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A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, A COMPETÊNCIA CRIMINAL DA

JUSTIÇA DO TRABALHO E A AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE


ÍNDOLE TRABALHISTA: Uma Breve Abordagem Histórica e Jurisprudencial –
Perspectivas e Possibilidades.

João Humberto Cesário(*)

1 INTRODUÇÃO

O objetivo do presente articulado, como deixa entrever o seu título, é o de


traçar uma linha evolutiva do pensamento jurisprudencial brasileiro acerca da
competência penal da Justiça do Trabalho à luz da Emenda Constitucional nº 45,
demarcando-a na perspectiva da materialização das promessas constitucionais de
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, capaz de erradicar a fome, a
miséria e a marginalização, na qual seja respeitado o postulado central da dignidade
humana.

Para alcançar o resultado proposto, alinhavarei, em um primeiro momento,


algumas notas históricas do debate doutrinário que desencadeou a possibilidade do
reconhecimento de jurisdição criminal ao Judiciário Trabalhista.

Tecerei, posteriormente, um breve relato do movimento concreto que


conduziu alguns Tribunais Regionais do Trabalho, especialmente o da 12ª Região, a
reconhecerem, expressamente, que a E.C. nº 45 trouxe ao ramo especializado
trabalhista a atribuição de conhecer e julgar lides criminais ligadas ao universo
laboral.

Na sequência, falarei sobre o modo como o Tribunal Superior do Trabalho e o


Supremo Tribunal Federal se posicionaram jurisprudencialmente diante de casos
concretos que chegaram às suas respectivas análises.

Quanto ao STF, inclusive, discorrerei acerca de alguns diálogos relacionados


ao tema, os quais foram protagonizados em sessões de julgamentos por vários dos
Ministros que integram aquela Corte Constitucional de Justiça.

No fechamento do texto, aventurar-me-ei na difícil tarefa de prever o futuro da


matéria, trazendo, enfim, alguns elementos de convicção - calcados especialmente
em argumentos de racionalização da prestação jurisdicional e de maiores
possibilidades de afirmação dos direitos sociais fundamentais - que na minha
compreensão justificam o definitivo reconhecimento da competência penal da
Justiça do Trabalho.

2 ALGUMAS NOTAS HISTÓRICAS

(*)
Juiz do Trabalho no TRT da 23ª Região. Professor de Teoria Geral do Processo e Direito
Processual do Trabalho na Escola Judicial do TRT da 23ª Região. Mestre em Direito Agroambiental
pela Universidade Federal de Mato Grosso. Responsável pelo blog Ambiência Laboral
(www.ambiencialaboral.blogspot.com).
Assim que promulgada a E. C nº 45, alguns Juízes do Trabalho vislumbraram
que no novel texto constitucional havia uma possibilidade bastante expressiva de se
reconhecer à Justiça do Trabalho a competência para a cognição de matéria criminal
ligada ao âmbito da relação entre capital e labor.

Dentre tais magistrados, entre os quais me incluo, podem ser citados, com
destaque, os Juízes José Eduardo de Resende Chaves Júnior e Nilton Rangel
Barreto Paim, que redigiram substanciosos textos publicados em livros que foram
lançados, respetivamente, pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (ANAMATRA) e pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho
da 23ª Região (AMATRA23).1

No meu caso específico, escrevi um artigo intitulado “A Emenda


Constitucional nº 45 e a jurisdição penal da Justiça do Trabalho: uma polêmica que
já não pode ser ignorada”2, no qual, basicamente, elenquei argumentos
hermenêuticos e de política judiciária em favor do reconhecimento da atribuição
jurisdicional em questão, a saber:

a) argumentos hermenêuticos:

 A novel redação do inciso I do artigo 114 da CRFB, atribuída pela E.C. nº


45, rompeu com os estreitos limites subjetivos da matéria, para abraçar os
dilatados contornos objetivos do assunto, passando a dizer que compete à
Justiça do Trabalho julgar não apenas as causas entre empregados e
empregadores, mas todas as ações decorrentes da relação de trabalho,
sem qualquer distinção de natureza (trabalhista de sentido estrito, civil,
administrativa ou penal).

 Ao estatuir que “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as


ações que envolvem o exercício do direito de greve”, o artigo 114, II, da
CRFB remeteu o operador justrabalhista para as ações, sem distinção de
natureza (mais uma vez), que envolvam exercício da prática paredista,
não sendo pouco rememorar que o artigo 15 da Lei 7.783-89 (Lei de
Greve), apregoa que “a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou
crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso,
segundo a legislação trabalhista, civil ou penal”. Com efeito, se a
Constituição dirige a competência da Justiça do Trabalho, sem distinções,
para a cognição e o julgamento das ações oriundas do direito de greve, e
se o direito de greve nos termos de sua lei própria será analisado pelos
primas trabalhista, civil e penal, não se pode concluir de modo diverso,

1
Vide, a propósito: 1.1) CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende. A Emenda Constitucional n.
45/2004 e a competência penal da Justiça do Trabalho. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes. & FAVA,
Marcos Neves Fava. (Coords.). Nova competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005. 1.2)
PAIM, Nilton Rangel. A competência criminal da Justiça do Trabalho: uma discussão antiga que se
reafirma em face da Emenca Constitucional n. 45/2004. In: PINHEIRO, Alexandre Augusto Campana.
Competência da Justiça do Trabalho: aspectos materiais e processuais. São Paulo: LTr, 2005.
2
CESÁRIO, João Humberto. A Emenda Constitucional nº 45 e a jurisdição penal da Justiça do
Trabalho: uma polêmica que já não pode ser ignorada. In: Revista decisório trabalhista, v. 140, p. 7 a
22, 2006.
2
senão para se entender que a atribuição cognitiva da Justiça do Trabalho
será a mais ampla o possível.

 Na antiga visão do STF sobre a prisão civil do infiel depositário (anterior à


edição da Súmula vinculante nº 25), a Justiça do Trabalho não seria
competente para conhecer de habeas corpus visando a expedição de
ordem de soltura do infrator encarcerado, pois o remédio em questão
(habeas corpus) tratar-se-ia de uma ação de natureza penal 3. Ora, se a
E.C. nº 45 reconheceu competência à Justiça do Trabalho para o
conhecimento de habeas corpus relativo a ato sujeito à sua jurisdição,
seria forçoso que o Supremo Tribunal Federal, por coerência com a sua
própria jurisprudência, passasse a entender que a Justiça do Trabalho
adquiriu jurisdição penal a partir daquele momento histórico.

 O contra-argumento de que o artigo 109, VI, da CRFB embaraçaria a


competência penal da Justiça do Trabalho - na medida em que os crimes
contra a organização do trabalho são de atribuição cognitiva da Justiça
Federal - não se demonstraria intransponível, pois que nem todos os
ilícitos penais-laborais estão tipificados no titulo IV do Código Penal (no
qual estão arrolados os crimes contra a organização do trabalho - artigos
197 e seguintes). À guisa de exemplo, seria de se ver que o delito de
“Redução a Condição Análoga à de Escravo” está previsto no artigo 149
do Código Penal, que por sua vez está situado no título II do codex
criminal, que trata dos “Crimes Contra a Pessoa”, mais especificamente no
seu capitulo VI, que abarca os “Crimes Contra a Liberdade Individual” 4.
Poder-se-ia citar, ademais, os artigos 1º e 2º da Lei 9.029-95 5, que
elencam no seu bojo uma série de condutas tipificadas como ilícitos
3
Vale dizer que a 1ª Turma do STF chegou a reafirmar tal posicionamento mesmo após a edição da
E.C. nº 45 (embora fazendo-o em relação a um caso anterior à prefalada Emenda), consoante se
extrai do seguinte de julgado datado de 28.06.2005: “Até a edição da EC 45/04, firme a jurisprudência
do Tribunal em que, sendo o habeas corpus uma ação de natureza penal, a competência para o seu
julgamento “será sempre de juízo criminal, ainda que a questão material subjacente seja de natureza
civil, como no caso de infidelidade de depositário, em execução de sentença”; e, por isso, quando se
imputa coação a Juiz do Trabalho de 1º Grau, compete ao Tribunal Regional Federal o seu
julgamento, dado que a Justiça do Trabalho não possui competência criminal (v.g., CC 6.979, 15.8.91,
Velloso, RTJ 111/794; HC 68.687, 2ª T., 20.8.91, Velloso, DJ 4.10.91).” HC 85096/MG - MINAS
GERAIS, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento em 28/06/2005, Órgão Julgador:
Primeira Turma, Publicação: DJ 14-10-2005 PP-00011 EMENT VOL-02205-2 PP-00307. Dados
extraídos do sítio eletrônico do STF (www.stf.jus.br) em 29.01.2011.
4
Vale pontuar, que, ainda assim, a jurisprudência do STF inclina-se atualmente para inserir a redução
de trabalhadores a condição análoga à de escravo no âmbito dos crimes contra a organização do
trabalho. Vide, v.g., o julgamento que vem se desenvolvendo nos autos do RE 459510 (Rel. Min.
Cesar Peluso).
5
Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a
relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação
familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso
XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.
Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:
I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento
relativo à esterilização ou a estado de gravidez;
II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem;
a) indução ou instigamento à esterilização genética;
3
criminais-laborais não ligados à organização do trabalho. Não custa
rememorar, no mesmo diapasão, a “retenção dolosa de salários”, prevista
como crime no artigo 7º, X, da CRFB.

b) argumento de política judiciária:

 As questões penais-laborais influenciam diretamente na relação capital e


trabalho, haja vista que a impunidade penal nesta área, oriunda da pouca
atenção que a Justiça e o Ministério Público comuns têm devotado à
questão (obviamente que por razões de vocação, formação, tempo e
prioridades; jamais de desídia), constitui-se no maior estímulo ao
descumprimento de obrigações trabalhistas elementares por parte dos
empregadores, abrindo ensanchas até mesmo à existência da vergonhosa
prática do trabalho escravo no Brasil, em pleno século XXI. Ressaltei,
assim, que embora adepto das teses que propugnam pela existência de
um direito penal mínimo, vislumbrava a possibilidade de que a ciência
criminal pudesse contribuir para a civilização da selvagem relação capital
e trabalho, até mesmo poupando vidas de operários. Não seria por outro
motivo, aliás, que no mundo civilizado europeu - principalmente na Itália,
Espanha e França - o estudo do Direito Penal do Trabalho estava (e está)
ganhando cada vez mais relevância como ramo autônomo da ciência
jurídica, cumprindo, por exemplo, uma extraordinária tarefa de repressão
de condutas anti-sindicais.

Como de hábito, a doutrina acabou por servir de combustível para os


primeiros passos de uma revolução jurisprudencial que ainda se encontra em curso.
A partir dos textos que foram escritos sobre o assunto, os diversos tribunais
brasileiros começaram a se debruçar sobre a matéria.

3 A COMPETÊNCIA PENAL NOS TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO

A primeira decisão judicial que reconheceu a competência penal da Justiça do


Trabalho sob a inspiração da Emenda Constitucional nº 45 – pelo menos quanto ao
que tenho notícia – partiu da Justiça Federal, que a tanto foi instada, diga-se de
passagem, pelo Ministério Público Federal. Diante do caráter histórico da
interlocutória em questão, tenho como de bom alvitre transcrevê-la:

“Vistos, etc...

b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de


aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas,
submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS).
Pena: detenção de um a dois anos e multa.
Parágrafo único. São sujeitos ativos dos crimes a que se refere este artigo:
I - a pessoa física empregadora;
II - o representante legal do empregador, como definido na legislação trabalhista.
III – O dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e entidades das administrações públicas
direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios.
4
Trata-se de notícia crime onde o Ministério Público Federal
requereu a remessa dos presentes autos à Justiça do
Trabalho, entendendo ser esse o juízo competente para
processar e julgar as irregularidades, em tese, na fundação do
Sindicato dos Empregados do Comércio Varejista de Gêneros
Alimentícios, Tecidos e Vestuário de Brusque.
Como aduziu o Parquet Federal, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 8°, inciso I,
garantiu a liberdade para a formação de associações sindicais,
sendo vedada a intervenção estatal em sua organização,
litteram:
“Art. 8°. É livre a associação profissional ou sindical, observado
o seguinte:
I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a
fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão
competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a
intervenção na organização sindical; (...)”
Entretanto, o inciso II deste dispositivo legal veda a criação de
mais de uma organização sindical representativa de categoria
profissional ou econômica na mesma base territorial, conforme
teria ocorrido, em tese, no caso dos autos.
Todavia, tal irregularidade apontada pelo Parquet Federal não
se constitui crime cujo processamento caiba à Justiça Federal,
mas sim à Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, III, da
CF/88 (Inciso incluído pela Emenda Constitucional n° 45/2004).
Assim, acolho as razões do Ministério Público Federal, e
determino a remessa dos autos à Justiça do Trabalho de
Brusque/SC, competente para processar e julgar o feito.” 6

Como seria de se esperar, a decisão em questão, associada a tudo o quanto


a doutrina vinha elaborando acerca do assunto, acabou por interferir sobre o ânimo
de alguns integrantes do Ministério Público do Trabalho, que passaram, então, a
oferecer denúncias criminais no âmbito da Justiça do Trabalho.

Os casos de maior repercussão desta prática, dentre outros que poderiam ser
citados, ocorreram no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região,
especialmente na Vara do Trabalho de Indaial-SC.

Ali, sob a titularidade do Juiz Reinaldo Branco de Moraes, passaram a ser


realizadas as chamadas pautas criminais, quando então o Ministério Público do
Trabalho, representado pelo Procurador Marcelo José Ferlin D´Ambroso, participava
das audiências trabalhistas típicas, nas quais a petição inicial trazia notícias de que
pudesse ter ocorrido, no curso da relação de emprego, alguma conduta que em tese
caracterizasse um tipo penal-laboral.

6
Decisão proferida pelo Juiz Federal Rafael Selau Carmona, na data de 01 de fevereiro de 2005, nos
autos do Processo nº 2004.72.05.004394-8.
5
Nessas ocasiões, com espeque no procedimento traçado nos artigos 74 a 76
da Lei 9.099-95, o órgão ministerial propunha, durante a própria audiência laboral, a
conciliação visando a reparação de danos civis-trabalhistas bem como a transação
penal.

Uma vez aceita a conciliação, esta era homologada no plano trabalhista. Ao


depois, eram extraídas as cópias de peças solicitadas pelo parquet, sendo
formados, na sequência, os autos de notícia-crime, onde ocorria a transação para
fins penais (obviamente se o delito comportasse transação penal).

Acaso inviabilizada a conciliação civil-trabalhista e/ou a transação penal, os


autos de notícia-crime eram igualmente formados, e o feito era remetido para a
instrução e o julgamento, a serem realizados em consonância com o rito apropriado
(Lei 9.099-95 ou o Código de Processo Penal, conforme a hipótese). 7

A prática em questão, associada a uma série de outras denúncias criminais


analisadas pelos Juízes do Trabalho na 12ª Região (algumas acolhendo e outras
rejeitando a competência penal da Justiça do Trabalho), fizeram com que a matéria
rapidamente chegasse à análise da segunda instância do antedito Regional. O
tema, palpitante por excelência, fez com que o pronunciamento do juízo ad quem
fosse aguardado com máxima ansiedade.

Finalmente, na data de 29 de janeiro de 2007, a e. 1ª Turma do Tribunal


Regional do Trabalho de Santa Catarina, em julgamento histórico relatado pela
Desembargadora Águeda Maria Lavorato Pereira, reconheceu expressamente, à
unanimidade, que a Emenda Constitucional nº 45 de fato havia consagrado a
competência penal da Justiça do Trabalho. Transcrevo abaixo, em homenagem à
importância da decisão enfocada, a sua ementa:

JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA CRIMINAL


ATRIBUÍDA PELA EC Nº 45/2004. A partir da vigência da EC nº
45/2004, que deu nova redação ao art. 114 da CF, o núcleo da
competência da Justiça do Trabalho foi modificado. Até 31-12-
2004 a competência dessa Justiça Especializada estava
calcada em elemento subjetivo (empregado e empregador), ou
seja, pela condição das partes. Após essa data esse elemento
transmudou-se e hoje a competência da Justiça do Trabalho é
estabelecida de forma objetiva e decorre da natureza da
matéria. Disso se extrai basicamente que os delitos que
possuírem no elemento específico do tipo penal, ou elementar,
o componente trabalho e a idéia de subordinação econômica,
passaram a ser de competência da Justiça do Trabalho. 8

7
Para um aprofundamento maior sobre o procedimento descrito, conferir MORAES, Reinaldo Branco
de. Resultados práticos da competência penal trabalhista. In: Revista LTr, fev. 2007, p. 171 a 179.
8
Ac. 1ª T – Nº 016675/2007 – RO-V 00311-2006-015-12-00-6. O julgamento foi presidido pelo Ex. mo
Desembargador Marcus Pina Mugnaini, tendo dele participado, na condição de relatora e de revisor,
respectivamente, os Ex.mos Desembargadores Águeda Maria Lavorato Pereira e Garibaldi Tadeu
Pereira Ferreira.
6
A par de outros tantos argumentos relevantes, faz-se imperioso sublinhar que
o acórdão apegou-se, primordialmente, ao fundamento da necessidade de se
imprimir concretude a tipos penais-laborais que estavam/estão entrando em desuso
pela pouca atenção devotada ao tema pelo Ministério Público e a Justiça Comuns.

Vale, a propósito, reproduzir um fragmento do julgado, no qual - diga-se de


passagem - tive a honra de ser citado nominalmente, na sempre abonadora
companhia do Juiz José Eduardo Resende Chaves e dos Procuradores do Trabalho
Marcelo José Ferlin D’Ambroso e Viviann Rodríguez Mattos:

“(...) Em verdade, o que se pretende com a atribuição


expressa pela Constituição Federal do processamento e
julgamento dos crimes contra a organização do trabalho a esta
Justiça é vê-la atuando também nas hipóteses em que há fatos
delituosos cometidos contra uma coletividade de trabalhadores.
É fato, como bem destacado pelo Procurador do
Trabalho subscritor do recurso e pelos insignes Juízes João
Humberto Cesário e José Eduardo Resende Chaves Júnior e
pela procuradora Viviann Rodríguez Mattos:
‘O título do Código Penal dedicado aos crimes contra a
organização do trabalho é quase letra morta ante o desuso dos
operadores do direito quanto aos tipos penais que decorrem da
relação de trabalho. A pouca jurisprudência existente sobre os
delitos em questão costuma ser negativa (quando não
ocorrentes a prescrição, fato comum nos delitos deste tipo, por
serem de menor potencial ofensivo), e raras as condenações,
mesmo quando a Justiça Obreira constata, em definitivo, as
fraudes para frustrar os direitos previstos na legislação
trabalhista, nos casos individuais ou coletivos (em função da
ação civil pública) postos.
As conseqüências desastrosas dessa dura realidade
são sentidas no quotidiano forense da Justiça do Trabalho – o
trabalho informal, a sonegação de direitos mediante diversas
fraudes (recibos em branco, truck-system, falsificação de
assinaturas dos empregados, controle paralelo de jornada,
salário "extra-folha", falso cooperativismo, constituição irregular
de pessoas jurídicas, discriminações, e, pior, isto ocorrendo no
âmbito da própria Administração Pública), ou, ainda, a
simulação de ações trabalhistas para constituição de crédito
privilegiado e burla a credores, etc., são todas condutas
gravíssimas, mas de repúdio social diminuído ante a tolerância
criminal estabelecida ao longo do tempo pela falta de
competência penal da Justiça especializada’.” 9

Estavam abertas as portas, a partir de então, para que o debate viesse a ser
travado no Tribunal Superior do Trabalho e no Supremo Tribunal Federal, até mesmo
porque a Procuradoria Geral da República àquela altura já havia ajuizado no âmbito
9
Id.
7
do STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3684, na qual, essencialmente, em
face da questão penal, se batia contra a pretensa inconstitucionalidade dos incisos I,
IV e IX do artigo 114 da Constituição de República 10.

4 A COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO SUPREMO


TRIBUNAL FEDERAL

Esclareço aqui, previamente, que o mais correto do ponto de vista lógico-


formal, seria analisar a questão da competência da Justiça do Trabalho no âmbito do
Tribunal Superior do Trabalho em primeiro lugar. Sem embargo, o fato é que o
Supremo Tribunal Federal, em função da prefalada ADI nº 3684, acabou se
manifestando acerca do assunto antes mesmo que o TST pudesse fazê-lo em sede
recursal. Diante desta constatação, apegar-me-ei ao critério cronológico, para,
assim, discorrer sobre o tema, inicialmente, através da lente da Corte Constitucional
brasileira.

Feito este imprescindível esclarecimento, devo relembrar, agora, que a


Procuradoria Geral da República, diante dos contornos do imbróglio instaurado
quanto à competência criminal da Justiça do Trabalho, ajuizou no âmbito do STF a
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3684, na qual intentava debater a
(in)constitucionalidade dos incisos I, IV e IX do artigo 114 da Carta Magna.

O aviamento da ADI à balha, naturalmente, causou grande mobilização na


comunidade jurídica, em especial, na trabalhista. Para se ter uma ideia do afirmado,
basta notar que tanto a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
(ANAMATRA) quanto a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT),
atuaram (e atuam) no respectivo processo na qualidade de amici curiae11.

Lamentavelmente, no entanto, o fato é que o Plenário do Supremo Tribunal


Federal, ainda que cautelarmente, acabou por deferir a medida com eficácia ex tunc
perseguida pela Procuradoria Geral da República, para, assim, declarar que a E.C.
nº 45 não atribuiu competência penal à Justiça do Trabalho. A ementa do julgamento
ficou assentada nos seguintes termos:

COMPETÊNCIA CRIMINAL. Justiça do Trabalho. Ações


penais. Processo e julgamento. Jurisdição penal genérica.
Inexistência. Interpretação conforme dada ao art. 114, incs. I,
IV e IX, da CF, acrescidos pela EC nº 45/2004. Ação direta de
inconstitucionalidade. Liminar deferida com efeito ex tunc. O
disposto no art. 114, incs. I, IV e IX, da Constituição da
10
Note-se, por relevante, que o próprio ajuizamento da ADI, ainda que por vias transversas, confirma
que de fato a E.C. nº 45 reconheceu a competência penal da Justiça do Trabalho. Caso contrário, o
pretendido reconhecimento de inconstitucionalidade não faria qualquer sentido.
11
Não posso deixar de assentar, para efeitos de registro histórico, que no caso da ANAMATRA os
fundamentos da sua atuação estão encerrados em um parecer emanado da lavra do Juiz Guilherme
Guimarães Feliciano, intitulado “Da competência penal na Justiça do Trabalho”. Já quanto à ANPT, o
texto que serviu de inspiração para a sua atuação, chamado “Comentários à ADI nº 3648: em defesa
da competência criminal da Justiça do Trabalho”, foi assinado, conjuntamente, por mim,
acompanhado dos Procuradores do Trabalho Marcelo José Ferlin D’Ambroso e Viviann Rodríguez
Mattos, bem como do Juiz do Trabalho José Eduardo Resende Chaves.
8
República, acrescidos pela Emenda Constitucional nº 45, não
atribui à Justiça do Trabalho competência para processar e
julgar ações penais.12

Não há que se discutir, evidentemente, a respeitabilidade da decisão, que


deve ser disciplinadamente seguida por todos os órgãos do Poder Judiciário,
incluída, primordialmente, a Justiça do Trabalho (inteligência ampliada do artigo 102,
§ 2º, da CRFB). Tal obviedade, entrementes, não a imuniza a críticas, ainda que
formuladas por magistrados13.

Uma vez lançada tal consideração, acredito ser saudável pontuar que a
decisão tomada parece atritar com a própria jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal no que diz respeito ao antigo debate pertinente à prisão do infiel depositário.

Consoante já afiancei alhures, o STF ditava – pelo menos antes da edição da


Súmula Vinculante nº 25 e ainda que em decisões turmárias - que a Justiça do
Trabalho não seria competente para conhecer de habeas corpus visando a
expedição de ordem de soltura do infiel depositário judicial, pois o remédio a tanto
apropriado (habeas corpus) tratar-se-ia de uma ação de natureza criminal, sendo
certo que o Judiciário Trabalhista não possuía competência para o trato de ações
penais.

Vale destacar, aliás, que a sua e. 1ª Turma chegou a chancelar tal


posicionamento mesmo após a edição da E.C. nº 45 (embora fazendo-o em relação
a caso ocorrido anteriormente a tal advento legislativo), conforme se extrai da
seguinte ementa de julgado datado de 28.06.2005:

“Até a edição da EC 45/04, firme a jurisprudência do


Tribunal em que, sendo o habeas corpus uma ação de
natureza penal, a competência para o seu julgamento “será
sempre de juízo criminal, ainda que a questão material
subjacente seja de natureza civil, como no caso de infidelidade
de depositário, em execução de sentença; e, por isso, quando
se imputa coação a Juiz do Trabalho de 1º Grau, compete ao
Tribunal Regional Federal o seu julgamento, dado que a
Justiça do Trabalho não possui competência criminal (v.g., CC
6.979, 15.8.91, Velloso, RTJ 111/794; HC 68.687, 2ª T.,
20.8.91, Velloso, DJ 4.10.91).”.14 (sem destaque no original)
12
ADI 3684 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. Relator(a): Min. CEZAR PELUSO. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno. Julgamento: 01/02/2007. DJe-072 DIVULG 02-08-2007 PUBLIC 03-08-2007.
13
É certo que o artigo 36, II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) desautoriza-me, em
princípio, a fazer qualquer juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos
judiciais. Esclareço, todavia, que aqui não veiculo um juízo depreciativo da decisão tomada pelo STF.
Procuro, apenas, democraticamente dirigir-lhe uma crítica respeitosa, fazendo-o com arrimo no artigo
5º, IV, da Constituição da República, que me garante o direito fundamental à livre manifestação. Devo
enfatizar, demais disso, que o próprio artigo 36, II, da LOMAN, ressalva ao magistrado a possibilidade
de crítica às decisões judiciais, ainda que emanadas das instâncias superiores, desde que ventiladas
em obras técnicas ou no exercício do magistério.
14
HC 85096/MG - MINAS GERAIS, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento em
28/06/2005, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação: DJ 14-10-2005 PP-00011 EMENT VOL-
9
Ora, como já ponderei anteriormente, se a E.C. nº 45 reconheceu
competência à Justiça do Trabalho para o conhecimento de habeas corpus relativo a
ato sujeito à sua jurisdição, seria forçoso que o Supremo Tribunal Federal, por
coerência com a sua própria jurisprudência (qualificada como “firme” pela e. 1ª
Turma), que aduzia, expressamente, que “sendo o habeas corpus uma ação de
natureza penal, a competência para o seu julgamento será sempre de juízo criminal,
ainda que a questão material subjacente seja de natureza civil”, passasse a
entender que a Justiça do Trabalho adquiriu jurisdição penal a partir daquele
momento histórico.

Sem embargo, o fato concreto é que o STF, pelo menos a partir do


pronunciamento realizado no âmbito da ADI 3684, produziu um giro bastante
acentuado na sua jurisprudência, pois que do respeitabilíssimo voto do Ministro-
Relator Cezar Peluso extrai-se a seguinte passagem:

“(...) o disposto no art. 114, inc. I, da Constituição da


República, introduzido pela EC nº 45/2004, não compreende
outorga de jurisdição sobre matéria penal (...).
Não o infirma, no caso, a menção ao habeas corpus,
contida no texto do inc. IV, pois esse remédio processual
constitucional pode, como o sabe toda a gente, voltar-se contra
atos ou omissões praticados no curso de processos e até
procedimentos de qualquer natureza, e não apenas no bojo de
investigações, inquéritos e ações penais. É que sua vocação
constitucional está em prevenir ou remediar toda violência que,
gravando a liberdade de locomoção, provenha de ato ilegal ou
abusivo, cometido de qualquer autoridade e, até, em certas
circunstâncias, de particular (art. 5º, inc. LXVIII). Mais do que
natural, portanto, era de boa lógica jurídico-normativa fosse
explicitada ou reconhecida à Justiça do Trabalho competência
acessória para conhecer e julgar habeas corpus impetrado
contra ato praticado por seus próprios órgãos, no exercício das
competências não penais que lhe reservou a Constituição, ou a
pretexto de exercê-las, segundo vêm, aliás, da literalidade da
cláusula final do mesmo inc. IV do art. 114 (‘quando o ato
questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição’).” 15

Afinado no mesmo diapasão, expressou-se, ainda, o nobre Ministro Ricardo


Lewandowski, ao emitir o seu voto:

“Não se deve impressionar o art. 114, IV, quando se


empresta à Justiça do Trabalho a competência para processar
e julgar habeas corpus, pois nós sabemos que,

02205-2 PP-00307. Dados extraídos do sítio eletrônico do STF (www.stf.jus.br) em 29.01.2011.


15
Julgado já citado. Extraído do sítio eletrônico do STF (www.stf.jus.br), mediante consulta no extrato
de ata, em 29.01.2011.
10
tradicionalmente, a Justiça do Trabalho era competente para
decretar a prisão civil no caso dos depositários infiéis.” 16

Pode-se perceber, com efeito, que muito embora a e. 1ª Turma do STF tenha
asseverado, na data de 28.06.2005 (após, portanto, a vinda à lume da E.C. nº 45),
que a jurisprudência do Tribunal era firme no sentido de que sendo o habeas corpus
uma ação de natureza penal, a competência para o seu julgamento seria sempre de
juízo criminal, o seu Pleno acabou por assentar, em 01/02/2007, que o habeas
corpus a ser conhecido na Justiça do Trabalho cingia-se ao exercício das suas
competências não-penais, como, v.g., para determinar a expedição de alvará de
soltura de infiel depositário injustamente preso.

É indiscutível que o julgamento em questão, não importando se correto ou


equivocado, acabou por desferir um duríssimo golpe no discurso da competência
penal da Justiça do Trabalho. Mas o fato é que também dele, no entanto, podemos
extrair esperanças de que o próprio STF ou mesmo o legislador ordinário possam
reconhecer, futuramente, a atribuição jurisdicional em debate.

Há que se sublinhar, no específico, que o Ministro Carlos Britto não se


mostrou inteiramente convencido do acerto da relatoria, somente a acompanhando
por estarem decidindo liminarmente:

“Senhora Presidente, ouvi atentamente o voto do


eminente Relator, proferido, como de hábito, por mão de
mestre, mas não fiquei pacificado quanto à necessidade da
minha adesão a Sua Excelência. Porém, como estamos a
decidir em sede liminar, com essa ressalva, acompanho-o.”17

É imperioso pontuar, ademais, que o Ministro Marco Aurélio, muito embora


sem avançar na análise da constitucionalidade de uma eventual lei ordinária futura
que venha reconhecer competência criminal à Justiça do Trabalho com arrimo no
inciso IX do artigo 114 da CRFB, acabou sinalizando que esta seria uma
possibilidade factível:

Vejo esta ação, com os votos até aqui proferidos, como


uma sinalização ao legislador comum, no que a Carta repetiu
uma cláusula, quase em branco, relativa à previsão de outras
competências da Justiça do Trabalho.
Poderemos ter disposição a respeito considerada a
regra constitucional segundo a qual compete à Justiça do
Trabalho – o legislador ordinário o definirá – julgar outras
controvérsias decorrentes da relação de trabalho, muito
embora adentrem o campo penal, na forma da lei. E até aqui
não veio essa lei a disciplinar a competência da Justiça do
Trabalho, a ligada à jurisdição criminal.

16
Id.
17
Id.
11
Peço vênia, diante desse contexto, para assentar que
não há risco em se manter o quadro constitucional delineado,
não existe lugar, considerada uma sadia política judiciária, para
emprestar-se, desde logo, interpretação conforme a Carta ao
disposto nos incisos I, IV e IX do artigo 114 e já sinalizar ao
legislador ordinário que não poderá vir a lume uma lei
prevendo a competência criminal da Justiça do Trabalho.18

A propósito, fazendo coro com o Ministro Marco Aurélio, o então Ministro


Sepúlveda Pertence assim se manifestou:

“A preocupação do Ministro Marco Aurélio, que, em


princípio, parece-me procedente, pelo menos no sentido de
não justificar uma interpretação conforme, é não fechar a
cláusula de abertura ao legislador ordinário da parte final do
inciso IX para uma lei que, vinda, examinaremos
oportunamente.
(...)
Nós já julgamos questão similar, em face do texto inicial
da Constituição, mas que é reproduzido neste pelo atual inciso
IX. Cuidava-se de demandas entre sindicatos e empregadores,
a propósito de desconto de contribuições e coisas que tais. De
início, declaramos que a Constituição não conferia a
competência à Justiça do Trabalho. Veio a lei e a declaramos
constitucional. Se vier uma lei conferindo competência criminal,
vamos examiná-la.”19

Denota-se, pois, que muitas são as portas para que, em futuro até mesmo
próximo, possa ser reconhecida a jurisdição criminal do Judiciário Laboral. Não é por
outro motivo, aliás, que recentemente a questão voltou a ser debatida no Plenário do
Supremo Tribunal Federal, fato acontecido na data de 04.02.2010, nos autos do
Recurso Extraordinário nº 45951020, da relatoria do Ministro Cezar Peluso, quando
alguns ministros admitiram (inclusive o relator), em manifestações verbais, falando
em tese, a oportunidade e a conveniência de ser reconhecida, oportunamente, pelos
caminhos próprios, a competência da Justiça do Trabalho para a cognição de
matéria criminal afeta ao universo jurídico laboral.
18
Id.
19
Id.
20
Delibera-se, no Recurso Extraordinário em tela, sobre se o ramo do Poder Judiciário competente
para conhecer ações criminais relativas ao tipo penal previsto no artigo 149 do CP (redução de
trabalhadores a condição análoga à de escravo) seria a Justiça Estadual ou a Justiça Federal. Há de
se ressaltar que, via de regra, os recursos extraordinários são analisados no âmbito das Turmas que
compõem o STF. Todavia, diante da importância da matéria, decidiu-se afetar o julgamento do caso
ao Plenário. Tal Recurso Extraordinário, atualmente, encontra-se suspenso, em virtude de pedido de
vista formulado pelo Ministro Joaquim Barbosa. Não existem, assim, pelo menos ao que sei, registros
eletrônicos escritos sobre as manifestações de cada um dos Ministros que se pronunciaram até
agora. Nada obstante, o vídeo contendo a íntegra da última sessão acontecida pode ser e assistido
no youtube, no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=v2ZtM8Sa-a0. Sobre o debate
acerca da competência penal da Justiça do Trabalho, a sessão deverá ser assistida, especialmente, a
partir do seu 42º minuto.
12
5 A COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO TRIBUNAL
SUPERIOR DO TRABALHO

Depois do julgamento acontecido no Supremo Tribunal Federal, ocorrido em


01.02.2007, no qual foi cautelarmente vetado o reconhecimento da competência
criminal do ramo trabalhista especializado do Poder Judiciário, o Tribunal Superior
do Trabalho teve ainda a oportunidade de se debruçar sobre a matéria, fazendo-o na
data de 14.05.2007, no Recurso Ordinário em Agravo Regimental nº 891-2005-000-
12-00.1, da relatoria do Ministro Vieira de Mello Filho.

Desta feita, obviamente, o julgamento não foi aguardado com grande


ansiedade, à vista daquilo que o STF já havia decidido na Ação Direta de
Inconstitucionalidade que versava sobre o mesmo tema. Na ocasião, como não
poderia ser diferente, o Tribunal Superior do Trabalho seguiu o entendimento da
Corte Constitucional, em julgamento assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO EM AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO


PENAL PÚBLICA - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO. Em recente pronunciamento, o Excelso Supremo
Tribunal Federal, quando do exame do pedido de liminar
formulado em ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3684
MC/DF) ajuizada pelo Procurador-Geral da República, deferiu a
liminar para, com efeito ex tunc, dar interpretação, conforme a
Constituição Federal, aos incisos I, IV e IX, do seu art. 114, no
sentido de que neles a Constituição não atribuiu, por si só,
competência criminal genérica à Justiça do Trabalho. Concluiu
a Suprema Corte que seria incompatível com as garantias
constitucionais da legalidade e do juiz natural inferir-se, por
meio de interpretação arbitrária e expansiva, competência
criminal genérica da Justiça do Trabalho, aos termos do art.
114, incisos I, IV e IX, da Constituição da República. Recurso
ordinário em agravo regimental conhecido e desprovido. 21

Percebe-se, pois, que ao Tribunal Superior do Trabalho, gizado pelos


contornos demarcados no julgamento anteriormente acontecido no Supremo
Tribunal Federal, não restou outra alternativa, a não ser a de se curvar,
disciplinadamente, diante do entendimento do Supremo Tribunal Federal, no sentido
de que a possível competência penal da Justiça do Trabalho, oriunda da redação
atribuída pela Emenda Constitucional nº 45 ao artigo 114 da Constituição da
República, não estaria em harmonia com as garantias fundamentais da legalidade e
do juiz natural.

6 O FUTURO DA COMPETÊNCIA CRIMINAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO

21
Recurso Ordinário em Agravo Regimental - Ação Penal Pública - Incompetência da Justiça do
Trabalho. Relator(a): Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Julgamento: 03/05/2007. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Publicação: DJ 01/06/2007.
13
Predizer o futuro é tarefa que não se destina aos mais sensatos. Ainda que
ciente desta verdade incontestável, arrisco-me a afirmar que o definitivo
reconhecimento da competência penal da Justiça do Trabalho é questão de tempo.
Estou certo de que, inelutavelmente, também esse tabu será superado.

Não foi diferente, por exemplo, com as ações civis de indenização por
acidente de trabalho. Sempre defendi, desde os tempos em que prestava concurso,
que a aludida atribuição jurisdicional seria do Judiciário Laboral. Devo dizer, a
propósito, que ainda no início da minha carreira como Juiz do Trabalho, muito antes
do advento da Emenda Constitucional nº 45, invariavelmente reconhecia tal
competência para a cognição e o julgamento da matéria em questão.

Hoje, muitos daqueles que democraticamente me contestavam por esgrimir o


antedito ângulo de visada, discorrem, maravilhados, sobre o quanto a Justiça do
Trabalho tem sido importante para o aprimoramento da prestação jurisdicional no
campo dos infortúnios laborais.

Quando o debate sobre a competência criminal da Justiça do Trabalho foi


deflagrado, não eram poucos os que o taxavam de delirante. No entanto, como
demonstrado ao longo deste breve articulado - cujo o intento não é o de exaurir a
questão, mas o de traçar uma resumida linha histórica sobre o tema -, aquilo que era
enxergado como um arroubo doutrinário ganhou mentes e corações, propagando-se
rapidamente por todo o país.

Como decorrência, uma curta mas significativa experiência prática se instalou


principalmente no âmbito da 12ª Região, demonstrando, efetivamente, o quanto o
Direito Penal do Trabalho pode ser importante para a afirmação dos direitos
fundamentais de índole social. Ao fim e ao cabo, nem mesmo o Supremo Tribunal
Federal ficou imune aos desdobramentos do debate instaurado.

Assim é que se faz importante pontuar, no pertinente à viabilização do futuro


reconhecimento da competência criminal da Justiça do Trabalho, que tramitam
atualmente no Congresso Nacional algumas iniciativas legislativas, como, v.g., o
Projeto de Emenda Constitucional nº 327-2009 e os Projetos de Lei nº 2.636-2007 e
5.146-2009, que tratam especificamente desta problemática.

Penso, com efeito, que uma das mais importantes tarefas históricas que se
descortina para as bases da magistratura e do parquet laboral, representadas
politicamente pelas suas associações nacionais (ANAMATRA e ANPT), será a de se
engajar vigorosamente em um movimento solidamente estruturado, capaz de dar
respaldo à aprovação dos projetos mencionados, corrigindo-se, assim, uma
insustentável distorção competencial ainda existente.

Para melhor se compreender esta necessidade corretiva, basta visualizar que


as práticas de trabalho escravo, por exemplo, geram conseqüências em pelo menos
quatro campos do direito, sendo os seus debates permeados, pois, por aspectos
trabalhistas, civis, administrativos e criminais.

14
No caso do Direito do Trabalho discutimos temas como o reconhecimento de
vínculo empregatício, salários, jornada, verbas rescisórias, seguro-desemprego, e
que tais.

No Direito Civil debatemos os danos materiais e morais suportados


individualmente pelos trabalhadores escravizados, bem como os danos morais
coletivos sofridos pela sociedade difusamente considerada.

Já no âmbito do Direito Administrativo são enfrentadas, judicialmente, as


penalidades administrativas impostas pelos órgãos estatais da fiscalização
trabalhista, principalmente aquelas advindas da inscrição dos infratores no Cadastro
de Empregadores que tenham mantido Trabalhadores em Condições Análogas à de
Escravo (vulgarmente conhecido por "Lista Suja"), que, dentre outras
conseqüências, impede o financiamento público de atividades ilícitas.

Por fim, no âmbito penal, deparamo-nos com crimes tais como a redução a
condição análoga à de escravo (artigo 149 do Código Penal), a frustração de direito
assegurado por lei trabalhista (artigo 203 do Código Penal) e o aliciamento de
trabalhadores de um local para outro do território nacional (artigo 207 do Código
Penal).

Consoante se sabe, não há qualquer duvida quanto à competência da Justiça


do Trabalho para conhecer e julgar todas as ações em que se discutam os aspectos
trabalhistas, civis e administrativos do trabalho escravo contemporâneo (artigo 114, I,
VI e VII, da CRFB). É de se indagar, assim, qual seria o argumento racional para que
se subtrair da Justiça do Trabalho a competência criminal.

Afigura-se razoável que em um único tema jurídico, determinado órgão do


Poder Judiciário conheça dos seus aspectos trabalhistas, civis e administrativos,
enquanto outro se pronuncia sobre os meandros criminais? A quem interessa tal
dicotomia? À sociedade?

Não quero aqui, de modo algum, desmerecer a atividade da Justiça Comum,


seja ela Estadual ou Federal. Decididamente não é esse o meu propósito. Não há
dúvidas de que a Justiça Comum possui um quadro de magistrados da mais alta
envergadura intelectual, que se mostra absolutamente comprometido com a
materialização dos fundamentos republicanos. Tanto que existem notícias de
algumas condenações em ações versando sobre o tipo penal do trabalho escravo. O
fato concreto e palpável, entretanto, é que o seu campo de atuação,
demasiadamente largo, a impede, por vezes, de priorizar, no oceano profundo das
suas tarefas, questões tão essenciais como, v.g., a do trabalho forçado.

Cuida-se, na verdade, de debater a racionalização da atividade jurisdicional,


de modo a que o Poder Judiciário cumpra as suas responsabilidades com maior
eficiência. Parece-me verdadeira obviedade que a dignificação do cidadão-
trabalhador, consubstanciada nos vetores constitucionais da dignidade da pessoa
humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, III e IV, da

15
CRFB), deva ser encarada como a razão primordial da existência da Justiça do
Trabalho.

Justamente por isso é que o Judiciário Trabalhista tem exibido indicadores tão
vigorosos, desde a sua primeira instância até o Tribunal Superior do Trabalho, no
combate da chaga social do trabalho escravo, que lamentavelmente insiste em
macular a imagem internacional do nosso país em pleno século XXI, não raro
resvalando no trabalho infantil. Este enfrentamento, para nós (incluído, além da
Justiça do Trabalho, o valoroso Ministério Público do Trabalho), é uma questão
central, que jamais receberá tratamento periférico.

Com efeito, o reconhecimento da competência criminal da Justiça do Trabalho


seria, pela racionalização da distribuição competencial entre os órgãos que
compõem o Poder Judiciário, uma enorme contribuição para a erradicação de várias
práticas vergonhosas no Brasil, dentre elas a odiosa exploração escravagista de
trabalhadores.

7 A EXPERIÊNCIA PRÁTICA DA COMPETÊNCIA CRIMINAL DA JUSTIÇA


DO TRABALHO

Não são poucos os colegas magistrados que argumentam que a competência


criminal não deveria ser atribuída à Justiça do Trabalho, na medida em que o tema
sobrecarregar-nos-ia demasiadamente, aumentando, em muito, a nossa já exaustiva
carga de trabalho, de modo a que tenderíamos a perder eficiência na prestação
jurisdicional.

O argumento, evidentemente, merece respeito, necessitando, pois, ser


devidamente desafiado. Acredito que para isso devamos centrar nossa atenção na
experiência prática acontecida na Vara do Trabalho de Indaial – SC, protagonizada
pelo Juiz Reinaldo Branco de Moraes, à qual já me referi mais atrás.

O fato concreto, é que a prefalada experiência prática, que durante bom


tempo gerou frutos dos mais saudáveis, derruba por terra, inapelavelmente, o
argumento daqueles que por ora se revelam refratários à competência penal da
Justiça do Trabalho em virtude do aumento da carga de labor.

É de se sublinhar, primeiramente, que a esmagadora maioria dos tipos


criminais com os quais nos depararemos na nossa atividade judicante comportam
transação penal, podendo ser tratados conjuntamente com a própria questão
trabalhista de sentido estrito (em consonância com o que já descrevemos algures),
inclusive por conciliador sob a orientação do juiz, nos termos dos artigos 72 a 74 da
Lei 9.099-95.

Vale dizer, retornando à experiência prática vivenciada na Vara do Trabalho


de Indaial – SC, que o temor da condenação penal fez com que o número de
conciliações trabalhistas (associadas às transações penais) aumentasse
substancialmente no período em que ali se subministrou a jurisdição penal,
16
alargando-se em muito - frise-se - a expressão pecuniária das avenças
entabuladas.

Na prática, portanto, o exercício da competência penal diminuiu a carga de


trabalho daquele órgão jurisdicional (em face do aumento do número de
conciliações) e aumentou a sua eficiência judicante (em virtude do incremento das
expressões pecuniárias correlatas às avenças homologadas naquele período).

Importante se reproduzir aqui, a propósito do quanto asseverado, as


esclarecedoras palavras do Juiz Reinaldo Branco de Moraes (extraídas do texto a
que fiz menção anteriormente), que após descrever o procedimento penal adotado
na Vara do Trabalho de Indaial – SC, chega às seguintes constatações:

Isso resultou, sem dúvida, na diminuição do número de


ações propostas. Casos repetitivos em face do mesmo
empregador/demandado deixaram de ocorrer, notadamente os
que respondem ou responderam processo-crime na Justiça do
Trabalho.
Com frequência sou procurado por:
a) advogados de empregadores. Relatam estarem
orientando: 1) acerca da competência penal trabalhista; 2) e
incentivando clientes ao cumprimento da lei para evitar
problemas, principalmente de ordem penal, inclusive obtendo
declaração escrita das orientações/recomendações
transmitidas e da advertência atinente ao Direito Penal do
Trabalho;
b) advogados de empregados. Comentam: 1) aumento
do número de acertos nas homologações das rescisões
contratuais; 2) regularização pelos empregadores de situações
outrora só reparadas pecuniariamente, via ação judicial, como
efeito da competência penal trabalhista.
c) empregadores-reclamados: querem sugestões para a
regularização dos problemas que resultaram (ou podem
redundar) em atuação penal.
Enfim, a experiência de poucos meses na VT de
Indaial/SC, a toda evidência, tem demonstrado que somente
com a possibilidade de atuação da Justiça do Trabalho, em
todas as áreas relativas ao trabalho humano, será possível
alcançar o cumprimento da lei e, esta, contém, como sabido,
somente os direitos mínimos.22

Enxerga-se, dessarte, que o Direito Penal do Trabalho, muito antes de estar


preocupado com a segregação prisional, tem o seu foco absolutamente centrado na
maximização da eficiência do sistema jurídico de proteção trabalhista, estimulando,
primordialmente, a transação criminal e a conciliação laboral, de modo a corrigir as
distorções já existentes, além de impedir que outras tantas venham a se consumar.

22
MORAES, Reinaldo Branco de. Op. cit., p. 173 a 174.
17
8 CONCLUSÃO

Rememoro, já ao final do presente artigo, as palavras do Juiz José Eduardo


de Resende Chaves Júnior - a quem tomo a liberdade de citar livremente -, quando
prelecionou-me, em conversas informais que mantivemos, sobre a feição
contemporânea do Direito Penal do Trabalho:

“É verdade que o Direito Penal do Trabalho surgiu no


liberalismo para reprimir as greves e o sindicalismo. Nasceu,
enfim, para proteger a força-trabalho e não o trabalhador.
O fundamental, no entanto, é se ter bem claro que a
perspectiva do Direito Penal do Trabalho no Estado
Democrático de Direito é bem outra. Sua preocupação central
será a de proteger o trabalhador, sua saúde, seu meio
ambiente de trabalho e as suas organizações coletivas.” 23

Acredito de minha parte, munido de convicção inabalável, que nenhum outro


ramo do Poder Judiciário está mais preparado do que a Justiça do Trabalho - com os
seus erros e acertos - para enxergar o Direito Penal do Trabalho nesta perspectiva
democrática.

Somente nós, Juízes do Trabalho, é que saberemos manejar com eficiência o


Direito Penal do Trabalho, de modo a dele extrair aquilo que possui de melhor para a
definitiva afirmação concreta – e não apenas retórica – dos direitos fundamentais de
natureza trabalhista.

Espero que estejamos à altura desta da tarefa histórica, tomando-a pelas


mãos sem temores. A zona de conforto certamente nos cobrará, a tempo e modo,
cada centavo do nosso comodismo. Almejo, ardentemente, que a barbárie não se
cristalize por via da nossa omissão...

23
CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende. Citação livre.
18

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