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Figueiredo Dias: Direito Penal é ramo ou parte integrante do Direito Público – o particular está
submetido ao ius puniendi de que o Estado está dotado. 1
Pelo relevo prático e especificidade de elaboração teórica (há dignidade da matéria
penal), o Direito Penal autonomizou-se historicamente e passou a ser disciplina
inteiramente própria.
1 Daí que o Direito Penal tenha uma estreita conexão o direito constitucional com a teoria do Estado.
2 Figueiredo Dias:
Direito Penal Subjetivo – ius puniendi – resulta da soberana competência do Estado em considerar como
crimes certos comportamentos humanos e ligar-lhe sanções específicas.
Direito Penal Objetivo – ius poenale – é a definição formal, que é a expressão ou emanação do poder
punitivo do Estado.
comportamento – há factos irrelevantes que podem ser perigosos, assim como crimes
esporádicos ou em situação limite, sem grande perigosidade.
Não todos os que são danosos para a sociedade – argumento com entendimento
demasiado amplo e aberto (MFP) – há factos acidentais muito danosos para a
sociedade e alguns Estados consideram diferentes situações como crime ou atribuem
diferentes sanções criminais para o mesmo facto, alterando a relevância e a própria
definição de “dano” consoante o caso. Ex: estatuto de refugiado ilegal é considerado
um crime grave nalguns países
Discurso de Platão – um ato moralmente grave é necessariamente crime? Como por exemplo, a
infidelidade, a traição. Violam a lei moral, mas não são crime.
Então,
Para se definir materialmente um crime é preciso:
1. Fundamento normativo aceitável pelo Direito, através da relação dos factos e não por
mera descrição formal – necessidade de uma razão universalizável no âmbito do
sistema jurídico
2. Razão normativa que abarque o plano objetivo do facto, bem como o seu plano
subjetivo
3. Descoberta de quais os factos que podem, de acordo com os critérios do sistema
jurídico, justificar as sanções criminais
A qualificação dum facto como crime, para ser válida e normativa, tem de passar pelo crivo
da relação entre o Estado e os cidadãos4 e tem de respeitar os princípios constitucionais.
Por que devem os cidadãos submeter-se ao Estado e aceitar ser punidos? Quando é que é
racional as pessoas submeterem-se a restrições das suas liberdades pelo Estado?
Locke: pensador liberal da tradição liberal individualista em que vê o Estado como o guardião
dos direitos individuais, sendo esse o fundamento do poder.
Associação livre entre Estados e cidadãos – Estado oferece proteção, mediante
consentimento6 (de Homens que são livres, iguais e independentes no Estado
Natureza7), e é instrumento para a realização plena dos direitos e liberdades
individuais, pois no Estado Natureza estão sujeitos à invasão de outros (e assim
preservam a propriedade, que de outra forma era incerta).
Publicou o Tratado de Governo Civil em 1690, onde defendia a liberdade e igualdade
perante a lei, afirmando que o povo também tem direito à propriedade privada e que
não tem de depender de ninguém. Apoiava o contrato entre os governantes e os
governados: o povo dá poder ao Rei que governa para bem do povo. Se não, é
destituído.
o Crime é uma ofensa a direitos, que justifica, pela sua gravidade, a restrição dos
direitos fundamentais.
Rosseau: pensador democrático que vê a Associação dos indivíduos no Estado como aquilo
que permite o seu desenvolvimento através da vontade coletiva, que permite a realização da
igualdade – o Homem só se conserva se se unir a outros, de forma a “encontrar forma de
associação que defenda e proteja os bens de cada associado e pela qual, cada um, unindo-se a
todos, não obedeça senão a si mesmo e permaneça tão livre como anteriormente”.
O interesse geral é condição de realização dos indivíduos.
o União à vontade coletiva garante os interesses individuais (ganha o equivalente
a tudo o que tinha), que ganham mais força num coletivo (que é uma forma de
realização do indivíduo).
Homem perde a liberdade natural mas ganha a liberdade civil (delimitada pela
liberdade geral) e garante a propriedade de tudo o que possui – contrato social produz
corpo moral e coletivo.
o Crime é ofensa à vontade coletiva, da qual depende a igualdade dos direitos e
o desenvolvimento individual.8
Kant: vê o interesse individual como racional e não como psicológico em que a Moralidade é a
pedra angular da Racionalidade.
Imperativo categórico – Lei objetiva que deriva da nossa própria vontade e da razão.
Ordena que uma acção boa seja realizada pelo seu valor intrínseco e não pelas
consequências. Devemos sempre cumprir o dever por puro e simples respeito ao
mesmo.
MFP: as respostas até Kant são modelos normativos que partem da racionalidade, mas
desprezam a racionalidade imediata e a história – o contrato social não é histórico e sim uma
experiência de pensamento.
Os filósofos contemporâneos repensam a pergunta numa outra lógica.
Filósofos pós-contratualistas:
Rawls: não coloca a questão em modos idealistas, como Kant. Não fala de contrato social nem
de Estado de natureza. Mentira, afirma que deve haver um contrato social, isto é, uma espécie
de acordo entre todos, ainda que hipotético, em obedecer a um poder político em troca de
certos benefícios; pede-se para chegar a um acordo sobre os princípios de uma sociedade
justa.
Fala numa experiência de pensamento da posição original 11 e do conceito do “véu de
ignorância” – é essa racionalidade de interesses, considerando o que existe
historicamente no momento, apenas abstraindo de quem se é (partes mutuamente
desinteressadas), que permite escolher os (2) princípios de justiça, numa escolha
racional que justifica a subordinação ao Estado. A racionalidade de interesses na
9 A autonomia da vontade é o princípio único de todas as leis morais e de todos os deveres que estão
em conformidade com elas.
10 Direito é coerção no sentido que o comportamento criminoso é restrição à liberdade, pelo que é
necessário essa coerção para restituir essa liberdade.
11 Em que estavam pessoas livres e racionais
posição original, sob o véu da ignorância, permite a escolha dos princípios da justiça
que justificam a subordinação ao Estado, visto assentar numa escolha imparcial. A Prof
MFP acha que há algo de utilitarista na sua visão. Discordo, pois Rawls rejeitava o
utilitarismo, criticando a ética de Mill. Mill afirmava que a acção é útil quando traz
maior felicidade a um maior número de pessoas. Rawls não aceitava isto, pois tal visão
não dá valor à justiça social, nem a igualdade. Defendia que não podemos abdicar de
uns para salvar outros, uma vez que todos têm direitos.
o Princípio da liberdade igual– a sociedade deve assegurar a máxima liberdade
para cada pessoa compatível com uma liberdade igual para todos os outros –
todas as pessoas devem beneficiar das mesmas liberdades;
o Princípio da diferença – a riqueza deve ser distribuída de forma igual, mas é
possível admitir desigualdades na sua distribuição, se estas acabarem por
beneficiar todos;
o Princípio da oportunidade justa – é aceitável que haja desigualdade na
distribuição da riqueza para haver igualdade de oportunidades, tendo forte
concentração no benefício dos mais fracos12
Justificação das restrições na liberdade de direitos baseiam-se em princípios de justiça
que permitem organizar mais racionalmente a sociedade – o que justifica a
subordinação do cidadão ao Estado é a escolha voluntária com base nos princípios de
justiça.
o Penas são admissíveis, pois dão segurança para todos, em benefício dos mais
fracos, promovendo a liberdade e a segurança.
Martha Nussbaum: aceita em parte Rawls e faz uma capabilities approach. São as
capacidades humanas que determinam qual a escolha justa.
Partilha ideias do contratualismo de Rawls mas aponta-lhe 3 problemas: pessoas com
dificuldade e deficiência, nacionalidade, outras espécies. Reconhece a diferença entre
os cidadãos e tem em atenção que há seres não racionais, pelo que não podemos só
basearmo-nos na racionalidade.
o Rawls pensa no ser humano sempre como racional e escolhe os princípios para
os seres racionais – o que pode ser injusto para os seres não racionais.
Só há uma restrição racional de direitos se a contrapartida for o florescimento das
capacidades de cada ser humano, de forma a viver a vida dignamente.
o A racionalidade da subjugação de alguém ao Estado é o florescimento das
capacidades humanas e a possibilidade de se ter uma vida digna.
o Somos diferentes e temos capacidades diferentes – essa diferença tem de ser
reconhecida e tem de haver um consenso (pós esse reconhecimento) para que
a vida de todos floresça.
o Capacidades humanas são os critérios de escolha justa e cabe ao Estado o
desenvolvimento destas capacidades individuais, que são as fontes dos
princípios políticos subjacentes ao Estado.
Princípios de justiça mais diversificados e inclusivos – redefine o contrato social e inclui
as pessoas com menos capacidades e os próprios animais – em que a restrição de
direitos através das penas deve ancorar na realização de interesses tidos como
fundamentais.
MFP critica: até agora só tirámos conclusões normativas, em que pensamos em modelos
normativos que pressupõem a total liberdade dos agentes e a não existência de um modo
social de produção de fenómenos.