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Luis Alberto Martín Dávila Murguía

“Viagens e encontros de José de Acosta. Uma nova visão para o estudo da sua vida e obra”.
Universidade Federal Fluminense – Pós-graduação em Historia.
Doutorando

1. Introdução
O objetivo deste trabalho é realizar uma reflexão sobre a categoria de passeur utilizada em textos
escritos recentes de Serge Gruzinski. Com tal finalidade, nos aproximarmos de aspetos da vida e obra de
José de Acosta, que nos permitam pensá-lo como um passeur, ou um agente mediador.
Para cumprir essa tarefa é preciso remarcar a importância do contexto mundial no qual se insere
Acosta; em especial, a expansão da Monarquia Católica aos quatro cantos do mundo, como é destacado
por Serge Gruzinski.1 A expansão européia, que se inicia no século XVI, principalmente com os
espanhóis e os portugueses, é vista pelo europeu no que diz respeito à ocidentalização e à modernidade,
entretanto, de forma paralela, desenvolveu-se outro processo, o da colonização do Novo Mundo, também
fortemente imbricado à expansão européia.2 Modernidade e colonização formam parte da primeira
globalização, no século XVI. Da mesma maneira, modernidade e colonização constroem parte da vida e
obra de Acosta.3

2. Passeurs
Como alternativa a essas perspectivas tradicionais, serão analisadas, neste estudo, a vida e a obra
de Acosta, entendendo-o como um passeur, ou um mediador cultural. Para uma definição desse conceito,
é preciso entender que o mesmo surge no caminho deixado pela crítica à modernidade, entendida a partir
de uma matriz norte-européia, protestante e ocidental. O que se procura aqui é o resgate de uma primeira
globalização e modernidade, que corresponderia à união, num só reino, de duas coroas: Espanha e
Portugal, ou melhor, da Monarquia Católica.
O contexto do século XVI, que nos possibilita entender o conceito de passeurs, ou de mediadores
culturais, é traduzido pelas viagens de descobrimento e de exploração, pela conquista de grandes
extensões de terra e pela circulação de novos produtos por todos os mares. Esse contexto é caracterizado
como da primeira globalização. Para Serge Gruzinski, os passeurs são os homens que andaram por todos
os cantos do mundo recém conhecido de seu tempo, e que estabeleceram ligações entre essas partes do
mundo. Ao transitarem de um lugar a outro, eles também disseminaram idéias, projetos, costumes,
1
Gruzinski, Serge. O historiador, o macaco e a centaura: a “história cultural” no novo milênio. In: Estudos
Avançados 17 (49), 2003, p. 324-325.
2
Mignolo, Walter. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte conceitual da modernidade.
In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Edgardo Lander (org.). Buenos Aires: CLACSO,
2005. p. 73-78. É importante destacar que essa idéia se fundamenta nos aportes de F. Braudel, I. Wallerstein e de
Gunder Frank. Mais recentemente, as reflexões de W. Mignolo e de G. Arrighi permitiram destacar a importância
do surgimento do circuito comercial do Atlântico, como peça fundamental no desenvolvimento do capitalismo e da
modernidade, embora dentro da reflexão crítica sobre a globalização.
3
Mignolo, Walter. José de Acosta’s Historia natural y moral de las Indias: Occidentalism, the Modern/Colonial
World, and the Colonial Difference. In: Natural and Moral History of the Indies. José de Acosta. Durham &
London: Duke University Press, 2002, p.451-456.
hábitos, crenças, saberes etc. Esses passeurs tinham como característica sua própria diversidade, podiam
ser de diversas nacionalidades, como portugueses, espanhóis, franceses, judeus, malaios, tupis, ou
africanos; assim como podiam ocupar diversas posições sociais, ou desempenhar diversas atividades, ou
profissões: administradores, comerciantes, missionários, soldados, cronistas, letrados, mas também
escravos, marujos etc.4
Entretanto, nem todos, em tais condições, poderiam ser definidos como passeurs. Para isso, eles
deveriam estar conscientes de que eram habitantes de fronteiras, em limites de sociedades diferentes, ou
em pontos de encontro entre elas. Os passeurs são capazes de transformar a periferia, na qual vivem, em
centro de seu novo mundo; são capazes de pensar a totalidade do mundo, a partir desse novo centro.

3. Acosta na Espanha
Nascido em Medina del Campo, em 1540, Acosta ingressou no colégio jesuítico desta cidade, em
1552. “Que he estado primeramente en Salamanca un mes, en Medina cinco años, en Plasencia un mes,
en Portugal, scilicet Lisboa, cuatro meses; en Coimbra cinco, en Valladolid un año, en Segovia siete
meses. En Alcalá dos años”.5 A verdade é que passaria nove anos na universidade de Alcalá de Henares,
até 1567, estudando filosofia e teologia. Estudou a obra de Aristóteles e Tomas de Aquino, destacando-se
por suas intervenções como orador. O objetivo da universidade na formação de uma elite a serviço da
Coroa se percebe na afirmação do professor, o jesuíta Alonso de Deza sobre o próprio Acosta, seu aluno:
“Letras e ingenio muy raro; para leer muestra gran talento... Tiene talento para predicar y gobierno”.6
A Companhia de Jesus tinha o ministério da palavra, ou da pregação, como uma de suas tarefas
obrigatórias, entre as realizadas nos pequenos povoados que rodeavam a cidade de Alcalá. O ministério
das missões adquirira um papel de fundamental importância no Novo Mundo; as missões eram realizadas
em comunidades rurais que rodeavam Alcalá, ou na região de Toledo, onde os jesuítas, divididos em
pequenos grupos, organizavam um trabalho intensivo, desenvolvendo atividades de pregação, catequese,
confissão, caridade e de fundação de confrarias.7 Essa familiaridade com o trabalho, em pequenos
povoados e zonas rurais, daria a Acosta um conhecimento maior da situação dos camponeses espanhóis e
das possibilidades de que, através da educação, mudassem seus costumes, como ele constantemente
mencionava:
... vemos incluso en nuestra misma España hombres nacidos en plena
Cantabria o en Asturias a quienes se tiene por ineptos y paletos cuando se
quedan entre sus paisanos; se les pone en escuelas o en la corte o en

4
Gruzinski, Serge. Passeurs y elites “católicas” en las Cuatro Partes del Mundo. Los inicios ibéricos de la
mundialización (1580-1640). In: Passeurs, mediadores culturales y agentes de la primera globalización en el Mundo
Ibérico, siglos XVI-XIX. Scarlett O’Phelan & Carmen Salazar-Soler (editoras). Lima: IFEA, 2005.
5
Respuestas del P. Acosta al cuestionario del P. Nadal, respondido en 1561. In: Lopetegui, León. El padre José de
Acosta, S.J., y las misiones. Madrid: CSIC, 1942. p. 615.
6
Lopetegui, León. Ibid., p. 32.
7
Burgaleta, Claudio. José de Acosta, S.J. (1540-1600): His life and thought. Chicago: Loyola Press, 1999. p. 22-28.
Murguia, Luis Alberto. “Buen gobierno” e evangelização no Peru do século XVI: O projeto político de José de
Acosta. Dissertação de Mestrado em História. Niterói: UFF, 2005. p. 133.
mercados, y sobresalen por su admirable ingenio y destreza, sin que nadie
les aventaje.8

Ao mesmo tempo, Acosta estava sendo educado para fazer parte das elites que eram enviadas
para todos os cantos do mundo. Como estudante de Alcalá, a aprendizagem da filosofia aristotélica e do
neo-tomismo permitia cimentar uma base comum entre aqueles que eram enviados para servir em
territórios da Monarquia, fossem funcionários da Coroa, ou religiosos. Como jesuíta, sua formação era
ainda mais ampla, porque lhe possibilitava circular pelas redes que se teciam entre os religiosos que se
encontravam em lugares onde a Monarquia não havia chegado, ou não era aceita.9

4. Acosta no Peru
Destinado a servir no Peru, devido a seus conhecimentos em teologia e a seus dotes de orador,
Acosta se mostrará principalmente como um dos organizadores da Companhia de Jesus e da própria
Igreja, no sentido de estabelecer um norte à política de evangelização que, frente aos olhos da Monarquia
e do governo local, mostrava-se inadequada.10 Para cumprir esta missão, Acosta precisava mergulhar na
própria situação do Reino. Para tal fim, acompanhou o vice-rei, Francisco de Toledo, em suas viagens
pelo Peru, participando da visita geral. Foram três as viagens feitas pelo Peru, especialmente pelas três
regiões mais ricas do Reino: Huamanga, Cuzco e Charcas. No todo, mais de seis anos. 11
As viagens lhe permitiriam entrar em contato e estabelecer relações com importantes
funcionários do governo local, os quais tinham chegado muito antes dele ao Reino e conheciam melhor a
situação do mesmo. Podemos mencionar quatro, entre esses funcionários, pela importância de suas
atuações no Reino, em relação às reformas administrativa e política, iniciadas pelo vice-rei Toledo e
continuadas pelo seu sucessor, o vice-rei Martin Enriquez de Almansa; são eles: os licenciados Polo de
Ondegardo e Juan de Matienzo; e os arcebispos Jerônimo de Loayza e Toribio de Mogrovejo.
Aquilo que Acosta observava e vivenciava em suas viagens lhe permitiria contradizer alguns
aspectos do que havia aprendido nos claustros dos colégios jesuítas e na universidade. Contra o que havia
estudado nos parágrafos aristotélicos sobre as zonas tórridas, Acosta menciona o caso de Potosí, como
um dos casos em que a própria vivência levava a reexaminar as verdades do aristotelismo:
El cerro tan nombrado de Potosí está en la província de los Charcas, en el
reino del Pirú; dista de la Equinocial a la parte del Sur o Polo Antártico,
veinte y un grados y dos tercios, de suerte que cae dentro de los Trópicos, en
lo último de la Tórridazona. Y con todo eso es en extremo frío, más que

8
Acosta, José de. De Procuranda Indorum Salute. Volume I, p. 151.
9
Murguia, Luis Alberto. “Buen gobierno” e evangelização no Peru do século XVI: O projeto político de José de
Acosta. p. 128-129.
10
Estenssoro Fuchs, Juan Carlos. Del paganismo a la santidad. La incorporación de los indios del Perú al
catolicismo, 1532-1750. Lima: IFEA, 2003. p.146-163. Mais que uma experiência inadequada, o que se tem é uma
luta de diversos projetos de evangelização e a posterior condenação e esquecimento dos projetos derrotados, ou não
hegemônicos. Os projetos não podiam ser considerados apenas como projetos evangelizadores, já que todos eles
tinham um componente político.
11
Lopetegui, León. El padre José de Acosta, S.J., y las misiones. Madrid: CSIC, 1942. p. 130-132, 184-189.
Castilla la Vieja en Espana y más que Flandes, habiendo de ser templado o
caliente conforme a la altura del polo en que está.12

As afirmações que os espanhóis faziam sobre os índios se apresentavam como duvidosas, ou


equivocadas. Ao escrever a sua Historia, Acosta afirmava que um de seus objetivos era “deshacer la
falsa opinión que comunmente se tiene de ellos, como de gente bruta, y bestial y sin entendimiento, o tan
corto que apenas merece esse nombre”.13 Da mesma maneira, os índios adquiriam um novo status com
Acosta. Eles passaram a ser sujeitos de uma atenção relacionada a aspectos políticos, econômicos e
administrativos. Eles eram o centro das preocupações. Procuravam-se formas apropriadas para governá-
los no âmbito civil e religioso. Isso ficava evidente, por exemplo, nas discussões sobre o tipo de tributos
que eles deveriam pagar, ou sobre a conveniência, ou não, em se aceitar as suas doutrinas. Tudo girava
em torno de saber qual era o papel que correspondia aos índios dentro dessa sociedade em construção.
Aos índios correspondia pagar tributos aos espanhóis, trabalhar para seu encomendero, realizar
serviços pessoais para os espanhóis em geral e, principalmente, trabalhar nas minas, como aponta
Acosta.
Si se abandona la explotación de minas de metales y (...) si no se arranca la
plata de las venas de la tierra, descuajando de raíz las montañas; si no se
saca oro de las escolleras de los ríos y se deja al margen a los demás
metales, entonces se acabó: toda promoción y organización pública de los
indios cae por los suelos. Ese es el objetivo que buscan los españoles con tan
grandes periplos por el mar. Esa es la razón por la que negocian los
mercaderes, proceden los jueces e incluso muchas veces los sacerdotes
predican el Evangelio.14

Essa constatação sobre a importância do trabalho dos índios para manter o reino do Peru é o que
norteia a preocupação de Acosta em estudá-los, tentando classificá-los de acordo com os padrões
europeus e ocidentais. O bárbaro é imposto sobre o índio como uma maneira de facilitar a sua
assimilação e compreensão. Os europeus percebem os índios através do filtro da barbárie, mas, para isso,
precisam ajustar o próprio filtro. Os índios peruanos não podem ser definidos como bárbaros, da mesma
maneira como os antigos bárbaros eram entendidos por Aristóteles. Os índios peruanos, quando foram
governados por seus reis; usavam registros para guardar sua história, ou sua contabilidade; eram os
quipus. Eles tinham um governo que regia através de leis; possuíam uma nobreza e existia uma sucessão
para ocupar o trono, quando este estivesse vago. Eles também eram donos de grandes construções e
cidades, e os vassalos pagavam tributos periodicamente ao rei. Ainda que tudo isso fosse digno de
admiração, Acosta se guiava em relação aos índios peruanos, como se esses fossem bárbaros, ainda que
de um tipo diferente:
12
Acosta, José de. Historia natural y moral de las Indias. Mexico: FCE, 1962. p. 149.
13
Acosta, José de. Historia natural y moral de las Indias. Mexico: FCE, 1962. p. 280.
14
Acosta, José de. De Procuranda Indorum Salute. Madrid: CSIC, 1984, Volume I, p. 531.
Cosa es averiguada que en lo que muestran más los bárbaros su barbarismo,
es en el gobierno y modo de mandar, porque cuanto los hombres son más
llegados a razón, tanto es más humano y menos soberbio el gobierno, y los
que son reyes y señores, se allanan y acomodan más a sus vasallos,
conociéndolos por iguales en naturaleza, e inferiores en tener menor
obligación de mirar por el bien público. Mas entre los bárbaros todo es al
revés, porque es tiránico su gobierno y tratan a sus súbditos como a bestias,
y quieren ser ellos tratados como dioses.15

Acosta reconhece, também, através das informações que recebe de outras partes do mundo, que
entre os próprios índios, ou entre nações, existiam grandes diferenças, que impossibilitavam definir a
todos com a mesma palavra - bárbaros. Ele nos lembra que “por ser innumerables estos pueblos de
bárbaros y muy diferentes entre sí tanto por el clima, regiones y modo de vestir como por su ingenio,
costumbres y tradiciones”.16

5. As redes de Acosta
A classificação de bárbaros realizada por Acosta sempre é mencionada nos estudos sobre sua
obra. Nela transitam povos tão distantes e desconhecidos como os chunchos, chiriguanos, araucanos,
etíopes, africanos, malaios, chineses, japoneses, mexicanos ou peruanos.17 Mas ao contrário daquilo que
poderia se pensar, esses bárbaros não eram tão distantes e tão desconhecidos.
Enquanto realizou essa classificação em sua De Procuranda Indorum Salute, Acosta residia em
Lima e já tinha feito suas viagens ao interior do Reino, chegando até o extremo sul do Reino, território
dos chiriguanos, os quais haviam se rebelado recentemente e enfrentavam violentamente os exércitos
enviados pelos espanhóis.18
É importante destacar, também, que desde o ano de 1573, quando chegou o primeiro navio de
Manila à Nova Espanha, carregado de produtos chineses, os espanhóis foram atraídos pela prata de
Potosí, incrementando-se, assim, um comércio ilegal desses produtos entre Acapulco e a cidade de Lima.
Dessa forma, foi se construindo paulatinamente um eixo comercial entre Manila-Acapulco-Lima, que
tinha como finalidade canalizar, de forma ilegal, parte da prata que era extraída em Potosí, para ser
utilizada na compra de produtos exóticos na China.19
Em 1579, Acosta escreve ao Pe. Everardo Mercuriano, afirmando a necessidade de estabelecer
uma residência na cidade de Panamá, pelo fato de existir ali uma grande circulação de navios

15
Acosta, José de. Historia natural y moral de las Indias. Mexico: FCE, 1962. p. 293.
16
Acosta, José de. De Procuranda Indorum Salute. Madrid: CSIC, 1984, Volume I, p. 55-71.
17
Acosta, José de. De Procuranda Indorum Salute. Madrid: CSIC, 1984, Volume I, p. 63-69.
18
Lorandi, Ana María. Ni ley, ni rey, ni hombre virtuoso. Guerra y sociedad en el virreinato del Perú. Siglos XVI y
XVII. Buenos Aires: Gedisa Editorial, 2002. p. 143-146.
19
Iwasaki, Fernando. Extremo Oriente y el Perú en el siglo XVI. Lima-PUC-Perú, 2005, p. 32-47. Flores, Ramiro.
El secreto encanto de Oriente. Comerciantes peruanos en la ruta transpacífica (1590-1610). In: Passeurs,
mediadores culturales y agentes de la primera globalización en el Mundo Ibérico, siglos XVI-XIX. Scarlett
O’Phelan & Carmen Salazar-Soler (editoras). Lima: IFEA, 2005.
provenientes da Espanha e de todas as Índias Ocidentais, como também da China e da Índia Oriental.
Acosta procura aconselhar o estabelecimento da Companhia de Jesus em determinados pontos: em locais
que serviam como fronteiras e como centros de contato; em pontos de contato e de intercambio de
produtos, de idéias e de homens.20
O Reino do Peru possibilitava a Acosta muitos contatos, principalmente através de cartas
escritas por outros membros da Companhia, os quais se encontravam em missão, fosse nas montanhas do
Cuzco, enfrentando os índios antis; ou no extremo sul de Charcas, onde os chiriguanos se mostravam
rebeldes à dominação dos espanhóis. Esses índios, junto a outros, como os araucanos, ou os mañaris,
eram elementos importantes da comparação que poderia ser efetuada com os chineses e outros povos do
Oriente, que se destacavam frente aos espanhóis pela qualidade de seus tecidos, porcelanas e peças de
metal.

6. O contraponto mexicano
Depois de 11 anos de estadia no Peru, Acosta viajou para o México, em março de 1586, onde
ficaria realizando uma série de importantes atividades, durante um ano. Além de efetuar pregações, como
lhe havia sido pedido pelos membros da Companhia, ele visitaria seu irmão, o Pe. Bernardino de Acosta,
que na época era o reitor do colégio da Companhia, em Oaxaca. Entretanto, o fato mais importante seria
o encontro com o Pe. Juan de Tovar, que lhe permitiu acesso a seus escritos sobre os antigos mexicanos.
As informações proporcionadas eram tão importantes, que Acosta as introduz por inteiro na sua obra
Historia Natural y Moral de las Indias, a qual começara a escrever no Peru, mas seria terminada na
Espanha e publicada em 1590.21
As informações que Acosta obteve de Tovar também foram utilizadas por ele para realizar
conclusões sobre os índios em geral, principalmente para estabelecer um contraponto importante em
relação aos índios peruanos. Além disso, tais informações sobre os mexicanos serviram para compará-los
aos peruanos, para que, assim, Acosta pudesse chegar a conclusões importantes em campos relativos às
crenças, costumes, governo e organização desses povos, como podemos observar, a seguir:
En la India Occidental solamente se han descubierto dos reinos o imperios
fundados, que es el de los mexicanos en la Nueva España, y el de los ingas
en el Pirú; y no sabría yo decir fácilmente cuál de éstos haya sido más
poderoso reino; porque en edificios y grandeza de corte, excedía el
Moctezuma a los del Pirú; en tesoros y riqueza, y grandeza de provincias,
excedían los ingas a los de México (...) Una cosa es cierta, que en buen

20
Carta del Pe. José de Acosta al Pe. Everardo Mercuriano. Lima, 11 de abril de 1579. In: Monumenta Peruana.
Roma: 1958. Volume II. p. 634-636.
21
É importante ler o trabalho de introdução de Edmundo O’Gorman sobre a História de Acosta, para entender as
relações entre Acosta e o trabalho do Pe. Juan de Tovar, e entender a forma como foi elaborada a própria obra de
Acosta a partir da introdução de importantes partes da relação de Tovar. Também para perceber a diferença destes
empréstimos textuais e de nossa definição moderna do plágio, ver: Chabod, Federico. Escritos sobre el
Renacimiento. México: FCE, 1990.
orden y policía hicieron estos dos reinos gran ventaja a todos los demás
señoríos de indios que se han descubierto en aquel Nuevo Mundo.22

A comparação realizada, tomando como base a forma da escrita dos novos bárbaros do Novo
Mundo, serviu para estabelecer uma categorização dos povos que existiam desde o século XVI. Entre os
índios não tinha sido encontrada até esse momento uma verdadeira escrita. Seja à maneira dos mexicanos
que utilizavam pinturas e signos, ou à dos peruanos que utilizavam os quipus; o destaque se dava em
relação à falta de uma verdadeira escrita. Essa carência os colocava em nível inferior aos outros bárbaros,
como os chineses e japoneses, que tinham uma escrita através de signos que representavam determinadas
coisas. Dessa maneira, o contraponto mexicano, além das informações que Acosta já tinha sobre o
Oriente, permitiram-lhe criar um sistema classificatório de abrangência maior, no qual a linha divisória
era estabelecida não só com base no cristianismo, como também no problema da escrita.23

7. Acosta e o Oriente
A travessia atlântica de Acosta, na sua volta para a Espanha, converte-se desta vez em palco de
uma disputa importante para poder entender como suas viagens, sua experiência no Novo Mundo, seus
estudos, o contato com os índios através do governo e da evangelização lhe proporcionaram uma visão
mais abrangente do mundo.
Na época de sua estadia no México, tinha chegado, proveniente das Filipinas, o jesuíta Alonso de
Sánchez, que fora obrigado a deixar essas ilhas, por se mostrar contrário à política de evangelização
pacífica, que propugnava a Companhia em relação à China e o Japão. Sánchez procurava uma conquista
militar, da mesma maneira como tinha sido feita no México e Peru.24 A intenção de Sánchez, ao chegar à
Espanha, era obter uma audiência com Filipe II e apresentar seu projeto de conquista, motivo pelo qual
foi posto sob a custódia de Acosta, até que seu projeto fosse discutido por outros membros da
Companhia.25
O contato com Sánchez proporcionaria a Acosta um conjunto de informações valiosas sobre a
China, seus costumes, crenças e letras. As informações que aparecem na sua Historia são, na maioria,
provenientes de documentos escritos por Sánchez e de extensas conversas entre eles.26 O fato de Acosta
dar importância aos livros sobre acontecimentos passados e as leis da China lhe permitiu observar que se

22
Acosta, José de. Historia natural y moral de las Indias. Mexico: FCE, 1962. p. 294.
23
Pagden, Anthony. La caída del hombre natural. El indio americano y los orígenes de la etnología comparativa.
Madrid: Alianza Editorial, 1988. p. 242-244.
24
A atitude do jesuíta Sánchez se apresenta como um antecedente importante às posteriores discussões que se
dariam entre os jesuítas e os franciscanos, em torno da melhor maneira de evangelizar a China e o Japão e que tinha
como centro a disputa do uso do porto de Nagasaki. Iwasaki, Fernando. Extremo Oriente y el Peru en el siglo XVI.
Lima: PUC Perú, 2005. p. 310-315.
25
Lopetegui, León. El padre José de Acosta, S.J., y las misiones. Madrid: CSIC, 1942. p. 581-585. Burgaleta,
Claudio. José de Acosta, S.J. (1540-1600): his life and thought. Chicago: Loyola Press, 1999, 52-54.
26
Carta del P. Alonso Sánchez a Felipe II. Manila, 17 de junio de 1583. Relación breve de la jornada quel P.
Alonso Sánchez dela Compañía de Jesús hizo por horden y parezer del SR. D. Gonzalo Ronquillo de Peñalosa,
governador de Philipinas, y del Sr. obispo y oficiales de S.M. desde la Isla de Luzón y ciudad de Manila a los
Reynos de la China. Manila, abril-junio 1583. Relación brebe de la jornada que hizo el P. Alonso Sánchez la
segunda vez que fué a la China el año 1584. Macao, 1585.
encontrava frente a um povo de nível cultural mais avançado que os índios peruanos e mexicanos, por
isso acreditava que a evangelização destes deveria ser realizada como fora a dos gregos e romanos, ou
seja, de forma pacífica.27 Com tal finalidade, era contrário à idéia de uma conquista militar da China,
porque isso geraria um ódio à fé cristã, como também poderia significar a perda de vantagens comerciais,
como aquelas obtidas no porto japonês de Nagasaki.28

8. Os espaços percorridos
Os espaços que Jose de Acosta percorreu em suas viagens, e aqueles sobre os quais refletiu,
correspondem principalmente aos espaços da Monarquia Católica, que estavam entrecruzados por uma
variedade enorme de conexões e redes. Temos todo um conjunto de intercâmbios e interesses comerciais
que se começava a tecer entre cidades como Sevilha, México, Manila, La Habana, Panamá, Cartagena,
Potosí, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Luanda e Lima. Homens com diversas histórias, de diversas
profissões e ocupações, estavam interessados em circular nessas redes, atrás de riquezas que elas
poderiam lhes proporcionar. Homens que, além do interesse em enriquecerem, tinham um desejo de
conhecer o mundo. Muitos entre eles enriqueceram por suas atividades, como também permitiram que
outros enriquecessem, ao serem colocados em contato com outros saberes e conhecimentos. Houve
outras conexões e redes, que tinham como pontos importantes os diversos colégios, as residências e as
missões estabelecidas pela Companhia de Jesus. As experiências e conhecimentos adquiridos nas
diversas missões eram transmitidos de forma hierárquica até chegar ao General da Companhia, em
Roma, de onde eram retransmitidos, de forma sistematizada, para todos os confins do mundo. Um
exemplo disso pode ser o constante pedido do Pe. Juan de la Plaza de que os jesuítas deveriam catequizar
e pregar sem utilizar a companhia de soldados, da mesma maneira como foi feito no Japão, pelo Pe.
Francisco Xavier.29
A experiência e a vivência prévia de Acosta nos colégios e nas missões realizadas na Espanha,
antes de sua viagem às Índias, lhe serviriam para organizar os jesuítas que se encontravam fora da
Espanha, tanto no trabalho em residências, colégios e missão; como durante os longos anos de estudo, na
universidade, sobre teologia neo-tomista e aristotelismo, que lhe serviu como um cimento que
homogeneizava intelectualmente toda uma comunidade espraiada por todo o mundo. Mas apesar das
dificuldades encontradas por essa comunidade, principalmente devido ao fato de seus representantes
estarem situados em muitos e distantes lugares, os jesuítas tinham uma poderosa ferramenta para
comunicar-se: as cartas. Elas eram preciosos meios de troca de informações entre os religiosos que
estavam em lugares como as Índias Orientais, Japão, ou Brasil. Através das cartas, eles informavam os
avanços do trabalho da missão, procurando estimular, uns aos outros, um sentimento de participação que
gerasse uma ação.

27
Acosta, José de. De Procuranda Indorum Salute. Madrid: CSIC, 1984, Volume I, p. 63.
28
Principalmente é importante ler os escritos sobre a China, nos quais procura desbaratar os motivos pelos quais
deveria ser declarada a guerra aos chineses. Acosta, José de. Parecer sobre la guerra de la China. México, 15 de
marzo de 1587. Respuesta a los fundamentos que justifican la guerra contra la China. México, 23 de marzo 1587.
29
Carta del Pe. Juan de la Plaza. Lima, 25 de abril de 1579. Monumenta Peruana. Volume II, p. 676 e 690.
Como produto dessa experiência prévia, temos as comparações das diferenças que se
encontravam na Espanha, seja entre os cântabros e astures, entre os povoadores das cidades e dos
pequenos povoados de camponeses perto de Alcalá, como também menções importantes feitas aos
mouros, judeus e canários. Até sua chegada ao Peru, Acosta passou por lugares significativos, como a
ilha da Espanhola, Panamá e Cartagena, locais onde percebeu os graves problemas provocados pela
forma como havia sido realizada a conquista destas terras e submetido os índios. Já no Peru, Acosta
elabora uma classificação dos povos chamados de “bárbaros”, através de informações que ele recebia
sobre os índios do Reino e também de outros povos. No México e na viagem de volta à Espanha, Acosta
aprofunda mais seus contatos e informações em relação aos antigos mexicanos e aos chineses. Sua
classificação se fundamenta no conhecimento baseado no contato direto com as nações com as quais
tivera contato e, também, no conhecimento adquirido através de outros, como os funcionários da
Monarquia, ou os membros da Companhia.
Só um espaço que sustenta à Monarquia Católica pode possibilitar a existência de conexões e
redes que permitem esses contatos; só a existência de um espaço, pela primeira vez globalizado, é que
permitirá entender a expansão dos reinos de Espanha e de Portugal e, depois, a União Ibérica, como uma
Monarquia Católica.30 A Monarquia Católica proporciona a Acosta a mobilidade que lhe permitirá
conhecer diferentes espaços: climas, animais e plantas; diferentes povos e nações, histórias e governos
diversos, diferentes línguas, crenças e costumes; seja através de contatos diretos, como nas viagens e
visitas realizadas, seja através da leitura e do estudo de informações que circulavam. Acosta possuía a
capacidade de sistematizar todas essas informações e apresentá-las a seus leitores: “hice diligencia con
hombres platicos y muy versados en tales materias, y de sus pláticas y relaciones copiosas pude sacar lo
que juzgué bastar para dar noticia de las costumbres y hechos de estas gentes, y en lo natural de aquellas
tierras y sus propiedades”.31
Em sua Historia, Acosta conecta seus leitores com mundos já não tão longínquos, mas ainda
assim cheios de histórias exóticas e segredos por explicar, onde suas crenças e formas de vida, por serem
diferentes, são apresentadas como produto da barbárie e da idolatria. Através da mobilidade que se
instala com essa primeira globalização, é possível ter acesso a outra maneira de conhecer o mundo, que
não seja a antiga, ou medieval. A chance de Acosta em circular pelas redes construídas pela Monarquia
Católica e pela Companhia de Jesus e que lhe permite integrar espaços tão distantes (mas já não tão
distantes) como Espanha, o Caribe, Peru, México e a China, possibilitam-lhe conhecer uma nova forma
de apreciar o mundo.

9. Conclusões
Durante sua vida, Acosta percorreu grandes distâncias, apreciou diversas formas de viver,
conheceu diversos povos, nações etc. Mas isso seria suficiente para designá-lo um passeur? Acreditamos
que não. A mobilidade e circulação pelo mundo e pelas redes estabelecidas não fazem de Acosta
30
Gruzinski, Serge. O historiador, o macaco e a centaura: a “história cultural” no novo milênio. In: Estudos
Avançados 17 (49), 2003, p. 326.
31
Acosta, José de. Historia natural y moral de las Indias. Mexico: FCE, 1962. p. 13.
obrigatoriamente um passeur. A ênfase que colocamos para determinar se ele pode ser, ou não, definido
como um passeur encontra-se em outro aspecto: a necessidade de uma mudança, de uma adaptação, ou
de um ajuste nas redes que se estabeleciam, ou nos contatos entre elas. Um exemplo poderia ser dado
quando ele postula uma adaptação nas estruturas da Companhia, para poder cumprir as tarefas da
evangelização, fazendo com que se aceite doutrinas e não que se priorize o trabalho em missão no Peru.
Assim, Acosta procura adaptar-se a uma realidade diferente daquela encontrada na Europa e propõe uma
forma mais apropriada para grandes territórios com povoações dispersas.32 Esse aspecto, que
consideramos válido para entender seu papel como passeur, não se restringe unicamente a um conjunto
de relações sociais entre indivíduos da Companhia, ou com o governo, mas também a um lado
“espiritual”.33 Em Acosta se pode apreciar esse aspecto, quando seu aristotelismo não é capaz de explicar
a natureza das Índias, em fatores como as zonas tórridas, ou sobre os bárbaros, que podiam ser
considerados escravos por natureza, obrigando Acosta a relativizar seu aristotelismo.34 Da mesma forma,
quando se esforça muito para publicar seus dois livros, ou pesquisas mais importantes, com a finalidade
de transformar uma determinada opinião que se tinha sobre as Índias e seus índios e dar ferramentas
apropriadas para que se possa entender esse novo espaço, esses homens, suas crenças e costumes; no
fundo, entender sua cultura.
“Mas hasta ahora no he visto autor que trate de declarar las causas y razón
de tales novedades y extrañezas de naturaleza, ni que haga discurso e
inquisición en esta parte, ni tampoco he topado libro cuyo argumento sea los
hechos e historia de los mismos indios antiguos y naturales habitadores del
Nuevo Orbe”.35

Por esses motivos, Acosta pode ser entendido como um passeur. Motivos que guardam
correspondência com aqueles destacados por Gruzinski. Primeiro, relativo ao papel do passeur de
“conectar mundos, imaginarios y recursos”36 e, segundo, fazer com que transitem determinados
patrimônios culturais de um espaço a outro, de uma língua a outra, de uma cultura a outra.37

32
Acosta, José de. De Procuranda Indorum Salute. Madrid: CSIC, 1984, Volume I, p. 315-353.
33
Penso no exemplo colocado por Gruzinski em relação a Henrique Garcés e Bernardo de Balbuena. Gruzinski,
Serge. Passeurs y elites “católicas” en las Cuatro Partes del Mundo. Los inicios ibéricos de la mundialización
(1580-1640). In: Passeurs, mediadores culturales y agentes de la primera globalización en el Mundo Ibérico, siglos
XVI-XIX. Scarlett O’Phelan & Carmen Salazar-Soler (editoras). Lima: IFEA, 2005. p. 24-27.
34
Acosta, José de. Historia natural y moral de las Indias. Mexico: FCE, 1962. p. 31-34. Acosta, José de. De
Procuranda Indorum Salute. Madrid: CSIC, 1984, Volume I, p. 67-71.
35
Acosta, José de. Historia natural y moral de las Indias. Mexico: FCE, 1962. p. 13.
36
Gruzinski, Serge. Passeurs y elites “católicas” en las Cuatro Partes del Mundo. Los inicios ibéricos de la
mundialización (1580-1640). In: Passeurs, mediadores culturales y agentes de la primera globalización en el Mundo
Ibérico, siglos XVI-XIX. Scarlett O’Phelan & Carmen Salazar-Soler (editoras). Lima: IFEA, 2005. p. 19.
37
Gruzinski, Serge. Ibid. p. 25.

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