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A História Social da Escravidão Negra no Piauí: perspectivas recentes.

FRANCISCO HELTON DE ARAUJO O. FILHO1

O objetivo desse trabalho é fazer um apanhado das perspectivas recentes sobre a


História Social da escravidão negra no Piauí, apontando para a necessidade de observar
as formas de resistências cotidianas dos cativos a partir dos novos enfoques sobre a
resistência escrava no Brasil (CARVALHO, 2000), na medida em que o trabalhador
escravizado não só resistia através de casos limites como fugas, assassinatos dos
senhores ou suicídio, mas negociavam, forçando os limites da escravidão em busca de
seus próprios interesses, melhores condições de vida e liberdade, através das formas de
resistências cotidianas. As resistências abertas poderiam significar ganhos temporários
nas relações de produção, e ainda ficar a lembrança de coragem e luta dos cativos, mas,
por outro lado, eram ganhos incertos, pois poderia haver maior repressão e aumento dos
castigos como forma de desmoralizar essas ações. Por esse motivo, a prosaica, mas
constante luta entre o cativo e os seus algozes, as formas corriqueiras de resistência e as
armas ordinárias usadas pelos cativos é o que procuramos enfatizar como outra forma
de compreender a resistência negra no Piauí escravista.
Na reconstituição das experiências dos trabalhadores escravizados no cotidiano
de exploração e violência, é importante está atento ao que se pode coligir das fontes, e
quais aquelas que possibilitam o pesquisador perceber essas tramas. Muitas fontes são
ricas em informações sobre o cotidiano dos trabalhadores, ao qual cada vez mais
contribuem para ampliar o horizonte da pesquisa histórica. Apesar da dificuldade em
localizar as fontes do século XIX e XVIII no Piauí, é preciso o maior esforço dos
pesquisadores em explorar arquivos paroquiais e cartoriais locais, pois “qualquer indicio
que revele a capacidade dos escravos de conquistar espaços ou de ampliá-los segundo
seus próprios interesses, deve ser valorizado” (SILVA e REIS, 1989, p.15).

1
Mestrando em História Social do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do
Ceará. Bolsista Capes.
2

Nas leituras sobre a historiografia da escravidão no Piauí, observamos que as


análises discutem normalmente a escravidão nas fazendas de gado, já que a pecuária se
constituiu como base econômica do Piauí, cuja abordagem gira em torno das formas de
manutenção do sistema escravista, o perfil dos escravos, as formas de resistência e as
relações entre senhores e escravos (LIMA, 2005; FALCI, 1995; BRANDÂO, 1999).
Temos as análises da historiadora Miridan Falci (1995), que aborda o trabalho
livre e o trabalho escravo, caracterizando os tipos de trabalhos, o sexo, a idade, e as
variados ofícios e ocupações, utilizando estudos demográficos para caracterizar os
cativos do Piauí. A autora faz uma caracterização da estrutura demográfica da
população escrava no Piauí, a partir dos censos, registros de batismos e algumas listas
de classificação. Tânya Brandão (1999), por outro lado, aborda a escravidão com uma
perspectiva mais social do que econômica. Em seu trabalho, a autora define que o
criatório não necessitava de muitos braços, resultando em pouca mão-de-obra, onde os
trabalhos mais pesados ficavam por conta dos escravos. A autora afirma ainda que nas
fazendas públicas o tratamento dos escravos era mais “brando” do que nas propriedades
privadas. Tânia Brandão não nega a violência, no entanto, aponta que os castigos eram
formas disciplinadoras dos escravos (BRANDÂO, 1999).
Esses dois estudos, exploraram elementos importantes que possibilitam novos
olhares sobre a escravidão no Piauí. As críticas que se fazem a esses dois trabalhos se
remetem ao fato de reforçarem algumas teses clássicas, como a mão de obra negra ter
sido usada de forma secundária nas fazendas de gados. Em Tânia Brandão o trabalho
escravo estava ligado a tarefas secundárias, no criatório ficavam os trabalhadores livres,
a posse de cativos representava muito mais demonstração de status e havia um
tratamento distinto entre as fazendas publicas e privadas. Em Miridan Falci seria a
relação escravista baseadas no compadrio (consenso e contratualidade), pela
proximidade entre as classes dos senhores e escravos, que tende a reforçar a ideia de um
sistema ameno.
Já Solimar Lima (2005) questiona a visão paternalista e aponta para uma
frequente e violenta repressão nas fazendas publicas. Explora temas relacionado à
constituição da força de trabalho, a mão de obra e ocupações escrava, processo
produtivo e as formas de controle e resistência escrava nas fazendas da nação no Piauí.
O historiador discute as formas de manutenção do sistema escravista, como o sistema de
“quarta”, e a reação dos cativos, analisando a subjetividade dos escravos, as condições
de vida nas fazendas publicas e a exploração do trabalho do escravizado. Sistema que
3

gerou tensões e conflitos pela exigência de submissão e violência. Lima revelou ainda
através de queixas e denúncias de escravos as formas de limitar a exploração dos cativos
e as reações diretas, como assassinatos e fugas. O historiador evidencia uma série de
atividades desenvolvidas não só nas fazendas, mas no recinto das vilas e cidades,
demonstrando que essas atividades realizadas eram direcionadas ao mercado. Esses
estudos se diferenciam em suas respectivas e abordagens, trouxeram várias
possibilidades de temas que podem ainda ser explorados (LIMA, 2005).
A partir dos estudos feitos por Solimar Lima sobre o sistema de quarta, fica claro
que existia uma rede de relações entre os cativos e livres ou “agregados”, implícita na
documentação oficial. Lima afirma, que os bens dos trabalhadores mortos, por exemplo,
apesar de continuar nas mãos dos administradores das fazendas, eram reclamados pelos
parentes ou descendentes. O sistema de “quarta” pode ter sido um mero instrumento de
controle e disciplina dos trabalhadores escravizados. No entanto, é bem possível que a
reação dos próprios trabalhadores pelo reconhecimento dos seus direitos tenha tido um
peso no desenrolar dessas questões. Apesar de ser difícil mostrar até que ponto a
resistência cotidiana dos trabalhadores escravizados contribuiu para mudar essa
situação, muito se tem feito para entrever na documentação os sinais de ação e
mobilização e negociação em busca de seus próprios interesses. Lima mostra ainda em
seu trabalho, que os agregados das fazendas eram moradores indesejados “aos olhos das
autoridades”, por serem “acusados de matar bois da Nação para o consumo, apropriar-se
de cavalos e, sobretudo, de ‘praticarem desordens e estímulos aos escravos’”. Muitos
desses “agregados”, eram libertos que moravam a muito tempo nas fazendas (LIMA, p.
122-123).
Os cativos estavam em todos os ambientes da vida urbana, nas igrejas, nas casas,
nas ruas, nos becos e travessas, nos morros, nas praças, mesmo diante das proibições
dos códigos de posturas e as estratégias policiais, que tentavam disciplinar a presença
negra em alguns espaços do ambiente urbano sem a devida autorização. Uma rede de
práticas que foram mapeadas pela historiografia da escravidão urbana no Brasil. No
trabalho como vendedores, escravos de ganho que realizavam algum tipo de tarefa
diária, escravos de aluguel, manipulando a pouca liberdade que tinha nas ruas, no
contato com outros escravizados e pessoas livres (ALGRANTI, 1988).
As tarefas domésticas de cozinheiras, lavadeiras, amas e demais empregados e
outras ocupações praticadas nos centros urbanos como sapateiros, alfaiates, carpinteiros,
pedreiros, ferreiros, eram realizadas tanto por escravos quanto por libertos das camadas
4

marginalizadas. De acordo com esse entendimento, a vida dos trabalhadores escravos na


cidade era mais “frouxa”, na medida em que o controle do senhor sobre o escravo nos
centros urbanos era mais flexível. No entanto, isso não significava que o escravizado
não sofria violência, perseguição e chantagens. Engana-se aquele que acredita que o
recinto das vilas e cidades era um ambiente benigno e menos atroz. O Feitor Ausente
(1988) de Leila Algranti, revela que o ponto amplamente comentado pelos estudiosos da
escravidão nos centros urbanos, é a questão “de maior liberdade e flexibilidade”2 dos
escravos nesses centros.
Os estudos do historiador Mairton Celestino da Silva3 foram os primeiros a
abordar a escravidão dentro de um centro urbano em desenvolvimento no Piauí, a
transferência da capital Teresina, no século XIX. Silva (2005) analisa primeiro, em
trabalho monográfico, o cotidiano dos escravos e libertos em Teresina, problematizando
a transferência de escravos para o espaço urbano, onde o trabalho escravo foi fator
importante para a construção da nova capital e determinante das relações de trabalho
que se constituiu ao longo do período, enfrentando a violência e a dominação senhorial
através dos mecanismos de dominação como as leis e as regras expressas, por exemplo,
pelos códigos de posturas. Em outro trabalho, o historiador aponta para aspectos
culturais dos negros através dos mecanismos de sobrevivência e de sociabilidades4,
frente a uma política de controle social que desenvolveu um aparato policial que não
permitiam as manifestações da identidade negra nas ruas da nova capital.
Outra contribuição inovadora sobre a escravidão negra é da historiadora
Francisca Raquel (2009), que discute em seu trabalho de dissertação o cotidiano, a
resistência e as formas de controle dos escravos no Piauí, na segunda metade do século
XIX, priorizando sua análise sobre os escravos de propriedade privada. A historiadora
identifica o perfil dos escravos no Piauí, as condições de trabalho e as atividades
desenvolvidas, assim como as formas de resistência (fugas, homicídios, roubos e
suicídios de escravos), e as formas de controle dos escravos, representada pelas

2
ALGRANTI, Leila M. O Feitor Ausente: estudos sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro
– 1808-1822. Editora Vozes: Petropolis, 1988, p.47.
3
SILVA, Mairton Celestino da. Escravos e libertos: uma história da escravidão em Teresina –
1871 -1888. 2005. 132f. Monografia (História) – Centro de Ciencias Humanas e Letras –
Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2005. ________. Batuque na rua dos negros: cultura e
polícia na Teresina da segunda metade do século XIX. 2008. 137 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Centro de Ciências Humanas Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
4
SILVA, Mairton Celestino da. Batuque na rua dos negros: cultura e polícia na Teresina da
segunda metade do século XIX. 2008. 137 f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de
Ciências Humanas Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
5

instituições do Estado, como a polícia e a legislação, que elaboraram estratégias com o


objetivo de manter o trabalhador escravo submisso ao sistema escravista e ao processo
produtivo 5.
Não existem estudos específicos sobre o tráfico de escravos para o Piauí. Temos
uma breve discussão feita pelas historiadoras Miridan Falci6 e Tânia Brandão7, em
relação à chegada dos cativos. Miridan Falci sugere três eixos de importação de
escravos para a província do Piauí, propiciado pela localização geográfica intermediária
ou de transição entre o Maranhão, Pernambuco e Bahia. O primeiro eixo seria de leste a
oeste, através de uma rede de comerciantes que saiam da Bahia e Pernambuco para o sul
do Maranhão, produtor de algodão. O segundo eixo se daria no sentido contrário, saindo
de São Luís e atravessando o Piauí para outras províncias. O terceiro eixo seria ao norte,
no delta do Parnaíba, “onde a presença de mais de 3.000 ilhas encorajava o contrabando
e o comercio ilegal de escravos” 8. Tânia Brandão mostra que existia uma grande
variedade étnica e forte presença de africanos em Campo Maior, no final do século
XVIII, o que evidenciava certa demanda de trabalhadores para as fazendas de gado da
região, beneficiadas pelo tráfico. Por outro lado, nas primeiras décadas do século XIX, o
percentual de trabalhadores africanos no Piauí passa a ser baixo. A historiadora revela
alguns dados a partir dos inventários das cidades de Jerumenha e Oeiras ao sul do Piauí
e Parnaíba, ao norte, indicando a presença de 13 a 17% de africanos, com a média de
15,48% para a Província. Com esse resultado, a pesquisadora conclui que houve uma
regressão do número de africanos na província, dando inicio a um processo de
crescimento endógeno. A explicação para isso, segundo Falci, seria um processo de
decadência das culturas de algodão e fumo, e um possível empobrecimento dos
fazendeiros, resultando que “a população africana não mais será renovada” 9.
Outro tema que não é trabalhado detalhadamente na historiografia piauiense e
que foi uma das questões que mais suscitaram debates no Brasil, a partir da segunda

5
COSTA, Francisca Raquel da. Escravidão e Conflitos: cotidiano, resistências e controle de
escravos no Piauí na segunda metade do século XIX. 2009. 152f. Dissertação (Mestrado em
História) – Centro de Ciências Humanas e Letras Universidade Federal do Piauí, Teresina,
2009.
6
FALCI, Miridan Britto Knox. Escravos do sertão: demografia, trabalho e relações sociais.
Piauí. 1826-1888. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995,
7
BRANDÂO, Tanya Maria Pires. O escravo na formação social do Piauí: perspectivas
do século XVIII. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí,1999.
8
FALCI, Miridan Britto Knox. Escravos do sertão: demografia, trabalho e relações sociais.
Piauí. 1826-1888. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995, p. 38.
9
FALCI, Miridan Britto Knox. Escravos do sertão: demografia, trabalho e relações sociais.
Piauí. 1826-1888. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995, p. 45.
6

metade do século XIX, em todos os meios públicos ou privados foi predominantemente


a questão da escravidão e da liberdade. Seja na opinião publica através dos jornais, seja
nos litígios travados nas salas dos cartórios ou tribunais dos cantos mais remotos do
país, causaram conflitos e tensões que envolveram os magistrados, escravos e
proprietários.
A partir da década de 1870, a questão da liberdade ganha um outro sentido. Ao
discutir a lei de 1871, coloca-se a questão dos debates travados desde o final dos anos
de 1860 a 1871, e o que esses debates provocaram de mudanças em relação ao acesso
dos cativos à alforria. Os estudos revelam a participação dos escravizados no processo
da conquista da liberdade, as redes de relações construídas em torno desse processo, na
medida em que esses sujeitos conseguiam mobilizar muita gente em favor de sua causa.
Questão delicada para os jurisconsultos e magistrados e para a sociedade proprietária de
escravos, que levaram longos anos de debates, mas sempre mantendo a cautela e a
moderação, num país que velava a escravidão, escondendo-a vergonhosamente, ao
mesmo tempo em que esses conflitos eram travados internamente e cotidianamente na
vida de milhões de cativos, africanos e brasileiros, que para lei, mesmo tendo
“liberdade”, não tinha cidadania.
Muitas das questões jurídicas relacionadas à escravidão foram originadas das
disputas judiciais do foro. Essas questões se tornavam um problema jurídico suscitado
pelas ações de liberdade movidas por escravos. Esses cativos geralmente moravam junto
aos seus senhores, ocupados os espaços na cozinha e corredores das casas ou terreiros,
para o descanso da lida do trabalho durante o dia, ou em casebres de palhas construídos
ao redor das vilas e cidades. A resistência e a luta pela liberdade escrava eram travadas
cotidianamente, através de conflitos e negociações, como é o caso da escrava Emilia 10,
que teve sua liberdade negada, após anos de esperança, indo sua questão parar nos foros
da justiça. A suposta "liberdade" dos cativos, não quer dizer que tenha se modificado as
formas de opressão, permanecendo numa situação de liberdade precária 11.

10
Emilia, que tinha 15 anos em 1879, pertencia a D. Theodora Maria do Espírito Santo. Quando
Emília nasceu, foram doadas duas novilhas de gado por Thomé, “que se dizia seu pai”, para
constituir pecúlio logo que completasse os 15 anos, e comprar sua liberdade. Até completar a
idade, Emília foi sendo enganada pela sua dona e seus filhos, que se aproveitaram do gado de
Emilia para comer e vender em proveito próprio, ainda por cima sem libertá-la, mesmo após a
morte de D. Theodora, que tinha prometido a libertá-la quando morresse. APEP. Caixa 170.
11
CHALHOUB, Sidney. Precariedade estrutural: o problema da liberdade no Brasil escravista
(século XIX). In: História Social, n. 19, segundo semestre de 2010.
7

Consideramos ser preciso situar o controle e a reprodução da ordem escravista


no tempo e no espaço, buscando perceber as experiências dos trabalhadores cativos
numa rede de relações que ultrapassavam a oposição entre senhor e escravo. Perceber as
relações específicas, não só verticalmente, mas horizontalmente, as sociabilidades e
laços de solidariedade entre cativos, forros e livres, dentro de uma sociedade
marcadamente hierarquizada.
É o que vem mostrando cada vez mais uma gama de pesquisas recentes bem
documentadas sobre as relações escravistas numa dimensão mais do cotidiano e sua
articulação com os processos históricos mais amplos. Como indica Marcus Carvalho:
(...) a historiografia dos anos 90 sobre resistência escrava tem dado
enorme importância às transgressões cotidianas, aos pequenos atos de
rebeldia, às fugas temporárias, aos furtos perpetrados pelos negros,
aos derriços e algazarras, às alianças circunstanciais ou não com
outros membros das camadas subordinadas, às festividades, a luta pela
sobrevivência das tradições afro-brasileiras, as tentativas de
preservação de arranjos familiares e demais grupos de convivência,
enfim às expressões de humanidade dos cativos que sempre se
repetiam por mais que os senhores tentassem reduzi-los à condição de
coisas 12.

A resistência do trabalhador cativo tende aparecer num evento extraordinário,


atípico, onde emergem os conflitos, tensões e tornam visíveis as normas, dissolvidas nas
fontes históricas. Por outro lado, as ações aparentemente isoladas dos trabalhadores
escravizados, numa situação que em si mesma não tem um significado político imediato
ao ato, aparecem muitas vezes despolitizadas. As formas de resistências cotidianas são
silenciosas e muitas vezes não aparecem explicitas nas fontes. James Scott (2006)
contribui nesse sentido, ao analisar as resistências cotidianas expressas nas atitudes
políticas diretas ou indireta, desenvolvidas por várias pessoas no mesmo momento,
aquilo que ela chama de discursos ocultos. Scott afirma que “a relação entre as elites e
os subordinados, é mais do que qualquer outra coisa, um luta material em que ambas as
partes procuram constantemente detectar fragilidades e explorar pequenas vantagens” 13.
Nesse sentido, os limites da resistência são estabelecidos pelas possibilidades de
conflitos que se dão no cotidiano, “uma dimensão mais discreta da luta política”, aquilo

12
CARVALHO, Marcus J. M. de. Resistência escrava no Brasil: raízes e roteiros de algumas
discussões recentes. In: ALADAA - Associação Latino-Americana de Estudos Africanos e
Asiáticos X Congresso Internacional. Rio de Janeiro, 2000, p. 12. Disponível em:
<biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/aladaa> acesso: 20-05-2014.
13
SCOTT, James. A Dominação e a Arte da Resistência: Discursos Ocultos. Trad. Pedro S.
Pereira. Letra Livre: Lisboa, 2013, p. 254.
8

que Scott chama de infrapolítica. Essas formas de resistência dependem do contexto, e


muitas vezes se dão de forma silenciosa, mas adquirem um significado importante nos
processos de mudanças 14.
A historiografia sobre a escravidão negra no Brasil, desde a década de 1980, já
vem trabalhando nessa perspectiva. João José Reis e Eduardo Silva foram um dos
primeiros a chamar atenção para essa questão ao afirmarem que no “Brasil, como em
outras partes, os escravos negociaram mais do que lutaram abertamente contra o
sistema” 15.
Contribuições teórico-metodológicas, neste sentido, ajudam a renovar as
perspectivas sobre o tema, dando um novo olhar para as experiências dos sujeitos que
muitas vezes aparecem inaudíveis, como se não tivessem interesses próprios, uma visão
de mundo. A noção de temporalidades múltiplas que se articulam umas com as outras é
fundamental para perceber os diferentes liames das relações escravistas. Kosseleck
(2006) ajuda a pensar essas diferentes temporalidades que vão além do tempo linear,
pois se considera as trajetórias, as dinâmicas, as continuidades e descontinuidades que
se inserem na pesquisa histórica 16.

Referências
ALGRANTI, Leila M. O Feitor Ausente: estudos sobre a escravidão urbana no Rio de
Janeiro - 1808-1822. Editora Vozes: Petropolis, 1988.
BRANDÂO, Tanya Maria Pires. O Escravo na Formação social do Piauí. Teresina:
EDUFPI, 1999.

CARVALHO, Marcus J. M. de. Resistência escrava no Brasil: raízes e roteiros de


algumas discussões recentes e GOMES, Flávio dos Santos. Experiências negras e Brasil
escravista: questões e debates. In: ALADAA - Associação Latino-Americana de Estudos
Africanos e Asiáticos X Congresso Internacional. Rio de Janeiro, 2000. Disponível em:
<biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/aladaa> Acesso em: 20-05-2014.

14
SCOTT, James. Exploração normal, resistência normal. In: Revista Brasileira de Ciência
Política, n° 5, Brasília, jan-jul de 2011, pp. 217-243.
15
SILVA, Eduardo e REIS, João José. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil
escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 14.
16
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos;
tradução, Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira; revisão César Benjamin. Rio de
Janeiro: Contraponto-Ed. PUC-Rio, 2006.
9

CHALHOUB, Sidney. Precariedade estrutural: o problema da liberdade no Brasil


escravista (século XIX). In: História Social, n. 19, segundo semestre de 2010.

COSTA, Francisca Raquel da. Escravidão e Conflitos: cotidiano, resistências e controle


de escravos no Piauí na segunda metade do século XIX. 2009. 152f. Dissertação
(Mestrado em História) – Centro de Ciências Humanas e Letras Universidade Federal
do Piauí, Teresina, 2009.

FALCI, Miridan Britto Knox. Escravos do sertão: demografia, trabalho e relações


sociais. Piauí. 1826-1888. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995,

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos


históricos; tradução, Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira; revisão César
Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto-Ed. PUC-Rio, 2006.

LIMA, Solimar Oliveira. Braço Forte. Trabalho escravo nas Fazendas da Nação do
Piauí – (1822 – 1871). Passo Fundo: UPF, 2005.

SCOTT, James. A Dominação e a Arte da Resistência: Discursos Ocultos. Trad. Pedro


S. Pereira. Letra Livre: Lisboa, 2013.

SILVA, Eduardo e REIS, João José. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil
escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

SILVA, Mairton Celestino da. Batuque na rua dos negros: cultura e polícia na Teresina
da segunda metade do século XIX. 2008. 137 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Centro de Ciências Humanas Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.

________. Escravos e libertos: uma história da escravidão em Teresina – 1871 -1888.


2005. 132f. Monografia (História) – Centro de Ciencias Humanas e Letras –
Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2005.

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