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O filósofo alemão Nietzsche (1844/1900) estava errado ao dizer que "Deus está morto", o que

deu origem a uma anedota segundo a qual, após a morte de Nietzsche, Deus teria dito:
"Nietzsche está morto." A religião não morreu e encontra-se em franco crescimento no século
XXI, por atender a anseios humanos que a razão e a ciência não alcançam. Nietzsche também
não morreu, pois seus questionamentos permanecem vivos. Sua filosofia de "afirmação da
vida" e de crítica da cultura ocidental e da moral judaico-cristã influenciou o pensamento de
Jung, Freud, Bataille, Rand, Sartre, Camus, Deleuze, Foucault e Derrida, dentre tantos outros
filósofos e estudiosos contemporâneos, sendo base para a construção das filosofias do
humanismo, do existencialismo, do pós-modernismo e do pós-estruturalismo.
Este box traz uma excelente amostra do legado de Nietzsche, senão vejamos:
a) Esta é uma edição impecável, com livros em capa dura reunidos em um box bonito e com
diagramação moderna, que fazem jus à importância filosófica do autor.
b) Reúne três obras essenciais: "Assim falava Zaratustra", "O anticristo" e "Ecce Homo". O
primeiro livro é um ensaio famoso em que Nietzsche usou a frase "Deus está morto", ao falar
de valores essencialmente humanos e de fazer, ainda, críticas ao niilismo, embora alguns
atribuam a ele, indevidamente, a pecha de niilista. No segundo (O Anticristo), ele faz críticas a
Paulo de Tarso, o codificador do cristianismo e fundador da Igreja, que, ao criar o sistema de
recompensa e castigo, mostra-se o oposto do que Jesus pregou. Em razão disso, Nietzsche
afirma que "o único cristão morreu na cruz". O terceiro (Ecce Homo) é um ensaio
autobiográfico, escrito no seu estilo aforismático, com textos curtos e frases agudas, que dele
fazem um excelente frasista. Neste ensaio, o autor se afirma ateu e apresenta uma série de
questionamentos que constituem a base da sua filosofia, tal como a crítica ao conceito de
"livre-arbítrio", que, para ele, não passa de uma ilusão, no que é acompanhado por muitos
neurologistas atuais.
c) Apesar do conteúdo "herético" dos livros, eles não precisam ser lidos de maneira
demolidora, nem indignada, nem pirronista (filosofia que questiona tudo), haja vista que isso
levaria ao niilismo (negação de todos os valores). Vale a pena seguir as dicas do filósofo
francês Michel Onfray, em seu livro "A sabedoria trágica: sobre o bom uso de Nietzsche", sobre
como devemos ler Nietzsche.
d) Nietzsche combatia o rigor germânico, o antissemitismo, o imperativo categórico e o espírito
aprisionado, que eram antípodas do seu espírito livre. Ele inclusive rompeu com sua irmã e
com o compositor Richard Wagner, por terem posição antissemita. Se algumas de suas ideias
foram utilizadas pelos nazistas, tal como a ideia do super-homem, de que trata em "Assim
falava Zaratustra", a culpa de tal deturpação não é de Nietzsche, assim como não é culpa de
Charles Darwin o desenvolvomento do chamado darwinismo social, que deu origem à eugenia,
que os nazistas praticavam. Da mesma forma que não podemos culpar Einstein (com sua
fórmula "E = m.c2"), pelo desenvolvimento da bomba atômica e da bomba de hidrogênio,
lançadas pelos EUA em Hiroshima e Nagashaki, pois todo o conhecimento pode ser usado
para o bem ou para o mal.
e) Os "insights" e as desconstruções nietzscheanas foram importantes para vários campos do
saber, tais como a filosofia, a psicologia, a antropologia, a sociologia, a sociologia e a literatura.
f) Gostaria de ver a publicação, em capa dura, das obras completas de Nietzsche, embora este
autor, talvez, deva ser lido em doses homeopáticas. Este box foi uma boa iniciativa, que
poderia originar outras. Os livros que ele traz são pequenos (600 páginas os três, sendo
Zaratustra o maior deles).
g) Destaco o prefácio de "Assim falava Zaratustra", escrito por Geir Campos, que é muito bom.
Ele explica como a filosofia de Nietzsche difere e se contrapõe às ideias nazistas, e cita uma
definição enciclopédica que define o autor como "filósofo e poeta lírico alemão", inspirado na
poesia em prosa dos diálogos desta obra de Nietzsche!
# Importante registrar que, embora este box seja bonito, ele não traz a melhor tradução de
Nietzsche. Por isso, em alguns momentos, a leitura torna-se truncada, o que não ocorre com
as traduções de Paulo César de Souza, que também traduziu obras de Freud com
brilhantismo!

Por Marcus Sander Júnior em Sep 19, 2016

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