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COSERIU, Eugenio. Lições de linguística geral. Tradução Evanildo Bechara.

Rio de Janeiro: Ao
Livro Técnico, 1980.

“A língua funcional apresenta diferentes ordens ou níveis de estruturação [...], que são quatro:
a ordem da realização (falar concreto) e três ordens de técnica propriamente dita ou técnica
virtual (saber enquanto tal): a norma, o sistema da língua e o tipo linguístico” (COSERIU, 1980,
p. 119)

4. tipo linguístico
Técnica virtual 3. sistema
2. norma

Língua funcional

Técnica realizada 1. Falar concreto

“O falar concreto mais ou menos corresponde à parole de Saussure e se poderia também


chamar ‘fala’ [...]. A norma e o sistema da língua correspondem, juntos, aproximadamente à
langue saussuriana. E o tipo linguístico é uma ordem de estruturação que não foi identificada
como tal por Saussure” (COSERIU, 1980, p. 119-120).

“O falar concreto apresenta a técnica linguística como técnica efetivamente realizada; [...].
Além da realização da técnica, o falar concreto contém também toda uma série de
determinações próprias que, no fundo, o fazem, em qualquer caso, ‘inédito’” (COSERIU, 1980,
p. 122).

“A norma da língua, ao contrário, contém tudo o que, no falar correspondente a uma língua
funcional, é fato tradicional, comum e constante, ainda que não necessariamente funcional:
todo fato que se diz e se entende ‘dessa maneira e não de outro modo’. [...] A norma, pois,
pode, em certos casos, exigir a realização de aspectos não funcionais e aceita a sua possível
‘redundância’” (COSERIU, 1980, p. 122)

”Se a norma contém tudo o que é fato de realização tradicional, o sistema contém as oposições
funcionais: tudo aquilo que na técnica linguística é distintivo e que, se fosse diferente, teria (ou
seria) uma outra função de língua, ou não teria (nem seria) nenhuma função na língua
respectiva, podendo, eventualmente, tornar-se irreconhecível (ou incompreensível). Portanto,
todos os traços que assinalamos como distintivos pertencem ao sistema” (COSERIU, 1980, p.
122-123)

“A norma é, em certo sentido, mais ampla do que o sistema: com efeito, ela encerra também
os traços não funcionais, enquanto o sistema contém só os traços distintivos necessários para
que uma unidade da língua (quer no plano da expressão, quer no do conteúdo) não se
confunda com outra [...]. O sistema é menos amplo do que a norma e está ‘contido’ nesta: ”
(COSERIU, 1980, p. 123)
NORMA

SISTEMA

“Contudo, já em outro sentido, o sistema é mais amplo que a norma, já que é menos
determinado [...], e contém também possibilidades não realizadas na norma da mesma língua.
De fato, o sistema contendo apenas as oposições funcionais, encerra também tudo o que na
língua seria possível, mesmo se não é realizado na norma. Em outras palavras, a norma
abrange fatos linguísticos efetivamente realizados e existentes na tradição, ao passo que o
sistema é uma técnica aberta que abrange virtualmente também os fatos ainda não realizados,
mas possíveis de acordo com as mesmas oposições distintivas e as regras de combinação que
governam o seu uso” (COSERIU, 1980, p. 123)

“Nesse sentido – e graças, justamente, ao sistema, que é em essência sistema de possibilidades


-, uma língua não é apenas aquilo que já está feito por meio da sua técnica, mas é também
aquilo que, mediante esta mesma técnica, se pode fazer; não é somente passado e presente,
mas possui uma dimensão de futuro” (COSERIU, 1980, p. 125)

“Por cima do sistema, o tipo linguístico encerra os princípios funcionais e as categorias técnicas
da língua: os tipos de procedimentos e de funções, as categorias de distinções, oposições e
estruturas que caracterizam essa língua. Consequentemente, o tipo linguístico representa a
coerência e a unidade funcional das várias seções do sistema; pode , porém, corresponder a
mais de um sistema (como, aliás, um mesmo sistema pode corresponder a mais de uma
norma)” (COSERIU, 1980, p. 125)

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“Os elementos que, ao menos em certa posição, são constantes e todavia não constituem uma
oposição, e portanto não são funcionais, dizem-se redundantes, e tem uma espécie de função
auxiliar, a da redundância, que reforça a função principal” (COSERIU, 1980, p. 73)

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“A linguagem é uma atividade humana universal que se realiza individualmente, mas sempre
segundo técnicas historicamente determinadas (“línguas”). Com efeito, todos os seres
humanos adultos e normais falam e, em certo sentido, falam sempre [...]. Por outro lado, todo
falante fala individualmente (mesmo no diálogo): a linguagem não é nunca atividade ‘coral’. Por
fim, a linguagem se apresenta sempre como historicamente determinada, como ‘língua’
(italiano, português, francês, alemão, etc); não há falar que não seja falar uma língua”
(COSERIU, 1980, p. 91)

“Dentro da linguagem se podem distinguir portanto três níveis: um universal, outro histórico e
outro individual, que de resto se distinguem mais ou menos claramente também do ponto de
vista prático” (COSERIU, 1980, p. 91). Segundo Coseriu, quando se diz que uma criança não
fala, queremos dizer que ela não realiza a faculdade geral de falar, independente do idioma;
faz-se referência, neste caso, ao nível universal. Por outro lado, se percebemos que um
indivíduo está falando na língua X, é identificado o nível histórico da linguagem. Já quando se
diz ‘É Pedro quem fala’, tem-se o nível individual da linguagem.

Níveis/pontos de atividade saber Produto


vista
Nível universal Falar em geral Elocucional Totalidade do “falado”
Nível histórico Língua concreta Idiomático (língua abstrata)
Nível individual discurso expressivo “texto”

“No nível universal, a linguagem, considerada como atividade, é o falar (em geral), não
determinado historicamente; considerada no ângulo da técnica, é o ‘saber falar em geral’
(saber elocucional); e considerada como produto é ‘o falado’, a totalidade do que se disse (ou
ainda do que se pode dizer, sempre que se considere como ‘coisa feita’). No nível individual, a
linguagem como atividade é o discurso, isto é, o ato linguístico (ou a série de atos linguísticos
conexos) de um determinado indivíduo numa dada situação; como saber, é o saber expressivo
(saber relativo à elaboração dos ‘discursos’); e como produto é um texto (falado ou escrito).
Analogamente, no nível histórico, a linguagem como atividade é a língua concreta, tal qual se
manifesta no falar, como determinação histórica deste [...]; e como ‘potencialidade’ é a língua
enquanto saber tradicional de uma comunidade (saber ‘idiomático’). Como produto, no
entanto, a língua não se apresenta nunca de modo concreto, uma vez que tudo o que nesse
nível se ‘produz’ (se cria) ou redunda num hapax (expressão dita uma única vez) ou, se se
adota e se fixa historicamente, passa a fazer parte do saber tradicional. Nesse sentido, a língua
não é nunca produto, só pode ser a língua abstrata, isto é, a língua extraída do falar e
objetivada numa gramática ou num dicionário” (COSERIU, 1980, p. 93).

“Quem define a linguagem como ‘a atividade que usa (ou que produz ou cria) signos’, fá-lo
considerando-a como atividade, como falar. Quem, por outro lado, define a linguagem como
‘faculdade de falar (ou exprimir-se)’, já a considera como saber ou ‘potencialidade’. E uma
definição como aquela que, em certo contexto, dá Ludwig Wittgenstin – ‘a linguagem é a
totalidade das orações’ – refere-se, evidentemente, a ela como ‘produto’” (COSERIU, 1980, p.
94)

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“Uma língua histórica apresenta sempre variedade interna. Mais precisamente podemos nela
encontrar diferenças mais ou menos profundas pertencentes substancialmente a três tipos: a)
diferenças diatópicas, isto é, diferenças no espaço geográfico; b) diferenças diastráticas, isto é,
diferenças entre os estratos sócio-culturais da comunidade linguística; e c) diferenças
diafásicas, ou seja, diferenças entre os diversos tipos de modalidade expressiva. As variedades
linguísticas que caracterizam – no mesmo estrato sócio-cultural – os grupos ‘biológicos’
(homens, mulheres, crianças, jovens) e os grupos profissionais podem ser considerados como
‘diafásicas’” (COSERIU, 1980, p. 110-111).

“É em nível de língua popular (‘dialetal’) que as diferenças diatópicas são geralmente notórias,
pois aí, de fato, nas línguas européias e especialmente em certas comunidades [...] elas
aparecem com mais evidência. Entretanto, essas diferenças existem também em nível da língua
comum (língua de uso ‘super-regional’ e hiperdialetal). Assim, na Itália, reconhece-se
frequentemente também nesse nível a procedência dos falantes pela pronúncia, por alguns
fonemas, por palavras e construções; e até se vão estabelecendo certos tipos regionais de
língua comum [...]”(COSERIU, 1980, p. 111)

“As diferenças diastráticas são particularmente acentuadas nas comunidades em que existem
grandes variedades culturais entre os diversos estratos sociais e, naturalmente, naquelas onde
há castas” (COSERIU, 1980, p. 111)

“As diferenças diafásicas podem ser notáveis – segundo as comunidades -, por exemplo, entre
língua falada e língua escrita, entre língua ‘usual’ e língua literária, entre o modo de falar
familiar e um modo ‘público’ (ou, eventualmente, solene), entre linguagem corrente e
linguagem cerimoniosa, etc” (COSERIU, 1980, p. 111)

“A estes três tipos de diferenças correspondem, em sentido contrário (vale dizer, no sentido da
relativa homogeneidade das tradições linguísticas), três tipos de unidades de sistemas
linguísticos mais ou menos uniformes, ou seja, de ‘línguas’ pertencentes à mesma língua
histórica: unidades consideradas em um só ponto do espaço ou que (praticamente) não
apresentam diversidade espacial, isto é, unidade sintópicas ou dialetos (termo que poderá
aplicar-se a todos os tipos de variedades regionais compreendidas na língua histórica, inclusive
àquelas da língua comum); unidades consideradas num só estrato sócio-cultural ou que
(praticamente) não apresentam diversidade deste ponto de vista: unidades sinstráticas ou
níveis de língua (são os chamados ‘dialetos sociais’); e unidades de modalidade expressiva, sem
diferenças diafásicas, isto é, unidades sinfásicas ou estilos de língua (por exemplo: estilo
familiar, estilo literário épico, etc). Neste sentido, pode-se dizer que uma língua histórica não é
bem um sistema linguístico e sim um diassistema, um conjunto mais ou menos complexo de
‘dialetos’, ‘níveis’ e ‘estilos de língua’” (COSERIU, 1980, p. 112)

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