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Instrumentos de

Avaliação I
Profª Ms. Sandra Mesquita
Sumário

Instrumento de Avaliação I.................................................................................... 3

CORRENTES TEÓRICAS........................................................................................... 3

INTERVENÇÃO PSICOPEDAGOGICA E O QUE PLANEJAR?.......................................... 6

A especificidade do diagnostico psicopedagógico................................................... 15

O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO..................................................................... 24
Instrumentos de Avaliação I

(...) nesse
Instrumento de Avaliação I lugar do processo de aprendizagem
coincidem num momento histórico,
Profª Mestre Sandra Regina Stanziani um organismo, uma etapa genética da
Higino Mesquita inteligência e um sujeito associado a
tantas outras estruturas teóricas, de
cuja engrenagem se ocupa e preocupa
a Epistemologia; referimo-nos princi-
È importante conhecermos os palmente ao materialismo histórico,
fundamentos da Psicopedagogia para assim a teoria piagetiana da inteligência e a
teoria psicanalítica de Freud, enquanto
fundamentarmos nossas escolhas nesse a ideologia, a operatividade e o in-
momento de observação e intervenção consciente. (PAIN apud BOSSA, 2000,
psicopedagógica. Assim temos em p.25)
PORTO(2005) um importante texto de
introdução que nos auxilia refletir : Dessa forma,

(...) a Psico-
pedagogia foi se perfilando como um
CORRENTES TEÓRICAS conhecimento independente e comple-
Olivia Porto mentar, por assimilação recíproca das
contribuições das escolas psicanalíti-
É importante conhecer os fundamentos cas, piagetiana e da psicologia social
de Enrique Pichón-Riviére. Dessa
da Psicopedagogia, pois implica refletir sobre forma, entende esse autor ser possível
as suas origens teóricas, ou seja, revisar compreender a participação dos aspec-
velhos impasses conceituais que subjazem tos afetivos, cognitivos e do meio que
na ação e na atuação da Pedagogia e da confluem no aprender do ser humano.
(VISCA apud BOSSA, 2000, p. 25)
Psicopedagogia no apreender do fenômeno
educativo.
Vale lembrar que, os que se defrontam
Assim, do seu parentesco com com os problemas de aprendizagem, devem
a Pedagogia, a Psicopedagogia traz as fundamentar sua prática na articulação
identificações e contradições de uma da Psicanálise, da teoria Piagetiana, do
ciência cujos limites são os da própria materialismo histórico, dentre outras teorias.
vida humana. Envolve simultaneamente
o social e o individual em processos tanto Por sua
vez, Muller aponta como suportes
transformadores quanto reprodutores. teóricos na Psicopedagogia Clínica:
Da Psicologia, a Psicopedagogia herda o a psicanálise e a Psicologia Gené-
velho problema do paralelismo, psicofísico, tica, bem como a Psicologia Social e
num dualismo que ora privilegia o físico Lingüística. ( BOSSA, 2000, p.25)
(observável), ora psíquico (a consciência).
Portanto,
Essas duas áreas não são suficientes
para apreender o objeto de estudo (...) a psico-
pedagogia terapêutica é um campo de
da Psicopedagogia – o processo de conhecimento relativamente novo que
aprendizagem e suas variáveis – e nortear surgiu na fronteira entre a Pedago-
a sua prática. Dessa forma, recorre-se a gia e a Psicologia. Encontra-se ainda
outras áreas, como a Filosofia, a Neurologia, em fase de organização de um corpo
teórico específico, visando a integração
a Sociologia, a Lingüística, a Psicanálise..., das ciências pedagógica, psicológica,
no sentido de alcançar compreensão desse fonoaudilógica, neurológica e psicolon-
processo. guistica, para uma compreensão mais
integradora do fenômeno da aprendi-

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Instrumentos de Avaliação I

zagem humana. (SCOZ apud BOSSA,


2000, p.26) Dessa forma, o trabalho psicopedagogico na
área preventiva é de orientação no processo
ensino-aprendizagem, visando favorecer a
Sendo assim, apropriação do conhecimento no ser humano,
ao longo da sua evolução. Este trabalho pode
A prática psicopedagógica vem colo- ser feito de forma individual ou na grupal, na
cando questões ainda pouco discuti-
das, de manejo difícil e geradoras de
área da saúde mental e da educação.
conflito. Isto, porque, seu “paciente”,
o sujeito com dificuldades de aprendi- Dessa forma,
zagem, apresenta, quase sempre, um
quadro de comprometimentos que O trabalho
extrapola o campo de ação específico psicopedagogico pode, certamente, ter
de diferentes profissionais, envolvendo um caráter assistencial. Isso acontece
dificuldades cognitivas, instrumentais e quando, por exemplo, o psicopeda-
afetivas. (BARONE apud BOSSA, 2000, gogo participa de equipes responsáveis
p. 26) pela elaboração e evolução de planos,
programas e projetos no setor de edu-
cação e saúde, integrando diferentes
Assim, devido à complexidade de campos do conhecimento. A Psico-
seu objeto de estudo, são importantes a pedagogia ocupa-se, assim, de todo
Psicopedagogia conhecimentos específicos de o contexto da aprendizagem, seja na
área clínica, preventiva, assistencial,
diversas outras áreas, as quais incidem sobre envolvendo elaboração teórica no sen-
os seus objetos de estudos. tido de relacionar os fatores envolvidos
nesse ponto de convergência em que
O campo de atuação do psicopedagogo opera. (BOSSA,2000, p.30)
refere-se não só ao espaço físico onde se
dá esse trabalho, mas especificamente ao Verifica-se assim que são recentes
espaço epistemológico que lhe cabe, ou seja, os problemas ligados às dificuldades de
o lugar deste campo de atividade e o modo aprendizagem no Brasil. A pedagogia,
de abordar o seu objeto de estudo. A forma embasada em estudiosos conceituados (
de abordar o objeto de estudo pode assumir Piaget, Vigotsky, Freinet, Ferreiro, Teberosky,
características específicas, a depender da e outros) tem sido insuficiente para prevenir
modalidade: clínica, preventiva e teórica, ou intervir nesses casos. Nesse contexto,
umas articulando-se às outras. a psicopedagogia surge para auxiliar na
intervenção e na prevenção de problemas de
O trabalho clínico não deixa de aprendizagem.
ser preventivo, uma vez que, ao tratar
alguns transtornos de aprendizagem, Os problemas de aprendizagem têm
origem na constituição do desejo do
pode evitar o aparecimento de outros. O sujeito. Contudo, o fracasso escolar
trabalho preventivo, numa abordagem tem sido justificado pela desnutrição
psicopedagogico, é sempre clínico, por sua e por problemas neurológicos e gené-
vez não deixa de resultar num trabalho ticos. Poucas são as explicações que
enfatizam as questões inorgânicas, ou
teórico. Tanto na prática preventiva como seja, as de ordem de desejo do su-
na clínica, o profissional procede sempre jeito, analisando as questões internas
embasado no referencial teórico adotado. e as externas do não - aprender. (...)
os psicopedagogos tem construído sua
teoria a partir do estudo dos proble-
Ao delimitar o campo de atuação mas de aprendizagem. E a clínica tem
do trabalho psicopedagogico, deve-se, no se constituído em eficiente laboratório
entanto, diferenciar essas modalidades de da teoria. ( BOSSA, 1994b, p.8)
atuação, especificando as suas tarefas.

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Instrumentos de Avaliação I

Tanto na clinica quanto na instituição,


o psicopedagogo atua intervindo como Assim,
mediador entre o sujeito e sua história
traumática, ou seja, a história que lhe causou A psicopedagogia clinica procura com-
preender de forma global e integradora
a dificuldade de aprender. No entanto, os processos cognitivos, emocionais,
o profissional não deve fazer parte do culturais, orgânicos e pedagógicos que
contexto do sujeito, já que ele está contido interferem na aprendizagem, a fim de
na dinâmica familiar, escolar ou social. O possibilitar situações que resgatem o
prazer de aprender em sua totalidade,
profissional deve tomar consciência do incluindo a promoção da integração
problema de aprendizagem e interpretá- entre pais, professores, orientadores
lo para a devida intervenção. Com essa educacionais e demais especialistas
atitude, o psicopedagogo auxiliará o sujeito a que transitam no universo educacional
do aluno. ( BOSSA, 2000. p. 67)
reelaborar sua história de vida, reconstruindo
fatos que estavam fragmentados, e a retomar
o percurso normal de sua aprendizagem. Portanto,
Assim, o trabalho clínico do psicopedagogo
só se completa com a relação entre o sujeito, É fundamental para a psicopedago-
gia que o profissional faça o trabalho
sua história pessoal e sua modalidade de interdisciplinar, pois os conhecimen-
aprendizagem. Já o trabalho preventivo tos específicos das diversas teorias
pretende “evitar” os problemas de contribuem para o resultado eficiente
aprendizagem, utilizando-se da investigação da intervenção psicopedagogica. Por
exemplo, a psicanálise pode fornecer
na instituição escolar, de seus processos embasamento para compreender o
didáticos e metodológicos etc. Enfim, analisa mundo inconsciente do sujeito; a
a dinâmica institucional com todos os psicologia genética proporciona con-
profissionais nela inseridos, detectando os dições para analisar o desenvolvimento
cognitivo do indivíduo; a psicologia
possíveis problemas e intervindo para que a possibilita compreender o mundo
instituição se reestruture. físico e psíquico; a lingüística permite
entender o processo de aquisição da
Entende-se que a clínica seja um linguagem, tanto oral como escrita.
Em todas essas áreas encontramos
lugar de ajuda, que, no caso do trabalho autores renomados, que contribuem
psicopedagogico está relacionado, também, para o crescimento da psicopedagogia,
com o espaço de atuação do profissional – tanto no âmbito preventivo quanto
tanto nas escolas quanto em consultórios, clínico. (PINTO, 2003, p.37)
predominando, na instituição escolar, o
trabalho preventivo e, no consultório, o Pode-se concluir que o campo
clínico. da atuação da psicopedagogia é a
aprendizagem, e sua intervenção é
Assim, entende-se como entendimento preventiva e curativa, pois se dispõe a
psicopedagogico clínico a investigação e detectar problemas de aprendizagem e
a intervenção para que se compreenda “resolvê-los”, além de preveni-los, evitando
o significado, a causa e a modalidade de que surjam outros. No enfoque preventivo, o
aprendizagem do sujeito, com o intuito de papel do psicopedagogo é detectar possíveis
sanar as dificuldades. A marca diferencial problemas no processo ensino-aprendizagem;
entre o Psicopedagogo e outros principais participar da dinâmica das relações da
profissionais é que seu foco é o vetor da comunidade educativa, objetivando favorecer
aprendizagem, assim como o neurologista processos de integração e trocas; realizar
prioriza o aspecto orgânico; o psicólogo, a orientações metodológicas para o processo
“psique”, o pedagogo, o conteúdo escolar. ensino-aprendizagem, considerando as

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características do indivíduo ou grupo; colocar prática, analisando sua natureza, suas


em prática alguns processos de orientação características e suas limitações.
educacional, vocacional e ocupacional em
grupo ou individual. Estando claro o que Entenderemos a psicopedagogia como uma
é a psicopedagogia, e qual a sua área de área interessada em investigar a relação da
atuação, cabe-nos refletir sobre os recursos criança com o conhecimento. Esta relação
que o psicopedagogo utiliza para detectar pode configurar-se como problemática,
problemas de aprendizagem e neles intervir. em razão de aspectos pedagógicos e/ou
psicológicos. Dentre estes últimos, incluem-
Referência: Correntes Teóricas(p,88 a p.93) se aqueles associados a aspectos afetivos e/
, in Bases da Psicopedagogia Diagnóstico e ou cognitivos.
Intervenção nos problemas de aprendizagem.
PORTO. Olivia, Walk Editora, Rio de Janeiro Piaget (1920) já apontara as diferenças
2005, entre o pensamento da criança pequena
e o do adulto e sugerira tratamentos
A partir dessas escolhas de fundamentação diferentes para pensamentos de qualidades
apresentadas pela autora no texto anterio, diferentes. Conhecer as características
realizamos nossas escolhas em nosso do pensamento da criança pode auxiliar
campo de atuação quanto ao primeiro o profissional a planejar uma intervenção
passo de abordagem no atendimento que pretenda desenvolver o pensamento
psicopedagogico que consiste em investigar e o raciocínio. Este autor apresentara um
o diagnostico apresentado, na intervenção método de investigação do pensamento
psicopedagogica, e escolher quais serão infantil. ressaltando a importância de se
nossas estratégias para mediar... investigarem as crenças das crianças e sua
resistência à interferência do adulto, o que
pode ser interessante quando se pensa na
INTERVENÇÃO escola como exercendo urna influência sobre
o desenvolvimento e a aprendizagem da
PSICOPEDAGOGICA E O QUE criança. Enfatizara, ainda, a necessidade
de se estudar o pensamento da criança
PLANEJAR? pequena, para pesquisar suas características
Maria Thereza C. C. de Souza próprias, opondo-se à visão de que a
criança comparada ao adulto apresentaria
Freqüentemente, nos cursos de formação “deficiências” de pensamento. Assim, uma
em psicopedagogia, discute-se a questão da intervenção poderá se diferenciar em virtude
intervenção, assim como a do diagnóstico das características de cada criança, no que
psicopedagógico. É importante destacar as diz respeito ao seu pensamento e também
relações mútuas entre as duas atividades, já no que se refere aos outros aspectos de seu
que um bom diagnóstico é necessário para o desenvolvimento.
planejamento de uma intervenção adequada.
Não é fácil fazer um bom diagnóstico, bem Que é intervir?
como não é fácil planejar e realizar uma boa Professores e psicopedagogos utilizam
intervenção. Tanto para um como para outro, bastante a palavra “Intervenção”, para
devem-se estabelecer critérios. referir-se a diversas atividades realizadas
dentro e fora da escola. Mas que significa
Este trabalho pretende discutir várias intervir? O dicionário nos informa que um
modalidades de atividades utilizadas como significado para a palavra intervenção
intervenção pelos psicopedagogos em sua é “mediação” e, para o verbo intervir,

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“colocar-se no meio”. Ao pensar sobre estes aprendizagem do sujeito, o qual pode estar
significados das palavras, imediatamente nos apresentando problemas. Na intervenção, o
lembramos de várias formas de mediação procedimento adotado interfere no processo,
às quais a criança está submetida, ou seja, com o objetivo de compreendê-lo, explicitá-lo
várias pessoas e instituições que se “colocam ou corrigi-lo. Introduzir novos elementos para
no meio”, entre a criança e o mundo físico e o sujeito pensar poderá levar à quebra de
social, desde o início de sua vida. A família um padrão anterior de relacionamento com o
ou, mais precisamente, os pais ou adultos mundo das pessoas e das idéias. É isso que
são os primeiros mediadores, aqueles que ocorre na intervenção terapêutica. Uma fala,
apresentam o mundo à criança, os que um assinalamento, uma interpretação são
ensinam os primeiros hábitos, valores, leis exemplos de intervenções, com a finalidade
e regras. Interpõem-se entre a criança e o de desvelar um padrão de relacionamento,
mundo lá fora, fazendo um recorte, filtrando uma relação com o mundo e, portanto, com o
as informações, propiciando a construção conhecimento.
de uma nova personalidade, a qual sofrerá
talvez para sempre a interferência das Quatro visões sobre a intervenção
figuras paternas, reais e imaginárias. Sem psicopedagógica
dúvida, a família intervém e a qualidade
dessa mediação dependerá da organização Um dos objetivos da psicopedagogia é a
da própria família. É ela a fonte das primeiras intervenção, a fim de “colocar-se no meio”,
aprendizagens da criança e também. O motor de fazer a mediação entre a criança e seus
dos primeiros desenvolvimentos. objetos de conhecimento. Vários autores
preocuparam-se em configurar o campo e a
A escola e os professores são também natureza da intervenção psicopedagógica.
importantes mediadores, pois se interpõem
entre a criança e o mundo social mais Vinh-Bang (1990) apresenta uma
amplo e se responsabilizam por ensinar- modalidade de intervenção baseada no
lhes conteúdos, por fazê-las aprender, método clínico piagetiano e aponta três
por desenvolver sua inteligência e sua níveis nos quais a intervenção pode se dar:
afetividade. A escola intervém com no nível individual do aluno, para preencher
novos materiais e objetos para pensar, lacunas e corrigir atrasos; no nível coletivo
aproveitando (umas mais e outras menos) as ‘de um conjunto de alunos. Para dar conta
experiências trazidas pela criança. Tal como de elementos que foram negligenciados;
a família, a escola seleciona o que considera e no nível da escola, para reduzir a
importante de ser aprendido, filtra, faz um desadaptação escolar. O autor trabalha com
recorte e “toma as rédeas” do processo de a idéia de insuficiência, definindo-a como
aprendizagem de seus alunos. Seja qual for “todo e qualquer erro nas produções dos
a metodologia seguida, uma coisa é certa: alunos, quaisquer que sejam a freqüência,
na escola ocorre intervenção, cujo objetivo a proveniência ou a natureza. Tais erros
central é a aprendizagem de conteúdos podem ou não convergir ao insucesso, a uma
selecionados’ como importantes para a vida produção considerada como insuficiente” (p.
futura da criança no mundo social a que ela 2). Com base nessa idéia de insuficiência,
pertence. há que se buscar entender o processo de
produção dos alunos e não somente seus
Num sentido mais específico, fala-se em resultados finais; deve-se olhar o sucesso
intervenção como uma interferência que um e o insucesso e reconstituir o processo
profissional (educador ou terapeuta) realiza de produção de resposta do aluno, o que
sobre o processo de desenvolvimento e/ou

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Instrumentos de Avaliação I

permitirá determinar o local e a incidência do foram resolvidos no momento certo e que


erro. deixaram lacunas nas aquisições. Se uma
classe de alunos erra num conjunto de vários
Assim sendo, Vinh-Bang (1990) analisa a conteúdos, esse erro poderá ser conseqüência
questão da percepção e da análise dos erros do próprio sistema escolar, do método de
na escola. Sobre a primeira, nos diz que, ensino, do programa de estudos e também
quando ocorre o erro por parte do aluno, da formação do professor. Cremos que não
tal fato pode conscientizá-lo das razões do necessariamente este tipo de erro deve-se,
insucesso. Isso porque os erros indicam como diz Vinh-Bang, ao sistema escolar, pois
que os procedimentos de pensamento poderá estar ocorrendo um erro por parte de
devem ser alterados (corrigidos), em razão um grupo ou classe de alunos que não tenha
dos resultados obtidos, o que leva o aluno ainda condições cognitivas para assimilar
a buscar compreender os procedimentos (em termos piagetianos) aqueles conteúdos.
anteriores e buscar novos procedimentos Isto deixaria a responsabilidade ainda com
para ter sucesso na próxima vez. A percepção o(s) sujeito(s) e não, como quer Vinh-bang,
dos erros é o primeiro passo para a sua com o sistema escolar, o método de ensino
análise e para a tomada de consciência ou a formação do professor. O mesmo autor
dos procedimentos utilizados para resolver sugere que, no caso do erro de um só aluno,
os problemas apresentados na escola. a intervenção deverá levar em conta uma
Quando é o professor que percebe os erros, avaliação pedagógica para examinar o estado
ele poderá reexaminar o conteúdo dado e dos seus conhecimentos de base e também
também sua metodologia. Numa perspectiva uma avaliação psicológica para constatar o
em que é importante considerar os erros, nível de funcionamento dos instrumentos
o autor apresenta princípios que considera de pensamento, avaliação essa que poderá
importantes para esta análise, a saber: revelar a natureza das dificuldades que
estão atrapalhando a elaboração dos
1. Toda resposta é significativa, pois toda conteúdos. No caso dos erros coletivos, a
produção reflete um estado de conhecimento; intervenção, para o mesmo autor, poderá
dar mais ênfase à revisão do programa de
2. Toda resposta é válida; estudos, a reavaliação do trabalho didático-
pedagógico do professor e o exame do nível
3. Toda resposta depende da pergunta de aproveitamento global da classe.
feita, de sua forma e de sua natureza. A
pergunta “reflete um sistema pedagógico A intervenção nesta perspectiva deverá
geral, ou um estilo didático particular” (p. 4). levar em conta o exame dos seguintes
elementos:
Segundo Vinh-Bang, com base nesses
princípios, a primeira etapa da análise dos 1. Consciência do objetivo, ou seja, o
erros é o estudo de sua natureza: erros sujeito entendeu o sentido da pergunta?
individuais ou coletivos. A segunda etapa é
a análise do seu conteúdo: erros específicos 2. Reconstituição do procedimento que deu
a um conteúdo, ou comuns a um conjunto origem à resposta e
de conteúdos. Se um aluno erra num
conjunto de conteúdos, ele próprio é que 3. Constatação do erro.
é colocado em questão, isto é, trata-se de
uma desadaptação de sua parte em relação Ainda com relação à intervenção,
à escola, a qual poderá ser resultante de Vinh-Bang nos diz que, quando ocorrer a
um acúmulo de erros anteriores, que não reestruturação dos conhecimentos lacunares

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Instrumentos de Avaliação I

e o desbloqueio do funcionamento operatório, como processo que não é apenas o oposto de


será possível remediar a situação. Para aprendizagem, mas que tem características
este autor, lacuna não seria uma falta próprias, as quais informam sobre como
(ausência), mas uma “falsa aquisição”. o sujeito se mantém ignorando. A autora
Piaget, entretanto, utiliza o termo lacuna para chama a atenção para o modo como
referir-se a um tipo de perturbação que é um deixamos de lado aqueles que fazem algo
obstáculo à assimilação por parte do sujeito diferente do usual ou da norma.
de um ou mais objetos e que está associada
à falta de um elemento que feche o sistema. Trata o não - aprender como sintoma que
Vinh-Bang é favorável à análise da hierarquia precisa ser desvendado e cujas origens estão
dos conhecimentos para que ‘se possa na constituição orgânica (que estabelece os
fazer sua reconstrução. A intervenção será limites) e na articulação criança-pais. Busca,
programada seguindo os passos da hierarquia assim, o sentido da ignorância no triângulo
dos conhecimentos. Isto consistirá em edípico.
imaginar provas que provoquem a aparição
dos erros esperados “e que convidem o Sobre o tratamento psicopedagógico, diz
aluno a um procedimento corretor” (p. 9). que este é: 1. sintomático; 2. situacional
Tais provas deverão ser adaptadas ao nível e 3. operativo. Ser sintomático significa
de conhecimentos do aluno e também ao que está centrado no fato de a criança não
seu nível de pensamento para que, diante poder integrar os objetos de conhecimento.
de uma situação-problema, o aluno possa Ser situacional refere-se ao fato de estar
ultrapassar o obstáculo (perturbação) e baseado quase que exclusivamente naquilo
atinja construções novas (por meio de novas que ocorre na sessão, mas a ênfase não é na
regelações). Para Vinh-Bang (1990), o exame transferência, e ser operativo diz respeito ao
do nível de desenvolvimento cognitivo é fato de que a relação é feita em torno de uma
negligenciado na escola, onde os “apoios” tarefa prática e concreta.
pedagógicos e as “recuperações” estão mais
centrados nos conteúdos a serem adquiridos. “Os objetivos básicos do tratamento
Este exame permitiria evidenciar as “lacunas” psicopedagógico são, obviamente, a
específicas de certas áreas, uma vez que as desaparição do sintoma e a possibilidade para
aquisições espontâneas não se constroem o sujeito de aprender normalmente ou, ao
na mesma velocidade, o que significa que o menos, no nível mais alto que suas condições
aluno pode ter efetuado uma aquisição para orgânicas, constitucionais e pessoais lhe
um conteúdo e não ainda para outro. permitam” (p. 80).

Em suma, para este autor, a intervenção Assim sendo, o tratamento deveria


“consiste em criar situações tais que o aluno permitir uma aprendizagem que fosse uma
é chamado a agir mentalmente, de uma realização para o sujeito, uma aprendizagem
maneira que seja estruturante, integrando independente que se manifestasse na
suas ações num sistema de coordenação e de relação com a tarefa e não com o psicólogo.
composição operatórias” (p. 9). Deveria também propiciar uma correta
autovalorização. Para Paín (1985), a
Paín (1985) também trata do tema avaliação da tarefa é uma aprendizagem
da intervenção juntamente com o do tão importante quanto a própria tarefa, pois
diagnóstico, em crianças com problemas de vai dar ao sujeito a dimensão daquilo que
aprendizagem. Em sua proposta articula a ele pode, do que é capaz de fazer. Tendo
teoria psicanalítica com a teoria piagetiana. como base esses objetivos do tratamento
Apresenta a noção de não-aprendizagem

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Instrumentos de Avaliação I

(intervenção), a autora sugere técnicas gerais Fernández (1987) tratou as dificuldades


que garantiriam o seu cumprimento: para aprender como “fraturas” no processo
de aprendizagem, em que três dimensões
1. organização prévia da tarefa; estão sempre presentes: a do corpo, a da
inteligência e a do desejo, Para o tratamento
2. gradação da tarefa (para esta técnica desta última dimensão, recorre à teoria
é que o psicólogo estaria menos preparado, psicanalítica e para tratar a inteligência
pois requer conhecimentos pedagógicos); utiliza-se de conceitos extraídos da teoria
de Piaget. Refere-se em sua obra a um
3. auto-avaliação (referente ao trabalho institucional e multidisciplinar sobre
conhecimento por parte dos sujeitos da as dificuldades de aprendizagem traçando
finalidade da tarefa); estratégias para a prevenção, diagnósticas
precoces e também para a intervenção
4. historicidade (o trabalho 3 vezes por psicopedagógica. Seu trabalho, realizado
semana dá ao paciente uma idéia de sua em instituições hospitalares, na Argentina,
história de aprendizagem); apresenta uma proposta de diagnóstico
realizado por uma equipe multidisciplinar
5. informação (o tratamento trabalha com e em uma só jornada, o que evitava que
a integração e com a não-justaposição de o paciente ficasse por vários meses se
informações); e submetendo ao processo diagnóstico, o
que nem sempre ele levava até o final, por
6. indicação (relativa aos assinalamentos falta de disponibilidade para comparecer às
e interpretações que o psicólogo faz sobre a entrevistas.
situação de aprendizagem).
Com relação ao diagnóstico, a mesma
Nota-se que, para Paín, o tratamento autora considera a relação entre o
psicopedagógico deve ser realizado por um aprendente (aluno) e o ensinante (professor
psicólogo, talvez porque suponha que uma ou instituição escolar), a qual, quando
formação clínica seja necessária para sua desvendada, permite o acesso à relação do
realização, da maneira como ela propõe. sujeito com o conhecimento, levando em
Isto porque a ênfase do tratamento é a conta seus aspectos corporais, intelectuais e
explicitação do significado do sintoma de afetivos.
não - aprender para o sujeito e, sobretudo, A autora apresenta como estratégia
para a organização familiar, tendo como diagnóstica o uso do jogo numa atividade que
referencial teórico a teoria psicanalítica. A denomina hora de jogo psicopedagógico, na
autora, em sua obra, sugere igualmente que qual, segundo ela, o espaço para jogar reflete
se avaliem as queixas trazidas pelo cliente o espaço para aprender da criança.
para discriminar qual a mais urgente: se é
a pedagógica ou a psicológica, No caso de “O saber se constrói fazendo próprio o
uma queixa configurada como escolar e mais conhecimento do outro e a operação de fazer
circunscrita a este desempenho, far-se-á o próprio o conhecimento do outro só se pode
tratamento do distúrbio de aprendizagem, No fazer jogando. Aí encontramos uma das
caso de uma queixa que se refere também a intersecções entre o aprender e o jogar” (p.
outras esferas da vida do cliente, ela sugere 165).
a realização de uma psicoterapia, sendo que
nunca deverão ser realizados tratamentos Ao tratar o espaço de jogar, baseia-se
simultâneos. nas idéias de Winnicott sobre o jogar e o
espaço transicional. Este último coincide

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Instrumentos de Avaliação I

com o espaço de aprender. O exemplo citado de ação subjacente”; buscar a repetição dos
por Fernández é bem elucidativo: “Quando esquemas de ação, e interpretar a operação
uma criança brinca de andar de avião com mais do que o conteúdo.
uma vassoura está negando que a vassoura
é uma vassoura. Ao usá-la como avião, Ao tratar da questão do diagnóstico, a
acredita que é um avião. Porém, ao mesmo autora dá pistas de como este poderá auxiliar
tempo em que está negando que é uma no planejamento de uma intervenção ou
vassoura, e acreditando que é um avião, tratamento. Os casos clínicos discutidos e
está negando que é um avião e acreditando apresentados em sua obra A inteligência
que é uma vassoura. Não vai se atirar de aprisionada ilustram a proposta de
um primeiro andar, montando a vassoura- diagnóstico feito por equipe multidisciplinar,
avião. Quando não pode jogar, pode ser bem como informam sobre os elementos que
que só possa ver a vassoura como vassoura este diagnóstico oferece para se intervir. Na
(hiperacomodaçãoJ, ou que a transforme num realidade brasileira, ainda deparamos com
avião (hiperassimilação). Em nenhum desses um diagnóstico feito aos poucos, isto é, numa
casos poderá aprender nada, nem sobre seqüência de encaminhamentos, o que leva
vassouras nem sobre aviões” (p.165-166). a uma demora maior no processo e a uma
dificuldade de integração dos resultados.
Fernández propõe um olhar clínico para Cada vez mais se torna necessário o
os problemas de aprendizagem e uma trabalho em equipe multidisciplinar para
atitude que se resume em escutar e traduzir atender mais rapidamente à clientela,
o material trazido pelo cliente. Para isso, o assim como refletir sobre os pontos de
psicopedagogo deverá formar-se, inclusive intersecção das observações feitas pelos
fazendo um trabalho consigo mesmo em diferentes profissionais, o que conduzirá
relação às suas dificuldades para aprender a um diagnóstico mais integrado. Como
(deverá levantar sua história e trabalhá- conseqüência, poder-se-á planejar uma
la). Para a autora, saber não é o mesmo intervenção que atenda mais adequadamente
que conhecer. O saber está associado à ao problema da criança.
experiência, “é transmissível só diretamente,
de pessoa a pessoa, experiencialmente; não Macedo (1992), por sua vez, apresenta
se pode aprender através de um livro, nem uma visão construtivista da psicopedagogia,
de máquinas, não é sistematizável...” (p. derivada da epistemologia construtivista de
129). O conhecimento pode ser adquirido Piaget. Com base nessa teoria, sugere um
por meio de livros ou máquinas, pode ser tipo de intervenção.
sistematizado em teorias. Esta distinção se
aplica também ao saber psicopedagógico. “... A meta de uma psicopedagogia
Este último se obtém com base na construtivista é criar condições para que o ser
experiência e no tratamento psicopedagógico humano possa e queira (na dupla perspectiva
didático, que é o trabalho de auto-análise funcional e estrutural) estabelecer suas
das próprias dificuldades e possibilidades relações com o mundo em um nível
no aprender, necessário à formação do operatório formal” (p. 127).
psicopedagogo.
O autor sugere o uso de jogos de regras
Assim, propõe um guia para conseguir com um propósito psicopedagógico, pois
uma escuta psicopedagógica: escutar- estes apresentam uma situação-problema,
olhar; deter-se nas fraturas do discurso; um resultado e um conjunto de regras que
observar e relacionar com o que aconteceu determinam os limites dentro dos quais a
previamente à fratura; descobrir o “esquema situação-problema e os resultados serão

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Instrumentos de Avaliação I

considerados. Assim, permitem ao sujeito ações a outro patamar: o da reflexão. Para


considerar suas ações e operações e rever demonstrar o que ocorre com a compreensão
seus procedimentos, sobretudo aqueles da criança sobre o erro, Macedo (1992)
que levaram a erros. A análise dos erros e apresenta a clássica divisão, em níveis, de
das estratégias das crianças é possibilitada Piaget. No Nível I, simplesmente não há erro,
pelos jogos e com base nela poderá ocorrer o qual é recalcado, sendo que as contradições
uma correção muito mais eficaz do que que aparecem entre as respostas não
aquela propiciada por um assinalamento podem ser enxergadas, para não causarem
do psicopedagogo para algo que nem conflitos. As tentativas exteriores de mostrar
sempre a criança está podendo enxergar e as contradições não funcionam. No Nível
compreender. Tal como Vinh-Bang (1990), 11, o erro surge como um problema que
assinala a importância de qualquer resposta a criança tenta resolver, mas ainda por
da criança, visto que toda resposta denota tentativas (ensaio e erro), pois não alcança
um nível de desenvolvimento do pensamento compreendê-lo integralmente. Reconhece-o
e um modo de funcionamento. Assim sendo, depois de tê-lo cometido, mas não consegue
devem ser considerados os sucessos e evitá-lo. Interferências externas servem
insucessos, as estratégias boas e más. para problematizar a situação, mas ainda
são ações que permanecem exteriores. No
Para Macedo (1992), os jogos permitem à Nível 111, a criança consegue superar o erro,
criança produzir e compreender situações no porque o compreende e interpreta como um
sentido do binômio “réussir” e “comprendre”, problema, conseguindo antecipá-lo ou anulá-
de Piaget. “O fazer (réussir) é produto da lo, o que significa que já tem condições de
coordenação de ações articuladas no espaço pesquisá-lo e pré-corrigi-lo. Isto, segundo
e no tempo com transformações (relações Piaget em sua teoria da equilibração, faria
causais) entre objetos orientados à realização com que ocorresse uma compensação da
do objetivo proposto. Compreender é perturbação inicial. Aqui, continua Macedo,
conseguir dominar em pensamento estas o problema é trazido pelo próprio sistema
mesmas situações até poder resolver os do sujeito e, portanto, é interior a ele, o que
problemas por elas levantados e desvendar confere ao sujeito certa autonomia.
as ligações utilizadas na ação” (p. 130).
Para este autor, esses níveis, facilmente
Nesta perspectiva, a análise do jogar observados na situação de jogo, podem
permite investigar os erros das crianças e ser enxergados também na situação de
torná-los observáveis, no sentido piagetiano, aprendizagem da criança. Nessa última,
isto é, “produtos de uma interpretação do também a criança pode ignorar seus erros
sujeito de sua própria ação, bem como do ou tê-los problematizados, com a ajuda do
objeto sobre o qual se dá” (p. 135). Quando professor, para superá-los pré-corrigindo-
se trata de uma intervenção, o erro se os, o que leva à compreensão do problema.
tornará um observável em dois planos: o Desse modo, as idéias de Macedo (1992)
das ações e o dos objetos sobre os quais ele aproximam-se das de Fernández (1987)
incide o que proporcionará à criança uma sobre espaço de jogar e espaço de aprender,
ampliação do seu sistema de compreensão, ainda que esta autora enfatize em sua
em razão da correção dos procedimentos análise os aspectos afetivos envolvidos no
utilizados e da superação da fase anterior. A ato de jogar e no ato de aprender, assim
nosso ver e de acordo com Macedo, pensar como utilize esta ideia de espaço de jogar, no
sobre o erro e tomá-lo como um observável processo diagnóstico e não propriamente no
poderá levar a criança a tomar consciência de intervenção. Macedo (1992) apresenta-
de seus procedimentos, elevando suas nos os jogos como um recurso técnico, numa

12
Instrumentos de Avaliação I

perspectiva psicopedagógica, baseada em 1. estratégias que visam à recuperação,


Piaget, o que oferece ao psicopedagogo por parte das crianças, de conteúdos
uma opção a mais para sua prática, além escolares avaliados como deficitários;
das provas e situações-problema estudadas
pelo mestre de Genebra. Os jogos podem 2. procedimentos de orientação de estudos
ser utilizados na escola ou na clínica como (organização, disciplina, etc.);
instrumentos que propiciam o estudo do 3. atividades como brincadeiras, jogos
pensamento da criança, de sua afetividade de regras e dramatizações realizadas
e de suas possibilidades de estabelecer na escola e fora dela, com o objetivo de
relações sociais. As ações da criança ao promover a plena expressão dos afetos
jogar darão indícios importantes de como e o desenvolvimento da personalidade
ela age diante dos objetos de conhecimento, de crianças com e sem dificuldades de
de como compreende com base em suas aprendizagem;
ações a realidade em que vive. Além disso,
a característica lúdica dos jogos permite que 4. atendimentos em consultório de crianças
a criança tenha uma atitude mais livre de com dificuldades de aprendizagem na escola
exploração e entendimento das situações- (encaminhamentos feitos pela própria
problema, o que nas situações mais formais escola); e
de sala de aula nem sempre ocorre. Em
suma, os jogos permitem o diagnóstico 5. pesquisa de instrumentos que podem
dos modos de pensar da criança, bem ser utilizados para auxiliar o processo de
como podem ser um bom instrumento de aprendizagem de crianças, bem como o
intervenção para a compreensão e superação seu desenvolvimento, no que se refere à
de dificuldades de aprendizagem. inteligência e afetividade.

Considerando que os aspectos cognitivos As duas primeiras modalidades:


e afetivos estão sempre presentes em recuperação de conteúdos e organização
qualquer ação da criança, é importante de estudos referem-se a intervenções que
que o psicopedagogo saiba aproximar e, têm como objetivo repassar os conteúdos
ao mesmo tempo, distinguir as diferentes escolares e os hábitos de aprendizagem,
perspectivas de análise de sua ação. Em tendo como hipótese que, sanando as
sua prática, a ênfase num aspecto poderá deficiências nestes aspectos, o processo de
promover mudanças também no outro, e aprendizagem transcorrerá sem nenhum
reciprocamente. Cabe a ele conhecer seus problema. Trata-se, portanto, de preencher
próprios limites de análise para objetivar a lacunas no nível dos conteúdos escolares (no
natureza e o alcance de sua intervenção. sentido de Vinh-Bang), o que pode ser muito
útil para a criança, se a razão de seu mau
Modalidades de intervenção desempenho for de ordem pedagógica.

Tendo visto algumas possibilidades de A terceira atividade psicopedagógica


diagnóstico e intervenção psicopedagógica, (brincadeiras, jogos de regras e
vamos agora analisar algumas atividades dramatizações) pode ser realizada com
denominadas psicopedagógicas. Hoje quaisquer crianças, pois seu objetivo é
em dia são denominadas intervenções auxiliar o processo de desenvolvimento
psicopedagógicas: do pensamento e da afetividade. Como o
desenvolvimento psicológico é condição
importante para a aprendizagem escolar,
trata-se, portanto, de atividades de natureza

13
Instrumentos de Avaliação I

psicológica, as quais poderão ser utilizadas ou compreensão desencadeia a necessidade


em sala de aula ou fora dela para ajudar de um trabalho sobre os aspectos afetivos
o desempenho pedagógico das crianças, associados ao ser capaz de pensar ou dever
com ou sem dificuldades para aprender. Um ser ignorante. Na quarta modalidade, a
exemplo dessa atividade é a realizada no natureza é, pois, psicológica e a ênfase é
Laboratório de Psicopedagogia do Instituto o desenvolvimento da criança como um
de Psicologia da USP (LaPp). Ali, profissionais ser único e indivisível. O atendimento em
da área de psicologia e pedagogia oferecem consultório, mais do que nunca, testemunha
oficinas de jogos de regras para crianças a importância das equipes multidisciplinares
de 10 grau, oportunizam o jogar das para a realização de um diagnóstico e
crianças e apresentam situações-problema intervenção adequadas ao problema
usando jogos de regras, para que elas emergente da criança.
possam compreender suas estratégias de
pensamento e melhorar seu desempenho Finalmente, a quinta atividade,
escolar. Professores de 10 grau interessados denominada atividade de pesquisa, tem
em refletir sobre uma visão construtivista o objetivo de investigar possibilidades de
piagetiana da psicopedagogia também podem intervenção, de desenvolver estratégias que
participar de cursos e oficinas de jogos de permitam à criança com ou sem dificuldades
regras, nos quais têm a oportunidade de desenvolver-se plenamente. Intervir fazendo
jogar diversos jogos de regras, resolver pesquisa é apresentar à criança novos
situações-problema e discutir questões instrumentos, recursos que busquem auxiliá-
teóricas tomando como referência a teoria la a pensar, para comparar as informações
piagetiana e a experiência do jogar. trazidas por instrumentos diferentes e
planejar modos de utilização daqueles mais
As atividades de atendimento em eficazes. Cabe ao psicopedagogo pesquisar
consultório (quarta modalidade) atendem a novos recursos que possa utilizar em sua
encaminhamentos, normalmente por parte da prática, para melhorá-la e para proporcionar
escola, e são, portanto, de natureza clínica, aos seus clientes um atendimento mais
quando há uma queixa explícita relacionada eficaz.
ao desempenho escolar ou a dificuldades
para aprender. Estes atendimentos tendem Considerações finais ;
a encarar a dificuldade de aprendizagem
como um sintoma de um problema no Existem outras modalidades de
desenvolvimento da afetividade da criança, atendimento psicopedagógico que são
o qual repercute na esfera intelectual. A praticadas pelos profissionais da área da
hipótese nesse caso é a de que, tratando- psicopedagogia, além das tratadas neste
se os aspectos afetivos da criança, ocorrerá trabalho.
uma repercussão nos aspectos cognitivos, o
que nem sempre ocorre a curto prazo. Muitas Neste contexto, foram apontadas
vezes, o tratamento provoca inicialmente apenas as modalidades mais freqüentes de
uma desorganização geral da criança para atendimentos, com o objetivo de desvendar-
somente num segundo momento promover lhes, a natureza e as características próprias,
melhoras. Existem também atendimentos para que o profissional possa refletir sobre
realizados em consultórios que utilizam o alcance da mediação a que ele se propõe
estratégias da modalidade “3” com um olhar quando planeja e inicia uma intervenção,
mais voltado para a questão cognitiva. O que para que tenha noção de seus limites e
ocorre muitas vezes, nesse caso, é que o dificuldades. A discussão dos atendimentos
trabalho sobre a dificuldade de pensamento do psicopedagogo com outros profissionais

14
Instrumentos de Avaliação I

enfantine”. Journal de Psychologie Normale et


da área, supervisionados por um profissional
Pathologique, 1920, année 25, 31-60.
mais experiente, permitirá esclarecer as
-. A equilibração das estruturas cognitivas-
idéias, ampliar as alternativas de atividades
problema central do desenvolvimento. Rio de
a serem realizadas e poderá se tornar um
Janeiro, Zahar, 1975.
espaço para o pensar do psicopedagogo, tão
Referências:
importante quanto aquele que ele oferece Atuação Psicopedagógica e a aprendizagem
às crianças. Possivelmente poder-se-á aliar escolar / Firmino Fernandes Sisto...[et al.]. –
uma e outra modalidade de atendimento, Petropolis, RJ: Vozes, 1996.
como, por exemplo, a primeira (recuperação
de conteúdos avaliados como deficitários)
e a terceira (brincadeiras, jogos de regras, A especificidade do
dramatizações que visem ao desenvolvimento
cognitivo e afetivo da criança), sendo que a diagnostico psicopedagógico
primeira priorizaria os conteúdos escolares
e a terceira o desenvolvimento de formas Edith Rubinstein
“melhores” (no sentido de uma qualidade
superior em termos de desenvolvimento) de A inclusão do termo “especificidade”
elaboração desses conteúdos. Assim sendo, no título desta reflexão é a indicação
ao profissional que planeja uma intervenção de que a psicopedagogia atualmente
não bastaria auxiliar a criança ou adulto a conseguiu desenhar um contorno, uma
fazer mais relações entre os conteúdos de fronteira que é o produto da construção
suas experiências com o mundo (extensão), de sua identidade, podendo-se, portanto,
mas também buscar possibilidades pensar na especificidade do diagnóstico
mais diferenciadas e, ao mesmo tempo, psicopedagógico.
integradas às já existentes, de incorporar
estes conteúdos (compreensão). Caberia A psicopedagogia tem por objetivo
ao profissional, portanto, saber investigar, compreender, estudar e pesquisar a
levantar hipóteses, bem como avaliar os aprendizagem nos aspectos relacionados
resultados de seus atendimentos, baseado com o desenvolvimento e ou problemas de
em referenciais teóricos consistentes, os aprendizagem. A aprendizagem é entendida
quais, a nosso ver, permitirão reflexões ricas aqui como decorrente de uma construção,
e produtivas, para sua formação profissional. de um processo, o qual implica em
questionamentos, hipóteses, reformulações,
enfim, implica um dinamismo. A
Referências Bibliográficas psicopedagogia tem como meta compreender
VINH-BANG. nA intervenção psicopedagógica”. a complexidade dos múltiplos fatores
In Archives de Psychologie, 1990, 58, 123-135. envolvidos neste processo.
FERNÁNDEZ, A. A inteligência aprisionada.
Porto Alegre, Artes Médicas, 1990 (Edição Embora hoje possamos observar os
original em 1987). aspectos teóricos da psicopedagogia, ela
MACEDO, L. de. “Para uma psicopedagogia surgiu de uma prática que foi buscar na
construtivista”. In Novas contribuições
teoria uma fundamentação. Quando se
da psicologia aos processos de ensino e
menciona a “práxis psicopedagógica”,
aprendizagem, organizada por Eunice Soriano
entende-se uma prática fundamentada por
de Alencar. São Paulo, Cortez, 1992.
reflexão teórica.
PAíN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas
de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas,
1985. Com o intuito de organizar o conteúdo
PIAGET, J. “Psychopedagogie et mentalité desta reflexão vou distribuí-lo nos

15
Instrumentos de Avaliação I

seguintes subtemas: 1) Contextualizando consideração a totalidade dos fatores


a psicopedagogia para caracterizar nele envolvidos, para, valendo-se desta
o diagnóstico psicopedagógico; 2) investigação, entender a constituição da
Conceituando aprendizagem para a dificuldade de aprendizagem.
construção dos critérios de diagnóstico, 3}
Diagnóstico psicopedagógico clínico. A investigação dos múltiplos fatores
envolvidos irá também ampliar e ao mesmo
1. Contextualizando a Psicopedagogia para tempo limitar o processo diagnóstico. A
caracterizar o diagnóstico psicopedagógico ampliação é decorrente da necessidade
de compreender através da iluminação
A psicopedagogia surgiu a partir da de diferentes áreas do conhecimento os
inquietação e insatisfação dos profissionais aspectos envolvidos, pois a psicopatologia,
que tratavam das dificuldades de a didática e a pedagogia são insuficientes
aprendizagem. Quando me refiro ao para entender o fenômeno. Faz-se necessária
termo “tratar”, quero ressaltar que o que a participação de conhecimentos advindos
estava em evidência era o tratamento das das áreas anteriormente mencionadas
dificuldades, pouca preocupação havia sobre para fazer a leitura da problemática em
sua origem levando em conta a história questão. A limitação advém do fato de que
do aprendiz. A ênfase estava em afastar a psicopedagogia tem limites, fronteiras
o mau funcionamento por meio de uma bem definidas, e, embora se transite por
boa “ensinagem”, e, como conseqüência, outros territórios, não se deve invadi-
o aprendiz poderia integrar-se voltando a los. Isto significa que o psicopedagogo
aprender normalmente. precisará muitas vezes do auxílio de outros
profissionais de-áreas afins para completar
O conceito de psicopedagogia mais sua investigação.
recente surge com base no diálogo, que os
profissionais que se dedicavam a tratar as Outro critério para caracterizar o
dificuldades de aprendizagem estabeleceram diagnóstico psicopedagógico é a sua
com diferentes áreas do conhecimento, característica de intervenção. O processo
como: psicologia cognitiva, psicanálise, investigatório é em si uma intervenção, pois
sociologia, lingüística, antropologia, filosofia, implica que o terapeuta saia da posição fria
entre outras. de mero espectador e constatador de fraturas
para a posição de terapeuta que interage.
Este diálogo permitiu entender a Esta interação durante o processo de
aprendizagem não se baseando na patologia, diagnóstico deverá ocorrer em vários níveis e
mas observando o processo de aprendizagem com os diferentes participantes do processo
no seu desenvolvimento, com os múltiplos investigatório: a família, a escola e o cliente.
fatores que interferem para que um aprendiz
tenha sucesso neste processo. Ao caracterizar o diagnóstico como
interventivo, entendo que poderão ocorrer
O diagnóstico sob a ótica da mudanças durante o processo diagnóstico.
psicopedagogia é um processo de Sendo o processo diagnóstico interventivo,
investigação. O psicopedagogo é como mudanças deverão ocorrer desde a forma
um detetive que busca pistas, procurando como o aprendiz lida com o conhecimento,
selecioná-las, pois algumas podem ser até como os pais podem compreender as
falsas, outras irrelevantes, mas a sua dificuldades de aprendizagem de seu filho.
meta fundamentalmente é investigar todo
o processo de aprendizagem levando em

16
Instrumentos de Avaliação I

Algumas crianças antes do diagnóstico b) conhecer as possibilidades reais de


só viam seu próprio fracasso; a partir aprendizagem;
do diagnóstico, se este for interventivo, c) conhecer a natureza do processo de
isto é, se durante o diagnóstico a criança aprendizagem, compreendendo as funções
puder aprender, poderá sentir o gosto deficitárias;
da competência. Alguns pais antes do d) dar pistas sobre o método de
diagnóstico desconheciam ou não tomavam intervenção que pode facilitar o processo de
conhecimento dos aspectos positivos de aprendizagem.
seus filhos. A escola a partir do diagnóstico
também terá maiores recursos para entender Os recursos utilizados por Feuerstein para
como o aluno aprende. atingir as metas acima mencionadas são em
parte já conhecidos e outros criados por ele.
Durante e após o processo diagnóstico A metodologia de aplicação no LPAD diverge
serão construídos um conhecimento e uma fundamentalmente da psicometria clássica,
compreensão a respeito do processo de pois os testes são utilizados de uma forma
aprendizagem. Como conseqüência advirá dinâmica que inclui: teste - aprendizagem
maior clareza a respeito dos objetivos a - teste, onde se pretende: a) calcular o
serem alcançados durante o tratamento. potencial de aprendizagem do sujeito em
razão das novas aquisições que faz durante o
O psicopedagogo tem também como processo, b) verificar a possibilidade de fazer
meta esclarecer a respeito das dificuldades transferências a situações distintas do teste,
específicas, indicando a relação entre os portanto, modificar-se.
aspectos específicos e gerais. Na maioria
das vezes, os pais, as crianças, e às vezes Quero também ressaltar que o
a escola, estão bastante voltados para a diagnóstico psicopedagógico também não
recuperação imediata de alguns aspectos. deve se restringir ao período anterior ao
Para escrever bem não é suficiente o domínio tratamento. A continuidade na avaliação
do conhecimento ortográfico, pois o processo deve manifestar-se por meio da contínua
de aprendizagem da linguagem escrita é avaliação da intervenção propriamente
complexo e envolve inúmeras variáveis que dita. O psicopedagogo deve estar avaliando
ultrapassam o do conhecimento lingüístico. continuamente seu trabalho pelos resultados
e também por suas inquietações, verificando
Reuven Feuerstein, psicólogo romeno se ao longo do trabalho as hipóteses iniciais
radicado em Israel, desenvolveu um método se mantêm, se alteram ou se descartam.
de avaliação da capacidade de aprendizagem,
que denomina de Avaliação Dinâmica do A operacionalização do caráter
Potencial de Aprendizagem {Learning contínuo do diagnóstico deve ocorrer pela
Potential Assessment Device - LPAD}. Este inclusão de supervisão clínica no trabalho
autor entende que os métodos tradicionais psicopedagógico. No início da carreira
de avaliação são insuficientes para informar profissional do psicopedagogo a supervisão
sobre a capacidade de aprendizagem dos é imprescindível, e, ao longo da formação
indivíduos. e da aquisição de experiência, esta mesma
supervisão não perderá a sua importância.
O sistema de avaliação
Gosto da metáfora que diz ser muito difícil
LPAD visa fundamentalmente: observar o que está abaixo do nosso nariz,
precisando para isto de outra pessoa que
a) verificar o potencial de aprendizagem; possa dizer-nos o que vê. O psicopedagogo

17
Instrumentos de Avaliação I

com mais tempo e experiência de trabalho conhecimento, e isso remete ao processo de


poderá ter mais facilidade para refletir sobre constituição subjetiva do sujeito.
a problemática de seu cliente, porém sempre
ocorrerão situações que escapam de seu b) Para aprender, o sujeito utiliza-se das
ângulo de visão. seguintes estruturas: organismo, corpo,
estrutura simbólica e estrutura cognitiva.
Concluindo, as principais características Estas estruturas relacionam-se com os
do diagnóstico são: caráter investigatório, aspectos orgânicos, cognitivos, afetivos
interventivo e contínuo. e culturais que influem no processo de
aprender.
2. Conceituando aprendizagem para
construção do diagnóstico Uma dificuldade de aprendizagem
deverá ser investigada tanto com base nas
Partimos do pressuposto de que no estruturas do aprendiz, verificando qual é
diagnóstico psicopedagógico pretende-se a estrutura fragilizada que poderá explicá-
diagnosticar as condições de aprendizagem la, bem como baseando-se nas condições
do aprendiz. Para isto, faz-se necessário ambientais que promoveram ou dificultaram
adotar um modelo teórico que dê respaldo ao a aprendizagem.
conceito de aprendizagem. Este modelo irá
determinar, portanto, o processo diagnóstico. Para Feuerstein, R. (1970) a aprendizagem
fundamentalmente é construída na relação
Optarei neste momento por sintetizar com um mediador humano, embora também
o conceito de aprendizagem sugerido por se possa aprender diretamente da interação
Paín, S. (1980) e por Feuerstein, R. (1970), com o estímulo. Este autor responsabiliza
pois, embora utilizem referências diferentes, a qualidade da relação do mediador (pais
ambos definem aprendizagem como um e demais adultos) com o aprendiz, como
processo que inclui a construção do aprendiz a responsável direta pela capacidade de
e a interação, entendida como a participação aprendizagem e de flexibilidade a mudanças.
de um mediador humano, que se interpõe
entre o sujeito e o conhecimento. A qualidade na relação mediador/mediado
é denominada por Feuerstein de “Experiência
Paín, S. (1984) caracteriza a aprendizagem de Aprendizagem Mediada” - EAM - e envolve
como um processo no qual existe uma uma série de critérios específicos que se
transmissão de conhecimento, feita por meio relacionam tanto com os aspectos afetivos
de um intermediário ensinante que ela chama como cognitivos.
de ensino, entendido como um sinal do
conhecimento. O aprendiz deve reconstruir o Entre os diferentes critérios, Feuerstein
conhecimento por intermédio de um esforço alerta que os seguintes três critérios são
pessoal e próprio. básicos e fundamentais para determinar a
qualidade na relação ensinante/aprendente:
A reconstrução do conhecimento, por
outro lado, só é possível graças aos seguintes a) mediação da intencionalidade/
fatores: reciprocidade: implica o esforço por
parte do mediador de deixar clara a sua
a) O aprendiz reconstrói o conhecimento intencionalidade, através da modalidade
por um processo de identificação com o gestual, vocal, verbal, de modo a provocar
ensinante, enquanto representante do no mediado a reciprocidade, isto é, sua
participação ativa.

18
Instrumentos de Avaliação I

b) mediação da transcendência: implica


ter-se consciência de que a interação que As respostas poderão ser buscadas
ocorre na mediação transcende os fatos e a nas hipóteses dos diferentes fatores que
ação momentânea. influem na constituição dos problemas de
c) mediação do significado: neste critério o aprendizagem. Alguns fatores são mais
mediador equipa o estímulo de carga afetiva marcantes do que outros, alguns podem estar
poderosa, de modo que penetre no sistema coexistindo. Assim, como cada pessoa possui
de significado do sujeito. uma singularidade, também o mesmo ocorre
com sua dificuldade para aprender.
As dificuldades de aprendizagem estão,
para este autor, diretamente relacionadas à Considero útil para o psicopedagogo-
carência de “Experiência de Aprendizagem investigador a classificação de Feuerstein e
Mediada” a qual acarreta fundamentalmente Rand (1974) sobre a etiologia dos fatores
performance cognitiva deficitária além de responsáveis pelo déficit cognitivo, os
baixa modificabilidade cognitiva. quais, no meu entender, revertem nos
distúrbios de aprendizagem e dificuldades
Pessoalmente, considero fundamental de aprendizagem. Para estes autores, os
levar em conta que vários são os fatores fatores podem subdividir-se em: 1) fatores
responsáveis por uma carência de EAM, nem proximais, 2) fatores distais.
sempre todos são da responsabilidade direta
do mediador; existem situações nas quais o Fatores proximais:
aprendiz, por suas próprias características,
não consegue beneficiar-se da ação Os fatores proximais relacionam-se com
mediadora do adulto. aspectos relativos à qualidade na relação
mediador/mediado, portanto depende
No indivíduo com “performance” cognitiva da EAM. A boa qualidade na relação
deficitária, as funções cognitivas e as aprendiz/aprendente pode compensar os
operações mentais não se estabeleceram problemas de aprendizagem de diferentes
adequadamente, acarretando, portanto, ordens. Para estes autores os fatores
problemas de aprendizagem. proximais são a carência de EAM, a qual
Na concepção feuersteiniana, a acarreta desenvolvimento cognitivo
investigação deve passar pela observação inadequado, síndrome de privação cultural e
de como o indivíduo utiliza as funções modificabilidade reduzida.
cognitivas, operações mentais como
respondem à mediação para modificar-se e, 2) Fatores distais:
portanto, aprender.
Os fatores distais relacionam-se com
A partir da eleição de uma concepção de aspectos de ordem orgânica, afetivo-
aprendizagem, podem-se destacar critérios emocional. cultural e sócio-econômica,
para identificar as variáveis que estarão subdividindo-se em:
interferindo na constituição do problema de
aprendizagem. a) fatores endógenos:
• herança e fatores genéticos
O “psicopedagogo investigador” inicia o • fatores orgânicos
processo investigatório procurando responder • nível de amadurecimento
às seguintes perguntas: quando, como e b) fatores endo-exógenos
por que foi que o aprendiz adquiriu esta • equilíbrio emocional da criança e dos pais
dificuldade de aprendizagem. • estímulos ambientais

19
Instrumentos de Avaliação I

c) exógenos: isolada, pois o sujeito pode também reagir a


• status sócio-econômico esta condição.
• nível educacional
• diferenças culturais Atualmente ao psicopedagogo que
utiliza diferentes áreas do conhecimento
Sara Paín (1 981).investiga o que para compreensão das dificuldades de
denomina de patologia da aprendizagem a aprendizagem interessa saber o porquê da
partir dos diferentes fatores que determinam dificuldade na escrita, o porquê da dificuldade
o não aprender. Esta autora considera que para atenção. A hiperatividade é entendida
o problema de aprendizagem também pode não como um quadro à parte, mas procura-
ser considerado como um sintoma. Nessa se entender qual é o sentido dela dentro do
concepção, são múltiplos os fatores que contexto.
determinam o não aprender.
Hoje sabemos que múltiplos são os fatores
Salienta Paín: a não aprendizagem não que determinam a aprendizagem e também o
é o contrário de aprender, pois um sintoma não aprender. O psicopedagogo-investigador,
está cumprindo uma função positiva tão no processo diagnóstico/interventivo, procura
integrativa quanto o aprender. Por exemplo: observar as condições de aprendizagem
uma criança poderá apresentar dificuldades e da não-aprendizagem, levantando
na leitura e escrita, pois desta forma estará hipóteses, reavaliando-as, reformulando-
sendo mais atendida. Esta autora considera as constantemente com base no trabalho
que para fazer o diagnóstico de um problema reflexivo, investigador e questionador.
de aprendizagem devam-se investigar os
seguintes aspectos: 3. Diagnóstico psicopedagógico clínico

fatores orgânicos relacionados com Como foi anteriormente dito, o


aspectos do funcionamento anatômico. psicopedagogo no diagnóstico-interventivo
mobilizará sua ação no sentido de
2) fatores específicos: relacionados à levantar hipóteses, verificar o potencial de
dificuldade específica do aprendiz, os quais aprendizagem, mobilizar o aprendiz e o seu
não oferecem possibilidade de constatação entorno (família e escola) no sentido da
orgânica, mas que se manifestam pelos construção de um outro olhar sobre o não
transtornos na área da linguagem. aprender. Para tal finalidade o psicopedagogo
irá utilizar alguns instrumentos específicos
3) fatores psicógenos: faz-se aqui uma que permitirão responder às questões que ele
distinção entre dificuldades de aprendizagem investiga no processo diagnóstico.
decorrentes de um sintoma e de uma
inibição. No caso do sintoma, o não aprender Os instrumentos a serem utilizados são:
possui um significado inconsciente. Na entrevistas com a família, entrevistas com o
inibição, trata-se da retração intelectual do sujeito, contato com a escola, contato com
ego: ocorre uma diminuição das funções outros profissionais, devolutiva.
cognitivas que acarretam problemas para
aprender. 3. 1. Entrevistas com a família
4) fatores ambientais: são as condições
objetivas ambientais que favorecem ou não a Paín (1981) considera fundamental
aprendizagem do sujeito. Embora se refira a observar o motivo da consulta nas entrevistas
um aspecto objetivo, ressalta Paín: os fatores com a família. Anteriormente à entrevista
ambientais não devem ser vistos de forma concreta já se deve escutar a demanda pelo

20
Instrumentos de Avaliação I

pedido de atendimento. Às vezes, já pelo levando em conta os fatores já mencionados


contato prévio à entrevista, muitos fatos são anteriormente.
reveladores a respeito do motivo da procura,
da ideia a respeito do não aprender. É A característica básica da anamnese
preciso estar atento a estas informações que psicopedagógica está no fato de que
sutilmente nos são passadas. queremos pesquisar a aprendizagem, desde
as aprendizagens informais e precoces,
Podemos dividir a entrevista com a família como o aprender a controlar esfíncteres,
em dois momentos: o primeiro, que se aprender a alimentarem-se com base na
relaciona com a escuta a respeito do motivo mudança de alimentos líquidos em pastosos e
da consulta, e o segundo, com a pesquisa da depois sólidos, até as aprendizagens formais
história vital ou anamnese. acadêmicas.

Escuta do motivo da consulta: Pesquisaremos aspectos que se


relacionam com: antecedentes, natais,
Nesta oportunidade, o terapeuta deve doenças, desenvolvimento, modalidade
limitar a sua fala e procurar fazer uma escuta de aprendizagem, o interesse pelo
na qual deve promover ou estimular a fala conhecimento, escolaridade, sociabilidade,
espontânea, relatos anedóticos. Procura-se traumas, valeres da família.
observar os seguintes aspectos:
3.2. Entrevistas com o sujeito
a) significado do sintoma do não aprender
na família: os pais podem dizer: “Ele não Da mesma forma como foi feito na
aprende, nada entra”, ou poderão dizer: entrevista com os pais, procura-se, quando
“Ele aprende, mas não retém”, o que implica possível, escutar o motivo da consulta,
diferentes concepções a respeito do não por parte da própria criança. É necessário
aprender: no primeiro caso, acredita-se que alertá-la sobre quais serão os objetivos dos
exista uma limitação e, no segundo, acredita- encontros.
se que o filho possa aprender.
Como foi dito anteriormente, pretende-
b) significado do sintoma para a família: se no diagnóstico observar não somente
relaciona-se com os valores da família a as dificuldades, mas o potencial de
respeito do não aprender. aprendizagem. Considero útil usar o conceito
c) sentido do que a família espera a vigotskiano de “Conhecimento Real” (CR)
respeito da intervenção do terapeuta. Alguns e de “Zona de Desenvolvimento Potencial”
pais querem saber se a criança pode mesmo, (ZOP). Observaremos as mudanças que
ou se não quer aprender. poderão ocorrer com base na intervenção do
terapeuta, de uma relação que envolva EAM
d) observar a relação dos pais entre si, os (Experiência de Aprendizagem Mediada).
valores da família, a comunicação entre os
pais e o filho. Considero que os instrumentos de
avaliação serão escolhidos tomando-se
História vital ou anamnese: por base a necessidade do psicopedagogo
investigador. Com isto, desconsideramos a
Nesta etapa, o psicopedagogo irá buscar necessidade de padronizar os recursos para
informações que lhe serão úteis para a o diagnóstico. Outro fator que intervém na
compreensão do problema de aprendizagem, escolha dos recursos são os recursos próprios
do psicopedagogo, ou seja, quanto menos

21
Instrumentos de Avaliação I

experiência, mais recursos ele deverá utilizar apresentação de um estímulo, para, desta
para fazer a sua leitura dos problemas de forma, poder observar suas condições do
aprendizagem. processo de aprendizagem, bem como os
recursos em termos de operações e funções
Embora refutemos a padronização, cognitivas.
os recursos devem responder a uma
pesquisa que envolva a observação dos Muitas vezes uma criança iniciante no
aspectos relacionais, cognitivos, motores e processo de aprendizagem da leitura e da
pedagógicos. Considero úteis os seguintes escrita não consegue espontaneamente
recursos: desenhos, escrita livre e dirigida, expressar adequadamente suas ideias por
leitura, propostas pedagógicas, diagnóstico meio da escrita. Ao propormos que expresse
operatório, jogo simbólico e jogo de suas possibilidades de lidar com a língua
regra, observação do material escolar. escrita, por um outro recurso, como, por
Os instrumentos estão a serviço de uma exemplo, cenas mudas, pode-se verificar
compreensão dos diferentes aspectos que suas condições para lidar com a sintaxe.
necessitam ser pesquisados. Na segunda atividade, a exigência foi
simplificada e limitada no sentido de que
O psicopedagogo-investigador deverá a atividade proposta teve grau menor de
ir fazendo uma ponte entre as diferentes complexidade.
modalidades expressivas do sujeito,
procurando entender o sentido das mesmas, Nesta oportunidade, devido a
as possibilidades e recursos do aprendiz, proposta de reflexão geral do diagnóstico
quais as melhores condições para aprender, psicopedagógico, darei apenas uma visão
além de observar as suas possíveis global de dois parâmetros do mapa cognitivo:
limitações. operações mentais e funções cognitivas.

O “rapport” é fundamental no diagnóstico, Feuerstein define Operação Mental


pois uma criança que co-opera (opera junto) como: “Conjuntos de ações interiorizadas,
tem mais condições de modificar-se. Porém, coordenadas pelas quais se elabora a
é necessário também entender as condições informação procedente das fontes externas e
da resistência, da dificuldade para cooperar, internas”.
qual é o seu sentido.
Estas ações estão agrupadas sob as
Feuerstein (1980) construiu um seguintes denominações:
instrumento que denomina de Mapa
Cognitivo, o qual envolve sete parâmetros 1. Identificação
e cuja meta é analisar o ato mental, bem
como observar as exigências dos recursos 2. Comparação
pedagógicos utilizados no que se refere ao
tipo de linguagem, grau de abstração, nível 3. Análise
de complexidade, relacionando com o nível
de eficiência, o qual não deve ser confundido 4. Síntese
com competência.
5. Classificação
A competência do aprendiz no diagnóstico
interventivo deve ser analisada pela mediação 6. Codificação
adequada do profissional investigador. Isto
implica em propor diferentes modalidades de 7. Decodificação

22
Instrumentos de Avaliação I

Muitas crianças fracassam no trabalho


8. Projeção de relações virtuais pedagógico ou mesmo nas situações de
jogo de regra, pois não lidam bem com as
9. Diferenciação funções cognitivas na fase de input como,
por exemplo: comportamento exploratório
10. Representação mental sistemático, consideração de mais de uma
fonte de informação.
11. Transformação mental
Na fase de elaboração, as dificuldades
12. Raciocínio divergente poderão ocorrer devido à dificuldade de
perceber um problema e defini-lo, ou por
13. Raciocínio hipotético perceber episodicamente a realidade devido à
14. Raciocínio transitivo incapacidade de fazer relações.

15. Raciocínio analógico Na etapa de output, as dificuldades


poderão ocorrer devido à impulsividade, uso
16. Raciocínio progressivo inadequado de instrumentos verbais.

17. Raciocínio lógico Terminada a avaliação, a criança deve


receber uma devolutiva a respeito do trabalho
18. Raciocínio silogístico realizado e sobre as perspectivas futuras que
poderão incluir um trabalho psicopedagógico
19. Raciocínio inferencial ou não. Esta devolutiva poderá ocorrer junto
com os pais ou não.
As Funções Cognitivas são entendidas
como atividades mentais que devem ser 3.3. Contato com a escola
realizadas para dominar as operações
mentais. O bom exercício das funções é O contato com a escola poderá ocorrer
pré-requisito para que ocorra uma operação previamente à entrevista com a criança,
mental. dependendo da situação. Às vezes é útil não
manter contato para se ter uma visão mais
É possível identificar num ato mental três objetiva em relação à criança. Outras vezes
fases: input, elaboração e output, pelas é útil saber qual a demanda da escola, para
quais ocorrem diferentes tipos de funções poder melhor compreender a demanda dos
cognitivas. A separação entre elas é didática, pais. Não existem regras, cada situação
pois é necessário observá-las no conjunto. exigirá condutas específicas.

A fase de input leva em conta o momento Ao finalizar uma avaliação, o


da compilação dos dados; a fase de psicopedagogo deverá procurar a escola no
elaboração, o momento de atuação sobre sentido de fazer uma devolutiva e esclarecer
os dados por meio de operações mentais; a quais serão as linhas de trabalho. Quando
fase de output é a etapa de comunicação do possível, um contato com a professora da
resultado das operações. As dificuldades de criança é muito útil para todas as partes
funcionamento podem estar localizadas nas envolvidas.
três fases ou apenas em alguma. Dificuldades
na elaboração são mais significativas do que 3.4. Contato com outros técnicos
na fase de input e output.

23
Instrumentos de Avaliação I

Como foi dito anteriormente, embora aprendizagem do aprendiz verificadas


o psicopedagogo tenha ampliado sua durante o processo diagnóstico.
possibilidade de observar os múltiplos fatores
envolvidos no processo de aprendizagem, O encaminhamento poderá dirigir-se
ele necessita muitas vezes da colaboração de tanto para um atendimento psicopedagógico
outros profissionais para fazer o Diagnóstico como para outro tipo de atendimento.
Diferencial. Havendo uma demanda para o trabalho
psicopedagógico, deve-se fazer o contrato do
Muitas situações demandam uma avaliação trabalho que leve em consideração horários,
multidisciplinar para evitar a iatrogenia, honorários, férias, faltas.
terminologia emprestada da medicina que
indica uma doença produzida por má conduta Referências Bibliográficas
terapêutica. Conhecemos crianças com
dificuldades importantes, que não foram BELTRAN, J.M. e outros. Metodologia de la
bem atendidas, devido a um diagnóstico mediación en el PE.I., Editorial Bruno, Madrid.
impreciso.
FEUERSTEIN, R., Rand, Y., HOFFMAN, M.B.
Nem sempre, num primeiro momento, e MILLER, R. (1980). Instrumental enrichment,
encontram-se no diagnóstico todas as Baltimore, University Park Press.
respostas. Muitas vezes é durante o
tratamento que surgirão outras informações,
PAíN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas
de aprendizagem. Artes Médicas, 1985
as quais permitirão construir ideias mais
“Processo de aprendizagem e o papel da escola
precisas a respeito do quadro. O profissional
na transmissão dos conhecimentos”. Cadernos
deve estar atento ao caráter contínuo do
CEVEC, n. 1, junho de 1985.
diagnóstico durante a intervenção.
Referências:
Atuação Psicopedagógica e a aprendizagem
3. 5. Devolutiva e encaminhamento escolar / Firmino Fernandes Sisto...[et al.]. –
Petropolis, RJ: Vozes, 1996.
Após as entrevistas com a família, com
a criança, eventual contato com a escola e
outros técnicos, compete ao psicopedagogo O DIAGNÓSTICO
fazer uma devolutiva formal à família à qual
se faz uma síntese do processo, procurando PSICOPEDAGÓGICO
responder às questões que o psicopedagogo
se propôs pesquisar durante o processo. Eulália Bassedas & Cols

Nesta oportunidade, devem ser pontuados Definições


aspectos relacionados com a demanda dos
pais. O psicopedagogo pode esclarecer Na introdução deste estudo, adiantávamos
alguns pontos que, no seu entender, não uma primeira definição do diagnóstico
correspondam às expectativas inicias dos psicopedagógico. Colocávamos que
pais. Às vezes a queixa dos pais relaciona- entendemos o diagnóstico psicopedagógico
se com dificuldades específicas, como a como um processo no qual é analisada a
coordenação motora inadequada, letra feia, situação do aluno com dificuldades dentro do
entre outras. Na devolutiva, o psicopedagogo contexto de escola e de sala de aula, com a
tem a oportunidade de indicar as possíveis finalidade de proporcionar aos professores
relações entre as dificuldades apontadas orientações e instrumentos que permitam
pela família e escola e as condições de modificar o conflito manifestado.

24
Instrumentos de Avaliação I

No que se refere a isto, temos interesse âmbitos nos quais está inserido o aluno,
em enfatizar alguns aspectos. Um primeiro como a família e inclusive a comunidade
conceito que se manifesta é a idéia de social. Especificamente, no que se refere à
processo, oposta à de intervenção pontual. família, o diagnóstico psicopedagógico pode
Falamos de processo porque se trata de uma alcançar também - além da atenção, no
seqüência de atuações - sem que, em muitos caso em que a solicitação de ajuda venha
casos, possamos marcar um final claramente da família - um primeiro conhecimento
delimitado - que tendem à transformação de das problemáticas familiares, algumas
uma situação inicial. orientações e inclusive, e se for O caso, o
encaminhamento aos Centros de Saúde
Outra noção implícita no diagnóstico Mental. O que gostaríamos de esclarecer
psicopedagógico é a análise das dificuldades é que, ainda que o conhecimento e as
do aluno no ambiente escolar. Nesta avaliação modificações do sistema familiar possam ter
intervêm, no mínimo, dois profissionais. Em uma importância capital, a ajuda psicológica
primeiro lugar, o psicólogo como especialista, às famílias insere-se sempre dentro de uma
mas também, e isso é importante, o atuação mais ampla, que é a de conseguir a
professor, que é quem conhece o aluno melhoria do aluno dentro da própria família e,
nas situações cotidianas de aprendizagem. evidentemente, também dentro da situação
Ambos os profissionais trabalharão juntos escolar. Colocado de outra forma, dentro
e serão corresponsáveis pelo processo de de urna perspectiva psicopedagógica, o
conhecimento e avaliação das dificuldades trabalho com famílias pode ser considerado
do aluno. Em outras palavras, no diagnóstico fundamental e indispensável para modificar
psicopedagógico, a exploração da as atitudes de alguns alunos, mas, mesmo
problemática do aluno não é responsabilidade assim, esse trabalho somente se constituirá
única do psicopedagogo, apesar de ser ele em uma das partes do diagnóstico, já que
o elemento essencial; o professor também ele estará centralizado, principalmente, no
participa, dando uma visão complementária conhecimento e na modificação da situação
fundamental. escolar.

Outro aspecto que gostaríamos de De uma forma mais distante, outro


salientar, mesmo que possa parecer campo ao qual se refere o diagnóstico
repetitivo, é que o con texto da avaliação psicopedagógico é a comunidade social do
diagnóstica está na escola. Isto significa que, indivíduo. Nesse sentido, gostaríamos de
tanto no que se refere à demanda inicial, manifestar que o nosso trabalho é vinculado
geralmente manifesta pelo professor, como ao de outros profissionais que intervêm no
ao desenvolvimento e ao objetivo último do nível social.
processo, não podemos perder de vista que o Como podemos ver o diagnóstico
trabalho está centralizado na situação escolar. psicopedagógico assenta-se sobre diversos
Devemos lembrar que o assessoramento sujeitos e sistemas muito inter-relacionados.
psicopedagógico faz sentido à medida que
tenta colaborar com o professor na solução, A seguir, faremos exposição de uma
mais ou menos imediata, dos problemas reflexão concernente a cada um desses
que surgiram para ela durante a sua prática sujeitos ou sistemas que, de forma mais
docente. direta, estão influenciando o aluno.
Tentaremos defini-los, não em toda a
Queremos salientar que esta tomada de sua abrangência, e consideraremos como
posição não deixa de lado, em nenhum dos intervém cada um desses sistemas no
casos, o conhecimento e o trabalho em outros diagnóstico psicopedagógico. Estamos nos

25
Instrumentos de Avaliação I

referindo à escola, ao professor, ao aluno, à pelo contrário, pode ser fonte de conflitos,
família e ao psicopedagogo. dependendo de como estejam estruturados
e se relacionem os diferentes níveis
hierárquicos ou subsistemas, como a equipe
2.2. Sujeitos e sistemas envolvidos no dirigente, a administração ou os diversos
diagnóstico psicopedagógico níveis, entre outros. Para estabelecer um
consenso e aceitar sem conflitos as funções
2.2.1. A escola dos diferentes núcleos organizadores, é
básico, entre outras condições, que exista
É conveniente esclarecer previamente que, uma estabilidade mínima nas equipes. Na
quando falamos de escola ou de instituição escola pública, as mudanças de educadores
escolar, tanto nesta parte como em todo o são freqüentes e isso tem repercussão
livro, referimo-nos essencialmente à escola na instituição à medida que ela enfrenta
pública, já que este é o nosso contexto dificuldades, para se consolidar em torno
habitual de trabalho e, portanto, aquela que de um projeto comum a ser desenvolvido a
melhor conhecemos e podemos tomar como curto e médio prazo. Na prática, observamos
referência. diferentes tipos de escola segundo tenham
existido ou não as condições e o tempo
A escola como instituição social, pode ser suficientes para estabelecer objetivos
considerada de forma ampla e, de acordo comuns, para marcar uma metodologia
com a teoria sistêmica, como um sistema de base e para explicitar o seu projeto
aberto que compartilha funções e que se educativo. Em outras palavras, as escolas
inter-relaciona com outros sistemas que são instituições que passam por momentos
integram todo o contexto social. Entre estes evolutivos diferentes.
sistemas, o familiar é o que adquire o papel
mais relevante no referente à educação e Num outro nível, a sociedade outorga
assim, na atualidade, vemos a escola e a à escola a missão de educar e instruir os
família em inter-relação contínua, mesmo alunos, visando à sua integração da forma
que nem sempre sejam obtidas atuações mais plena possível como seres individuais
adequadas, já que, muitas vezes, agem e com critério próprio para abordar assun
como sistemas contrapostos mais do que tos diferen tes, tanto aqueles relativos à
como sistemas complementares. Essa maturidade pessoal como os referentes à
diferenciação, talvez, seja salientado pelo sua integração social. Assim, a escola não
fato de que a escola é um organismo sobre pode agir independentemente; existe um
o qual muitas outras instituições fazem outro sistema mais abrangente, que é a
fluir exigências e formas de agir diversas, administração do Estado, dentro do qual
muitas vezes descoordenadas e, inclusive, ela está inserida e que é o que propõe os
aparentemente, contrapostas. Na prática objetivos mínimos que cada aluno deve
diária podemos constatar como as diferentes atingir ao concluir o ensino obrigatório.
administrações - local, regional, estadual - Podemos, assim, considerar que, no que se
estabelecem para a escola objetivos diversos refere aos objetivos finais, a escola tende à
que podem dispersar as suas ações. Da homogeneização. Além do mais, o sistema
mesma forma, os pais, com diferentes níveis atual de níveis (em parte corrigido pela
socioculturais, costumam esperar da escola idéia de ciclo), que congrega os alunos por
tarefas educativas muito diversas. idades, reforça ainda mais essa possível
uniformização dos alunos. Existem também
Em nível interno, a escola pode-se tornar outros elementos que contribuem para o
uma instituição potenciadora ou, então, tratamento igualitário dos alunos como,

26
Instrumentos de Avaliação I

entre outros, O tipo de formação básica que momento de evolução em que se encontra a
recebem os educadores, a sobrecarga da escola, qual o grau de maturidade que atingiu
gestão escolar que sofrem em detrimento e como entende o processo educativo dentro
do tempo dedicado à revisão da prática de um contexto realista.
educativa e, finalmente, uma certa tradição
e inércia na forma de abordar os problemas A nossa atuação na escola e, mais
didáticos, que consiste em considerar, concretamente, nos casos que apresentam
principalmente, tudo aquilo que é genérico e dificuldades, pode também estar midiatizada
comum antes das necessidades individuais e pelo modo com a escola trata a diversidade
particulares. e pela sua possibilidade de que ser flexível
e acolhedora. Geralmente, dependendo da
Paralelamente, fala-se do conceito de forma como a escola entende estes conceitos,
diversidade, mas na realidade, essa ideia dará ou não condições de que se ofereça
coincide pouco, ao menos aparentemente, uma maior ou menor ajuda aos alunos com
com os objetivos globais mínimos do dificuldades.
sistema educativo que, como já dissemos,
induzem ao tratamento igualitário dos Para finalizar, já colocamos que a escola
alunos. Se à falta de um debate profundo tem uma função social, que é a de preparar
sobre a questão da diversidade e à ausência os alunos para enfrentarem as futuras
de orientações sistemáticas sobre como exigências da sua comunidade. Temos
realizá-la acrescentamos a problemática avaliado também que é muito difícil criar
que já demonstramos antes da tendência uma escola integradora e respeitosa das
à uniformização do sistema educativo, individualidades e que, ao mesmo tempo,
encontra-nos diante de uma situação ainda obtenha bons níveis de formação. Apesar
muito pouco madura no que se refere ao disso, temos certeza de que cada escola
conceito de tratamento individualizado do pode abordar, e, na verdade, muitas o estão
aluno. Com freqüência, na prática, cada fazendo, o tema da educação na diversidade
professor individualmente ou cada grupo de forma coletiva. No que se refere a este
de professores precisa considerar esta aspecto, temos observado que a elaboração
problemática e buscar soluções genuínas e do projeto educativo tem sido um bom
originais. Especificamente, um dos temas recurso, para explicitar o problema e para
não resolvidos e que esperamos o seja com começar a buscar soluções institucionais.
a nova Lei de Educação é o critério a ser
seguido na avaliação do rendimento dos 2.2.2. O professor
alunos com dificuldades. São efetivamente
avaliadas a aprendizagem e a evolução A estrutura atual do sistema educativo,
social? Ou é indicado o nível de obtenção dos e, mais ainda, a reforma do ensino prevista
objetivos mínimos? Estes e outros pontos colocam o professor como um profissional
deverão ser repensados, para a superação que deve pertencer e agir em diferentes
desta tendência da escola à homogeneização subsistemas ao mesmo tempo.
e para que ela se tome realmente aberta à
diversidade.

Quando trabalhamos num caso concreto,


o enfoque precisa ser diferente de acordo
com a escola. Como psicopedagogos, antes
de abordar um caso, problema ou tema
pedagógico, devemos considerar qual o

27
Instrumentos de Avaliação I

de acordo com o estabelecido pelo sistema


escolar, ciclo ou nível, existindo um estreito
vínculo e sentimento de pertencer realmente
a um grupo. Assim, vemos que, às vezes, o
professor com quem trabalhamos está mais
integrado do que outros numa dinâmica
coletiva e isto também terá implicações na
nossa tarefa.

Em nossa intervenção, devemos levar


em consideração a influência que estes
subsistemas exercem entre si para inserir as
nossas atuações dentro de um contexto bem
P = professor definido.

O fato de trabalharem numa escola Como foi explicado anteriormente, o


concreta faz pressupor que ele esteja inserido sistema de acesso à função docente das
numa comunidade determinada com as suas escolas públicas não auxilia na coesão e
características socioculturais e econômicas na ‘formulação de sistemas com objetivos
particulares. Da mesma forma, no interior comuns, já que o nível de mobilidade ainda
da escola deve-se situar, pelo menos, em um é bastante considerável. Isto, somado a
ciclo, um nível e um grupo-aula, ao mesmo outros problemas, dificulta a transformação
tempo em que forma parte de um quadro de da escola num grupo com história e objetivos
professores. A ação educativa da escola não comuns. De qualquer forma, confiamos que
pode ser desvinculada das funções educativas estes aspectos irão sendo resolvidos e serão
dos pais dos alunos, e, conseqüentemente, menos determinantes no futuro da escola
o professor também deve manter contato pública de nosso país.
com eles. Além do mais, dependendo da
escola, pode fazer parte de outros grupos O professor tem a responsabilidade de
como seminários, departamentos, comissões, estimular o desenvolvimento de todos os
grupos de trabalho, sejam dentro da escola seus alunos pela aprendizagem de uma série
ou em atividades desenvolvidas entre de diversos conteúdos, valores e hábitos. O
diversos centros de uma mesma comunidade professor, ao mesmo tempo em que recebe
educativa. pressões no sentido de modificar atitudes
assimiladas tradicionalmente pela sociedade
A influência que estes subsistemas (vide, por exemplo, a demanda da integração
exercerão de forma recíproca entre eles educativa de alunos com necessidades
dependerá do nível de coesão do centro, da educativas especiais, quando a sociedade é
dinâmica criada ao longo da sua história, segregacionista), também sente que a sua
do nível de maturidade da instituição, do tarefa é pouco importante e pouco valorizada,
nível de comunicação referente aos temas Esta contradição é vivida constantemente
pedagógicos e, também, das circunstâncias nos centros e provoca um grande número de
e interesses particulares de cada um dos problemas na atividade diária.
professores. Às vezes, encontramos pessoas
que se sentem sem vínculo com a instituição A escola converte-se, com extrema
à qual pertencem e que desempenham a sua freqüência, no laboratório onde podem ser
tarefa individualmente, sem consultar seus levadas a cabo muitas atuações que, muitas
colegas. Em outros casos, o professor age vezes, acabam provocando distorções na

28
Instrumentos de Avaliação I

escola por falta de coordenação entre elas. parte um grande número de aspectos que são
Assim, vemos que chegam programas difíceis de controlar (desde a comunicação
específicos (educação sanitária, informática, que se estabelece até as representações
etc.) que, mesmo sendo muito interessantes, mútuas). Muitas vezes, a sensação do
algumas vezes não podem ser aproveitados professor diante de um aluno que não
suficientemente, porque é difícil integrá-los aprende é de fracasso (mais ou menos
no contexto e na dinâmica estabelecida na explícito) como profissional. A resposta dada
instituição. pelo professor a este sentimento dependerá
muito das suas características próprias e
Da mesma forma, os serviços que são da sua história pessoal, da acolhida e ajuda
oferecidos às escolas pelos municípios e pela proporcionados por seus colegas de escola,
Administração (equipes psicopedagógicas, da sua formação profissional e conhecimentos
serviços sociais, serviços de dinâmica como professor, das suas concepções sobre
educativa, centros de recursos pedagógicos, os processos de ensino-aprendizagem, etc.
etc.) devem ser incorporados corretamente Assim, descobrimos que existem várias
na dinâmica da escola, para que tenham uma formas de responder ao fato de enfrentar
repercussão didática sólida e possibilitem a alunos com dificuldades de aprendizagem
reflexão sobre a prática profissional. O papel e/ou comportamento: negar o problema,
solicitado ao professor na situação de ensino- defendendo-se da angústia que isto lhes
aprendizagem é o de urna atuação constante, provoca, angustiar-se e buscar ajuda de
com intervenções para todo o grupo de aula forma desorganizada, refletir e procurar
e para cada um dos alunos em particular. Isto saídas com os conhecimentos e recursos
é bastante difícil, e, ainda mais, quando é próprios do professor, buscar a ajuda de
somada à demanda que fazemos de que se profissionais de fora da escola, aproveitar os
deve observar sistematicamente, o processo recursos que possuem outros profissionais
que os alunos desenvolvem durante a da escola; etc. Todos nós teríamos exemplos
aprendizagem, para poder intervir no mesmo dessas diversas situações.
com uma ajuda educativa adequada.
Outro aspecto que consideramos digno
Acreditamos que estes aspectos que de salientar é que as demandas que nos
comentamos são dignos de serem levados chegam variam em função do modo como
em consideração. Isso não quer dizer que os o professor tenha vivido a situação, e,
psicólogos devam renunciar às intervenções também, do modo em que este entenda
mobilizadoras que provoquem um novo a intervenção do psicopedagogo. Vemos
planejamento ou uma modificação na que, às vezes, a demanda é feita depois
ação dos professores. É necessário que as que o professor desenvolveu um processo
orientações sejam situadas num ponto justo de elaboração e maturação da ajuda que
e que se encaixem no estilo e no momento precisa solicitar. Outras vezes, a demanda
dos professores e da escola, para irem é ambígua e confusa e é preciso ajudar a
avançando rumo a uma maior compreensão e esclarecê-la. Encontramos também situações
domínio do processo educativo. nas quais o que o professor faz é depositar
o problema e as angústias provocadas pelo
À continuação, gostaríamos de tecer aluno para o psicólogo de forma que ele
alguns comentários no que se refere às se encarregue de resolvê-las eximindo-se
representações e vivências que podem ser assim de responsabilidades. Outras vezes,
provocadas nos professores pelos alunos no entanto, tenta encontrar um aliado que
com dificuldades. Como foi visto no capítulo o ajude a dividir as responsabilidades e
anterior, em toda situação de interação, toma preocupações e que tente procurar, com ele,

29
Instrumentos de Avaliação I

novas estratégias de trabalho que permitam


modificar a situação. Temos encontrado,
também, profissionais interessados em
solicitar colaboração, para conseguir uma
maior informação sobre o aluno que lhes
permitisse trabalhar melhor e ampliar, assim,
o seu conhecimento do problema.

Em todas estas situações, o mais


importante é que o psicopedagogo aprenda
a entender a demanda realizada, que se
estabeleça uma situação de comunicação
que o permita e que ajuste a resposta à P = professor
solicitação feita, definindo o papel que pode A = aluno
e quer desempenhar. Assim, é importante
que esclareça o que lhe é solicitado, tal Antes de qualquer coisa, a criança está
como veremos mais adiante, ao falarmos inserida em dois sistemas diferenciados: a
dos diferentes momentos do processo escola e a família. Ao longo deste capítulo
diagnóstico. quisemos fazer referência a estes dois
sistemas para tentar considerá-los mais
2.2.3. O aluno como complementários do que como
adversários em nossa intervenção. Para a
Quando falamos de um aluno de uma criança, é muito importante a relação que
escola, consideramos que estamos nos ela estabeleça em cada um dos sistemas,
referindo a uma pessoa que desempenha um assim como as inter-relações entre os dois. A
dos diferentes papéis que ocorrem durante visão que cada um destes sistemas tiver da
a vida (filho, neto, amigo, etc.). Assim, criança será determinante para a definição
acreditamos que é importante não perder de do papel que a criança desempenhará
vista a globalidade da pessoa, tentando vê-lo em casa e/ou na escola. Ou seja, será
somente como aluno e esquecendo os outros considerado que uma criança apresenta ou
sistemas em que está imerso (família, grupo- não dificuldades dependendo do seu contexto
aula, escola, etc.). externo; o grau de adaptação à realidade
destes dois sistemas fará com que a criança
seja considerada diferente, estranha ou com
dificuldades. As explicações oferecidas, neste
capítulo, sobre escola e família evitarão a
perda da visão global da criança.

É importante e necessário levar em


consideração o contexto externo.
Assim, por exemplo, será diferente o
nível de preocupação com as dificuldades
dos alunos por parte dos professores que
estão acostumados a trabalhar em escolas
de subúrbios que o daqueles que tenham
trabalhado normalmente em escolas de
áreas de maior desenvolvimento e bem-
estar social. É muito importante fazer

30
Instrumentos de Avaliação I

o esforço para situar-nos no contexto


apropriado, considerando, a todo momento, Quando trabalhamos com um aluno que,
as características que o ‘definem. Quando segundo o professor, apresenta problemas
um professor nos explica um caso que o na escola, o que tentamos é identificar as
preocupa, precisamos considerar que a suas necessidades educativas, sociais e
explicação está influenciada pela análise que familiares. Tentamos, principalmente, definir
o professor faz da realidade que envolve as suas necessidades educativas, para dar
a criança, e não somente pela criança uma resposta à solicitação do professor.
em si. Muitas vezes, esta análise está Também, em muitos casos, procuramos
impregnada da sua visão da família, das ajuda em outras fontes como seriam, por
Suas expectativas no que se refere ao aluno. exemplo, o campo da alimentação ou o da
Será importante também, neste momento, proteção. Trata-se de identificar quais são as
o nível de conhecimento que ele tiver de atitudes que o aluno precisa, para conseguir
aspectos básicos da psicologia evolutiva e da iniciar um processo de recuperação das suas
sua capacidade de observar a criança na sua dificuldades. Nossas orientações podem ser
globalidade. direcionadas para dar-lhe mais instrumentos
de abordagem de uma área de aprendizagem
Da mesma forma, temos salientado que a concreta, potencializar as relações com
nossa concepção do aluno é eminentemente outros alunos da sua idade, dar-lhe mais
construtiva. Consideramos o aluno como um modelos de referência, etc.
sujeito que elabora o seu conhecimento e a
sua evolução pessoal a partir da atribuição Os conceitos comentados na parte onde
de um sentido próprio e genuíno às situações foram explicadas as bases teóricas mostram
que vive e com as quais aprende. Neste o caráter dinâmico e pouco determinista
processo de crescimento, exerce papel do entendimento da pessoa sobre a qual
primordial a capacidade de autonomia de tentamos atuar. Tal como foi salientado, uma
reflexão e de interação constante com os pequena modificação no que se refere à
outros sujeitos da comunidade. criança (por exemplo, começar a integrar os
elementos de aprendizagem, ter um amigo, a
Em nosso modelo de intervenção, sua mãe ir buscá-lo na escola, assistir a uma
aceitamos prontamente a designação da atividade recreativa todas as tardes, etc.)
criança com dificuldades como causa do provoca outras e permite que ela saia de
problema porque pensamos que é desta uma situação de bloqueio ou estancamento.
forma que é sentida pelo professor, e que Por isso; acreditamos que existam diversos
é o motivo que lhe provoca angústia e caminhos através dos quais é possível
bloqueio. De qualquer forma, o que tentamos provocar uma mudança numa situação,
é ampliar sempre o campo de observação, e, assim, trata-se de aprender a mobilizar
ou seja, mostrar uma visão mais ampla algum ponto da situação do aluno, colocando-
da situação, considerando a avaliação da se num contexto determinado de trabalho.
criança como pessoa em relação com um
grupo aula. Assim, pode-se fazer referência 2.2.4. A Família
a outros aspectos, como a relação com a
aprendizagem, com os colegas, com o seu Daremos, aqui, várias noções básicas
núcleo familiar e social. Neste sentido, por sobre o conceito da família do ponto de
exemplo, pode ser interessante a informação vista sistêmico, retomando aspectos teóricos
que a família proporcione sobre o momento explicados no capítulo 1. Depois, tentaremos
do seu ciclo vital e sobre as relações que se analisar a relação entre as famílias e a
estabelecem no seu interior. escola, concentrando-nos mais nas famílias

31
Instrumentos de Avaliação I

que apresentam dificuldades num momento protegem o funcionamento e a manutenção


determinado e analisaremos também o da estrutura.
nosso papel e a relação mantida conosco no
contexto escolar. Para que a família se desenvolva de uma
forma funcional deve proteger a integridade
A família como sistema possui uma função do sistema total e a autonomia de seus
psicossocial de proteger os seus membros e diferentes subsistemas. Deve existir um grau
uma função social de transmitir e favorecer a adequado de permeabilidade nestes limites;
adaptação à cultura existente. tanto um extremo como o outro (família
desunida com limites muito rígidos e pouco
Cada família, como todo sistema, possui permeáveis ou família unida com limites
uma estrutura determinada que se organiza pouco definidos ou difusos) podem, em
a partir das demandas, interações e princípio, gerar dificuldades (Minuchin, 1977).
comunicações que ocorrem em seu interior
e com o exterior. Esta estrutura forma-se a Como já havíamos colocado, a família
partir das normas transacionais da família, possui um ciclo vital constituído por
que se repetem e informam sobre o modo, o momentos particulares que apresenta uma
momento e com quem devem relacionar-se certa regularidade (casamento, nascimento
cada um dos seus membros. do primeiro filho, abandono do lar pelos
filhos, etc.) e que têm repercussão nas suas
Estas normas regulamentam o regras, estruturas e limites.
funcionamento da família, que tenta mantê-
las durante todo o tempo que for possível. Estes momentos de mudança provocam
Quando, devido a fatores externos ou resistências e tensões que, às vezes,
internos, ocorrem desvios destas normas, manifestam- e em um dos membros por
a família pode opor resistência à mudança meio de um sintoma. Desta forma, evita-
por medo de romper o seu equilíbrio se a mudança e mantém-se o equilíbrio de
(homeostase). uma forma rígida. Outras vezes, o sintoma
serve como um sinal de alerta para a família
Às vezes, essa resistência manifesta- fazendo com que ela elabore e prepare a
se em um dos membros da família através mudança de forma mais gradual.
de um sintoma que tem a função de deter
momentaneamente, a evolução e de Outro aspecto importante numa família é a
perpetuar as normas transacionais existentes. sua ideologia e o contexto histórico e familiar.
As famílias vão criando a sua identidade
No entanto, para poder avançar, a e forma de agir, partindo das ideologias,
estrutura familiar precisa adaptar-se crenças e histórias anteriores. Estas são
às circunstâncias novas e transformar transmitidas de uma forma ou outra à
determinadas normas sem deixar de família atual, que escolhe e se identifica com
constituir um modelo de referência para os alguns aspectos e imagens determinadas.
seus membros. Deve-se levar em consideração e respeitar
o contexto da família na qual realizamos a
Dentro da família existem diferentes intervenção, mas é preciso detectar em que
subsistemas (casal, filhos, etc.), c, ao mesmo ponto e intensidade este aspecto pode estar
tempo, ela relaciona-se com sistemas sociais contribuindo para as dificuldades de uma
diversos. Entre todos estes sistemas e criança em particular.
subsistemas sabemos que existem limites, Até agora, tentamos explicar aspectos
mais ou menos rígidos ou flexíveis, que e características da família, partindo de

32
Instrumentos de Avaliação I

uma perspectiva sistêmica: na seqüência, solicitam a coordenação e a colaboração dos


falaremos sobre as relações e as expectativas professores para ajudar os seus filhos, etc.
que a família e a escola possuem entre elas.
A criança, naturalmente, formará as
A escola e a família são dois sistemas suas expectativas em torno de modelos e
que, tradicionalmente, têm estado bastante informações que a família lhe proporcione
afastados, apesar de possuírem freqüentes e iniciará a sua escolaridade com esses
relações ou interações, seja em nível condicionamentos.
institucional (associação de pais, conselho
escolar, etc.) ou em nível individual (relação Para que a criança tenha uma boa
família/professor). Algumas vezes, a escola adaptação na escola, sentindo-se cada
tem tomado, para si, de forma exagerada, vez mais segura e dando um sentido às
o papel de educadora, sem considerar a atividades que realiza, é importante que a
função educativa que é realizada no ambiente família tenha e mostre uma certa confiança
familiar. Ou seja, as funções de uma e outra na escola, sinta tranqüilidade quando deixa o
foram excessivamente separadas, motivo seu filho, demonstre interesse e curiosidade e
pelo qual não é aproveitada, suficientemente, valorize as suas aquisições e avanços.
a colaboração entre as duas o que facilitaria o
alcance de determinados objetivos comuns. Às vezes, quando a criança apresenta
determinadas dificuldades, esta confiança
Às vezes, na escola, devido ao controle torna-se mais difícil ou inclusive desaparece.
que a sociedade e, concretamente, os pais Nestes casos, freqüentemente, atua-se de
têm sobre ela, têm-se produzido resistências uma forma contraposta e contribui-se para
e rivalidades que não facilitam um bom a confusão e insegurança da criança. A
entendimento. angústia e a ansiedade de pais e professores
interferem na relação e a criança sente-
Por outro lado, a família pode adotar se prejudicada. Neste sentido, nós, como
atitudes muito diferentes quanto à escola, psicopedagogos que estamos um pouco fora
determinadas pelas suas experiências e do que acontece na sala de aula, podemos
crenças prévias (contexto da família), pelo ajudar as partes implicadas a despirem-se de
momento evolutivo em que se encontra e culpa e a analisarem de forma mais objetiva
pelo seu funcionamento e estrutura. Existem o que está ocorrendo. E preciso fazer um
famílias, por exemplo, que não tiveram trabalho de aproximação dos dois sistemas
experiências prévias com a escola e que, (escola/família), ajudar a buscar canais
quando o seu filho inicia a escolaridade, mais fluidos de comunicação e colaboração
depositam o papel da educação na escola, com eles, para planejar e estabelecer
tomando uma atitude de total submissão compromissos e acordos mínimos que levem
e dependência, assumindo uma ignorância ao fim do bloqueio criado nesta situação.
total sobre os assuntos relacionados com a
educação. Outras, no entanto, vivem a escola A visão linear e causal da realidade
como uma instituição fundamentalmente está muito presente em todos os âmbitos
repressora e normativa, esperando que nos quais realizamos a intervenção e é
através dela seu filho adquira bons hábitos preciso mostrar, procurar e contribuir com
e se adapte às normas sociais e valores que explicações mais interativas e circulares que
eles próprios não conseguiram transmitir- possibilitem uma nova colocação das relações
lhe. Outras famílias são conscientes da mútuas sem necessidade de definir as causas
corresponsabilidade na tarefa educativa e nem procurar as culpas. É conveniente
fazer uma observação: deve-se evitar dar

33
Instrumentos de Avaliação I

destaque às patologias, porque isto comporta momento presente e definir qual a relação
conotações estáticas e imóveis, como que será mantida a partir deste ponto. Para
também devem ser concentrados os esforços conhecê-los e fazemos escutar, deve-se
para escolher pontos mais positivos a partir sentir curiosidade e interesse pela sua forma
dos quais se possa iniciar o trabalho para de agir, valorizar os aspectos positivos que
melhorar a situação inicial. conseguiram e ter confiança na sua ajuda e
Todas as famílias passam por problemas cooperação. Isto facilitará a nossa aceitação
e dificuldades em determinados momentos sem receio e nos ajudará a agir junto a
do seu ciclo evolutivo. Algumas os resolvem eles como num sistema, estabelecendo um
sozinhas após uma fase de crise, outras entendimento básico e fundamental para
solicitam ajuda, e em outras, no entanto, possibilitar o planejamento de pequenas
instalam-se comportamentos determinados mudanças em conjunto.
(sintomas) em algum dos seus membros para
manter o equilíbrio de todo o sistema de uma 2.2.5. O psicopedagogo
forma rígida.
Como psicopedagogos, estamos inseridos
É importante acreditar e ter confiança em diversos sistemas (a própria equipe, a
nas possibilidades da família para conseguir escola e as diferentes administrações das
ajudá-la; às vezes, com um pequena ajuda quais possamos depender) e ternos relações
externa, a família vê o seu funcionamento com outros: divisões da escola, diversos
com maior clareza, dá valor relativo a serviços municipais e autônomos, centros de
determinados problemas e tem mais saúde mental e de reeducação, associações
capacidade para avançar e mudar. O de pais de alunos, etc.
profundo respeito e confiança nela e nas suas
possibilidades permitirá estabelecer contatos Depreende-se, daqui, a grande
sem criar excessivos temores de perda do complexidade do nosso campo de
seu equilíbrio. intervenção; complexidade que, além do
mais, é necessário aceitar, considerar e ser
Devemos também ter presente que, capaz de analisar para que contribua com
no nosso trabalho com famílias a partir uma visão mais ampla e global das diferentes
do ambiente da escola, a relação com as situações nas quais precisamos atuar.
mesmas está muito influenciada pelas
atitudes, comunicações e visões manifestas De qualquer forma, mesmo encontrando-
pelos professores da escola em relação a nós. nos em diferentes sistemas realizando
Por exemplo, a maneira como um professor atividades em diferentes níveis, o nosso
explica aos pais de que forma foi feita a contexto principal de intervenção é a escola.
nossa intervenção, como psicopedagogos Trabalhamos regularmente para abordar
no que se refere aos problemas do seu problemas e colaborar nas demandas feitas
filho, pode condicionar e criar expectativas por ela.
inadequadas sobre a nossa intervenção.
O fato de estarmos, ao mesmo tempo,
Além de intermediar a nossa relação dentro e fora da escola às vezes é difícil
com os pais, eles possuem também uma e pode criar uma certa confusão, já que
visão e expectativas sobre o nosso papel e podemos ser considerados elementos que
a função que desempenhamos na escola. estão dentro do sistema (por exemplo, em
É indispensável, portanto, explicar-lhes o reuniões do quadro de professores ou das
nosso papel dentro da escola com clareza, séries da escola) e outras vezes fora dele
dizendo por que e como chegamos ao

34
Instrumentos de Avaliação I

(por exemplo, em reuniões interescolares, de Outra característica importante é a


nível municipal, etc.). necessidade de definir as relações que
estabelecemos com os outros com clareza,
Na visão que temos atualmente do sem aceitar definições que sejam confusas ou
nosso trabalho, consideramos essa situação estranhas. Trata-se de explicar e esclarecer
como necessária e enriquecedora, já que qual é o nosso meio de atuação, qual o
acreditamos que, se nos situássemos contexto no qual trabalhamos em que
somente dentro da escola, poderíamos, podemos ajudar e quando não podemos,
facilmente, cair num papel homeostático e o que pode ser acrescentado pela sua
equilibrador. colaboração como professores, como é
Por outro lado, se fôssemos somente entendido o nosso trabalho, de que forma
um elemento externo, perderíamos todo podemos, às vezes, ser condicionados
o conhecimento da instituição que, agora, pelos vínculos de trabalho, como pensamos
possuímos e teríamos dificuldades para estabelecer a colaboração no trabalho,
colocar a nossa ação dentro ‘do contexto quais são as responsabilidades mútuas, etc.
apropriado. (Bassedas, 1987).

Esta situação especial provoca como já Devemos ter em mente que, se o psicólogo
dissemos algumas dificuldades: uma certa não se definir, será definido pelos outros
ambigüidade se as relações não forem em função das suas experiências anteriores
definidas claramente e, às vezes, desconforto e expectativas. Para evitar mal-entendidos
da escola que desejaria aproveitar-nos e situações pouco claras, é preciso que o
dentro do seu funcionamento. Para superar psicólogo se defina claramente no início da
essa possível ambigüidade, é necessário relação e, depois, torne a fazê-lo tantas vezes
que sejamos muito coerentes e claros nas quantas forem necessárias. Esta definição
relações que mantemos com os diversos pode ser realizada de diversas formas e em
sistemas. momentos diferentes, sempre em função
daquilo que seja considerado necessário. Por
Com estas considerações e outras que exemplo, no início de cada ano escolar, é
temos realizado ao longo destes primeiros conveniente falar e fazer acordos conjuntos
capítulos, analisaremos, a seguir, alguns sobre o plano de trabalho que deveremos
critérios e características que consideramos seguir, estabelecer funções tarefas que
devem ser respeitadas pelo psicopedagogo desempenharemos, tornar a falar de como
durante o seu trabalho nas escolas. elas serão executadas, estabelecer acordos e
compromissos com os diferentes professores
É indispensável, no nosso ponto de vista, ou subsistemas com os quais trabalharemos,
estabelecer um contexto de colaboração com etc. No trabalho de cada dia e nas relações
os professores e a escola diante de qualquer com os professores, será necessário
objetivo estabelecido. Definimo-nos, pois, esclarecer desentendimentos, confusões ou
como complementários dos professores aborrecimentos mútuos; as expectativas
para tentarmos resolver, discutir ou atingir deverão ser explicadas com clareza, os
determinadas situações; precisamos da sua papéis redefinidos e, a partir desse ponto,
informação e conhecimentos e acreditamos estabelecer os acordos e compromissos
que, a partir do momento em que ele solicita necessários.
a nossa ajuda devemos estabelecer uma
colaboração eficiente (Selvini, 1985). Para iniciar um trabalho de colaboração,
é necessário também estabelecer relações

35
Instrumentos de Avaliação I

construtivas com os professores e outras necessário, para evitar a desorientação com


pessoas com as quais trabalhamos. informações ou comunicações paralelas.

Se partirmos das bases de referência Grande parte da nossa tarefa é centrada


construtivistas, concordaremos em que na colaboração com a escola em relação
qualquer processo de transformação é a determinados alunos que apresentam
construído, a partir da dinâmica interna dificuldades no seu processo educativo, seja
dos próprios sujeitos. Por isso, é preciso ter em nível de aprendizagem ou em nível de
sempre consciência destas idéias durante relacionamento.
as nossas relações cotidianas com os
professores. Desde o primeiro momento, A seguir, aprofundar-nos-emos mais nas
nós também teremos que construir a funções do psicopedagogo no que se refere
relação e colaboração com os professores. aos alunos com dificuldades.
Devemos partir, portanto, daquilo que o
professor nos dá e, então, sim, ir mais além; No que concerne a estes alunos, a nossa
não se deve pretender modificar os fatos colaboração se dá de diversas formas:
de fora da escola, sem que a escola ou o dependendo da solicitação do professor
professor tenham sentido esta necessidade (planejar modificações na sua ação, buscar
nem a tenham explicado sucintamente. ajuda externa, orientar a família, etc.);
Acreditamos que, pela colaboração conjunta em função da avaliação das necessidades
em determinadas tarefas, tanto o professor após haver realizado o diagnóstico, bem
como nós aprendemos com essa interação e como, finalmente, em função da análise
podemos tentar avançar de forma conjunta. das circunstâncias dos diferentes sistemas
Esta visão construtiva das relações nos dá um (família-escola contexto social) e, mais
maior dinamismo e confiança na mudança; especificamente, do sistema aula (número
trata-se, no entanto, de buscar estratégias de alunos, nível, características socioculturais
pertinentes e adequadas para realizá-la. A dos alunos, características do professor, etc.).
presença contínua dentro da escola ajuda-nos A função que temos neste trabalho conjunto
a conhecê-la bem e a ir colaborando de uma depende destas variáveis, mas segue
forma discreta, porém constante, para a sua basicamente algumas linhas fundamentais
renovação e realização de mudanças. que tentaremos explicar a seguir.

Como já mencionamos anteriormente, A escola, quando encaminha ao


deve-se respeitar a clareza nas comunicações psicopedagogo um aluno com dificuldades,
com os outros e incentivar também, espera a nossa colaboração para que esse
dentro da escola, as comunicações claras e aluno que não s encaixa possa obter uma
funcionais, quando intuímos confusão nas atenção mais individualizada; ou seja, pede-
relações. nos para diagnosticar as suas dificuldades e
para auxiliar o professor e a própria escola
Desta forma, mesmo situando-nos numa a encontrarem soluções e estratégias para
pequena divisão da instituição e fazendo um que o aluno consiga progredir e adaptar-
trabalho determinado, estamos mostrando se ao ritmo estabelecido. De certa forma,
e favorecendo um tipo de relação clara e acreditamos que, ao encaminhar-nos esses
funcional. alunos, a escola espera de nós urna ajuda
para desenvolver um tipo de ensino mais
Dentro da escola, deve-se respeitar individualizado e adaptado aos diferentes
além do seu funcionamento, os canais de indivíduos; nestes casos, cumprimos, então,
comunicação que possui, centralizando-os, se

36
Instrumentos de Avaliação I

um papel de apoio e colaboração no processo (professor, colegas, pais, irmãos, etc.)


de individualização do ensino. sem estar tão influenciado pela situação
e condução do grupo-aula. Dessa forma,
Foi dito anteriormente que a escola tende determinados problemas podem tornar-
- e isto é completamente justificado pela se relativos, podem ser destacados os
organização, infra estrutura e finalidades aspectos positivos que ficam encobertos
- a homogeneizar O ensino e, com muita e situar o conflito dentro de um contexto
freqüência, alunos que poderiam continuar mais amplo que leve em consideração a
o seu processo educativo com sucesso, se sua globalidade. Depois, a partir desse
recebessem a ajuda educativa adequada, ponto, será possível pensar e procurar em
são considerados “especiais” porque não conjunto, instrumentos e estratégias para
acompanham o ritmo geral durante um auxiliar a criança no seu desenvolvimento.
momento determinado. Em outro nível, é evidente que, como
A escola tem consciência desse fato, psicólogos que partimos de um enfoque
mas, freqüentemente não dispõe de infra teórico determinado, contribuíram também
estrutura, formação ou estratégias para com o nosso ponto de vista na tarefa de
adaptar o seu ensino a esses alunos. Nesse orientar diariamente os educadores. Assim,
aspecto, consideramos que nós, psicólogos, por exemplo, quando estamos comentando
somos profissionais que contribuímos para com um professor as dificuldades e a situação
reforçar o papel individualizador da escola concreta de um aluno, o fazemos a partir da
diante da sua tendência a homogeneização. nossa perspectiva, ou seja, partindo de um
Neste papel, podemos também colaborar com ponto de vista dinâmico e construtivo. Às
a escola para incentivar todas as propostas vezes, a coincidência de linguagens entre o
e modificações que forem apresentadas de professor e o psicólogo no que se refere à
forma que ela assuma mais essa diversidade ação de educar permite que a comunicação
e se prepare para acolhê-la. entre ambos seja fácil. Outras vezes,
Outra função que temos em relação aos devido à divergência de pontos de partida,
alunos com dificuldades é a de oferecer ao é necessário falar muito para tentar chegar
professor a possibilidade de dividir a angústia a acordos e bases comuns sobre como
e a responsabilidade que sente diante de estabelecer as premissas da ação educativa.
determinados alunos com problemas. O
fato de poder falar sobre isto, de saber Para concluir esta parte, poderíamos
que outro profissional está buscando e resumir que a finalidade básica do nosso
apresentando soluções com ele é importante trabalho consiste em ajudar a promover
e, em certos casos, indispensável para mudanças, tanto quando intervimos diante
continuar o trabalho diário, enfrentando o de problemas que a escola nos coloca
seu grupo e esses alunos. Em conseqüência, (individuais, de grupo ou metodológicos),
o psicopedagogo precisa contribuir com uma como também quando colaboramos para
visão diferente, precisa ampliar o campo de melhorar as condições, os recursos e o
observação em relação àquele aluno e precisa ensino, realizando a tarefa preventiva
ajudar a elaborar respostas pertinentes. que leve a uma diminuição dos problemas
que enfrentamos tanto a escola como nós
Assim, é necessário que o psicopedagogo mesmos.
esteja mais afastado da situação; que
possa observar e analisar o aluno a partir 2.3. Características do diagnóstico
de contextos diferentes (aula, recreio, psicopedagógico
família, etc.) e que possa ver as relações e
interações que estabelece com uns e outros

37
Instrumentos de Avaliação I

Até aqui, explicamos os sistemas da instituição, mas também a multiplicidade


implicados no diagnóstico psicopedagógico das relações que tem se formado no
e comentamos alguns dos aspectos que transcurso dos anos de funcionamento de
intervêm no mesmo. A seguir, mostraremos cada centro. Da mesma forma, a implicação
algumas das características gerais deste institucional significa que o psicólogo situa-se
tipo de diagnóstico, derivados da explicação em algum dos núcleos organizados da escola
anterior. para colaborar nas tarefas psicopedagógicas.

Devemos dizer que não pretendemos ser Quanto à elaboração de instrumentos


exaustivos na exposição das características próprios, gostaríamos de salientar a
que forma o modelo diagnóstico na escola. idoneidade de instrumentos como a
Pelo contrário, pretendemos fazer somente observação e, concretamente, a observação
um esboço de alguns aspectos que irão de aula. Efetivamente, a observação permite-
se definindo durante a nossa tentativa de nos conhecer e atuar sobre os aspectos
concretização da problemática. fundamentais do contexto escolar, como
as interações pessoais, os diversos estilos
- O diagnóstico psicopedagógico é de aprendizagem dos alunos e os aspectos
um processo no qual muitas vezes, é metodológicos e de organização escolar, entre
difícil marcar o final da intervenção do outros.
psicólogo. Como em qualquer processo,
freqüentemente, é necessário revisar - O diagnóstico psicopedagógico tem lugar
o desenvolvimento das orientações na escola. Já vimos como o diagnóstico tenta
proporcionadas. Assim, o seguimento do caso ajudar não somente o aluno, mas também
torna-se, de certa forma, um prolongamento o próprio professor e a instituição escolar,
da tarefa diagnóstica, posto que contribua já que estes elementos estão fortemente
com novas informações e novas pistas a inter-relacionados. Em outras palavras, o
partir das quais se pode desenvolver o diagnóstico psicopedagógico não se refere
programa individualizado de cada aluno. unicamente à prescrição de orientações para
alunos em particular, mas aborda outros
- No diagnóstico psicopedagógico, o agente assuntos de caráter mais geral derivados das
encaminhador é, geralmente, o professor, discussões sobre alunos com dificuldades,
já que é ele quem aponta o problema e do desenvolvimento das orientações e,
solicita a intervenção de outro profissional. também, da análise conjunta de dúvidas ou
Já vimos como no nosso caso tenta-se ver questionamentos sobre assuntos didáticos.
o diagnóstico sob uma perspectiva de co- Desta forma, consegue-se não somente
responsabilização e co-participação dos ajudar a resolver problemas concretos mas
profissionais na abordagem do problema intervir de uma forma mais preventiva e
apresentado. institucional, evitando o aparecimento de
outros.
- O diagnóstico psicopedagógico - O diagnóstico psicopedagógico focaliza
desenvolve-se no interior da escola e por isso a sua atenção no conhecimento da criança
é necessário estabelecer o seu contexto. Este no seu papel de aluno. Ou seja, trabalha
fato pressupõe um enfoque institucional da sobre sujeitos inseridos numa situação
intervenção e a elaboração de instrumentos de ensino-aprendizagem. No nosso caso
próprios mais vinculados à situação escolar. particular, consideramos o aluno corno
Entendemos por enfoque institucional que um sujeito de aprendizagem, capaz de ir
o diagnóstico psicopedagógico analisa e elaborando o seu próprio conhecimento
considera não somente a organização formal através da sua atividade e da sua reflexão

38
Instrumentos de Avaliação I

interna, como também da colaboração por ele nos professores, das modificações
com os outros. Assim, é importante que o ou bloqueios que ocorrem e, ao mesmo
diagnóstico psicopedagógico seja inserido tempo, das influências que recebe para ir
nas coordenadas que estruturam a instituição se readaptando, desta forma, em função do
escolar. Isto significa que se deve levar em desenvolvimento da tarefa diagnóstica.
consideração aspectos de relacionamento, de
organização escolar, de enfoque pedagógico e 2.4. . Explicação e argumentação do
estabelecimento de conteúdos. processo

- Deve-se lembrar, também, que o Como já foi comentado, o psicopedagogo


diagnóstico psicopedagógico precisa referir- colocam-se como mais um profissional nas
se - no que concerne ao currículo escolar atividades da escola e, como tal, participa
- aos conteúdos, objetivos e orientações junto aos professores nos projetos de
estabelecidos pela administração, trabalho estabelecidos. De modo geral,
combinando os objetivos gerais com as o diagnóstico psicopedagógico pode ser
estratégias de intervenção adequadas às entendido sob esta visão, ou seja, como um
crianças e às necessidades educacionais. compromisso de trabalho conjunto entre
o psicólogo e o professor. É óbvio que o
O diagnóstico psicopedagógico tenta diagnóstico emitido pelo psicopedagogo
modificar as manifestações dos conflitos sobre o aluno será útil para o professor, mas
expressos no âmbito escolar. Outros tipos de deve-se salientar que, ao mesmo tempo, a
intervenções visando a melhorar aspectos precisão da demanda do mesmo, assim como
da personalidade do aluno, como possam as informações dadas ao longo do processo,
ser as atuações com as famílias ou, então, servirá de ajuda para que o psicopedagogo
os tratamentos psicológicos, são entendidos tenha um enfoque correto durante a
como um certo apoio à tarefa educativa da interpretação do caso. Assim, o trabalho será
escola. focalizado desde o primeiro momento como
um projeto de trabalho conjunto, onde o
- O diagnóstico psicopedagógico tenta psicopedagogo terá um papel fundamental e
aproximar e obter comunicações funcionais o professor dará a sua colaboração à medida
e operacionais entre dois sistemas que conhece bem a criança. É importante que
fundamentais para a criança: a família e a os educadores conheçam esta necessidade de
escola. Esta tarefa costuma ser realizada colaboração mútua, como também o tipo de
durante o próprio processo diagnóstico, trabalho que será desenvolvido pelo psicólogo
comentando e analisando aspectos que e os objetivos a que ele se propõe. Desta
possam ajudar no processo da compreensão forma, como comprovamos ao longo do nosso
mútua da tarefa que é realizada em torno do trabalho, a participação do professor durante
aluno. todo o processo é favorecida.

- Finalmente, no diagnóstico Na prática, devemos levar em consideração


psicopedagógico, o psicólogo desempenha que nem sempre se trabalha com um nível
um papel fundamental, não somente como de colaboração ótimo e que ele pode variar
elemento de assessoramento e de ajuda ao conforme diversas circunstâncias, tanto
aluno e ao professor, mas como um agente pessoais quanto institucionais. Mesmo assim,
que pode provocar rigidez ou, pelo contrário, insistimos que a clareza na definição das
mudanças positivas na organização escolar. relações que ocorrem ao longo do processo
Assim, o psicólogo deve ser observador diagnóstico é um fator fundamental que
de si mesmo, das reações provocadas pode auxiliar na superação de expectativas

39
Instrumentos de Avaliação I

frustradas. Outro aspecto a ser considerado dos pais; entrevista com o professor e
é que, às vezes, e devido, em parte, entrevista com os pais, revisão dos trabalhos
à relativa novidade do nosso enfoque, de aula; exploração individual, orientações e
essa clareza inicial é diluída ao longo do seguimento.
processo diagnóstico, e há uma tendência a Alguns dos elementos do diagnóstico
depositar no psicólogo a responsabilidade da psicopedagógico requerem uma situação
abordagem do aluno com problemas. Quando definida no tempo. Assim, por exemplo, para
isso ocorre, é importante que o psicólogo conseguir uma boa co-responsabilização,
torne a abordar o assunto e lembre-se da nós não realizamos a intervenção enquanto
responsabilidade conjunta que deve existir no o professor não a solicitar (à diferença
caso. de outros modelos de intervenção que
optam por detectar os problemas a priori).
Num outro nível de considerações, Assim, a solicitação é o primeiro passo do
consideramos importante refletir sobre o diagnóstico psicopedagógico. Logicamente, as
objeto do diagnóstico psicopedagógico. orientações e o plano de trabalho são o ponto
Normalmente, o diagnóstico é iniciado a final. Quanto aos elementos intermediários,
partir do momento em que o educador geralmente é seguida uma ordem quase
aponta um aluno como motivo de sua constante, que é a que será desenvolvida
preocupação. Geralmente, O professor durante a nossa exposição. Apesar disso,
pressupõe que a disfunção pertence, a situação do psicopedagogo na escola e a
principalmente, ao aluno e que, por isso, a própria dinâmica imposta, por ela, faz com
exploração e as orientações farão referência que, às vezes, estes elementos sigam uma
a ele. O psicólogo, no entanto, parte da ordem mais flexível. Assim, por exemplo,
base de que, mesmo que o aluno apresente pode-se decidir a realização da observação
certas características peculiares que o da aula depois da exploração individual e
enfrentam de uma forma determinada à não antes. No entanto, não é necessário
situação escolar, o que o educador está lhe aplicar, em cada caso todos os elementos
apresentando, na realidade, é uma situação do diagnóstico psicopedagógico, e a escolha
de dificuldades na compreensão mútua de uns ou outros, por parte do pedagogo,
entre ele e o aluno. Desta forma, o psicólogo vai depender do tipo de solicitação e das
aborda uma relação na qual estão implicadas condições que a cercam. Assim, muitas vezes
duas ou mais pessoas e não uma como no optamos principalmente na educação infantil,
início poderia parecer. Em conseqüência, o por não realizar testes individuais, quando
psicólogo tentará conhecer a relação entre com a observação da aula já foi possível
ambos e, também, a do grupo em geral, detectar a natureza do problema, e podemos
e, nas orientações tentará implicar tanto oferecer orientações precisas.
os alunos como os próprios professores.
Esta disparidade de expectativas deve ser Deve-se considerar, aqui, que, no
ajustada, principalmente, no momento diagnóstico psicopedagógico, nem
da devolução e na concretização do plano sempre é necessário esperar e obter uma
de trabalho, momentos especialmente informação exaustiva do caso para fazer
importantes para o enfoque correto do prescrições. Levado em consideração que
trabalho conjunto entre professor e psicólogo. a duração do curso é relativamente curta
e que a natureza das relações pessoais
No diagnóstico psicopedagógico, devem- na escola é muito viva e dinâmica, podem
se distinguir diferentes fases ou elementos: ser encontrados, facilmente, pontos de
demanda ou indicação do problema por ancoragem para começar a trabalhar. Às
parte do professor ou, excepcionalmente, vezes, o psicopedagogo pode optar por

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Instrumentos de Avaliação I

deter o diagnóstico a partir do momento


que considere que a informação obtida
e, portanto, as orientações que ele pode
oferecer são suscetíveis de produzir
mudanças em relação à demanda inicial.
Posteriormente, durante o curso, irá
complementando o conhecimento do
problema com o seguimento do caso.

Referência:
Bassedas Eulália. Intervenção Educativa e
diagnóstico psicopedagógico ; trad. Beatriz
Afonso Neves. – 3 ed. – Porto Alegre: Artes
Médicas, 1996

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