mary Gergen.

Copyright © 2004 by Kenneth J. Gergen e Mary Gergen.


Direitos de tradução em português licenciados pelo editor em língua inglesa, Taos Institute
Publications

Publicado por Taos Institute em 2004


www.taosinstitute.net

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida – em qualquer meio ou forma,
seja digital, fotocópia, gravação etc – nem apropriada ou estocada em banco de dados,
sem a autorização dos detentores dos direitos autorais.

Produção editorial
Anna Carla Ferreira

Copidesque
Leonora Corsini

Revisão
Paulo Henriques

Capa
Ilustrarte Design e Produção Editorial

Editoração eletrônica
Abreu’s System

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

G317c
 
Gergen, Kenneth J.
Construcionismo social: um convite ao diálogo / Kenneth J.
Gergen e Mary Gergen; tradução Gabriel Fairman. - Rio de
Janeiro: Instituto Noos, 2010.
 
Tradução de: Social construction: entering the dialogue
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-86132-14-8
 
1. Percepção social. 2. Psicologia social. 3. Ciências sociais
- Filosofia. 4. Interação social. I. Gergen, Mary M., 1938-  I.
Título.

10-4394 CDD: 155.91


021461 CDU: 159.942.6
Sumário

Por uma apresentação dialogada..............................................7

Capítulo 1 – O cenário da construção social .........................17

Capítulo 2 – Da crítica à reconstrução...................................35

Capítulo 3 – Construção social e prática profissional ...........55

Capítulo 4 – A pesquisa como prática de construção.............79

Capítulo 5 – Da crítica à colaboração.....................................99

Referências bibliográficas.....................................................112
Por uma apresentação dialogada:
Suspendendo as grandes narrativas para a construção
de novas práticas
1992 – Conhecer Kenneth Gergen foi um evento transforma-
dor em nossos estudos de família quando buscávamos o entendi-
mento das mudanças pelas quais passava o paradigma sistêmico
na ocasião. Nosso primeiro contato foi o livro El Yo Saturado.
Desde suas primeiras páginas, o desafio de suas ideias – múltiplos
selves – vinha acompanhado pelo nosso fascínio por um cenário
teórico que dava sentido às experiências pessoais daquele mo-
mento: nossa saturação diante dos avanços tecnológicos!
Desde então, aceitamos o convite para conhecer melhor o
Construcionismo Social, capaz de articular descrições teóricas à
nossa experiência cotidiana. Do pessoal ao profissional, logo pu-
demos sentir o quão útil seria esse caminho.
Da Terapia Familiar ao campo de resolução de conflitos – Me-
diação Transformativa e Justiça Restaurativa, a presença de seu
“Diálogo Transformador” é notável e fundamental. Igualmente
importantes são as noções de “autorreflexividade”, “responsabi-
lidade relacional”, “cocriação de realidades”, necessárias na con-
sideração de mundos sociais construídos por nós mesmos, em
nossas relações mútuas e nossa sociedade.
Quando ampliamos o foco de nossa prática profissional para
a capacitação de agentes de mudança em projetos de implantação
de novas práticas, as ações conversacionais constitutivas de rela-
ções e realidades redobram sua importância. Há um efeito em-
poderador do indivíduo quando este se percebe ator e autor de
mudança do mundo em que vive e que deseja mudar; quando se
dá conta de que nossas descrições linguísticas nos implicam em
uma, e não em outra, forma de estar no mundo.

7
Construcionismo Social

Nesse contexto de capacitações de processos transformativos


onde partilhamos a crença de que “para acender uma lâmpada,
basta saber como ligar o interruptor; porém, sabendo como fun-
ciona uma lâmpada, pode-se fazer infinitas outras coisas, além de
acendê-la”, é onde mais temos sentido falta de textos construcio-
nistas que nos ajudem a potencializar esse processo de empode-
ramento do indivíduo e de disseminação de novas práticas.
Nesse sentido, este livro de Kenneth e Mary Gergen é mais
uma expressão de seus esforços constantes de “unir a teoria à prá-
tica de forma que dê vitalidade àquela e inteligibilidade a esta”.
Em forma e conteúdo, o Construcionismo Social é apresentado
como uma práxis, uma maneira de ser, uma forma de estar no
mundo, cativando o leitor no diálogo que inaugura sutilmente.
Seu valor é inestimável por ser uma forma de acesso ao conheci-
mento para aqueles que se aproximam e desejam ampliar o po-
tencial transformador experienciado no processo de aprendiza-
gem de novas práticas.
Vania Curi Yazbek

Nos últimos dezesseis anos tenho me dedicado a dirigir uma


organização sem fins lucrativos na cidade do Rio de Janeiro, o
Instituto Noos. Constituído por profissionais das ciências sociais,
humanas e da saúde, o Noos busca metodologias que promovam
a saúde das relações familiares e comunitárias e as difunde. Tra-
balhamos com terapia de família, terapia comunitária, grupos re-
flexivos de gênero e outras práticas sociais que contribuam para a
dissolução pacífica de conflitos familiares e comunitários.
Desde o início de nossas atividades adotamos uma aborda-
gem relacional sistêmica, no que entendemos ser sua vertente
construcionista social. Percebemos, no início do nosso percurso,

8
Por uma apresentação dialogada

que essa abordagem poderia contribuir, de forma intensa e dife-


renciada, para a construção de soluções alternativas nas áreas de
atenção em saúde mental, desenvolvimento comunitário e social
e garantia de direitos.
Os problemas enfrentados nessas áreas costumam ser com-
plexos, entendidos como aqueles que possuem múltiplos fatores
desencadeadores, onde muitas vezes não se consegue delimitar
com precisão nem mesmo se pertencem à esfera da saúde ou se
são provenientes das desigualdades econômicas e sociais. Além
disso, as soluções predominantes costumam vir de fora do gru-
po que vive o problema, impostas por especialistas, a partir de
um saber científico e acadêmico, deixando, quase sempre, de
escutar aqueles que vivem a situação que se pretende mudar.
No Noos, privilegiamos as metodologias participativas e cola-
borativas, que, preferencialmente, utilizem equipes transdisci-
plinares. Acreditamos que as soluções assim construídas serão
mais abrangentes e, cada participante, seu coautor. Desta forma,
ganham muito mais chances de serem de fato adotadas e seus
efeitos perdurarem.
Apesar do longo tempo de experiência e dos resultados com-
provados, ainda precisamos de subsídios que nos auxiliem na
difusão teórica do que fazemos. Este livro de Kenneth e Mary
Gergen contribuirá inequivocamente para enfrentarmos este de-
safio, pois, de maneira clara, consegue levar aos leitores, estudan-
tes, profissionais ou curiosos, os fundamentos do construcionis-
mo social, a diversidade de suas aplicações e responder às críticas
mais comuns que recebemos cotidianamente de nossos pares. E,
além disso, demonstra o alcance de uma abordagem nova, esti-
mulante e revolucionária.
Carlos Eduardo Zuma

9
Construcionismo Social

O cenário do nosso sistema de saúde se apresenta atualmen-


te bastante focado num esforço de re-organizar suas práticas de
saúde, com diretrizes que favorecem o desenvolvimento de ações
mais interativas, horizontais, inclusivas e corresponsáveis. No
entanto, a forma biologizante, dualista e hierárquica com que o
sistema de saúde funcionou por muito tempo, tem tornado difícil
uma mudança nas suas tradicionais práticas, apontando, assim,
a necessidade de produção de novos conhecimentos na área, que
apoiem e sustentem tais transformações.
Falando do lugar de psicóloga e pesquisadora inserida na Saú-
de Coletiva e sobretudo interessada nas práticas do cuidado que
aí se desdobram, particularmente acredito que este livro possa
trazer contribuições especiais na compreensão desses novos dis-
cursos propostos na saúde, dando sustentação a eles e legitimida-
de na criação de práticas mais dialógicas.
O livro descreve com simplicidade e seriedade a importância
das interações humanas, da responsividade e da coordenação en-
tre as pessoas na produção dos sentidos e das ações no mundo,
num discurso que tem em sua inteligibilidade a construção dia-
lógica e compartilhada de nossa realidade social. Traz também
ideias que rompem com o entendimento tradicional do que é ci-
ência, linguagem e identidade. Ao discutirem esses temas como
produtos de uma construção social, os autores ampliam as pos-
sibilidades de composição de práticas mais progressistas, fortale-
cendo e sustentando a importância do processo de se relacionar.
Este livro é uma oportunidade para os profissionais de saúde,
ávidos por novos entendimentos que sustentem novas práticas
na área, se aproximarem de uma teoria relacional que faz mais
sentido dentro da proposta atual do sistema de saúde brasileiro.
Uma oportunidade de entrarem em contato com uma metodolo-

10
Por uma apresentação dialogada

gia que embase e legitime as ideias de corresponsabilidade, coo-


peração, interação e contexto. Uma oportunidade de refletirem
sobre o significado da construção social e relacional das ações
no mundo e suas implicações, compreendendo a importância e
a complexidade de um diálogo, da interação e do vínculo entre
profissional de saúde-usuário, que muitas vezes fica colocado em
segundo plano em relação a procedimentos técnicos.
A proposta construcionista social apresentada neste livro
aponta também que não se trata de acabar com protocolos e téc-
nicas, mas também de convidar a pensar todas essas ferramen-
tas como socialmente construídas, dentro de uma lógica e de um
tempo específico. E, por terem sido construídas num determi-
nado momento histórico, podem ser desconstruídas e recons-
truídas caso não estejam sendo úteis para determinada função.
Neste processo de reconstrução, nada mais potente do que pôr as
pes­soas juntas para o diálogo, para a reflexividade e para a cons-
trução de formas de trabalho que possam ser mais produtivas,
eficazes e p
­ razerosas.
Celiane Camargo-Borges

Este livro é um presente para todos os construcionistas bra-


sileiros. Há muito se aguardava a tradução das obras dos Gergen
para o português. Pois ela chegou da melhor forma! Com um tex-
to claro e abrangente, este livro honra seu título e possibilita o
início de um diálogo sobre a construção social.
A maneira simples e didática, recheada por vários exemplos,
tem um forte apelo, facilitando o diálogo sobre as contribuições
radicais deste jeito de pensar o mundo. A obra é uma síntese
preciosa sobre as principais dimensões do movimento constru-
cionista e suas implicações para a prática profissional, seja nos

11
Construcionismo Social

campos da psicoterapia, do desenvolvimento organizacional, da


educação, da resolução de conflitos e da pesquisa.
Os profissionais comprometidos com o desenvolvimento co-
munitário encontrarão no livro ferramentas úteis para sua atua-
ção. Ao enfatizar a análise da construção e das consequências dos
discursos, ele mostra a possibilidade – e, por vezes, a necessidade
– de mudança destes discursos, rumo a uma sociedade voltada ao
bem comum. Além disso, ao apontar a importância de buscar-
mos alternativas ao discurso individualista, ele contribui para o
fortalecimento do trabalho com famílias, grupos e comunidades.
No contexto acadêmico, esta obra permite a pesquisadores em
ciências sociais e humanas a expansão das sensibilidades críticas,
ao mesmo tempo em que faz reconhecer os limites das mesmas.
Desta forma, substitui a crítica antagonista pelo diálogo, levando
a uma valorização da pluralidade, abrindo espaço para a constru-
ção do mundo de maneira colaborativa.
Para além do campo profissional, este texto pode ser útil a di-
ferentes públicos. Ele convida a novas formas de relação inter-
pessoal, à ampliação das possibilidades de significação, à conver-
gência entre domínios de significados divergentes, diminuindo
os conflitos e promovendo a convivência humana.
Simples em sua apresentação e revolucionário em sua propos-
ta, o livro mostra como podemos construir uma vida marcada
pela ousadia e esperança. Ele já nasce sendo um clássico da lite-
ratura da área no Brasil!
Emerson Rasera

Para mim, este livro é um presente inestimável.


Eloquente e coloquial, complexo e humilde, poderoso e res-
peitoso.

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Por uma apresentação dialogada

Um convite ímpar para um diálogo sobre ideias que, de tão


eloquentes, viram do avesso nossas formas mais habituais de pen-
sar e viver o mundo e nós mesmos. Mas também é um convite
que, por sua linguagem quase coloquial, inclui a todos. Não é pre-
ciso estar familiarizado com grandes teorizações nem interessado
nelas para ser bem-vindo a este diálogo. Basta ficar curioso para
conhecer um modo de falar de nós, humanos, como autores e res-
ponsáveis pelo que gostamos e pelo que abominamos, no mundo
em que vivemos.
Ele é complexo porque complexas são as tramas que nos cons-
tituem. Tão complexas que não é fácil conversar sobre nossas
verdades. Tramas que nos fazem acreditar que nossas verdades
(pessoais e profissionais) são melhores que as das outras pessoas.
E nos fazem sentir que estamos fazendo o melhor quando bus-
camos fazer os outros compartilharem dessas nossas verdades
“melhores”. Mas, também é humilde porque não se outorga o pri-
vilégio de uma verdade superior. Ao contrário, é um convite para
legitimar muitas verdades e construir com elas uma vida humana
mais plural. Uma vida humana onde não caibam práticas sociais
que trabalhem a favor da dominação de um segmento cultural
em detrimento de outro.
Ele é um convite poderoso porque poderosas são as ideias
que nos tiram do lugar (já não tão cômodo) de indivíduo-centro-
-do-mundo. Ideias que nos convidam a prestar mais atenção ao
modo como nós, humanos, coordenamos nossas ações no mun-
do, e como com nossas relações criamos e sustentamos as reali-
dades em que vivemos. Poderoso pelo paradoxo em que ele nos
coloca: como humanos podemos tudo, mas sozinhos não pode-
mos nada. Mas é também respeitoso porque reconhece e chama
para o diá­logo as vozes de tantos outros movimentos culturais do

13
Construcionismo Social

mundo contemporâneo que com ele compartilham da fertilidade


na construção de futuros possíveis e desejáveis.
Deixe-me explicar melhor de que lugar eu falo. Durante mui-
tos anos trabalhando nos meios acadêmicos, a eloquência, a
complexidade e o poder do discurso construcionista social foram
fundamentais para o meu desejo de compartilhar essas ideias.
Agora, fora da universidade, sinto-me desafiada a aprender uma
nova retórica para promover diálogos com profissionais que es-
tão, antes de tudo, seriamente comprometidos em fazer melhor
o que de melhor já sabem fazer (médicos, advogados, psicólogos,
assistentes sociais, empresários, administradores, gestores de
equipes, educadores). Sem deixar de ser denso e transformador,
o diálogo coloquial, humilde e respeitoso deste livro é, para mim,
um presente inestimável – daqueles presentes que te chegam no
tamanho certo e na hora exata.
Marisa Japur

“Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios”


(Manoel de Barros)

Neste livro, Ken e Mary Gergen desenvolvem uma tradu-


ção didática e objetiva do conjunto complexo e revolucionário
de ideias que compõem o campo da Construção Social. Dando
ênfase aos processos relacionais a partir dos quais produzimos
conhecimento sobre o mundo e sobre nós mesmos, os autores
apresentam uma nova forma de inteligibilidade, que nos tira da
posição confortável de conhecedores da Verdade e nos compro-
mete com a tarefa de assumir responsabilidade na construção das
verdades a partir das quais organizamos nossas vidas e relaciona-
mentos. Enfatizando o caráter relacional e situado das realidades

14
Por uma apresentação dialogada

que criamos em nossas práticas discursivas, os autores nos con-


vidam a assumir participação ativa na construção de um mundo
mais flexível e plural.
Assim, este livro tem sido um grande aliado em minha prática
profissional, sobretudo em minha atuação como pesquisadora,
terapeuta de família e facilitadora de grupos. Embora pareça na-
tural que o trabalho com famílias e grupos seja necessariamen-
te investido de uma “perspectiva relacional”, esse tipo de práti-
ca ainda se encontra marcada por uma visão estática de família
(que busca investigar estruturas, papéis e modelos normativos de
comportamento) e de grupo (que busca definir estágios e fases
de desenvolvimento). Em ambos os casos, prevalece o olhar de
um terapeuta / coordenador que, do lugar de especialista, busca
desvendar os jogos e os papéis que as pessoas supostamente de-
sempenham em suas relações.
Apesar da força dessas teorias de família e de grupo no mun-
do acadêmico, tenho buscado exercer novas posições em minha
prática profissional, entendendo que trabalhar com famílias ou
com grupos significa investir na construção de espaços dialógicos
menos hierárquicos, em que as pessoas sejam efetivamente con-
sideradas como participantes de um processo colaborativo de ne-
gociação de significados. Essa visão construcionista traz também
para o trabalho com famílias e grupos o compromisso ético com
a análise dos efeitos de determinadas narrativas na legitimação de
formas de vida e, assim, cria oportunidade para, num exercício
colaborativo, investirmos na construção de novas histórias, ricas
em recursos e potencialidades.
Ao participarem desse tipo de prática, todos – profissionais,
familiares ou participantes de grupos – aprendemos que a solu-
ção para os dilemas humanos não reside em descobertas finais,

15
Construcionismo Social

objetivas e essenciais, mas em construções conjuntas de pesso-


as em diálogo que, deixando as grandes narrativas em suspenso,
“desaprendem” e, assim, podem criar novos princípios...
Carla Guanaes

16
Capítulo 1

O cenário da
construção social
Uma dramática transformação vem tendo lugar no mundo das
ideias, e, por toda parte, as tradições estão sendo questionadas.
Aumenta a incerteza em relação aos padrões universais e oficiais
de verdade, objetividade, racionalidade, progresso e moralidade.
Enquanto a insegurança bate incessantemente à porta, questio-
na-se a fé em todo lugar. Entretanto, dessa situação tumultuada
emergem novos diálogos e novas vozes de esperança para a exis-
tência humana. São conversações que cruzam continentes e cul-
turas, fazendo-se acompanhar de um grande número de novas
práticas profissionais – nas organizações, na educação, na tera-
pia, na pesquisa e na assistência social, no aconselhamento, na
resolução de conflitos, no desenvolvimento da comunidade e em
muitas outras áreas.
Vários nomes já foram atribuídos a essa revolução de pensa-
mento e de práticas, sendo frequentes denominações como “pós-
-fundamentalismo”, “pós-empirismo”, “pós-iluminismo” e “pós-
-modernismo”. Entretanto, entremeada em todos os debates está
a noção da “construção social” ou seja, a criação de sentido atra-
vés de nossas atividades colaborativas. A construção social não
é de autoria de um único indivíduo ou grupo, nem tampouco
exclusiva e unificada; ela pressupõe um significativo comparti-
lhamento entre diferentes comunidades. Os contrastes, tensões e
incertezas não intimidam, uma vez que a tentativa de estabelecer

17
Construcionismo Social

uma verdade definitiva, uma lógica fundante, um código de va-


lores ou uma lista de práticas seria algo absolutamente contrário
ao desenvolvimento das ideias defendidas pelos construcionistas
sociais.
Nós, os autores, ocupamo-nos durante a maior parte de nossas
carreiras profissionais com diálogos construcionistas, e a intenção
deste livro é apresentar um relato que permita que alunos, colegas
e profissionais, ou mesmo aquelas pessoas que são apenas curio-
sas, obtenham um conhecimento básico e avaliem o poder e a for-
ça dessas ideias. Nos dois primeiros capítulos serão delineados al-
guns dos mais importantes desenvolvimentos teóricos, e, a seguir,
analisaremos o impacto dessas ideias na maneira como vivemos e
trabalhamos. Nosso foco será as ideias construcionistas em ação,
seja nas organizações, na psicoterapia, na educação, na resolução
de conflitos, na pesquisa social ou na vida cotidiana. E também
trataremos das críticas comumente feitas ao construcionismo.*

A ideia básica: nós construímos o mundo


Embora o construcionismo social se baseie numa ideia maior,
simples e clara, observamos que, à medida que desvendamos
suas implicações e consequências, esta simplicidade rapidamen-
te se desfaz. Isto porque esta ideia básica faz com que tenhamos
que repensar praticamente tudo que nos ensinaram a respeito do
mundo e de nós mesmos. Ao repensar esses conhecimentos, so-
mos convidados a novas e instigantes formas de ação.

*  O termo “construtivismo” é frequentemente tomado como equivalente a “construcionismo”. O


construtivismo entende que o locus de construção do mundo está dentro da mente ou no inte-
rior do indivíduo. Embora existam certos pontos em comum entre este movimento e o constru-
cionismo social, no presente trabalho empregaremos exclusivamente o termo “construcionis-
mo” para enfatizar a importância atribuída não aos indivíduos, mas às relações, como o locus
de construção do mundo. (N.R.)

18
O cenário da construção social

Para terem uma ideia das possibilidades, considerem o co-


nhecimento do senso comum. O que seria mais óbvio do que o
fato de o mundo estar simplesmente lá fora para que possamos
observá-lo e entendê-lo? Existem árvores, edifícios, automóveis,
mulheres, homens, cães e gatos, e assim por diante. Se observar-
mos com atenção, podemos aprender como proteger as florestas,
como construir edifícios sólidos e como melhorar a saúde das
crianças. Agora, vamos virar essas hipóteses confiáveis de cabeça
para baixo.
Vamos supor que afirmássemos que árvores, edifícios, mulhe-
res, homens etc. não existem, até sermos finalmente convencidos
que, sim, eles existem. “Bobagem”, vocês diriam. “Olhem ao seu
redor! Tudo isso já estava aí muito antes de chegarmos!” Parece
fazer sentido, mas e se convidássemos a pequena Julie, que tem
um ano de idade, para dar uma volta? Seu olhar vagueia para além
das árvores, dos edifícios e dos automóveis e ela parece não ser
capaz de distinguir homens de mulheres. William James afirmou
certa vez que o mundo de uma criança é uma “confusão crescente
e ativa”. Você poderá concordar ou não, mas o mundo de Julie não
parece ser o mesmo mundo no qual nós, adultos, vivemos. Dife-
rentemente de Julie, percebemos as folhas de outono que mudam
do verde para o dourado; vemos que a casa à nossa esquerda foi
construída em estilo vitoriano, que o automóvel passando na rua
é uma BMW, e que a mulher de pé junto à porta é, na realidade,
um travesti. O que chega aos nossos olhos pode não ser diferente
do que Julie vê, mas o significado deste mundo para nós é bem
diferente. Nós construímos o mundo de forma diferente, e esta
diferença encontra-se enraizada em nossas relações sociais, a par-
tir das quais o mundo se tornou o que é.

19
Construcionismo Social

diferentes “vocês” a partir de diferentes pontos de vista


Agora, vamos tomar você, leitor, como objeto da nossa aula: quem é
você e o que você faz? Imagine-se de pé, diante de um grande grupo
de pessoas com os mais variados estilos de vida, oriundas de diferen-
tes regiões do mundo. Cada pessoa olhará para você e dirá o que vê
diante de si, podendo resultar em algo assim:

Para um Você é
Biólogo “um mamífero”
Cabeleireiro “corte do ano passado”
Professor “alguém que tem potencial”
Homossexual “heterossexual”
Cristão fundamentalista “um pecador”
Pai/ Mãe “um sucesso surpreendente”
Artista “um excelente modelo”
Psicólogo “ligeiramente neurótico”
Físico “uma composição atômica”
Banqueiro “um futuro cliente”
Médico “um hipocondríaco”
Hindu “estado imperfeito de Atman”
Amante “uma pessoa maravilhosa”
Ifaluquiano* “cheio de liget”
Se não houvesse ninguém para identificá-lo, quem você seria nesse
caso? Será que você realmente seria algo?

A ideia fundante da construção social parece bem simples, mas,


ao mesmo tempo, é profunda. Tudo que consideramos real é resulta-
do de uma construção social. Ou seja, de maneira mais contundente,
Nada é real, a menos que as pessoas concordem que assim o seja.*

* Habitante de Ifaluk, um atol de corais nas Ilhas Cardinas, pertencentes aos Estados Federados
da Micronésia. Na língua dos habitantes de lá, “Liget“ significa raiva.

20
O cenário da construção social

Sua voz cética poderia replicar: “Quer dizer que a morte não é
real?”, ou “o corpo?”, ou “o Sol?”, ou “esta cadeira?”... A lista é infi-
nita. É preciso ter muita clareza quanto a este ponto: os constru-
cionistas sociais não dizem “não existe nada”, ou “não há realida-
de”; a questão importante é que quando as pessoas definem o que
é “realidade”, sempre falam a partir de uma tradição cultural. Sem
dúvida, alguma coisa aconteceu, mas, para descrever este fato, é
necessário que o mesmo seja representado a partir de um ponto
de vista cultural particular — numa linguagem particular ou por
intermédio de um meio visual ou oral particular.
A título de ilustração, se dissermos “o pai dele morreu”, na
maioria das vezes estaremos falando a partir de um ponto de
vista biológico. Construímos o acontecimento como a cessação
de determinada função corporal (muito embora até os médicos
possam discordar quanto à definição de morte, pois um cirur-
gião especialista em transplantes pode ter uma opinião diferente
da de um clínico geral). A partir de outras tradições, poderíamos
ainda dizer “ele foi para o céu”, “ele viverá para sempre no cora-
ção dela”, “este é o começo de um novo ciclo de reencarnação”,
“foi aliviado de seu fardo”, “viverá no legado de suas boas obras”,
“sua vida terá continuidade em seus três filhos”, ou “a compo-
sição atômica desse objeto foi alterada”. O que mais há para ser
dito fora de qualquer convenção relativa ao entendimento? Para
a pequena Julie, o acontecimento pode, de fato, não ser absolu-
tamente fora do comum. Para o construcionista, a questão não é
“nada existe”, mas sim “nada existe para nós”, ou seja: é a partir
das nossas relações que o mundo se faz preenchido com o que
nós concebemos como “árvores”, “sol”, “corpos”, “cadeiras” e as-
sim por diante.

21
Construcionismo Social

Num sentido mais amplo, podemos dizer que, ao nos comuni-


carmos uns com os outros, construímos o mundo no qual vivemos
e, se mantivermos nossas tradições, a vida poderá prosseguir como
de costume. Desde que façamos as distinções que nos são familiares,
como, por exemplo, entre homens e mulheres, ricos e pobres, cul-
tos e ignorantes, a vida continuará sendo relativamente previsível.
Entretanto, tudo aquilo que aceitamos como óbvio também pode
ser questionado. Por exemplo, não existem “problemas” no mundo
para que todos os vejam, mas, pelo contrário, construímos mundos
“do bom” e consideramos “um problema” todos os acontecimentos
que obstruam o caminho, impedindo-nos de alcançar aquilo que
mais valorizamos. Será que tudo que construímos como “proble-
ma” não poderia ser reconstruído como “oportunidade”? Da mes-
ma forma, enquanto conversamos, poderíamos estar criando novos
mundos. Poderíamos construir um mundo no qual existissem três
gêneros, ou um mundo onde os “doentes mentais” fossem “heróis”,
ou um mundo em que “o poder de todas as organizações repousasse
não em líderes individuais, mas em relações”.
É neste ponto que você poderá começar a apreciar o enorme
potencial das ideias construcionistas pois, para o construcionista,
nossas ações não são limitadas por qualquer coisa tradicional-
mente aceita como verdadeira, racional ou correta. Diante de nós
existe um amplo espectro de possibilidades, um convite infinito à
inovação, o que, entretanto, não quer dizer que devamos abando-
nar tudo aquilo que consideramos real e bom. De forma alguma.
Quer dizer, sim, que não estamos presos aos grilhões da história
ou da tradição. Ao conversar, ouça novas vozes, levante questões,
avalie metáforas alternativas e brinque nas fronteiras da razão,
porque, assim, atravessaremos o limiar dos novos mundos de sig-
nificado. O futuro é nosso para que o criemos... juntos.

22
O cenário da construção social

envelhecimento positivo: um estudo de caso


É comum vermos o envelhecimento como um período de declínio:
entendemos que a infância é um período de desenvolvimento, na
fase adulta atingimos a maturidade e, na terceira idade, a vida entra
em declínio. Considere essa construção bastante comum: vivemos a
nossa idade adulta com pavor de envelhecer, procurando incansa-
velmente meios de “permanecer jovens” ou, pelo menos, de “parecer
jovens”. Ser velho é ruim e para muitas pessoas a visão do declínio
também é algo cuja previsão está fadada a se cumprir. “Estou ficando
velho, preciso reduzir as atividades, exercícios e interesses” e, como
resultado, o corpo e o entusiasmo pela vida enfraquecem.
Mas se o envelhecimento é uma construção social, por que deve-
ríamos sustentar esta compreensão negativa? Não existiriam manei-
ras que nos permitissem ver o envelhecimento como um processo
positivo, um período de crescimento, enriquecimento e desenvolvi-
mento? Sentindo-nos desafiados por essa possibilidade, criamos um
boletim eletrônico intitulado “Envelhecimento Positivo” [Positive
Aging]. Nele incluímos um variado material de pesquisa que destaca
o potencial positivo do envelhecimento. Parece ter sido do agrado
dos leitores em geral. Como declarou um leitor, “o boletim me per-
mitiu manter a esperança de que continuarei levando uma vida gra-
tificante por muito tempo”.
Os workshops que realizamos com pessoas interessadas no en-
velhecimento positivo também foram extremamente esclarecedo-
res para nós. Desafiamos essas pessoas a reconstruírem os eventos
mais temidos como, por exemplo, “declínio físico”, “doença crônica”,
“perda da atratividade física” e “perda de entes queridos”. Os grupos
foram, em geral, fantasticamente criativos, mostrando, por exem-
plo, que uma doença crônica também oferece oportunidade para se
avaliar a importância das pessoas amadas, para aprender a ser pa-
ciente e tolerante, para deixar de lado as máscaras, para ter tempo
de aprender, explorar e criar novas atividades (por exemplo, criar
um site da família na Internet, participar de grupos de apoio e ajuda
mútua, desenvolver uma nova habilidade ou escrever poemas). Eles
nos ensinam que, juntos, podemos produzir novas realidades de en-
velhecimento.

23
Construcionismo Social

Dos jogos de linguagem aos mundos possíveis


A ideia básica do construcionismo social é, ao mesmo tempo,
simples e desafiadora. Outras dimensões vão se revelando à
medida que exploramos âmbitos mais amplos das ideias cons-
trucionistas. Começamos focalizando a linguagem, mas, como
veremos, nossos interesses se ampliam rapidamente para incluir
todas as formas de vida cultural.

Linguagem: da imagem à prática


Por muito tempo consideramos a linguagem como uma for-
ma de imagem. Quando os cientistas fazem seus relatos acerca do
mundo, supomos que suas palavras sejam o retrato fiel de suas ob-
servações. Da mesma forma, procuramos noticiários que nos pro-
porcionem uma descrição precisa dos acontecimentos. Embora
possa parecer óbvio, o simples processo de dar nomes às p ­ essoas
– Frank, Sally, Ben e Shawn – é bastante emblemático. Porque es-
ses indivíduos dificilmente vieram ao mundo com seus crachás
pendurados. Os pais lhes atribuíram esses nomes e, neste sentido,
foram arbitrários. Exceto, talvez, por questão de tradição familiar,
Frank poderia ter sido chamado de Ben, Robert, Donald ou rece-
ber qualquer outro nome. Mas, antes de tudo, por que lhes foi atri-
buído um nome? A principal razão é a praticidade. Se, por exem-
plo, precisarem falar a respeito do bem-estar de Sally, verificar se
ela está se alimentando bem, se é preciso trocar sua fralda, ou se
seu irmãozinho Frank está com ciúmes, seus pais utilizam um
nome para realizar essas tarefas típicas de bons pais e, mais tarde,
precisarão do nome para outros fins práticos, como matriculá-la
na escola e perguntar a Sally por que chegou tão tarde em casa. De
maneira geral, tanto as palavras que usamos como os nomes que

24
O cenário da construção social

atribuímos uns aos outros são usados para efetuar relações. Não
são imagens do mundo, mas ações práticas no mundo.
Isto é fácil de entender no caso de expressões como “Pare!”, “Pe-
rigo!” ou “Jogue a bola!”, em que podemos ver como os nomes pró-
prios são úteis do ponto de vista social. Entretanto, já não fica tão
óbvio no caso de notícias, descrições científicas ou quando se trata
de contar a alguém como foi o seu dia; nestes casos, as palavras
parecem funcionar como imagens e podem ser verificadas quanto
à sua exatidão. Mas considere novamente: o fato de um relato pa-
recer ser “exato” ou não é algo que irá depender de uma tradição da
comunidade (lembre-se do exemplo dos vários “vocês” no início do
capítulo). Como cada tradição tem seus próprios critérios de juízo,
acreditar ou não que uma testemunha esteja falando a verdade é
algo que dependerá do fato de ela utilizar ou não a mesma forma de
linguagem que usamos. Se os incorporadores estão promovendo o
desenvolvimento e criando novos bairros ou destruindo espaços
abertos é algo que depende do que cada um entende por “desen-
volver”. Neste sentido, “falar a verdade” é falar de uma forma que
confirme a tradição de uma determinada comunidade.

Jogos de linguagem e os limites de nosso mundo


O famoso filósofo Ludwig Wittgenstein introduziu a metáfora
do jogo de linguagem, que permitiu mostrar como as palavras que
usamos se encontram embutidas em sistemas de regras ou em con-
venções compartilhadas. Isto é algo que pode ser facilmente verifi-
cado no caso da Gramática, onde existem regras comuns que nos
impedem de dizer “ela vai em praia” ou “bola bateu ele”. Contudo,
em qualquer cultura existem muitos jogos de linguagem diferentes,
ou seja, existem muitas convenções locais usadas para descrever e

25
Construcionismo Social

explicar; uma vez que alguém faça parte de uma convenção local,
sua liberdade de expressão fica radicalmente limitada.
Por exemplo, no caso dos diferentes “vocês”, cada grupo se baseia
em um jogo de linguagem diferente, uma vez que os biólogos se en-
contram mergulhados em jogos de linguagem diferentes dos jogos
dos físicos, dos banqueiros ou dos sacerdotes. No momento em que
precisam descrever “você”, cada um jogará fazendo uso de regras di-
ferentes, cada um criará um significado em seu jogo. Porém, é arris-
cado invadir qualquer uma dessas culturas e fazer uso das próprias
regras; dificilmente você perguntaria a um biólogo sobre a alma de
um sapo, ou pediria a um cabeleireiro a composição atômica de um
fio de cabelo, sem que sua sanidade mental fosse posta em dúvida.
Por outro lado, não estamos aqui tratando apenas das regras de
linguagem, já que as palavras se encontram normalmente incor-
poradas às nossas atividades, na forma como nos movimentamos
ou nos vestimos, ou mesmo nos objetos que carregamos e no que
fazemos com eles. No jogo de xadrez, por exemplo, falamos em
“peões”, “torres”, “xeque-mate” e assim por diante, mas ninguém
sai na rua gritando “xeque-mate!” sem que as pessoas olhem de
modo estranho. A frase só faz sentido quando as pessoas estão de-
sempenhando certas atividades específicas e fazendo uso de obje-
tos específicos. Isto também significa que as palavras que usamos
informam as pessoas sobre as ações que elas devem realizar. Se al-
guém aponta para um objeto e o chama de “cadeira”, você poderá
se sentir à vontade para se sentar ali; mas se alguém chama este
objeto de “antiguidade preciosa”, provavelmente você se sentará em
outro lugar. Para o construcionista, somos convidados a uma dupla
escuta: escuta do conteúdo, por um lado, e da importância, por
outro. Nos termos de Wittgenstein, nossos “jogos de linguagem”

26
O cenário da construção social

encontram‑se incorporados em padrões mais abrangentes de ati-


vidade, que o filósofo chamou de formas de vida. De fato, biólogos,
cabeleireiros e banqueiros estão engajados em diferentes formas de
vida. As palavras ajudam a manter essas formas de vida, ao mesmo
tempo em que as formas de vida conferem significado às palavras.
Concomitantemente, essas formas de vida começam a formar
os limites de nossos mundos.

O real como o bom


Aprendemos a diferença entre fatos e valores. Que os fatos são
“reais”, declarações de evidência, objetivos, não influenciados por
desejos, políticas, religião e assim por diante. Em contraste, apren-
demos que os valores são frágeis e subjetivos, que não têm a menor
base sólida e que representam simplesmente os investimentos parti-
culares do indivíduo. Todos deveríamos concordar com os fatos, em-
bora cada um tenha direito aos próprios valores. O construcionismo
social desafia esta distinção que vigorou durante muito tempo.
Para uma apreciação do argumento, analise três manchetes
de jornal que descrevem os acontecimentos no momento em
que o regime iraquiano de Saddam Hussein entrou em colapso
em 2003:
• Tropas americanas vitoriosas em Bagdá
• Império americano declara vitória no Iraque
• Forças iraquianas se escondem enquanto americanos
ocupam Bagdá
Cada uma dessas manchetes procura descrever “o que acon-
teceu no Iraque”, mas todas diferem significativamente quanto às
suas implicações dos acontecimentos. A primeira manchete, de
um jornal americano, simplesmente considera os americanos vi-
toriosos e expressa sua autocongratulação. A segunda, refletindo

27
Construcionismo Social

o ponto de vista de um jornal brasileiro, usa o termo “Império”


em tom irreverente, indicando que a vitória é apenas uma preten-
são e que o futuro pode se provar diferente. A última manchete,
ecoando a visão de alguns países árabes, sugere que a “vitória”
seria tão somente uma “ocupação” temporária e que as forças ira-
quianas estariam se escondendo em meio à população civil, pron-
tas para voltar após a partida das tropas americanas.
Os eventos narrados podem ser idênticos, mas a descrição dos
“fatos” depende da tradição segundo a qual cada um estiver escre-
vendo. Para o bem ou para o mal, cada tradição possui seus próprios
valores e, neste sentido, não existem descrições isentas de valores.
Você poderá objetar e dizer que “inquestionavelmente os fatos
das ciências naturais são neutros em termos de valores”. Mas ana-
lise mais uma vez: por que aceitamos como imparcial a ideia de
que a ciência médica “cura” doenças? Isto ocorre porque, em geral,
atribuímos valor a certas mudanças que os médicos ajudam a pro-
mover no corpo humano e este valor é representado pela palavra
“cura”. Se alguém descrevesse os mesmos procedimentos médicos
como “interferências nos processos da natureza”, consideraríamos
tal declaração parcial. Da mesma forma, se você reduzir o mundo
à linguagem da física, da química ou da biologia, a linguagem da
“ação moral” deixará de existir. Se continuar falando exclusivamen-
te em termos científicos, o lançamento de uma bomba atômica em
Nagasaki ou a realização de experiências biológicas com prisionei-
ros nos campos de concentração deixarão de ser questões de “as-
sassinato” ou de “moral”, já que essas palavras são irrelevantes para
a ciência como tal. Da mesma forma, forças militares podem atacar
um país e simplesmente falar dos milhares de civis mortos como
sendo um “dano colateral”. Certamente as ciências naturais pos-

28
O cenário da construção social

suem valores, porque analisam dados de forma a permitir que as fi-


nalidades de previsão e controle possam se cumprir; seus discursos
estão atrelados a esses propósitos. Se alguém permanecer exclusi-
vamente no âmbito de uma determinada tradição, outras tradições
de valor serão consideradas irrelevantes ou serão reprimidas.

Pluralismo radical
A maioria das pessoas tende a concordar com o fato de que mui-
tas de nossas categorias são construídas socialmente. Todos sabe-
mos, por exemplo, que existem infindáveis desacordos quanto ao
significado de “justiça”, “moralidade” ou “amor”. Entretanto, muitas
pes­soas resistem às ideias construcionistas quando as mesmas se re-
ferem ao mundo físico, ao mundo pré-linguístico do diretamente
observável. É verdadeira ou falsa a afirmativa “a Lua é feita de quei-
jo”? Que insensato seria responder “verdadeira”! E não é também
óbvio que o mundo é redondo e que as estações mudam na Nova
Inglaterra? Mas analise novamente: se considerarmos que o que é
real deriva de acordos entre comunidades de pessoas, as afirmações
da verdade devem se encontrar no âmbito dessas relações. Ou, mais
uma vez, a verdade só pode ser encontrada dentro da comunidade;
porque fora da comunidade há o silêncio. Neste sentido, os constru-
cionistas sociais não adotam as verdades universais, nem a Verdade
com “V” maiúsculo, às vezes chamada de Verdade Transcendental.
Naturalmente existe a verdade com um “v” minúsculo, ou
seja, a verdade decorrente dos modos de vida compartilhados
dentro de um grupo. Às vezes, esse grupo pode ser enorme, como
o grupo que comumente declara que 2 + 2 = 4. Se uma criança
disser que a resposta é 3, ela será imediatamente corrigida. Por
outro lado, os matemáticos poderiam dizer que a resposta 4 está

29
Construcionismo Social

correta se a base do sistema utilizado for decimal; caso contrário,


a resposta não é 4. A divisão de pessoas em dois sexos, masculi-
no e feminino, é algo comumente aceito. No entanto, há certas
culturas que constroem um terceiro sexo, intermediário entre o
masculino e o feminino. A noção de raças também é uma noção
desenvolvida no âmbito das comunidades e, em algumas cultu-
ras, as posições sociais foram hierarquizadas em sistemas de clas-
ses ou de castas. Assim, ao perguntar se a Lua é feita de queijo,
a resposta dependerá da comunidade onde estamos inseridos.
Num sentido poético poderíamos inclusive dizer que a Lua é a
deusa antiga, Diana.
A ideia de verdade em uma comunidade é de suma importância
e, como vimos, todas as construções do verdadeiro estão ancoradas
nas formas de vida, e todas as formas de vida se caracterizam por
valores. Isso significa que as afirmações de verdade encontram‑se
invariavelmente vinculadas às tradições de valor. Assim sendo,
numa comunidade de cientistas espaciais, é importante saber se é
verdadeira ou falsa a afirmação de que um foguete segue uma de-
terminada trajetória, pois esta verdade está vinculada ao valor que
os mesmos cientistas atribuem ao fato de que os foguetes chegarão
em segurança ao seu destino. Os psiquiatras procuram a verdade
sobre a doença mental e tal busca está atrelada aos valores que os
psiquiatras atribuem ao que consideram formas normais de vida.
Entretanto, nossos problemas começam quando afirmações lo-
cais de verdade (v) são tratadas como verdade transcendental (V);
quando uma comunidade acredita que o mundo foi criado pelo
“Big Bang” e outra defende que o mundo foi criado pelo “Gran-
de Deus” [Big God]; quando uma comunidade afirma que o ho-
mossexualismo é uma doença e outra insiste que se trata de algo

30
O cenário da construção social

­ ormal; ou quando alguém declara que todos os comportamen-


n
tos são predeterminados e outro afirma que as pessoas exercem
o livre-arbítrio. Tal como na maioria das afirmações de saber, a
humildade do local se vê substituída pela arrogância do universal.
O construcionismo social nos exime da tarefa de decidir qual
tradição, conjunto de valores, religião, quais ideologias políticas
ou qual ética é a derradeira, transcendentalmente Verdadeira ou
Correta. A partir de uma perspectiva construcionista, tudo pode
ser válido para um determinado grupo de pessoas, e as ideias
construcionistas convidam a um pluralismo radical, ou seja,
a uma abertura para múltiplas formas de denominar e avaliar.
Como não há fundamento com o qual reivindicar a superiori-
dade de nossa própria tradição, somos convidados a adotar uma
postura de curiosidade e de respeito para com as outras tradições.
O que será que as outras tradições oferecem que não está contido
em nossa própria tradição? Que aspectos de nossa tradição po-
dem ser compartilhados e úteis para as demais?
Naturalmente, uma visão pluralista como esta é mais fácil de se
sustentar em termos abstratos do que no corre-corre da vida coti-
diana. Dificilmente ficaremos calados diante do que enxergamos
como preconceito, opressão, injustiça e brutalidade. Contudo,
para o construcionista, a tendência a eliminar aquilo que despre-
zamos é um passo na direção errada. É a Verdade em operação.
Preferencialmente, o construcionista tende a favorecer formas de
diálogo a partir das quais possam emergir novas realidades e no-
vos valores. O desafio não é encontrar a “única e melhor forma”,
mas criar tipos de relação através dos quais se possa construir o
futuro de maneira colaborativa. Voltaremos a abordar esses tipos
de relação no Capítulo 3.

31
Construcionismo Social

Ciência versus religião?


A maioria dos cientistas acredita que existe um mundo real e um
mundo material independente das pessoas e, além disso, acredita
ser possível descobrir esse mundo por meio de uma medição sis-
temática (telescópios, microscópios etc.), e representá-lo com pre-
cisão por meio de sistemas simbólicos, inclusive pela linguagem
e por fórmulas matemáticas. Os cientistas geralmente argumen-
tam que, através de seus métodos, eles conseguem chegar cada vez
mais perto do mundo como ele realmente é. O sucesso alcançado
pelas iniciativas científicas, desde a erradicação de doenças fatais
até o controle da energia atômica, levou muita gente a aceitar o
poder da ciência como a revelação da Verdade sobre o mundo.
Nem todas as ideias construcionistas desvalorizam as iniciati-
vas científicas, mas, certamente, desafiam a ideia de que a ciência
revela a Verdade. Tampouco os frutos da ciência justificariam tal
reivindicação. Uma prática efetiva de terapia, por exemplo, não
torna Verdadeiras as palavras utilizadas para descrever ou expli-
car tal prática. Este é um ponto importante porque, durante sé-
culos, foram usadas afirmações relativas à Verdade científica para
desacreditar as afirmações das tradições espirituais ou religiosas.
A ciência serviu de baluarte numa luta de poder em que o contro-
le da sociedade foi arrancado à força das instituições religiosas.
Diz-se que a ciência trata da verdade, enquanto as tradições reli-
giosas e espirituais se baseiam em fantasias ou mitos.
O construcionismo proporciona uma nova maneira de ver este
antagonismo. Tanto a tradição científica quanto a religiosa/espiri-
tual têm suas próprias maneiras de construir o mundo; cada uma
delas encerra determinados valores e aprova determinadas formas

32
O cenário da construção social

de vida. Não há forma de comparação direta entre a verdade das


tradições e a verdade da ciência, visto que qualquer tipo de men-
suração se dá necessariamente em uma realidade construída por
alguma tradição. Não podemos medir a verdade do espírito por
meios científicos, assim como não podemos avaliar a verdade da
ciência através da sensibilidade espiritual. Além disso, as duas tra-
dições produzem frutos de acordo com seus próprios termos: no
caso das tradições científicas, são os foguetes espaciais e a energia
atômica; ao passo que, para as tradições religiosas, são as institui-
ções preocupadas com o ser humano e visões da boa moral. Nenhu-
ma das duas pode produzir em seus próprios termos o que a outra
oferece. O construcionismo nos pede que eliminemos a tradicional
oposição Ciência versus Religião. Preferivelmente, adotamos uma
posição de “ambas/e” quando somos convidados a explorar as con-
sequências positivas e negativas de cada uma delas.

Foco do capítulo
Podemos ver o construcionismo social como um permanente diálo-
go sobre as fontes daquilo que acreditamos ser o conhecimento do
real, do racional, do verdadeiro e do bom – com efeito, tudo é sig-
nificativo na vida. Talvez seja útil pensar nas ideias construcionistas
como sendo um guarda-chuva sob o qual se encontram abrigadas
todas as tradições de significado e de ação. O guarda-chuva constru-
cionista permite que nos movimentemos através das tradições para
apreciar, avaliar, absorver, amalgamar e recriar. Ao mesmo tempo,
é preciso reservar um lugar para as próprias ideias construcionistas
debaixo desse guarda-chuva. Elas também devem evitar afirmações
do tipo Verdade transcendental. Ao escrevermos estas palavras tam-
bém nos empenhamos em gerar significado junto com você, leitor. A
questão importante não é se nossas palavras são verdadeiras ou ob-
jetivas, mas sim o que acontece com nossas vidas quando iniciamos
esta forma de entendimento. Como esperamos poder demonstrar,
existem muitos novos e promissores caminhos à frente.

33
Capítulo 2

Da crítica à
reconstrução
Uma das coisas mais fascinantes sobre o nosso próprio compro-
misso com as ideias construcionistas é a incessante criatividade que
elas estimulam. Aqueles que buscam a Verdade procuram reduzir o
mundo a um conjunto fixo e único de palavras. Declarar A Verda-
de é congelar profundamente as palavras, reduzindo desta forma o
reino das possibilidades para o surgimento de novos significados.
Em contraste, os construcionistas preferem o diálogo constante e
aberto, no qual há sempre lugar para outra voz, outra visão e outra
revisão, e para uma expansão adicional na esfera da relação.
Neste capítulo, apresentamos uma série de grandes desenvol-
vimentos nos diálogos construcionistas. Inicialmente, levamos a
contribuição construcionista à reflexão crítica. Essa discussão nos
prepara para considerar o grande desafio que as ideias construcio-
nistas trazem à tradição ocidental do individualismo. O construcio-
nismo privilegia, em nosso entender, a substituição do indivíduo
como fonte de significado pela relação. Finalmente, iremos explorar
algumas tentativas recentes de reconstruir o conceito de “self ”.

Desconstrução e além
À medida que as ideias construcionistas tornaram-se mais dis-
seminadas, também se disseminou a reflexão crítica sobre nossa
vida cotidiana. Por que isso aconteceu? Porque a partir do mo-
mento em que percebemos que qualquer pronunciamento sobre a

35
Construcionismo Social

natureza das coisas — seja qual for o status social, as realizações ou


a aparente genialidade do enunciador — é apenas “uma maneira
de colocar as coisas”. A partir daí, também nos conscientizamos
de que poderia ser de outra forma. Cada maneira de construir o
mundo sustenta certas tradições, carregadas de valores particu-
lares, ao passo que, simultaneamente, ignora tudo o que estiver
fora delas. Assim, nossa curiosidade sobre quais tradições estão
sendo respeitadas ou não estão sendo questionadas e que vozes se
calam ou estão sendo abafadas é despertada. Começamos a nos
questionar, por exemplo, que tipo de mundo é construído por um
determinado noticiário, por um discurso político ou por um con-
junto de textos científicos. Quem é favorecido, quem é margina-
lizado? Será que queremos realmente abraçar essa nova maneira
de construir o mundo? Esta sensibilidade crítica tem se difundido
cada vez mais no mundo ocidental. Estamos nos tornando mais
sensíveis às formas pelas quais a televisão constrói vários grupos
– afro-americanos, mulheres, italianos, idosos, e assim por diante.
Alguns programas da mídia nos alertam sobre a forma pela qual
os “fatos são tramados” por políticos e como a ideologia políti-
ca se encontra sutilmente embutida nos noticiários. Os pais estão
muito preocupados com as atitudes consumistas que a televisão
passa aos filhos. Tudo isso aponta para um posicionamento crí-
tico diante dos mundos construídos por outros, e, neste sentido,
o conhecimento acadêmico construcionista apenas expressa uma
ampla sensibilidade que já se encontra em movimento.
Na esfera acadêmica, essa orientação crítica tornou-se extrema-
mente aguçada e, nesse sentido, as teóricas feministas exerceram
um papel bastante relevante. Já suas primeiras contribuições nos
fizeram perceber os vieses sutis subjacentes a palavras tais como
“humanidade”, “policial” e “presidente”; aliás, atualmente, muitos

36
Da crítica à reconstrução

questionam a representação masculina de Deus. Outros grupos


que também sentem o peso opressivo da cultura dominante sobre
suas formas de vida juntaram-se às acadêmicas feministas. Hoje,
muito deste pensamento crítico está também presente nos Estudos
Afro-americanos, nos Estudos Orientais, na Teoria Queer*, nos Es-
tudos Culturais, entre outros. No próximo capítulo, exploraremos
o trabalho específico do movimento da “educação crítica”.

quem tem o poder? o esperma ou o óvulo?


Um poderoso exemplo de trabalho feminista crítico encontra-se no es-
tudo de Emily Martin sobre os textos médicos que descrevem o processo
da fertilização humana. A autora observa que a maioria das descrições
populares segue um padrão de conto de fadas, no qual uma multidão de
espermas ativos (os heróis da história) se esforça, lutando contra gran-
des adversidades para invadir a fortaleza e penetrar no Óvulo-Princesa.
Enquanto isso, a princesa permanece passivamente sentada à espera
do feliz e heroico vencedor do combate. A fertilização é o final feliz da
bem‑sucedida conquista do herói. Como ressalta Emily Martin, esta ex-
plicação biológica da fertilização agrega autoridade científica ao antigo
mito cultural do macho poderoso e ativo e da fêmea passiva e indefesa.
Quando assistimos um vídeo sobre o processo de fertilização, ve-
mos virtualmente o esperma ativo penetrar no óvulo passivo. Mas
será mesmo assim? Emily Martin indaga o que veríamos se nossa
história retratasse um exótico Óvulo-Sereia que atrai os incautos e
indefesos espermas para seu esconderijo? Enquanto o Óvulo-Sereia
os atrai em sua direção, seleciona um dos espermas e destrói os ou-
tros. Neste caso, o óvulo se transforma na força dominante e nossa
visão do que ocorreu no vídeo muda completamente.

* Queer Studies no original. A Teoria Queer defende que o gênero é uma construção social e que, por-
tanto, as identidades, papéis e orientações sexuais dos indivíduos não são uma essência, tampouco
estão relacionados a uma inscrição biológica na natureza humana; são antes formas socialmente va-
riáveis de desempenhar um ou vários papéis sexuais. De modo geral, a Teoria Queer busca ir além
das teorias feministas baseadas na dicotomia homem x mulher, dando maior atenção aos processos
sociais amplos que sexualizam a sociedade como um todo de forma a heterossexualizar ou homos-
sexualizar instituições, discursos, direitos. Neste sentido, a Teoria Queer se distingue dos estudos
gays e lésbicos, pois considera que essas culturas sexuais foram normalizadas e não apontam para
a mudança social. Daí o interesse em estudar o travestismo, a transexualidade e a intersexualidade,
bem como as culturas sexuais não-hegemônicas caracterizadas pela subversão ou pelo rompimento
com normas socialmente prescritas de comportamento sexual e/ou amoroso (N.R.).

37
Construcionismo Social

Certamente, a segunda história é tão verdadeira quanto a primeira


(e nem um pouco mais politicamente correta!). Ambas são construções
narrativas do que está ocorrendo, embora as implicações científicas se-
jam totalmente diferentes. A autora, uma médica antropóloga, consi-
dera de fundamental importância que a natureza política de nossas in-
terpretações seja entendida, inclusive porque o resultado disso também
será uma biologia melhor. Na pesquisa tradicional sobre a infertilidade,
atribui-se grande importância à mobilidade e à resistência do esperma.
Ao adotarmos a segunda história – a do óvulo como sereia – a atenção
se volta para as características do óvulo e à passagem que o esperma
deve atravessar. No entanto, as duas histórias são limitadas. Será que
não poderiam existir outras narrativas ou metáforas proveitosas para
aumentar o nosso entendimento sobre a reprodução humana?

Os esforços críticos são extraordinariamente importantes


para o desenvolvimento da democracia, pois frustram a tentati-
va de qualquer grupo que pretenda dominar ou anular os outros
através de sua construção particular do real e do bom, além de
multiplicar os controles recíprocos da sociedade que asseguram
uma participação total. Por exemplo, sabendo que os principais
jornais reproduzem as notícias a partir de um ponto de vista
particular e que existem muito poucos jornais independentes,
as centenas de sites e fóruns de discussão na Internet aumentam
as possibilidades para a expressão pública. Além de estimular a
democracia, muitos consideram esse importante trabalho como
libertador. Quando as pessoas são capazes de ver os limites e os
vieses naquilo que comumente se aceita como óbvio, elas ficam
livres para considerar alternativas.
Contudo, ainda que indispensável para uma sociedade impar-
cial, o impulso crítico também é perigoso, visto que a crítica ques-
tiona a legitimidade do que é dito ou escrito. E, se suas palavras
estiverem sendo questionadas, é possível que você seja apresentado

38
Da crítica à reconstrução

como preconceituoso, egoísta, opressivo ou explorador. Não sur-


preende o fato de que muitas vezes a raiva e o contra-ataque sejam
a resposta à crítica. Tanto aquele que critica quanto o seu alvo, via
de regra, acredita no bem que está fazendo, mas, rapidamente, a
possibilidade de confiança é destruída e a hostilidade mútua preva-
lece. Neste sentido, tornam-se necessárias novas formas de discur-
so para substituir a tradição da crítica total. Como refletir de forma
crítica sem demonizar? Como superamos as barreiras do “fazer
sentido” isoladamente para construirmos, juntos, futuros mais pro-
missores? Vislumbraremos algumas possibilidades no Capítulo 3.

Do indivíduo à relação
O que pode haver de mais óbvio do que a constatação de que
nosso mundo se compõe de indivíduos separados, na maioria
das vezes dotados da capacidade de tomar decisões conscien-
tes? A partir desta constatação óbvia, favorecemos uma demo-
cracia na qual cada cidadão adulto tem direito a voto, onde há
tribunais, em que atores individuais são considerados respon-
sáveis por suas ações, onde existem escolas para avaliar o tra-
balho de cada aluno e organizações nas quais os funcionários
são submetidos individualmente a avaliações de desempenho.
É basicamente por isto que caracterizamos a cultura ocidental
como individualista.
Entretanto, para um construcionista, o fato óbvio do “indi-
víduo como um tomador de decisões consciente” não é algo tão
óbvio assim. Pelo contrário, vemos isto apenas como uma forma
de construir o mundo. Aliás, a orientação individualista com re-
lação à vida social não é tão antiga do ponto de vista histórico
(possivelmente data de três séculos), e não é compartilhada pela

39
Construcionismo Social

maioria das pessoas no mundo. Não que isto faça com que esta
orientação seja errada, mas nos permite dar um passo além de
nossas certezas e indagar sobre os prós e os contras desta con-
cepção. O que podemos ganhar com essa forma de construir o
mundo? O que podemos perder? Quais são as alternativas?
Certamente pode-se dizer muita coisa em favor do individua-
lismo, como, por exemplo, que a vida é significativa e importan-
te para muitas pessoas, porque elas se sentem amadas, honradas
e valorizadas pelo que são. E, para a maioria de nós, não existe
melhor alternativa à democracia. Ao mesmo tempo, o individu-
alismo tem suas desvantagens. Do ponto de vista individualista,
somos instados a ver o mundo social como se ele, basicamente,
fosse constituído de seres isolados. Aprendemos que não pode-
mos penetrar na mentes dos outros e, assim sendo, não pode-
mos conhecer ou confiar totalmente nos outros. O pressuposto
de que cada um está apenas preocupado consigo mesmo exige
um treinamento moral para que passemos a nos preocupar com
os demais. A autoavaliação transforma-se na dimensão essencial
em torno da qual vivemos nossas vidas, com medo de sermos
tratados com desdém, procurando ser sempre melhores do que
os outros. Num mundo individualista, as relações são relegadas a
um segundo plano, porque são tratadas como artifícios que, pro-
vavelmente, demandam tempo e que são essenciais apenas nos
casos em que não somos autossuficientes.
É exatamente nesse ponto que as ideias construcionistas vão
deslanchar. Se uma determinada construção do eu ou do mun-
do vai contra o nosso bem-estar, somos instados a desenvolver
alternativas. De fato, a partir da perspectiva construcionista, são
as relações, e não os indivíduos, que constituem a base da so-

40
Da crítica à reconstrução

ciedade. Vamos ampliar esta possibilidade, não porque a visão


relacional seja a verdadeira, mas porque, ao entrarmos nessa
construção, podemos promover novas e mais promissoras for-
mas de ação.

O significado como ação coordenada


Geralmente falamos de significado como algo que mora nas men-
tes dos indivíduos. Pressupomos que as palavras sejam a expressão
externa das elucubrações internas da mente. Quando perguntamos
a alguém “O que você quer dizer com isso?”, esperamos que o in-
terlocutor esclareça seus pensamentos privados. Esta concepção de
significado encontra-se próxima ao cerne da tradição individualis-
ta e considera o indivíduo como a fonte de todo significado. Entre-
tanto, além de seu viés individualista, esta concepção também gera
um problema insolúvel para o entendimento humano, porque, se o
significado se encontra “dentro da mente do outro” e a única pista
“do que acontece lá” são expressões verbais, jamais teremos a capa-
cidade de entender o outro. Nunca chegaremos a verificar se esta-
mos certos ou não, a não ser por meio do que o outro externaliza.
Contudo, essas externalizações nos deixam no mesmo dilema, pois
como poderemos saber o que significam? Entramos então no que
os estudiosos chamam de “círculo hermenêutico”, um interminável
círculo no qual cada resposta simplesmente cria outra pergunta. A
melhor forma de escapar do círculo é abandonar a construção de
“um mundo interno” onde o significado é criado. Deixamos de nos
concentrar no significado dentro da mente e focalizamos a manei-
ra pela qual o significado é criado na relação. Passamos do “entre”
para o “dentro”. Mas como podemos entender o significado como
algo relacional?

41
Construcionismo Social

Considere as seguintes proposições:

1.  Os enunciados de um indivíduo não têm significado em


si mesmos.
Um homem passa por uma mulher na rua, sorri e diz: “Oi,
Anna!” Ela não ouve a saudação e segue seu caminho em silên-
cio. O que ele disse, então? Certamente pronunciou duas pala-
vras. Entretanto, por maior diferença que isso faça, ele poderia
ter escolhido duas sílabas quaisquer ou simplesmente poderia
não ter dito nada, pois, sozinho, ele não constrói um significado.

2.  O potencial de significado é concretizado através de uma


ação complementar.
As expressões de um indivíduo começam a adquirir sig-
nificado quando outro indivíduo responde, ou seja, quando a
outra pessoa agrega uma ação complementar. Se Anna tivesse
respondido: “Oi! Bom dia...”, ela teria feito das palavras dele um
cumprimento. Comunicar requer que outros nos concedam o
privilégio de um significado. Se os outros não tratarem as nos-
sas expressões como comunicação (dizendo, por exemplo, “Isto
não faz absolutamente o menor sentido”), se não conseguirem
se coordenar com relação ao que oferecemos (“Isto é uma total
idiotice”), não teremos produzido o menor significado.
Combinando essas primeiras duas proposições, vemos que
o significado não reside em nenhum dos dois indiví­duos, mas
somente na relação de ambos. Tanto a ação quanto o comple-
mento precisam estar obrigatoriamente coordenados para que
o significado ocorra. É como um aperto de mãos, um beijo, ou
dançar tango: são sempre necessárias duas pessoas.

3.  A própria ação complementar requer um complemento.


Qualquer complemento age duplamente: em primeiro
lugar, conferindo significado àquilo que o precedeu e, em se-
gundo, como uma ação que, por sua vez, também requer com-
plemento. Com efeito, o significado conferido permanece em

42
Da crítica à reconstrução

suspenso até ser também ele complementado. Considere uma


mulher em terapia que fala de sua sensação de desamparo por-
que se sente incapaz de lidar com um marido agressivo e com
um emprego insuportável. O terapeuta pode tomar essas verba-
lizações como expressões de depressão, respondendo “Sim, eu
entendo que você está deprimida; fale mais a respeito”. Enquan-
to a paciente não apresentar outra questão, este permanecerá
inativo em termos de significado. Se a paciente simplesmente
ignorar o que foi dito, terá negado um significado às palavras
do terapeuta. Por outro lado, se ela disser, “Eu não disse que
estou deprimida; estou apenas com raiva!”, estará reduzindo a
declaração do terapeuta a uma afirmação arrogante. Porém, se
a paciente disser “Sim, estou terrivelmente deprimida...”, a de-
pressão se torna uma realidade que poderá ser trabalhada em
conjunto com o terapeuta. De uma forma geral, podemos dizer
que vivemos nossas vidas dialogicamente. Fazemos sentido só
em função daquilo que precede e daquilo que segue.

4.  As tradições nos oferecem possibilidades de significado,


mas não determinam o que deve ser.
É importante reconhecer que as palavras e as ações com
as quais contamos para juntos gerarmos um significado mui-
tas vezes provêm de um outro tempo e de um outro lugar. Se
alguém o abordasse e começasse a emitir uma série de vogais,
“aaaaa, eeeee, oooo, uuuu...”, com certeza você ficaria intrigado
e talvez até procurasse a saída mais próxima, porque as ações
desse indivíduo não fazem parte de qualquer sequência coor-
denada que seja familiar a você. Com efeito, nossa capacidade
de juntos produzir sentido hoje baseia-se numa história, muitas
vezes com muitos séculos de existência. Neste sentido, devemos
a um histórico de coordenações nossa capacidade de nos apai-
xonar, de apoiar uma causa justa ou de acompanhar com prazer
o desenvolvimento de nossos filhos. Em cada um desses casos,
tomamos emprestados os tesouros das relações passadas.
Mas nós não somos determinados pelo passado. Combinações
originais de ação/complemento estão em constante movimento.

43
Construcionismo Social

Pense em uma animada conversa; para qualquer expressão, há


dezenas de complementos possíveis e significativos. Conforme
ela vai se desenrolando, traz um resultado que é uma criação to-
talmente exclusiva. Aqui também é possível ver o valor do jogo.
Quando concordamos em brincar ou em passar o tempo nos di-
vertindo, dizemos e fazemos coisas que não são propriamente
convencionais. Novas sequências são geradas... o riso corre sol-
to... e até mesmo novas percepções poderão ser criadas.

O “Eu” relacional
Como é ser um ser humano? Qual é a nossa natureza fundamen-
tal? Estas são perguntas que não nos fazemos com frequência,
porque mais ou menos pressupomos que nós, seres humanos,
somos criaturas que têm a capacidade de tomar decisões racio-
nais, sentir emoções e desejos, recordar o tempo passado, e assim
por diante. Contudo, como já mencionamos anteriormente, essas
crenças comuns só vieram a ter importância na cultura ocidental
nos últimos séculos. Foi somente no século XVII, quando Des-
cartes afirmou “Penso, logo existo”, que se tornou patente o fato de
que podíamos pensar e que o pensamento era chave para a exis-
tência de uma pessoa. Da mesma maneira, o conceito de “senti-
mento” apareceu apenas por volta do século XVIII; nesse ínterim,
outras qualidades humanas foram desaparecendo. Por exemplo,
de certa forma nos esquecemos da importância da “melancolia”,
um estado emocional que foi descrito em certo momento como
silêncio macabro e súbitos acessos de raiva. A melancolia era algo
tão óbvio no século XVII que Robert Burton escreveu um livro
de 500 páginas a respeito de suas causas e curas. A “alma” foi tida
como um fato da vida humana por anos, ao passo que hoje mui-
tos a consideram um mito. Da mesma forma, nos últimos sécu-

44
Da crítica à reconstrução

los, o livre-arbítrio tem sido considerado uma virtude exclusiva


das pessoas, embora para a maioria dos cientistas, cuja visão do
mundo é determinista, o livre-arbítrio seja uma evidente ficção.

doença mental como discurso do déficit


Você toma medicamento contra depressão? Conhece algum jovem que
tenha sido diagnosticado como portador de TDA (Transtorno do Dé-
ficit de Atenção)? A resposta a essas perguntas vem sendo progressiva-
mente afirmativa. Contudo, até o século XX, não existiam distúrbios
mentais com o nome de depressão ou déficit de atenção. É interessante
observar que no ano de 1900 havia apenas um punhado de termos que
identificavam as doenças “mentais” e, até o ano 2000, os profissionais
da saúde já haviam “descoberto” mais de 400 formas de doença men-
tal. Atualmente, a doença mental representa um dos maiores gastos na
área da saúde nos Estados Unidos, e os psicofármacos transformaram-
-se num negócio multibilionário. À medida que o discurso do déficit
adquire credibilidade científica e essas deficiências se tornam de conhe-
cimento público, também nós acabamos por nos construir dessa forma.
De acordo com a perspectiva do construcionismo social, a doença
mental não “existe” no mundo simplesmente à espera de ser desco-
berta. Pelo contrário, nós construímos... ou não... certas ações como
“doença”. Uma pessoa que está “triste”, “indiferente” ou “na fossa” não
precisa ser diagnosticada como “doente”. Mais apropriadamente, po-
demos acreditar que a pessoa possa estar precisando de um pouco de
apoio dos amigos ou da família, de um pouco de sucesso e de reco-
nhecimento, de uma nova namorada ou de tempo para superar uma
perda. Mas se rotularmos essa pessoa como portadora de “depressão
clínica”, ela pode acabar sendo encaminhada para um tratamento que
poderá levá-la, inclusive, a se tornar dependente de antidepressivos
pelo resto da vida. Se descrevermos uma criança como “transbordan-
do de curiosidade” ou “precisando de muito estímulo”, podemos en-
contrar coisas mais interessantes para ela fazer. Se essa mesma criança
for diagnosticada como portadora de transtorno do déficit de atenção,
muito provavelmente o especialista lhe prescreverá Ritalina (metilfe-
nidato) por muitos anos. Na condição de construcionistas sociais, es-
tamos sensíveis a esses efeitos problemáticos do discurso do déficit e
incentivamos a busca por construções alternativas mais promissoras.

45
Construcionismo Social

Concentremo-nos agora no mundo da atividade mental como


o consideramos atualmente. Com certeza, falar de nossos pensa-
mentos, sentimentos, desejos e memórias é algo extremamente
precioso para nós. Qual seria, por exemplo, o valor de um rela-
cionamento íntimo se não acreditássemos estar compartilhando
nossos sentimentos mais profundos? Contudo, o fato de as for-
mas com que construímos nossas mentes sejam tão importantes
para nós não as colocam além da reflexão. Vamos considerar que
as palavras “pensamento”, “emoção”, “desejo” e “memória” cons-
truam um mundo “dentro da cabeça” do indivíduo. Como dis-
cutimos no tópico sobre o Eu Relacional, se o “mundo interior”
for o aspecto mais importante do significado de existir como um
ser humano, criaremos um mundo de separação, isolamento e
conflito, e talvez não sejamos sequer capazes de explicar como
é possível a comunicação. Basicamente, ao construirmos essa
noção de pessoa contribuímos para uma ideologia de individu-
alismo cujas implicações para a vida social não são totalmente
satisfatórias.
Para o construcionista, esses problemas também trazem de-
safios à reconstrução. O construcionista pergunta: “É possível
reconstruir o ‘mundo mental’ de tal maneira que ele não seja
mais privado, ‘aqui dentro’, ‘atrás dos olhos’?” “Será que podemos
começar a considerar que pensamentos, sentimentos, desejos e
memórias nascem de relações e que não fazem sentido fora de-
las?” Se formos bem-sucedidos em nossa reconstrução, não nos
­veríamos mais como seres isolados e independentes, basicamente
à procura de satisfazer os próprios interesses ou ameaçados de
extinção pelos competidores. Poderíamos nos ver como resulta-

46
Da crítica à reconstrução

do de uma relação, e o “Eu versus o Outro” se transformaria no


“Eu através do Outro”. Vejamos então alguns passos importantes
para a construção do Eu Relacional.

A reconstrução relacional da mente


A tarefa de criar o Eu Relacional não é fácil, basicamente, por-
que as palavras para nós disponíveis são fruto de uma tradição
individualista. Dispomos de milhares de termos que “tornam
reais” as condições e os conteúdos da mente individual. Po-
demos falar indefinidamente sobre nossos pensamentos, senti-
mentos, desejos, esperanças, sonhos, ideais, e assim por diante.
No entanto, dispomos de pouquíssimas palavras para descrever
relações. É como se tivéssemos uma linguagem extremamente
rica para descrever as peças de um tabuleiro de xadrez, mas
poucas para descrever o jogo propriamente dito. Como pode-
remos proceder para que um Eu Relacional faça sentido sem
tomar como ponto de partida a suposição de mentes indivi­
duais? Muitos acadêmicos estão justamente tentando respon-
der a essa pergunta.
Considere agora as seguintes hipóteses que começam a am-
pliar as perspectivas.

1.  O discurso da mente nasce do diálogo.


Muitos acreditam que as palavras que exprimem esta-
dos mentais sejam imprescindíveis em virtude da existência
factual de tais estados. Ou seja, pelo fato de o pensamento
realmente existir na mente, pudemos chegar a desenvolver
o termo “pensamento”. Em contrapartida, o construcionista
pode argumentar que não dispomos do substantivo “pensar”
porque, ao perscrutarmos nossas mentes, identificamos um
processo que agora chamamos de “pensamento”. Mas, afinal,

47
Construcionismo Social

para que estaríamos olhando já que não podemos enxergar os


pensamentos no nosso cérebro, e como poderíamos identifi-
car um “pensamento” como oposto a uma “atitude” ou a uma
“esperança”, se isto fosse possível?
Nossas linguagens nascem no interior de nossos diá-
logos com os outros. A declaração de Descartes a respeito
de seu “pensar” só é razoável no contexto de uma história
especial de diálogo. E se, em sua conversa com outros filó-
sofos, eles lhe tivessem perguntado: “Que diabos você quer
dizer com a palavra ‘pensar’?” Sem a coordenação humana,
o discurso permanece vazio. Uma vez que as palavras que
dirigimos à mente são criadas no diálogo, fica fácil enten-
der porque termos e expressões aparecem e desaparecem
ao longo da história e porque é relativamente fácil inventar
centenas de novos termos para a doença mental. Isto tam-
bém explica porque as diferentes culturas do mundo não
compartilham o mesmo entendimento a respeito de “como
as pessoas funcionam”.

2.  O discurso da mente adquire valor através do seu uso.


Afirmar que o discurso da mente nasce no diálogo é afir-
mar também que seu significado depende de seu uso social.
Não precisamos nos questionar se as palavras que usamos re-
tratam com exatidão nosso estado interno. Se você diz “Eu
quero muito que você esteja aqui comigo”, a questão não é se a
palavra “quero” corresponde a uma condição em seu cérebro,
e sim como essas palavras funcionam dentro de uma relação.
Quais são as consequências sociais quando você pronuncia
essas palavras?
Considere todos os termos disponíveis em nosso vocabu-
lário para expressar estados de atração. Você pode dizer “Eu
admiro você”, “Eu só quero ser seu amigo”, “Você é o máxi-
mo!”, “Eu gosto de você”, “Sou louco por você”, “Eu te amo”,
“Eu te adoro”, “Você me enlouquece”, “Estou desesperado por
você” e assim por diante. As possibilidades são praticamente

48
Da crítica à reconstrução

infinitas. Agora, considere o impacto sobre as outras pessoas


se você usasse uma dessas frases em oposição a outra. De-
pendendo do momento ou a quem você dirige essas palavras,
as pessoas poderão se aproximar, ficar pasmas ou até mes-
mo mandar expedir uma liminar contra você! Dispomos de
inúmeras formas para falar de atração, não porque existam
inúmeros estados de espírito, mas em virtude das demandas
de uma vida complexa de relações.

3.  A linguagem é apenas um componente de ações plena-


mente realizadas.
Até agora colocamos grande ênfase nas palavras – pala-
vras como “pensamento”, “emoção” e assim por diante. Po-
rém, essas palavras evidentemente se fazem acompanhar de
expressões faciais, posturas, movimentos corporais, gestos
etc. Tais ações corporais são vitais para o modo como as pa-
lavras irão funcionar. Você pode dizer para alguém “Sinto
muito por ter te magoado”, mas se essa expressão for acom-
panhada por uma gargalhada ou for feita num tom zombetei-
ro, você poderá se meter em encrenca. Para dar credibilidade
a esta declaração é preciso que a expressão facial seja séria.
Neste caso, é interessante pensar nos atores que devem criar
interpretações convincentes das emoções, seja de amor, raiva,
ou compaixão. Suas palavras são apenas um componente da
interpretação corporal completa, e os atores não se questio-
nam a respeito de seus verdadeiros sentimentos, pois estão
simplesmente preocupados em representar essas emoções.
É importante frisar que não estamos dizendo que essas
“performances” sejam superficiais ou “calculistas”. Por exem-
plo, quando nos encontramos no “calor da ira”, estamos mais
envolvidos do que o ator no palco. Inversamente, o ator preci-
sa manter sua performance a uma certa distância, porque ele
deve “representar o papel” e não “exercer o papel”. Da mesma
maneira que um jogador de basquete salta com ânimo por
entre vários corpos para poder fazer cesta, devemos “atu-

49
Construcionismo Social

ar” nossas emoções com inquebrantável imersão. De forma


não muito diferente do ator, necessariamente calculamos os
efeitos de nossa atuação. Normalmente, não realizamos duas
performances ao mesmo tempo, dizendo “Agradeço imensa-
mente por sua ajuda” enquanto pensamos “Se eu disser isso,
ele me ajudará de novo”. Naturalmente, essa dupla atuação é
possível, mas na maioria das vezes estamos simplesmente “lá”,
presentes, atuando de forma autêntica.

4.  Performances são componentes de sequências relacionais.


O significado de uma palavra depende fundamentalmente
da frase na qual está inserida. O significado de “bala” depen-
de totalmente da frase: “Dê-me uma bala” em contraposição
a “Ele foi atingido por uma bala”. Da mesma forma, perfor-
mances de pensamentos ou sentimentos só fazem sentido em
momentos específicos dentro de uma sequência relacional.
Você não pode sair correndo em direção a um estranho e gri-
tar “Estou furioso!”, e esperar que isto faça sentido. Entretanto,
se o estranho estiver fugindo depois de ter danificado o seu
carro, essa mesma expressão tem um sentido adequado. Neste
caso, poderíamos até desaprovar a pessoa que não expressas-
se sua raiva. Existem apenas alguns tempos e lugares em que
uma determinada expressão seja apropriada do ponto de vista
relacional; do contrário, ela pode soar, no mínimo, estranha.
Talvez seja interessante aqui pensar em uma dança, seja
um samba, um tango ou uma salsa. Os movimentos do casal
de dançarinos fazem sentido somente nos limites da dança e
nenhum dos dois dançarinos poderia executá-los sozinho. Os
movimentos do par são necessários para ocasionar a dança.
Além disso, para serem bem-sucedidos, os movimentos de um
dos dançarinos devem estar coordenados com os movimentos
do outro. Não existem movimentos puramente solo, mas em
determinados momentos certos movimentos são necessários,
como, por exemplo, quando um dos dançarinos precisa sina-
lizar ao outro para se preparar para girar no meio da dança.

50
Da crítica à reconstrução

Da mesma maneira, as performances da mente só fazem


sentido no âmbito de determinados relações, são esperadas
em certos momentos dos relacionamentos, não esperadas
em outros, e exigem a cooperação da outra pessoa para que
tenham significado. Se um amigo seu complementá-lo, esta
ação preparará o terreno para que você expresse prazer (ou
acanhamento). E se você disser algo como “Ah! Isso me deixa
muito feliz”, estará preparando o terreno para uma resposta
do tipo “Você merece!”. Cada ação leva a uma próxima, cada
ação exige outra para se legitimar. Em termos mais gerais, as
performances da mente não são uma propriedade particular,
são componentes de relação.

a dor como evento relacional


Dor é dor, independentemente de como falamos dela. Ou assim, acre-
ditamos que seja. Uma das implicações mais interessantes da visão
relacional do discurso mental é que, no fim das contas, a dor pode
não ser um acontecimento tão pessoal assim. Em vez disso, a forma
como vivenciamos a dor pode depender da história e do contexto
das relações. Pense num jogador que termina uma partida de futebol
americano todo contundido, sangrando, e ainda assim diz “Foi muito
bom!”. Há também o sadomasoquista que paga para que a mulher do-
minadora o chicoteie, além dos penitentes cristãos da Idade Média que
se autoflagelavam para se aproximar do sofrimento de Cristo na cruz.
Certamente existe uma sensação física especial em todos esses casos,
mas qualificá-las como uma “dor horrível” ou como “uma experiência
bem-vinda” é algo que vai depender de uma cultura relacional.
Grandes somas de dinheiro são despendidas anualmente no con-
trole da dor. A maioria desses esforços pressupõe que dor seja dor
e que sua minimização dependa obrigatória e basicamente da al-
teração da química cerebral. No entanto, do ponto de vista cons-
trucionista, a questão mais importante consiste em ver se somos
capazes de reconstruir a dor e encaixar a experiência em novas e
mais promissoras formas relacionais. Arthur Frank, em seu livro
revolucionário “The Wounded ­Storyteller” (O Contador de Histó-
rias Ferido), propõe que nossa experiência de dor depende pri-
mordialmente das narrativas através das quais a dor é entendida.

51
Construcionismo Social

Por exemplo, na narrativa de restituição (“Eu estava sem dor antes;


agora estou com uma dor terrível, mas ela logo irá passar”) fica su-
bentendido que a dor dará lugar a um estado de bem-estar. Nesta
narrativa, a dor é simplesmente um estorvo indesejável e senti-
mo-nos pessimamente mal até que a normalidade se restabeleça.
A história das cólicas menstruais consiste numa típica narrativa de
restituição. Mais promissora, entretanto, é a narrativa de busca. Nes-
te caso, vemo-nos como se estivéssemos numa missão em busca de
maior compreensão, talvez até de uma iluminação espiritual. O so-
frimento permite que sejamos testemunhas, que informemos outras
pessoas a partir de uma ocasião de sabedoria, o sofrimento adquire
um significado positivo. As dores do parto podem ser o exemplo mais
elementar da narrativa de busca, porque a dor, ou seja, a sabedoria e a
alegria se entrelaçam de maneira indissolúvel.

Ao adotar esta visão relacional, podemos reconstruir tudo o


que supúnhamos serem eventos pessoais, isolados e “da men-
te” – pensamentos, emoções, planos, ou desejos – como sendo
eventos fundamentalmente relacionais. Sentir tristeza ou alegria,
êxtase ou agonia, amor ou ódio, desejo ou desprezo, é participar
da tradição da relação. Não possuímos esses estados dentro de
nós, tampouco eles se encontram encerrados nas estruturas do
cérebro; pelo contrário, somos nós que os executamos ativamen-
te. Esses estados não nos impulsionam para a ação, nem a nossa
ação os estimula para a vida. Estados e ação são a mesma coisa.
Sua voz cética poderá responder “Mas eu tenho experiências
privadas porque geralmente penso ou sinto emoções quando es-
tou totalmente sozinho”. Vejamos: podemos estar isolados de ou-
tras pessoas em termos físicos, mas as atividades que realizamos
sozinhos estão estreitamente vinculadas à nossa imersão nas rela-
ções. “Sentir tristeza” ou “estar pensando a respeito de um proble-
ma” são, basicamente, atuações parciais, afastadas das circunstân-

52
Da crítica à reconstrução

cias normais da relação. Neste sentido, “pensar com seus botões”


é como realizar um diálogo em público, apenas sem ser a perfor-
mance completa de quando falamos com outra pessoa. A tristeza
na privacidade de um quarto não é essencialmente diferente da
tristeza vivenciada em público, só que, sozinhos, podemos não
desempenhá-la “por completo”, com as expressões faciais e a pos-
tura corporal apropriadas. Estar sentado sozinho e sentindo-se
triste é participar da dança cultural, mas sem a presença de outras
pessoas. Sem uma história de relações há muito pouco que possa-
mos chamar de “um mundo particular”.

Foco do capítulo
Neste capítulo tratamos com respeito e apreço os processos relacio-
nais. É a partir da relação que tudo o que consideramos real, racional,
verdadeiro e de valor emerge. As implicações da ênfase relacional são
vitais, não só porque permitem desestabilizar a tradição enraizada
do individualismo, mas também porque somos instados a reconside-
rar muitas de nossas instituições, desde os rituais do relacionamento
íntimo até nossas práticas na educação, na política e nas leis. Uma
perspectiva racional desperta o apreço por nossa vida com os ou-
tros, no lugar de uma vida separada dos outros ou contra os outros.
Centramo-nos no poder gerador da relação e do fluxo de ações co-
ordenadas. Por meio de performances junto aos outros e junto a nós
mesmos, criamos nossas realidades racionais e emocionais. Aquilo
que antes era denominado “processos mentais” foi recriado como
“processos relacionais”. O Eu Relacional passa a existir através das
relações com outros. Nos dois capítulos a seguir, iremos explorar as
práticas nas organizações, escolas, processos terapêuticos e na pes-
quisa que levam os conceitos relacionais à ação.

53
Capítulo 3

Construção social e
prática profissional
Uma coisa é gerar ideias atraentes, mas a questão importante é
verificar se existe uma relação produtiva entre as palavras e nos-
sos modos de vida. Nós, autores, vivemos a maior parte de nossa
carreira profissional na academia e testemunhamos muitas ideias
interessantes que apareceram e desapareceram. Entretanto, uma
das razões pelas quais as ideias construcionistas nos atraíram de
maneira especial se deve ao fato de que elas fizeram e fazem uma
importante diferença em nossas vidas. Uma vez que a consciência
da construção se estabelece, torna-se difícil ficar quieto. Quando
nos damos conta de que tudo que aceitamos como real, racional
e bom o é tão somente em virtude de convenções, começamos a
fazer perguntas como: “Por que devemos aceitar o que a tradição
nos oferece?”, “O que estamos deixando de considerar?”, “Não se-
ria melhor se pudéssemos reconstruir?” São perguntas perturba-
doras com infinitas repercussões.
Neste capítulo, discutiremos o impacto das ideias construcio-
nistas nas práticas profissionais. Ilustraremos os desdobramentos
em profissões vinculadas a terapias, desenvolvimentos organiza-
cionais, ensino e resolução de conflitos, ou seja, nas profissões
especificamente voltadas à mudança do ser humano. Em cada
uma dessas áreas, as ideias construcionistas estimularam novas e
interessantes alternativas.

55
Construcionismo Social

Construção social e a mudança terapêutica


Trabalhar para aliviar o sofrimento individual não é tarefa fácil, e
a busca pela “melhor forma de terapia” tem sido incessante. Um
dos benefícios de uma perspectiva construcionista consiste no
fato de que podemos parar de buscar a solução perfeita conside-
rando que “gosto não se discute”. Tanto para os clientes quanto
para os terapeutas, os métodos de terapia deveriam ser sensíveis
aos estilos e preferências pessoais, às diferentes tradições e valo-
res, ou seja, às múltiplas construções do real e do bom. Tradições
terapêuticas constituem em si mesmas bolsões de significado
cultural; aliás, por que deveria existir um único sistema de sig-
nificado que seja útil para todas as pessoas? Dito isto, existem
três formas de terapia que são especialmente apropriadas à sensi-
bilidade do construcionista com relação às múltiplas realidades.
Cada uma delas oferece importantes recursos para a mudança.

Terapia narrativa: reescrevendo vidas


Entendemos nossa vida em grande parte a partir das histórias
nas quais somos os protagonistas. Podem ser histórias sobre tor-
nar-se adulto, se apaixonar, sobre a busca por uma carreira pro-
fissional e assim por diante. São histórias de sucesso e de fracas-
so, de fazer as coisas bem ou menos bem. Quem poderíamos ser
se não tivéssemos histórias? Assim, quando um indivíduo passa
por algum sofrimento em sua vida, esse problema só tem lógica
a partir de alguma história. Por exemplo, muitas vezes sofremos
ao nos confrontarmos com uma perda, ao sermos rejeitados, ou
quando sentimos que nossa vida perdeu o rumo. Entretanto, per-
da, rejeição e falta de rumo na vida não são “problemas que exis-
tem lá fora, na natureza”, e só podem ocorrer no enredo de uma

56
Construção social e prática profissional

história. O fato de você “perder” alguma coisa (um emprego, um


ente querido, o amor de alguém) significa que você leva consigo
uma história própria, onde você é o personagem principal que
enveredou por um caminho de evolução ou de realização (o final
de uma boa história), ou que sofreu um revés.
Os terapeutas narrativos têm grande apreço por essas ideias
e acreditam que, ao “reescrevermos” nossa história de vida, “os
problemas” podem ser transformados, novas histórias podem
ser criadas e, a partir delas, novos rumos poderão se abrir. Por
exemplo, algumas pessoas carregam uma história na qual foram
bastante feridas por pais abusivos e sentem-se incapazes de se-
guir em frente. No entanto, se tiverem a oportunidade de revisi-
tar sua infância, valorizando o fato de que conseguiram sobrevi-
ver corajosamente e destacando-se como heróis, talvez possam
começar a enxergar novas opções e alternativas de ação que se-
jam mais otimistas.
O trabalho inovador dos terapeutas de família, Michael White
e David Epston, focaliza especialmente os potenciais políticos do
“reescrever a sua história”. A maioria das pessoas vê seus proble-
mas como algo que mora “em suas mentes” e se sente “disfun-
cional”, incapaz como pessoa. De acordo com White e Epston,
tais narrativas ofuscam a possibilidade de entender os problemas
individuais como algo que emana de condições sociopolíticas. O
que costuma ser considerado disfunção pessoal, como a depres-
são, por exemplo, poderia ser “reescrito” de forma tal que permita
a alguém ver que está atravessando momentos políticos ou eco-
nômicos estressantes. Ao entender que o problema “não está em
nós, mas no sistema”, desaparece uma camada de dúvidas acerca
de nós mesmos, abrindo possibilidades para novas alternativas

57
Construcionismo Social

de ação. White, por exemplo, ajuda os aborígines australianos a


enxergar sua angústia pessoal como resultado das condições de
opressão social em que vivem, pois, em sua relação com os pode-
rosos brancos, eles começaram a sentir que haviam perdido seu
poder. Esta história de luta contra uma força externa é reforçada
pela demonstração dos preconceitos culturais contra os aborígi-
nes. Quando são construídas histórias alternativas de tenacidade,
frequentemente consegue-se reduzir a aflição individual abrindo
novas perspectivas de ação política.

Terapias breves e focadas em soluções: a magia da palavra


Em geral, os pacientes iniciam a terapia trazendo os proble-
mas que desejam discutir, e, apesar de haver um mérito nessas
discussões, não deixam de existir deficiências. De um ponto de
vista construcionista, quando falamos sinceramente sobre um
problema, ele se torna mais real e irremediavelmente mais terrí-
vel. Se falarmos por muito tempo a respeito de um determinado
problema, poderemos acabar nos sentindo aprisionados por ele
e incapazes de nos defender. A partir de ideias construcionistas,
os terapeutas cujo foco é a terapia breve, voltada para a solução
dos problemas, buscam alternativas para substituir a “discussão
de problemas” que ressaltem as dificuldades do indivíduo. Esses
terapeutas preferem estimular conversas sobre as forças, os re-
cursos e as possibilidades relacionais. Consideremos, por exem-
plo, o que chamamos de “pergunta milagrosa”, quando pergun-
tamos ao cliente: “O que aconteceria se amanhã você acordasse
e o problema simplesmente tivesse deixado de existir?” A partir
desse tipo de pergunta, o terapeuta vai poder ajudar os clientes
a se transportarem para onde quer que suas fantasias os levem.

58
Construção social e prática profissional

Concentrar-se num futuro positivo em vez de em um “velho pas-


sado ruim” transforma-se na base para passos mais proativos em
direção à mudança.
As terapias breves também são interessantes quando compara-
das às de longo prazo, tais como a psicanálise. Em contraste com
uma abordagem construcionista, as terapias psicanalíticas exigem
anos de sondagem porque constroem a pessoa como possuidora
de “problemas profundamente arraigados”. Se os problemas são
definidos como algo que está oculto em memórias inconscien-
tes da primeira infância, certamente as longas horas de análise
parecerão ser algo razoável. No entanto, também podemos cons-
truir o indivíduo de forma diferente, de uma maneira que tenha
como pressuposto a ideia de que vivemos no aqui e no agora e
que nosso bem-estar está fundamentalmente vinculado às nossas
relações atuais. Se adotarmos este posicionamento, a terapia po-
derá ser muito mais breve (e mais econômica). As repercussões
da terapia também se estruturam de modo diferente porque, em
vez de sondar um passado conturbado, a terapia se concentra em
meios que permitam relacionamentos presentes mais adequados.
Ao fazermos a reconstrução do passado para o presente e deslo-
carmos o foco dos problemas para as potencialidades, é possível
esperar mudanças mais rápidas.

A terapia pós-moderna e a posição do “não-saber”


As escolas da terapia tradicional baseiam-se na hipótese do
notório saber, ou seja, terapeutas são pessoas treinadas para reco-
nhecer as causas e as curas dos problemas dos indivíduos (“doen-
ças”). Evidentemente, o que se “sabe” varia enormemente de uma
escola de terapia para outra. Diferentes escolas sustentam de dife-

59
Construcionismo Social

rentes maneiras que os problemas do indivíduo estariam ligados


a desejos sexuais reprimidos, falta de amor dos pais, sentimento
de inferioridade e assim por diante. Um terapeuta comprometi-
do com uma dessas explicações sabe quais são os problemas do
paciente antes mesmo que ele entre no consultório. A terapia a
partir da “posição do saber” não reconhece sequer minimamente
o “saber” do paciente.
Harry Goolishian e Harlene Anderson do Houston-Galves-
ton Institute for Family Therapy propuseram uma alternativa
denominada posição “do não-saber”. Neste caso, o terapeuta se
deixa guiar por uma intensa curiosidade a respeito do que di-
zem os clientes e de como eles constroem seu mundo. Tais tera-
peutas não abandonam todo o conhecimento prévio, mas veem
as experiências dos clientes como possíveis recursos para en-
riquecer o discurso terapêutico. Sobretudo, o terapeuta desen-
volve sua sensibilidade com relação aos novos significados, que
podem ser construídos a partir das percepções que os clientes
trazem para a terapia. A mudança cresce a partir das realidades
do cliente.
A título de ilustração, considere uma família cujo pai pareça
ser um tirano. Um terapeuta que adota a postura do “saber” po-
derá rapidamente concluir que esse pai esteja expressando um
distúrbio de personalidade, o que está provocando uma resistên-
cia rebelde em seus filhos. Ainda que isto pareça bastante razoá-
vel, o terapeuta que adota a posição do “não-saber” consideraria
esta hipótese como apenas uma das interpretações possíveis. Ao
explorar curiosamente o mundo em que o suposto tirano vive,
é provável que se revelem outras possibilidades. Por exemplo,
o pai pode revelar que se envergonha por seu nervosismo e que

60
Construção social e prática profissional

gostaria de ser capaz de expressar mais abertamente seu amor


pelos filhos. Com esta mudança na conversa, a terapia poderá
transformar-se. Ao invés de procurar compreender porque papai
é sempre tão mau, os familiares poderão encontrar formas me-
lhores para se relacionar com ele, que encontrará novas formas
de se expressar.
Passemos agora a um segundo local de prática construcionis-
ta: a organização.

A construção social e a eficácia organizacional


O sucesso de qualquer organização ou empresa depende, subs-
tancialmente, da capacidade de seus membros para uma eficaz
negociação de significados. Equipes deixam de ser eficientes
quando seus membros estão em conflito, quando os líderes dei-
xam de liderar, quando ninguém entende ou valoriza o que os
líderes dizem. Assim, não surpreende o fato de que as ideias do
construcionismo social venham exercendo grande influência no
trabalho organizacional.
Acadêmicos construcionistas vêm destacando que as em-
presas se assemelham a pequenas culturas, e a forma como
essas culturas são vinculadas entre si tem a ver com o compar-
tilhamento de hipóteses quanto ao que é real e bom. As nar-
rativas de uma cultura são de vital importância, e são particu-
larmente decisivas aquelas que criam um sentido coletivo de
história e de destino. A maioria dos leitores pode reconhecer
o poder das histórias em sua família (as bizarrices do vovô, os
estranhos bolos de aniversário da mamãe, as travessuras do
cachorro) na criação do significado “nossa família”. Com as
organizações é bastante semelhante. As histórias podem su-

61
Construcionismo Social

gerir que, através da coragem, perspicácia e do trabalho duro


evidenciado no passado, o fato de trabalharem juntos pode
levar a grandes realizações. Vamos analisar duas outras recen-
tes contribuições das ideias construcionistas para as práticas
organizacionais.

Da liderança individual à liderança relacional


Quando se pensa num líder famoso, provavelmente se imagina
um único indivíduo – via de regra do sexo masculino –, abençoa-
do e dotado de habilidades especiais, de sabedoria ou de poder de
persuasão. De fato, muitos estudos tradicionais sobre liderança or-
ganizacional abraçam a visão do líder como o “Grande Homem”.
A partir dessa perspectiva, os líderes exercem uma influência so-
bre seus liderados, e líderes eficazes são aqueles que inspiram e
comandam de maneira a gerar o sucesso organizacional.
Entretanto, para os construcionistas, essa visão de liderança
é profundamente falha, pois deixa de considerar a maneira pela
qual o significado é criado no contexto das relações. Ninguém
poderá atuar como líder se não se associar a outras pessoas no
processo de criação de significado. Quando os líderes da ex-
União Soviética controlavam as principais instituições do país, o
governo entrou em colapso sem que houvesse ocorrido um con-
flito. O povo não aceitava a realidade construída pelo pessoal de
cima porque as pessoas haviam negociado uma outra construção
do destino de seu país.
Sensíveis à coconstrução de significados e ansiando por melhorar
a qualidade de vida nas organizações, tanto os teóricos quanto os prá-
ticos hoje se veem atraídos por novas visões de liderança, elaborando
conceitos e práticas em que a liderança é um processo relacional.

62
Construção social e prática profissional

Um dos mais ricos relatos de liderança relacional pode ser en-


contrado no livro de Wilfred Drath: The Deep Blue Sea: Rethinking
the Source of Leadership (O profundo mar azul: repensando a fonte
da liderança). A liderança relacional surge quando ­pessoas criam,
através do diálogo, papéis e atividades de liderança. Nas palavras de
Drath, entende-se por liderança “não algo que seja propriedade do
líder, mas um aspecto da comunidade” (pg. XVI). Ao invés de um
único indivíduo estabelecer programas e objetivos, estes se confi-
guram através de diálogos entre as partes envolvidas.
Vamos pensar na maneira como funciona um grupo de ami-
gos. Na maioria dos casos, todos os participantes têm o direito
de se pronunciar quanto ao que o grupo deseja fazer. De vez em
quando os amigos poderão designar um dos membros como “lí-
der” do grupo. Diferentes amigos apresentarão diferentes habili-
dades ou recursos especiais. Assim, a contínua negociação é vital
para que a amizade perdure. A aplicação de uma perspectiva rela-
cional à liderança tem implicações revolucionárias. Por exemplo,
se abandonarmos o modelo do líder como um visionário obce-
cado, perceberemos maior participação dos demais membros do
grupo, que deixarão de simplesmente executar ordens e de espe-
rar com indiferença as horas passarem. Em vez disso, por seu en-
volvimento pessoal nas políticas e práticas de seu grupo, eles es-
tarão completamente engajados. Elogios e críticas também serão
distribuídos de maneira mais uniforme. Por exemplo, o salário
de um CEO, em média, é mais de 500 vezes maior que o salário
médio de um de seus funcionários, que recebem por hora de tra-
balho. Este é o resultado do modelo de liderança do herói indivi-
dual. Se um CEO fosse considerado como parte de um processo
relacional, os salários seriam distribuídos mais equitativamente e
o CEO seria menos culpabilizado pelos insucessos. Além disso,

63
Construcionismo Social

a ética organizacional poderia melhorar, pois os delitos tendem


a acontecer quando somente alguns indivíduos tomam decisões
organizacionais a portas fechadas. Com o diálogo amplo, é mais
fácil fazer prevalecer as convenções comuns de honestidade.

liderança relacional em ação


Barbara Waugh é considerada uma líder de visão na atual indústria
da computação. Por mais de 17 anos, foi Gerente de Recrutamento da
empresa Hewlett-Packard, e agora encabeça uma iniciativa cuja meta
é levar as oportunidades da Internet ao mundo em desenvolvimento.
Barbara Waugh também é uma líder que utiliza forte orientação re-
lacional em seu trabalho, e citamos aqui um trecho de seu livro The
Soul in the Computer (A alma no computador):
Sem os meus relacionamentos pessoais e profissionais, dentro e
fora da empresa, nada em minha vida teria se realizado... A pró-
pria HP é um bom exemplo do poder das relações. A empresa
foi fundada com base numa relação de amor e de respeito entre
duas pessoas. Não se trata de uma companhia Hewlett ou de uma
­Packard, mas da Cia. Hewlett-Packard. A ordem dos nomes não
foi decidida pela superioridade ou pela inferioridade de cada um,
mas pelo simples lançar de uma moeda quando os dois jogaram
cara ou coroa. A empresa cresceu através de centenas de relacio-
namentos significativos, e não apenas pelas relações entre os pares,
mas também por relações envolvendo postos hierárquicos tanto
para cima como para baixo...
Não podemos criar ou manter relacionamentos se não estivermos
dispostos a ouvir com atenção. Ouvir totalmente, sem estar prepa-
rando a próxima observação, sem pensar em reabastecer o carro
no caminho de volta para casa ou se o filho conseguiu uma boa
nota na prova de matemática. Devemos obrigatoriamente desligar
a incessante “máquina de julgar” que nos impele a decidir quem é
o mais sabido, o mais correto, o que tem as maiores probabilidades
de sucesso. Precisamos ver-nos uns aos outros, porque, ao fazer-
mos isso, coisas mágicas acontecem e são muito maiores do que
podería­mos imaginar (p. 200-201).

64
Construção social e prática profissional

Investigação apreciativa: inspirando a mudança organizacional


No mundo das empresas são frequentes as referências a “pro-
blemas”. Ouvimos as pessoas dizerem “Temos um problema com
o Marketing”, “Nosso diretor executivo não tem imaginação”, “Os
funcionários estão insatisfeitos”, e assim por diante. Imagina-
mos que, se todos os problemas fossem resolvidos, a organização
funcionaria perfeitamente. Mas será assim mesmo? Quando nos
concentramos nos problemas individuais, perdemos de vista o
todo e nossos olhos deixam de focalizar o futuro. Começamos
a encontrar falhas uns nos outros, tornamo-nos desconfiados e
adotamos uma posição defensiva. O sonho organizacional parece
ser sempre adiado, pois os problemas que precisam ser solucio-
nados não têm fim.
Em uma perspectiva construcionista, falar de problemas é algo
opcional e somente existirão problemas se construirmos o mundo
dessa forma. Como falar de problemas frequentemente nos desvia
de nossas metas, podemos perguntar se existem outras formas de
conversa ou de diálogo que sejam mais eficazes para a organização.
Um grupo de especialistas organizacionais nos respondeu com um
vigoroso “Sim!”. Esse meio poderoso para mobilizar grupos e or-
ganizações chama-se Investigação Apreciativa – IA (“Appreciati-
ve Inquiry” – AI). Este método é uma alternativa às abordagens
da mudança organizacional focadas em problemas. Aqueles que
praticam o método da Investigação Apreciativa criam uma visão
de mundo que prefere enxergar um copo “meio cheio” ao invés
de um copo “meio vazio”. David Cooperrider, um de seus criado-
res, descreve: “A única coisa mais produtiva que um grupo pode
fazer, se estiver conscientemente buscando construir um futuro
melhor, é descobrir o ‘núcleo positivo’ de qualquer sistema para
depois transformá-lo em propriedade ­comum e explícita de to-

65
Construcionismo Social

dos.” ­Cooperrider enfatiza a importância do foco nas forças e nos


recursos de uma organização, e não em suas áreas problemáticas.
Ao explorar o núcleo positivo do sistema humano, quanto mais
os membros do grupo participarem, melhor, mais profundo, e
mais duradouro será o processo de mudança. No sistema da In-
vestigação Apreciativa, descobrem-se as realidades relacionais do
grupo. Através do diálogo e da conversa formam-se novas relações,
e o futuro da organização começa a emergir através desses rela-
cionamentos. Numa sessão clássica de Investigação Apreciativa, os
membros da empresa são separados em pares e recebem instruções
para compartilhar histórias a partir desse núcleo positivo. Os par-
ticipantes descobrem os melhores momentos da vida organizacio-
nal. São histórias que dizem respeito, basicamente, às experiências
na organização nas quais os participantes puderam experimentar
um sentido de realização, energia e prazer. As histórias podem, por
exemplo, referir-se a um projeto bem-sucedido do qual aquele que
narra tenha participado ou a um projeto com o qual os partici-
pantes tenham se sentido altamente estimulados. Essas histórias
podem ser posteriormente compartilhadas com grupos maiores,
com o propósito fundamental de extrair delas os elementos da or-
ganização que conferem vida, vitalidade e força às narrativas.
Ao compartilharem histórias positivas, os participantes come-
çam a discutir o futuro da organização e de que modo poderão tirar
o máximo proveito desses reservatórios de vitalidade. Com o es-
tabelecimento de uma visão nova e convincente, põem em prática
planos para propiciar as mudanças desejadas. O processo colabora-
tivo como um todo geralmente desperta entusiasmo e boa vontade,
além da determinação de realizar grandes feitos. Primordialmente,
a Investigação Apreciativa assenta as raízes do futuro nas terras do

66
Construção social e prática profissional

passado; os participantes não compartilham apenas “castelos no ar”,


mas fazem uso do melhor de suas realizações passadas para gerar
possibilidades realistas e idealistas para o futuro. Durante o proces-
so, são os aspectos colaborativos e relacionais que conferem poder
ao esforço de mudança, uma vez que através do diálogo e do ato de
compartilhar, nascem no âmbito do sistema organizacional novas
realidades que possibilitam uma mudança positiva duradoura. Os
princípios fundamentais da metodologia da Investigação Apreciati-
va baseiam-se no enfoque da construção social.
Apesar de muitos projetos de Investigação Apreciativa serem rea­
lizados no ambiente corporativo, existem inúmeras outras aplicações
deste modelo em escolas, igrejas, ONGs e comunidades, bem como
na vida privada. Alguns praticantes da metodologia IA, tais como
Jane Watkins e Ralph Kelly, organizam workshops para ajudar as
pessoas a redescobrir o brilho da paixão que as levou a se casarem;
o workshop ajuda a estimular relacionamentos amorosos através da
exploração da positividade. Outros promovem workshops que aju-
dam as pessoas a desenvolverem práticas de liderança e estilos de
vida pessoais baseados em princípios apreciativos. Consulte as re-
ferências bibliográficas no final do livro para informações a respeito
de oportunidades de aprendizado e leituras adicionais sobre Investi-
gação Apreciativa. Passaremos agora a um terceiro contexto onde as
práticas construcionistas estão florescendo: a educação.

O construcionismo e a sala de aula


Como professores de Psicologia, notamos que as ideias constru-
cionistas têm efeitos admiráveis sobre nossas práticas de ensino.
Por exemplo, procuramos, sempre que possível, substituir pa-
lestras por diálogos com os alunos. Por quê? Porque o conceito

67
Construcionismo Social

tradicional de ensino se vê prejudicado por sua base individua­


lista e pela falha de não reconhecer a produção relacional do
significado. Assim, não consideramos mais como nosso dever
“despejar conhecimento sobre nossos alunos”. Ao invés disso, le-
vamos para a sala de aula aquilo que enxergamos como recursos
que capacitarão os alunos a se envolverem em novos diálogos.
Entretanto, também acreditamos que os alunos tragam consigo
relatos úteis do real, do racional e do bom. Através do diálogo
eles poderão fazer uso de suas habilidades e gerar conversas que
sejam de valor; ao mesmo tempo, devem aprender a levar em
consideração o que os outros (inclusive nós, professores) têm a
dizer. Se a classe for respeitosa e receptiva, os alunos se sentirão
estimulados e se engajarão. Através do diálogo, terão maior pro-
babilidade de incluir em suas perspectivas pessoais o que temos
para oferecer a partir da nossa tradição de conhecimento. Tam-
bém aprendemos com eles, de forma que o processo de ensinar e
o de aprender converge.
Naturalmente não estamos sós em nossa tentativa de colocar
ideias construcionistas para funcionar na sala de aula. Vamos ex-
plorar agora dois movimentos bastante ativos em Educação que
foram favorecidos pelas ideias construcionistas.

Pedagogia crítica e além


Embora políticos e administradores de escolas costumem de-
clarar que a “boa educação” é isenta de vieses políticos ou ideoló-
gicos, o construcionista entende que a educação é inerentemente
política. Assim, a exigência de proficiência em inglês declara que
todos devem obrigatoriamente falar um idioma, ao que muitos
nomeariam como idioma dos privilegiados. O simples fato de

68
Construção social e prática profissional

eliminar o ensino de religião das escolas passa a ideia de uma so-


ciedade essencialmente secular. E, de modo mais sutil, favorecer
métodos experimentais para estudar o comportamento humano
significa que entendemos melhor os outros se formos desapaixo-
nados e manipuladores.
Não estamos querendo dizer que o vínculo entre a educação
e os preconceitos e juízos de valor seja perigoso ou deva ser evi-
tado. Com efeito, muitos dos vieses de nossos currículos e pro-
gramas sustenta as formas de vida preferidas pela maioria (geral-
mente, é apenas nos casos em que não sustentam a nossa forma
de vida que talvez sejam reconhecidos como vieses!). O fato de
um professor insistir para que os alunos votem não é considerado
um viés, mas se ele insistisse para que os alunos votassem pelo
Partido Democrata, aí sim seria um viés. No entanto, do ponto
de vista construcionista, podemos também atribuir valor ao fato
de adquirir uma percepção com relação a esses vieses, compreen-
dendo quem está sendo privilegiado e quem é tornado invisível
por eles. Ao fazer isto, podemos começar a enxergar alternativas.
Se prestarmos atenção em quem mais se pronuncia nas discus-
sões em classe e quem fica mais calado, podemos aprender algo a
respeito de vozes silenciosas ou ausentes e de como habilitar essas
vozes silenciosas para que se expressem.
Há muito tempo essas preocupações vêm se refletindo no
movimento pedagógico crítico, bastante inspirado pelo livro de
Paulo Freire, Pedagogia do oprimido. Freire se preocupava par-
ticularmente com a estrutura de muitos sistemas educacionais
que basicamente preparam as classes menos privilegiadas para
vidas de silenciosa servidão. Desde então, vários outros críticos
vêm se concentrando especialmente nos preconceitos de raça

69
Construcionismo Social

e gênero embutidos nos currículos e métodos escolares. Em-


bora seja vital evidenciar os preconceitos de classe, de raça e
de gênero implícitos em nossas tradições de conhecimento, o
construcionismo convida a darmos outros passos. Em primeiro
lugar, é preciso expandir as sensibilidades críticas, de modo que
todas as pessoas, oriundas de todas as tradições, possam com-
preender melhor as lacunas e os silêncios presentes em nossas
práticas educacionais. Raramente os preconceitos se limitam à
classe, raça e gênero. Eles também são relativos à religião, pre-
ferência sexual, conhecimentos de habilidades tradicionais (por
exemplo, redação, música, esportes) e muitas outras questões.
Começamos a ter que lidar com as múltiplas realidades que
constituem o maior desafio da educação.
Além disso, o construcionista nos incentiva a substituir a crí-
tica antagonista pelo diálogo. Uma coisa é acreditar que nossa
tradição seja oprimida, mas deixar-nos subjugar pelo opressor é
bem diferente. O opressor também carrega uma tradição de valo-
res, e, se colocássemos todas as tradições umas contra as outras,
a vida seria abominável, embrutecida e breve. Como não existem
meios definitivos para julgar as tradições, é importante adqui-
rir habilidades para nos envolver na exploração mútua. Nesse
contexto, o construcionismo solicita que nos conscientizemos
dos limites da crítica. Ao enfatizarmos as deficiências, estaremos
solidificando suas realidades: enxergaremos apenas o negativo,
e praticamente nada além. Portanto, há um bom motivo para
complementar as práticas críticas com explorações de positivi-
dade; quando também reconhecemos o que é positivo em outra
tradição, a exploração mútua tem maior probabilidade de gerar
novas formas de vida.

70
Construção social e prática profissional

Aprendizado colaborativo
O ensino tradicional segue uma orientação individualista, pois
espera melhorar a mente de um único indivíduo: julga-se o aluno
por seu “trabalho individual” e as notas são atribuídas individual-
mente. Entretanto, as ideias construcionistas vão levantar questões
a respeito do individualismo, tanto como uma visão das pessoas
quanto uma ideologia política. Já argumentamos aqui que o que
chamamos de “pensamento” individual é de fato um subproduto da
imersão de alguém nas relações. Se não estivermos equipados com
uma linguagem de justiça ou de responsabilidade, como poderemos
pensar nessas questões? E, se considerarmos o indivíduo como a
unidade básica da sociedade, criaremos uma cultura de isolamento
e alienação. Por outro lado, se tudo que considerarmos real, lógico
e desejado, for subproduto da relação, passa a fazer todo sentido
colocar o processo relacional no centro da prática educacional.

um diálogo sobre práticas pessoais


ken:  Eu gosto desses desdobramentos do Construcionismo em prá-
ticas profissionais, mas você sabe que as ideias construcionistas tam-
bém permeiam a vida pessoal de forma significativa. Talvez fosse útil
que os leitores pudessem perceber as práticas construcionistas nos
relacionamentos cotidianos.
mary:  Isto é algo que também me parece importante. Ocorreu-me
uma brincadeira de nós dois a respeito da minha irritação quando
você chegava tarde para jantar e eu perguntava, em tom acusador,
por que você tinha chegado àquela hora, ao que você gentilmente
respondia com a pergunta: “Que desculpa você prefere que eu dê?”
Depois dessa resposta, era impossível manter o meu papel de espo-
sa magoada e eu caía numa gargalhada. Percebi que você estava me
lembrando de que há vários modos de construir a realidade e que
você estava procurando um modo que nos levasse de volta a um bom
relacionamento.

71
Construcionismo Social

ken:  Pois é, também me lembro de uma ocasião em que eu cheguei


em casa, depois do trabalho, de mau humor. Bastou que eu entrasse
para contaminar o ambiente. Decidimos então que essa não era uma
boa realidade de vida, e você me pediu que eu saísse e tornasse a
entrar. A segunda vez foi muito melhor. Desta forma pudemos des-
construir o primeiro encontro e abrimos caminho para um segundo
encontro mais construtivo.
mary:  Ajuda muito saber que, se criamos um mau momento entre
nós, esse momento é tão somente uma forma de ser, o resultado de
uma maneira de construir o mundo e de nos construir um ao outro,
sendo possível, portanto, buscar alternativas.
ken:  O que me parece maravilhoso, pois, quando eu por alguma
razão me sinto desanimado, você pode me indicar maneiras de re-
construir positivamente a situação. Você reaviva minha percepção de
mundo e minhas energias, e eu lhe sou imensamente grato por isso.
mary:  Estou sempre à procura de maneiras que me permitam es-
tar de bem com a vida. Isso foi especialmente importante para mim
em momentos de doenças graves. Também é importante na maneira
como me relaciono com os outros, inclusive as crianças, colegas, ami-
gos. Sentimentos ruins são resultado de construções ruins, e, como
nenhuma construção é a Verdadeira, elas podem ser substituídas. O
desafio consiste em encontrar a forma de substituir essas construções
por outras que permitam que nos sintamos bem. Devo dizer que con-
versas com outras pessoas podem ser de grande valia na reformula-
ção dos significados da vida.

Os educadores estão se voltando cada vez mais para a orienta-


ção relacional, e um resultado importante é o aprendizado colabo-
rativo, ou seja, a aprendizagem com outros e através dos outros.
Os tipos de práticas dialógicas que discutimos anteriormente são
apenas um exemplo disso, e talvez a mudança mais festejada rumo
ao relacional seja a escrita colaborativa. Desde os estudos do ensi-
no fundamental até a universidade, os professores vêm passando
de tarefas de redação individual à escrita colaborativa.

72
Construção social e prática profissional

Na escrita colaborativa, os alunos formam pares ou peque-


nos grupos, mas sempre trabalhando juntos para produzir um
trabalho final. Como os professores vêm a descobrir, o processo
colaborativo aproveita as forças e habilidades de todos os mem-
bros do grupo. Alguns alunos podem, por exemplo, ser bons
em abstrações, enquanto outros talvez ofereçam boas histórias
que podem ser usadas para ilustrar ideias; alguns podem ter
percepções estranhas ou inusitadas, enquanto outros podem
contribuir dando entusiasmo ao grupo; cada um dá uma contri-
buição especial e única ao todo. Além de permitir que os alunos
contribuam a partir de uma posição de potência e força, os alu-
nos também aprendem uns com os outros. O aluno conceitual
aprende com o aluno entusiasmado e assim por diante. Além
disso, todos podem se beneficiar ao adquirir percepções a partir
das diversas vozes de avaliação incluídas no trabalho. Assim,
também estarão mais adequadamente preparados para atuar de
maneira colaborativa na vida futura. Vamos agora passar para
um último contexto onde as práticas construcionistas são extre-
mamente valiosas.

Confrontando o conflito de maneira construtiva


Conflitos estão presentes em todo o mundo – muitos deles são
apavorantes, outros tantos são devastadores. Por que o conflito é
tão prevalente e como podemos construir formas mais sustentá-
veis de vida? Estas, certamente, são perguntas muito antigas, as-
sim como a história das tentativas de reduzir conflitos. Embora o
construcionismo não ofereça promessas concretas a esse respeito,
ele oferece um ponto de vista e um rumo às práticas de redução
de conflitos.

73
Construcionismo Social

Para os construcionistas, a maioria dos conflitos humanos


pode ter suas origens identificadas no processo de produção de
sentido. À medida que as pessoas se coordenam entre si, também
geram linguagens compartilhadas sobre o real e o bom. Essas lin-
guagens encontram-se imbricadas em seus costumes e conven-
ções. Ao mesmo tempo, essa criação do “nós” e do “nosso modo”
cria um domínio externo do “eles” e do “modo deles”. Em geral,
as pessoas, no âmbito de uma tradição, veem os que estão de fora
como equivocados, inferiores ou indesejáveis. Na pior das hipó-
teses, as pessoas de fora são vistas como inimigas. Desta forma,
quando compartilhamos as mesmas opiniões a respeito do real
e do bom, prevalece a harmonia. Mas quando você “vê do seu
jeito” e eu “vejo do meu jeito”, encontramo-nos diante da possi-
bilidade do “ou eu ou você”. É como Thomas Cleveland escreve
na obra Natural History (História natural) “...aqueles que provo-
cam guerras geralmente parecem acreditar na maior correção do
rumo escolhido. É esta capacidade que torna os seres humanos
uma espécie tão perigosa”.
Ao abordar o conflito do ponto de vista construcionista, evita-
se a questão de quem está certo ou quem está errado. Se o nosso
objetivo é sair do conflito, a questão central é como fazer conver-
gir domínios de significado divergentes. Em virtude da centrali-
dade da linguagem na construção das realidades conflitantes, da-
mos atenção particular ao diálogo. Será que não existem formas
de falarmos uns com os outros que permitam uma convivência
mais amigável?
Esta ênfase no diálogo não é novidade, mas o construcionismo
nos pede para olhar além dos conteúdos conflitantes dos discur-
sos – considerando as formas da fala: como as coisas são ditas, o

74
Construção social e prática profissional

que se enfatiza, onde se estão os silêncios e assim por diante. Por


exemplo, se discordamos de algo podemos provocar uma discus-
são. Mas a discussão como forma de conversa nos contrapõe ao
outro; um lado deve vencer, e o outro, perder. A discussão é, em
geral, uma “guerra por outros meios”. Então, quais seriam as alter-
nativas a uma discussão para resolver problemas?

O projeto Conversas Públicas


Uma prática muito promissora, desenvolvida por um grupo
de terapeutas de família da área de Boston, se chama “Projeto
Conversas Públicas”. A preocupação principal do grupo de te-
rapeutas era o rancor e a violência suscitadas pela discussão da
questão do aborto, tanto em Boston quanto no país como um
todo. Com boas pessoas de ambos os lados, todas contundentes
e intensas em suas reivindicações quanto ao direito moral, e o
aumento da frequência de homicídios e atividades terroristas,
a necessidade de novas conversas era premente. A resposta do
Projeto Conversas Públicas foi criar de uma forma de diálogo
que não levasse ao ataque, à humilhação ou ao desejo de vin-
gança. O processo de escolher e reunir pessoas e ajudá-las a
conversar é cuidadosamente planejado. A seguir, um panorama
do processo.
Numa noite qualquer, os representantes dos grupos antagôni-
cos são convidados a se reunir. Ao invés de serem postos imedia-
tamente em debate, os grupos primeiro jantam juntos. Durante
a refeição, não são permitidas conversas sobre os problemas que
os fazem divergir, e, com efeito, nessa etapa não há como os par-
ticipantes possam identificar os respectivos posicionamentos dos
demais. Desta forma, o jantar prossegue com conversas a respeito

75
Construcionismo Social

de temas e assuntos de interesse geral, como trabalho, crianças,


o tempo etc. Via de regra, costuma prevalecer o sentimento de
que todos têm em comum a mesma natureza humana. Quando
tem início o debate, os facilitadores insistem que os participantes
falem mais de suas experiências pessoais, ao invés de trocar con-
ceitos e noções mais do que conhecidos por ambas as partes. Eles
são convidados a narrar as histórias pessoais que tenham relação
com seus posicionamentos. Muitas vezes, os participantes falam
da dor ou do sofrimento que vivenciaram a respeito da questão
em discussão e, apesar de poderem ficar na defensiva quando o
debate é baseado em princípios, as pessoas são capazes de ouvir
as histórias dos outros com compaixão. O resultado é que come-
çam a entender emocionalmente porque seus oponentes se sen-
tem da forma como se sentem. Num outro momento os partici-
pantes serão convidados a falar de suas “áreas cinzentas”, ou seja,
das dúvidas e incertezas a respeito do próprio posicionamento.
Assim, começa a se delinear uma segunda voz, uma voz que fica
mais parecida com a voz do oponente.
Um dos resultados dessa conversa cuidadosamente orquestra-
da, que em geral inclui de seis a dez participantes, costuma ser a
desintensificação do conflito. Embora não se peça aos participan-
tes que mudem de opinião (de fato não mudam), as razões dos
opositores conseguem ser entendidas com maior benevolência.
Além disso, em algumas situações os participantes começam a
construir novas possibilidades. Por exemplo, no caso do deba-
te “pró-vida” versus “pró-aborto”, os participantes concordaram
em trabalhar juntos para evitar situações em que o aborto pu-
desse se tornar uma opção. Uma vez, chegaram a combinar de se
avisarem em casos de perigo iminente. Alguns participantes se

76
Construção social e prática profissional

e­ ntusiasmaram com essas conversações de tal maneira que vol-


taram a se reunir posteriormente para continuar a conversar. Por
meio da remodelagem de uma determinada forma de conversa, o
ódio mútuo deu lugar à investigação colaborativa. A abordagem
construcionista para a resolução de conflitos entende que nenhu-
ma das partes é dona da verdade e que há vários aspectos de um
determinado problema. O diálogo conjunto pode construir novas
soluções de forma criativa.

Foco do Capítulo

As práticas terapêuticas, de mudança organizacional, educação e


redução de conflitos da comunidade foram todas estimuladas por
ideias construcionistas. Destacamos aqui as práticas da terapia nar-
rativa. Nas práticas de mudança organizacional, examinamos a li-
derança relacional e a Investigação Apreciativa. Dentre as práticas
educacionais, destacamos a pedagogia crítica e as abordagens do
aprendizado colaborativo. Através do diálogo e, particularmente,
através do Projeto Conversa Pública, apresentamos formas de mini-
mizar conflitos. Poderíamos também escrever sobre novas práticas
de aconselhamento, assistência social, religião e outros. Confiamos
que nossa discussão estimule o leitor a também localizar outras áreas
onde essas ideias possam inspirar inovação. O futuro é moldado a
partir das relações.

77
Capítulo 4

A pesquisa como
prática de construção
Muitas de nossas hipóteses tradicionais a respeito do conhecimento
e da prática de pesquisa são desafiadas pelas ideias construcionis-
tas. Neste capítulo apresentaremos inicialmente algumas das mais
importantes mudanças de entendimento promovidas pelo constru-
cionismo. Em seguida, apresentaremos algumas aplicações dessas
ideias na pesquisa em ciências sociais. Se o construcionismo oferece
uma visão alternativa do conhecimento, qual a sua repercussão nas
formas como procuramos conhecer os outros e a nós mesmos?

Reconstruindo práticas de conhecimento


A busca por conhecimento sempre esteve intimamente associada
à busca da Verdade. Contrastando com esta tradição, os cons-
trucionistas entendem o conhecimento como produto de deter-
minadas comunidades, sendo orientado por hipóteses, crenças e
valores particulares. Não existe uma “Verdade para todos”, mas
uma “verdade no âmbito de uma comunidade”. Pessoas que são
chamadas de “ignorantes” não são destituídas de todo saber; elas
simplesmente não fazem parte da comunidade que as considera
ignorantes e funcionam com um tipo diferente de conhecimento.
Assim, professores de matemática não sabem mais do que joga-
dores de basquete, da mesma maneira que historiadores não sa-
bem mais do que pedreiros. O saber de cada grupo funciona de
forma diferente e atende a diferentes finalidades. Esta mudança
para a perspectiva da pluralidade de saberes prepara o caminho

79
Construcionismo Social

para lançarmos outros desafios construcionistas às tradicionais


formas de produção de saber.

Perturbando as fronteiras entre as disciplinas


As disciplinas do conhecimento científico, tais como a Quími-
ca ou a Geologia, estão bastante assentadas na ideia de que existe
uma verdade objetiva sobre o mundo e que tal verdade pode ser
descoberta. De acordo com esta tradição, cada disciplina possui
objetos de estudo específicos (por exemplo, os elementos quími-
cos, as espécies animais, a economia, a mente) e cada uma requer
métodos de pesquisa especializados (experimentos, equipamen-
tos de laboratório, análises de amostras). Esta orientação levou à
formação de verdadeiras ilhas de produtores de conhecimento,
que raramente se comunicam entre si e que dificilmente são in-
teligíveis pelo público em geral. Na maioria dos campi univer-
sitários, cada departamento é alojado num edifício específico,
separado dos demais, e seus habitantes raramente visitam seus
vizinhos. Os que se encontram nas “torres de marfim” vão buscar
menos ainda comunicar-se com o público de fora.
O construcionismo coloca em xeque esse isolamento, porque
para o construcionista os objetos de pesquisa são construídos pe-
las comunidades de produção de conhecimento a que pertencem.
As comunidades criam a realidade da química, da psicologia, da
física, da economia e assim por diante. Como propôs o famoso
historiador da ciência Thomas Kuhn, as comunidades desenvol-
vem “paradigmas”, sendo que um paradigma é constituído pelo
conjunto compartilhado de hipóteses, métodos, formas de escrita,
recompensas etc. que mantém a comunidade unida. Paradigmas
são os “motores” de produção de sentido numa comunidade, e,
circunscritos nesses paradigmas, os problemas importantes para a

80
A pesquisa como prática de construção

comunidade serão resolvidos. Embora existam importantes van-


tagens no âmbito desses paradigmas, também existem limitações.
Muitas vezes o paradigma funciona como uma venda, porque im-
pede a visão além dele mesmo. Se a sua realidade for “material”,
por exemplo, qualquer pessoa que falar de “espírito” parecerá não
fazer absolutamente o menor sentido. Se seu paradigma o desafiar
a produzir a fissura de um átomo, algo que poderia ser útil para
fabricar uma bomba, perguntas a respeito do bem e do mal das
guerras parecerão irrelevantes, pois tais perguntas pertencem ao
reino da política ou da religião, mas não à ciência como tal.
Portanto, o construcionista tem o desafio de embaralhar as
fronteiras entre as disciplinas. Nosso maior bem-estar vem do diá-
logo cruzado, o tipo de diálogo que permite a intersecção de múlti-
plas realidades e de múltiplos valores. A falta de compartilhamento
ocasiona a cegueira para os valores e para o potencial de tradições
alternativas. Seria também importantíssimo fazer as disciplinas es-
colares dialogarem com a cultura circundante. Todas as partes se
beneficiam através desse tipo de encontro; e mais: o trabalho aca-
dêmico e científico tem maior probabilidade de tratar de questões
que são significativos para a sociedade. Este aspecto está intima-
mente relacionado com o argumento que discutiremos a seguir.

Investigando utilidade e valor


Na perspectiva construcionista, a pesquisa científica que se inse-
re em um determinado paradigma pode ser muito valorizada pela
comunidade comprometida com o mesmo. Os economistas apre-
ciarão os resultados de uma modelagem econômica, assim como os
neurocientistas terão grande interesse nos resultados da pesquisa de
neuro-imagem. Entretanto, os construcionistas também nos pedem
para considerar a utilidade dessas linguagens e seus resultados fora

81
Construcionismo Social

dos limites da comunidade. De que maneira a pesquisa econômica


ou de neuroimagem pode contribuir (ou eventualmente prejudicar)
as vidas das pessoas em geral? Será que as pessoas de fora das disci-
plinas têm o direito de emitir sua opinião a esse respeito?
Essas são essencialmente questões de atribuição de valor. Que
formas de vida queremos incentivar? O que desejamos para nos-
sos filhos e netos? Os historiadores, por exemplo, têm a incum-
bência de relatar a verdade sobre a História. Mas como deveria
ser descrita a história do Oriente Médio? Dependendo de quem a
estiver narrando, em que época e com que propósito, ela pode ser
narrada de muitas maneiras diferentes. Alguns relatos favorecerão
a religião islâmica, outros não. Algumas narrativas dirão que as
nações islâmicas não conseguiram embarcar na era da tecnologia,
enquanto outras afirmarão que as nações islâmicas conseguiram
resistir à deterioração de suas tradições. Não há como escapar de
todas as tradições para escrever essa história e, enquanto estiver-
mos envolvidos no conflito entre os pontos de vista, o diálogo so-
bre essas questões será de importância vital. Se tudo o mais fracas-
sar, a alternativa poderá ser a mútua aniquilação.

Encorajando métodos múltiplos


A pesquisa tradicional pressupõe a existência de um mundo
de objetos e eventos isolados do pesquisador; é também tarefa do
pesquisador revelar suas características. Via de regra, isto signi-
fica fazer uma medição minuciosa e precisa do assunto que está
sendo pesquisado. Por exemplo, aqueles que acreditam que as
“atitudes” existem nas mentes das pessoas desenvolvem pergun-
tas para “sondar as atitudes das pessoas”; os que acreditam no
“processo econômico” podem usar eventualmente o PIB (Produ-
to Interno Bruto) como uma medida do progresso econômico.

82
A pesquisa como prática de construção

De fato, há uma crença predominante de que é possível encontrar


a “verdade através do método”.
Do ponto de vista construcionista, os métodos de pesquisa re-
fletem hipóteses e valores de uma determinada comunidade. Con-
sequentemente, os métodos não nos oferecem os reflexos da natu-
reza, mas criam o que acreditamos ser a natureza. Se os psicólogos
valorizam algo chamado de “inteligência” e estão dispostos a definir
certas ações (como resolver problemas verbais) como algo inteli-
gente, naturalmente podem desenvolver uma medida de inteligên-
cia denominada QI. No entanto, as respostas das pessoas a um teste
de inteligência são apenas indicadores de inteligência congruentes
com a visão de mundo dos psicólogos. Portanto, os testes de inte-
ligência não refletem “diferenças de inteligência”. Eles constroem,
mais propriamente, um mundo no qual essas diferenças de inteli-
gência parecem óbvias. O mesmo vale para as medidas da autoes-
tima, personalidade, funcionamento cognitivo e assim por diante.
Não estamos sugerindo que se abandonem os métodos de pes-
quisa tradicionais, apesar desta visão do poder dos métodos para
criar realidades. Lembre-se de que toda verdade existe “no con-
texto de uma tradição” e que cada tradição sustenta certos valores.
Assim, para atingir algumas finalidades específicas, os métodos de
pesquisa de uma determinada tradição podem agregar uma im-
portante contribuição. Se construirmos o mundo baseado em saú-
de física e doenças e quisermos evitar essas últimas, os métodos
da pesquisa clínica serão de inestimável valor. Isto, porém, não faz
com que a ciência médica seja Verdadeira, ou que seus métodos
sejam superiores em todos os casos. É preciso estar de acordo com
a tradição e seus valores. Geralmente temos poucas oportunida-
des para questionar esses valores, embora discussões a respeito
do melhor método para testar a inteligência, por exemplo, sejam

83
Construcionismo Social

comuns. Mas raramente se dá atenção à questão de se devemos


ou não aceitar a noção de “inteligência”. Este conceito tem uma
natureza altamente valorativa: promove certas pessoas às custas de
outras. Mas não se costuma indagar que tipo de sociedade é cria-
da ao enquadrar todos os seus membros nessa escala de valores e
afirmar que cerca de metade dessas pessoas está abaixo da média.

Expandindo formas de expressão


A maior parte das pesquisas científicas é comunicada aos pa-
res por meio de relatórios escritos. Para os que não são membros
da comunidade científica, esses relatórios são frequentemente di-
fíceis de entender; mesmo algumas pessoas da própria comuni-
dade consideram-nos maçantes e complexos. Este estilo de escrita
pode estar em parte relacionado com uma “tradição da Verdade”
que privilegia declarações precisas acerca dos fatos e abomina os
estilos retóricos que possam influenciar o leitor. Como se costu-
ma dizer, os cientistas devem manter a paixão fora de seus artigos
de forma a não ofuscar os julgamentos do leitor. Entretanto, se
entendemos a verdade como uma criação conjunta, essas exigên-
cias com relação aos textos deixam de ser obrigatórias. Em vez
disso, ficamos instigados a ver os textos científicos como uma for-
ma de relação dentro de uma comunidade.
À luz disso, podemos entender a tradicional escrita científica
como apenas uma forma de expressão possível, útil para certos
propósitos (por exemplo, para a comunicação eficiente entre um
grupo de elite de cientistas), ao mesmo tempo em que é limita-
da em outros aspectos. Por exemplo, se o texto científico é diri-
gido apenas aos cientistas, as pessoas que se encontram fora do
mundo da ciência não poderão participar do diálogo. As ciências
­tornam-se exclusivistas. No campo das ciências sociais, onde ge-

84
A pesquisa como prática de construção

ralmente os cidadãos comuns são objeto de pesquisa, esta crítica


torna-se especialmente importante. As ciências sociais têm uma
longa história de descobrir defeitos em vários grupos de pessoas,
que são rotuladas de “não-inteligentes”, “de visão estreita”, “con-
formistas”, “deficientes mentais”, “preconceituosos” e por aí vai.
Porém, essas formas de descrição praticamente não oferecem
qualquer espaço para que as “vítimas” desses julgamentos com-
preendam ou contestem tais descrições.
Informados por essas discussões, muitos acadêmicos, particu-
larmente da área de ciências sociais, vêm experimentando novas
formas de escrever. Através de novas formas, constroem-se novas
realidades. Alguns pesquisadores usam sua “voz pessoal” para apre-
sentar suas pesquisas. Quando está escrito em primeira pessoa, o
relato se torna mais convidativo à leitura e revela o engajamento
de “corpo e alma” do cientista. Este tipo de texto também traz im-
plícito que o relato é uma construção e que outros podem lê-lo
de maneira diferente. Já outros autores experimentam escrever em
muitas vozes a fim de revelar diferentes perspectivas. Recentemen-
te, uma psicóloga da tribo Maori da Nova Zelândia incluiu em sua
dissertação três vozes diferentes (e três tipos de fontes): uma voz
científica (neutra e objetiva); uma voz pessoal (muito veemente); e
uma voz Maori (escrita na linguagem de seu próprio povo).
Num caso fascinante, Karen Fox trouxe a voz de uma paciente se-
xualmente violentada pelo padrasto. Mas ela também entrevista este
padrasto, que está na prisão por abuso sexual. E finalmente, por ter
sido ela mesma vítima de abuso sexual, inclui a própria voz. As três
vozes fluem simultaneamente numa mesma página, de forma que
o leitor não apenas possa vivenciar as múltiplas perspectivas, mas
tenha um ganho adicional ao entender a situação através da justapo-
sição dessas vozes. Apresentamos a seguir um pequeno trecho:

85
Construcionismo Social

Ben: autor de abuso sexual Sherry: vítima


“Quando elas vieram morar “Ele nos deu uma vida que
comigo... Elas nunca tinham nunca havíamos tido antes.
tido muita coisa. Elas, na Eu só cheguei a comer car-
maior parte das vezes, co- ne pela primeira vez aos 7
miam panquecas... Eu as le- anos de idade. Nós sobrevi-
vei a muitos lugares. O pai víamos comendo panquecas
delas nunca tinha feito isso. e ovos. Ele nos deu um lar.
Por isso, eu era muito mais Ele nos ensinou disciplina.
presente.” Nós, crianças, não tínhamos
freios... De qualquer forma,
de modo algum suas boas
ações superaram as más. Isso
não desculpa o que ele fez.
Eu sentia amor por ele, como
se ele fosse um pai.”

Karen: a pesquisadora
“A esposa, Betty Ann, diz que Ben e
Sherry eram muito ligados. Eles con-
versavam a respeito de tudo. Ela fala-
va com ele sobre sua menstruação...”

Ben: autor de abuso sexual Sherry: vítima


“Enquanto nós, acusados de “Eu acho que ele está come-
crime de violência sexual, çando a entender. Está sendo
negarmos o fato, ninguém ajudado. Ninguém se cura
poderá nos ajudar. Temos em dois anos.”
que admitir o que fizemos de
errado. Eu sei disso agora.”

Por outro lado, alguém poderia ser até mais ousado e perguntar:
“Por que essa ênfase na forma escrita de apresentação de um rela-
tório de pesquisa”? Há muitas formas de apresentação disponíveis
para nós, e as palavras às vezes são muito limitantes. Por que não
fazer uso de filmes, gravações, música, arte, dança, multimídia e ou-

86
A pesquisa como prática de construção

tros? Cada forma de apresentação oferece novas possibilidades para


construirmos o mundo e para estabelecermos relações dentro e fora
das comunidades produtoras de conhecimento. Esses desafios são
estimulantes e trazem também implicações radicais. No entanto,
existem os que precederam este tipo de trabalho. Os antropólogos
utilizaram filmes para documentar a vida de povos indígenas por
quase cem anos. Esses registros visuais são geralmente mais infor-
mativos do que os relatos orais disponíveis. Através dos dispositivos
de gravação podemos compartilhar modos de vida que, de outra
forma, não poderiam ser documentados. Novas construções do
mundo podem ser produzidas por intermédio das novas mídias, e
cada uma delas tem uma capacidade diferente de criar realidade.

a mudança social através da fotografia


Por muitos anos, a pesquisadora social M. Brinton Lykes trabalhou
com mulheres nas regiões montanhosas da Guatemala. Essas mu-
lheres haviam sofrido muito com as guerras civis que devastaram
suas terras; seus familiares haviam sido mortos e suas aldeias des-
truídas por tropas inimigas. Como parte dos propósitos da pesquisa
e para contribuir para a criação de solidariedade entre as mulheres,
Lykes deu de presente a cada uma delas uma máquina fotográfica,
para que pudessem documentar a destruição e a violência que ha-
via acontecido. Mais tarde, a pesquisadora pediu àquelas mulheres
que compartilhassem suas fotografias e falassem sobre as implica-
ções daquelas cenas em suas vidas. As conversas sobre as fotografias
levaram a uma compreensão mais profunda e mais complexa dos
eventos, além de ajudarem a abrir caminho para a reconstrução da
comunidade. Por meio das fotografias as mulheres tiveram a opor-
tunidade de expressar sua visão sobre suas próprias vidas e sobre o
futuro e, por terem compartilhado essa experiência, de desenvolver
o tipo de solidariedade e inspiração que ajudaram a abrir o caminho
para a mudança. As fotografias e conversas ajudaram-nas a criar no-
vas realidades, realidades que possibilitaram novas visões e novos
planos para o futuro. Para essas mulheres, o resultado foi uma maior
esperança com relação ao que poderiam vir a ser.

87
Construcionismo Social

O desabrochar dos métodos da pesquisa social


Estes quatro desafios – romper as fronteiras entre as discipli-
nas; avaliar as funções societais; incentivar os métodos múlti-
plos; expandir formas de expressão – são relevantes em todas
as áreas de produção de conhecimento. Como se pode imagi-
nar, as ideias construcionistas exerceram maior impacto nas
ciências sociais e humanas do que nas ciências naturais. Nas
ciências sociais e humanas, novas práticas de pesquisa pude-
ram florescer. Ilustraremos uma série desses desdobramentos,
abordando especificamente as explorações pertinentes ao es-
tudo da narrativa, à análise do discurso, à etnografia e à pes-
quisa-ação.

Narrativas do Eu
Na pesquisa tradicional, o cientista social observa e tira con-
clusões sobre os outros, seus motivos, problemas, hábitos, rela-
ções, e assim por diante. Por sua vez, o construcionista pergunta:
“Por que não permitir que as pessoas falem por si próprias? Será
que os sujeitos de nossos estudos nos autorizam a falar por eles?
Acaso sabemos se concordam com as nossas conclusões?” Ao in-
vés de escrever a respeito delas, por que não permitimos que elas
mesmas retratem suas próprias vidas?
Um importante meio para dar aos sujeitos das pesquisas o
direito a se expressar consiste nos métodos narrativos. Talvez
você se recorde de nossa discussão sobre narrativas nos capítu-
los precedentes. Neste caso, os pesquisadores possibilitam que
as pessoas contem suas próprias histórias. Podem, por exemplo,
colecionar histórias de vida, analisar autobiografias ou localizar
cartas em arquivos históricos. Assim, a pesquisa narrativa tem

88
A pesquisa como prática de construção

sido usada para propiciar novas percepções sobre questões como


envelhecimento, imigração, criminalidade, uso de drogas, “sair
do armário” e muito mais. São histórias importantes não apenas
porque nos dão uma ideia das realidades vivenciadas por outras
pessoas, mas também porque nos permitem ver a vida a partir
de seus pontos de vista.

enfrentando o mito fundador dos grandes feitos


Para exemplificar uma abordagem narrativa em ação, trazemos a
pesquisa de Mary Gergen sobre as autobiografias de grandes rea-
lizadores americanos. Autobiografias de líderes nas áreas de negó-
cios, das ciências, das artes e dos esportes sugeriam que a vida desses
homens parecia dominada pelo que costuma se denominar “mito
fundador”, ou seja, o antigo mito de um homem que parte numa
missão ou numa busca (matar o dragão, derrotar um inimigo) para,
em seguida, ressurgir como herói iluminado e vitorioso. Esse mito
funciona aparentemente como um recurso para os homens, ofere-
cendo um modelo básico que orienta suas vidas. Ao mesmo tempo,
ao examinar autobiografias de mulheres realizadoras, a pesquisadora
encontrou poucas evidências de mito fundador. Em vez disso, as mu-
lheres realizadoras pareciam ser contadoras de histórias medío­cres,
frequentemente descrevendo relacionamentos importantes para elas,
mas sem relação com suas carreiras. Mary Gergen queria saber se a
ausência de um mito fundador na vida das mulheres poderia explicar
por que as mulheres tinham menor probabilidade de serem grandes
realizadoras. Ou ainda, se não era possível que o modelo comum de
narrativa fosse muito limitado para abranger as atividades das mu-
lheres contemporâneas. Além disso, considerando um mundo onde
as relações são essenciais em tudo o que acontece, a pesquisa interro-
gava se o mito fundador seria uma boa forma narrativa para orientar
a vida de nossos jovens ou uma “camisa de força”. Esta também é uma
questão de valor, e homens e mulheres muitas vezes têm pontos de
vistas diferentes neste sentido.

89
Construcionismo Social

Estudos sobre o discurso


O influente teórico francês Michel Foucault explicou como vá-
rias comunidades, científicas, religiosas, de governo ou outras, pro-
duzem regimes disciplinares. O regime disciplinar é um conjunto
de regras que aprendemos e que regulam nossa conduta e nossa
expressão. Quando absorvemos uma disciplina, aprendemos a nos
comportar de uma determinada forma e não de outra. Ao invés de
termos outras pessoas vigiando nossos movimentos, aprendemos
a nos policiar para não fazer coisas que possam ser consideradas
tolas, repugnantes ou más. Contudo, as disciplinas também criam
uma certa cegueira para tudo o que está fora delas; as disciplinas
simplesmente impedem outras possibilidades, e levam à desqualifi-
cação daqueles que se encontram do lado de fora. Influenciados por
esses argumentos, muitos pesquisadores construcionistas vêm sen-
do atraídos pela análise do discurso e de seu impacto na sociedade.
Esses pesquisadores estão particularmente interessados em
saber como as formas que usamos ao falar ou escrever modelam
nossos padrões de vida. De que forma as palavras que usamos nos
convidam a seguir um rumo e nos cegam para outros? Os analis-
tas do discurso desejam elucidar as linguagens segundo as quais
vivemos, não apenas porque sejam interessantes, mas porque pre-
tendem estimular a mudança social. Pretendem desafiar e colocar
em xeque os mundos aceitos como verdadeiros para que possa-
mos ser livres e agir de forma diferente. Por exemplo, quando ob-
servamos a distinção tida como verdadeira entre heterossexual e
homossexual, ou gay e não-gay, começamos a perceber o quanto
essas categorias são limitadas. Classificamos um complexo mundo
de relacionamentos sexuais em duas categorias exclusivas, mesmo
sabendo que a vida sexual das pessoas é, muitas vezes, bem mais

90
A pesquisa como prática de construção

complexa. Ao examinar o discurso comum com maior cuidado e


de maneira mais crítica, somos levados a reconsiderar nossas for-
mas de vida e a buscar novos caminhos. No caso da sexualidade,
podemos começar criando novos termos, como metrossexual, po-
lissexual, LUG*, bissexual, e assim por diante, que abrem as portas
para novos modelos de vida cultural. Na opinião de muitos pes-
quisadores, o foco das análises do discurso é a liberação.

“estou velho demais para isso...”,


uma explicação assassina
Havia escassez de enfermeiras no estado de Illinois, e o sociólogo
Chris Bodily se pôs a campo para estudar por que enfermeiras com
mais de 50 anos de idade não estavam trabalhando e nem pareciam
interessadas em voltar ao trabalho. Analisando mais de mil respostas,
o sociólogo ficou impressionado com a fre­quência com que se indi-
cava o fator da idade como razão para o afastamento. Comentários
como “pela minha idade...” ou “seria impossível na minha idade...”
foram usados como se o fato de não continuarem trabalhando fosse
simplesmente óbvio. Como destaca Bodily, não há nada com relação
ao número de anos vividos por uma pessoa que impeça a atividade
contínua. Usando discursos parecidos, as pessoas dizem, “Estou ve-
lho demais para correr”, “para jogar tênis” ou “para ter um romance
com alguém”. No entanto, a pesquisa sugere que o declínio da aptidão
física é resultante da diminuição da atividade física e não o contrário.
De fato, o nosso potencial físico não declina drasticamente porque
envelhecemos; pelo contrário, com a idade, ocorre o declínio físico
principalmente porque deixamos de ser ativos. Mantendo níveis de
atividade, as pessoas mais velhas podem fazer baixar a pressão san-
guínea, reduzir a ansiedade, melhorar os padrões de sono, fortalecer
os ossos, melhorar a resistência cardiovascular e se tornar mais sau-
dáveis e mais fortes. A aceitação do discurso comum, “Estou velho
demais...”, pode ser o convite a uma morte prematura.

*  LUG – Lesbian Until Graduation, termo utilizado para designar mulheres que vivem experiências
homossexuais enquanto estão na escola ou na faculdade, mas depois assumem uma identi-
dade heterossexual.

91
Construcionismo Social

Mundos vividos: aventuras etnográficas


O objetivo de muitas pesquisas tradicionais é estabelecer um
conjunto de teorias ou de princípios abstratos na esperança de
poder prever o comportamento humano. Para muitos constru-
cionistas, as teorias abstratas parecem distantes da vida cotidiana
e insensíveis às mudanças que ocorrem ao longo do tempo. Além
disso, nunca se sabe como, quando e onde um conceito abstrato
se aplica à determinada situação. O resultado é que muitos pes-
quisadores sociais abandonaram as teorias abstratas para favore-
cer a pesquisa etnográfica – estudos que elucidam a vida de vários
grupos de pessoas. O raciocínio é que ao conseguirmos entender
como outras pessoas vivem e constroem seus mundos, amplia-
mos nossos próprios horizontes, nossas apreciações e nosso po-
tencial de vida. Como consequência, verificou-se uma prolifera-
ção dos métodos etnográficos.
Indiscutivelmente o estudo da etnografia não é novidade na
esfera das ciências sociais, embora inicialmente esse tipo de in-
vestigação tenha se desenvolvido na antropologia. Os pesquisa-
dores costumavam viajar para terras distantes e viviam em meio
a comunidades tribais. Estudaram os habitantes das ilhas Tro-
briand, os balineses, os minangkabau e assim por diante. Com
o desaparecimento das culturas “exóticas” intocadas pelo mundo
ocidental, verificou-se uma mudança de orientação para as várias
subculturas nas sociedades modernas. Os sociólogos frequente-
mente se reuniam com os antropólogos a fim de estudar peque-
nas comunidades étnicas, cultos religiosos, profissionais do sexo,
fisiculturistas, gangues de motoqueiros, todos grupos relativa-
mente inacessíveis à cultura geral.

92
A pesquisa como prática de construção

O estudo da etnografia atrai grandemente muitos construcio-


nistas, não apenas porque ilumina construções alternativas do
mundo, mas também por não exigir o tipo de manipulação e
enganação que frequentemente acompanha os experimentos la-
boratoriais. Por outro lado, as ideias construcionistas também es-
tão abrindo novos horizontes para a etnografia. Vejamos dois dos
mais interessantes desenvolvimentos:
• Etnografia colaborativa. Cada vez mais os pesquisadores
se perguntam: “O que me dá o direito de repassar infor-
mações sobre outras pessoas e traduzir suas vidas através
das minhas palavras? Por que as pessoas não podem ter
o direito de se definir elas próprias para os outros?” Esta
reflexão estimulou muitos pesquisadores a buscar meios de
trabalhar de forma colaborativa com as pessoas que preten-
dem estudar. Por exemplo, há muitos anos, James Scheuri-
ch, um colega do Texas, se interessou em dar expressão à
experiência dos imigrantes mexicanos em seu estado. Ele
conseguiu a colaboração de dois alunos de pós-graduação
oriundos de famílias mexicanas que se puseram a criar um
“happening” de pesquisa para o qual algumas pessoas fo-
ram convidadas a apresentar performances audiovisuais,
estéticas e intelectuais. Vários imigrantes compartilharam
suas histórias por escrito, em fitas K-7, fotografias e slides.
As apresentações, com música e poesia, incluíram a parti-
cipação do público presente. O objetivo era apresentar uma
experiência polivocal em que não houvesse um tema cen-
tral ou uma metáfora dominante. Não houve uma única
apresentação de imigrante mexicano, e os visitantes, cada
um de sua maneira particular, puderam entrar em sinto-
nia com os eventos. A ênfase no potencial construtivo de
cada espectador/participante evitou uma possível rejeição,
que uma apresentação univocal poderia suscitar. Através
das apresentações, pôde-se demonstrar que não existe uma
compreensão simples e única da vida dos outros.

93
Construcionismo Social

• Autoetnografia. Os pesquisadores vêm se questionando


cada vez mais: “Por que devo dar informações sobre a vida
dos outros se eu nunca vivenciei o que eles vivenciaram?”
Este tipo de reflexão estimulou o desenvolvimento da au-
toetnografia, ou seja, a revelação das experiências pessoais
de vida para elucidar uma determinada subcultura. Assim
Carol Rambo Ronai, por exemplo, escreveu sobre suas ati-
vidades como dançarina erótica e lutadora em ringue de
lama num “Clube para Cavalheiros”. Sua autoetnografia é
ao mesmo tempo reflexiva e descritiva do sentido de si, dos
vínculos relacionais com as colegas, seu patrão, o público
e a atmosfera do clube que envolve esse tipo de profissão.
Sua história é, ao mesmo tempo, repleta de drama, tensão
emocional, violência, entusiasmo sensual e transgressão. O
intuito de Carol, como dançarina e como estudiosa, é mais
o de fazer com que o leitor conheça as experiências de uma
dançarina nesse tipo de estabelecimento do que qualquer
retrato menos emocionante e com menor envolvimento:
Assim que Kitty foi declarada vencedora e saiu do
ringue, dei-lhe uma palmada no traseiro. Ela olhou para
mim, cansada, e me ignorou. Dessa vez, dei-lhe outra
palmada com força. O som do tapa reverberou pela sala.
A plateia se inflamou... Kitty avançou e saltou para cima
de mim. A plateia delirava. Para enfatizar o fato de que
ela havia sido a vencedora, sentou-se sobre o meu tórax
com seus braços erguidos, num gesto de vitória. Esgo-
tada e humilhada... fui ao camarim para me trocar...
Minhas emoções eram uma colagem de momentos de
calma pontuados por acessos de choro... A realidade vi-
brava com o zumbido das máquinas no prédio e amea-
çava me atacar por todos os lados. Desesperada, procurei
me ocupar com qualquer outra coisa, sufocando o medo
com uma calma artificial. (p. 119-120)

94
A pesquisa como prática de construção

Criando novos mundos: pesquisa-ação


Uma das mais gritantes diferenças entre o tipo de pesquisa pre-
ferida pelos tradicionalistas e pelos construcionistas reside nos pon-
tos de vista contrastantes com relação à mudança pessoal e social. A
pesquisa tradicional tende a pressupor um alto grau de estabilidade
na conduta humana. Os pesquisadores dirigem seu foco, por exem-
plo, aos processos cognitivos, à liderança, às diferenças étnicas ou
à estrutura social como se fossem coisas estáveis e duradouras. Ba-
seando-se principalmente nas teorias neurológicas e evolutivas, os
psicólogos muitas vezes supõem que as descobertas recentes sejam
válidas para todos os tempos e culturas. Em contrapartida, os cons-
trucionistas ressaltam o potencial para a mudança do ser humano
porque percebem como as formas da vida cultural são sustentadas
por significados e valores compartilhados; mudando os discursos e
os valores, a vida cultural pode mudar drasticamente. A rápida as-
censão do Maoísmo na China, a deterioração da União Soviética, o
colapso do Apartheid na África do Sul e o surgimento do terrorismo
mundial são alguns exemplos. Se a pesquisa de ontem ainda será
útil amanhã é uma questão que continua sempre em aberto.
A partir deste ponto de vista, os pesquisadores estão sendo cada
vez mais atraídos pela possibilidade de usar a pesquisa não com o
propósito de registrar a trajetória do passado para prever o futuro,
mas para criar imediatamente novos futuros. A pesquisa-ação se de-
dica a esta finalidade. Originada na década de 1970, a pesquisa-ação
compartilhou muito do fervor intelectual e político da época. Esses
pesquisadores não ficavam reclusos em seus laboratórios estudando
pessoas e animais para publicar artigos em revistas especializadas
ou para obter ganhos a longo prazo pelos resultados científicos. Eles
saíram a campo e ofereceram seus serviços aos mais necessitados.
Tinham, particularmente, a ­esperança de que as pesquisas pudes-

95
Construcionismo Social

sem ajudar a libertar as pessoas das condições políticas e econômi-


cas opressivas e a gerar novas possibilidades de vida para elas. Esta
forma especial de compromisso com a pesquisa cresceu ao longo
dos anos, principalmente na Grã-Bretanha, na Escandinávia e na
América do Sul. No final da década de 1990, foi realizado na cidade
de Cartagena, Colômbia, um Simpósio Mundial de Pesquisa-Ação
em que se reuniram 2.000 delegados de 61 países. Atualmente, os
principais objetivos da pesquisa-ação incluem o alívio do sofrimen-
to, o estabelecimento da justiça, a redução de conflitos e o aprimo-
ramento do processo democrático. A pesquisa-ação é utilizada em
diversas práticas, incluindo o desenvolvimento organizacional, a
educação, o desenvolvimento comunitário e as terapias.

Pesquisa-ação em ação
Um centro de ajuda social a meninos e jovens moradores de rua
em Ottawa, no Canadá, vinha passando por uma crise. Alguns acre-
ditavam que o centro precisava de mais infraestrutura e de mais re-
gras, enquanto outros pensavam que um maior número de orienta-
dores e de funcionários seria fundamental. Outros ainda cogitavam
que o centro deveria ser fechado a fim de dissuadir os “moleques”
de ficarem vadiando pelas redondezas. O centro era mantido por
uma agência municipal de atendimento à juventude, que decidiu
primeiro estudar o que poderia ser feito para depois iniciar a refor-
ma. Entretanto, ao invés de usar o método tradicional de estudar a
distância e anunciar os resultados, escolheu-se a pesquisa-ação. Os
pesquisadores desenvolveram um sistema de parceria com os jovens,
na expectativa de que eles participassem de forma ativa para criar
outros futuros dentro do centro. Os pesquisadores e os facilitadores
do centro auxiliaram o processo. A equipe de pesquisa consistia de
seis jovens, dois facilitadores e um pesquisador externo.

96
A pesquisa como prática de construção

O primeiro passo da pesquisa-ação, o processo de formação


da equipe de trabalho, requeria que os jovens viessem a conhecer
e a confiar não apenas no processo, mas nos adultos envolvidos.
O objetivo era avaliar o centro, fazer um diagnóstico e recomen-
dações à agência e ajudá-lo a proporcionar um melhor serviço
a seus clientes. Todas essas metas foram atingidas num período
de 18 meses de lutas e sucessos. Ao apropriarem-se do proces-
so, os meninos de rua se engajaram completamente e puderam
fazer avaliações do centro cuja importância foi vital. Eles se en-
volveram em atividades criativas com os adultos e chegaram a
preparar um “pacote” que se tornou a base das apresentações para
grupos de fora e para os outros jovens. Embora o conteúdo deste
pacote se baseasse em dados consistentes, as apresentações eram
calorosas, coloridas e cheias de vida e de humor. Por meio desse
empenho coletivo, o centro se transformou num aspecto vibrante
na vida dos jovens e contribuiu significativamente para o futuro
autossustentável da instituição.

Foco do capítulo

A introdução das ideias construcionistas nas comunidades de pes-


quisa promove a autorreflexão, o entusiasmo e a inovação. Atualmen-
te, as ciências sociais encontram-se num estado de extraordinária
transformação e o futuro está longe de estar decidido. As ideias cons-
trucionistas favorecem o pluralismo, ou seja, múltiplas vozes, méto-
dos e valores. Dentre as formas de pesquisa que descrevemos aqui
estão o estudo da narrativa, a análise do discurso, a etnografia e a
pesquisa‑ação. Cada uma delas enfatiza uma abordagem construcio-
nista para ampliar a compreensão das realidades sociais e auxilia para
que a mudança efetivamente ocorra no âmbito das comunidades en-
volvidas. No entanto, com o pluralismo fluindo livremente, também
preparamos a cena para associações e colisões criativas. Com sorte,
as transformações irão continuar.

97
Capítulo 5

Da crítica à
colaboração
Para muitas pessoas, as ideias construcionistas são profundamente
preocupantes, pois vão questionar realidades e valores centrais da
vida cotidiana sem oferecer uma lista precisa de alternativas. Uma
vez que as ideias construcionistas minam as reivindicações de ver-
dade, objetividade e certeza, elas acabam exercendo também um
papel central nas assim chamadas “guerras culturais”. Neste caso, os
críticos questionam a possibilidade de cada subcultura ter direito a
suas próprias verdades e valores. As ideias construcionistas também
contribuíram de maneira significativa para “a guerra das ciências”,
pois os críticos não aceitam que a verdade científica seja apenas
uma entre muitas outras. Assim, podemos verificar que o constru-
cionismo tem sido severamente criticado em vários setores.
Neste capítulo levantaremos algumas das linhas centrais des-
sas críticas, procurando oferecer respostas convincentes às mes-
mas. No entanto, precisamos estar atentos tanto à forma quan-
to ao conteúdo de nossas respostas. Se fosse o caso de estarmos
comprometidos com uma única verdade, forma de raciocínio ou
conjunto de valores, talvez tentássemos demonstrar que as críti-
cas estão simplesmente equivocadas, tendo incorrido em algum
erro fundamental. Contudo, de um ponto de vista construcionis-
ta, erros fundamentais não existem. Não precisamos entrar numa
luta para garantir que as perspectivas construcionistas prevale-
çam sobre todas as outras. Em vez disso, podemos usar a críti-
ca como convite ao diálogo e a possíveis colaborações das quais

99
Construcionismo Social

possam emergir novos entendimentos, percepções ou perspecti-


vas. Por isso, buscamos respostas que não acusem ou alienem o
formulador da crítica e, sim, respostas que possam nos aproximar
para criar o “novo”. Trataremos aqui de três críticas comuns: a
crítica do niilismo, do realismo e do relativismo moral.

Do niilismo* a realidades mais ricas


Muitas pessoas ficam alarmadas com o modo pelo qual as ideias
construcionistas vão minando todas as crenças; queixam-se de
que, segundo o construcionismo, não se pode mais confiar na
ciência para conhecer a verdade, já que a ciência é apenas uma
história entre muitas. Igualmente, todos os pressupostos da pró-
pria história, da política, da situação mundial, da religião etc., são
também apenas histórias. Será que isto não nos leva a um va-
zio niilista? Será que não existe nenhuma verdade, nada em que
possamos verdadeiramente confiar ou acreditar? E, se tudo o que
consideramos verdadeiro e bom for uma construção, não estarí-
amos sendo levados à apatia, eximindo-nos da responsabilidade
de questionar o futuro, ou pior, livrando-nos até mesmo de agir?
Podemos responder a esta acusação dizendo que os constru-
cionistas também têm simpatia por realidades confiáveis. Quem
não gosta de saber quando uma explicação é verdadeira em con-
traposição a uma outra, falsa? Não desejamos todos nos apegar a
promessas como “este remédio poder curar sua infecção”, ou “este
voo vai para São Francisco”? Queremos ter certeza também de
* Niilismo – Termo usado na maioria das vezes com intuito polêmico, para designar doutrinas que
se recusam a reconhecer realidades ou valores cuja admissão é considerada importante. Assim,
Hamilton usou esse termo para qualificar a doutrina de Hume, que nega a realidade substancial
(Lectures on Metaphysics, I, pp. 293-94); nesse caso a palavra quer dizer fenomenismo. Em
outros casos, é empregada para indicar as atitudes dos que negam determinados valores morais
ou políticos. Nietzsche foi o único a não utilizar esse termo com intuitos polêmicos, empregando-
-o para qualificar sua oposição radical aos valores morais tradicionais e às tradicionais crenças
metafísicas (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.)

100
Da crítica à colaboração

que os jornalistas e cientistas não vão deturpar as informações


que veiculam. Neste sentido, os construcionistas são bem pouco
niilistas. Há espaço aqui para uma criação colaborativa.
Imbuídos desse espírito, vamos considerar primeiramen-
te as implicações da queixa “É apenas uma construção social”.
Esta frase é bastante significativa porque nos apegamos à ideia
de que alguns relatos da realidade não são construções sociais, e
que alguns são mais “acertados” com relação ao mundo. Se aban-
donamos a visão de que algum arranjo especial de palavras foi
feito sob medida para o mundo tal como ele é, nos livramos da
maldição do niilismo, porque o construcionismo não significa
desistir de algo chamado verdade; em vez disso somos convida-
dos a enxergar todos os tipos de discurso da verdade como ori-
ginários das relações que têm lugar em determinadas condições
culturais e históricas. Isso não torna as declarações de médicos,
jornalistas ou pilotos de avião inverídicas ou não-confiáveis. Em
vez disso, sabemos que suas declarações podem ser muito úteis
em determinadas circunstâncias. Se estamos de acordo em nossas
construções sobre doença, sobre a vida ou sobre a morte, vamos
querer confiar nas afirmações médicas de cura; se concordarmos
com o significado de “voar para São Francisco”, confiaremos na
verdade das informações do comandante quanto ao nosso desti-
no. No âmbito de uma tradição, as declarações relativas à verdade
são fundamentais para que as coisas funcionem bem.
Uma vez estabelecida a importância das verdades locais, esta-
mos preparados para enfrentar duas outras questões importantes:
em primeiro lugar, existem razões para se querer resistir à tentativa
de qualquer grupo que pretenda que suas verdades locais sejam
universais ou que devam suplantar todas as outras. A história hu-
mana adquiriu enormes cicatrizes como resultado das tentativas de

101
Construcionismo Social

determinados grupos de impor sua verdade sobre os outros, seja


a respeito de um deus, da justiça, da raça pura ou da natureza do
mal. A questão é de fundamental importância, considerando-se as
atuais condições do mundo, quando várias crenças culturais são
lançadas em crescentes conflitos, e onde existe uma grande pre-
disposição da cultura ocidental a acreditar que suas verdades são
superiores às verdades de outras culturas. Se desejamos uma con-
vivência pacífica no planeta, é importante que nenhum grupo em
particular sinta-se no direito de aniquilar as vozes discordantes.
Igualmente importante é o fato de que, ao enfatizarmos as
vantagens de uma verdade local, atraímos ao mesmo tempo
explorações alternativas às nossas confortáveis visões sobre a
verdade e sobre o bom. Não se trata aqui de uma mera adver-
tência para não ultrapassarmos as fronteiras de nossas reali-
dades locais, porque também vamos ser estimulados a buscar
construções alternativas ao verificar que algumas construções
são extremamente úteis para aqueles que as desenvolveram.
Neste sentido, um cientista não precisa ignorar o espiritualis-
mo ou mesmo o criacionismo. Estes tipos de formulação de
verdade não estão disputando um estatuto científico, mesmo
porque são discursos que atendem a outros propósitos, ofere-
cendo um valor e um significado ao universo que a ciência não
pode suprir. Ao invés de condenar peremptoriamente aqueles
que participam das chamadas atividades “terroristas”, poderia
ser útil entrar em seu mundo de significado e compreender
como suas ações são justificadas no âmbito de suas comuni-
dades. Através de uma troca total e recíproca, talvez possamos
encontrar, juntos, meios para a cocriação de alternativas à ani-
quilação mútua.

102
Da crítica à colaboração

Além do realismo: corpos, mente e poder


Muito próximos aos que acusam o construcionismo de niilismo,
estão aqueles que argumentam que as ideias construcionistas não
contradizem fatos óbvios da vida. Este tipo de resistência é parti-
cularmente intenso em três setores.
Em primeiro lugar, existem os críticos que consideram que o
corpo humano é central para uma compreensão da vida social;
para eles, o corpo é uma realidade inescapável. A proposição mais
frequente é de que nosso corpo nos define, vivenciamos o mundo
através do corpo e, à medida que ele se modifica, muda também
o significado do mundo e do “eu” para nós.
Em segundo lugar, há os críticos que consideram de importância
central o mundo particular da mente. Pois não é certo que usamos
as nossas mentes para interpretar nossas experiências do mundo, e
que nossas emoções e pensamentos influenciam o que fazemos?
Finalmente, muitos cientistas sociais criticam a falha dos cons-
trucionistas ao lidar com as óbvias desigualdades de poder entre
os grupos sociais. Segundo esses críticos, se não confrontarmos
as diferenças de poder, não poderemos aliviar as condições de
opressão sob as quais tantas pessoas vivem. Se as relações de po-
der não forem incluídas como questão central em nossa análise,
estaremos implicitamente apoiando o “status quo”; se, por exem-
plo, a pobreza, a opressão, a fome e o genocídio forem somente
construções, não há motivação para agir.
Geralmente essas críticas se intitulam realistas, pois pretendem
se ater a afirmações de realidade específicas; também são chamadas
de essencialistas, pois declaram que algo como o corpo, a mente ou
o poder constitui um aspecto essencial ou inegável do mundo, que

103
Construcionismo Social

antecede a linguagem. Certamente são críticas importantes por-


que, afinal, quem gostaria de deixar de lado a preocupação com
o corpo, com a mente ou com as estruturas de dominação e de
injustiça social? Mas, antes de considerarmos outras maneiras de
poder colaborar com essas preocupações, é importante destacar
um mal-entendido fundamental que volta e meia acompanha es-
sas críticas. Em primeiro lugar, as ideias construcionistas funcio-
nam basicamente no que se poderia chamar de metanível. Ou seja,
são construções que se ocupam da forma como compartilhamos
os conceitos comuns do real e do bom. Por exemplo, procuramos
explicar como passamos a entender o nosso corpo como uma
“máquina” em vez de entendê-lo como um “vasilhame sagrado”.
As ideias construcionistas preocupam-se com o conceito ociden-
tal da mente e as formas pelas quais este conceito difere do de
outras culturas. Também apontam para as várias maneiras pelas
quais o poder é construído e as vantagens ou desvantagens vincu-
ladas a cada um dessas maneiras. Com efeito, os construcionistas
procuram entender a nossa compreensão e, ao fazê-lo, oferecem um
conjunto de ferramentas ou discursos que podem ser usados para
vários fins. Talvez você se recorde da metáfora do construcionis-
mo como um grande guarda-chuva sob o qual todas as formas
de construção de realidade podem ser consideradas, inclusive a
aparente realidade criada pelo próprio construcionismo.
Infelizmente, os críticos muitas vezes confundem uma cons-
trução de metanível com uma pretensão do construcionista de
acessar a real verdade sobre o mundo. De acordo com os críti-
cos, se deixarmos de fora o corpo, a mente ou o poder, estaremos
cegos ao real. Mas esta é uma compreensão equivocada. Quan-
do pensamos em metanível, esperamos simplesmente ampliar a

104
Da crítica à colaboração

c­ onsciência dos possíveis, adotar uma orientação para o sentido e


para o conhecimento, e não gerar uma “nova verdade”. Ao contrá-
rio, sob o guarda-chuva construcionista, queremos considerar ou-
tras realidades. Neste contexto, movimentando-nos sob o guarda-
-chuva vamos trabalhar em colaboração com os proponentes do
corpo, da mente e das relações de poder. Identificamos, para tanto,
três opções principais para trabalhar juntos de maneira criativa.

1.  Juntar-se à produção da realidade


A metateoria construcionista não exige qualquer via de
mão única para entender o mundo, e, assim sendo, somos li-
vres para explorar os potenciais de qualquer outra perspec-
tiva existente. Seguramente, a maioria de nós trata o corpo
e a mente como partes da realidade cotidiana, e não se faz
qualquer exigência ao construcionista (ou a qualquer pessoa)
com relação a interromper tais práticas. Embora estejamos
profundamente engajados nas ideias construcionistas, nós os
autores participamos de bom grado de conversas a respeito do
corpo e da emoção. Esses são aspectos de suma importância
para que possamos efetivamente existir em nossas relações.
Prontamente nos associamos à construção desta realidade.
Por outro lado, isso não significa abandonar as ideias cons-
trucionistas. Envolver-se com as realidades locais não significa
se desfazer do construcionismo, da mesma forma que apreciar
a música de Mozart não significa abandonar sua paixão pelo
“blues”. Igualmente, as ideias construcionistas podem ser extre-
mamente úteis quando falamos do corpo, da mente e do poder.
Muitos acadêmicos, por exemplo, estão preocupados com a
opressão e a injustiça no mundo e estão comprometidos com a
mudança do que interpretam como estruturas de poder. Esses
mesmos acadêmicos voltam-se para as premissas construcionis-
tas para desmontar realidades impostas de cima para baixo pelas
autoridades oficiais; mostram como uma declaração “oficial” de
um fato é sempre uma construção ideológica que deveria ser con-

105
Construcionismo Social

testada. Será que a capacidade de usar ambos os discursos, tanto


o construcionista quanto o realista, não nos beneficiaria a todos?
Para participar das conversas cotidianas é de suma importância
compartilhar conversas de “realidade” com outras pessoas.

2.  Explorar juntos os limites


Embora a conversa cotidiana seja caracteristicamente rea-
lista (real para nós, no momento), o construcionismo também
nos leva a considerar juntos os limites de nossa linguagem. Por
exemplo, o discurso de poder é importante para nos motivar
em nossa luta por justiça. Na tradição ocidental, praticamente
não conseguimos tolerar a ideia de que outras pessoas con-
trolem nossas ações e vivam comodamente às custas de nossa
escravidão. Entretanto, esta visão de poder também traz em-
butida a discórdia, pois promove os outros (os “poderosos”)
a vilões, favorecendo uma postura agressiva segundo a qual
os vilões devem ser obrigatoriamente vencidos. Nós temos
o poder agora! Naturalmente, quando aqueles que isolamos
como “poderosos vilões” tomam conhecimento da nossa in-
satisfação, estes assumem uma postura defensiva acreditando
que têm boas razões para fazer isso e pressupondo que nosso
objetivo não é apenas destruí-los, mas destruir também tudo
de bom que criaram. Em pouco tempo, encontramo-nos em
campos opostos, armados e separados, e as possibilidades de
trabalharmos de maneira colaborativa por uma sociedade jus-
ta passam a ser ínfimas. Portanto, ao participarmos de con-
versas cotidianas, procuramos estar cientes de suas limitações.

3.  Criar juntos novas visões


A exploração dos limites leva naturalmente a uma opção
final, que é a de trabalharmos juntos para criar novas e pos-
sivelmente mais viáveis formas de entendimento e de ação.
Consideremos mais uma vez o conceito de poder; porém, ao
invés de ver o poder como uma estrutura piramidal, onde os
maus estão no topo e os bons na base, poderíamos pensar no

106
Da crítica à colaboração

poder emergindo das relações existentes. Se um número de


pessoas começa a compartilhar as mesmas opiniões e valores,
elas tenderão a se organizar para desenvolver um sentido de
união, para propor programas e planos e, por fim, para poder
alcançar suas metas de maneira eficiente. Em resumo, criarão
um centro de poder. De acordo com esta perspectiva, podem
existir vários centros de poder, que poderão mudar à medi-
da que as conversas evoluem. Ao vermos o poder distribuído
desta forma, podemos entender a mudança social como um
trabalho em conjunto com vários e diferentes grupos, que,
sem dúvida, vão incluir muitas daquelas pessoas que, de ou-
tra forma, seriam consideradas como os inimigos lá em cima.
Imaginem uma empresa que criasse um fórum para que cada
pessoa, cada departamento, cada nível hierárquico, pudesse
conversar sobre esperanças e sonhos com relação à própria
organização. Imaginem também uma comunidade ou uma
municipalidade que abrisse um diálogo convidando cada ci-
dadão – jovens e idosos, ricos e pobres – a compartilhar suas
esperanças e sonhos para o futuro. O construcionismo não
abandona as tradições de significado, mas estimula passos em
direção a uma reciprocidade mais viável.

Além do relativismo moral


Uma última e costumeira crítica ao construcionismo social apon-
ta para o que parece ser uma debilidade moral. Segundo esta
proposição, o construcionismo parece destruir os fundamentos
de todas as perspectivas morais sem substituí-las por ideais pró-
prios. Os construcionistas frequentemente propõem que todos
os pressupostos dos padrões éticos ou dos princípios religiosos
são produzidos dentro de comunidades específicas. Neste senti-
do, esses padrões e princípios não são outorgados por qualquer
autoridade divina, tampouco são racionalmente necessários ou
universalmente vinculantes. Os críticos manifestam seu pesar

107
Construcionismo Social

afirmando que, desta forma, todos os princípios morais parecem


ser iguais; como os construcionistas vão poder dizer que bondade
é melhor do que crueldade, ou que a diplomacia seja preferível
ao genocídio? Acabaríamos caindo numa posição de “tanto faz,
quanto tanto fez”.
Naturalmente, ninguém deseja ver seus padrões do bem des-
truídos. Acaso não temos todos nós preferência por determi-
nados estilos de vida? Será que algum de nós gostaria de ver a
brutalidade humana ser colocada no mesmo nível de qualquer
outra forma de tratamento das pessoas? Os construcionistas
fazem parte da sociedade tanto quanto qualquer outra pessoa,
e, neste sentido, também contribuem e investem em diversas
visões do bem. O construcionismo não instiga as pessoas a
abandonar as suas perspectivas morais, pois isso nos levaria a
deixar de lado todas as tradições. Ao contrário, o construcionis-
mo nos convida a apreciar as visões locais e a estar atentos para
quem quiser destruí-las. Sem dúvida, para muitos intelectuais
foi precisamente o entendimento das ideologias morais como
construções humanas que lhes permitiu que se pronunciassem a
respeito. Para as feministas, ativistas de minorias raciais, ativis-
tas dos direitos dos homossexuais, para os grupos de pacientes
da saúde mental, deficientes auditivos e de outras minorias, as
ideias construcionistas têm sido concessoras de poder. O cons-
trucionismo promove o questionamento aberto do “status quo”
e busca a legitimação de pontos de vista que, de outra forma,
estariam marginalizados.
Uma vez que tanto os construcionistas quanto seus críticos
têm interesse em alguma forma de vida moral, o desafio consis-
te em encontrar um denominador comum para construir um

108
Da crítica à colaboração

futuro viável. Essa conversa poderia muito bem começar com


a seguinte pergunta: “Será que queremos realmente conceder
a qualquer grupo o direito de declarar seu sistema moral como
sendo universal e impô-lo ao resto do mundo?” Como o mundo
é constituído de várias orientações morais, a resposta provavel-
mente será negativa, pois sabemos que as culturas visivelmente
discordam quanto à exata natureza do bem. A discussão sobre
se crianças de 8 anos deveriam ou não trabalhar numa fábrica
de tapetes para ajudar no sustento de suas famílias está aberta
a argumentações dos dois lados; se Israel deveria se retirar do
território palestino ou construir um muro para manter os pa-
lestinos fora de seu território também é uma questão que gera
controvérsia de todos os lados; se o presidente americano de-
veria ter o poder de alterar a Convenção de Genebra com re-
lação a proteger os prisioneiros da tortura quando existe uma
ameaça terrorista também é um assunto altamente polêmico.
As tradições de quem deveríamos destruir? A tirania de quem
deveríamos aceitar?
Nesse sentido, nossos problemas não se devem à falta de
valores morais das pessoas; todos estamos inseridos em tradi-
ções que valorizam certas ações enquanto condenam outras.
O maior desafio reside na abundância de “bens morais” e na
tenacidade com a qual nos prendemos a eles. Aqui, as ideias
construcionistas começam a contribuir de forma significativa.
Se todos os “bens morais” se originam das tradições de relação,
precisamos primeiro reconhecer a inevitabilidade da diferença,
não somente a que reside dentro de nossas tradições, mas tam-
bém aquelas que vão surgindo todos os dias. Além disso, sendo
os valores morais construções culturais, não devemos discutir a

109
Construcionismo Social

respeito de qual é o sistema superior ou o melhor. A busca pelo


melhor código moral não é diferente da busca pelo melhor gê-
nero de música ou pela melhor culinária como preparação para
eliminar todos os outros. Para o construcionista, pelo contrário,
o desafio é essencialmente pragmático. Se não quisermos que
as pessoas nos imponham suas visões com relação ao bem, ou
não quisermos que os conflitos terminem em genocídio, deve-
mos em conjunto dar início a novas investigações. Precisamos
nos unir para considerar outros meios práticos de lidar com os
conflitos de valor. Devemos localizar ou criar práticas eficazes
para amenizar as diferenças, cruzando fronteiras e estabelecen-
do novas relações.
Mais uma vez, os construcionistas podem oferecer contri-
buições significativas, pois, como vimos nos capítulos anterio-
res, as ideias construcionistas incentivaram uma diversidade
de práticas para melhorar a coordenação entre as pessoas, para
reunir diferentes indivíduos em prol de uma causa comum e
para minimizar as diferenças entre adversários. Num sentido
mais amplo, todas essas práticas possibilitam que as pessoas
deem um passo além de um único compromisso moral, da úni-
ca crença Verdadeira, e possam conviver com a multiplicidade.
Essas práticas nos conduzem, no melhor sentido, para além da
mera tolerância, para uma apreciação do mundo plural, diver-
so. Isto não significa uma posição de relativismo indolente. Em
vez disso, seremos todos reciprocamente transformados, e es-
tas transformações nos proporcionarão novas formas de vida
que favoreçam uma convivência melhor. Estamos hoje apenas
começando a desenvolver as formas de prática necessárias. O
futuro está agora em nossas mãos.

110
Da crítica à colaboração

Foco do capítulo

Neste capítulo levantamos as críticas relativas do niilismo, realismo e


relativismo moral e procuramos responder a cada uma delas. Se exis-
te um problema abrangente com relação à maioria das críticas contra
o construcionismo, ele consiste numa visão obsoleta da Verdade. De
maneira geral, os críticos abordam as ideias construcionistas como
se fossem candidatas à verdade universal. Os críticos do construcio-
nismo acreditam que aceitá-lo como Verdadeiro significa que toda
e qualquer outra pretensão ao conhecimento seja falha ou falsa. En-
tretanto, como procuramos demonstrar, as ideias construcionistas
desafiam a hipótese de que exista uma verdade transcendente. Para
os construcionistas, a linguagem é usada pelas pessoas para realizar
coisas em conjunto. Quanto mais ricas forem as nossas conversas e
diálogos, maiores serão nossas aptidões para a coordenação humana.
Não estamos aqui declarando que as ideias construcionistas sejam
Verdadeiras, mas que o construcionismo promove novas formas de
entendimento e de ação. A questão importante refere-se às suas im-
plicações para nosso futuro. A nosso ver, trata-se de um discurso de
magnífica utilidade, pois oferece um convite único à multiplicidade
e à inovação. O construcionismo propicia a esperança de uma forma
de diálogo que se constrói entre todos, em prol da constante inte-
gração, da invenção de formas de vida e da substituição do confli-
to mortal pela comunhão que proporciona vida. Esperamos que, ao
longo da leitura deste livro, os leitores tenham podido apreciar esses
potenciais.

111
Referências bibliográficas

Capítulo 1: O cenário da construção social


Berger, Peter; Luckmann, Thomas. The Social Construction
of Reality. Nova York: Doubleday, 1966. (Primeiro livro de ciên-
cias sociais que articulou a noção do construcionismo social. Sua
ênfase foi, todavia, colocada nas estruturas sociais e nos processo
cognitivos com o objetivo de gerar significado, contrastando com
nossa ênfase nas pessoas em relação).
Gergen, Kenneth J. An Invitation to Social Construction.
Thousand Oaks, CA; Londres: Sage, 1999. (Oferece uma intro-
dução mais extensa às ideias do construcionismo social e suas
implicações na pesquisa e na prática).
Gergen, Mary; Davis, Sara n. (eds.). Toward a New Psychology
of Gender. Nova York: Routledge, 1997. (Inclui discussões sobre o
construcionismo social e sua relação com o pensamento feminista).
Gergen, Mary; Gergen, Kenneth J. (eds.). Social Construc-
tion: A Reader. Londres: Sage, 2003. (Uma coletânea de contri-
buições clássicas e contemporâneas para a teoria do construcio-
nismo social e sua prática).
Potter, Jonathan. Representing Reality. Londres: Sage, 1996.
(Esta obra sofisticada dá uma ênfase especial ao uso do discurso
na construção do entendimento humano).
Sarbin, Theodore; Kitsuse, John (eds.). Constructing the So-
cial. Londres: Sage, 1994. (Coletânea de interessantes contribui-
ções à construção social de nossos mundos comuns).

112
Referências bibliográficas

Positive Aging Newsletter, editado por Ken e Mary Ger-


gen. Os leitores poderão acessar a página na internet e inclusive
se inscrever no endereço www.positiveaging.net.

Capítulo 2: Da crítica à reconstrução


Bellah, Robert et al. Habits of the Heart. Berkeley: University
of California Press, 1985. (Uma poderosa crítica aos efeitos da
ideologia individualista sobre os relacionamentos pessoais).
Frank, Arthur. The Wounded Storyteller. Chicago: University
of Chicago Press, 1995.
Gergen, Kenneth J. Realities and Relationships: Soundings in So-
cial Construction. Cambridge: Harvard University Press, 1997. (Ver
especialmente os capítulos 8 e 9 a respeito da mente relacional).
Lutz, Catherine. Unnatural Emotions. Chicago: University
of Chicago Press, 1998. (Um excelente relato sobre as emoções
como construto de uma cultura remota).
Martin, Emily. The Woman in the Body: A Cultural Analysis of
Reproduction. Boston: Beacon Press, 1987. (Uma médica antropó-
loga detalha como as práticas sociais e médicas criam a mulher).
Sampson, Edward E. Celebrating the Other. Boulder: W
­ estview,
1993 (Uma excelente introdução sobre a passagem do “eu” ao re-
lacionamento).

Capítulo 3: Construção social e prática profissional

Nas terapias:
Anderson, Harlene. Conversation, Language and Possibilities.
Nova York: Basic Books, 1997. (Descreve a posição do “não sa-
ber” em terapia).

113
Construcionismo Social

Bohan, Janis; Russell, Glenda. Conversations about Psycho-


logy and Sexual Orientation. Nova York: New York University
Press, 1999. (Aborda a terapia e a orientação sexual a partir da
perspectiva construcionista, desafiando, ao mesmo tempo, a ex-
plicação biológica das preferências sexuais).
De Shazer, Steve. Words Were Originally Magic. Nova York:
Norton, 1994.
Mcleod, John. Narrative and Psychotherapy. Londres: Sage, 1997.
(Um excelente panorama dos desdobramentos da terapia narrativa).
Mcnamee, Sheila; Gergen, Kenneth J. (eds.). Therapy as
Social Construction. Londres; Thousand Oaks, CA.: Sage, 1993.
(Clássica coletânea na qual terapeutas escrevem sobre suas práti-
cas a partir do construcionismo social).
O’hanlon, William; Wiener-Davis, M. In Search of Solu-
tions: A New Direction in Psychotherapy. Nova York: Norton, 1988.
(Uma das primeiras contribuições à terapia como reconstrução).
White, Michael; Epston, David. Narrative Means to Thera-
peutic Ends. Nova York: Norton, 1999. (Uma obra importante no
desenvolvimento da terapia narrativa).

No desenvolvimento organizacional:
Anderson, Harlene et al. The Appreciative Organization. Cha-
grin Falls, OH.: Taos Institute Publications, 2001. (Um livro escri-
to pelos fundadores do Taos Institute, que aplicam ideias aprecia-
tivas à vida organizacional.)
Cooperrider, David; Avital, Michael (eds.). Advances in
Appreciative Inquiry: Constructive Discourse and Human Organi-
zation. Nova York: Elsevier Publishing, 2004. (Uma coletânea de
artigos sobre a Investigação Apreciativa escrita por uma série de
autores que a estudaram e a praticam.)

114
Referências bibliográficas

Cooperrider, David; Whitney, Diana; Stavros, Jacqueline.


The Appreciative Inquiry Handbook: For Leaders of Change, 2003.
Cleveland, Ohio: Lakeshore Publishers, 2003.
Cooperrider, David; Sorensen, Peter J.; Whitney, Diana;
Yeager, Therese. (eds.). Appreciative Inquiry: Rethinking Human
Organizing Toward a Positive Theory of Change. Champagne Il:
Stipes Publishing, 2000.
Drath, Wilfred. The Deep Blue Sea: Rethinking the Source of
Leadership. São Francisco: Jossey Bass, 2001.
Fry, Ron; Barrett, Frank et al. (eds.). Appreciative Inquiry:
Applications in the Field. Westpoint: Quorum Books, 2001. (Estu-
dos de caso relacionando a IA a aplicações práticas.)
Schiller, Marge; Holland, Bea Mah; Riley, Deanna. Ap-
preciative Leaders. Chagrin Falls, OH: Taos Institute Publications,
2001. (Entrevistas e comentários sobre mais de vinte líderes sele-
cionados por suas abordagens apreciativas em seu trabalho.)
Watkins, Jane; Mohr, Bernard. Appreciative Inquiry: Change
at the Speed of Imagination. São Francisco: Jossey-Bass Pfeiffer,
2001. (Síntese da Investigação Apreciativa por dois de seus im-
portantes praticantes.)
Whitney, Diana; Trosten-Bloom, Amanda. The Power of
Appreciative Inquiry: A Practical Guide to Positive Change. São
Francisco: Berrett-Koehler, 2003. (Um guia prático para a Inves-
tigação Apreciativa escrito por duas importantes personalidades
em consultoria organizacional.)
Whitney, Diana; Cooperrider, David; Trosten-Bloom,
Amanda; Kaplin, Brian. Encyclopedia of Positive Questions.
Volume One: Using AI to Bring Out the Best in Your Organiza-
tion. Cleveland: Lakeshore Communications, 2002. (Um com-
pêndio útil com perguntas sobre IA.)

115
Construcionismo Social

Para desenvolvimentos recentes em Investigação Apreciativa:


http://appreciativeinquiry.cwru.edu, site patrocinado pela Case
Western Reserve University.
O Taos Institute oferece todos os anos vários workshops de In-
vestigação Apreciativa: consulte o site www.taosinstitute.net para
o programa completo e descrições.

Em Educação:
Barbules, n.c. Dialogue in Teaching. Nova York: Teacher’s
College Press, 1993. (Usando o diálogo para aprimorar a prática
do ensino.)
Bruffee, Kenneth A. Collaborative Learning. Higher Educa-
tion, Interdependence, and the Authority of Knowledge. Baltimore,
MD.: Johns Hopkins University Press, 1993. (Importante texto
escrito por um dos líderes do aprendizado colaborativo.)
Bruner, Jerome. The Culture of Education. Cambridge: Harvard
University Press, 1996. (Discute a construção cultural da educação.)
Freire, Paulo. Pedagogy of the Oppressed. Harmondsworth,
Inglaterra: Penguin Books, 1978. Original em português: Peda-
gogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2007 (Uma obra ino-
vadora no domínio da educação crítica).
Para contatos colaborativos: www.stanford.edu/group/collaborate

Em resolução de conflitos:
Public Conversations Project: www.publicconversa-
tions.org (Inclui 25 links com organizações similares de resolu-
ção de conflitos.)
Suskind, l.; Mckearnan, s.; Thomas-Larmer, J. (eds.). The
Consensus Building Handbook. Thousand Oaks, CA.: Sage, 1999.

116
Referências bibliográficas

(Livro de exercícios para pessoas interessadas em resolução de con-


flitos.)
Weiner, E. (eds.). The Handbook of Interactive Coexistence.
Nova York: Continuum, 1998. (Uma excelente fonte para teoria e
prática em resolução de conflitos).

Capítulo 4: A pesquisa como prática de construção


Bodily, Chris. Ageism and the deployments of “age”: a con-
structionist view. In: Sarbin, T. e Kitsuse, J. (eds.). Constructing
the Social. Londres: Sage, 1995.
Daiute, Colette; Lightfoot, Cynthia. (eds.). Narrative Anal-
ysis: Studying the Development of Individuals in Society. Londres,
2004, Thousand Oaks, CA.: Sage; (Modelos úteis de pesquisa, in-
clusive um capítulo escrito por Mary Gergen sobre seu desenvol-
vimento como pesquisadora narrativa).
Denzin, Norman; Lincoln, Yvonne (eds.). Handbook of Qualita-
tive Research. 2a. edição. Thousand Oaks, CA.: Sage, 2000. (Importante
fonte de referência para desenvolvimentos em pesquisa qualitativa).
Ellis, Carolyn; Bochner, Arthur P. Composing Ethnography:
Alternative Forms of Qualitative Writing. Walnut Creek, CA.: Al-
taMira Press, 1996. (Uma excelente compilação de formas criati-
vas de escrita em ciências sociais).
Foucault, Michel. Power/Knowlegde. Nova York: Pantheon,
1980. (Uma síntese das ideias mais importantes de Foucault sobre
a relação do discurso com o poder).
Gergen, Mary. Feminist Reconstructions in Psychology: Narrative,
Gender and Performance. Thousand Oaks, CA.: Sage, 2001. (Propor-
ciona uma descrição de sua pesquisa feminista sobre narrativa e gê-
nero, apresentando exemplos de pesquisa orientada ao desempenho).

117
Construcionismo Social

Kuhn, Thomas S. The Structure of Scientific Revolutions. (2a


edição revisada). Chicago: University of Chicago Press, 1970.
(Um livro que abalou as bases do mundo científico e ajudou a
estabelecer a construção social do conhecimento científico).
Lykes, M. Brinton. Dialogue with Guatemalay Indian Wo-
men: Critical perspectives on constructing collaborative research.
In: Gergen, M.; Davis, S. (eds.). Towards a New Psychology of
Gender. Nova York: Routledge. (Uma descrição do trabalho de
Lykes na América Central em uma leitura dedicada à abordagem
construcionista social na psicologia feminista).
Reason, Peter; Bradford, Hilary. (2001). Handbook of Ac-
tion Research. Londres: Sage. (Uma excelente compilação de con-
tribuições sobre a pesquisa-ação contemporânea).
Ronai, Carol Rambo. (2002). The next night sous rature:
Wrestling with Derrida’s Mimesis. In: Denzin, N.K.; Lincoln,
Y.S. (eds.). The Qualitative Inquiry Reader (p. 105-124). Londres.
Thousand Oaks, Ca.: Sage. (Autoetnografia de uma dançarina
erótica através de um recurso altamente recomendado para mé-
todos qualitativos alternativos).

Capítulo 5: Da crítica a colaboração


Gergen, Kenneth J. (1994). Realities and Relationships. Cam-
bridge: Harvard University Press. (Um amplo debate sobre as crí-
ticas de perspectiva empírica e ideologicamente engajadas).
Hacking, Ian. (1999). The Social Construction of What? Cam-
bridge: Harvard University Press. (O trabalho de um filósofo a
respeito dos problemas criados para o conhecimento científico
pelo pensamento construcionista).
Hepburn, Alexa. (2003). Psicologia do relativismo e Psicolo-

118
Referências bibliográficas

gia feminista, In: Gergen, Mary e Gergen, Kennith. (eds.). Social


Construction: A reader. (p. 237-247). Londres. Thousand Oaks,
CA.: Sage. (Uma excelente refutação às acusações de relativismo
feitas às construcionistas sociais feministas).
Hermans, C.A.M.; immink, g.; de jong, a.; van der lans,
J. (eds.). Social Constructionism and Theology. Leiden: Brill, 2002.
(Tentativas para estender o pensamento construcionista a proble-
mas da prática teológica e religiosa).
Parker, Ian. Social Constructionism, Discourse and ­Realism.
Londres: Sage, 1998. (Oferece considerações críticas sobre as
relações entre as perspectivas realistas e construcionistas).
Smith, Barbara. Belief and Resistance. Cambridge: Harvard
University Press, 1997. (Uma sofisticada defesa contra críticas es-
sencialistas e realistas).
Mais referências sobre Kenneth e Mary Gergen podem ser en-
contradas em suas páginas pessoais:
Kenneth Gergen: http://www.swarthmore.edu/SocSci/kgergen
Mary Gergen: http://www.de.psu.edu/Faculty/gergen/gergen.html

119
Este livro foi composto na tipologia Minion Pro,
em corpo 11/16, impresso em papel offset
pela Milograph em setembro de 2010.

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