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Álvaro Domingues
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Oximoro, figura de construção que consiste em reunir num mesmo grupo sintá(c)tico dois termos de
sentido contrário (obscura claridade; o nada que é tudo; amor é fogo que arde sem se ver...), pro-
vém do grego 'oksómoron, ou', que quer dizer «engenhosa aliança de palavras contraditórias».
cf. http://ciberduvidas.sapo.pt/php/resposta.php?id=13569
cabe questionar, de facto, (?) o que é que real- bui e que vão mudando. Uma espécie de encan-
mente se pretende designar quando se usam tamento negativo, por oposição a fetiches posi-
essas expressões (?), deixando de pensar que tivos ou deslumbramentos que abundam no
todos entendem o mesmo ou, pior, pensando léxico urbanístico de hoje (p.e. velocidade, ino-
que tudo cabe num leque alargado de situações vação, criatividade, master plan, etc.). Nos EUA,
onde mais ou menos todos se revêm no mesmo. o subúrbio tomou, curiosamente, significados
É aqui que retomo a afirmação acima de André positivos associados ao «sonho americano»,
Corboz para parar e «guardar distâncias», para por oposição ao gueto, habitualmente posicio-
que as palavras não se desprendam da reali- nado nas áreas centrais decadentes, pobres e
dade que pretendem designar. mais ou menos marginais.
Deixando para outros outras periferias, gos- Hoje, o significado da periferia urbana
taria de me focar nas periferias ditas urbanas. perde-se ainda mais no mosaico da urbaniza-
É aqui que a Geografia Urbana mais intensa- ção extensiva. Quando o território passa efec-
mente usa a adjectivação «periferia» (urbana) ou tivamente a ser organizado por sistemas de
simplesmente «periferia». Esta aparece como fluxos, redes e relações (que associam escalas
uma denominação corrente misturada com a urbanas e elementos muito distintos), e não
ideia de subúrbio para denominar os espaços apenas por critérios de contiguidade-proximi-
da «explosão» da cidade na Europa urbana pós- dade física, as posições «centrais» e, por opo-
-industrialização. O caminho-de-ferro anulou sição, as «periféricas», baralham-se nos seus
muitos atritos territoriais, permitindo a expan- atributos sociais, morfológicos, funcionais,
são do (sub)urbio operário e, definitivamente, simbólicos (e agora, cada vez mais, ambien-
opondo a cidade dos lugares (a cidade antiga tais). A condição periférica (socialmente assim
carregada de símbolos e vivências), à cidade definida) pode estar num «centro» (disso
das relações, da descontinuidade e das (inter)- falam os especialistas da regeneração urbana
dependências assimétricas; ou seja, a cidade dos bairros pobres dos centros ditos históri-
deixa de ser coisa designável por uma forma cos), e a distinção social pode residir num con-
contida em certos limites. domínio da «periferia» (os «subúrbios doura-
O subúrbio (e os suburbanos) originaram dos» de que nos falam os sociólogos franceses,
uma longuíssima produção científica e ideoló- por oposição aos «subúrbios vermelhos» da
gica (da sociologia ao urbanismo, da política periferia operária da metrópole fordista).
à economia, da fotografia, da literatura, ao Alain Bourdin (La Métropole des Indivi-
cinema). Como muitas vezes ocorre, as pala- dus, Ed L’Aube, Paris, 2005), é bastante elo-
vras e os conceitos descolaram da realidade quente a respeito da confusão dos conceitos
mutante daquilo que supostamente designam. que abunda na produção da especialidade, e
Subúrbio transformou-se uma palavra fetiche que está resumida naquilo que diz ser o debate
que designa, para lá dos significantes, signifi- simplificador que mobiliza um conjunto de
cados e revelações que entretanto se lhes atri- estereótipos conhecidos:
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i) associa-se a cidade-centro ao centro midade física ou relacional. A cidade esti-
urbano tradicional, à «cidade», a verdadeira lhaçada é quase sempre um imaginário feito
(Françoise Choay já nos tinha alertado de somatórios (a tal metrópole dos indiví-
para a mudança da «cidade ao urbano», não duos) a que faltaria o cimento mínimo da
por simples expansão/dilatação de um arte- esfera pública, como se tal fosse possível.
facto conhecido, mas por mudança da pró- Por aqui se nota uma inquietação que bara-
pria «condição urbana», i.e., aquilo que lha os significados e as formas construídas
François Ascher veio mais tarde a designar do urbano e que atende sobretudo à neces-
por metapolis); sidade de se manifestar/verbalizar algo que
ii) a cidade é o «cenário» da dimensão tenha que ver com a crise do social e do
pública ou colectiva e associa-se ao peão, colectivo nas sociedades contemporâneas
ao espaço e equipamentos públicos, ao onde o Estado perde terreno a favor dos
transporte colectivo, às práticas de sociabi- mecanismos avassaladores da globalização
lidade, às noções de durabilidade/ susten- (a mesma sociedade que o citado D. Inne-
tabilidade, às de identidade/ referenciação rarity denomina de «centrífuga»… como o
(face à anomia e aos «não-lugares»), ao cos- urbano, contrariamente à cidade centrípeta
mopolitismo social e cultural, à inovação, à que é sempre uma imagem da cidade-estado).
convivialidade, em suma, à urbanidade (ver
Daniel Inneraity, sobre a confusão entre Em resumo, como adianta A. Bourdin:
espaço público/esfera pública, no sentido «definitivamente, o principal defeito destas aná-
de Habermas, e «espaço público» tal como lises é talvez o de tentar organizar uma oposi-
é concebido na urbanística; cf. El Nuevo ção simples e geograficamente legível entre
Espacio Público, Ed. Espasa, Madrid, 2006); centro e periferia (tal como) as teorias da cen-
iii) por oposição, a «ville etalée» ou a «ville tralidade (incluindo os Lugares Centrais de W.
émergente», é suposto ser a predominância Christaller), foram durante muito tempo asso-
do privado, do automóvel individual, da ciadas, à relação cidade-campo (…), à referên-
poluição, da não durabilidade, do desperdí- cia a uma métrica comum e à ideia de continui-
cio e do gasto de solo, do fechamento e da dade/contiguidade espacial» (2005: 195).
individuação, da rotina, do encravamento Saindo dos esquemas duais centro/perife-
neo-comunitário (a secessão urbana e as ria que pareciam ser claros para os artefactos
gated communities, ou a banlieu e as tribos metropolitanos convencionais, o tema da peri-
urbanas), do isolamento social (!). Este feria passa rapidamente a designar os territó-
esquematismo esconde a diversidade dos rios extensos da urbanização difusa (uma espé-
banlieus pavillonaires, dos grands ensem- cie de «outro», de grande «exterior» do lugar/
bles, das suas morfologias e modos de fun- cidade correspondente aos estereótipos referi-
cionamento social. As novas centralida- dos atrás), reconhecida como policêntrica
des/polaridades da «periferia» são julgadas (entenda-se, pontuada por centros/polaridades
como monofuncionais, desencantadas, novas e velhas).
alienadas/consumistas, sem história, sem Para uns, esses territórios constituem a
capacidade narrativa e simbólica… sem se negação da ideia de cidade (enquanto forma e
referirem os materiais diversos do «fazer modelo de sociedade e de organização social,
centro» (acessibilidade, função/ direccio- de cidade como arquitectura, para outros) ou
nalidade, produção simbólica/ referencia- mesmo a sua perversão; para outros, um
ção); sem se discutirem as diferenças entre híbrido cidade/campo (e, mesmo assim, admi-
aglomeração/ conexão/ interacção e proxi- tindo que uns vêem aí o melhor da cidade e do
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campo como na mitologia da Cidade Jardim, e O urbanismo sempre lamentou perdas e dis-
outros, o pior); ainda para outros, onde me funções, desde a Cidade Jardim à cidade da
incluo, um «transgénico» que assimila proprie- Carta de Atenas e aí não reside novidade
dades do rural e do urbano «profundos», mas nenhuma; sempre no urbanismo se construí-
que, sobretudo e para além desses dois refe- ram utopias futuras e retrospectivas (hoje há
rentes opostos, corresponde de facto a «outra muitas, também, que situam o «bom e velho»
coisa» que não cabe nos modelos simplifica- urbano ou rural num tempo passado e numa
dos de uma oposição rural/urbano que já se geografia incerta).
perdeu por excessiva mudança do urbano e do A questão é que nos deixamos facilmente
rural de onde pretensamente partiram. Ora, se encantar com o poder mágico dos enuncia-
essa dicotomia já não faz sentido, também não dos «articulados» e «integrados» que tudo
o fará usarmos modelos e utopias que já se querem acertar e compatibilizar numa socie-
produziram para esses dois mundos (e que são dade e num território em constante e acele-
muitas!). Usar recursos metafóricos como o rada mudança a que falta o poder regulador
transgénico (tirado da biologia, que sempre do Estado na sua versão social-democrata.
produziu metáforas férteis para denominar a Regula-se uma coisa por critérios ambientais
cidade-corpo ou a cidade-ecossistema), ou o (e, mesmo esses, variam consoante se trate de
hipertexto (tirado da linguística e da ciberné- eólicas ou de defesa da biodiversidade, p.e.);
tica para denominar certas estruturas produto- regula-se outra por um misto de eficiência e
ras de sentido e de racionalidade de organização equidade; aprecia-se uma boa solução num
textual; metáfora usada por A. Corboz, aqui país/economia/sociedade que a pode imple-
citado), pode ser útil para ultrapassar velhos e mentar, esquecendo-se que algures se resolve
sólidos obstáculos epistemológicos com que o mesmo com os mesmos, de outra maneira,
nos debatemos. com o chamado dumping social e ambiental;
Dito isto, pode-se agora adiantar o enun- troca-se a crise política da democracia formal
ciado posto no início do texto «a qualificação pelos caminhos tortuosos da participação
das periferais» (o plural sempre ajuda mas não como retórica apaziguadora – incluindo o que
basta). É necessário saber, antes do mais, o que se esconde como puro nimbismo ou como pla-
é que exactamente se pretende qualificar e neamento por decibéis onde pode quem mais
como. Diria, para atalhar caminho, que o pla- usa os recursos dos media, incluindo eles pró-
neamento urbano sempre tratou de pensar e prios. Enfim, procura-se tapar todas as brechas
projectar parâmetros de qualidade e de funcio- de um Estado que rebenta pela incapacidade
nalidade (alguns estéticos, também) pensados em se impor democraticamente à ditadura da
segundo desígnios dominantes e fortemente globalização e das suas regras (ou falta delas)
consensuais (contrariamente às utopias que e que entra em deriva institucional e crescente
sempre trataram de outra coisa diferente do dificuldade em articular políticas sectoriais
«tempo comum»). e, mais ainda, territorializadas (o splintering
Hoje, o desígnio mais difundido é o da urbanism de que fala Stephen Graham; Splin-
«sustentabilidade», uma espécie de mistura tering Urbanism, Routledge, London, 2001).
bastante problemática de coesão social, compe- Outras atitudes pragmáticas (demasiado, às
titividade económica e durabilidade ambiental; vezes) resolvem todo o excesso ou disfunção
como se não bastasse, tudo para hoje e para as de regulação do território (o que para outros,
gerações vindouras. Penso, realisticamente, que é falta ou mera ficção legalista em todas
tal desígnio é antes de tudo uma espécie de as matérias, da energia aos transportes, do
fuga ou de luto mal feito pela perda disso tudo. ambiente à logística; da escala local à regio-
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nal ou nacional), numa simples declaração de zada, tratamento/reciclagem de resíduos sóli-
Potencial Interesse Nacional (PIN) que, afinal, dos e líquidos, controlo de emissões para a
acaba por descredibilizar aquilo que são atmosfera, etc.); passado o gasto público em
normas básicas para o comum dos cidadãos. infraestruturação e equipamentos e serviços
Outros tratarão de encontrar, como sempre, os colectivos (factura assumida em grande parte
bodes expiatórios que sempre dão a ilusão de por fundos da UE), o desafio é o da boa gestão
que existe uma norma e que, por isso, haverá dessa infraestrutura e dos serviços que ela
sempre justificações perversas para o que ela organiza (água, esgoto, ensino, saúde, activi-
se desvia (a especulação, por exemplo, os inte- dade cultural, etc.); passada a conjuntura de
resses, os jogos de poder, as influências, etc.). disponibilidade de dinheiros públicos, é neces-
Digo, para finalizar, que construí uma expe- sário comprometer mais os privados no finan-
riência de terreno que vai com 25 anos de tra- ciamento do colectivo; vencido o desafio da
balho em Guimarães. Para uns, Guimarães é o qualificação da cidade histórica, é necessário
modelo exemplar das políticas para a cidade orientar as prioridades para a outra, sobretudo
histórica; para outros, todas as disfunções que ao longo das estruturas axiais que aglomera-
são atribuídas à urbanização e à industrializa- ram população, actividades e emprego nas
ção dispersas e onde cabem todas as nostalgias margens de estradas nacionais; encontrando
e traumas da perda do rural e do urbano «pro- soluções para a despoluição das linhas de
fundos». O município é o mesmo. A qualidade água, abrem-se possibilidades e recursos para
da cidade histórica de que falo não se fez nem qualificar ambiental e paisagisticamente vár-
contra nem a favor da não histórica. zeas e veigas; construída a rede viária arterial,
Hoje tratamos de fazer uma leitura do ter- é necessário prever a procura de áreas de loca-
ritório não pela forma mas pela adequação da lização empresarial para junto dos nós das vias
infraestrutura à construção e às cargas urbanas. rápidas; face à falência da primeira geração de
Contidas as frentes de urbanização de baixa indústrias nas margens dos rios, é necessário
densidade, respeitando as classificações legais regular usos compatíveis com critérios ambien-
das reservas agrícola e ecológica (ainda não tais; depois da construção dos equipamentos
houve PIN…), o desafio que temos pela frente de proximidade (ensino, saúde, assistência
é o de regular a qualidade da baixa densidade, social, etc.) é necessário consertar ou concer-
entendendo por isso que o remédio nem sempre tar redes de gestão, etc., etc.
é a densificação ou a concentração (seria desas- Qualificar é tudo isso, não interessa se peri-
troso em toda a extensão do disperso). A «infra- feria ou não, tendo a consciência que, mais do
estrutura mínima» (estradas, redes de energia que os grandes gestos e documentos regulado-
e telecomunicações, água e esgoto, etc.) que res altissonantes (sempre estratégicos…) tudo
organizou a urbanização intensa que se produ- isto se faz muito com a gestão do dia a dia, com
ziu desde finais do séc. XIX, é hoje o suporte escolhas e prioridades e não o tudo de uma vez
da grande parte da ocupação do solo. A exten- para todo o território. Qualificar é obra aberta
são (e a fragmentação) dos campos são hoje o e que constantemente se faz com dados novos
lugar perdido por uma agricultura que se redu- e com contextos e escalas territoriais muito dis-
ziu ao mínimo em termos de expressão econó- tintas, pensando e actuando, agindo segundo
mica (ficou o solo) e que já não mantém a «jar- práticas que são tecnicamente informadas mas
dinagem» da paisagem. são, sobretudo, da política e das suas artes, e do
Mais que no desenho, é fundamental pensar que isso significa de permanente negociação e
nas «cargas urbanas» e na forma como se pode de comunicação e mobilização para causas
diminuir a «pegada» ambiental (energia utili- justas, ou pelo menos, tidas como tal.
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