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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 1

Organizadoras

Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro


Sandra Medina Benini

BACIAS HIDROGRÁFICAS
fundamentos e aplicações

1ª Edição

ANAP
Tupã/SP
2018
2

EDITORA ANAP
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
Rua Bolívia, nº 88, Jardim América, Cidade de Tupã, São Paulo. CEP 17.605-310.
Contato: (14) 99808-5947 e 99102-2522
www.editoraanap.org.br
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Editoração e Diagramação da Obra - Sandra Medina Benini


Revisão Ortográfica - Smirna Cavalheiro

Ficha Catalográfica

AM512b Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações / Juliana Heloisa


Pinê Américo-Pinheiro; Sandra Medina Benini (orgs). 1 ed. – Tupã:
ANAP, 2018.

220 p; il.; 14.8 x 21cm

ISBN 978-85-68242-82-7

1. Meio Ambiente 2. Bacia Hidrográfica 3. Água


I. Título.

CDD: 900
CDU: 913/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Geografia
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 3

CONSELHO DE EDITORIAL

Prof. Dr. Adeir Archanjo da Mota - UFGD


Profa. Dra. Alba Regina Azevedo Arana - UNOESTE
Prof. Dr. Alexandre Carneiro da Silva
Prof. Dr. Alexandre França Tetto - UFPR
Prof. Dr. Alexandre Sylvio Vieira da Costa - UFVJM
Prof. Dr. Alfredo Zenen Dominguez González - UNEMAT
Profa. Dra. Alina Gonçalves Santiago - UFSC
Profa. Dra. Aline Werneck Barbosa de Carvalho - UFV
Prof. Dr. Alyson Bueno Francisco - CEETEPS
Profa. Dra. Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigão - UFPA
Profa. Dra. Ana Lúcia de Jesus Almeida - UNESP
Profa. Dra. Ana Lúcia Reis Melo Fernandes da Costa - IFAC
Profa. Dra. Ana Paula Branco do Nascimento – UNINOVE
Profa. Dra. Ana Paula Fracalanza – USP
Profa. Dra. Ana Paula Novais Pires
Profa. Dra. Ana Paula Santos de Melo Fiori - IFAL
Prof. Dr. André de Souza Silva - UNISINOS
Profa. Dra. Andrea Aparecida Zacharias – UNESP
Profa. Dra. Andrea Holz Pfutzenreuter - UFSC
Prof. Dr. Antonio Fábio Sabbá Guimarães Vieira - UFAM
Prof. Dr. Antonio Marcos dos Santos - UPE
Profa. Dra. Arlete Maria Francisco - FCT/UNP
Profa. Dra. Beatriz Ribeiro Soares - UFU
Profa. Dra. Carla Rodrigues Santos - Faculdade FASIPE
Prof. Dr. Carlos Andrés Hernández Arriagada
Profa. Dra. Carmem Silvia Maluf - Uniube
Profa. Dra. Célia Regina Moretti Meirelles - UPM
Prof. Dr. Cesar Fabiano Fioriti - FCT/UNESP
Prof. Dr. Cledimar Rogério Lourenzi - UFSC
Profa. Dra. Cristiane Miranda Martins - IFTO
Profa. Dra. Daniela de Souza Onça - FAED/UESC
Prof. Dr. Darllan Collins da Cunha e Silva - UNESP
Profa. Dra. Denise Antonucci - UPM
Profa. Dra. Diana da Cruz Fagundes Bueno - UNITAU
Prof. Dr. Edson Leite Ribeiro - Unieuro - Brasília / Ministério das Cidades
Prof. Dr. Eduardo Salinas Chávez - Universidade de La Habana, PPGG, UFGD-MS
Prof. Dr. Edvaldo Cesar Moretti - UFGD
Profa. Dra. Eliana Corrêa Aguirre de Mattos - UNICAMP
Profa. Dra. Eloisa Carvalho de Araujo - UFF
Profa. Dra. Eneida de Almeida - USJT
Prof. Dr. Erich Kellner - UFSCar
Prof. Dr. Eros Salinas Chàvez - UFMS /Aquidauana Post doctorado
Profa. Dra. Fátima Aparecida da SIlva Iocca - UNEMAT
Prof. Dr. Felippe Pessoa de Melo - Centro Universitário AGES
Prof. Dr. Fernanda Silva Graciani - UFGD
Prof. Dr. Fernando Sérgio Okimoto - UNESP
Profa. Dra. Flávia Akemi Ikuta - UMS
4

Profa. Dra. Flávia Maria de Moura Santos - UFMT


Profa. Dra. Flávia Rebelo Mochel - UFMA
Prof. Dr. Flavio Rodrigues do Nascimento - UFC
Prof. Dr. Francisco Marques Cardozo Júnior - UESPI
Prof. Dr. Frederico Braida Rodrigues de Paula - UFJF
Prof. Dr. Frederico Canuto - UFMG
Prof. Dr. Frederico Yuri Hanai - UFSCar
Prof. Dr. Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira - UEMS
Profa. Dra. Gelze Serrat de Souza Campos Rodrigues - UFU
Prof. Dr. Generoso De Angelis Neto - UEM
Prof. Dr. Geraldino Carneiro de Araújo - UFMS
Profa. Dra. Gianna Melo Barbirato - UFAL
Prof. Dr. Glauco de Paula Cocozza - UFU
Profa. Dra. Isabel Crisitna Moroz Caccia Gouveia - FCT/UNESP
Profa. Dra. Jakeline Aparecida Semechechem - UENP
Prof. Dr. João Cândido André da Silva Neto - UEA
Prof. Dr. João Carlos Nucci - UFPR
Prof. Dr. João Paulo Peres Bezerra - UFFS
Prof. Dr. João Roberto Gomes de Faria - FAAC/UNESP
Prof. Dr. José Aparecido dos Santos - FAI
Prof. Dr. José Manuel Mateo Rodriguez – Universidade de Havana – Cuba
Prof. Dr. José Queiroz de Miranda Neto – UFPA
Prof. Dr. José Seguinot - Universidad de Puerto Rico
Prof. Dr. Josep Muntañola Thornberg - UPC -Barcelona, Espanha
Prof. Dr. Josinês Barbosa Rabelo - UFPE
Profa. Dra. Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia - UFPB
Profa. Dra. Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro - UNIVBRASIL
Prof. Dr. Junior Ruiz Garcia - UFPR
Profa. Dra. Karin Schwabe Meneguetti - UEM
Prof. Dr. Leandro Gaffo - UFSB
Profa. Dra. Leda Correia Pedro Miyazaki - UFU
Profa. Dra. Leonice Seolin Dias - ANAP
Profa. Dra. Lidia Maria de Almeida Plicas - IBILCE/UNESP
Profa. Dra. Lisiane Ilha Librelotto - UFS
Profa. Dra. Luciana Ferreira Leal - FACCAT
Profa. Dra. Luciana Márcia Gonçalves - UFSCar
Prof. Dr. Marcelo Campos - FCE/UNESP
Prof. Dr. Marcelo Real Prado - UTFPR
Profa. Dra. Marcia Eliane Silva Carvalho - UFS
Profa. Dra. Márcia Eliane Silva Carvalho - UFS
Prof. Dr. Márcio Rogério Pontes - EQUOIA Engenharia Ambiental LTDA
Profa. Dra. Margareth de Castro Afeche Pimenta - UFSC
Profa. Dra. Maria Ângela Dias - UFRJ
Profa. Dra. Maria Ângela Pereira de Castro e Silva Bortolucci - IAU
Profa. Dra. Maria Augusta Justi Pisani - UPM
Profa. Dra. María Gloria Fabregat Rodríguez - UNESP
Profa. Dra. Maria Helena Pereira Mirante – UNOESTE
Profa. Dra. Maria José Neto - UFMS
Profa. Dra. Maristela Gonçalves Giassi - UNESC
Profa. Dra. Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira - UFMT
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 5

Profa. Dra. Martha Priscila Bezerra Pereira - UFCG


Prof. Dr. Maurício Lamano Ferreira - UNINOVE
Prof. Dr. Miguel Ernesto González Castañeda - Universidad de Guadalajara - México
Profa. Dra. Natacha Cíntia Regina Aleixo - UEA
Profa. Dra. Natália Cristina Alves
Prof. Dr. Natalino Perovano Filho - UESB
Prof. Dr. Nilton Ricoy Torres - FAU/USP
Profa. Dra. Olivia de Campos Maia Pereira - EESC - USP
Profa. Dra. Onilda Gomes Bezerra - UFPE
Prof. Dr. Oscar Buitrago - Universidad Del Valle - Cali, Colombia
Prof. Dr. Paulo Alves de Melo – UFPA
Prof. Dr. Paulo Augusto Romera e Silva – DAEE - SP
Prof. Dr. Paulo Cesar Rocha - FCT/UNESP
Prof. Dr. Paulo Cesar Vieira Archanjo
Profa. Dra. Priscila Varges da Silva - UFMS
Profa. Dra. Regina Célia de Castro Fereira - UEMA
Prof. Dr. Renan Antônio da Silva - UNESP - IBRC
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino - UNICAMP
Prof. Dr. Ricardo Toshio Fujihara - UFSCar
Profa. Dra. Risete Maria Queiroz Leao Braga - UFPA
Prof. Dr. Rodrigo Barchi - UNISO
Prof. Dr. Rodrigo Cezar Criado - TOLEDO Prudente Centro Universitário
Prof. Dr. Rodrigo Gonçalves dos Santos - UFSC
Prof. Dr. Rodrigo José Pisani - UNIFAL-MG
Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho - UFGD
Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araujo - UFMA
Profa. Dra. Roselene Maria Schneider - UFMT
Prof. Dr. Salvador Carpi Junior - UNICAMP
Profa. Dra. Sandra Mara Alves da Silva Neves - UNEMAT
Prof. Dr. Sérgio Augusto Mello da Silva - FEIS/UNESP
Prof. Dr. Sergio Luis de Carvalho - FEIS/UNESP
Profa. Dra. Sílvia Carla da Silva André - UFSCar
Profa. Dra. Silvia Mikami G. Pina - Unicamp
Profa. Dra. Simone Valaski - UFPR
Profa. Dra. Sueli Angelo Furlan - USP
Profa. Dra. Tânia Paula da Silva - UNEMAT
Profa. Dra. Vera Lucia Freitas Marinho – UEMS
Prof. Dr. Vilmar Alves Pereira - FURG
Prof. Dr. Vitor Corrêa de Mattos Barretto - FCAE/UNESP
Prof. Dr. Xisto Serafim de Santana de Souza Júnior - UFCG
Profa. Dra. Yanayne Benetti Barbosa
6

ORGANIZADORAS DA OBRA

Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro


Possui Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” - UNESP (2007), Mestrado em Engenharia Civil com ênfase em Recursos Hídricos e
Tecnologias Ambientais pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP
(2010), Especialização em Gerenciamento Ambiental pela Universidade de São Paulo – USP
(2012), Doutorado em Biologia Aquática pelo Centro de Aquicultura da UNESP (2015) e Pós-
doutorado pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP (2017).
Atualmente é pesquisadora e professora titular permanente do Mestrado em Ciências
Ambientais da Universidade Brasil (UNIVBRASIL). Atua também como docente permanente no
Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” – UNESP do Campus de Ilha Solteira. Tem experiência na área de gestão de
recursos hídricos, bacias hidrográficas, qualidade de água e ecotoxicologia. Participa dos grupos
de pesquisa “Ciências Ambientais e Saúde” e “Sustentabilidade Integrada dos Municípios” do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vinculados à
Universidade Brasil.

Sandra Medina Benini


Professora e Pesquisadora do UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande-MT. Possui
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Marília (1995), Bacharelado em
Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista (2005), Licenciatura em Geografia pelo Centro
Universitário Claretiano de Batatais (2014), Especialização em Administração Ambiental pela
Faculdade de Ciências Contábeis e Administração de Tupã (2005), Especialização em Engenharia
de Segurança do Trabalho (2008), Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (2009), Doutorado em Geografia na Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (2015), Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pelo PPGAU/FAU Mackenzie
(2016) e Pós-doutorado em Arquitetura e Urbanismo (PNPD/Capes) pela FAAC/UNESP - Campus
de Bauru-SP (2017). Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional,
Planejamento Ambiental e Direito Urbanístico, atuando principalmente nos seguintes temas:
políticas públicas, política urbana, gerenciamento de cidades e gestão ambiental.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 7

SUMÁRIO

Prefácio ........................................................................................... 11
Antonio Cezar Leal

Capítulo 1 ......................................................................................... 15

MUDANÇAS DE USO E COBERTURA DA TERRA E DEGRADAÇÃO


AMBIENTAL EM BACIAS HIDROGRÁFICAS
José Augusto de Lollo; Monique de Paula Neves; Leticia Tondato
Arantes; César Gustavo da Rocha Lima; Reinaldo Lorandi

Capítulo 2 ........................................................................................ 41

SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA APLICADO NA


DISCRIMINAÇÃO MORFOMÉTRICA DE BACIAS HIDROGRÁFICAS
Sérgio Campos; Marcelo Campos; Thyellenn Lopes de Souza;
Mateus de Campos Leme; Letícia Duron Cury

Capítulo 3 ......................................................................................... 57
GEOTECNOLOGIAS APLICADAS AO MANEJO DE BACIAS
HIDROGRÁFICAS: O CASO DA BACIA DO RIO LAVAPÉS EM
BOTUCATU (SP)
Ronaldo Alberto Pollo, César de Oliveira Ferreira Silva, Mikael
Timóteo Rodrigues, Lincoln Gehring Cardoso, Bruno Timóteo
Rodrigues

Capítulo 4 ......................................................................................... 73

FRAGILIDADE AMBIENTAL DE UMA BACIA VISANDO O


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Sérgio Campos, Marcelo Campos, Thyellenn Lopes de Souza,
Mateus de Campos Leme, Letícia Duron Cury
8

Capítulo 5 ......................................................................................... 87

MONITORAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS E PARÂMETROS DE


QUALIDADE DE ÁGUA EM BACIAIS HIDROGRÁFICAS
Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro; Lucíola Guimarães Ribeiro

Capítulo 6 ......................................................................................... 109

ANÁLISE DE PARÂMETRO DE QUALIDADE DAS ÁGUAS NA UGRHI


20, BACIA DO RIO AGUAPEÍ – OESTE DE SÃO PAULO
Amanda Rodrigues Correa; Paulo Cesar Rocha

Capítulo 7 ....................................................................................... 123

UTILIZAÇÃO DA ESTATÍSTICA PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE


DA ÁGUA EM BACIA HIDROGRÁFICA
Fernanda Luisa Ramalho, João Batista Pereira Cabral, Assunção
Andrade de Barcelos

Capítulo 8 ........................................................................................ 143

PROPOSTA METODOLÓGICA DE AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO DOS


RECURSOS HÍDRICOS SUPERFICIAIS NAS BACIAS HIDROGRÁFICAS
Luiz Sergio Vanzela, Evandro Roberto Tagliaferro, Cleber Fernando
Menegasso Mansano, Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro

Capítulo 9 ......................................................................................... 155

CONECTIVIDADE HIDRODINÂMICA DO RIO XINGU E A PLANÍCIE


DE INUNDAÇÃO NO CONTEXTO DA USINA HIDRELÉTRICA DE
BELO MONTE, ALTAMIRA – PARÁ
Rita Denize de Oliveira, Paulo Cesar Rocha, Cristina do Socorro
Fernandes Senna
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 9

Capítulo 10 ....................................................................................... 179

RECUPERAÇÃO AMBIENTAL DE BACIAS HIDROGRÁFICAS:


INQUIETAÇÕES PRESENTES NO DIÁLOGO ENTRE O QUADRO
LEGAL INSTITUÍDO E A CIDADE
Eloisa Carvalho de Araujo, Maria Eduarda Guida Frazão Leite,
Rainer Holzer

Capítulo 11 ....................................................................................... 199

OS MEIOS MORFODINAMICOS EM BACIAS HIDROGRÁFICAS: O


CASO DO CÓRREGO DO CARMO NO MUNICÍPIO DE ITUIUTABA -
MG
Leda Correia Pedro Miyazaki ; Maria Cristina Moreira Penna
10
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 11

Prefácio

Nesses tempos em que nosso planeta Terra é estudado, analisado e


investigado em múltiplas formas, visões e perspectivas, seja mirando os
lugares, as paisagens e os horizontes ou vislumbrando-o com outros olhos
desde o espaço, torna-se fundamental conhecer com mais detalhes, com
proximidade, sua geografia e os caminhos criados pelo seu principal
elemento, a água, em um ciclo incessante, movimentando-se, renovando-se
e redistribuindo-se espacial e temporalmente pelas superfícies, formando
redes fluviais em bacias hidrográficas.
Consideradas um recorte da superfície terrestre adequado para o
olhar investigativo de pesquisadores e para atuação dos gestores das águas,
tendo em vista seus divisores de água e seus fluxos hídricos, paulatinamente
as bacias hidrográficas vêm sendo redefinidas como unidades hidrográficas,
bacias ambientais, unidades ambientais, bacias sociais, dentre outras
denominações que buscam expressá-las, valorizando-as como unidades que
possuem características naturais, sociais, econômicas, políticas, culturais,
dentre outras, que as particularizam e permitem sua análise integrada,
planejamento e gestão, ora com traços comuns, ora com diferenciações
importantes e específicas com áreas contíguas, cada vez mais
interconectadas, em diferentes escalas, com outros recortes
administrativos, legais, etc.
Seus divisores tornam-se flexíveis, de difícil identificação e
delimitação, tendo em vista as interconexões que ocorrem pelas redes de
abastecimento de água, transposições de água de rios, loteamentos que
mudam o relevo para adaptá-lo às construções, cortes e aterros para
rodovias e ferrovias, ações conservacionistas do solo e diferentes e
dinâmicos usos e coberturas da terra, que interceptam e (re)direcionam os
fluxos da água, com os impactos positivos e negativos decorrentes, e
redefinem as bacias hidrográficas.
Nessa perspectiva, estudar as bacias hidrográficas exige constante
debate sobre fundamentos e aplicações, como nos propiciam as professoras
Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro e Sandra Medina Benini, neste livro
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações, no qual reúnem
12

contribuições de pesquisadores de diferentes áreas, com estudos aplicados


em várias bacias hidrográficas e temáticas correlatas.
A produção do livro é da Editora ANAP – Associação Amigos da
Natureza da Alta Paulista, que tem desenvolvido um trabalho valioso e
profícuo de coleta, análise, organização e publicação de livros com
conhecimentos sistematizados nas instituições de ensino superior,
especialmente junto a programas de pós-graduação, e em Organizações Não
Governamentais, dentre outros, contribuindo para a valorização dos
pesquisadores e ambientalistas, para a ampla divulgação dos conhecimentos
e para seu acesso pelo público interessado.
A primeira edição do livro é composta por 11 capítulos. De forma
geral, os temas dos capítulos podem ser agrupados em pelo menos três
módulos, embora os temas se perpassem e permitam outros agrupamentos,
de acordo com as perspectivas de cada leitor.
No primeiro módulo temático, com estudos aplicados em bacias
hidrográficas de diferentes escalas e localização no país, pode-se agrupar o
Capítulo 1 – Mudanças de Uso e Cobertura da Terra e Degradação
Ambiental em Bacias Hidrográficas, de José Augusto de Lollo, Monique de
Paula Neves, Leticia Tondato Arantes, César Gustavo da Rocha Lima e
Reinaldo Lorandi; o Capítulo 2 – Sistema de Informação Geográfica Aplicado
na Discriminação Morfométrica de Bacias Hidrográficas, de Sérgio Campos,
Marcelo Campos, Thyellenn Lopes de Souza, Mateus de Campos Leme e
Letícia Duron Cury; o Capítulo 3 – Geotecnologias aplicadas ao manejo de
bacias hidrográficas: o caso da Bacia do Rio Lavapés em Botucatu, SP, de
Ronaldo Alberto Pollo, César de Oliveira Ferreira Silva, Mikael Timóteo
Rodrigues, Lincoln Gehring Cardoso e Bruno Timóteo Rodrigues; o Capítulo 4
– Fragilidade Ambiental de uma Bacia Visando o Desenvolvimento
Sustentável, de Sérgio Campos, Marcelo Campos, Thyellenn Lopes de Souza,
Mateus de Campos Leme e Letícia Duron Cury; e o Capítulo 11 – Os Meios
Morfodinamicos em Bacias Hidrográficas: o Caso do Córrego do Carmo no
Município de Ituiutaba – MG, de Leda Correia Pedro Miyazaki e Maria
Cristina Moreira Penna.
Nesses capítulos são apresentados fundamentos teóricos,
metodológicos, conceituais e legais para estudos aplicados em bacias
hidrográficas utilizando-se as geotecnologias para a caracterização
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 13

fisiográfica e análise das relações entre componentes naturais, identificação


da vulnerabilidade à erosão e fragilidade ambiental, das mudanças no uso e
cobertura da terra, dos desmatamentos e da degradação ambiental, suas
causas, impactos e consequências. São estudos que subsidiam o
planejamento ambiental e a gestão das bacias hidrográficas, notadamente
na elaboração de diagnósticos e prognósticos, (re) construindo-se cenários,
e na definição de ações para gestão, manejo, zoneamento e conservação
das bacias hidrográficas, especialmente de áreas protegidas pela legislação
ambiental, e na prevenção de eventos extremos, visando à sustentabilidade
ambiental das bacias hidrográficas.
No segundo módulo temático, podem-se agrupar o Capítulo 5 –
Monitoramento de Recursos Hídricos e Parâmetros de Qualidade de Água
em Bacias Hidrográficas, de Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro e Lucíola
Guimarães Ribeiro; o Capítulo 6 – Análise de Parâmetro de Qualidade das
Águas na UGRHI 20, Bacia do Rio Aguapeí – Oeste de São Paulo, de Amanda
Rodrigues Correa e Paulo Cesar Rocha; o Capítulo 7 – Utilização da
Estatística para Avaliação da Qualidade da Água em Bacia Hidrográfica, de
Fernanda Luisa Ramalho, João Batista Pereira Cabral e Assunção Andrade de
Barcelos; e o Capítulo 8 – Proposta Metodológica de Avaliação da Situação
dos Recursos Hídricos Superficiais nas Bacias Hidrográficas, de Luiz Sergio
Vanzela, Evandro Roberto Tagliaferro, Cleber Fernando Menegasso
Mansano e Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro.
Nesses estudos, os autores abordam a importância da identificação e
monitoramento da disponibilidade hídrica nas bacias hidrográficas,
expondo-se fundamentos, conceitos, metodologias e técnicas para
conhecimento das vazões e da qualidade das águas, com aplicação em
temas e áreas específicas. São estudos imprescindíveis para a gestão das
águas e à tomada de decisões em órgãos gestores e em colegiados,
especialmente para a efetiva aplicação dos instrumentos de gestão previstos
na legislação, tais como o plano de recursos hídricos em bacias
hidrográficas, a outorga de direitos de uso dos recursos hídricos, o
enquadramento de corpos hídricos em classes de uso e a cobrança pelo uso
dos recursos hídricos, dentre outros, para que se obtenham os resultados
pretendidos na gestão das águas.
14

No terceiro módulo temático, podem-se agrupar o Capítulo 9 –


Conectividade Hidrodinâmica do Rio Xingu e a Planície de Inundação no
Contexto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, Altamira – Pará, de Rita
Denize de Oliveira, Paulo Cesar Rocha e Cristina do Socorro Fernandes
Senna; e o Capítulo 10 – Recuperação Ambiental de Bacias Hidrográficas:
Inquietações Presentes no Diálogo entre o Quadro Legal Instituído e a
Cidade, de Eloisa Carvalho de Araújo, Maria Eduarda Guida Frazão Leite e
Rainer Holzer.
Nesses capítulos, os autores analisam os impactos socioambientais
gerados por grandes empreendimentos humanos relacionados às águas,
como represas para geração de energia ou abastecimento público e a
urbanização, com modificações em formas e fluxos naturais, múltiplas
interfaces com as águas na produção das cidades e no saneamento básico,
ressaltando-se marcos legais e sua aplicação na recuperação e proteção dos
corpos hídricos, com benefícios para a qualidade ambiental.
O conjunto de abordagens sobre as bacias hidrográficas expresso no
livro evidencia que essas se tornam fundamentais para estudos que visam a
compreender (e alterar) as relações entre a Sociedade e a Natureza,
evitando-se os riscos decorrentes da degradação ambiental e da
insegurança hídrica. Nesse contexto, as bacias hidrográficas constituem-se
em espaços hídricos agregadores de temas para pesquisadores e
profissionais ligados à gestão das águas e à gestão ambiental, possibilitando
novos estudos, leituras, movimentos, aproximações e intervenções para a
união de povos, saberes e construção coletiva e democrática de pactos para
a sustentabilidade hídrica e ambiental.
Boa leitura!

1
Prof. Dr. Antonio Cezar Leal

1
Possui graduação em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1989),
mestrado em Geociências e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (1995), especialização em Ensino de Geociências (1996), doutorado em
Geociências pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e pós-doutorado pela Universidade
Estadual de Campinas (2013). Atualmente é docente na Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” do campus de Presidente Prudente.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 15

Capítulo 1

MUDANÇAS DE USO E COBERTURA DA TERRA E DEGRADAÇÃO


AMBIENTAL EM BACIAS HIDROGRÁFICAS
2
José Augusto de Lollo
3
Monique de Paula Neves
4
Letícia Tondato Arantes
5
César Gustavo da Rocha Lima
6
Reinaldo Lorandi

1 INTRODUÇÃO

Alterações no uso e cobertura da terra indicam discussões relevantes


em função do elevado número de mudanças ocasionadas nas bacias
hidrográficas por processos naturais e induzidos pelo homem (BELWARD;
SKOIEN, 2015). A expressão cobertura da terra representa atributos da
superfície e do subsolo (solo, relevo, águas superficiais e subterrâneas e
estruturas humanas), enquanto “uso da terra” diz respeito aos fins para os
quais a terra é utilizada pela população humana local (LAMBIN et al., 2000).
Condições não adequadas às condições naturais de uso e cobertura
da terra, associadas à falta de conservação e proteção dos recursos naturais,
desencadeiam inúmeros problemas de degradação ambiental. A visão
utilitarista do meio natural historicamente adotada pelas sociedades
humanas tem sido a principal responsável pelo uso dos componentes
ambientais como recursos dos quais se poderia lançar mão sem se
preocupar com o resultado da intervenção. A busca por alternativas para

2
Professor titular, Departamento de Engenharia Civil (UNESP), campus de Ilha Solteira. E-mail:
jose.lollo@unesp.br
3
Mestre em Geotecnia, Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana (UFSCar). E-mail:
moniquenevesambiental@yahoo.com.br
4
Engenheira agrimensora e cartógrafa, Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil
(UNESP), campus de Ilha Solteira. E-mail: letondato@gmail.com
5
Professor assistente doutor, Departamento de Engenharia Civil (UNESP), campus de Ilha
Solteira. E-mail: cesarlima@dec.feis.unesp.br
6
Professor sênior, Departamento de Engenharia Civil (UFSCar). E-mail: lorandir@gmail.com
16

gerenciar as mudanças decorrentes do uso e cobertura da terra de forma


mais eficiente vem gerando discussões de novas formas de gerenciamento
dos recursos naturais (TAELMAN et al., 2016).
De acordo com Cunha e Guerra (2003), a degradação ambiental em
bacias hidrográficas não pode ser avaliada somente sob o ponto de vista
físico, devendo ser consideradas as relações existentes entre a degradação
natural e as atividades da sociedade.
Nesse sentido, vários estudos tratando da relação entre a dinâmica
de uso e cobertura na bacia hidrográfica e degradação ambiental são
realizados, constituindo um dos principais recursos para subsidiar as ações
do poder público acerca do planejamento e gestão, com intuito de amenizar
os impactos das degradações ambientais em bacias hidrográficas
decorrentes do uso dos recursos naturais.
O artigo 1º, no inciso V, da Lei Federal 9.433/1997 (BRASIL, 1997),
dispõe sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), estabelece as
bacias hidrográficas como unidades físico-territoriais para o planejamento
ambiental. Desta forma, o diagnóstico deve considerar aspectos ambientais,
políticos, culturais e socioeconômicos de cada região hidrográfica,
valorizando assim as singularidades e estratégias de gestão na bacia (BRASIL,
1997).
A bacia hidrográfica (BH) tem sido amplamente utilizada como
unidade fundamental para análises ambientais, especialmente por permitir
a possibilidade de integração de componentes pertencentes a ela como:
geologia, geomorfologia, cobertura vegetal, clima e corpos d’água e, dessa
forma, compreender a paisagem como um todo (SANTOS, 2004; CRUZ,
2009), uma vez que grande parte dos danos ambientais na superfície
terrestre está situada nas bacias hidrográficas (ARAÚJO, 2005).
Assim, pode-se considerar que toda parcela de terreno se integra a
uma bacia hidrográfica (SANTOS, 2004), o que torna a bacia uma unidade
espacial de fácil reconhecimento e caracterização. Para Fernandes e Silva
(1994), a bacia é, portanto, um receptor das interferências naturais e
antrópicas em sua área (vegetação, clima, topografia, uso e ocupação, entre
outros). O que torna possível tratá-la como sistema fechado para análise e
considerar que as relações dos eventos se dão de forma “homogênea”.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 17

Para Tucci (1997) e Silveira (2001), a bacia hidrográfica constitui área


de captação natural das precipitações e, em função de suas vertentes,
desenvolve uma rede de drenagem constituída por cursos que confluem até
resultar um leito com ponto de saída (exutório).
As mudanças naturais e artificiais na cobertura vegetal de bacias
hidrográficas influenciam no seu comportamento hidrológico, resultando
em vários impactos ao ambiente e na disponibilidade de recursos hídricos
(TUCCI, 1997).
Mudanças na cobertura do solo e nas práticas de manejo da terra
têm sido consideradas os principais fatores que influenciam no sistema
hidrológico, gerando mudança no escoamento superficial, podendo afetar
as taxas de erosão e carga de sedimentos em uma bacia hidrográfica, assim
como a alteração da qualidade das águas superficiais (GIRMAY et al., 2009;
SHEN et al., 2010; ABDELWAHABET et al., 2014).
Segundo Miguel et al. (2012), a bacia hidrográfica é uma unidade
importante para a compreensão das mudanças no uso e ocupação do solo,
possibilitando traçar estratégias de conservação e planejamento ambiental.
Nessa visão, o conhecimento da distribuição e dos tipos de uso e ocupação
da terra podem ser indicador importante dos impactos sobre a bacia
hidrográfica.
Diversos estudos sobre a dinâmica do uso e cobertura da terra em
bacias hidrográficas têm sido realizados, os quais auxiliam na compreensão
de como as mudanças no uso da terra influenciam no meio ambiente
(MENESES et al., 2015).
A detecção das mudanças de uso e cobertura da terra permite
relacionar os impactos ambientais daí decorrentes e obter indicadores-
chave para análises ambientais a partir da mensuração espaço-temporal
dessas alterações (MEYER; TURNER, 1996).
De acordo com Chang (2008), muitos pesquisadores utilizam modelos
estatísticos em conjunto com Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e
dados de imagens de Sensoriamento Remoto (SR), para identificar como as
características da paisagem da bacia hidrográfica são associadas às variações
espaciais e temporais do meio.
Com o advento das imagens de satélite de alta resolução espacial e o
desenvolvimento de ferramentas mais elaboradas de análise em Sistemas
18

de Informação Geográfica, o monitoramento das mudanças de uso e


ocupação da terra se tornou mais consistente, portanto realizado com maior
frequência. O Sensoriamento Remoto tem sido amplamente aplicado na
atualização dos mapas de uso/cobertura da terra, tornando-se uma das mais
importantes aplicações do Sensoriamento Remoto (LO; CHOI, 2004).
O uso conjunto de Sensoriamento Remoto e Sistemas de Informação
Geográfica proveem as ferramentas para a análise temporal e quantificação
das mudanças de uso e cobertura da terra, com baixo custo e melhor
precisão (RAWAT, 2015).
O uso de dados de Sensoriamento Remoto apresenta certas
vantagens no monitoramento e detecção da dinâmica da cobertura da terra,
pois possibilita o mapeamento de uma grande extensão territorial,
registrando dessa forma diferentes classes de uso e cobertura da terra com
alta resolução temporal e ampla disponibilidade, resultando na obtenção de
resultados mais precisos para a identificação dos elementos presentes na
imagem (VAEZA et al., 2010; HU et al., 2016).
Com o mapeamento do uso e cobertura da terra é possível monitorar
as mudanças, auxiliando na obtenção de informações da realidade
ambiental de determinada região e na avaliação ambiental para a busca de
soluções de problemas (TORRES, 2011; ROUNSEVELL et al., 2006).
Tal monitoramento pode ser efetivado por modelos computacionais
especializados. São considerados nos modelos os processos ambientais,
sociais, institucionais e econômicos, envolvendo uma série de variáveis que
possibilitam o estabelecimento de medidas para o planejamento o uso do
solo (EASTMAN, 2012; MAS et al., 2014).
Nesse contexto, nota-se a importância do uso de dados e
ferramentas adequadas para analisar e prever impactos das mudanças do
uso e ocupação da terra em bacia hidrográfica. Isso porque a mesma
propicia um conjunto de indicadores que permite a quantificação das
mudanças que ocorrem dentro da área de análise; logo, obter subsídios para
posteriores iniciativas para realizar o gerenciamento, manejo e conservação
da bacia hidrográfica.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 19

2 MUDANÇAS DE USO E COBERTURA E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

O processo de degradação ambiental está relacionado com diversas


atividades antrópicas que provocam efeitos negativos ou adversos no
ambiente, comprometendo o equilíbrio deste como um todo (BITAR, 1997).
Esses efeitos, por sua vez, resultam em perdas sociais, ambientais e
econômicas, e podem ainda trazer riscos à saúde e à segurança das pessoas.
Entre as atividades antrópicas responsáveis pela degradação
ambiental, podem-se citar a agricultura, pecuária, mineração, obras civis,
urbanização, muitas vezes decorrentes de um processo de ocupação
desordenado. Considerando a interação entre os diversos componentes do
meio, deve-se considerar que as mudanças do uso do solo podem ocorrer
em diferentes escalas, incorrendo em consequências como: alteração do
regime hídrico; das propriedades físico-químicas; redução da biodiversidade;
entre outras (ZUQUETTE et al., 2013).
Assim sendo, a avaliação das mudanças no uso e cobertura é uma
importante ferramenta em estudos ambientais, pois possibilita a avaliação
da degradação do solo e da sua influência nos processos hidrológicos,
geomorfológicos, pedológicos, climáticos e florestais. Vários estudos foram
desenvolvidos ao longo dos anos a fim de compreender as causas da
degradação e auxiliar na implantação de políticas de planejamento
ambiental nas bacias hidrográficas.
Tayyebi et al. (2015) avaliaram a influência das mudanças na
qualidade dos recursos hídricos de uma bacia em Ohio (EUA). Os autores
analisaram a permanência das classes do uso do solo no período de 1930 a
1990, bem como as modificações futuras, entre 2000 e 2050. Para o período
considerado, observou-se uma permanência das classes agrícola, floresta e
urbana, e para os cenários futuros transição entre as classes de floresta para
área urbana e de agricultura para área urbana. Nesse contexto, notou-se
que a maior ameaça à qualidade dos recursos hídricos são as áreas agrícolas
devido ao uso abundante de agrotóxicos; e quanto à disponibilidade, a
urbanização intensa pode ser a principal responsável pelos déficits hídricos.
Sendo assim, na bacia hidrográfica estudada, os limites do uso da água
tendem a exceder os padrões atuais, tornando-se críticos, demandando
20

esforços de conservação e gestão para reduzir os níveis de poluentes e


permitir a recuperação dos ecossistemas degradados.
Além da avaliação da qualidade da água, pode-se também avaliar os
efeitos da mudança do uso do solo nos processos hidrológicos. Wijesekara
et al. (2012) desenvolveram pesquisa em uma bacia hidrográfica no sul do
Canadá, aplicando um modelo de simulação (CA Model) e um modelo
hidrológico (MIKE-SHE) abrangendo o período 1985-2001, e simulações
futuras para 2031. Verificou-se uma tendência de aumento de 65% das
áreas urbanas; 20% em áreas de pastagem; e redução em torno de 34% das
áreas de floresta (decídua e perene). Correlacionando tais resultados com
um modelo hidrológico, constatou-se que essas modificações implicariam
no aumento do fluxo superficial (Overland Flow) em 7,0%, e redução na
capacidade de infiltração de 2,3%, podendo comprometer a recarga
subterrânea e favorecer inundações com o aumento do escoamento
superficial.
Noutro trabalho, Leh et al. (2011) avaliaram a influência das
mudanças do uso do solo na ocorrência de processos erosivos para um
período de 20 anos (1986-2006), em uma bacia hidrográfica de 321 km² no
noroeste de Arkansas (EUA). Observou-se que em 1986, 36% da área total
eram afetados pela ocorrência de erosão, em 2006 o valor foi de 39%, e
para 2030 foi previsto aumento de 14%. Os autores constataram que os
maiores valores ocorreram em áreas de terra árida (Barren Land), sem
cobertura vegetal, gerando forte deposição no rio West Fork. As previsões
futuras indicaram aumento das áreas de risco de erosão em decorrência do
crescimento da urbanização.
Considerando ainda processos geodinâmicos, Mendoza et al. (2011)
analisaram as mudanças do uso na bacia hidrográfica Lake Cuitzeo (Cinto
Vulcânico – TMVM, México), usando imagens de satélite e ortofotos
(período 1975-2000). Foi observado que maiores taxas de desmatamento e
urbanização ocorreram no período de 1986-1996, fruto das pressões
humanas derivadas pela migração de famílias em função do terremoto que
aconteceu na Cidade do México em 1985. A região sofreu ainda impactos
devido ao aumento da emigração nos EUA.
Os trabalhos citados ilustram como as mudanças no uso e cobertura
do solo podem promover alterações ambientais variadas, no regime hídrico,
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 21

na qualidade dos recursos hídricos, e em processos geodinâmicos, além de


poder auxiliar na compreensão de problemas urbanos e sociais.
Para avaliar esses processos dinâmicos, diversas ferramentas foram
desenvolvidas, podendo-se citar o CLUE-S (Conversion of Land Use and Its
Effects at Small), DINAMICA EGO, CA-MARKOV e LCM (Land Change
Modeler), que são modelos baseados em abordagem indutiva, e que se
diferenciam em relação aos algoritmos de calibração; tipo de simulação;
métodos de avaliação de desempenho, e flexibilidade às demandas do
usuário (MAS et al., 2014).
O LCM, desenvolvido pela Clark Labs (EASTMAN, 2012), avalia os
efeitos das mudanças de uso e cobertura do solo por ferramentas que
permitem: analisar mudanças, modelar o potencial de transição, prever
mudanças, e avaliar as alterações sobre a biodiversidade (VÁCLAVÍK;
ROGAN, 2009; EASTMAN, 2009).
Entre os trabalhos existentes na bibliografia atual que utilizaram o
LCM, podem-se citar Senisterra e Gaspari (2014) na Argentina, considerando
um intervalo de 25 anos (1986-2011), e as classes de uso: agrícola; pecuária;
pecuária/agrícola (bovinos em pastos cultivados); agrícola/pecuária
(agrícolas com intercalações de pousio); e vegetação florestal, identificando
ganhos nas classes agrícola e agropecuária, decorrentes da conversão das
áreas de pastagem naturais e uso misto, mudanças essas que podem
comprometer a qualidade da água, além de aumentar o risco de erosão.
Além de avaliar as mudanças do uso, Castillo et al. (2014) aplicaram o
LCM para avaliar os impactos decorrentes da mudança do uso do solo em
uma bacia hidrográfica no litoral do Texas (EUA), considerando os anos de
1990 e 2010, com previsões para 2030, considerando as classes: urbana,
agrícola, pastagem, floresta, árida, e zonas úmidas. As principais mudanças
observadas decorreram da expansão da área urbana com possível aumento
de 70% para 2030, mudanças essas que podem gerar impactos significativos
nos ecossistemas e estuários costeiros.
Ainda no âmbito das previsões, no trabalho de Wilson e Weng (2011)
foram previstas mudanças entre 2010 e 2030, e seus efeitos na qualidade da
água, na bacia hidrográfica do rio Des Plaines, Illinois (EUA). Foram utilizadas
imagens de satélite e os softwares Idrisi e SWAT (Soil and Water Assessment
Tool) para estimar as concentrações de sólidos totais e fósforo. Nos mapas
22

para 2020 foi previsto um aumento das áreas residenciais e redução das
áreas agrícolas e zonas úmidas. Para os cenários de 2030, verificou-se uma
trajetória similar ao período anterior, com redução mais expressiva das
áreas industriais e terrenos vazios, sendo constatado que, com relação à
qualidade da água em cenários futuros, as variações dependem não só do
uso do solo, mas também das mudanças climáticas. Os resultados
mostraram que o crescimento urbano pode auxiliar na redução dos sólidos
totais dissolvidos, e o crescimento de áreas industriais tende a favorecer o
aumento das concentrações de fósforo.
No Brasil, Piroli et al. (2017) avaliaram as modificações do uso do solo
na microbacia do córrego Monjolinho, localizada no município de Ourinhos
(SP). As análises de mudanças de cobertura (ganhos e perdas) e persistência
foram realizadas aplicando o módulo LCM. Em 1972 havia um predomínio
das classes de expansão urbana e ruas não pavimentadas, em 2014, em
decorrência do crescimento urbano, predominavam as áreas construídas e
ruas pavimentadas. As alterações modificaram a dinâmica do balanço
hídrico local, reduzindo as taxas de infiltração, tanto da água da chuva como
do escoamento superficial, ocasionando a ocorrência de inundações.
Com o intuito de avaliar a influência do uso do solo nos processos
geodinâmicos, Marteli (2015) aplicou o LCM na microbacia hidrográfica do
Córrego Caçula, Ilha Solteira (SP), considerando os anos 1975, 1994 e 2014.
No período 1975-1994 ocorreram reduções nas áreas agrícolas (47,18%) e
de vegetação densa (81,25%). Para o período de 1994 a 2014, o ganho mais
expressivo foi nas áreas urbanas. Segundo a autora, as mudanças do uso do
solo ao longo dos anos comprometeram as áreas críticas na bacia, como as
áreas de planície sem cobertura vegetal. Nessas áreas observou-se que a
impermeabilização excessiva pode potencializar a ocorrência de enchentes e
inundações. No entanto, nas áreas de campo compostas por pastagem a
remoção da cobertura vegetal densa pode favorecer o surgimento de
processos erosivos.
Por fim, destaca-se o trabalho de Leda et al. (2014), realizado na
subbacia do ribeirão da Prata (Lençóis Paulista, SP) para os anos de 1984 e
2014. As perdas no período foram nas classes de pastagem, silvicultura e
corpos d’água, e em contrapartida os ganhos nas áreas de cultivo de cana-
de-açúcar, área urbana e nas áreas de vegetação nativa. Foi possível
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 23

verificar que o acréscimo de vegetação nativa está relacionado com a


implantação da Lei 12.651/2012, que exige a recomposição das Áreas de
Preservação Permanente (APPs) ao longo dos cursos d’água e nascente.
A aplicação do LCM é extremamente vasta e possibilita a análise da
mudança do uso do solo, em bacias hidrográficas, com diferentes níveis de
complexidade. Além disso, os resultados obtidos podem ser correlacionados
com a avaliação dos recursos hídricos, de processos geodinâmicos, da
expansão urbana, entre outros. Nesse contexto, conclui-se que o LCM é uma
importante ferramenta de análise espacial, pois auxilia no diagnóstico do
uso em uma escala temporal e favorece a implantação dos projetos de
gestão e ordenamento territorial. Dessa forma, com os resultados obtidos
podem ser desenvolvidas propostas para que o uso do solo nas bacias
hidrográficas aconteça de maneira condizente com as características do
meio, favorecendo o equilíbrio ambiental.

3 APLICAÇÃO: O CASO DA BACIA DO RIO CLARO

O uso intensivo dos recursos naturais pelo homem e as pressões


ambientais decorrentes, o conhecimento das condições de uso e cobertura
da terra e sua dinâmica se tornaram essenciais para o adequado
planejamento territorial. Apesar da existência de instrumentos legais que
visam a disciplinar o uso dos recursos naturais e criar mecanismos de gestão
e gerenciamento para evitar ou reduzir impactos, tais medidas só podem ser
eficazes com o conhecimento adequado das condições ambientais locais.
Assim, estudos que conjuguem os condicionantes naturais e as
mudanças nos padrões de uso e cobertura da terra constituem a alternativa
adequada para identificar processos com vistas a propor intervenções.
Na bacia hidrográfica do rio Claro (SP) a dinâmica da ocupação
humana tem se revelado o principal gatilho da degradação ambiental, em
particular processos erosivos. Com tal visão, foi desenvolvido estudo na área
da bacia hidrográfica do rio Claro, com a caracterização das mudanças de
uso e cobertura desenvolvidas com o módulo Land Change Modeler (LCM)
no SIG Idrisi Selva (EASTMAN, 2012).
A bacia hidrográfica do rio Claro está localizada na Unidade de
Gerenciamento de Recursos Hídricos 09 do Estado de São Paulo (bacia do rio
24

Mogi Guaçu). Em termos de relevo, situa-se na unidade morfoestrutural da


bacia sedimentar do Paraná (ROSS; MOROZ, 1997), com relevo
predominantemente denudacional, composto de colinas amplas e baixas,
com topos tabulares. A cobertura vegetal original era floresta latifoliada
tropical, que foi quase totalmente removida em função dos usos
agropastoris.
As classes pedológicas mais comuns são latossolos vermelho-
amarelos, nitossolos e argissolos (ROSSI, 2017). O clima local é do tipo
tropical úmido-seco, com quatro a cinco meses de seca, e chuvas
concentradas entre os meses de outubro e abril (MENDONÇA; DANNI-
OLIVEIRA, 2007).
Segundo São Paulo-IG (1981), as unidades geológicas que ocorrem na
bacia pertencem às formações sedimentares da bacia do Paraná (Santa Rita
do Passa-Quatro, Pirassununga, Botucatu, Pirambóia, Corumbataí, depósitos
sedimentares quaternários) e rochas intrusivas básicas.
Para a classificação do uso e cobertura na bacia foram usadas
imagens dos satélites Landsat 5, sensor Thematic Mapper (TM), e Landsat 8,
sensor Operational Land Imager (OLI), dos anos 1994, 2004 e 2014. As
composições utilizadas foram R5G4B3, para as imagens Landsat 5, e R6G5B4
para as imagens do Landsat 8, com composição falsa cor.
As imagens sintéticas, resultado das composições de bandas do
Satélite Landsat, foram organizadas segundo classificação supervisionada,
considerando as classes de uso e cobertura: área urbana, café, cana-de-
açúcar, eucalipto, lagoas, laranja, mata, mata ciliar, pastagem, solo exposto.
A subdivisão do primeiro nível de classificação (cobertura agrícola ou mata,
por exemplo) em subníveis (café, cana) considerou a necessidade de tratar
de forma diferenciada as relações de culturas específicas com o processo de
degradação do solo, segundo a proposta original de USGS (1976).
A partir da classificação de uso e cobertura do solo nas imagens foi
possível utilizar o LCM para a modelagem de mudanças, contendo os mapas
de transição entre classes de uso e cobertura, assim como perdas, ganhos e
persistências das classes, a fim de avaliar as alterações que ocorreram ao
longo desses vinte anos. O resultado das classificações é apresentado nas
Figuras 1 a 3.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 25

Figura 1 – Classificação de uso e cobertura da terra em 1994

Figura 2 – Classificação de uso e cobertura da terra em 2004


26

Figura 3 – Classificação de uso e cobertura da terra em 2014

Entre 1994 e 2004 observa-se um crescimento da área de plantio de


cana-de-açúcar (de 8 para 18% da área da bacia); redução de área na classe
mata (combinando mata ciliar e outras unidades de mata), de 33% da área
para 28%; e ligeira redução nas áreas com solo exposto (38 para 33,8%) e de
pastagem (19 para 17%).
Apesar de representar pequena parcela da área total da bacia em
2004 (2,5% da área) o crescimento percentual da área urbana foi de 250%.
As demais classes de uso identificadas (laranja, café e lagoas) representam
pequenas áreas na bacia ou tiveram mudanças muito pouco expressivas. A
Figura 4a ilustra as mudanças entre as classes no período 1994-2004,
representadas na forma de ganho e perdas e a Figura 4b os percentuais das
classes que foram substituídas pelo cultivo de cana-de-açúcar na bacia.

Figura 4 – Ganhos e perdas de uso no período 1994-2004 (a); mudanças


mais significativas de para cana-de-açúcar no período (b)

(a) (b)
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 27

Outra forma de representação da dinâmica das classes de uso e


cobertura obtida do LCM é o mapa de mudanças (Figura 5). Dentre as
mudanças representadas, as mais notáveis são a substituição de áreas de
mata e mata ciliar por pastagens; e de mudanças de áreas das classes mata
e mata ciliar, pastagens, e solo exposto para cana-de-açúcar.
Dentre as mudanças observadas no período 1994-2004, aquelas
relativas à supressão de vegetação arbórea (mata e mata ciliar) e a
substituição desses usos por pastagens e cultivo de cana-de-açúcar são as
que merecem maior destaque. Em geral, a pecuária extensiva praticada em
áreas de pastagem no Brasil induz a processos erosivos e provoca
comprometimento da qualidade dos recursos hídricos superficiais, seja
diretamente pelo acesso do gado aos corpos hídricos, ou de forma indireta,
com o carreamento de sedimentos para os corpos d’água.
O crescimento da área de cultivo de cana-de-açúcar pode produzir
efeitos diversos em função das técnicas de cultivo e práticas
conservacionistas adotadas. Nos levantamentos de campo, foi possível
observar que essas ações podem ser variadas, mas que, em geral, as áreas
de cultivo de cana-de-açúcar na bacia do rio Claro não incorporam muitas
práticas conservacionistas, o que pode agravar os processos erosivos e a
degradação dos recursos hídricos.
Como os solos predominantes na bacia apresentam textura arenosa e
baixa compacidade, o desencadeamento de processos erosivos
influenciados pelo uso e cobertura da terra é notável mesmo em áreas de
baixas declividades, como indicam os registros dos processos erosivos (IPT,
2012).
28

Figura 5 – Mapa de mudanças nas classes de uso e cobertura no período 1994-2004

No período 2004-2014 as mudanças mais notáveis ocorreram entre


as classes de uso e cobertura da terra (Figuras 2 e 3), podendo ser assim
sumarizadas: (1) houve grande expansão das áreas ocupadas por cana-de-
açúcar (de 18 para 34% da área); (2) observa-se crescimento de 14,3% nas
áreas de mata e mata ciliar (cuja soma cresce de 28% para 32% da área da
bacia); (3) há forte redução no percentual de áreas de pastagem (de 17%
para 4% da bacia); (4) significativa redução nas áreas de solo exposto (de
33,8 para 13% da bacia); e forte expansão (100%) da área urbana. As Figuras
6a (mudanças entre as classes no período 2004-2014) e 6b (percentuais das
classes que foram substituídas por cana) ilustram as principais mudanças.

Figura 6 – Ganhos e perdas no período 2004-2014 (a); mudanças mais


significativas de para cana-de-açúcar no período (b)

(a) (b)
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 29

A Figura 7 ilustra a dinâmica das classes de uso e cobertura no


período 2004-2014, sendo que é notável o crescimento da área de cultivo de
cana-de-açúcar em substituição as classes de uso solo exposto, pastagem,
mata e mata ciliar.
Dentre as mudanças representadas, as mais significativas são a
substituição de áreas de solo exposto por cana-de-açúcar e outros cultivos,
em particular eucalipto e café; e mudanças de áreas de cana-de-açúcar para
mata ciliar; e de áreas de pastagem para cana-de-açúcar e para mata.
Naturalmente, a redução de áreas de solo exposto, e sua substituição
por usos agrícolas, pode ser extremamente positivo, especialmente se os
usos agrícolas forem desenvolvidos com adoção de técnicas de cultivo e
práticas conservacionistas adequadas.

Figura 7 – Mapa de mudanças nas classes de uso e cobertura no período 2004-2014

No entanto, trabalhos de campo na bacia não permitiram identificar


outras técnicas e práticas de proteção do solo, além do preparo do solo em
curvas de nível para cultivo nas áreas de cana-de-açúcar. Como vantagem,
merece destaque que na época dos trabalhos de campo não se observava
fertirrigação na cultura de cana (ação que pode ocasionar degradação se
não bem desenvolvida).
A redução de áreas de pastagem em favor dos cultivos agrícolas e de
mata também pode representar algo positivo para a redução do processo de
30

degradação. Como em outras áreas de cultivo de cana, a recomposição de


mata e mata ciliar para atender a instrumentos legais pode representar uma
tendência de melhoria nas condições ambientais das bacias hidrográficas.
Por fim, o recente aparecimento de áreas de cultivo de eucalipto
merece especial atenção no futuro, pois em função da declividade de áreas
exploradas e de práticas agrícolas, tal cobertura pode favorecer ou reduzir a
degradação ambiental.

4 APLICAÇÃO: O CASO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO DO MEIO

A Bacia Hidrográfica do Córrego do Meio (BHCM) está localizada no


município de São Pedro, situado no interior do Estado de São Paulo, entre as
coordenadas UTM 194000/199000m E, e 7507000/7491000m N, na Zona 23
Sul. A BHCM possui uma área de 48,06 km², na qual 5 km² correspondem a
uma porção da área urbana, e ordem de ramificação 5, segundo a
classificação de Strahler (1957). O ribeirão do Meio que drena a bacia de
estudo nasce na serra de São Pedro e percorre toda a área com uma
extensão de 41 km, até sua foz, no rio Piracicaba.
O município de São Pedro possui uma área territorial de 611,28 km²;
população estimada de 34.898 habitantes; PIB per capita de 17.688,94 reais
e IDHM (2010) 0,755. O turismo é a principal atividade econômica da região,
com destaque para os atrativos naturais, culturais e históricos. Em relação à
pecuária, destaca-se a criação de galinhas e bovinos, e quanto à produção
agrícola, predomina o cultivo de cana-de-açúcar (IBGE, 2018). A
geomorfologia da BHCM compreende três unidades geomorfológicas: serra
de São Pedro; cuestas basálticas (escarpa de serra) e depressão periférica
(IPT, 1981). Na área ocorrem rochas sedimentares das formações Itaqueri,
Pirambóia e Botucatu e rochas ígneas da formação serra Geral (PEJON,
1992).
Os solos presentes na bacia, de acordo com Oliveira e Prado (1989)
são latossolo roxo distrófico, latossolo vermelho escuro, latossolo vermelho
amarelo, argissolos, neossolo quartzoarênico, litossolos e gleissolos.
As características naturais (geologia e relevo) somadas às atividades
antrópicas propiciam o desencadeamento de processos erosivos lineares
acelerados, como ravinas e voçorocas. Dessa maneira, a degradação
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 31

ambiental na BHCM compromete não só as áreas rurais, mas também a área


urbana, ocasionando perdas ambientais, sociais e econômicas.
Para avaliar as mudanças do uso e cobertura da terra na BHCM foram
utilizadas imagens de satélite Landsat 5 (composição R4G3B2) e 8
(composição R5G4B3), dos anos de 1997, 2007 e 2017, com resolução
espacial de 30 metros.
O processamento das imagens foi realizado a partir da classificação
supervisionada no software TerrSet (Clark Labs), considerando as seguintes
classes de uso e ocupação: área urbana, pastagem, cana-de-açúcar,
eucalipto, mata e lago. Nas Figuras 8a, 8b e 8c são apresentados os
resultados da classificação do uso e cobertura do solo em 1997, 2007 e
2017.
Nos períodos de 1997 a 2007 pode-se observar uma ligeira redução
da área de pastagem (de 46,55 para 43,38% da área da bacia); redução nas
áreas de plantio de eucalipto (8,96 para 2,10%); na classe mata de 24,03%
da área para 19,53%; um crescimento expressivo da área de plantio de cana-
de-açúcar (de 9,46% para 23,26%); em 2007 houve ainda um acréscimo
(10,77% para 11,28%) da área urbana. Por fim, a classe lago com pouca
representação.
Além da classificação do uso e cobertura, também foi realizada a
modelagem das mudanças ao longo dos vinte anos na BHCM. A Figura 9a
ilustra as mudanças entre as classes no período 1997-2007, representadas
na forma de ganho e perdas e na Figura 9b podem ser observados os
percentuais das classes que foram substituídas pelo cultivo de cana-de-
açúcar na bacia.
32

Figura 8(a) – Classificações de uso e cobertura do solo na bacia do córrego do Meio em 1997
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 33

Figura 8 (b) – Classificações de uso e cobertura do solo na bacia do córrego do Meio em 2007
34

Figura 8 (c) – Classificações de uso e cobertura do solo na bacia do córrego do Meio em 2017
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 35

Figura 9 – Ganhos e perdas no período de 1997 a 2007 (a),


mudanças significativas para cana (b)

Gains and losses between 1997 and 2007 Contributions to Net Change in Cana-de-açúcar
Área urbana Área urbana
Pastagem Pastagem
Cana-de-açúcar Cana-de-açúcar
Eucalipto Eucalipto
Mata Mata
Lago Lago

-9,00 -6,00 -3,00 0,00 3,00 6,00 9,00 0,00 0,40 0,80 1,20 1,60 2,00 2,40 2,80 3,20 3,60

(a) (b)

Para o período 2007-2017 as mudanças mais notáveis entre as


classes do uso e cobertura do solo (Figuras 1b e 1c) podem ser assim
sintetizadas: expansão das áreas ocupadas por eucalipto (de 2,10% para
10,12% da área); observa-se uma redução no crescimento de 19,53% nas
áreas de mata para 14,42% da área da bacia; redução no percentual de
áreas de pastagem (de 43,38 para 40,55% da área); diminuição das áreas de
cana-de-açúcar de 23,26 para 21,95%; em 2017 houve um acréscimo (11,28
para 12,78%) da área urbana. Por fim, a classe lago apresentou mudanças
pouco expressivas.
A Figura 10a ilustra as mudanças entre as classes no período 2007-
2017 e na Figura 10b podem ser observados os percentuais das classes que
foram substituídas pelo cultivo de eucalipto na bacia.
Outra maneira de representar as alterações ocorridas entre as classes
de uso e cobertura do solo é a partir dos mapas de mudança do uso do solo
obtidos pelo LCM, que estão representados nas Figuras 11a e 11b relativas
aos mapas dos períodos de 1997-2007 e 2007-2017, respectivamente.

Figura 10 – Ganhos e perdas, período 2007-2017 (a);


Mudanças significativas para eucalipto (b)

(a) (b)
36

Figura 11 – Mudanças de uso entre 1997 e 2007 (a), Mudanças do uso entre 2007 a 2017 (b)

(a) (b)

Dentre as mudanças ocorridas no período 1997-2007, as mais


evidentes são a substituição da pastagem, eucalipto e mata para o cultivo de
cana-de-açúcar; e de áreas de matas para pastagem.
A pastagem destinada à pecuária na BHCM acabou sendo alterada
para o cultivo de cultura anual, como é o caso da cana-de-açúcar. De modo
geral, essa cultura exige o uso de agrotóxicos e fertilizantes, portanto,
requer especial atenção com relação à qualidade dos recursos hídricos na
bacia quando não adotadas práticas e medidas voltadas para a conservação
do solo resultantes da conversão.
O aumento dessa cultura sobre áreas ocupadas por pastagem
extensiva pode apresentar também aspectos positivos no processo de
redução de degradação ambiental, sendo considerada uma atividade
agrícola altamente conservadora, quando utilizadas as práticas de
conservação do solo e de aptidão agrícola.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 37

A pastagem causa alguns efeitos no meio ambiente, como a


degradação da paisagem, empobrecimento do solo, e contribui ainda para a
ocorrência de processos erosivos. Em relação à erosão no solo, a BHCM
apresenta processos com diferentes características morfométricas, e nas
áreas agrícolas ocorrem com maior frequência nas áreas de pastagem,
devido principalmente à ausência da cobertura do solo. Tais processos
podem gerar perdas significativas de solo, afetando o abastecimento de
mananciais e interferindo na qualidade dos recursos naturais.
A supressão das áreas de mata em favor de pastagem pode resultar
um aumento no processo de degradação ambiental na bacia, visto que sua
retirada pode provocar alterações nas propriedades do solo e no regime do
escoamento superficial, favorecendo a ocorrência de processos erosivos e
compactação do solo, comprometendo a qualidade dos recursos hídricos
(LEITE et al., 2011).
Dentre as mudanças apresentadas para o período de 2007-2017,
nota-se a substituição de áreas de pastagem, das áreas de plantio de cana-
de-açúcar e mata para a cultura de eucalipto; e áreas de cultivo de cana-de-
açúcar para pastagem.
As observações em imagens de satélite mostraram que os processos
erosivos nas áreas de cultivo de eucalipto tendem a ser mais intensos
quando não aplicado um plano de manejo adequado em todas as etapas do
plantio e durante a colheita. Além disso, a substituição da mata pelos
eucaliptos provoca impactos físicos e químicos, contribuindo para a
degradação dos solos e cursos d´água.
A redução da área de cultivo de cana-de-açúcar e sua substituição
por pastagem apresentam alguns aspectos negativos, uma vez que essas
áreas de pastagens extensivas normalmente apresentam solos compactos
pelo pisoteio contínuo dos animais e baixa infiltração da água, resultando
uma área mais suscetível à degradação por processos erosivos.
É importante destacar que ao longo do período analisado (1997 a
2017) houve crescimento linear das áreas urbanas, que, por sua vez,
caracterizam-se por áreas de chácaras. Nesses locais observa-se a ausência
de obras de drenagem, principalmente nas estradas sem pavimentação, o
que contribui fortemente para a abertura de canais preferenciais e,
consequentemente, a ocorrência de erosão acelerada. Esses processos,
38

especialmente quando ocorrem em áreas de solos arenosos, resulta a


deposição de sedimentos nos corpos d’água, podendo comprometer a
qualidade dos recursos hídricos e danos ambientais associados.
Por fim, pode-se dizer que a BHCM está exposta a fontes potenciais
de contaminação advindas das atividades agrícolas, por possuir diferentes
usos do solo e estar em constante mudança de culturas. Desse modo, é de
suma importância a realização de estudos em bacias hidrográficas em
diferentes datas, de forma a permitir comparação e quantificação das
mudanças sob diferentes cenários ambientais.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado


de São Paulo (FAPESP - Processo 2013/03699-5) e informam que "o presente
trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001".

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 41

Capítulo 2

SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA APLICADO NA


DISCRIMINAÇÃO MORFOMÉTRICA DE BACIAS HIDROGRÁFICAS
7
Sérgio Campos
8
Marcelo Campos
9
Thyellenn Lopes de Souza
10
Mateus de Campos Leme
11
Letícia Duron Cury

1 INTRODUÇÃO

Diversas pesquisas vêm mostrando que o uso inadequado dos


recursos naturais vem provocando impactos pela ação antrópica (QUEIRÓZ,
2008), sendo a caracterização física de uma bacia hidrográfica essencial para
a elaboração de futuros projetos agroambientais, pois os resultados
permitirão melhor compreensão do escoamento superficial.
A morfometria das bacias é de suma importância, pois atuam no ciclo
hidrológico, influenciando diretamente os aspectos relativos à infiltração, à
evapotranspiração e ao escoamento superficial e subsuperficial (RODRIGUES
et al., 2008).
O conhecimento das características físicas da bacia permite a
determinação do escoamento superficial numa região, possibilitando assim
medidas preventivas no controle de enchentes, identificando se esta é
suscetível a esse evento (FONTES et al., 2008).

7
Professor titular (UNESP), Botucatu. Responsável pela coordenação da pesquisa. E-mail:
seca@fca.unesp.br
8
Professor doutor (UNESP), Tupã. E-mail: marcelocampos@tupa.unesp.br
9
Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP),
Botucatu. E-mail: thyellenn@hotmail.com
10
Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP),
Botucatu. E-mail: mateus@hotmail.com
11
Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP),
Botucatu. E-mail: le.cury@hotmail.com
42

A morfometria é fundamental no diagnóstico de suscetibilidade à


degradação ambiental, determinação de zonas ripárias, planejamento e
manejo de bacias (MOREIRA; RODRIGUES, 2010), pois o monitoramento
contínuo dos recursos hídricos é essencial para a avaliação dos fenômenos
hidrológicos, envolvendo secas e inundações.
A política agrícola adequada necessita de embasamento técnico e
científico, com informações confiáveis e atualizadas do uso das terras, cujo
objetivo é racionalizar e viabilizar os planejamentos agrícolas regionais em
função da grande extensão territorial do nosso país.
Os dados georreferenciados obtidos por sensoriamento remoto e a
multiplicação de mapas temáticos permitem obter tais planejamentos com
muita rapidez em face do exame de um grande conjunto de variáveis
consideradas nos planejamentos de manejo do solo.
O sistema de informação geográfica (SIG) utiliza uma base de dados
georreferenciados com informação espacial, aspectos sociais, econômicos e
políticos, permitindo uma divisão temática que integra um SIG, a qual atua
em uma série de operações espaciais (TEIXEIRA et al., 1992).
Assim, a avalição do comprimento da rede de drenagem em função
da área de bacias permite associar os valores dos problemas com enchentes
e erosões do solo (TORRES et al., 2007).
O presente capítulo teve como objetivo a caracterização
morfométrica da bacia do córrego do Veado, Brotas (SP), de acordo com o
Sistema de Informações Geográficas Idrisi Selva, visando ao planejamento e
ao manejo integrado dos recursos hídricos da bacia.

2 BACIAS HIDROGRÁFICAS

O manejo de bacias hidrográficas em áreas com regime de


exploração apresenta grande dificuldade para o planejador conciliar a
conservação dos recursos naturais com a exploração econômica
desenfreada, principalmente quando os proprietários desconhecem os
aspectos da conservação da água, solo e recursos naturais, uma vez que o
tamanho da propriedade dificulta medidas de conservação ou inviabiliza na
questão de sobrevivência (BARROSO, 1987).
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 43

A correção do meio ambiente deteriorado é necessária no


gerenciamento das unidades de planejamento: naturais e políticas para a
recuperação das bacias hidrográficas que têm mostrado grande eficiência
em pesquisas de campo (ROCHA, 1991).
Para Fabrin (1995), o monitoramento florestal de bacias hidrográficas
através de bases digitais foi satisfatório com a utilização de SIG e imagens do
Landsat 5 TM na digitalização das curvas de nível, criação de base de dados
digitais e quantificação de áreas.
O ciclo de vida das árvores depende do equilíbrio dos ecossistemas,
pois as florestas têm importância fundamental na manutenção deste:
abastecer os lençóis freáticos, amenizar os efeitos erosivos sobre o solo, no
refúgio de animais silvestres, etc.
A cobertura vegetal é muito importante na conservação do solo, pois
permite o controle da erosão hídrica e eólica, porque o escoamento está
diretamente ligado à cobertura vegetal e a declividade do terreno, ou seja,
apresenta fortes implicações no processo erosivo dos solos (CASSOL, 1996),
assim, no combate no processo erosivo do solo é recomendável mantê-lo
coberto por vegetação para diminuir a velocidade do escoamento com a
utilização do plantio das culturas em curvas de nível.
O relevo influencia nas forças climáticas, variando as condições para
atividade orgânica, exposição da fauna e flora do solo direto à luz do sol e
misturando o solo mineral e material orgânico por ação de animais, bem
como influencia na a exposição do solo ao vento, a precipitação, a neve, o
gelo, nas condições para drenagem natural.

3 MORFOMETRIA DE UMA BACIA HIDROGRÁFICA

As mudanças ambientais prejudicam a qualidade de vida das pessoas,


sendo necessário estudar os processos ambientais, sociais e culturais para
melhor planejamento e manejo das áreas (NARDIN, 2005).
A bacia hidrográfica, por ser considerada uma unidade ideal no
planejamento dos recursos naturais do meio ambiente, permite melhor
aproveitamento hídrico e econômico-social na sustentabilidade ambiental
para a produtividade e qualidade de vida dos seus usuários (TUNDISI, J. G. et
al., 2008).
44

A análise física, socioeconômica e ambiental das bacias hidrográficas


é aconselhável para a recuperação dos problemas ambientais, para a
produção, conservação, manejo e estudo detalhados envolvendo a água, o
solo, a vegetação, os animais, a biodiversidade e a produção florestal
sustentável (RODRIGUES, 2003).
A morfometria de uma bacia hidrográfica e a caracterização da zona
ripária são ferramentas importantíssimas no diagnóstico da suscetibilidade à
degradação ambiental, pois possibilita, por meio de representações gráficas,
a determinação de áreas a partir de parâmetros quantitativos (RODRIGUES,
2000), bem como as análises morfométricas relacionadas com o relevo, que
permitem obter resultados da formação geomorfológica ao longo do tempo
e espaço (NARDINI, 2005).
Esta seção permitiu o estudo da caracterização do relevo em relação
à morfometria e as condições de conservação da bacia do ribeirão do
Veado.

4 SISTEMA DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS - SIGs

Os SIGs vêm sendo utilizados nas mais diversas aplicações ambientais


que envolvem integração e análise de dados espaciais em diferentes escalas,
pois são muito eficazes na solução de problemas com a topologia de um
mapa e diversas projeções cartográficas (MATTIKALLI et al., 1995).
Calijuri et al. (1994) ao estudarem a determinação dos princípios de
funcionamento do sistema, implantaram um SIG na bacia hidrográfica do
ribeirão e represa do Loa, entre os municípios de Brotas e Itirapina(SP), o
qual permitiu melhor planejamento, manejo, conservação e exploração dos
recursos naturais da bacia.
Para Simões (1996), a avaliação de áreas de preservação permanente
com SIG-IDRISI mostrou que as técnicas de geoprocessamento foram
eficientes na determinação e análise destas, permitindo a sua atualização e
monitoramento, mostrando também a necessidade da elaboração de
projetos de recuperação dessas áreas no município de Botucatu.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 45

5 SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA – IDRISI SELVA

O Sistema de Informações Geográficas IDRISI foi desenvolvido pela


Clark University, Massashussets. De acordo com Teixeira et al. (1992), a
estrutura dos dados espaciais geométricos pode ser subdividida em raster e
vetorial, onde a estrutura vetorial considera um espaço geográfico contínuo
e a raster divide o espaço em elementos discretos, obtidos pela sua partição
em uma malha com linhas verticais e horizontais espaçadas regularmente,
formando células (pixels).
Corseuil (1996), utilizando o IDRISI para modelagem numérica de um
mapa temático de florestas, visando à visualização tridimensional de
camadas de informações, em cores e georreferenciadas, obteve resultados
significativos, mostrando que o método para o planejamento florestal é
viável.
Segundo Crósta (1996), o sistema de informações geográficas IDRISI
utilizado na delimitação, quantificação e caracterização das áreas de
preservação permanente permitiu a obtenção de informações de áreas
usadas indevidamente, ou seja, inadequadamente nessas áreas.

6 DESENVOLVIMENTO

A bacia do córrego do Veado localiza-se na porção norte do


município de Brotas-SP, entre as coordenadas UTM 791200 a 798450 de
longitude W Gr. e 7524450 a 7530400 de latitude S, apresentando uma área
de 2565 ha.
O clima predominante do município, segundo Koppen, é do tipo Cwa
– Clima subtropical úmido com invernos secos e verões quentes, na qual a
temperatura do mês mais frio é inferior a 18 °C e a do mês mais quente é
maior que 22 °C.
Na caracterização morfométrica da área foi utilizada a carta
topográfica de Brotas (IBGE, 1974), em escala 1:50.000, com curvas de nível
de 20 em 20 metros, para extração da rede de drenag em e da
planialtimetria (Figura 1).
46

O software Idrisi Selva foi utilizado para vetorização das curvas de


nível, divisor de águas, rede de drenagem, bem como para elaboração da
morfometria, hierarquia da rede de drenagem (STRAHLER, 1952).
A delimitação da área da bacia permitiu obter os parâmetros
dimensionais da rede de drenagem, que permitem eliminar a subjetividade
na sua caracterização (OLIVEIRA; FERREIRA, 2001). A determinação desses
parâmetros permitiu o cálculo do maior comprimento (C), do comprimento
do curso principal (CP), do comprimento total da rede (CR), do perímetro (P)
e da área (A), as quais foram determinados pelo software Sistema de
Informações Geográficas Idrisi Selva utilizado para manipulação, tratamento
e análise dos dados gerados para a bacia (curvas de nível e rede de
drenagem).

Figura 1 - Planialtimetria e hidrografia da bacia do Córrego do Veado - Brotas (SP)

Fonte: Strahler (1952).

A hierarquização da rede de drenagem foi obtida conforme proposta


de Horton (1945) e modificada por Strahler (1957), onde parâmetro ordem
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 47

dos canais é o grau de ramificações e/ou bifurcações presentes em uma


bacia hidrográfica.
Os parâmetros da composição e padrão de drenagem analisados
foram: a densidade de drenagem (Dd), a extensão do percurso superficial
(Eps), a extensão média do escoamento superficial (I), a textura da
topografia (Tt), o coeficiente de manutenção (Cm), a rugosidade topográfica
(Rt) e o índice de forma (K), conforme Christofoletti (1969) e fator de forma
(Kf) foi determinado conforme metodologia preconizada por Almeida
(2007).

Densidade hidrográfica (Dh)

A densidade hidrográfica, relação existente entre o número de rios e


a área da bacia hidrográfica (CHRISTOFOLETTI, 1969), foi determinada
conforme Equação 1:

-1
Dh = N . A ......................................... Eq. 1
Onde:
-2
Dh - Densidade hidrográfica em km
N - Número total de rios
2
A - Área da bacia hidrográfica em km

Declividade média

A declividade média de uma bacia, associada à cobertura vegetal,


tipo de solo e tipo de uso da terra (ROCHA; SILVA, 2001), foi obtida a partir
da Equação 2 e classificada quanto a forma de relevo por Lepsch et al.
(2001), conforme Quadro 1:

H = (D . L) 100/A ..................................... Eq. 2


onde:
H - Declividade média em %
D - Distância entre as curvas de nível em m
L - Comprimento total das curvas de nível em m
2
A - Área da microbacia em m
48

Quadro 1 - Classes de declividade e relevo


Classes de Declividade (%) Forma de Relevo
0-3 Plano
3-6 Suave ondulado
6-2 Ondulado
12-20 Forte ondulado
20-40 Montanhoso
 40 Escarpado
Fonte: Lepsch et al. (2001).

Coeficiente de rugosidade (CR)

O coeficiente de rugosidade visa a determinar o uso potencial das


terras rurais, dependendo das características com agricultura, pecuária,
silvicultura por reflorestamento ou preservação permanente na definição
das classes de uso da terra em A (menor valor de CR) – terras apropriadas à
agricultura; B – terras apropriadas à pecuária; C – terras apropriadas à
pecuária e reflorestamento e D (maior valor de CR) – terras apropriadas
para florestas e reflorestamento (ROCHA; SILVA, 2001). As terras A, B, C e D
foram definidas através do cálculo da amplitude, diferença entre o maior e o
menor valor de CR encontrada para as bacias e o intervalo de domínio que é
a amplitude dividida por 4 (ROCHA; SILVA, 2001).

Densidade de drenagem (Dd)

A densidade de drenagem e o comprimento total dos rios pela área


da bacia foram obtidos a partir da Equação 3 (SILVA et al., 2004) e
classificados em três classes de interpretação conforme Quadro 2, segundo
Cristofoletti (1969):

-1
Dd= l . A .............................................. Eq. 3

Onde:
2
Dd - Densidade de drenagem em km/km
L - Comprimento total dos rios ou canais em km
2
A - Área da bacia em km
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 49

Quadro 2 - Classes de interpretação para os valores da densidade de drenagem


Classes de valores (km2) Densidade de drenagem
< 7,5 Baixa
7,5 a 10,0 Média
 10,0 Alta
Fonte: Christofoletti (1969).

Índice de circularidade (IC)

O índice de circularidade, que é a relação entre o perímetro e a área


de uma bacia, foi determinado pela Equação 4:

2
TC=12,57 P .......................................................... Eq. 4
Onde:
K - Índice de circularidade;
P - Perímetro da bacia em km
2
A - Área da bacia em km

Coeficiente de Compacidade (Kc)

O coeficiente de compacidade é a relação entre o perímetro da bacia


e o perímetro de uma circunferência de um círculo de área à bacia (VILLELA;
MATTOS, 1975) que varia com o formato da bacia, varia com o tamanho
irregular da bacia, sendo maior nas bacias menos sujeitas a enchentes. Este
é determinado através da Equação 5:

1/2
Kc = 0,28 (P : A ) ................................................ Eq. 5

Onde:
Kc - Coeficiente de compacidade
P - Perímetro em metros
2
A - Área de drenagem em m
50

Índice de circularidade

O índice de circularidade, quanto mais próximo da unidade 1,0, mais


se aproxima do formato circular, diminuindo à medida que se transforma
em um formato mais alongado (CARDOSO et al., 2006). Esse índice foi
determinado através da Equação 6:

2
IC= 12,57 (A / P ) ................................... Eq. 6
Onde:
IC - Índice de circularidade
2
A - Área de drenagem em m
P - Perímetro em m

Fator de forma (Ff)

O coeficiente de compacidade e o índice de circularidade comparam


a bacia a um círculo e o fator de forma a um retângulo, porém, a forma da
bacia e a configuração do sistema de drenagem dependem da estrutura
geológica do terreno, sendo muito importantes porque quanto mais baixo
for o fator de forma menos sujeita a bacia será a enchentes (VILLELA;
MATTOS, 1975). Este fator foi determinado pela seguinte Equação 7:

2
F = A/L ................................................... Eq. 7

Onde:
F - Fator de forma
2
A - A área de drenagem em m
L - O comprimento do eixo da bacia em m

Razão de Relevo

A razão de relevo, relação entre a diferença de altitude dos pontos


extremos da bacia e seu comprimento (SCHUMM, 1956), demonstra que
quanto maiores os valores mais acidentado será o relevo na região e maior
será a declividade geral da bacia, portanto maior será a velocidade de
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 51

escoamento da água em relação ao maior comprimento do canal


(CARVALHO, 1981).

7 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos resultados para a bacia do córrego do Veado (Tabela 1)


mostra que a área é de 25,65 ha, o perímetro de 20 km e o fluxo de água na
direção E-W apresenta um comprimento de 7 km. O comprimento total da
rede de drenagem (35 km) mostra que a bacia apresenta poucos canais de
drenagem.
O fator de forma, importante na determinação do tempo de
concentração da água após uma precipitação, mostrou que esta apresenta
um fator de forma de 0,52 para o córrego do Veado, indicando que a bacia
tem o formato mais ovalado.

Tabela 1 - Características morfométricas da bacia Córrego do Veado, Brotas-SP


Características Físicas Unidades Resultados
Parâmetros dimensionais da bacia
Área (A) km² 25,65
Perímetro (P) km 20
Comprimento do rio principal km 7
Comprimento da rede de drenagem total (Cr) km 35
Comprimento das curvas de nível (Cn) km 122,1
Comprimento vetorial km 6,65,9
Características do Relevo
Coeficiente de compacidade (Kc) ----------- 1,11
Fator de forma (Ff) ----------- 0,52
Índice de circularidade (Ic) ----------- 0,87
Declividade média (D) % 9,52
Altitude média (Hm) m 705
Maior altitude (MA) m 842
Menor altitude (mA) m 568
Coeficiente de rugosidade (CR) ----------- 12,28
Padrões de drenagem da bacia
Ordem da bacia (W) --------- 3ª
Densidade de drenagem (Dd) km/km² 1,36
Coeficiente de manutenção (Cm) m/m² 3735,3
Extensão do percurso superficial (EPS) m 0,34
Gradiente de canais (Gc) % 12,02
Índice de sinuosidade (Is) --------- 1,06
Frequência de rios (Fr) --------- 0,77
52

A forma e o relevo atuam na taxa e o regime de produção de água na


taxa de sedimentação.
O coeficiente de compacidade de 1,11 e o fator de forma baixo 0,52
permitiram constatar que a bacia é pouco suscetível a enchentes. Portanto,
os parâmetros mostram que a bacia não possui formato circular, tendendo
para a forma alongada, elíptica (SANTOS, 2001), mostrando que esta
apresenta menor risco a enchentes sazonais, o que foi confirmado pelo
índice de circularidade de 0,87, que permitiu constatar a bacia não possui
formato próximo ao circular, isto é, apresenta forma alongada.
Os baixos valores de Dd, Fr e Razão, associados à presença de rochas
permeáveis (TONELLO et al., 2006), facilitam a infiltração da água no solo
com a diminuição do escoamento superficial, do risco de erosão e
degradação ambiental, pois quanto mais elevados forem esses valores mais
intenso é o processo de erosão do solo (RODRIGUES et al., 2008).
2
A densidade de drenagem de 1,36 km/km classificá-la como baixa,
2
pois os valores são menores que 7,5 km/km (CHRISTOFOLETTI, 1969),
enquanto esse índice é considerado pobre, indicando que a bacia apresenta
baixa drenagem.
A sinuosidade, fator controlador da velocidade de escoamento da
água, demonstra que o rio segue exatamente a linha do talvegue, devido ao
baixo grau de sinuosidade (SILVA et al., 2009).
O valor médio da extensão do percurso superficial (0,34) e o do
coeficiente de manutenção (735,3) permitiram constatar a presença de
solos permeáveis na bacia.
A declividade média na bacia do córrego do Veado, Brotas (SP), da
ordem de 9,52, permitiu classificá-la (CHIARINI; DONZELLI, 1973) como
relevo ondulado, impróprio para o cultivo de culturas anuais, mas indicado
para o uso de pastagens associado à rotação com culturas anuais, que
podem ser exploradas com culturas permanentes porque dão certa
proteção ao solo, uma vez que são terras sujeitas à erosão e a prática da
conservação do solo é imprescindível (LEPSCH et al., 2001).
As atividades agrícolas em áreas impróprias e de forma inadequada
deve ser considerada uma prática de risco, pois se as práticas
conservacionistas não forem utilizadas as bacias certamente sofrerão com
perdas de solos por erosão.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 53

A declividade alta tem relação direta com os processos erosivos


devido à maior velocidade de escoamento superficial e menor infiltração das
águas no solo, pois propicia modificação na regulagem do sistema
hidrológico e produção de água na bacia.
O coeficiente de rugosidade de 12,28 permitiu classificar a bacia para
vocação com uso de reflorestamento (Classe C), uma vez que os altos
valores do coeficiente de rugosidade mostram que essas têm probabilidade
de sofrer os efeitos da erosão, sendo necessário medidas preventivas, com a
implementação de áreas cobertas pela vegetação.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As técnicas de sensoriamento remoto em conjunto com o emprego


de produtos orbitais do Landsat mostraram ser eficientes na determinação
do uso do solo, integração de dados georreferenciados na elaboração de um
banco de dados que é fundamental no planejamento de uso do solo numa
bacia e no atendimento à legislação ambiental.
A morfometria da bacia permitiu concluir que as variáveis
morfométricas serão importantíssimas nos futuros planejamentos e gestões
ambientais regionais.
A bacia apresenta altos riscos de suscetibilidade à erosão e
degradação ambiental, sendo fundamental o aumento da cobertura vegetal
e das zonas ripárias para conservação dos serviços ambientais.
O fator de forma e a densidade de drenagem, classificados como
baixos, permitem constatar que o substrato tem permeabilidade alta com
maior infiltração e menor escoamento da água.
O Sistema de Informações Geográficas Idrisi Selva foi uma excelente
ferramenta na confecção dos mapas temáticos, monitoramento e gestão
dos recursos hídricos da bacia.
O coeficiente de rugosidade permitiu classificar a bacia para vocação
com uso por Pecuária/Reflorestamento (Classe C), pois os altos valores
mostram que essas têm maiores chances de sofrer os efeitos da erosão,
necessitando de medidas para prevenção e proteção com cobertura vegetal.
54

REFERÊNCIAS

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56
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 57

Capítulo 3

GEOTECNOLOGIAS APLICADAS AO MANEJO DE BACIAS


HIDROGRÁFICAS: O CASO DA BACIA DO
RIO LAVAPÉS EM BOTUCATU (SP)
12
Ronaldo Alberto Pollo
13
César de Oliveira Ferreira Silva
14
Mikael Timóteo Rodrigues
15
Lincoln Gehring Cardoso
16
Bruno Timóteo Rodrigues

1 INTRODUÇÃO

O gerenciamento de recursos hídricos foi regulamentado pela


legislação brasileira com o objetivo de disciplinar e melhorar continuamente
o manejo dos mesmos, projetando e prevenindo conflitos para diminuir
custos, bem como danos em termos qualitativos e quantitativos aos
recursos hídricos.
Uma das primeiras legislações a inserir o gerenciamento de recursos
hídricos como participante da gestão pública foi a Política Estadual de
Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos
Hídricos do Estado de São Paulo, com base na Lei Estadual 7.663, embasada
fundamentalmente no reconhecimento do valor econômico da água,
buscando “a descentralização do poder para quem administra os recursos
naturais”.
A União implementou a Política Nacional de Recursos Hídricos no ano
de 1997 pela Lei 9.433, visando a consolidar um avanço na valoração da

12
Doutor em Agronomia, Departamento de Engenharia Rural/FCA/UNESP/Botucatu-SP. E-mail:
ra.pollo@unesp.br
13
Mestrando em Irrigação e Drenagem, FCA/UNESP/Botucatu-SP. E-mail:
cesaroliveira.f.silva@gmail.com
14
Pós-doutorando em Agronomia, FCA/UNESP/Botucatu-SP. E-mail: mikaelgeo@gmail.com
15
Prof. Titular, Departamento de Engenharia Rural/FCA/UNESP/Botucatu-SP. E-mail: lincoln-
gehring.cardoso@unesp.br
16
Doutorando em Agronomia/FCA/UNESP/Botucatu-SP. E-mail: brunogta21@gmail.com
58

água, observado em seu artigo 1º, incisos I e II: “A água é um bem de


domínio público e dotado de valor econômico”. Estabeleceu diferentes
ferramentas de gestão que, desde que efetivamente implementadas pelos
usuários dos recursos hídricos e órgãos gestores, permitem a
compatibilização dos diferentes interesses no uso e ocupação dos solos das
bacias hidrográficas (TUCCI, 2002).
A criação da Agência Nacional de Águas (ANA) em 2000, que detém
participação na execução da Política Nacional dos Recursos Hídricos, foi mais
um passo para maior participação popular, acadêmica e técnica ao
gerenciamento de recursos hídricos por meio dos Conselhos Nacional e
Estadual de Recursos Hídricos.
Nesse contexto, postas as disposições jurídicas que servem de base
às ações de intervenção e manutenção da qualidade ambiental dos recursos
hídricos, cabe analisar a interface entre as definições legais e o
conhecimento científico e tecnológico disponível aos estudos ambientais em
nível de bacia hidrográfica.
Assim, o presente capítulo buscou identificar as potencialidades do
uso de ferramentas de geoprocessamento como gerador de subsídios para
tomada de decisão de manejo de bacias hidrográficas. Nesse texto serão
apresentadas as variáveis primordiais ao entendimento da dinâmica
ambiental de uma bacia hidrográfica e suas respectivas estratégias de
estudo com uso de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) tomando como
estudo de caso a bacia hidrográfica do rio Lavapés, no município de
Botucatu-SP.

2 MANEJO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS

Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2015), ciclo


hidrológico é a contínua interação das águas continentais com a atmosfera,
interação originada de forças gravitacionais e térmicas (do Sol), que
provocam, de forma cíclica, a evaporação das águas dos oceanos e dos
continentes e posterior precipitação de acordo com as condições
atmosféricas. Segundo Lima e Freire (1976), o ciclo hidrológico envolve os
processos físicos da evapotranspiração, chuva, infiltração, percolação,
escoamento superficial, subsuperficial e de base, além da vazão, que
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 59

representam os diferentes caminhos pelos quais a água circula nas três fases
do sistema Terra: hidrosfera, litosfera e atmosfera.
A água na superfície terrestre interage com o solo por fenômenos
como infiltração e escoamento superficial, que são os mais significativos em
nível de bacia hidrográfica (outros fenômenos de menor intensidade podem
ser identificados como o escoamento subsuperficial e a ascensão capilar),
sendo a infiltração o fenômeno ambientalmente mais benéfico (SANTANA,
2003), já que promove a recarga dos aquíferos, e o escoamento superficial o
fenômeno ambientalmente mais oneroso, já que provoca a ocorrência de
efeitos nocivos à paisagem e à bacia hidrográfica, como deslizamentos de
encostas e erosão.
Bacias hidrográficas são consideradas regiões separadas entre si pela
sua topografia (divisores de águas), cujas áreas funcionam como receptores
naturais das águas da chuva, ou seja, onde ocorre pelas suas características
geográficas e topográficas, a captação de água (drenagem) para um rio
principal e seus afluentes (GOLDENFUM, 2001). É composta basicamente de
um conjunto de superfícies, chamadas vertentes, e de uma rede de
drenagem formada por cursos d’água confluentes, resultando em um leito
único no exutório (SILVEIRA, 2001), comumente é considerada como uma
determinada “área de terreno que drena água, partículas de solo e material
dissolvido para um ponto de saída comum, situado ao longo de um rio,
riacho ou ribeirão” (DUNNE; LEOPOLD, 1978).
Os parâmetros morfológicos mais comuns em estudos de bacias
hidrográficas são o uso e tipo de solo, área, forma, declividade da bacia,
elevação, declividade do curso d’água, ramificação dos cursos d’água
(ordem de afluente), tipo de rede de drenagem e densidade de drenagem,
dentre outras fórmulas empíricas que a caracterizam (CHRISTOFOLETTI,
1980).
A bacia hidrográfica, considerada a unidade de estudos hidrológicos,
segundo a Lei Federal 9.433/1997 (BRASIL, 1997), ainda abarca uma enorme
quantidade de variáveis (algumas possivelmente desconhecidas ou de difícil
mensuração) que geram grande complexidade e incerteza em sua
caracterização e manejo, sendo primordial estudar seus principais
componentes e identificar suas correlações e interações. Assim, a análise e
planejamento territorial para fins de avaliação de disponibilidade hídrica e
60

conservação devem tomar como unidade espacial de estudo a bacia


hidrográfica.

3 INTERAÇÃO ÁGUA-SOLO-ROCHA-ATMOSFERA

O solo é formado a partir da rocha-matriz, ou rocha-mãe, material


rochoso de origem magmática ou metamórfica, através da ação de agentes
de intemperismo, como elementos climáticos (chuva, gelo, vento,
temperatura, etc.), que, com o tempo e a ação conjunta de organismos
(fungos, liquens, insetos, minhocas, plantas seres biológicos) realizam
transformações nas rochas, diminuindo o seu tamanho e fragmentando-as,
tornando-as um material desagregado, compondo a parte mineral do solo,
que se mistura com a matéria orgânica. Essa mistura faz com que o material
que veio do desgaste das rochas forneça nutrientes para as raízes das
plantas (LEMOS; SANTOS, 1996).
Em síntese, o solo é formado pela mistura da sua parte mineral com a
matéria orgânica, água e o ar (que ocupam os espaços vazios, ou interstícios
do solo), interagindo com os agentes intempéricos, que transformam os
materiais.
O solo possui uma variação de camadas que são chamadas de
horizontes, que são uma organização estratificada do solo, com colorações
diferentes. Normalmente, o primeiro horizonte é mais escuro que os outros,
já que contém matéria orgânica e cobertura vegetal, porém, dependendo do
tipo e das condições climáticas, pode estar seco e claro devido à carência da
matéria orgânica, tornando-o um solo deficiente. Os horizontes também
apresentam variações de permeabilidade, impactando na infiltração e,
consequentemente, na recarga de aquífero.
A poluição do solo (contaminação deste através de substâncias
capazes de provocar alterações significativas em sua estrutura natural)
ocorre devido à desordem na exploração do meio ambiente, ação antrópica,
depositando no solo elementos químicos estranhos, prejudiciais às formas
de vida microbiológica (CAMARGO et al., 2009).
O acúmulo de resíduos sólidos e de produtos químicos como
fertilizantes, pesticidas e herbicidas, e gases poluentes que se agrupam no
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 61

solo, formando uma camada escura e grossa de poluentes, são as principais


causas da poluição do solo (CAMARGO et al., 2009).
Estudos pedológicos são essenciais para o planejamento
ambientalmente adequado do solo em todas as áreas, como geomorfologia,
ecologia, agronomia, entre outros. Avaliam desde a formação do solo, a
partir do intemperismo da rocha até os seus componentes desde a
superfície à rocha mãe, é uma ciência muito precisa e que só tem a ajudar
para a preservação do planeta, pois sabe descrever as necessidades e
cuidados que são necessários para o solo.
Cunha (1995) considera que mudanças significativas em
componentes das bacias hidrográficas, como desmatamento da zona ripária
(mata ciliar), assoreamento de margens, deposição de resíduos sólidos,
aumento de área impermeável e de escoamento superficial podem
ocasionar impactos à jusante da bacia, bem como nos fluxos energéticos de
sólidos e substâncias dissolvidas, que, dependendo da escala e intensidade,
podem modificar a dinâmica geomorfológica da bacia bem como seu
funcionamento como produtora de água.
Define-se impacto ambiental como a projeção de “mudança em um
parâmetro ambiental, num determinado período e numa determinada área,
que resulta de uma dada atividade, comparada com a situação que ocorreria
se essa atividade não tivesse sido iniciada” (WATHERN, 1998). Assim,
diagnosticar, quantificar e, sempre que possível, predizer um impacto
ambiental em componentes ambientais de uma bacia hidrográfica é um
passo necessário na busca da sustentabilidade.

4 USO DE GEOPROCESSAMENTO PARA IDENTIFICAÇÃO DE COMPONENTES


AMBIENTAIS

A identificação, a avaliação e o gerenciamento de componentes


ambientais ganharam novas possibilidades com o avanço das ferramentas
computacionais que facilitaram a manipulação e extração de informações.
Com as análises dos dados geográficos sistematizados e integrados a um SIG
foi possível maior entendimento, auxiliando no planejamento,
gerenciamento e tomada de decisão.
62

Nesse contexto, pode-se definir sistema de informação geográfica


(SIG) como um sistema computacional que permite a integração e
manipulação de informações, com o objetivo de compor um banco de dados
para melhor compreensão da área de estudo.
Geoprocessamento representa um conjunto de tecnologias
computacionais que opera sobre registros cartográficos georreferenciados,
capazes de realizar análises complexas, permitindo o desenvolvimento
constante de informações ambientais com novas aplicações em
Sensoriamento Remoto (SR), Sistema de Informação Geográfica (SIG) e o
Sistema de Posicionamento Global (GPS), promovendo a geração de
produtos cartográficos, desde curvas de nível a mapeamentos de uso e
ocupação da terra.
Em geral, os produtos resultantes da integração de dados de diversas
fontes analisadas por um SIG podem representar espacialmente fenômenos
climáticos, humanos, sociais e econômicos. E essas representações
mapeadas por um SIG trazem melhor conhecimento de dada região,
possibilitando a geração de subsídios para futuras decisões (SILVA;
MEDEIROS, 2017).
Um dos principais desafios é avaliar o caráter espacial de variáveis
agroambientais para planejamento e ordenamento do uso da terra para fins
de conservação e manutenção sustentável de culturas. Ferramentas
disponíveis a esses fins são a geoestatística e a modelagem espacial, ambas
integradas ao geoprocessamento.
A geoestatística surgiu na África do Sul, quando Krige (1951), um
engenheiro de minas, analisando valores de concentrações de ouro,
verificou que sua variância tinha características espaciais, ou seja, havia uma
relação entre as concentrações de ouro e as distâncias entre amostras.
Dessa maneira surgiu o conceito da geoestatística como variáveis
regionalizadas, que considera a dependência espacial de um parâmetro e
suas coordenadas geográficas. Matheron (1965) formalizou esse resultado
de Krige e desenvolveu a geoestatística, sendo um de seus principais
métodos, a krigagem, uma homenagem ao pioneiro.
Geoestatística não se limita apenas a obter um modelo de
dependência espacial de uma variável, mas também pretende estimar
valores de pontos em locais não coletados, ou seja, interpolar
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 63

espacialmente. Através de tratamento matemático, os métodos


geoestatísticos buscam realizar essa interpolação por meio da minimização
do resíduo entre valores estimados e reais através de uma série de
condições derivadas dessa dependência espacial. Por exemplo, um dos
métodos mais conhecidos, a krigagem, consiste em ponderar valores
situados na vizinhança de um fenômeno espacialmente regionalizado,
obedecendo a critérios de não tendenciosidade, baseando-se no método de
interpolação desses dados mediante sua posição geográfica.
Com a geoestatística é possível analisar e organizar os dados
amostrados espacialmente a partir da semelhança entre pontos próximos
georreferenciados, possibilitando a aplicação de modelos espaciais para
analisar parâmetros do solo, vegetação, água, geologia e agricultura.
A modelagem espacial aplica equações e modelos computacionais
para predizer fenômenos físicos, químicos ou biológicos de acordo com sua
dependência espacial e eventos que geram impacto para o meio ambiente e
para os seres humanos, buscando diagnosticar tendência que permita o
gerenciamento do meio ambiente de maneira sustentável.
Inúmeras são as aplicações dessas ferramentas e as ações vinculadas
ao monitoramento, planejamento, manejo e gestão na caracterização de
espaços geográficos urbanos e rurais terão melhor resultado se trabalhadas
com auxílio de um SIG. Em uma bacia podem-se extrair, como exemplo, as
seguintes aplicações de manejo:
a) mapeamento espaço-temporal da cobertura e uso da terra;
b) zoneamentos diversos (ambiental, socioeconômico, entre
outros);
c) monitoramento de áreas de proteção ambiental e de risco;
d) identificação da rede de drenagem;
e) estudos de modelagens hidrológicas.

Vale ressaltar, em relação à questão dos riscos ambientais, a


questão da segurança hídrica como parâmetro em gerenciamento de
recursos hídricos e recursos naturais. A segurança hídrica, de acordo com
Melo e Johnsson (2017), é a garantia de disponibilidade de água para os
usos múltiplos que supra as demandas da sociedade e de sua proteção
contra impactos negativos advindos de eventos hidrológicos extremos. É
64

essencial para a preservação ambiental, manutenção da biodiversidade e


bem-estar humano, tornando-se assim uma ferramenta primordial ao
desenvolvimento sustentável.

5 A BACIA DO RIO LAVAPÉS E SEUS COMPONENTES AMBIENTAIS

A bacia hidrográfica do rio Lavapés possui uma área de 11.154,58


hectares e situa-se no município de Botucatu-SP, entre as coordenadas
geográficas 48°20’ a 48°22’ de longitude Oeste do meridiano de Greenwich
e 22°42’ a 22°56’ de latitude Sul da linha do Equador e deságua no rio Tietê,
antes da barragem da usina hidrelétrica de Barra Bonita.
A bacia hidrográfica pertence à Unidade de Gerenciamento de
Recursos Hídricos (UGRHI) 10 (Comitê de Bacias Hidrográficas
Sorocaba/Médio Tietê). Tem sua classificação climática de Koeppen tipo
Cwa com temperatura média anual de 20,7 °C e precipitação média anual de
1.358,6 mm, ocorrendo uma precipitação média no mês mais chuvoso e
mais seco, respectivamente, de 223,4 mm e 37,8 mm, com altitude de 840
metros (CEPAGRI, 2018). Segundo Rossi (2017), os solos ocorrentes na bacia
hidrográfica são: argissolos; latossolos; neossolos e nitossolos e uma porção
desta está inserida na área do Sistema Aquífero Guarani no Estado de São
Paulo, segundo Cetesb (2018), onde também se encontra inserida a área de
estudo.
A Figura 1 expõe os mapas de altitude, declividade, rede de
drenagem e solos com a área urbana da bacia hidrográfica do rio Lavapés-
SP.
Diversos trabalhos foram e têm sido elaborados na bacia hidrográfica
do rio Lavapés, em razão da sua importância local, apresentam potenciais
recursos hidrológicos e florestais, que podem ser utilizados para uma análise
conjunta aos mapas da Figura 1. Resultados análogos de declividade são
apresentados, utilizando interpolação e geoestatística, em Orsi (2004).
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 65

Figura 1 – Mapas de altitude, declividade, rede de drenagem, solos e ocupação urbana da bacia
do rio Lavapés em Botucatu, Estado de São Paulo (SP)

Fonte: Rossi (2017) e SMA (2018).


66

É visível o predomínio de altas declividades (maiores que 45 graus),


que denotam a vulnerabilidade da bacia quanto à erosão pluvial e eólica,
fatores agravados pela falta de planejamento territorial, como visto pelo uso
da terra, determinado por meio de técnicas de geoprocessamento por
Campos et al. (2004), Campos (1997) e Rodrigues (2015), que, juntos,
abrangem o período de 1996 a 2010, no qual foi diagnosticado o avanço da
pastagem e culturas sobre áreas de grande declividade. Simões (1996) e
Santos et al. (2015) encontram um cenário ainda mais crítico com conflitos
de uso da terra em áreas de preservação permanente (APP), mostrando a
alta fragilidade ambiental da bacia devido ao uso irregular da terra.
Leopoldo (1989) e Valente et al. (1997) verificaram irregularidades quanto
às cargas de poluição rural e urbana recebidas pela rede de drenagem da
bacia, assim como Conte (1992) diagnosticou a presença de espécies
químicas dissolvidas, como magnésio, em alta quantidade, indicando maior
dureza da água na bacia.
De acordo com Oliveira (2013), a bacia tem formato alongado com
baixa tendência à inundação, baixo escoamento superficial e boa infiltração.
Cabe destacar os apontamentos feitos por Santos (2017) quanto ao
uso da terra ao redor de nascentes, que majoritariamente estão em área
antropizada (tanto urbana como rural), que, em seu estudo, realizou a
modelagem hidrológica da bacia em suas diferentes formações geológicas
(Formação Adamantina, Serra Geral e Piramboia/Botucatu) e solos, como os
apresentados na Figura 1, encontrando a possibilidade de altos picos de
chuva na bacia, sendo necessário, então, aliar planejamento e controle de
uso da terra em áreas vulneráveis (como APPs e áreas de grande
declividade) para não provocar maior fragilidade ambiental.
Com base na avaliação em nível de bacia, um estudo pontual foi
realizado para diagnosticar a qualidade ambiental do entorno de uma
nascente, sua represa e curso d’água inseridos na bacia hidrográfica do rio
Lavapés dentro do município de Botucatu, SP, indicados na Figura 2. Foram
utilizadas imagens do Google Earth Pro dos anos de 2006, 2011, 2014, 2016
e 2017, para avaliar por meio de análise temporal de imagens de satélite a
evolução do uso da terra e manejo nesse ponto de estudo.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 67

Figura 2 – Localização e imagens da nascente com erosão causada após plantio de cana-de-
açúcar na bacia do rio Lavapés em Botucatu, Estado de São Paulo (SP)

Fonte: Google Earth Pro (2018).

Em 2006, Figura 2, houve predomínio de pastagem com práticas


mecânicas de conservação de solo e média densidade vegetativa com
espécies arbóreas espalhadas no entorno da nascente, que possui em sua
2
extensão uma represa com 2.082 m de lâmina de água protegida por uma
expressiva vegetação ciliar. A declividade varia, segundo Santos (2013), de 3
68

a 8% nas proximidades de seu divisor, variando de 8 a 40% ao redor da sua


nascente e curso d’água, caracterizando um relevo suave ondulado à forte
ondulado.
O predomínio da cobertura vegetal original nesta área era
predominantemente cerrado até a década de 1970, quando começou o
processo de desmatamento para implantação das pastagens, que, segundo
Campos et al. (1998) afirmaram, entre o período de 1962 a 1989 houve uma
redução da ordem de 93% da vegetação de cerrado na região.
Observa-se no ano de 2011 (Figura 2) a supressão total dos
indivíduos florestais espalhados pela área e o preparo do solo para a
implantação da cultura de cana-de-açúcar, que não apresentou erosão até
2014, sendo toda área agrícola coberta por cana com a presença de
carreadores e estradas rurais, porém, mantendo-se vegetação ciliar no
entorno da nascente, represa e córrego.
Ainda na Figura 2, no ano de 2016, observa-se uma intervenção
mecânica de amenização do rompimento entre curvas de nível próximo à
nascente, que provavelmente ocorreu no ano de 2015 (pois não há imagem
disponível deste ano), com severas alterações ambientais no solo,
evidenciando danos à nascente, vegetação ciliar, represa e canal de
drenagem, causados pelo assoreamento e depósito de sedimentos advindos
da área erodida próxima à cabeceira.
Mesmo com a intervenção no sentido de realocação das curvas de
nível, no ano seguinte, pela imagem de 11/05/2017 (Figura 2), observa-se a
ocorrência de uma erosão do tipo voçoroca de grande extensão,
degradando e dificultando ainda mais a recuperação da área e o retorno dos
serviços ambientais proporcionados no passado por ela.
Em imagem de 24/07/2017 (Figura 2) novamente realizou-se uma
tentativa de prática mecânica de conservação do solo próxima a nascente,
alocando distâncias menores entre curvas de nível dentro do processo de
recuperação da área agricultável.
Dentre as várias ocorrências na área de estudo, o uso do solo com
pastagem desde 1970 até 2011, ou seja, por mais de 40 anos, manteve o
equilíbrio do ambiente com muitos indivíduos florestais espalhados pela
região, com manejo e conservação do solo, que garantiram a manutenção
dos ambientes naturais como matas ciliares e corpos d’água.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 69

Entretanto, no período entre 2011 e 2017, ou seja, em seis anos, com


a implantação da cultura canavieira, foram causados maiores impactos,
comparados ao período anterior, nos ambientes naturais, muitos deles
irreversíveis, comprometendo os serviços ambientais da bacia em
decorrência da erosão hídrica, da falta de planejamento e o manejo de
práticas inadequadas de conservação do solo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas décadas foi crescente a utilização dos recursos naturais,


assim como o surgimento de problemas ligados ao meio ambiente frente à
expansão das atividades humanas no meio agrícola.
Diante disto, tecnologias de manejo ambiental devem ser aplicadas
para assegura, diante das particularidades de cada paisagem, menor
impacto ao ambiente, direcionando estudos científicos sobre o
ordenamento territorial, monitoramento sobre a produção de água e a
recuperação da biodiversidade como alternativas para assegurar mudanças
nas diversas formas de conciliação entre produção agrícola e a proteção
ambiental.
Por se tratar de uma área de afloramento do Sistema Aquífero
Guarani no Estado de São Paulo, estratégias de uso com menores impactos
e proteção ambiental destas águas se fazem continuamente necessárias
através dos órgãos estaduais de fiscalização e gestores dos recursos hídricos
superficiais e subterrâneos, na busca pela preservação dos recursos naturais
e por um desenvolvimento sustentável para estas áreas.

REFERÊNCIAS

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o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do
art. 21 da Constituição Federal e altera o art. 1° da Lei 8.001, de 12 de março de 1990, que
modificou a Lei n°7.990 de 28 de dezembro de 1989. Brasília: DOU, 1997.
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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 71

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72
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 73

Capítulo 4

FRAGILIDADE AMBIENTAL DE UMA BACIA, VISANDO O


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
17
Sérgio Campos
18
Marcelo Campos
19
Thyellenn Lopes de Souza
20
Mateus de Campos Leme
21
Letícia Duron Cury

1 INTRODUÇÃO

As mudanças ambientais ocorrem devido ao desenvolvimento


industrial, crescimento populacional e ao desmatamento das florestas, para
o uso e exploração do solo inadequadamente, sem proteção de diversos
impactos ambientais e capacidade produtiva.
A bacia como unidade de planejamento ambiental, características de
um sistema natural delimitado, de regiões altas, onde se encontram
nascentes dos rios, córregos, áreas de encostas e de baixadas e problemas
com a água, a solução está diretamente relacionada ao manejo e
manutenção (SANTOS, 2004).
A utilização da geotecnologia permite a análise ambiental de forma a
entender as alterações do comportamento espacial, bem como vem
permitindo o estudo ambiental e como um todo (PIRES et al., 2012).
As imagens de satélite vêm sendo usadas na identificação dos
fenômenos naturais, ação humana e análises das áreas com vegetação, tipos
de solo e recursos hídricos com grande vantagem, por de custo baixo e fácil

17
Professor titular (UNESP), Botucatu. E-mail: seca@fca.unesp.br
18
Professor doutor (UNESP), Tupã. E-mail: marcelocampos@tupa.unesp.br
19
Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP),
Botucatu. E-mail: thyellenn@hotmail.com
20
Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP),
Botucatu. E-mail: mateus@hotmail.com
21
Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Agronomia – Energia na Agricultura (UNESP),
Botucatu. E-mail: le.cury@hotmail.com
74

obtenção, fornecendo informações para solução de problemas ambientais


(SANTOS et al., 1993).
A bacia hidrográfica é composta por áreas drenadas por um rio e seus
afluentes, em regiões mais altas do relevo, onde as águas fluviais escoam
superficialmente ou infiltram-se no solo para formação de nascentes e do
lençol freático (BARRELA, 2001).
O estudo dessas bacias vem se intensificando cada vez mais com o
advento do geoprocessamento, em que o conjunto de conceitos, métodos e
técnicas permite, através de uma base de dados georreferenciados por
computação eletrônica e técnicas de mapeamento, a obtenção de mapas
temáticos que servirão de ferramentas para o gestor tomar decisões
(XAVIER-DA-SILVA, 1994).
Assim, o mapa de fragilidade ambiental, ferramenta utilizada pelos
órgãos públicos na elaboração do planejamento ambiental, permite avaliar
as potencialidades do ambiente em relação às suas características naturais.
Desta forma, este capítulo tem por objetivo identificar e analisar a
fragilidade ambiental da bacia hidrográfica do Ribeirão Lavapés – Botucatu
(SP), por meio do uso de geotecnologias, visando ao desenvolvimento
sustentável da bacia (ROSS, 1994).

2 FRAGILIDADE AMBIENTAL

A fragilidade ambiental é o grau de suscetibilidade de dano aos


ambientes com risco, ocasionados em condições naturais e ações
antrópicas, provocadas pelo inadequado uso e ocupação da terra (BATISTA;
SILVA, 2013).
A análise da fragilidade ambiental e sua síntese, de acordo com
documento cartográfico, é um instrumento importante para o planejamento
ambiental com desenvolvimento sustentado, tecnológico, econômico e
social (ROSS, 1994).
As avaliações da fragilidade ambiental são baseadas em fatores
intrínsecos do solo, do potencial de erosão das chuvas, da declividade e da
cobertura vegetal. Esse conhecimento dos níveis de fragilidade numa bacia
hidrográfica possibilita compreender a adequação do uso da terra (SPÖRL,
2001).
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 75

A análise multicriterial em ambiente SIG permite a elaboração de


mapa de fragilidade ambiental, através do cruzamento de planos de
informações integrados com a utilização de pesos de importância, obtidos
para tomada de decisão, utilizadas nos Processo Hierárquico Analítico (AHP)
e a Combinação Linear Ponderada (CLP) (EASTMAN, 2012).
A sobreposição de mapas para determinação do uso adequado da
terra, de acordo com a análise de multicritérios e o SIG permitem obter
respostas para tomada de decisão do usuário (EASTMAN, 2012).

3 GEOTECNOLOGIAS E GEOPROCESSAMENTO

As geotecnologias, conjunto de tecnologias baseado na coleta,


processamento, análise e informações geográficas, possuem premissas de
processamento digital de imagens de satélites, elaboração de bancos de
dados georreferenciados, quantificação de fenômenos da natureza, permite
uma visão abrangente do ambiente (GUERRA; MARÇAL, 2006).
As geotecnologias são ferramentas integradas, processos e entidades
disponíveis para o desenvolvendo de metodologias de aplicação no
diagnóstico e prognóstico dos riscos e potencialidades ambientais para o
desenvolvimento social das sociedades.
Câmara (1996) definiu o geoprocessamento como um ambiente
tecnológico e abrangente, sendo o conjunto de técnicas relacionadas com
coleta, armazenamento e tratamento de definições espaciais e
georreferenciadas que podem ser utilizadas em sistemas específicos a cada
aplicação que, de alguma forma, utiliza-se do espaço físico geográfico.
Para Pereira e Silva (2001), o geoprocessamento é um conjunto de
tecnologias, métodos e processos para o processamento digital de dados e
informações geográficas (Figura 1).
76

Figura 1 – Conjunto de ferramentas do geoprocessamento

Fonte: Brasil (2007).

4 DESENVOLVIMENTO

Esta pesquisa foi desenvolvida na bacia do ribeirão Lavapés (Figura


2), município de Botucatu (SP), por ser uma área muito importante e
representativa do município onde a paisagem sofreu uma nítida
o
transformação. A área situa-se entre as coordenadas geográficas: 22 42' a
o o o
22 56' de latitude S e 48 20' a 48 22' de longitude W Gr., abrangendo
10.281,89 ha.

Figura 2 – Localização da bacia do rio Lavapés, Botucatu (SP)


Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 77

O clima predominante do município, segundo o sistema Köppen, é do


tipo Cfa – clima temperado chuvoso e a direção do vento predominante é a
sudeste (SE).
o
A temperatura média anual regional (MARTINS, 1989) é de 20,2 C,
o
sendo as temperaturas médias dos meses mais quentes de 23,2 C e de 16,9
o
C nos meses mais frios.
A precipitação média anual é de 1.447 mm, sendo a precipitação
média nos meses mais chuvoso de 223,4 mm e 37,8 mm nos mais secos.
As classes de solos ocorrentes na bacia hidrográfica do rio Lavapés
foram: argissolo vermelho-amarelo distrófico (PVAd1), latossolo vermelho-
amarelo distrófico (LVAd), nitossolo vermelho distroférrico (NVdf), gleissolo
háplico (GXbd), neossolo litólico eutrófico (RLe), latossolo vermelho
distroférrico (LVdf), latossolo vermelho distrófico (LVd) (PIROLI, 2000).
A vegetação predominante é do tipo floresta estacional
semidecidual, na área da frente da cuesta; cerradão no reverso da cuesta e
na depressão periférica é do tipo mata ciliar, ao longo da rede de drenagem
(JORGE, 2000).
No georreferenciamento da bacia foi utilizado o menu
Reformat/Resample do SIG-IDRISI, no qual os pontos de controle foram
obtidos de cartas topográficas de Botucatu (IBGE, 1973) para determinação
das coordenadas de cada ponto para elaboração do arquivo de e
correspondência.
Como base cartográfica para elaboração do mapa de uso do solo foi
utilizada a imagem de satélite de 2011, bandas 3,4 e 5 do Sensor TM do
LANDSAT 5, da órbita 220, ponto 56, quadrante A, passagem de 2011, bem
como o Sistema de Informações Geográficas – SIG Idisi Selva para análise
dos objetos de estudo.
Para vetorização do limite e da rede de drenagem da bacia do rio
Lavapés – Botucatu (SP) foi utilizado o software CartaLinx.
Depois desta etapa, a imagem foi georreferenciada de acordo com o
menu Reformat/Resample no IDRISI, e posteriormente exportada para o
IDRISI através do menu Database Query, módulo Analysis, para
determinação das áreas e porcentagens de usos.
Para a obtenção do mapa de uso e ocupação do solo da imagem de
satélite de 2011, inicialmente foi elaborada uma composição colorida com a
78

combinação das bandas 3, 4 e 5, obtida a partir da imagem de satélite digital


do LANDSAT – 5, da órbita 220, ponto 76, quadrante A, passagem de 2011,
escala 1:50000 (Figura 3).

Figura 3 – Composição RGB – 543 da imagem de satélite Landsat 5

Esta composição foi utilizada porque permite boa interpretação


visual dos objetos-alvo, permitindo a análise e identificação dos elementos
padrão de uso da terra, em função das cores das bandas do sensor TM,
como a tonalidade de rosa para área urbana, área desmatada e solo
exposto; tonalidades de verde para reflorestamento adulto e área de
mata/capoeira); azul para corpos d’água e materiais em suspensão, rios,
lagoas, represas e oceano e cor preta para água limpa e área queimada
(FLORENZANO, 2011).
Após o georreferenciamento a imagem foi recortada de acordo com
o módulo Reformat/window extraindo-se somente a área da bacia, que foi
exportada para o software CartaLinx.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 79

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os solos de textura arenosa (Figura 4 e Tabela 1), RQotípico, RLe,


NVdf e PVAd1 abrangendo 4650,02 ha (45,31%), com estruturas frágeis e
suscetíveis à erosão, possuem baixa fertilidade natural e a possibilidade de
ocorrer erosão aumenta com a diminuição de sua cobertura vegetal.

Figura 4 – Classes de solo da bacia do rio Lavapés, Botucatu (SP)

Fonte: Piroli (2002).

O solo hidromórfico (GXbd) cobre 1.731,34 ha (16,87%) da


microbacia, presente em baixadas e no entorno de cursos d’água, áreas
encharcadas, que apresentam baixa fertilidade.
80

Tabela 1 – Unidades de solo (PIROLI, 2000) e fragilidade ambiental da


bacia do rio Lavapés, Botucatu (SP)
Área Fragilidade
Unidades de solo Sigla Pesos
ha % ambiental
Argissolo vermelho-amarelo
PVAd1 366,47 3,57 Muito baixa 1
distrófico
Latossolo vermelho-amarelo
LVAd1 35,51 0,34 Baixa 2
distrófico
Nitossolo vermelho
NVdf 2.745,61 26,75 Baixa 2
distroférrico
Gleissolo háplico TB GXbd 1.731,34 16,87 Alta 5
Neossolo litólico eutroférrico RLe 542,36 5,29 Baixa 2
Latossolo vermelho
LVdf 2.326,13 22,67 Baixa 2
distroférrico
Latossolo vermelho distrófico LVd 1.520,41 14,81 Baixa 2
Neossolo litólico eutrófico RLe 542,46 5,29 Baixa 4
Neosssolo quartzarênico
RQotípico 995,48 9,70 Muito baixa 5
distrófico

Os solos de textura média (LVAd1, LVd e LVdf) abrangem a maior


parte da área com 3.881,85 ha (37,82%).
As classes de declive de 0 a 6% com 3.931,92 ha (Figura 5 e Tabela 2),
relevo plano a suavemente ondulado, ocuparam mais de 38% da área. Essas
áreas compostas com relevo plano a ondulado (CHIARINI; DONZELI, 1973) e
por Lepsch et al. (2001) são consideradas próprias para o plantio de culturas
anuais com a utilização de práticas simples de conservação do solo,
podendo assim controlar o processo erosivo do solo com um simples plantio
em nível da cultura.
As áreas com declividade (6 a 12 %) com 4.289,36 ha (41,89%), relevo
ondulado, em que as mais significativas são indicadas para o plantio de
culturas anuais com o uso de práticas complexas de conservação do solo
(LEPSCH et al., 2001).
O relevo forte ondulado (12 a 20%), próprio para cultivo com culturas
permanentes, exigem menor mobilização do solo, o que propicia menores
riscos de erosão como o cultivo com culturas permanentes como café, cana-
de-açúcar, pastagens, etc.), conforme Lepsch et al. (2001), as quais
predominam em 12,81% (1.315,29 ha).
O relevo acidentado (CHIARINI; DONZELI, 1973), com declividade de
20 a 40%, próprio para o desenvolvimento com pecuária e silvicultura,
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 81

destina-se à preservação ambiental, evitando assim a erosão do solo


(LEPSCH et al., 2001).

Figura 5 – Classes de declividade da bacia do rio Lavapés, Botucatu (SP)

Tabela 2 – Classes de declividade e fragilidade ambiental da bacia do rio Lavapés, Botucatu (SP)

Classes de Área Fragilidade


Relevo Pesos
Declive em % ha % Ambiental
0–3 Plano 688,76 6,71 Muito baixa 1
3–6 Suavemente ondulado 3.243,16 31,60 Muito baixa 1
6 – 12 Ondulado 4.299,36 41,89 Baixa 2
12 – 20 Forte ondulado 1.315,29 12,81 Média 3
20-40 Acidentado 622,58 6,07 Alta 4
40 Montanhoso 94,06 0,92 Muito alta 5

O uso e ocupação do solo na bacia (Figura 6 e Tabela 3) têm ocorrido


principalmente com a cultura da cana-de-açúcar, que abrange 2.948,65 ha
(28,73%), mostrando a vocação da área para agricultura.
82

Figura 6 – Classes de uso e ocupação do solo da bacia do Rio Lavapés – Botucatu (SP)

Tabela 3 – Classes de uso e ocupação do solo e fragilidade ambiental da bacia do


rio Lavapés – Botucatu (SP)

Área Fragilidade
Usos Pesos
ha % ambiental
Cana-de-açúcar 2.948,65 28,73 Média 3
Vegetação natural 215,76 2,10 Muito alta 5
Represa 18,11 0,18 Muito alta 5
Reflorestamento 9,85 0,10 Média 3
Mata ciliar 1.696,24 16,53 Muito alta 5
Área urbana 2.816,92 27,45 Muito alta 5
Pastagem 1.396,08 13,60 Baixa 2
Cerrado 105,08 1,02 Muito alta 5
Pedreira 14,23 0,14 Muito alta 5
Agroindústria 7,34 0,07 Muito alta 5
Outras culturas 9,99 1025,85 Alta 4
ETE Sabesp 0,09 9,10 Muito alta 5
Total 10.263,21 100
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 83

A vegetação natural e as matas ciliares abrangem a área da bacia com


1.912,00 ha (18,63%), sendo a terceira em ordem de ocorrência, bem como
as pastagens com 1.396,08 ha (13,60%).
A área urbana, segunda classe mais significativa na bacia vem
totalizando 1.396,08 ha (27,45%).
A fragilidade ambiental média e alta (Figura 7 e Tabela 4) com uma
área de 6.735,34 ha (66,23%) vem ocorrendo em grande parte da bacia, que
é composta por relevo suavemente forte ondulado a ondulado e por solos
nitossolo vermelho distroférrico e latossolo vermelho, os quais possuem
fragilidade alta e média de acordo com suas características físicas; uso do
solo pela classe área urbana e a cultura da cana-de-açúcar possui fragilidade
média.
A classe 'Muito Alta' apresentou uma área total de 1.700,24 ha
(16,72%), porque apresenta declividade mais acentuada e relevo
montanhoso que possui classe alta; solo RQotípico e RLe com fragilidade
alta e uso do solo por pastagem classificado com fragilidade alta.
84

Figura 7 – Fragilidade ambiental da bacia do rio Lavapés – Botucatu (SP)


Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 85

Tabela 4 – Fragilidade ambiental da bacia do Rio Lavapés – Botucatu (SP)


Classes de fragilidade Área (ha) % do total
Muito alta 1.700,24 16,72
Alta 3.283,53 32,29
Média 3.451,81 33,94
Baixa 1.709,15 16,80
Muito baixa 23,06 0,22
Total 10.167,79 100

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise multicriterial utilizada na avaliação da fragilidade ambiental


da bacia do rio Lavapés – Botucatu (SP) permitiu classificá-la como
fragilidade alta a média, merecendo maior atuação, pois, se mal planejada,
tenderá à degradação através de erosões do solo.
A técnica de sensoriamento remoto possibilitou uma análise
integrada dos elementos da bacia, que apresentou resultado satisfatório.
A bacia é predominantemente composta por nitossolo vermelho
distroférrico e latossolo vermelho distroférrico (49,42%), com declividade
variando de 3 a 12 (73,49%) e uso da terra pelas classes cana-de-açúcar e
área urbana (56,18%), mostrando a grande vocação para agricultura.
As classes de fragilidade ambiental 'Alta' e 'Média' merecem maior
atenção, pois representam quase 2/3 da área, mostrando que mal planejada
e sem precauções, tendem a ser facilmente degradadas.
A análise da fragilidade, importante instrumento de planejamento
ambiental uma vez que permite identificar os pontos frágeis, fornece
subsídios para a elaboração de planos de manejo em áreas naturais e
unidades de conservação.

REFERÊNCIAS

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R.; LEITÃO FILHO, H. F. (Org.). Matas ciliares: conservação e recuperação. São Paulo:
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BATISTA, J. P. G.; da SILVA, F. M. Avaliação da fragilidade ambiental na microbacia do riacho
Cajazeiras no semiárido Potiguar. Boletim Goiano de Geografia, v. 33, n. 1, 53-72, 2013.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistemas de Informações
geográficas e análise espacial na saúde pública. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. 148 p.
86

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em Saúde).
CHIARINI, J. V.; DONZELI, P. L. Levantamento por fotointerpretação das classes de capacidade
de uso das terras do Estado de São Paulo. Bol. Inst. Agron., Campinas, n. 3, p. 1-20, 1973.
CÂMARA, G. Anatomia de Sistemas de Informação Geográfica. Campinas: Instituto de
Computação/UNICAMP, 1996.
EASTMAN, J. R. Decision suport: decision strategy analysis. In: EASTMAN, J. R. Idrisi Selva
Manual. Worcester: Clark Labs, 2012. p. 222-237.
FLORENZANO, T. G. Iniciação em sensoriamento remoto. 3. ed. São Paulo: Oficina de Texto,
2011. 47p
GUERRA, A. J. T.; MARÇAL, M. S. Geomorfologia ambiental. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2006. 192 p.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Carta topográfica de Botucatu.
Serviço gráfico do IBGE, 1969. Escala 1:50.000.
LEPSCH, J. F. et al. Manual para levantamento utilitário do meio físico e classificação de terras
no sistema de capacidade de uso. Soc.Bras.Cien.do Solo, Campinas, 2001. 175 p.
MARTINS, D. Clima da região de Botucatu. In: ENCONTRO DE ESTUDOS SOBRE A
AGROPECUÁRIA NA REGIÃO DE BOTUCATU, 1, 1989, Botucatu. Anais... Botucatu, UNESP,
1989, p. 8-19.
PEREIRA, G. C.; SILVA, B. C. N. Geoprocessamento e urbanismo. In: GERARDI, L. H. O.; MENDES,
I. A. (Org.). Teoria, técnica, espaço e atividades. Temas de geografia contemporânea. Rio
Claro: UNESP; AGTEO, 2001. p. 97-137.
PIRES, E. V. R.; SILVA, R. A.; IZIPPATO, F. J. et al. Geoprocessamento aplicado a análise do uso e
ocupação da terra para fins de planejamento ambiental na bacia hidrográfica do córrego
Prata – Três Lagoas (MS). Revista Geonorte, Edição Especial, v. 2, n. 4, p. 1528-1538, 2012.
ROCHA, C. H. B. Geoprocessamento: tecnologia transdisciplinar. Juiz de Fora: Ed. do Autor,
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ROSS, J. L. S. Análise empírica da fragilidade dos ambientes naturais e antropizados. Revista do
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SANTOS, R. F. Planejamento ambiental: teoria e prática. São Paulo: Oficina de textos, 2004. 184
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alternativos nas altas bacias do Rio Jaguari-Mirim, Ribeirão do Quartel e Ribeirão da Prata.
159 fls. Dissertação (mestrado) – Geografia Física, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2001.
SPÖRL, C. Metodologia para elaboração de modelos de fragilidade ambiental utilizando redes
neurais-MS. 2007. 185 fls. Tese (doutorado) – Geografia Física, Universidade de São Paulo,
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XAVIER-DA-SILVA, J. Introdução. In: XAVIER-DA-SILVA, J.; ZAIDAN, R. T. Geoprocessamento e
análise ambiental: aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 87

Capítulo 5

MONITORAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS E PARÂMETROS DE


QUALIDADE DE ÁGUA EM BACIAS HIDROGRÁFICAS
22
Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro
23
Lucíola Guimarães Ribeiro

1 INTRODUÇÃO

O crescimento populacional, o modelo de desenvolvimento


socioeconômico e as necessidades em atender às distintas atividades
humanas, trazem como consequência um cenário preocupante em relação à
deterioração dos recursos naturais, principalmente no que tange aos
aspectos qualitativos e quantitativos dos recursos hídricos (COSTA;
TEIXEIRA, 2010).
As atividades humanas podem alterar a qualidade das águas
superficiais por meio de fontes de poluição pontual e difusa nas bacias
hidrográficas. As fontes pontuais são caracterizadas por lançamentos
individualizados, como, por exemplo, descarga de esgotos ou efluentes
industriais. No caso das fontes difusas, não são identificados lançamentos
em pontos específicos, como, por exemplo, aporte de nutrientes
provenientes da drenagem urbana.
De acordo com Braga et al. (2005), a poluição das águas é
caracterizada por todas as alterações indesejáveis que ocorrem em suas
características físicas, químicas ou biológicas que possam acarretar efeitos
adversos à vida aquática ou às atividades dos seres humanos.
A poluição das águas tem um grande preço, seja pela
indisponibilidade de água de boa qualidade ou pelo efeito na redução da

22
Doutora em Aquicultura na área de Biologia Aquática, professora titular, pós-graduação em
Ciências Ambientais, Universidade Brasil. E-mail: americo.ju@gmail.com
23
Mestre em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos, Departamento de Água e Energia
Elétrica do Estado de São Paulo. E-mail: luciola.eng@gmail.com
88

qualidade de vida das pessoas. Por isso, compreender como ocorre a


degradação do sistema hídrico é o primeiro passo (TERCINI, 2014).
O controle da qualidade da água assim como, o monitoramento
qualitativo e quantitativo desse recurso permite identificar as atividades
humanas que apresentam potenciais degradantes aos corpos d´água,
servindo como ferramenta fundamental para a gestão dos recursos hídricos
(BARRETO et al., 2014). Além disso, o monitoramento possibilita estabelecer
os usos prováveis de água e auxilia no enquadramento dos corpos d’água.
Os órgãos ambientais responsáveis por regulamentar o uso da água
instituíram o Índice de Qualidade da Água (IQA) como referência para o
diagnóstico e monitoramento, além de determinar as distintas condições de
sua utilização como na alimentação, no abastecimento doméstico e
industrial, na irrigação, na limpeza pública, na infraestrutura energética, na
pesca e no lazer.
O índice de qualidade da água é uma ferramenta pertinente, pois
sintetiza as informações sobre diversos parâmetros físicos, químicos e
microbiológicos, buscando informar a população e orientar as ações de
gestão da qualidade das águas (ANA, 2005).
As informações do índice de qualidade das águas são
constantemente utilizadas nos Planos Estaduais de Recursos Hídricos e nos
Planos de Bacias Hidrográficas, em que nessas análises pode ocorrer a
ausência de muitas informações. Por esse motivo, tanto os órgãos gestores
como os Comitês de Bacias Hidrográficas têm que olhar de forma mais
criteriosa para esse índice.
Nesse contexto, é necessário avaliar os parâmetros de qualidade de
água de forma individualizada e abordar os fatores relevantes que
interferem nas propriedades da água e que causam sérios danos aos
recursos hídricos. É essencial também que o Comitê de Bacia Hidrográfica
tenha um olhar mais criterioso para com os ecossistemas aquáticos, pois
esses sofrem grandes interferências com a degradação da qualidade das
águas.
A água é utilizada para atender a diversos usos, porém, quando esses
usos são realizados de forma inadequada, podem ocasionar sua
deterioração. Por isso, analisar a qualidade da água é importante para que
se possa preservar e garantir a utilização desse recurso e seus múltiplos
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 89

usos. Sendo assim, surgiu a necessidade de se criar medidas para garantir a


proteção e o uso sustentável dos recursos hídricos. Em 1997 foi estabelecida
a Lei Federal 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos
(BRASIL, 1997), a qual traz como seus instrumentos os Planos de Recursos
Hídricos; o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos
preponderantes; a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; a
cobrança pelo uso de recursos hídricos; a compensação a municípios; e o
Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.
A Lei Estadual 7.663/1991 estabelece normas de orientação à Política
Estadual de Recursos Hídricos, assim como ao Sistema Integrado de
Gerenciamento de Recursos Hídricos no âmbito do Estado de São Paulo. Seu
objetivo é garantir que a água possua qualidade e possa ser consumida, de
acordo com os padrões de qualidade determinados como aceitáveis por
seus usuários no Estado de São Paulo. Entre alguns princípios que atendem
a Política Estadual de Recursos Hídricos, estão inseridos o gerenciamento
descentralizado, participativo, integrado, e a adoção da bacia hidrográfica
como unidade físico-territorial de planejamento e gerenciamento (SÃO
PAULO, 1991).
Nesse contexto, o presente capítulo apresenta os principais aspectos
relacionados ao monitoramento dos recursos hídricos no Estado de São
Paulo, enquadramento dos corpos hídricos e os parâmetros de qualidade de
água utilizados para monitoramentos em bacias hidrográficas.

2 MONITORAMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS

A influência de fenômenos naturais e interferências humanas em


função do uso e ocupação do solo modificam a qualidade dos recursos
hídricos por meio da geração de efluentes domésticos, industriais ou da
introdução de compostos na água pelo uso inadequado de defensivos
agrícolas no solo (VON SPERLING, 1996). O acompanhamento sistemático
dos corpos d’águas por meio do monitoramento é imprescindível, pois
assegura informações sobre a qualidade e quantidade de água necessária
para verificar a adequação nos diversos usos (ZEH et al., 2015).
O monitoramento dos recursos hídricos fornece informações a
respeito das características físicas, químicas e biológicas da água por meio
90

de amostragens estatísticas, e compreende a coleta de dados e de amostras


de água em locais específicos (georreferenciados), que são efetuadas em
intervalos regulares de tempo, no qual possibilita fornecer subsídios que
possam ser usados na definição das condições presentes de qualidade da
água (ANA, 2017).
A rede de monitoramento é determinada de acordo com o tipo de
informação que se deseja extrair e pode variar desde a detecção de
desconformidade em relação aos padrões de qualidade do corpo d’água, até
a definição das tendências temporais da qualidade dos recursos hídricos
(CAPANEMA, 2015).
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) é o órgão
responsável por avaliar a qualidade das águas superficiais por meio de duas
redes de monitoramento: a de águas doces, que teve início em 1974, e a de
águas salinas e salobras, iniciada em 2010. O monitoramento da qualidade
das águas superficiais em corpos d'água doce é realizado por três redes de
amostragem manual e uma rede automática, conforme apresentado no
Quadro 1 (CETESB, 2016). Esse monitoramento é realizado de forma
integrada com a Agência Nacional de Águas (ANA).
A realização contínua de um monitoramento permite acompanhar,
analisar, mensurar e determinar a qualidade das águas, de modo a garantir
um padrão aceitável para seu uso, bem como determinar medidas de
controle e gerenciamento dos recursos disponíveis; sendo assim, esse
aspecto se torna importante devido à intensidade dos usos da bacia
hidrográfica (SOUZA; GASTALDINI; ARAÚJO, 2015).
Para que se tenha um efetivo gerenciamento dos recursos hídricos é
necessária uma constante e simultânea avaliação da quantidade e qualidade
das águas, com o intuito de apresentar o real estado dos recursos hídricos,
seu potencial e os possíveis problemas agravados devido à contaminação e
poluição das águas (TUNDISI; MATSURA-TUNDISI, 2011).
A CETESB definiu 60 variáveis de qualidade da água (físicas, químicas,
hidrobiológicas, microbiológicas e ecotoxicológicas) consideradas mais
representativas (Quadro 2), em que cerca de 70% dessas variáveis são
determinadas na rede básica de monitoramento (CETESB, 2016).
A rede de monitoramento tem como objetivos: subsidiar a realização
do diagnóstico da qualidade das águas superficiais do Estado; avaliar a
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 91

evolução temporal da qualidade das águas superficiais; identificar áreas


prioritárias para o controle da poluição das águas; auxiliar no diagnóstico e
controle da qualidade das águas doces usadas para o abastecimento
público; dar subsídio para a execução dos Planos de Bacia e Relatórios de
Situação dos Recursos Hídricos e ajudar na implementação da Lei
11.445/2007 relativa à Política Nacional de Saneamento Básico (CETESB,
2016).

Quadro 1 – Informações sobre as redes de monitoramento integradas CETESB/ANA de água


doce no Estado de São Paulo
Frequência
Tipo de Início da N° de Variáveis
Objetivo da
monitoramento Operação pontos avaliadas
avaliação
Fornecer um
diagnóstico
geral dos Físicas,
Rede básica recursos 1974 425 Bimestral químicas e
hídricos no biológicas
Estado de São
Paulo
Complementar
Físicas,
Rede de o diagnóstico
2002 32 Anual químicas e
sedimento da coluna
biológicas
d´água
Informar as
condições da
Balneabilidade água para
Semanal/
de rios e recreação de 1994 30 Biológicas
Mensal
reservatórios contato
primário/banho
à população
Controlar
fontes
poluidoras
domésticas e
industriais, bem
Monitoramento Físicas e
como controle 1998 14 Horária
automático químicas
da qualidade da
água destinada
ao
abastecimento
público
Fonte: CETESB (2016).
92

Quadro 2 – Variáveis de qualidade da água da rede básica de monitoramento integrado da


CETESB/ANA de água doce no Estado de São Paulo
Tipo de
parâmetro Principais variáveis* Variáveis adicionais**
monitorado
Condutividade elétrica, sólidos
dissolvidos totais, sólido total, Cor verdadeira, nível da água,
Físicos
temperatura da água, salinidade, transparência, vazão
temperatura do ar e turbidez
Alumínio dissolvido, alumínio Alcalinidade total, arsênio total,
total, bário total, cádmio total, bifenilas policloradas, boro total,
carbono orgânico total, chumbo carbono orgânico dissolvido,
total, cloreto total, cromo total, compostos orgânicos voláteis,
demanda bioquímica de oxigênio compostos orgânicos
(DBO 5,20), ferro dissolvido, ferro semivoláteis, demanda química
total, fósforo total, manganês de oxigênio, dureza, fenóis totais,
Químicos total, mercúrio total, níquel total, fluoreto total, herbicidas b,
nitrogênio amoniacal, nitrogênio hidrocarbonetos policíclicos
Kjeldahl, nitrogênio-nitrato, aromáticos, microcistinas, óleos
nitrogênio-nitrito, oxigênio e graxas, pesticidas
dissolvido, pH, potássio, sódio, organocloradas, pesticidas
substâncias tenso ativas reagidas organofosforadas, potencial de
com azul de metileno e zinco formação de trialometanos,
total saxitoxina
Comunidades fitoplanctônica e
Hidrobiológicos Clorofila-a e feofitina a
zooplanctônica
Microbiológicos Escherichia coli Giardia e Cryptosporidium
Ensaio de toxicidade aguda com a
Ensaio de toxicidade crônica com bactéria luminescente – Vibrio
Ecotoxicológicos o microcrustáceo Ceriodaphnia fischeri (Sistema Microtox®),
dubia Ensaio de Mutação Reversa
(Teste de Ames)
Bioanalíticos Atividade Estrogênica por BLYES
* Principais variáveis – monitoradas em mais de 70% dos pontos da rede.
** Variáveis adicionais – monitoradas em menos de 70% dos pontos da rede.
Fonte: CETESB (2016).

O monitoramento dos recursos hídricos visa a realizar a mensuração


ou avaliação de parâmetros de qualidade e quantidade de água, podendo
ser contínua ou periódica, sendo empregado com a finalidade de conduzir o
progresso das condições da qualidade e quantidade da água ao longo do
tempo (CAPANEMA, 2015). Além disso, o monitoramento permite identificar
locais com menores índices de contaminação, e, consequentemente,
fornecer indicações adequadas sobre o que pode ser conservado e qual o
valor dessa conservação (TUNDISI, 2009).
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 93

3 QUALIDADE DOS RECURSOS HÍDRICOS

Avaliar e mensurar de forma precisa e eficiente a qualidade da água é


essencial para definir os usos múltiplos dos recursos hídricos e o
desenvolvimento sustentável em bacias hidrográficas, pois a intensa
interação dos seres humanos com o meio natural altera constantemente o
meio ambiente e provoca impactos nos mananciais.

O termo qualidade da água não se restringe a determinação de certo


grau de pureza da água, mas de suas características desejáveis para
diferentes usos. Inclui as características físicas, químicas e biológicas
da água, que podem ser alteradas por poluentes de diversas origens.
As alterações no sistema hídrico geram prejuízos econômicos para a
região, redução da captura de peixes, aumento nos custos com a
saúde da população e dos custos para obtenção e tratamento da
água (SILVA, 2015, p. 265-266).

Segundo Martins et al. (2017), deve-se conhecer a qualidade das


águas em todos os corpos hídricos, pois essas informações são capazes de
ajudar a estabelecer mecanismos estratégicos que proporcionem a
conservação, a recuperação e o uso racional dos recursos hídricos,
diminuindo os conflitos e orientando as atividades econômicas.
Para o desenvolvimento das atividades econômicas, industriais,
agropecuárias e o abastecimento humano, a água doce é um componente
fundamental e apresenta características de qualidades bem variadas
(REBOUÇAS; BRAGA; TUNDISI, 2006). A qualidade da água é definida por
suas características físicas, químicas e biológicas e também pela forma como
é utilizada.
A água para consumo humano pode ser obtida por meio de
mananciais superficiais ou subterrâneos. Para o consumo, a água está
sujeita a várias restrições específicas de qualidade, que são estabelecidas
pelos padrões de potabilidade desse recurso (REBOUÇAS; BRAGA; TUNDISI,
2006).
Portanto, avaliar a qualidade da água e os fatores que interferem na
sua deterioração é necessário para se obter uma gestão e planejamento
adequados de uma determinada região.
94

4 ENQUADRAMENTO DOS CORPOS HÍDRICOS

A qualidade da água pode ser avaliada por meio de parâmetros


físicos como temperatura, turbidez e sólidos totais; parâmetros químicos
como o potencial hidrogeniônico (pH), nitrogênio, fósforo, oxigênio
dissolvido e demanda bioquímica de oxigênio; e pelos parâmetros
microbiológicos como as bactérias do grupo coliformes. Os valores limítrofes
para cada parâmetro de qualidade de água variam de acordo com a classe
dos corpos hídricos.
A Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA)
357, de 17 de março de 2005, estabelece uma classificação para os corpos
d´água e determina diretrizes ambientais para o seu enquadramento, assim
como os limites para cada parâmetro de qualidade de água superficial. Essa
legislação é complementada e alterada pela Resolução Conama 430, de 13
de maio de 2011, que define as condições e padrões de lançamento de
efluentes.
As águas doces são enquadradas em 5 classes segundo a qualidade
requerida para seus usos preponderantes: I – classe especial, II – classe 1, III
– classe 2, IV – classe 3, e V – classe 4 (CONAMA, 2005). Para as águas doces
da classe especial, as condições naturais dos corpos hídricos devem ser
mantidas, enquanto para as demais classes a Resolução Conama 357/2005
estabelece limites máximos para os parâmetros físico, químico e
microbiológico da água. No Quadro 3 são apresentadas as classes de
qualidade de água doce e seus respectivos usos relevantes ainda de acordo
com a mesma Resolução.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 95

Quadro 3 – Classes de qualidade de águas doces e seus respectivos usos preponderantes


Classificação Usos preponderantes
a) abastecimento humano com desinfecção;
Classe b) preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas; e,
especial c) preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de
proteção integral.
a) abastecimento para consumo humano, após tratamento simplificado;
b) proteção das comunidades aquáticas;
c) recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e
mergulho;
Classe 1
d) irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se
desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de
película; e,
e) proteção das comunidades aquáticas em terras indígenas.
a) abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional;
b) proteção das comunidades aquáticas;
c) recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e
Classe 2 mergulho;
d) irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de
esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto; e
e) aquicultura e atividade de pesca.
a) abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional ou
avançado;
b) irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras;
Classe 3
c) pesca amadora;
d) recreação de contato secundário; e
e) dessedentação de animais.
a) navegação; e
Classe 4
b) harmonia paisagística.
Fonte: Resolução Conama 357 (2005).

5 PARÂMETROS DE QUALIDADE DE ÁGUAS SUPERFICIAIS

5.1 SÓLIDOS TOTAIS

O sólido é definido como um estado da matéria distinguido pela


rigidez, por uma forma própria e pela existência de um equilíbrio com o
líquido proveniente da sua fusão. Assim, toda substância que possua essas
características e que estejam presentes nas águas naturais e residuárias
mesmo após processos como a secagem e a calcinação podem ser
denominadas como sólidos (SABESP, 1999).
Os sólidos em suspensão são partículas passíveis de retenção por
processos de filtração, estão distribuídos em sedimentáveis e não
sedimentáveis. Sólidos dissolvidos são constituídos por partículas de
96

-
diâmetro inferior a 10 ³ μm que se mantém em solução após a filtração,
sendo distribuídos de forma voláteis ou fixos (BRASIL, 2006; BRASIL, 2014).
O aporte de sólidos nos ambientes aquáticos pode ocorrer de forma
natural, por meio dos processos erosivos, organismos e detritos orgânicos,
ou de forma antropogênica, por meio de lançamento de resíduos sólidos e
esgotos nos corpos hídricos.
As informações obtidas por meio dos sólidos totais auxiliam no
acompanhamento da eficiência dos sistemas de tratamento para águas
naturais e residuais. No caso da água potável, a ocorrência dos sólidos
implica na sua qualidade, pois uma quantidade excessiva de qualquer tipo
de sólido (totais, em suspensão e dissolvidos), influencia negativamente na
cor, turbidez e nos parâmetros microbiológicos. Os sólidos também
intervêm na entrada de luz fazendo com que ocorra a diminuição da
fotossíntese no corpo hídrico (CETESB, 2016).
Os sólidos presentes nos recursos hídricos também podem causar
prejuízos à biota aquática, pois, dependendo da sua concentração, quando
sedimentam no leito dos rios comprometem a desova de peixes. Além disso,
bactérias e resíduos orgânicos podem ficar retidos nos sólidos no fundo dos
rios promovendo a decomposição anaeróbia. Elevados teores de sais
minerais, principalmente sulfatos e cloretos, estão associados à tendência
de corrosão em sistemas de distribuição de água, além de conferir sabor às
águas (BRAGA et al., 2005; CETESB, 2016).
De acordo com a Resolução Conama 357/2005, o limite para sólidos
-1
dissolvidos totais é de 500 mg.L para corpos d´água de classes 1, 2 e 3. Para
a classe 4 não há limite estabelecido na legislação.

5.2 TEMPERATURA DA ÁGUA

A temperatura da água dos corpos hídricos pode ser de origem


natural por meio da transferência de calor por intermédio da radiação,
condução e convecção (atmosfera e solo) ou de origem antropogênica por
meio de águas de torres de resfriamento e despejos industriais. Esse
parâmetro pode influenciar nas propriedades da água, como, por exemplo,
na densidade, viscosidade, oxigênio dissolvido e interferindo na vida
aquática.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 97

A temperatura da água permite caracterizar os corpos d’água, pois


modifica a taxa de reações químicas e biológicas, a taxa de transferência de
gases, altera a solubilidade de gases, varia a massa específica
(estratificação), influencia na velocidade das reações químicas e nas
atividades metabólicas e indica a intensidade de calor, sendo que sua
unidade de medida é dada em graus Celsius (°C) (VON SPERLING, 1996;
BRASIL, 2014).
A latitude, a altitude, as estações do ano, o período do dia, vazão e a
profundidade também alteram a temperatura da água (BRAGA et al., 2005;
BRASIL, 2014; CETESB, 2016). Quando ocorre a elevação da temperatura da
água, tem-se como consequência o aumento das taxas de reações químicas
e biológicas, com a transferência de gases e a diminuição da sua
solubilidade. Assim, o aumento da temperatura pode ocasionar a impactos
negativos nos ecossistemas naturais.
A temperatura exerce uma função essencial no meio aquático,
condicionando os efeitos de uma série de variáveis físico-químicas.
Geralmente, conforme a temperatura da água aumenta, de 0 a 30 °C, a
viscosidade, a tensão superficial, a compressibilidade, o calor específico, a
constante de ionização e o calor latente de vaporização diminuem,
enquanto a condutividade térmica e a pressão de vapor aumentam (CETESB,
2016).
Os organismos aquáticos exibem limites de tolerância térmica
superior e inferior, temperaturas ótimas para crescimento, temperatura
preferida em gradientes térmicos e limitações de temperatura para
migração, desova e incubação do ovo (CETESB, 2016). A Resolução Conama
357/2005 não determina um limite de temperatura para corpos d´água.

5.3 TURBIDEZ

O parâmetro de turbidez é definido como o grau de atenuação de


intensidade que um feixe de luz sofre ao atravessar a água. Alterações na
turbidez da água são associadas à presença de sólidos em suspensão, tais
como partículas inorgânicas de areia, silte, argila e detritos orgânicos, como
algas e bactérias (BRASIL, 2006; PORTO, 2012; CETESB, 2016). Esses sólidos
98

em suspensão podem desequilibrar o ecossistema aquático, pois servem


para abrigo de microrganismos patógenos.
Existem vários fatores que podem alterar a turbidez na água, como o
lançamento de esgoto doméstico ou industrial, atividades de mineração,
solo exposto que pode ser mobilizado e transportado rumo ao corpo d'água,
erosão das margens dos rios em estações chuvosas, que é intensificada pelo
uso e ocupação inadequado do solo (VON SPERLING, 2005; CETESB, 2016).
Elevados valores de turbidez diminuem a fotossíntese da vegetação
enraizada submersa e das algas, devido à redução da penetração da luz
solar, prejudicando a oxigenação do meio, isso pode afetar o
desenvolvimento das plantas ocasionando a baixa produtividade de peixes,
ou seja, a turbidez pode influenciar nas comunidades biológicas aquáticas
(IGAM, 2008).
De acordo com a Resolução Conama 357/2005, o limite aceitável de
turbidez é de 40 UNT para cursos d´água de classe 1 e 100 UNT para classe 2
e 3. Para classe 4, não há limite determinado para esse parâmetro.

5.4 DEMANDA BIOQUÍMICA DE OXIGÊNIO

A demanda bioquímica de oxigênio (DBO) da água é definida como a


quantidade de oxigênio essencial para oxidar a matéria orgânica por
decomposição microbiana aeróbia para uma forma inorgânica estável (VON
SPERLING, 2005). A DBO é um parâmetro de qualidade de água importante e
muito utilizado para mensurar a eficiência de estações de tratamento de
esgoto sanitário e efluentes industriais, representando a quantidade de
oxigênio consumida em um período de tempo de 5 dias a uma temperatura
de incubação de 20 °C.
Os lançamentos de despejos de origem predominantemente orgânica
ocasionam o aumento da DBO num corpo hídrico, pois a presença de um
alto teor de matéria orgânica pode induzir ao completo esgotamento do
oxigênio na água, provocando o desaparecimento de formas de vida
aquática, ou seja, interfere no equilíbrio dos ecossistemas aquáticos, além
de propiciar sabores e odores desagradáveis e causar prejuízos aos filtros de
areia utilizados nas estações de tratamento de água (CETESB, 2016). A
concentração de DBO nos ambientes aquáticos de água doce varia de
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 99

acordo com a classe de uso definida na Resolução Conama 357/2005


(Quadro 4).

Quadro 4 – Concentração da demanda bioquímica de oxigênio permitida para águas


doces, de acordo com as classes de usos estabelecidas na
Resolução Conama 357/2005
Classificação Concentração da demanda bioquímica de oxigênio (DBO)
Classe especial As condições naturais dos corpos hídricos devem ser mantidas
Classe 1 Até 3,0 mg.L-1
Classe 2 Até 5,0 mg.L-1
Classe 3 Até 10,0 mg.L-1
Classe 4 Valor não determinado na resolução
Fonte: Resolução Conama 357 (2005).

5.5 FÓSFORO TOTAL

O fósforo é um nutriente fundamental para os processos biológicos


em ecossistemas aquáticos. Esse nutriente atua no crescimento e
desenvolvimento do fitoplâncton e das macrófitas aquáticas, no entanto,
em elevadas concentrações na água propicia o crescimento exacerbado dos
organismos fotossintetizantes provocando a eutrofização dos corpos d´água.

O fósforo pode se apresentar nas águas sob três formas diferentes.


Os fosfatos orgânicos são a forma em que o fósforo compõe
moléculas orgânicas, como a de um detergente, por exemplo. Os
ortofosfatos são representados pelos radicais, que se combinam com
cátions formando sais inorgânicos nas águas e os polifosfatos, ou
fosfatos condensados, polímeros de ortofosfatos. Esta terceira forma
não é muito importante nos estudos de controle de qualidade das
águas, porque sofre hidrólise, convertendo-se rapidamente em
ortofosfatos nas águas naturais. (CETESB, 2017, p. 18).

Naturalmente, o fósforo é inserido em pequenas quantidades nos


corpos hídricos por meio da decomposição de vegetais e plantas. Porém, as
principais fontes de fósforo nos ambientes aquáticos são os esgotos
domésticos que contêm detergentes à base de fosfato, a matéria orgânica
de origem fecal, os efluentes industriais e a água proveniente da drenagem
de áreas urbanas e agrícolas.
100

Outra fonte significativa vem da prática de aquicultura. Os sistemas


de cultivo de peixes podem causar a inserção de fósforo no meio aquático
por meio das rações e, consequentemente, da excreção dos animais (WOLFF
BUENO et al., 2008). A concentração de fósforo total nos ambientes
aquáticos de água doce varia de acordo com a classe de uso estabelecido na
Resolução Conama 357/2005 (Quadro 5).

Quadro 5 – Concentração de fósforo total permitida para águas doces, de acordo com as
classes de usos estabelecidas na Resolução Conama 357/2005
Concentração de fósforo
Ambiente intermediário (tempo de
Classificação residência: 2 a 40 dias) e
Ambiente lêntico
tributários diretos de ambiente
lêntico
Classe especial As condições naturais dos corpos hídricos devem ser mantidas
Classe 1 0,020 mg.L-1 0,025 mg. L-1
Classe 2 0,030 mg.L-1 0,050 mg.L-1
-1
Classe 3 0,050 mg.L 0,075 mg.L-1
Classe 4 Valor não determinado na resolução
Fonte: Resolução Conama 357 (2005).

5.6 NITROGÊNIO TOTAL

O nitrogênio é um elemento importante nos ambientes aquáticos,


pois participa da composição das proteínas, da clorofila, dos ácidos
nucleicos, enzimas, hormônios e outros compostos biológicos essenciais
para os seres vivos. As fontes desse nutriente nos corpos hídricos são
variadas, podendo ser provenientes da decomposição de matéria orgânica,
esgoto doméstico ou industrial, detergentes, excretas de animais,
fertilizantes, defensivos agrícolas e intemperismo do solo.
Nos corpos hídricos, o nitrogênio pode estar nas formas: molecular
- -
(N2), amônia (NH3), nitrito (NO2 ) e nitrato (NO3 ). Elevadas concentrações de
amônia nos ambientes aquáticos são prejudiciais aos peixes, por ser uma
forma tóxica para esses seres vivos. No caso de águas utilizadas para
consumo humano, deve-se ter cuidado com a presença de nitrato que é
responsável por causar a meta-hemoglobina.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 101

A maior quantidade de nitrogênio dissolvido na água está na sua


forma orgânica devido à importância do processo biológico para que o
nitrogênio se origine nos rios. Em águas poluídas, a forma e a concentração
de nitrogênio variam. Em rios com pouca oxigenação, resultante de excesso
de matéria orgânica, a amônia pode alcançar até 80% do nitrogênio
inorgânico dissolvido (DELLAGIUSTÍNA, 2000).
O nitrogênio é essencial para que haja o crescimento de algas.
Quando em excesso, pode acarretar um desenvolvimento expressivo desses
organismos, e esse fenômeno é conhecido como eutrofização (CETESB,
2016). O nitrogênio nos processos bioquímicos de conversão da amônia a
nitrito e desse a nitrato, implica no consumo de oxigênio dissolvido do meio
e esse processo pode afetar a vida aquática (VON SPERLING, 2005).
A concentração de nitrogênio amoniacal total nos ambientes
aquáticos de água doce varia de acordo com a classe de uso estabelecida na
Resolução Conama 357/2005. De acordo com essa resolução, o limite
aceitável de nitrogênio amoniacal total para cursos d´água de classe 1 e 2 é
-1
de 3,7 mg.L em água com pH menor ou igual a 7,5, conforme o valor de pH
aumenta há maior restrição para a concentração de nitrogênio amoniacal
total. Para cursos d´água de classe 3, em pH menor ou igual a 7,5 é aceitável
-1
concentrações de até 13,3 mg.L . No caso de água doces classificadas como
4, não há um valor estabelecido para esse parâmetro.

5.7 OXIGÊNIO DISSOLVIDO

A concentração de oxigênio dissolvido (OD) nos corpos hídricos é


essencial para garantir a presença de vida e equilíbrio dos ecossistemas
aquáticos. A concentração desse parâmetro de qualidade de água pode ser
-1
expressa em miligramas por litro (mg L ) ou porcentagem de saturação. O
aporte de oxigênio dissolvido na água ocorre por meio do processo de
fotossíntese realizado pelo fitoplâncton e por difusão desse gás a partir da
atmosfera devido à diferença de pressão.
Em águas limpas, a concentração de oxigênio dissolvido é geralmente
-1
mais elevada, com valores superiores a 5 mg L , exceto se houver condições
naturais que causem baixos valores deste parâmetro. As águas que recebem
esgotos domésticos ou industriais apresentam menores concentrações de
102

oxigênio dissolvido, devido ao consumo desse gás no processo de


decomposição da matéria orgânica pelos microrganismos (ANA, 2017).
Durante a estabilização da matéria orgânica, as bactérias utilizam o
oxigênio nos seus processos respiratórios, podendo ocasionar a redução do
oxigênio dissolvido no meio e se esse gás for totalmente consumido, ele
pode gerar condições anaeróbias e produzir maus odores no curso d’água
(VON SPERLING, 2005).
As águas ricas em nutrientes (eutrofizadas) têm a capacidade de
-1
apresentar concentrações de oxigênio superiores a 10 mg L , isso acontece
especialmente em lagos e represas onde o excessivo crescimento das algas
faz com que durante o dia, devido a fotossíntese, os valores de oxigênio
fiquem mais elevados, porém, durante a noite não ocorre a fotossíntese, e a
respiração dos organismos faz com que as concentrações de oxigênio
diminuam bastante, podendo causar a mortandade de peixes (ANA, 2017).
O oxigênio dissolvido é um parâmetro de importante na
composição dos Índices de Qualidade de Águas (IQAs) no Estado de São
Paulo, sendo que a sua concentração tem a maior ponderação na
determinação do IQA (CETESB, 2016). A concentração de OD permitida para
os corpos hídricos de água doce depende da classe de uso estabelecida na
Resolução Conama 357/2005 (Quadro 6).

Quadro 6 – Concentração de oxigênio dissolvido permitida para águas doces, de acordo com as
classes de usos estabelecidas na Resolução Conama 357/2005
Classificação Concentração oxigênio dissolvido (OD)
Classe especial As condições naturais dos corpos hídricos devem ser mantidas
Classe 1 Não inferior a 6 mg L-1
Classe 2 Não inferior a 5 mg L-1
Classe 3 Não inferior a 4 mg L-1
Classe 4 Superior a 2 mg L-1
Fonte: Resolução Conama 357 (2005).

5.8 POTENCIAL HIDROGENIÔNICO

O potencial hidrogeniônico refere-se à concentração de íons de


+
hidrogênio H no meio líquido e varia de 0 a 14. O pH igual a 7,0 indica
neutralidade do meio, valores acima de 7,0 refletem condições alcalinas da
água e valores abaixo de 7,0 correspondem a meios ácidos. As atividades
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 103

antrópicas, principalmente lançamento de efluentes domésticos e


industriais, interferem nos valores de pH dos corpos d´água.
Esse parâmetro de qualidade de água tem influência no equilíbrio
químico que ocorre nas etapas de tratamento de água e no controle da
operação de estação de tratamento de esgotos. O pH é um parâmetro muito
significativo nos estudos no campo do saneamento ambiental (CETESB,
2016).
O pH influencia nos ecossistemas aquáticos naturais devido aos seus
efeitos na fisiologia de várias espécies (ESTEVES, 1998). Além disso, também
tem o efeito indireto onde determinadas condições de pH, contribuírem
para a precipitação de elementos químicos tóxicos como metais pesados;
outras condições podem exercer efeitos sobre as solubilidades de nutrientes
(CETESB, 2016). Independente da classe de uso do manancial de água doce,
o valor de pH deve estar entre 6,0 e 9,0 (CONAMA, 2005).

5.9 COLIFORMES TERMOTOLERANTES

Os coliformes termotolerantes são definidos como bactérias gram-


negativas, em forma de bacilos, oxidase-negativas, distinguidas pela
atividade da enzima β-galactosidase. Essas bactérias podem crescer em
ambiente contendo agentes tensoativos e fermentar a lactose nas
temperaturas de 44 a 45 °C, com produção de ácido, gás e aldeído
(CONAMA, 2005).
Esse grupo de bactérias é encontrado naturalmente no intestino dos
seres humanos e animais, e são indicadores de poluição por esgoto
doméstico sendo a Escherichia coli (E. coli) uma das bactérias eliminadas em
grande quantidade nas fezes de seres humanos e de animais
homeotérmicos, e que nos indica uma poluição exclusivamente fecal
(CETESB, 2008; SILVA; ARAÚJO, 2017). A E. coli também pode ocorrer em
solos, plantas ou outras matrizes ambientais que não tenham sido
contaminados por material fecal.
De acordo com a densidade dos microrganismos indicadores, pode-se
pressupor uma relação dos microrganismos patógenos transmitidos pelo
uso ou ingestão da água e analisar o grau de poluição do corpo hídrico.
Várias doenças estão correlacionadas com a veiculação hídrica, tais como:
104

amebíase, giardíase, gastroenterite, febres tifoide e paratifoide, hepatite


infecciosa, disenteria bacilar e a cólera (WHO, 1996), além dessas doenças, a
água está ligada à propagação de verminoses como: esquistossomose,
ascaridíase, teníase, oxiuríase e ancilostomíase (WHO, 1996).
Para Libânio, Chernicharo e Nascimento et al. (2005), a maioria das
doenças de veiculação hídrica são ocasionadas em decorrência da ingestão
de microrganismos patogênicos, sendo esses especialmente de origem
entérica, tanto de animais quanto de humanos.
Assim como os demais parâmetros de qualidade de água, os valores
permitidos para coliformes termotolerantes em corpos hídricos de água
doce varia de acordo com a classe de uso estabelecida na Resolução
Conama 357/2005. Segundo essa resolução, o parâmetro de coliformes
termotolerantes pode ser substituído pela concentração da bactéria E. coli
segundo os limites estabelecidos pelo órgão ambiental competente.
O limite permitido para coliformes termotolerantes em águas doces
conforme a classe de uso é apresentado no Quadro 7. Ressalta-se que o
limite previsto para esse parâmetro biológico não poderá ser excedido em
pelo menos seis amostras coletadas durante o período de um ano, com
frequência bimestral (CONAMA, 2005).

Quadro 7 – Limite permitido de coliformes termotolerantes para águas doces para cada 100 mL
de amostra, de acordo com as classes de usos estabelecidas na Resolução Conama 357/2005
Classificação Limite permitido para coliformes termotolerantes por 100 mL de água
Classe especial As condições naturais dos corpos hídricos devem ser mantidas
Classe 1 200 coliformes
Classe 2 1000 coliformes
Classe 3 25000 coliformes
Classe 4 Não há limite estabelecido para essa classe
Fonte: Resolução Conama 357 (2005).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O monitoramento da qualidade da água em bacias hidrográficas é


essencial para ações de planejamento do uso e ocupação do solo, assim
como para tomada de decisões em relação aos usos múltiplos das águas
superficiais. Além disso, alterações na qualidade da água podem
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 105

comprometer a biota aquática, a saúde humana e a disponibilidade desse


recurso natural com qualidade adequada para as futuras gerações.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – projeto
CAPES/ANA AUXPE N° 2717/2015, Programa de Mestrado Profissional em
Rede Nacional em Gestão e Regulação dos Recursos Hídricos – ProfÁgua.

REFERÊNCIAS

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Brasil. Brasília, DF, 2005. 179 p.
AGÊNCIA NACIONAL DAS ÁGUAS – ANA. Rede nacional: redes de monitoramento. [S. l.], 2017.
Disponível em: <http://portalpnqa.ana.gov.br/rede-nacional-rede-monitoramento.aspx>.
Acesso em: 3 jan. 2018.
BARRETO, L. V. et al. Relação entre vazão e qualidade da água em uma seção de rio. Revista
Ambiente & Água – An Interdisciplinary Journal of Applied Science, Taubaté, v. 9, n. 1, p.
118-129, 2014.
BRAGA, B. et al. Introdução a engenharia ambiental: o desafio do desenvolvimento sustentável.
2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005. 336 p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Manual de controle da qualidade da
água para técnicos que trabalham em ETAS. Brasília, DF: FUNASA, 2014. 112 p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância e controle da
qualidade da água para consumo humano. Brasília, DF, 2006. 212 p. (Série B, Textos
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BRASIL. Portaria 2.914, de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de
controle e de vigilância da qualidade da água para o consumo humano e seu padrão de
potabilidade. Brasília, DF, 2011. Disponível em:
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BRASIL. Lei 9433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria
o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do
art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990,
que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Brasília: DOU, 2005. Disponível
em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=370>. Acesso em: 10
maio 2018.
CAPANEMA, G. A. Diagnóstico da qualidade da água da micro-bacia do córrego da Aldeia em
Fernandópolis-SP. 2015.100 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Faculdade de
Engenharia do Câmpus de Ilha Solteira – UNESP, Ilha Solteira, 2015.
COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – CETESB. Relatório qualidade das águas
superficiais no estado de São Paulo: parte 1: águas doces 2015. São Paulo, 2016.
106

COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – CETESB. Relatório Técnico:


Monitoramento de Escherichia coli e coliformes termotolerantes em pontos da rede de
avaliação da qualidade de águas interiores do Estado de São Paulo. São Paulo, 2008. 22 p.
CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE – CONAMA. Resolução do Conselho Nacional de
Meio Ambiente CONAMA 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos
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108
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 109

Capítulo 6

ANÁLISE DE PARÂMETRO DE QUALIDADE DAS ÁGUAS NA UGRHI 20,


BACIA DO RIO AGUAPEÍ – OESTE DE SÃO PAULO
24
Amanda Rodrigues Correa
25
Paulo Cesar Rocha

1 INTRODUÇÃO

A água é um elemento fundamental para a vida, responsável por


manter o equilíbrio do meio ambiente e indispensável para as atividades
humanas (SETTI et al., 2001). Entretanto, as diferentes intervenções
antrópicas no meio ambiente acabam por prejudicar o equilíbrio da
natureza, comprometendo a disponibilidade deste recurso para as futuras
gerações (SANTOS; LEAL, 2014). A importância do manejo sustentável da
água para o bem-estar das populações e para o desenvolvimento é o
fomentador que subsidia as ações voltadas à gestão dos recursos hídricos
(LOPES; TEIXEIRA, 2012).
A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997) (BRASIL,
1997) estabelece as bases legais para a gestão dos recursos hídricos no
Brasil, determina como diretriz de ações a gestão integrada e como unidade
territorial de planejamento a bacia hidrográfica, estabelecendo como
instrumentos de gestão: o enquadramento dos corpos d’água em classes
segundo os usos preponderantes, a cobrança pelo uso da água, a outorga do
direito de uso, o sistema de informações sobre recursos hídricos e a
compensação aos municípios (PORTO; PORTO, 2008).
Como previsto na Lei 9.433/1997, o enquadramento dos corpos
d’água tem por objetivo certificar às águas qualidade conciliável com os usos
mais exigentes a que foram destinadas e diminuir os custos de combate à
poluição das águas através de ações preventivas permanentes.

24
Mestranda do PPGG-Mestrado Profissional, FCT/UNESP; PEA. E-mail:
amanda.rodrigues.c.bio@gmail.com
25
Professor assistente, doutor, PPGG-Mestrado Profissional – FCT/UNESP. PQ CNPq E-mail:
pcrochag@gmail.com
110

De acordo com Leal (2000), o instrumento de enquadramento deve


resultar de um processo de planejamento da bacia hidrográfica que torne
compatível a oferta com as demandas dos recursos hídricos e ambientais,
sendo assim, as classes dos corpos d’água e qualidade das águas estão
diretamente ligadas aos usos da água e do solo na bacia hidrográfica, em
que para ser atingida a classe pretendida será necessário um conjunto de
ações voltadas para a gestão dos recursos hídricos e ambientais; sendo o
instrumento de enquadramento então um referencial de qualidade a ser
alcançado a curto, médio e longo prazo.
A Resolução Conama 357/2005 (CONAMA, 2005) instituiu
parâmetros e variáveis a serem adotados nos processos de análise da
qualidade e enquadramento dos corpos d’água em todo o território
brasileiro, e desde a sua implantação esta resolução vem sendo tomada
como referência para diversas pesquisas acadêmicas (CUNHA et al., 2013).
O monitoramento da qualidade da água é uma ação de extrema
importância não somente para fins de abastecimento público, mas também
para subsidiar as ações voltadas à conservação da natureza. Nesse sentido
não há um padrão ou um único indicador de qualidade de água que seja
aplicável a qualquer sistema hídrico. No entanto, a combinação de
parâmetros em índices vem sendo uma ferramenta amplamente utilizada
nos estudos de qualidade de água (TOLEDO; NICOLELLA, 2002). Na avaliação
da qualidade das águas é considerada uma amostra, em que seus
componentes avaliados são classificados em parâmetros físicos, químicos ou
microbiológicos (BELONDI, 2003).
A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB),
utiliza desde 1975 o Índice de Qualidade das Águas (IQA) como ferramenta
de gerenciamento ambiental, e em 2002 incorporou às suas análises índices
mais específicos que refletem a qualidade da água destinada a seus
múltiplos usos como o Índice de Qualidade de Águas Brutas para
Abastecimento Público (IAP), Índice de Preservação de Vida Aquática (IVA), e
Índice de Balneabilidade (IB) (CETESB, 2011).
As mudanças nas características físicas e químicas da água são
influenciadas por vários fatores como geologia, declividade, clima, cobertura
vegetal, tipos de solos, assim como pelo tipo de uso e cobertura da terra na
bacia hidrográfica, as interações desses atributos condicionam a quantidade
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 111

de sedimentos e os gradientes dos compostos químicos que são carreados


nos corpos d’água conferindo as características de sua qualidade
(GONÇALVES, 2011).
O objetivo do presente capítulo é apresentar uma análise dos
parâmetros de qualidade das águas em pontos de monitoramento na UGHRI
– 20, salientando as desconformidades encontradas em relação aos padrões
e às variáveis de qualidade das águas estabelecidas pela Resolução Conama
357/2005. A análise abrangeu os anos de 2003, 2007, 2011 e 2015 com a
finalidade de identificar as mudanças ocorridas na qualidade das águas,
relacionando com os aspectos legais, naturais e de uso da terra da bacia
hidrográfica.

2 APLICAÇÃO DO CASO

Para este estudo foram utilizados os dados de qualidade das águas


obtidos nos relatórios anuais de qualidade das águas superficiais publicado
pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São
Paulo (CETESB), órgão responsável pelo monitoramento da qualidade das
águas no Estado de São Paulo. Na rede básica de monitoramento são
utilizadas cerca de 60 variáveis para caracterização da qualidade da água,
sendo classificadas com os parâmetros físicos, químicos, hidrobiológicos,
microbiológicos e ecotoxicológicos, considerados representativos, porém
para este estudo foram analisados somente os parâmetros físico-químicos.
Para auxiliar na visualização e interpretação dos resultados foram
elaboradas tabelas com os dados selecionados referentes aos anos
analisados. Os dados extraídos se referem a todas as amostragens feitas
durante os anos estudados, no ano de 2003 as amostragens tiveram uma
periodicidade semestral, totalizando duas por ano, para os anos de 2007,
2011 e 2015 as amostragens tiveram periodicidade bimestral, onde
totalizaram seis amostragens durante os anos estudados.
112

Área de estudo

A Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI-20) está


localizada no oeste do Estado de São Paulo, abrangendo a bacia hidrográfica
do rio Aguapeí, esta, juntamente com a bacia hidrográfica do rio do Peixe,
integram o comitê de Bacias Hidrográficas dos Rios Aguapeí e Peixe. De
acordo com a Divisão Hidrográfica Estadual em vigência, existem 32
municípios com sede no território da UGRHI-20, possuindo uma área
territorial de 9.562,5 km² e uma área de drenagem de 13.196 km², tendo
como principais rios e reservatórios compondo sua rede hidrográfica o rio
Aguapeí, rio Tibiriçá, rio Iacri, córrego Afonso XIII e ribeirão das Marrecas
(CBH-AP, 2013). A UGRHI-20 limita-se ao norte com a bacia do rio Tietê, a
oeste com o rio Paraná, a leste com a serra dos Agudos e ao sul encontra-se
com a bacia do rio do Peixe (CBH-AP, 2008).
De acordo com o Relatório da Situação das Bacias Hidrográficas do
Aguapeí e Peixe (2014), na UGRHI-20 a cidade de Marília sedia o maior polo
industrial dentre as outras cidades inseridas na UGRHI, os setores de
serviços e comércio impulsionam a economia regional nas áreas urbanas;
nas áreas rurais se destacam nas atividades de agricultura e pecuária as
lavouras de café, cana-de-açúcar e milho, além das atividades de extração
mineral de areia em afluentes do rio Aguapeí e extração de argila em
municípios na margem do rio Paraná. A vegetação natural remanescente
ocupa aproximadamente 6,5% da área da UGRHI expressada pela floresta
estacional semidecidual e formação arbóreo-arbustiva em região de várzea.
Foram analisadas as variáveis de qualidade das águas de três pontos
de monitoramento localizados na UGRHI-20, sendo eles: CASC 02050,
enquadrado com classe 2 e localizado no reservatório Cascata, no alto curso
do rio Tibiriçá, onde cabe salientar que neste ponto há captação de água
para o abastecimento público da cidade de Marília/SP; o ponto de
monitoramento AGUA 02100 está localizado no médio curso do rio Aguapeí,
enquadrado também com classe 2, e o ponto AGUA 02800 localizado no
baixo curso do rio Aguapeí, enquadrado com classe 2, salientando também
que este ponto está inserido em uma Unidade de Conservação de Proteção
Integral. A Figura 1 apresenta a distribuição espacial dos pontos na UGRHI-
20.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 113

Figura 1 – Pontos de monitoramento da qualidade da água na UGRHI-20

Fonte: Cetesb (2013), acessado em março de 2018.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta etapa destacam-se apenas as variáveis de qualidade das águas


que não estão em conformidade com a Resolução Conama 357/2005. Para
isso, foram elaborados quadros demonstrativos considerando apenas as
inconformidades. A Tabela 1 representa os valores recomendados pela
Resolução para as variáveis que apresentaram inconformidades neste
estudo e a Tabela 2 representa os valores das variáveis em
desconformidade.

Tabela 1 – Valores de referência para as variáveis analisadas


Unidade Padrão Conama
Variáveis
357/2005
Alumínio dissolvido mg/L < 0,1
Fósforo total mg/L < 0,03
Fenóis totais mg/L < 0,003
Ferro dissolvido mg/L < 0,3
Mercúrio mg/L < 0,0002
Manganês mg/L < 0,1
Oxigênio dissolvido mg/L >5
DBO (5,20) mg/L <5
Turbidez UNT < 100
Fonte: Adaptado de Resolução Conama 357/2005, acessado em março de 2018 e organizado
pelos autores.
114

Tabela 2 – Pontos de monitoramento e suas respectivas variáveis em desconformidade

Fonte: CETESB (2003, 2007, 2011, 2015), acessado em março de 2018.


Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 115

Análise dos parâmetros

Alumínio dissolvido

No ponto CASC 02050 o alumínio dissolvido teve uma diminuição


progressiva nas concentrações, em que a partir de 2007 a variável não mais
apresentou desconformidade em relação ao período analisado, registrando
a maior concentração em maio de 2003, de 0,95 mg/L, e a menor
concentração, 0,19 mg/L, em fevereiro de 2007.
No ponto AGUA 02100 o alumínio dissolvido se manteve alterado em
quase todas as amostragens, variando de 0,11 mg/L em dezembro de 2011 a
4,23 mg/L em fevereiro de 2003.
No ponto AGUA 02800 o alumínio dissolvido registrou concentrações
desconformes entre 0,108 mg/L a 8,9 mg/L, sendo o maior valor registrado
em fevereiro de 2003 e o menor valor em agosto de 2015.
O aporte de alumínio na natureza ocorre naturalmente através da
ação do intemperismo de rochas e minerais; entretanto, pela ação antrópica
o alumínio pode ser introduzido no ambiente pela emissão de gases,
efluentes entre outras formas (TARPANI, 2012).

Fósforo total

No ponto CASC 02050, o fósforo total apresentou a maior


concentração, de 0,18 mg/L, em junho de 2007, e a menor concentração, de
0,031 mg/L, em dezembro de 2015.
No ponto AGUA 02100 o fósforo total se manteve alterado nas
amostragens de 2003 e 2007, porém para as amostragens de 2011 e 2015
não houve registro de desconformidade, sua variação esteve entre 0,046
mg/L em abril de 2003, e 0,15 mg/L em junho e dezembro de 2007.
No ponto AGUA 02800 o fósforo total teve uma variação
desconforme entre 0,044 mg/L a 0,179 mg/L, destacando que a partir de
2011 não apresentou mais valores desconformes; sendo o menor valor
registrado em fevereiro de 2005 e o maior valor em dezembro de 2005.
A presença de fósforo em águas naturais ocorre principalmente
devido às descargas de esgotos sanitários, sendo a matéria orgânica fecal e
116

os detergentes de uso doméstico as principais fontes, efluentes de


indústrias como de fertilizantes, pesticidas e químicas em geral, além dos
frigoríficos e laticínios e também as águas drenadas das áreas agrícolas e
urbanas acarretam o aumento do fósforo em águas naturais (CETESB, 2016).

Oxigênio dissolvido

No ponto CASC 02500 o oxigênio dissolvido apresentou eventual


desconformidade, ocorrendo apenas uma vez no período analisado, sendo o
valor de 3,2 mg/L em outubro de 2007.
No ponto AGUA 02100 o oxigênio dissolvido apresentou
desconformidade principalmente nos meses de dezembro e fevereiro dos
anos amostrados, registrando sua menor concentração, de ˂ 0,5 mg/L, em
abril de 2015 e sua maior concentração, de 4,9 mg/L, em dezembro de 2015.
No ponto AGUA 02800 o oxigênio dissolvido apresentou somente
uma eventual desconformidade registrada em fevereiro de 2011.
O oxigênio dissolvido na água é um dos gases mais importantes que
regem a dinâmica dos ecossistemas aquáticos sendo as principais fontes
desse gás na água provenientes da atmosfera e da fotossíntese (ESTEVES,
1998).
Silva e Hermes (2004 apud GONÇALVES, 2011) acrescentam ainda
que a disponibilidade do oxigênio dissolvido na água detém do balanço
entre a quantidade consumida pelos organismos aquáticos e a quantidade
produzida na água pelos organismos aquáticos e fotossintetizantes,
considerando tal variável como uma das principais utilizadas que
caracterizam a poluição das águas.

Fenóis totais

No ponto CASC 02050 a variação na concentração dos fenóis totais


oscilou entre 0,004 a 0,007 mg/L, sendo a menor registrada em agosto de
2011 e a maior em fevereiro de 2011.
A presença de fenóis e derivados na água está associada a descarga
de efluentes industriais como as indústrias de processamento de borracha,
adesivos, colas, resinas e siderúrgicas (CETESB, 2016).
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 117

Ferro dissolvido

No ponto CASC 02050 o ferro dissolvido apresentou


desconformidade nos anos de 2011 e 2015, registrando menor
concentração, de 0,33 mg/L, em dezembro de 2011 e maior concentração,
de 0,43 mg/L, em agosto de 2015.
No ponto AGUA 02100 o ferro dissolvido começou a apresentar
desconformidade a partir das amostragens de 2007, registrando 0,38 mg/L
em agosto de 2011 e 1,05 mg/L em dezembro de 2007.
No ponto AGUA 02800 o ferro dissolvido em relação aos anos
analisados começou a apresentar desconformidade somente a partir de
fevereiro de 2007, oscilando entre 0,31 mg/L em junho de 2007 e 1,73 mg/L
em fevereiro de 2007.
O aumento da concentração de ferro em águas superficiais decorre
na estação chuvosa devido ao carreamento de solos pelos processos
erosivos das margens, há também importante contribuição de efluentes de
indústrias metalúrgicas (CETESB, 2016).

Mercúrio

No ponto CASC 02050 o mercúrio teve eventual desconformidade


registrando 0,0003 mg/L em agosto de 2011.
No meio aquático as fontes antropogênicas de mercúrio se originam
principalmente das atividades das indústrias cloro-álcali de células de
mercúrio, resíduos de processos de mineração e fundição, efluentes de
tratamento de esgoto, indústria de tintas, entre outros (CETESB, 2015).

Manganês

No ponto CASC 02050 o manganês aparece desconforme somente


em 2015, quando é registrada a menor concentração, de 0,118 mg/L, em
fevereiro e maior concentração, de 0,26 mg/L, em dezembro.
No ponto AGUA 02100 o manganês apresentou desconformidade
para os anos 2003 e 2007, já para 2011 e meados de 2015 não apresentou
118

alteração fora do padrão, voltando a estar desconforme em dezembro de


2015, registrando 0,11 mg/L.
No ponto AGUA 02800 o manganês registrou sua menor
concentração, de 0,111 mg/L, em dezembro de 2015, e a maior, de 0,19
mg/L, em fevereiro de 2007.
O manganês ocorre naturalmente nas águas subterrâneas e
superficiais, porém, as atividades antrópicas ocasionam o aumento de sua
concentração nas águas, a utilização do manganês e seus compostos está
atrelada principalmente às indústrias de aço, baterias, ligas metálicas,
vidros, fertilizantes entre outros (CETESB, 2016).

Demanda bioquímica de oxigênio

No ponto CASC 02050 a DBO apresentou menor valor de 6 mg/L em


fevereiro, abril, outubro e dezembro de 2007 e dezembro de 2011, sendo a
maior de 13 mg/L registrada em junho de 2007.
No ponto AGUA 02100 a DBO apresentou somente uma eventual
alteração registrada em abril de 2015.
A DBO (demanda bioquímica de oxigênio) é um indicador do
consumo do oxigênio dissolvido pelos microrganismos decorrente de seus
processos metabólicos para a estabilização da matéria orgânica (VON
SPERLING, 1996). Silva e Araújo (2017) ressaltam que a variável DBO possui
uma forte tendência sazonal, ocasionada pela precipitação pluvial que
influencia o aumento da entrada de sólidos e matéria orgânica na água,
aumentando a demanda bioquímica do oxigênio.

Turbidez

No ponto AGUA 02100 a turbidez esteve alterada exclusivamente no


mês de dezembro dos anos de 2003, 2007 e 2015 variando de 141 UNT a
267 UNT.
No ponto AGUA 02800 a turbidez registrou desconformidade em três
amostragens dos períodos analisados, sendo o valor maior de 112 UNT em
outubro de 2011 e 135 UNT em dezembro de 2003.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 119

De acordo com Von Sperling (1996), a turbidez é caracterizada pelo


nível de interferência da passagem de luz através da água, ocasionada pelos
sólidos em suspensão, ocorrendo de forma natural através das partículas de
rocha, argila, silte, algas e outros microrganismos. A erosão das margens dos
canais fluviais acentuada pela má conservação do solo é um dos exemplos
que justificam o aumento da turbidez na água, o despejo de efluentes
domésticos e industriais também ocasionam elevações nos níveis de
turbidez (CETESB, 2016). Os níveis de turbidez se mostram particularmente
elevados em regiões com solos com tendência à erosão, no qual a
precipitação faz o carreamento dessas partículas, onde as águas da maioria
dos rios brasileiros se mostram naturalmente turvas por conta da ocorrência
de fortes chuvas (VON SPERLING, 1998).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos dados analisados o estudo permitiu verificar que, sob a


perspectiva espacial, as variáveis em inconformidade foram
predominantemente as mesmas nos três pontos analisados, que apenas no
ponto CASC 02050 difere as variáveis fenóis totais, mercúrio e turbidez,
sendo este ponto um reservatório onde há captação de água para
abastecimento, e as ações de monitoramento e gestão deveriam ter mais
atenção visto que muitas variáveis apresentaram inconformidades.
Em relação ao tipo de parâmetro, as variáveis de ordem química
tiveram predominância nos padrões de inconformidade em todos os pontos
analisados, a variável física turbidez aparece em desconformidade somente
no médio e baixo curso do canal fluvial.
As variáveis alumínio dissolvido, fósforo total, ferro dissolvido e
manganês foram as variáveis que mais se destacaram, aparecendo em
desconformidade em todos os pontos e recorrente em todos os anos
analisados. Pela ação antrópica, esses minerais provêm de efluentes e águas
residuárias, pois na natureza esses minerais decorrem da dissolução das
rochas pelo intemperismo, e o aumento da concentração desses minerais na
água remete a um estágio de degradação da bacia tendo em vista o
processo de ocupação, onde grande parte da mata nativa foi convertida em
120

terras para outros usos não mais exercendo sua função nas dinâmicas
naturais, sendo uma delas a retenção de sedimentos.
Sendo a água um recurso essencial que pode se converter em um
recurso não utilizável decorrente da degradação que vem sofrendo, deve-se
prevenir esta situação, controlando o lançamento de efluentes, e
promovendo a conservação da bacia.
Em suma, o monitoramento da qualidade da água é uma
ferramenta essencial para o planejamento e a gestão do ambiente, pois só
assim é possível conhecer as características e entender as transformações
do ambiente, visando à garantia que as legislações vigentes sejam
cumpridas certificando os usos múltiplos da água conforme estabelecidos
em lei.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 121

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122
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 123

Capítulo 7

UTILIZAÇÃO DA ESTATÍSTICA PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE


ÁGUA EM BACIA HIDROGRÁFICA

26
Fernanda Luisa Ramalho
27
João Batista Pereira Cabral
28
Assunção Andrade de Barcelos

1 INTRODUÇÃO

Segundo a Lei 8.171/91, as bacias hidrográficas constituem-se em


unidades básicas de planejamento do uso, da conservação e recuperação
dos recursos naturais (BRASIL, 1991). Para Tucci (1993), a bacia hidrográfica
é uma captação natural da água da precipitação que faz convergir os
elementos para uma única área de saída, exutório, ou seja, a seção de um
rio a define.
A bacia hidrográfica pode sofrer mudanças ou alterações no
comportamento hidrológico tanto em função de aspectos físicos como
geomorfológicos, pedológicos, geológicos, climáticos e vegetação, não
deixando de considerar as ações antrópicas. Devido à complexidade em
analisar os sistemas lóticos, tais características são fundamentais para o
ciclo hidrológico da bacia, influenciando na produção de sólidos em
suspensão, na infiltração, na evaporação, na quantidade de água produzida,
no escoamento superficial, entre outros (BRAGA, 2012; ROCHA et al., 2014).
Consequentemente, essas alterações podem vir a refletir na qualidade das
águas que, nesse sentido, torna-se necessário o uso de indicadores de

26
Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Goiás. E-mail:
ramalho_luisa@hotmail.com
27
Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Jataí. E-
mail: jbcabral2000@yahoo.com.br
28
Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Jataí. E-mail: assuncaoa-
barcelos@hotmail.com
124

qualidade de água (parâmetros físicos, químicos e biológicos) de maneira a


correlacionar as alterações ocorridas na bacia (RIBEIRO et al., 2016).
Para Toledo e Nicolella (2002), cada sistema lótico possui
características próprias, o que torna difícil estabelecer uma única variável
como indicador-padrão para qualquer sistema hídrico. Nesse sentido, a
busca em trabalhos de campo é a obtenção de índices de qualidade de água
que reflitam resumida e objetivamente as alterações, com ênfase para as
intervenções humanas, como o uso agrícola, urbano e industrial
(COUILLARD; LEFEBVRE, 1985). É importante lembrar que os índices e
indicadores ambientais surgiram como resultado da crescente preocupação
social com os aspectos ambientais do desenvolvimento, processo que
requer um número elevado de informações em graus de complexidade cada
vez maiores (CETESB, 2015).
Ribeiro et al. (2016) ressalvam que informações sobre a qualidade
das águas no país ainda são insuficientes ou inexistentes em várias bacias.
Apenas nove unidades da Federação possuem sistemas de monitoramento
da qualidade da água considerados ótimos ou muito bons, cinco possuem
sistemas bons, e treze apresentam sistemas fracos ou incipientes (ANA
2015).
Desde meados da década de 1960, optou-se por utilizar indicadores
que auxiliam na agregação ponderada de parâmetros selecionados, pois são
muitas as variáveis de análises. Assim, um dos métodos utilizados na
formulação de índices de qualidade de água se baseia na técnica
multivariada da análise fatorial, segundo Ribeiro et al. (2016), que
representa uma forma exploratória de conhecer o comportamento dos
dados a partir de uma dimensão reduzida do espaço original dos parâmetros
(MOURA, 2010; MULHOLLAND et al., 2010; HAIR et al., 2009).
O cenário de tendências do Estado de Goiás envolvendo ambiente,
dinâmica demográfica, saúde, economia e investimentos apontam para a
necessidade de um direcionamento voltado a ações que consolidem o
desenvolvimento sustentável na região.
Diante dessas suposições o objetivo deste capítulo é avaliar a águas
do Córrego Matriz em Cachoeira-Alta/GO em quatro períodos distintos, a
fim de identificar por meio da correlação de Pearson, quais parâmetros
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 125

físicos, químicos e biológicos devem ser levados em consideração no estudo


da qualidade das águas.

2 APLICAÇÃO: ESTUDO DE CASO DA BACIA

A qualidade da água reflete nas condições ambientais da bacia


hidrográfica, sendo assim, conhecer as características de qualidade da água
amplia o conhecimento ecológico do ecossistema e possibilita detectar
alterações provenientes da atividade humana.
Para Souza e Gastaldini (2014), a utilização da correlação de Pearson
(r) melhor caracteriza a qualidade da água, pois a correlação das variáveis dá
confiabilidade aos resultados.
Devido à grande quantidade de variáveis que compõem os
parâmetros de qualidade da água, a interpretação desses resultados torna-
se difícil e dispendiosa. Deste modo, os métodos de análise multivariada de
dados têm sido cada vez mais utilizados em estudos ambientais devido à sua
fácil aplicação e por reduzirem o número de dados em subgrupos menores
correlacionados entre si, como destaca Menezes, et al. (2014). Com isso,
podemos citar alguns trabalhos que utilizam esses tipos de análise (MOURA,
et al., 2013; MENEZES et al., 2014; SOUZA; GASTALDINI, 2014; ROCHA;
CABRAL; BRAGA, 2014; RAMALHO, 2015; BARCELOS, 2015).
Esse método usualmente conhecido para medir a correlação entre
duas variáveis é também conhecido como Coeficiente de Correlação do
Momento Produto. Este foi o primeiro método de correlação, estudado por
Francis Galton e seu aluno Karl Pearson, em 1897 (LIRA, 2004).
O coeficiente de correlação linear de Pearson (r) é uma medida
estatística que mede o grau de associação entre duas variáveis, sendo sua
variação entre -1 e 1. Quanto mais próximo dos extremos do intervalo de
variação, mais correlacionadas estão as variáveis em questão (TRIOLA,
1999). Para Lira (2004), diferentes formas de correlação podem existir entre
as variáveis. O caso mais simples e mais conhecido é a correlação simples,
envolvendo duas variáveis, X e Y.
126

3 METODOLOGIA

3.1 ÁREA DE ESTUDO

A região centro-oeste do Estado de Goiás, em especial os


municípios de Caçu e Cachoeira-Alta, tiveram sua economia baseada em
atividades agrícolas e pecuárias e, nas últimas décadas, a produção de cana-
de-açúcar e a implantação de empreendimentos hidráulicos como usinas
hidrelétricas (UHE) ou pequenas usinas hidrelétricas (PCH) nos rios vêm
alterando o uso da terra na região. Embora essas atividades permitam um
avanço socioeconômico da região, existe uma grande chance de a qualidade
da água dos rios ser deteriorada e inviabilizar o seu uso.
Dentre os diversos córregos da região, o córrego Matriz, cuja bacia
possui uma área de 69,42 km² (ROCHA, 2012; BRAGA, 2012; CORDEIRO,
2013; NASCIMENTO, 2014) é considerado o principal afluente da UHE Barra
dos Coqueiros, que transporta sedimentos e nutrientes para o reservatório.
A bacia do córrego Matriz encontra-se localizado no município de
Cachoeira Alta/GO, na região sul do Estado do Goiás (Figura 1).

Figura 1 – Localização da bacia do córrego Matriz, em Cachoeira Alta (GO)

Fonte: Alves (2015).


Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 127

O município de Cachoeira Alta possui área territorial de 1.654,554


km² e população de 10.553 habitantes e faz fronteira com os municípios de
Caçu, Rio Verde, Aparecida do Rio Doce, Quirinópolis, distando,
aproximadamente, 344 km/h da capital Goiânia. Faz parte da bacia
hidrográfica do Rio Claro. Suas águas superficiais são formadas pela UHE-
Barra dos Coqueiros, com uma área aproximada de 531 km² e uma área
inundada de 25,48 km² (BRAGA, 2012).

3.2 ANÁLISE DA ÁGUA

Foram definidos quatro pontos de amostragem no curso d’água, de


modo a abranger os diferentes modelos de uso da terra. A distância entre os
pontos de amostragem foi estabelecida conforme a escala cartográfica e
com auxílio do Google Earth, junto com a plotagem das coordenadas
geográficas obtidas pelo equipamento de localização terrestre via satélite
(Global Position System – GPS) levando em consideração aos pontos de
amostragem. As amostras de água foram coletadas em quatro campanhas,
em períodos distintos, entre meses de junho de 2015 a março de 2016.
Sendo que a primeira campanha de coleta foi realizada em 14 de junho de
2015. A segunda campanha aconteceu em 12 de setembro de 2015. A
terceira campanha ocorreu em 5 dezembro de 2015. Por fim, a quarta
campanha foi realizada em 5 de março de 2016.
As amostras de água foram obtidas na camada mais superficial do
corpo d'água (epilímnio), onde tende a ocorrer as maiores temperaturas, o
que, junto com o aporte de nutrientes, aumenta a produtividade de
organismos nas camadas superficiais (ESTEVES, 1998; CABRAL et al., 2013).
Os parâmetros avaliados foram: oxigênio dissolvido (OD), coliformes
termotolerantes (CT), potencial hidrogeniônico (pH), demanda bioquímica
de oxigênio (DBO), nitrogênio total (NT), fósforo total (PT), temperatura (T),
turbidez (Turb.) e resíduos totais (RT).
Os parâmetros de OD, pH e T foram obtidos in situ, utilizando-se a
sonda multiparâmetro OAKTON PCD 650. Já os parâmetros de PT, DBO, NT,
Turb, RT e CT foram analisados em laboratório. Os métodos de análises para
cada um dos parâmetros seguiram os procedimentos descritos na APHA
(1995), como descritos no Quadro 1.
128

Quadro 1 – Metodologias empregadas nas análises da água da bacia do córrego Matriz/GO


Parâmetros Método Equipamentos

Multiparâmetro, marca OAKTON, modelo


pH Sonda
PCD 650 Waterproof Portable Meter Kit
Fotocolorímetro at-100 PB série E005901 da
PT Vanadomolíbdico
marca Alfakit Ltda.
Fotocolorímetro at-100 PB série E005901 da
NT NTD
marca Alfakit Ltda.
Multiparâmetro, marca Oakton, modelo
OD Sonda
PCD 650 Waterproof Portable Meter Kit
Multiparâmetro, marca Oakton, modelo
T Sonda
PCD 650 Waterproof Portable Meter Kit
Turbidimeter, modelo HI 83414, marca
Turb. Turbidímetro
Hanna
Estufa, bomba a vácuo e balança
RT Gravimétrico
gravimétrica
Frascos de DBO, bombinhas de aquário e
DBO Incubação
incubadora de DBO
CT Membrana filtrante Estufa, bomba a vácuo

As amostras coletadas foram armazenadas em garrafas de


polietileno e conservadas em temperatura de 4 °C. Para as análises de RT e
Turb, as amostras foram coletadas em garrafas de 500 ml. As análises de PT
e NT em garrafas de 600 ml, conservadas em ácido sulfúrico (H 2SO4). Para as
análises de DBO, as águas foram armazenadas em garrafas de polietileno,
revestidas com papel alumínio. Nas análises de coliformes termotolerantes,
a água é conservada em recipiente de polietileno autoclavável atóxico,
contendo 50 ml, revestido de papel alumínio. Depois de coletadas e
armazenadas, realizou-se análise no laboratório.

3.3 ANÁLISE ESTATÍSTICA

Para avaliar o grau de relacionamento entre duas variáveis e


identificar com precisão quanto uma variável interferiu no resultado da
outra, foram gerados diagramas de dispersão de Pearson, conforme descrito
em Callegari-Jacques (2008). Para avaliar a significância do coeficiente de
correlação, utilizou-se o teste de hipótese de Student.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 129

O valor crítico da distribuição de t de Student dos quatros pontos


amostrais adotados foi avaliado segundo o nível de significância de 90%
unilateral, em que gl foi de 3, correspondendo ao valor de (1,638).
Uma vez determinada a existência de correlação (r), as mesmas
foram classificadas qualitativamente, de acordo com a Quadro 2.

Quadro 2 – Avaliação qualitativa do grau de correlação entre as variáveis analisadas


R Correlação
0 Nula
0 – 0,3 Fraca
0,3 – 0,6 Regular
0,6 – 0,9 Forte
0,9 – 1 Muito Forte
1 Plena ou Perfeita
Fonte: Callegari-Jacques (2008).

Com esses métodos estatísticos, é possível selecionar características


de maior participação em cada componente e definir as características
físico-químicas e biológicas da água que deverão ser monitoradas,
reduzindo-se, assim, os custos com análises de características de menor
importância na qualidade das águas, como descrevem Bertossi et al. (2013).

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A utilização da análise de Correlação de Pearson permitiu identificar a


relação entre os parâmetros de qualidade da água e estabelecer as
melhores variáveis de correlação. Na análise apresentada na Tabela 1, foram
discutidos somente os gráficos de maior coeficiente de determinação, com
grau de significância de 90%, segundo o Teste Student das variáveis físico-
químicas da água.
130

Tabela 1 – Correlações de Pearson e Teste Student entre as variáveis físicas, químicas e


biológica do córrego Matriz, Cachoeira Alta/GO. Período das quatro campanhas (junho,
setembro, dezembro/2015 e março/2016
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 131

A Tabela 1 mostra que a extração da matriz de correlação possibilita


a escolha das variáveis mais significativas, as quais têm um papel destacado
na interpretação da proposta de estudo.
Os parâmetros de DBO, OD, Turb., RT e T mostraram maiores
coeficientes de correlações com maior número de variáveis; ao contrário,
NT, PT, CT mostraram comportamento diametralmente oposto. Na pesquisa
realizada por Toledo e Nicolella (2002) em uma microbacia em Guaíra/SP,
observou-se que PT mostrou comportamento oposto também, tornando-se
uma variável de menor importância na composição dos fatores comuns.
Por outro lado, Ramalho (2017) realizou com os mesmos resultados,
análises feitas segundo a Resolução Conama 357/2005 e pelo IQA-CETESB, e
observou que os parâmetros NT, PT, CT foram essenciais para o
enquadramento do corpo hídrico e para os resultados finais da qualidade da
água do córrego Matriz/GO, tendo consequências principalmente nos
resultados segundo a Resolução, que apresentou como águas de classe 3
devido os resultados de PT.
As correlações realizadas com NO3 na campanha 1 (C1) foram
irrelevantes, pois os resultados dessa variável foi 0,0 em todos os pontos,
não apresentando correlações com as outras variáveis. Na campanha 2 (C2),
apresentou uma correlação forte negativa significativa com o PT e CT (-
0,80). A campanha 3 (C3) teve correlação forte negativa com DBO (-0,81) e
CT (-0,82) e campanha 4 (C4) forte negativa significativa com CT (-0,62).
Quanto maiores os resultados das variáveis que correlacionam com o NT
menor será o resultado desse. Isso acontece porque ocorre a decomposição
do NT (amonificação), ou seja, quando o nitrogênio entra na cadeia
alimentar, ele passa a constituir as moléculas orgânicas dos consumidores,
atuando sobre os produtos de eliminação desses consumidores e do
protoplasma de organismos mortos, as bactérias mineralizam o nitrogênio,
+
produzindo gás amônia, NH3 e sais de amônio, NH4 (BAIRD, C.; CANN, M,
2011).
Entre os maiores coeficientes de correlações, foram encontradas
quatro negativas, que ocorreram entre DBO x T, T x Turb., T x OD e DBO x
OD. Os dois maiores coeficientes foram entre pH x Turb e RT x OD, seguidos
de Turb x RT.
132

A relação entre pH e temperatura (Figura 2) apresentou coeficiente


de correlação muito forte negativa e significativa no mês de
dezembro/2015, em que r²=0,93, demonstrando que, quanto menor for a T
da água mais alcalino será o valor encontrado de pH, fato esse também
constatado por Rocha et al. (2014), no trabalho feito com afluentes do
reservatório da UHE-Barra dos Coqueiros/Goiás.

Figura 2 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro Temperatura (°C) e pH, na terceira


campanha (dezembro/2015), na bacia do córrego Matriz

Observou-se uma correlação perfeita significativa de turbidez e pH,


r=1,00 no mês de junho/2015 e correlação forte nos meses de setembro e
dezembro de 2015, r=0,62, r=0,80, respectivamente, e correlação forte
negativa em março de 2016, r=-0,62. O coeficiente de determinação (r²)
indicou, no mês de junho, que 90% dos dados estão ajustados na linha de
tendência (Figura 3), o que demonstra que, dependendo dos sedimentos
que estão em suspensão, pode-se alterar o pH da água, demonstrando que
o aumento ou diminuição do pH está diretamente relacionado com os íons
presentes na água.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 133

Figura 3 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro turbidez e pH, na primeira campanha


(junho/2015), na bacia do córrego Matriz

Essa presença de íons na água pode ser verificada no mês de


dezembro/2015, ao se realizar a correlação entre pH e RT (Figura 4) que foi
classificada como muito forte positiva e significativa com r=0,95. A linha de
tendência mostra que 89% dos dados estão ajustados na linha de tendência.

Figura 4 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro RT e pH, na terceira campanha


(dezembro/2015), na bacia do córrego Matriz

Petruf et al. (2011), na pesquisa realizada no Ribeirão Morangueira,


Maringá/PR, observaram que as oscilações dos valores de pH da água
estavam relacionadas com as concentrações de íons presentes na água,
originadas da ionização de ácido carbônico e das relações de íons de
carbonato com a molécula de água. Isso explica a relação entre o pH,
Turbidez e RT.
134

No estudo do pH e OD (Figura 5) verificou-se os dados estão


ajustados à linha de tendência no mês de dezembro/2015, com r²=0,85,
sendo a correlação entre essas duas variáveis classificada como muito forte
e significativa. Nas campanhas seguintes, junho/2015, apresentaram
correlação forte (r=0,74), setembro/2015, regular (r=0,56) e março/2016,
correlação regular negativa de r=-0,56. Os resultados mostraram que o
aumento do OD mg/L na água pode interferir no resultado de pH.

Figura 5 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro OD mg/L e pH, na terceira campanha


(dezembro/2015), na bacia do córrego Matriz

Apesar da solubilidade que controla o pH e que são dependentes da


presença de oxigênio na água, apenas a campanha 3 apresentou a
correlação desses dois parâmetros, sendo o Ponto 1 (P1) mais ajustado na
linha de tendência. Às vezes, pode-se mostrar uma correlação, mas os
parâmetros não apresentam ligação entre si, podendo ter outro parâmetro
interferindo nesse resultado, como exemplo a T, que apresentou uma
correlação com pH e OD, sendo que o P1 ficou o mais próximo da linha de
tendência dessas correlações, ou seja, o P1 foi decisivo nesses resultados.
A variável fósforo apresentou correlação forte com pH (0,70) na C1,
forte negativa significativa na C4 com DBO (-0,74), Turb. (-0,72), OD (-0,74),
forte positiva na C4 com T (0,81) e CT (0,90). Os resultados dos parâmetros
de PT x CT foram os que se apresentaram mais próximos da linha de
tendência (r²=0,81), como representado no Figura 6.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 135

Figura 6 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro CT e PT, na quarta campanha


(março/2016), na bacia do córrego Matriz

Para a CETESB (2009), a principal fonte de Pt é a matéria orgânica


fecal e os detergentes empregados domesticamente, isso explica o
resultado da correlação entre Pt x CT da pesquisa, visto ser a área de estudo
uma região sem industrialização e cidade sendo utilizado para atividades
agropastoris. A C4 apresentou os maiores resultados de Pt em todos os
pontos.
Ao fazer uma análise geral, observa-se que o OD x DBO x T estão
diretamente relacionados entre si, pois quanto maior a T maior serão os
valores de DBO mg/L e menores são os valores encontrados do OD mg/L.
Isso acontece devido à solubilidade do OD mg/L estar relacionado com a T e
quando observamos valores inferiores desse OD mg/L, podemos indicar
presença de matéria orgânica na água e uma T maior.
Analisando os parâmetros de OD mg/L e Turb., observa-se que
apresentaram uma correlação forte significativa na C3 (0,88) e muito forte
significativa na C4 (0,98). Para a Cetesb (2009), o OD mg/L está relacionado
com a Turb., pois a fotossíntese das algas nas águas é importante fonte de
oxigênio e quando o corpo hídrico encontra uma água turva isso dificulta a
penetração de raios solares e apenas poucas espécies conseguem
sobreviver. Apesar de os resultados serem positivos, essa correlação em
linhas gerais é negativa, ou seja, quanto maior o valor de turbidez na água
menor será OD mg/L encontrado.
136

Outra correlação similar do OD xTurb. é a relação dos parâmetros de


OD mg/L e RT, observando-se que apresentaram na linha de tendência 99%
dos dados ajustados no mês de março/2016, apresentando uma correlação
perfeita significativa (1,00). Apesar de apresentar uma correlação muito
forte (0,90), não foi significativo no mês de dezembro. Já o mês de
junho/2015 apresentou uma correlação fraca (0,18) e setembro/2015
relativa (-0,38). A quantidade de RT e OD mg/L nas águas é sazonal, varia
entre o período seco e o período chuvoso. Então, quanto maior a
quantidade de chuva, maior será sua vazão e logo altera seu OD mg/L e
maior serão os sedimentos presentes na água.
A correlação entre T e DBO na primeira campanha (junho/2015), com
r=0,91, apresentou uma correlação muito forte significativa, e segunda
campanha (setembro/2015), com r= 0,67 teve correlação forte significativa e
na terceira campanha (dezembro/2015), apresentou r=-0,93, muito forte
negativa significativa. Apesar de a campanha 3 apresentar uma correlação
negativa, a T e DBO apresentam uma relação positiva, ou seja, a
temperatura altera devido à presença de matéria orgânica e esgoto
presentes na água. Além desses fatores, existe a presença de bactérias que
auxiliam na oxidação de todo esse material em decomposição, quanto
maiores os resultados do DBO maior será a T encontrada na água.
Os parâmetros de OD mg/L e DBO mostraram que o mês de
junho/2015, com r=96, teve uma correlação muito forte significativa, o que
resultou em 93% dos dados ajustados na linha de tendência. Já o mês de
setembro/2015, com r=-0,96, teve uma correlação muito forte negativa
significativa (Figura 7), apresentando uma linha de tendência inversa,
mostrando os dados 92% de ajustamento. A tendência dos resultados de OD
mg/L e DBO seria de seguir o mês de setembro, em que quanto maior o OD
mg/L na água, menor seria DBO, ou seja, quanto maior o OD mg/L, menor
seria a quantidade de bactérias para oxidar a matéria orgânica da água. Mas
o resultado do mês de junho deve estar relacionado com a vazão do curso
d’água.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 137

Figura 7 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro DBO mg/L e OD mg/L, na segunda


campanha (setembro/2015), na bacia do córrego Matriz

As variáveis de Turbidez e T demonstraram uma correlação muito


forte negativa significativa no mês de março/2016, em que r=-0,95 e sua
linha de tendência apresentou 89% de dados ajustados. No mês de
junho/2015, teve uma correlação regular negativa (-0,41), em setembro
forte (0,87) e em dezembro forte negativa (-0,68). Apesar de ter
demonstrado uma significância na relação dos parâmetros, para Rocha et al.
(2014), no trabalho feito com afluentes do reservatório da UHE-Barra dos
Coqueiros/Goiás, não teve relação, pois apresentaram apenas 35% de dados
ajustados na linha de tendência.
A análise de RT e T não é muito diferente dos parâmetros analisados
anteriormente (Turbidez e T). Ao observar sua linha de tendência, depara-se
com 87% de dados ajustados. Apenas no mês de setembro/2015 os
parâmetros apresentaram uma correlação muito forte positiva significativa
(0,93), no mês de junho/2015, fraca (0,05), em dezembro/2015, forte
negativa (-0,84), em março/2016, forte negativa (-0,88). Assim, quanto
maior a temperatura, maior será seu RT.
Os parâmetros de T e OD mg/L apresentaram seus dados ajustados
na linha de tendência, em 88%, no mês de junho/2015 (Figura 8), sua
correlação foi de muito forte negativa significativa (-0,94), seguidos do mês
de setembro/2015, forte negativo (-0,68), dezembro/2015, muito forte
negativo significativo (-0,92) e sua linha de tendência em 85% dos dados
ajustados e no mês de março/2016, correlação forte (0,89). Ou seja, quanto
138

maior a temperatura, menor será o resultado de OD. O mesmo se observa


na pesquisa realizada por Siqueira, Aprile e Miguéis (2012), no rio
Parauapebas (Pará), pois o OD se refere ao oxigênio molecular dissolvido na
água. Então, essa concentração vai depender da temperatura, pressão
atmosférica, salinidade, atividades biológicas e características hidráulicas
(corredeiras, cachoeiras).

Figura 8 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro Temperatura (°C) e OD mg/L, na


primeira campanha (junho/2015), na bacia do córrego Matriz

Como a solubilidade dos gases em água diminui com a elevação da


temperatura, a quantidade de oxigênio que se dissolve a 0 °C é mais que o
dobro da que se dissolve a 35 °C. Desse modo, águas de rios ou lagos
aquecidos contêm menos OD (FIORUCCI; BENEDETTI FILHO, 2005).
Os parâmetros de RT e Turbidez estão diretamente relacionados
entre si, pois o RT indica quantidade de sedimentos na água, ou seja, quanto
maior for a quantidade de sedimentos na água, mais turva a água se
tornará. Assim, apresentaram 93%, 86% e 96% (setembro, dezembro e
março, respectivamente) de dados ajustados na linha de tendência (Figura 9
A e B). Isso resultou na correlação muito forte significativa para o mês de
setembro/2015 (0,97), dezembro/2015 (0,93), março/2016 (0,98). Esses
meses estão relacionados com a presença de chuva e como junho/2015 não
teve indício de chuva, apresentou assim uma correlação forte (0,75), mas
não significativa.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 139

Figura 9 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro Turbidez e RT, na segunda campanha


(setembro/2015) e quarta campanha (março/2016), na bacia do córrego Matriz

Com 96% de dados ajustados na linha de tendência, os CT e RT


apresentaram uma correlação muito forte (Figura 10), significativa no mês
de junho/2015 (0,98). O mês de setembro/2015 teve correlação relativa
(0,47), dezembro/2015, fraca negativa (-0,17) e março relativa negativa (-
0,42). Isso indica que, dependendo do material em suspensão presente na
água, pode-se alterar significativamente essa água, alterando a qualidade da
mesma.

Figura 10 – Análise de correlação de Pearson do parâmetro CT e RT, na primeira campanha


(junho/2015), na bacia do córrego Matriz

O uso de indicadores de qualidade de água consiste no emprego de


variáveis que se correlacionam com as alterações ocorridas na bacia do
córrego Matriz, sejam essas de origem antrópica ou natural. Por isso, é de
extrema importância a correlação dessas variáveis para auxiliar na análise
de qualidade.
140

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao observar as análises feitas nessa seção, detectou-se que algumas


variáveis não tiveram importância na correlação, como o fósforo, por
exemplo, que apresentou correlação muito forte significativa na última
campanha apenas com CT, com DBO foi apenas forte significativa na última
campanha.
O DBO apresentou maior influência com os parâmetros temperatura,
OD, turbidez em todas as campanhas, podendo ser considerado um bom
parâmetro para estudo da qualidade das águas.
A análise estatística ajudou na compreensão e identificação das
correlações entre os parâmetros físico-químicos, ratificando os resultados
encontrados e sua relação com o processo de uso da terra da bacia.
Diante dos gráficos analisados, os parâmetros que mais
apresentaram correção muito forte foram: pH, temperatura, oxigênio
dissolvido, resíduos totais, demanda bioquímica de oxigênio, demonstrando
que um parâmetro interfere diretamente no outro, isto pode estar
relacionado à presença de íons presente na água, possivelmente pela
intemperização e dissolução das rochas e ao tipo de uso e ocupação da
bacia.
Essas variações podem estar relacionadas com o uso e ocupação das
terras da bacia hidrográfica do córrego Matriz, no qual boa parte está
voltado à pecuária extensiva. Portanto, ao realizar uma análise espaço-
temporal observam-se as transformações ocorridas no curso d’água devido
ao acesso do gado para dessedentação.

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Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 143

Capítulo 8

PROPOSTA METODOLÓGICA DE AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO DOS


RECURSOS HÍDRICOS SUPERFICIAIS NAS BACIAS HIDROGRÁFICAS
29
Luiz Sergio Vanzela
30
Evandro Roberto Tagliaferro
31
Cleber Fernando Menegasso Mansano
32
Juliana Heloisa Pinê Américo-Pinheiro

1 INTRODUÇÃO

Os recursos hídricos são essenciais à vida no planeta e ao


desenvolvimento socioeconômico humano, sendo que sua escassez em
disponibilidade e qualidade pode resultar em colapso na produção agrícola e
industrial, bem como na saúde pública e nos ecossistemas.
O crescimento populacional mundial esperado até 2050,
considerando a atual eficiência do uso dos recursos hídricos, é uma
preocupação, assim como o aquecimento global, pois se estima um
aumento significativo na população que sofrerá com escassez de água
(WWAP, 2018). Cabe ainda ressaltar que dentre as consequências esperadas
com o aquecimento global até o ano de 2100, está a redução da
disponibilidade hídrica em algumas regiões do planeta (IPCC, 2007),
podendo piorar este cenário (exemplo de grandes metrópoles sem água já
em 2018, como cidades na África do Sul, devido à má gestão dos recursos
hídricos).
Assim, é necessário que haja um planejamento integrado nas bacias
hidrográficas de modo a compatibilizar a disponibilidade hídrica com o

29
Doutor em Agronomia, professor titular, Pós-Graduação em Ciências Ambientais,
Universidade Brasil. E-mail: lsvanzela@yahoo.com.br
30
Doutor em Administração Empresarial e Comércio Internacional. Professor Titular, Pós-
Graduação em Ciências Ambientais, Universidade Brasil. E-mail: tagliaferro@etagli.com.br
31
Doutor em Aquicultura, pesquisador, Pós-Graduação em Ciências Ambientais, Universidade
Brasil. E-mail: clebermansano@yahoo.com.br
32
Doutora em Aquicultura na área de Biologia Aquática, professora titular, Pós-Graduação em
Ciências Ambientais, Universidade Brasil. E-mail: americo.ju@gmail.com
144

consumo, para que seja mantida a sustentabilidade da água em qualidade e


quantidade.
Uma forma de avaliar se o uso dos recursos hídricos superficiais nas
bacias hidrográficas é sustentável, é a classificação da situação da
disponibilidade hídrica. Para isso, é necessário conhecer e comparar as
vazões totais disponíveis e consumidas na bacia ou sub-bacia hidrográfica.
Dependendo da quantidade consumida em relação à disponível, classifica-se
a situação da disponibilidade, onde as classes são normalmente nomeadas
boa (confortável ou normal) até preocupante (ruim ou crítica).
Neste capítulo propõe-se uma metodologia para a classificação da
disponibilidade hídrica superficial. A inovação proposta é a subdivisão da
vazão consumida em três vazões distintas, sendo a vazão de demanda
mínima, vazão de demanda média e vazão de demanda máxima. Essas
subdivisões permitirão prever melhor a situação da disponibilidade hídrica
pela comparação entre disponibilidade e o consumo.

2 VAZÃO DISPONÍVEL

Nas bacias hidrográficas, dependendo da finalidade de aplicação, as


vazões dos cursos d’água superficiais podem ser avaliadas ou determinadas
de três formas: vazões máximas, vazões médias e vazões mínimas (TUCCI,
2002).
As vazões máximas são normalmente aplicadas ao
dimensionamento de obras hidráulicas em zonas urbanas ou rurais, com a
finalidade de amortecimento, condução controlada e/ou infiltração dos
volumes excedentes gerados pelos eventos chuvosos extremos. Dentre
essas obras hidráulicas, destacam-se os vertedouros de barragens, rede
pluvial de drenagem urbana, travessias aéreas, canalizações, bacias de
contenção e terraceamento.
Entretanto, quando se trata de estudos sobre a disponibilidade
hídrica, as vazões utilizadas são as médias e mínimas. As vazões médias
geralmente são aplicadas aos estudos de avaliação e/ou caracterização da
disponibilidade hídrica em bacias hidrográficas ou regiões hidrográficas
(TUCCI, 2003). As vazões médias podem ser expressas em valores absolutos,
como a vazão média de longo período (também conhecida como plurianual),
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 145

ou em valores relativos, sendo a mais comum a vazão específica (vazão


disponível por unidade de área da bacia hidrográfica).
As vazões mínimas são utilizadas como referência na implantação de
projetos de captação de água, permitindo compatibilizar, de forma
sustentável, a vazão consumida de uma atividade/empreendimento com a
vazão disponível do curso d’água. Por isso, no Brasil, a máxima captação
superficial em bacias ou sub-bacias hidrográficas tem como referência as
vazões mínimas, dentre as quais, a mais utilizada é a vazão mínima de 7 dias
consecutivos com período de retorno de 10 anos ou simplesmente Q 7,10
(ANA, 2011).
Um exemplo pode ser observado na Figura 1, em que a partir de
estudos morfométricos e hidrológicos, Colombo, Covizzi e Vanzela (2018),
determinaram a vazões máximas, médias e mínimas por regionalização
hidrológica para a bacia hidrográfica do Ribeirão da Reserva, com área de
2
drenagem de 746,295 km .

Figura 1 – Vazão máxima com período de retorno de 10 anos (Qmáx), vazão média plurianual
(Qpl) e vazão mínima de 7 dias consecutivos e período de retorno de 10 anos (Q7,10) para o
Ribeirão Reserva, municípios de Limeira do Oeste (1), Iturama (2) e Carneirinho (3), no
Triângulo Mineiro.
Ribeirão da Reserva
Brasil
19 25’05,31"S
Minas Gerais
50 48'51,24"O
50 27’04,27"O

19 42'35,74"S

1
Qmáx 141.69

2
Qpl 13.61
3

Q7,10 1.97

0 25 50 75 100 125 150


Q (m3 s-1)
146

Na legislação federal, bem como em boa parte das leis estatuais que
regem a outorga do uso da água superficial, a vazão máxima a ser captada
na bacia ou sub-bacia hidrográfica tem como máxima vazão outorgável
(Qmaxout) determinado percentual da Q7,10.
Considerando o exposto, para que essa metodologia possa ser
aplicada em qualquer bacia hidrográfica sujeita à legislação estadual ou
federal, a vazão máxima outorgável deve ser considerada a vazão disponível.

3 VAZÃO CONSUMIDA

Em uma bacia hidrográfica o desenvolvimento socioeconômico


humano é determinado pelo consumo da água em três principais setores:
doméstico, rural e industrial. Os consumos de água podem ser consuntivos,
em que há retirada da fonte de água, reduzindo quantidade disponível, e
não consuntivo, em que a água é utilizada pela atividade sem haver
alteração na quantidade disponível (CARVALHO; CURI; LIRA, 2013).
A rede de cursos d’água na bacia hidrográfica se conecta de
montante à jusante, contribuindo com o aumento das vazões à medida que
se aproxima da foz. Por este motivo, a vazão utilizada de forma consuntiva
sempre impacta na disponibilidade superficial de água à jusante do ponto de
captação.
O tamanho e localização geográfica da bacia hidrográfica não só
influencia diretamente na disponibilidade de água, mas também pode
definir a quantidade e diversidade de setores que fazem uso consuntivo da
água. Isso porque, da mesma forma que a disponibilidade de água tende a
aumentar com o tamanho da bacia hidrográfica, a quantidade de usos
consuntivos também pode aumentar, principalmente próximo dos grandes
centros urbanos e regiões de agricultura irrigada e/ou agroindústria bem
desenvolvida.
Dentro dessa complexidade e variações de usos consuntivos, o
impacto na disponibilidade hídrica superficial na bacia ou sub-bacias,
dependerá da vazão consumida e dos tempos de funcionamento (diário,
semanal, mensal e anual). Considerando que pode haver “n” atividades com
“n” vazões consumidas com “n” tempos de funcionamento, sem haver um
controle programado, pode-se considerar “n” possibilidades de demanda
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 147

total horária, ou seja, podem existir intervalos de tempo em que há


consumo de somente uma ou nenhuma atividade ou ainda pode ocorrer
uma simultaneidade entre o consumo por todas as atividades (Figura 2).

Figura 2 – Simulação do tempo de funcionamento dos sistemas de captação de cinco atividades


(A, B, C, D e E) que consomem água superficial em uma bacia hidrográfica

Máx Mín

A
B
C
D
E
01/set - 01:00
01/set - 22:00
02/set - 19:00
03/set - 16:00
04/set - 13:00

07/set - 04:00
08/set - 01:00
08/set - 22:00
09/set - 19:00
10/set - 16:00

13/set - 07:00
14/set - 04:00
15/set - 01:00
15/set - 22:00
16/set - 19:00

19/set - 10:00
20/set - 07:00
21/set - 04:00
22/set - 01:00
22/set - 22:00

26/set - 10:00
27/set - 07:00
28/set - 04:00
29/set - 01:00
05/set - 10:00
06/set - 07:00

11/set - 13:00
12/set - 10:00

17/set - 16:00
18/set - 13:00

23/set - 19:00
24/set - 16:00
25/set - 13:00

29/set - 22:00
30/set - 19:00
31/set - 16:00
Atividade A – Capta água 24 horas por dia, em semanas alternadas de setembro.
Atividade B – Capta água 11 horas por dia, em todas as semanas de setembro.
Atividade C – Capta água 24 horas a cada 2 dias, em todas as semanas de setembro.
Atividade D – Capta água durante 19 horas a cada 4 dias, em todas as semanas de setembro.
Atividade E – Capta água em tempo integral (24 horas por dia, em todas as semanas de
setembro).

Pela Figura 2 pode-se verificar que existem momentos em que as


cinco atividades (A, B, C, D e E) consomem água simultaneamente,
resultando em consumo máximo (Máx), e em outros momentos somente a
atividade “E”, resultando em consumo mínimo (Mín). Essas variações
máximas e mínimas, quando analisadas no tempo, geram consumos médios
que são importantes para a caracterização geral do consumo. Portanto, é
necessário confrontar a disponibilidade hídrica com os momentos em que os
consumos horários podem ser máximos, médios e mínimos.
Assim, propõe-se uma forma prática de se analisar o consumo de
água nas bacias hidrográficas em que não há controle dos horários de
funcionamento das captações, que é o cálculo das vazões de demanda
máxima, média e mínima. Como observado anteriormente, não há controle,
148

podendo haver risco de que todas as “n” atividades estejam captando água
simultaneamente em algum horário. Nesse caso, o somatório das vazões
horárias consumidas é denominado de vazão de demanda máxima, sendo
expressa pela Equação 1.

QDmáx   Qhi (Equação 1)

Em que:
3 -
QDmáx – vazão de demanda máxima na bacia ou sub-bacia hidrográfica (m h
1
);
3 -1
Qhi – vazão horária do sistema de captação da atividade “i” (m h ).

Quando a vazão horária é computada nos tempos de funcionamento


(diário, semanal, mensal e anual), por cada atividade que consome água,
obtém-se o volume hídrico anual consumido. Assim, a vazão de demanda
média é obtida pelo somatório dos volumes anuais consumidos pelas
atividades, na bacia ou sub-bacia hidrográfica, ao longo do tempo total
anual, conforme Equação 2.

QDmed   Qimed (Equação 2)


Em que:
3 -
QDmed – vazão de demanda média da bacia ou sub-bacia hidrográfica (m h
1
);
Qimed – vazão de demanda média do sistema de captação da atividade “i”
3 -1
(m h ).

A vazão de demanda média de um sistema de captação da atividade


“i” é determinada pela Equação 3.

Qih  Td  Ts  Tm  Ta
Qimed  (Equação 3)
8760
Em que:
3 -1
Qimed – vazão de demanda média do sistema de captação “i” (m h );
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 149

3 -1
Qih – vazão horária do sistema de captação “i” (m h );
-1
Td – tempo diário de funcionamento (h d );
-1
Ts – tempo semanal de funcionamento (d semana );
-1
Tm – tempo mensal de funcionamento (semanas mês );
-1
Ta – tempo anual de funcionamento (meses ano ).
Obs.: 8.760 horas anuais equivalem a 24 horas por dia em 365 dias por ano.

Da mesma forma, se houver coincidência de todos os sistemas de


captação que não funcionam integralmente (ou 8.760 horas por ano)
pararem ao mesmo tempo, os únicos sistemas que consumirão água serão
os que funcionam integralmente. Nesse caso, a vazão consumida na bacia
ou sub-bacia hidrográfica será mínima, sendo denominada vazão de
demanda mínima e determinada pela Equação 4.

QDmín   Qi 8760 (Equação 4)


Em que:
3 -
QDmín – vazão de demanda mínima na bacia ou sub-bacia hidrográfica (m h
1
).
Qi8760 – vazão horária dos sistemas de captação das atividades que
3 -1
funcionam integralmente ou 8.760 horas por ano (m h ).

4 AVALIAÇÃO DO USO DOS RECURSOS HÍDRICOS SUPERFICIAIS

A metodologia proposta para a avaliação do uso dos recursos


hídricos superficiais baseia-se na comparação entre a vazão máxima
outorgável (Qmaxout) e as vazões de demanda máxima (QDmáx), média (QDméd)
e mínima (QDmín) conforme estabelecido na Tabela 1.

Tabela 1 – Metodologia proposta para avaliar a situação da disponibilidade hídrica nas bacias
ou sub-bacias hidrográficas
Consumo hídrico superficial Disponibilidade hídrica superficial
Qmaxout > QDmáx Confortável
QDmáx ≥ Qmaxout > QDméd Preocupante
QDméd ≥ Qmaxout > QDmín Muito preocupante
QDmín ≥ Qmaxout Crítico
150

Como exemplo de aplicação, serão utilizados os dados da pesquisa


desenvolvida por Covre, Serro Junior e Vanzela (2008) na bacia hidrográfica
do Ribeirão Santa Rita, localizada dentro da bacia do rio Turvo-Grande
(Figura 3).

Figura 3 – Localização da bacia hidrográfica do ribeirão Santa Rita

Na bacia foram delimitadas todas as sub-bacias (Figura 4) e


calculadas as vazões máximas outorgáveis (50% da Q7,10), conforme São
Paulo (1994). Foram calculadas as vazões Q7,10 por regionalização
hidrológica (DAEE, 1994), a partir das áreas de drenagem das sub-bacias
afluentes do talvegue principal, de montante à jusante, de forma
acumulativa.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 151

Figura 4 – Sub-bacias afluentes do talvegue principal do Ribeirão Santa Rita e localização das
captações superficiais outorgadas

Sub-bacia Área (ha)


1 1.602,88
2 1.663,56
3 5.148,45
4 2.516,68
5 404,104
6 3.991,27
7 8.521,4
8 1.440,98
9 7.626,67
10 2.408,28
11 5.269,57
12 2.069,77
13 3.858,35
14 2.800,84
15 2.734,32
16 2.105,24
17 2.571,26
18 2.210,68
19 768,28
32 4.24,939
20 1.806,88
21 401,8
22 682,44
24 876,36
25 1.278,95
26 693,76
23 1.446,7
27 644,598
28 852,8
29 1.690,15
30 2.066,67
31 3.804,77
32 424,939

As vazões outorgadas superficiais foram obtidas do banco de dados


de outorga do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São
Paulo (DAEE, 2008), cuja localização pode ser observada na Figura 4. Foram
utilizados somente os dados com consistência, sendo os demais
descartados.
Após a confrontação das vazões máximas outorgáveis com o as
vazões outorgadas de demanda máxima, média e mínima, o resultado da
152

situação da disponibilidade hídrica superficial da bacia hidrográfica do


Ribeirão Santa Rita, pode ser observada na Figura 5.
Figura 5 – Situação da disponibilidade hídrica superficial na bacia hidrográfica do
ribeirão Santa Rita

Pelos resultados (Figura 5) é possível localizar espacialmente a


situação da disponibilidade hídrica nas sub-bacias, em que pela metodologia
empregada, observou-se: 75,5% da área da bacia estão na condição de
consumo confortável (Qmaxout > QDmáx), em 3,3% da área, o consumo é
preocupante (QDmáx ≥ Qmaxout > QDméd) e em 21,2% da área, a situação está
crítica (QDmín ≥ Qmaxout).
Esse resultado demonstra que 21,2% da área da bacia hidrográfica
podem apresentar o colapso na disponibilidade superficial de água, caso a
vazão mínima atinja a vazão máxima outorgável (50% da Q 7,10) em
determinado período do ano. Nessa situação, o art. 14 da Lei 9.034/1994
(27/12/1994), do Plano Estadual dos Recursos Hídricos do Estado de São
Paulo (SÃO PAULO, 1994), prevê que bacia deverá ser considerada crítica,
sendo necessário:
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 153

I – o monitoramento da quantidade e da qualidade dos recursos


hídricos, de forma a permitir previsões que orientem o racionamento
ou medidas especiais de controle de derivações de águas e de
lançamento de efluentes;
II – a constituição de comissões de usuários, supervisionadas pelas
entidades estaduais de gestão dos recursos hídricos, para o
estabelecimento, em comum acordo, de regras de operação das
captações e lançamentos;
III – a obrigatoriedade de implantação, pelos usuários, de programas de
racionalização do uso de recursos hídricos, com metas estabelecidas
pelos atos de outorga. (SÃO PAULO, 1994, p. 4).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O planejamento integrado dos recursos hídricos nas bacias


hidrográficas depende da compatibilização entre disponibilidade e
demanda, permitindo a sustentabilidade deste importante recurso.
A partir da proposta apresentada e aplicada, como, por exemplo, na
bacia hidrográfica do ribeirão Santa Rita, foi possível classificar a
disponibilidade hídrica superficial pelas comparações entre disponibilidades
e demandas diferenciadas em máximas, médias e mínimas.
A diferenciação das demandas permitiu avaliar os riscos não apenas
pela vazão horária consumida, mas também pelo tempo de funcionamento
dos sistemas de captação superficial ao longo dos dias, semanas, meses e
anos.
Espera-se com essa metodologia uma significativa contribuição nos
avanços na análise da disponibilidade e demanda hídrica superficial e, com
isso, na gestão sustentável dos recursos hídricos.

REFERÊNCIAS

ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Outorga de direito de uso de recursos hídricos. Brasília:
SAG, 2011. 50p.
CARVALHO, J. R. M.; CURI, W. F.; LIRA, W. S. Processo participativo na construção de
indicadores hidroambientais para bacias hidrográficas. In: LIRA, W. S.; CÂNDIDO, G. A.
Gestão sustentável dos recursos naturais: uma abordagem participativa [online]. Campina
Grande: EDUEPB, 2013. p. 31-80.
154

COLOMBO, D. H.; COVIZZI, F.; VANZELA, L. S. Análise morfométrica e disponibilidade de água na


bacia hidrográfica do ribeirão reserva no triângulo mineiro. Revista Brasileira de Agricultura
Irrigada, v. 12, p. 2249-2259, 2018.
COVRE, L.; SERRO JUNIOR, M.; VANZELA, L. S. Recursos hídricos superficiais da bacia
hidrográfica do Ribeirão Santa Rita. In: 5 Simpósio de Iniciação Científica da Fundação
Educacional de Fernandópolis, 2008, Fernandópolis. Anais ... Fernandópolis: Fundação
Educacional de Fernandópolis, 2008. v. 4. p. 260-260.
DEPERTAMENTO DE ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA – DAEE. Relatório de outorgas. São Paulo:
DAEE. São Paulo: DAEE, 2008. Disponível em: <http://www.daee.sp.gov.br/>. Acesso em:
16 out. 2008.
DEPARTAMENTO DE ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA. Manual de cálculos das vazões máximas,
médias e mínimas nas bacias hidrográficas do Estado de São Paulo. São Paulo: DAEE, 1994,
64p.
IPCC. Climate Change 2007: impacts, adaptation and vulnerability. Contribution of working
group II to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate
Change. Cambridge: IPCC, 2007. 976p.
SÃO PAULO. Lei 9.034, de 27 de dezembro de 1994. Dispõe sobre o Plano Estadual de Recursos
Hídricos – PERH, a ser implantado no período 1994 e 1995, em conformidade com a Lei
7.663, de 30 de dezembro de 1991, que instituiu normas de orientação à Política Estadual
de Recursos Hídricos. São Paulo: DOE, 1994.
TUCCI, C. E. M. Vazões médias. In: PAVA, J. B. D.; PAIVA, E. M. C. D. Hidrologia aplicada à gestão
de pequenas bacias hidrográficas. Porto Alegre: ABRH, 2003. cap. 1, p. 113-124.
TUCCI, C. E. M. Regionalização de vazões. Porto Alegre: Universidade/UFRGS, 2002. 256p.
WWAP – WATER ASSESSMENT PROGRAMME. The 2018 World Water Development Report.
Paris: Unesco, 2018.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 155

Capítulo 9

CONECTIVIDADE HIDRODINÂMICA DO RIO XINGU E A PLANÍCIE DE


INUNDAÇÃO NO CONTEXTO DA USINA HIDRELÉTRICA DE BELO
MONTE, ALTAMIRA – PARÁ
33
Rita Denize de Oliveira
34
Paulo Cesar Rocha
35
Cristina do Socorro Fernandes Senna

1 INTRODUÇÃO

A ideia de discutir conectividade hidrodinâmica entre o rio Xingu e


sua planície de inundação na área urbana de Altamira, no sudeste do Estado
do Pará, surge a partir da leitura de um artigo de natureza teórica “Sistemas
Rio – Planície de inundação: Geomorfologia e conectividade Hidrodinâmica”
(ROCHA; ROCHA, 2007).
Rocha e Rocha (2007) apresentaram autores referencias nas
discussões em geomorfologia fluvial e conceitos importantes para
compreender conectividade entre os rios e suas planícies, demonstrando
inclusive o papel ecológico da planície de inundação e a interdependência
de ambientes aquático e terrestre. Essa visão holística que integra o
ambiente aquático ao terrestre é reforçada pela “continuidade dos rios”
(VANNOTE et al., 1985), pelo conceito de “pulso de inundação” (JUNK et al.,
1989) adequando-se perfeitamente à situação original da área antes da
instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
A conectividade entre rio Planície se expressa não apenas na
dimensão lateral, observável durante o período de maior precipitação local
que coincide com as cheias do rio Xingu, consistindo no espraiamento do
canal em direção às margens. Outras três dimensões são tão importantes
quanto a lateral: longitudinal, vertical e temporal (SPARKS, 1995).

33
Doutora, professora da Universidade Federal do Pará. E-mail: ritadenize@ufpa.br
34
Doutor, professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. E-mail:
pcrocha@fct.unesp.br
35
Doutora, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi. E-mail: csenna@museu-goeldi.br
156

No médio curso do rio Xingu a dimensão temporal é indispensável


para compreensão do alcance das inundações urbanas, pois todos os anos
ocorre o transbordamento do canal; entretanto, a amplitude da inundação é
variável. O histórico das inundações em Altamira demonstrou a magnitude
do fenômeno, em notícias de jornal da época, no ano de 1957, houve
necessidade de abrigo em cima de árvores e a economia local, centrada na
extração do látex e castanha-do-pará, foi totalmente desestruturada
(OLIVEIRA; ROCHA; BARBOSA, 2015). Na verdade, as vazões do rio Xingu
refletem também períodos mais longos resultante das influências climáticas
regionais El Niño e La Niña nas regiões de atuação Zona de Convergência
Intertropical - ZCIT e Zona de Convergência do Atlântico Sul – ZCA (FRANCO
et al., 2015; OLIVEIRA, 2017).
A dimensão que é raramente discutida na análise geográfica é a
dimensão vertical, as relações entre o rio e o substrato pedológico da
planície de inundação. Corresponde à interação entre a água do rio e o
lençol subterrâneo. O comportamento da planície de inundação é variável
nos períodos de enchente e vazante, assim a função do rio é dinâmica de
acordo com a posição na paisagem e período do ano (sazonal). Ora funciona
como influente fornecendo água para o aquífero, ora funciona como
efluente em que o rio recebe água adicional do lençol, toda essa dinâmica é
intermediada pela planície de inundação.
Na análise da dimensão vertical dois autores abalizaram
teoricamente a pesquisa Stanford e Ward (1995) com o conceito de
“corredores hiporreicos” em sua abrangência conceitual física volume de
água do lençol freático hidraulicamente interativo com o canal principal,
com dinâmica temporal efêmera, sendo influenciados pela textura,
porosidade, relação infiltração-retenção dos solos que formam a planície de
inundação. A vazão do rio principal dependerá tanto do escoamento fluvial
proveniente da montante como da recarga da planície de inundação
considerando seu “efeito esponja”.
A análise da morfologia dos ambientes fluviais da conectividade que
estabelecem com o rio principal é um elemento importante também para a
discussão sobre conectividade fluvial. No trabalho de Stanford e Ward
(1995) são apresentados diversos graus de conectividade entre os
ecossistemas inseridos na planície sendo um verdadeiro mosaico constituído
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 157

por um rio principal e tributários – Eupotamon, os braços interrompidos que


mantêm uma conexão ativa somente na parte da jusante denominados de
Parapatamon. Os Plesiopotamon são segmentos em formato entrelaçado
que se desconectaram no canal principal e, por fim, o mais importante,
Palaeopotamon é formado por meandros abandonados, que correspondem
a lagoas e lagoas marginais, que são ecossistemas de grande importância
ecológica e ambiental na região de Altamira.
A caracterização das lagoas marginais foi abordada (OLIVEIRA;
ROCHA, 2015; OLIVEIRA, 2017), entretanto, o resgate do tema é no sentido
de fortalecer aspectos da hidrodinâmica e a conectividade de ambientes de
igapós com o Rio Xingu, e, ainda, atualizar informações sobre os impactos
socioeconômicos e ambientais resultantes instalação da Usina Hidrelétrica
de Belo Monte (UHBM). O objetivo da pesquisa é caracterizar os
ecossistemas inseridos na área urbana de Altamira e discutir o nível
conectividade com o rio Xingu, além disso, demonstrar os principais
impactos aos ecossistemas na área urbana de Altamira após a construção da
UHBM e as medidas de mitigação pela Norte Energia sobre indenizações e
remanejamentos não previstos no projeto original.
É de suma importância a caracterização dos ecossistemas impactados
na área urbana de Altamira e compreender os impactos socioambientais.
Miranda et al. (1989), em um artigo intitulado Efeitos ecológicos das
Barragens do Xingu: uma avaliação preliminar, expõem diversidade de
habitats do médio Xingu e a extinção grande número deles como: igarapés,
cachoeiras e corredeiras, lagos de ilha, lagos de várzeas, lagos endorreicos,
ilhas em diaclase, ilhas com gênese variável, bancos de areia, praias de ilhas,
praias fluviais, banco de areia de várzea, margem de barranco abrupto,
planície aluvial, terraços e futuras ilhas.
Na Amazônia, antes da instalação da Usina Hidrelétrica de Belo
Monte no rio Xingu, tem-se um histórico com graves impactos da Usina
Hidrelétrica de Tucuruí, malsucedida do ponto de vista socioambiental. De
2
acordo com Manyari (2007) e Rocha (2008) área de inundação de 3.014 km ,
foi acima da prevista, na geomorfologia do rio observou-se alteração no
padrão de erosão e deposição, implicações ecológicas graves no baixo curso,
destruição de biótopos, uma vez que as margens e as planícies fluviais eram
utilizadas pelos peixes para desova, e representavam ecossistemas ripários
158

de grande biodiversidade. Potencializaram-se movimentos sociais de vários


segmentos populares para a busca de direitos não respeitados na
construção de barragens.
Apesar de o estudo centrar-se na geomorfologia fluvial do Médio
Xingu, Altamira Sudoeste do Pará a abordagem apropriou-se do paradigma
complexo, e de conceitos como resiliência, estabilidade e equilíbrio
(TRICART, 1977; PHILLIPS, 1992a; 1992b; DUTRA-GOMES; VITTE, 2013;
MATTOS; PEREZ FILHO; 2014). Metodologicamente, procura-se integrar
técnicas múltiplas das ciências da terra e das ciências humanas, que contou
desde análise granulométrica dos solos, análise micromorfológica do solo
em microscópio eletrônico de varredura (MEV) e coleta de relatos orais.
Nos resultados são descritas as unidades hidrogeomorfológicas antes
e após a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte na área urbana de
Altamira, seus múltiplos usos, suas funcionalidades, evidenciando trechos de
elevada conectividade hidrodinâmica com rio Xingu.

2 ÁREA DE ESTUDO

A área de estudo corresponde ao médio curso da bacia hidrográfica do


rio Xingu, no perímetro urbano da cidade de Altamira, em três sub-bacias –
Altamira, Ambé e Panelas, sudoeste do Pará (Figura 1). O clima é úmido
tropical sem estação fria, tipo Aw segundo a classificação de Köppen, as
temperaturas médias sempre acima de 18 °C, com precipitações médias de
2.000 mm/ano (LUCAS et al., 2006).
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 159

Figura 1 – Mapa de localização da área da pesquisa

Fonte: Oliveira e Castro (2016).

A hidrografia representada pelo rio Xingu que funciona como canal


principal de padrão morfológico anastomosado (SILVA, 2012), caracterizado
naturalmente pelo número acentuado de ilhas e bancos arenosos. Em frente
ao núcleo urbano de Altamira destaca-se a ilha de Arapujá. No perímetro
urbano, os afluentes que banham o núcleo urbano são os três objetos da
pesquisa igarapés: Ambé, Altamira e Panelas e desaguam diretamente do
Rio Xingu. A hidrologia do rio Xingu é influenciada por uma grande
variabilidade anual e interanual, demonstrando três grandes períodos de
vazões médias (Figura 2).
160

Figura 2 – Rio Xingu em Altamira e a série histórica das vazões identificando três grandes
períodos
12000

10000 média
anual
8000
Vazão (m³/s)

media
6000 do
período
4000 desvio
padrão
2000
med
+dp
0
1971 1976 1981 1986 1991 1996 2001 2006 2011
Período

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados da Agência Nacional das Águas – ANA.

O substrato geológico da zona urbana de Altamira é constituído por:


formação de penatecaua; formação alter do chão; eoceno – sedimentos
indiferenciados do neogeno e crostas de laterita; indiferenciados
sedimentos quaternários (SAWAKUCHI et al., 2015, p. 3). Regionalmente
também existe uma especificidade geológico-geomorfológica do rio Xingu as
chamadas fall line ou linhas de queda, resultantes de flutuações no nível do
mar por movimentos glácio-eustáticos no holoceno, e de uma erosão
regressiva do paleo rio Amazonas, que não conseguiu estender-se pelo
contato dos terrenos cristalinos resistentes, onde se formaram as cachoeiras
e corredeiras trecho para onde convergem os grandes projetos
hidroelétricos como da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
Na geomorfologia regional predominam morrotes, morros e colinas
do planalto marginal do Amazonas, do planalto residual do sul da Amazônia
e da Depressão da Amazônia Meridional (BRASIL, 2009).
As tipologias florestais primárias identificadas no médio Xingu foram:
floresta ombrófila densa de terra firme; floresta ombrófila aberta com
palmeira; floresta ombrófila aberta com cipó e palmeira; floresta ombrófila
aluvial periodicamente inundada (SALOMÃO et al., 2007; MPEG, 2008). O
uso do solo segundo o Instituto Socioambiental – ISA (2010) as principais
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 161

atividades econômicas do médio curso da bacia do Xingu são a madeira,


pecuária, garimpo e atividade cacaueira.

3 METODOLOGIA

3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS USADOS NA PESQUISA

O Mapeamento das unidades hidrogeomorfológicas na área urbana


de Altamira, em Escala, em escala 1:100.000 da área urbana de Altamira foi
realizado a partir da interpretação de imagens de satélite Landsat nas
bandas 3, 4, e 5 e análise de fotografias aéreas do ano de 1966 em escala
1:30.000 pertencentes ao Serviço Geológico do Brasil (CPRM).
A classificação de lagoas marginais foi realizada de acordo com três
níveis de estabilidade: estáveis, intergrades e instáveis a partir da adaptação
dos princípios da ecodinâmica de Tricart (1977).
A pesquisa de campo em Altamira realizado em dois períodos, cheia e
estiagem, anos 2015 e 2016. Das técnicas de aplicadas no trabalho de
campo estão análise da história de vida por meio da oralidade, registro
fotográfico, coleta de pontos em coordenadas geográficas nas unidades
hidrogeomorfológicas, descrição geral dos ambientes quanto ao nível de
intervenção antrópica.
Os dados históricos sobre o uso das unidades hidrogeomorfológicas
antes e após a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, e descrição
de formas artificiais criadas para mitigar os impactos do empreendimento
foram baseados em pesquisa de campo nos anos de 2015, 2016 e 2018, e na
coleta de notas jornalísticas em mídias impressas e on-line da Região Norte:
O Liberal, Diário do Pará e documentos oficiais como Diário Oficial e
relatórios da Norte Energia disponibilizados pelo IBAMA, associado às
informações de campo.
162

4 RESULTADOS

4.1 PADRÃO DE OCUPAÇÃO DO MÉDIO CURSO DO RIO XINGU


CENTRALIZADA NO RIO

Algumas obras sobre o médio Xingu reforçaram a importância do rio


Xingu e seus ambientes fluviais no sentido, como forma de reprodução
social e econômica e cultural da população Ribeirinha e de beradeiros como
por meio do Atlas da Pesca (ISA, 2015) ou mesmo na obra expulsão de
ribeirinhos de Belo Monte (MAGALHAES; CUNHA, 2017). Os resultados
apresentados apesar do eixo central da discussão focar na geomorfologia
fluvial do Médio Xingu, mais precisamente na área urbana de Altamira. O
levantamento histórico da ocupação demonstrou essa relação desde
período pré-colombiano até a instalação da Usina Hidrelétrica de Belo
Monte.
36
Metodologicamente, estudou-se a ocupação da Altamira por inputs
socioeconômicos que tiveram repercussões na ocupação da área urbana: 1º
input de 1636-1883 caracterizado pela colonização portuguesa e
aldeamentos missionários; 2º input 1883-1942 compreende a primeira
etapa de extrativismo do látex; 3º input de 1942-1970 compreende a
segunda etapa de extrativismo de látex; 4º input de 1970-2011 Abertura da
Transamazônica; 5º input a partir de 2011 centrou-se na Construção da
Usina Hidrelétrica de Belo Monte; e o 6º input a partir de 2012 centrado na
mineração com o Projeto Volta Grande (OLIVEIRA, 2017).
A importância econômica do rio Xingu e seus afluentes para os
grupos sociais no Xingu pode ser observada nas representações
cartográficas da época do extrativismo do látex, na localização e
37
funcionamento dos barracões. Na obra da travessia do Xingu ao Tapajóz
(1910) (SNETHLAGE, 1912) a atividade da borracha apropriou-se do rio e das

36
Input: conceito adotado da teoria dos sistemas e significa entrada de energia no sistema
socioeconômico por meio de políticas públicas direcionadas para a região.
37
Em 1910 Tapajós era escrito com letra z ao final ao invés de s.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 163

planícies de inundação tanto para coleta da matéria-prima, como na


38
localização da principal unidade produtiva o barracão (Figura 3a).
Na Figura 3d localizava-se o barracão do Manoelzinho no rio Curuá
construído totalmente em madeira, com teto alto coberto com folhas de
palmeiras, sem paredes exteriores com 20 m de comprimento e 8 m de
largura com andaimes de diferentes alturas onde se guardavam provisões
farinha, banana e armas e roupas civilizadas (SNETHLAGE, 1912, p. 68-69).
Conjugado, ainda a seringais bem marcados no igapó estacional, roças e a
castanhais na terra firme (Figura 4). Nesse período atividades
complementares também sustentaram fases de crise do látex como o
comércio de peles e os castanhais.

Figura 3 – Mapa dos Rios Iriri – Curuá-Jamanchim, de 1912 localizando os principais barracões
na confluência dos rios: (a) Barracão Passahy e barracão próximo a cachoeira grande do Iriri
confluência do Xingu-Iriri (b) Barracão na confluência do Curuá-Iriri, (c) Barracão próximo ao
Igarapé do Pimental-Curuá e (d) Barracão do Manoelzinho na confluência do Jamanchin-Curuá

Fonte: Adaptado de SNETHLAGE, (1912)

38
Informalmente, constituía-se no local que recebia a borracha coletada no seringal, onde
seringueiros aviavam gêneros de primeira necessidade.
164

Do 3º input de exploração do látex para ao 5º input da construção da


Usina Hidrelétrica de Belo Monte existe uma faixa temporal de
aproximadamente um século, e a forma de ocupação dispersa ao longo do
rio Xingu e seus afluentes em função do extrativismo do látex nos seringais,
cede lugar a um novo modelo ocupação com a Abertura da Transamazônica
BR-230 que atraiu uma leva de imigrantes, especialmente nordestinos
atraídos por política federal colonização de “vazios demográficos”,
originando um modelo que prioriza circulação por via terrestre, por meio da
via principal BR-230, com vias secundárias paralelas denominadas “vicinais”
ou “travessões”, assumindo forma geométrica de “espinha de peixe” criou
condições para assentamentos rurais coordenados pelo Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) chamados Agrovilas, e modelo
econômico fundamentado na exploração madeireira e na pecuária.

Figura 4 – Modelo de organização da atividade seringueira no Médio Xingu a partir do barracão


do Manoelzinho

Fonte: Elaborado pela autora (2018).

4.2 Unidades hidrogeomorfológicas e diversidade de usos na área Urbana de


Altamira/PA e as implicações da UHBM

Na área urbana apesar do forte uso residencial, as unidades


hidrogeomorfológicas, formas resultantes da dinâmica fluvial com
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 165

funcionalidade econômica, eram facilmente identificadas antes da


instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, dentre as principais: a) rio
Xingu; b) igarapés; c) planície de inundação; d) lagoas marginais; e) terraços
fluviais; d) pedrais; f) praias arenosas, e g) ilhas fluviais (Figura 5).

Figura 5 – Unidades hidrogeomorfológicas na área urbana de Altamira

Fonte: Vasconcelos e Oliveira (2015).

A abertura da Transamazônica desencadeou uma intensa migração


para região contribuiu para consolidação do Núcleo Urbano de Altamira por
meio da instalação de vários loteamentos privados em um histórico que se
estendeu durante as década de 1990, e que após a instalação da Usina
Hidrelétrica de Belo Monte alterou o modelo de ocupação que privilegia
colinas e morros em detrimento as planícies fluviais (Figura 6).
166

Figura 6 – Evolução da ocupação urbana em Altamira antes e depois da instalação da Usina


Hidrelétrica de Belo Monte

Fonte: Santos, Lepeco e Rosemberg (2018).

O rio Xingu, os igarapés Ambé, Altamira e Panelas são


ecologicamente corredores que cortam manchas urbanas, pois
correspondem a uma rede de ligação entre as manchas possibilitando
mobilidade dos organismos. O nível de conectividade depende da
proximidade dos habitats, da densidade de corredores e da permeabilidade
da matriz (MATZGER, 2001, p. 7).
39
Esses corredores exercem funções de condutores , fontes,
40
sumidouro , habitats e filtro. No trecho próximo ao núcleo urbano de
Altamira o canal principal apresenta morfologia anastomosada, em
multicanais, seu uso antes da Usina Hidrelétrica de Belo Monte centrava-se
na pesca comercial e de subsistência, sendo também uma importante via de

39
Condutor – a forma linear tende a produzir fluxos no mesmo sentido, propiciando uma
condução natural (FORMAN, 1995).
40
Sumidouro – o desaparecimento de organismos, sedimentos, sementes e outros
componentes, carreados para o corredor e morrendo ou ficando inativos por não encontrarem
condições adequadas. O fluxo fluvial, pode acumular material nos corredores, tornando os
animais mais expostos a predadores no ambiente mais aberto (FORMAN, 1995).
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 167

circulação de mercadorias da zona rural – Asurini para o núcleo urbano de


Altamira, por meio de transporte fluvial realizado por balsa, escoando
principalmente amêndoas de cacau, leite e banana. A mobilidade dos povos
indígenas, ribeirinhos e beradeiros, que residem em vilas e ilhas, ocorre por
via fluvial que recorrem ao núcleo urbano em busca de serviços essenciais –
educação, saúde e assessoria jurídica. A atividade turística também depende
o rio Xingu para o lazer realizado por barqueiros e pilotos de voadeira que
transportam a população local durante os finais de semana para pontos
turísticos e ilhas.
Os três igarapés Ambé, Altamira e Panelas correspondem a cursos de
reduzida largura, baixa ordem hierárquica, que cortam a área urbana de
Altamira, desaguando diretamente no rio Xingu. Inicialmente, os igarapés
Ambé e Altamira eram usados no abastecimento de água para uso
residencial em suas planícies de inundação, gradativamente foram sendo
apropriados para lazer por meio dos balneários: São Francisco no igarapé
Ambé, Parque do Açaizal no igarapé Altamira, desativado por não
apresentar as condições de qualidade da água, e o Recanto Cardoso no
igarapé Ambé, que apresenta atualmente uma estrutura considerável com
açudes para criação de peixes, instalação de piscinas naturais e artificiais,
restaurante e hotelaria. No médio e alto curso observou-se a construção de
represas e açudes com finalidades de dessedentamento de animais em
associação com a atividade pecuarista.
Dentre os impactos provocados pela instalação da barragem estão o
afogamento de suas desembocaduras, pela elevação dos níveis das águas do
rio Xingu, expansão de obras às margens dos igarapés, imprimindo
mudanças diretas sobre seu leito maior e excepcional como é o caso do
Parque Ambiental do igarapé Altamira e Ambé, pela instalação de pontes de
concreto sobre os três igarapés, e crescente assoreamento pela retirada de
extensa área de floresta aluvial remanescente, aterramento dos igapós, com
perceptível redução na vazão dos igarapés. Por outro lado, o igarapé Panelas
acelera a ocupação somente após a instalação da Usina Hidrelétrica de Belo
Monte com instalação de condomínios privados de voltados ao atendimento
da classe média e implantação do Reassentamento Urbano Coletivo.
As planícies de inundações compreendem as áreas que estão às
margens do rio Xingu e dos três igarapés Ambé, Altamira e Panelas eram
168

periodicamente inundadas durante o período chuvoso de janeiro a abril e


pelos pulsos de inundações anuais. Antes da Usina Hidrelétrica de Belo
Monte existia uma elevada conectividade entre as planícies do Xingu e as
planícies secundárias dos três igarapés que permitiam reprodução dos
habitats típicos do igapó e uma complexa migração de espécies animais.
Entretanto, desde a abertura da BR-230 – Transamazônica, o sistema
drenagem urbana assumiu importante papel social por apresentar terrenos
planos e próximos ao rio Xingu os quais foram ocupados com finalidades
diversas por vários grupos sociais: oleiros, areeiros, pescadores, ribeirinhos,
comerciantes tradicionais, carpinteiro náutico e outros (Quadro 1).
As lagoas marginais enquadram-se como manchas na condição de
habitats. As lagoas marginais são corpos líquidos, ecossistemas de transição
que se localizam na planície de inundação, compreendem áreas deprimidas
geralmente em formato circular, com lâmina d’água variável, com
profundidade de 3 a 6 metros nas cheias e de 1 a 3 metros nas vazantes,
têm gênese relacionada a meandros abandonados e transgressão marinha.
O intercâmbio entre lagoas e o rio Xingu depende da quantidade de água de
precipitação e principalmente da entrada de água subterrânea, uma vez que
o nível de intervenção antropogênico é elevado, as conexões superficiais por
meio de canais de drenagem foram sendo aterradas e/ou canalizadas para
escoamento da drenagem urbana. É notória a perda da função ecológica das
lagoas marginais urbanas, pois esses ecossistemas recebiam o excedente de
água durante o transbordamento das águas do canal; entretanto, a
expansão urbana foi transformando esses habitats em ocupações humanas
com despejo de esgoto.
Os terraços fluviais são áreas encontradas abaixo da terra firme.
Correspondem a antigas planícies de inundações que, a partir sedimentação
gradativa, atingiram um nível topográfico imediatamente acima da planície
de inundação, estendem-se do pleistoceno e são retrabalhados no
holoceno. Essas áreas visualmente são as mais difíceis de serem
identificadas à margem esquerda do rio Xingu, sobretudo porque já estavam
ocupadas pela população, semelhantes às planícies fluviais, que foram
bastante alteradas e ocupadas por residências.
Nessa unidade houve a remoção compulsória da população das áreas
indicadas pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) como afetadas pelas
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 169

inundações permanentes. Por uma pequena diferença altimétrica, as casas


instaladas nas áreas de terraços não foram indenizadas ou remanejadas pela
Norte Energia. No sítio arqueológico localizado na praia do Pepino e no
bairro Independente II observaram-se casas isoladas porque foram
assentadas sob antigos terraços, mesmo com toda a circunvizinhança sendo
remanejada. Isso gerou problemas diversos pela falta de infraestrutura no
trecho com terraços remanescentes, densidade de habitantes reduzida, falta
de iluminação pública, limpeza, pavimentação das vias e segurança pública.
Os pedrais rochosos no interior de cursos d’água correspondem a
áreas de corredeiras e lajeiros. São trechos do rio que apresentam falhas
-1
geológicas, onde a água corre com maior velocidade (em geral >1m.s ). São
acompanhados por blocos rochosos, dispostos nas margens ou no interior
canais (ISA, 2015, p. 20). Essas áreas são de grande importância para a
ictiofauna em que predominam os loricariídeos (acaris), anostomídeos
(piaus), ciclídeos (representados principalmente por jacundás) e caracídeos
serrasalmíneos (principalmente pacus).
Em campo foram identificados vários trechos com áreas de pedrais. A
primeira área localizada na zona rural de Altamira, margem esquerda do rio
Xingu, no setor denominado de Asurini, no balneário Pedral e dentro do
canal do Xingu. Essas áreas durante as cheias eram submersas e no período
de estiagem eram emersas funcionando como atrativo turístico. Nos
igarapés esses afloramentos rochosos foram identificados no igarapé
Cupiúba das Pedras, que integra a bacia do igarapé Ambé.
A principal área de pedral na área urbana localizava-se em Balneário
Pedral, no próprio rio Xingu. Quanto aos impactos, essa área integra a área
de inundação permanente da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Esta
unidade não foi identificada no mapa em função da escala cartográfica,
porém, após a construção da barragem, o Balneário perdeu área de
afloramento rochoso pela elevação do nível do rio, mas continua em
funcionamento com outra lógica de aproveitamento, pois a entrada do
turista é efetuada mediante pagamento e os pedrais que eram expostos na
estiagem permanecem encobertos pelas águas do rio Xingu (Figura 7).
As praias fluviais são feições deposicionais caracterizadas por um
gradiente, localizadas à margem do rio Xingu, na área urbana de Altamira.
Os contatos com a foz do igarapé Panelas e Ambé são a praia do Pepino,
170

praia do Pajé e Prainha, todas constituídas por partículas arenosas. A praia


do Pepino, localizada no bairro Independente I, e a praia do Pajé, localizada
na desembocadura do igarapé Panelas, foram extintas após a construção da
UHBM sendo áreas bastante populares para o lazer local, e que
posteriormente foram compensadas pela implantação de três praias
artificiais (Figura 7).

Figura 7 – Unidades hidrogeomorfológicas na área urbana de Altamira antes da instalação da


UHBM: (a) Praia do Pepino, (b) Balneário Pedral, (c) Lagoa em processo de ocupação
desordenada, e (d) Igarapé Altamira no baixão do Tufi.

Fonte: Pesquisa de campo (Autores, 2014 e 2015).

4.3 INDICADORES DE CONECTIVIDADE HIDRODINÂMICA DO RIO XINGU COM


AS LAGOAS MARGINAIS

As lagoas marginais foram identificadas em vários estados de


intervenção antropogênica ou níveis de estabilidade conforme propõe
Tricart (1977) desde lagoas extintas, em processo de ocupação desordenada
e aquelas que estavam preservadas até a instalação da Usina Hidrelétrica de
Belo Monte (OLIVEIRA; ROCHA, 2015). No quadro a seguir apresenta-se a
classificação das lagoas marginais e lagoas interiores com dados atualizados
(Figura 8 e Quadro 1). No cenário pós-Belo Monte, a Figura 8 demonstra que
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 171

houve maior adensamento da lagoa a partir de 2010, com ápice de


adensamento no ano de 2014 e desapropriação de parte do entorno da
lagoa, demonstrando a área da lagoa exposta.
O rio Xingu apresenta uma variabilidade das vazões em períodos
anuais e interanuais, no caso das vazões máximas observou-se que as
maiores vazões máximas estão nos meses de janeiro, março e abril e as
menores nos meses de agosto, setembro e outubro, o ano de maiores
vazões máximas foi 1974. Entretanto, destaca-se o último período, apesar
de apresentar menor magnitude que os períodos (Figura 2). Os anos de
2009 e 2014 foram representativos no sentido de demonstrarem impactos
jamais registrados em Altamira: a) a primeira inundação brusca que se teve
registro com mais de vinte mil desabrigados, e b) inundações com elevada
área de abrangência com inundação de bairros centrais, incluindo a Rua 7 de
setembro, rua de maior importância para o comércio (Figura 9).

FIGURA 8 – Evolução da ocupação e remanejamento da população da lagoa marginal do bairro


Jardim Independente I

Fonte: Imagens retiradas do Google Earth em 20 de maio de 2018.


172

Quadro 1 – Tipos de lagoas, sua localização na área urbana de Altamira,


uso das lagoas antes e após a UHBM

Tipos Localização Uso antes da UHBM Uso pós a UHBM


No bairro Aparecida, estas
áreas foram suprimidas com
Conforme coleta de dados
o processo de inundação
no campo o bairro
permanente após a
Aparecida, as lagoas
instalação da Usina
estavam parcialmente
Hidrelétrica de Belo Monte
alteradas pela presença
em função de estarem na
de palafitas (habitações
Bairros planície de inundação. Em
subnormais). No bairro
centrais, outra parcela do solo que
Premem a ocupação
bairro também integra a sub bacia
estava mais consolidada
Lagoas Aparecida, na Igarapé Ambé e compõe
com nível de
extintas invasão dos parte do Parque Ambiental,
infraestrutura mais
Padres e houve reforma e elevação
consolidado com várias
Bairro do nível das vias públicas.
ruas asfaltadas sinalizadas
Premem No bairro Premem as áreas
ou bloqueteadas de uso
continuam com o
residencial, porém com
residencial e como
várias instituições
importante via com
públicas instaladas dentre
instituições privadas e
escolas, posto de saúde e
públicas: Senai, Escola
comércio.
Polivalente e Sesc.

Lagoas marginais
Área da lagoa após a
localizadas nos bairros
construção da UHBM foi
Independente I foram
intensamente atingida com a
ocupadas durante o input
mudança no pulso de
da Usina Hidrelétrica de
inundação do rio Xingu e
Belo Monte, uma vez que
limitações na dinâmica de
o preço dos imóveis foi
vazantes anuais elevou o
supervalorizado, o que
nível do rio e tornou a
forçou as famílias que não
unidade
haviam sido indenizadas
hidrogeomorfológica
ou que receberam valor
Lagoa em que vulnerável a inundações,
abaixo do mercado
foram culminando com a decisão
imobiliário local a
densamente Localizadas do IBAMA – Instituto
ocuparem intensamente
ocupadas (pré- no bairro Brasileiro do Meio Ambiente
o setor da Lagoa. Área
barragem) e Independente e dos Recursos Naturais
apresentada pela defesa
removidas I e II Renováveis de determinar a
civil, como sujeita a
após Belo retirada dos moradores pela
movimento de massa
Monte Norte Energia. Na lagoa
(BRASIL, 2012); enfrentou
estão 548 residências, cerca
intenso processo de
de 968 famílias, dessas 293
ocupação desordenada
casas são palafitas. As
com aterramento da área
discussões apontam para
com serragem e resto de
exigência de demolição de
material de construção
imóveis desocupados,
originando problemas
revitalização da Lagoa e
sérios de subsidência do
reparação da rede de
solo e desabamento de
drenagem (BORGES, 2018)
casas
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 173

Tipos Localização Uso antes da UHBM Uso pós a UHBM


Após a construção da
UHBM, essas áreas
atravessaram profundas
O posicionamento
transformações. A lagoa da
geográfico dessas lagoas e
ilha de Arapujá sofreu fortes
do Haras de Altamira,
impactos, como queima da
próximos às margens do
vegetação de pequeno
rio Xingu e outra no
Lagoas e lagos Essas lagoas porte, retirada e catálogo da
interior da ilha de Arapujá
remanescentes estavam vegetação de grande porte
compreendiam áreas
que foram localizadas no por tratar-se área de
apesar da proximidade
alterados pós- Haras de inundação permanente. Na
com a área urbana,
construção da Altamira e na realidade a maior perda foi
podiam ser consideradas
barragem ilha de o nível de diversidade da
como relativamente
Arapujá ilha pela retirada da
preservadas. Com
cobertura vegetal com
dinâmica de enchente e
impactos diretos sobre
vazante da lagoa
áreas da lagoa, além disso,
totalmente integrada com
essa lagoa era usada como
a do rio Xingu
criatório de tucunaré e
41
Curimatã que tende a
desaparecer

Figura 9 – Espacialização das vazões máximas demonstrando as maiores magnitudes nos meses
de março e abril, destacando-se no primeiro período analisado (1974, 1978, 1982, 1985), no
segundo período o ano de 1989 e no último período destacam-se o ano de 2004, 2006, 2009)
com vazões máximas de 30.000 m3/s.

Fonte: Elaborada pela autora com base nos dados da ANA (2018).

No bairro Independente II, na bacia do igarapé Panelas foi possível


construir um croqui sobre o funcionamento da dinâmica entre o rio Xingu,

41
Dados coletados em pesquisa de campo sendo também disponível em G1-Pa. Moradores
temem fim de ilhas com avanço das obras de Belo Monte. 11-09-2015. Disponível em: g1.
Globo.com
174

planície fluvial, lagoas marginais e terra firme na área urbana de Altamira


com base na observação empírica do período “pré” e “pós-barragem”. O rio
Xingu durante as cheias anuais conectava-se com as lagoas marginais por
meio de canais de drenagem, de caráter temporário; entretanto, essa
conexão não se encerrava nas lagoas marginais, e sim conectava-se a outros
ambientes. As lagoas também são alimentadas pelo excesso de drenagem
dos planossolos hidromórficos que interagem com a formação curuá,
constituída de folhelhos cinzentos, subjacente aos nitossolos vermelhos.
Assim, observou-se que durante as enchentes do rio Xingu o fluxo de água
do rio transborda para os terraços fluviais, e desses para as lagoas marginais
e colinas (obedecendo a sequência E-D-C-B-A) e, durante as estiagens, o
fluxo de água é das colinas para as lagoas marginais via planossolos
hidromórficos até atingir o rio Xingu (A-B-C-D-E) (Figura 10).

Figura 10 – Conectividade entre as unidades hidrogeomorfológicas no rio Xingu, área urbana de


Altamira/PA

Fonte: Oliveira (2018).

De acordo com os dados coletados em campo, para os moradores do


bairro Jardim Independente II essa dinâmica pode ser observada pelo nível
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 175

da água nos poços, que eram variáveis durante a vazante (estiagem) e a


enchente (período chuvoso). Segundo os moradores, nas cheias os poços
tipo Amazônico respondiam aumentando o nível de água, porém, durante a
estiagem retornavam ao seu nível normal. Após a construção da Usina
Hidrelétrica de Belo Monte, no ano de 2016 foram identificados trechos em
que o nível da água dos poços atinge a superfície e outros trechos em que
está a 120 centímetros da superfície; nessas áreas os moradores foram
parcialmente remanejados, havendo relatos de contaminação dos poços.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na lagoa marginal localizada no Jardim Independente I de 2011 a


2017, por meio de pesquisa de campo, identificou-se uma evolução da
dinâmica hidrológica desta lagoa marginal, que era influenciada pelo
período de enchente (JFMA) e vazante (JASO) do rio Xingu, sendo
perceptível uma dinâmica hídrica sub superficial entre canal principal,
planícies de inundações e lagoas marginais, com aumento do nível da água
na lagoa segundo esse regime.
A elevação de nível do rio pela instalação da barragem tornou o
ambiente da lagoa do Jardim Independente I mais suscetível a riscos e
desastres geomorfológicos e ainda sanitários, aumentando a insalubridade
nas residências por meio de alagamentos crônicos, subsidência do terreno,
retorno do esgoto e aparecimento de olhos d`água no interior das casas.
Em 2017, o Ibama reconhece a população da lagoa como impactada
sendo a Norte Energia obrigada a realizar a remoção dos moradores da
lagoa do Jardim Independente I. Apesar do parecer favorável aos
moradores, não foi admitida nenhuma influência direta entre o
agravamento dos alagamentos na lagoa marginal com a elevação do nível do
rio Xingu após a instalação da Usina Hidrelétrica e os impactos relatados no
Quadro 1, apenas incluem-se os moradores da lagoa como impactados pelo
“efeito barragem” que forçou migrantes a se instalarem em áreas
inadequadas, pela elevação dos preços aluguéis e baixos preços das
indenizações.
Das críticas apresentadas a esse parecer pautado em informações
cedidas pela Agência Nacional das Águas (ANA), destaca-se a ausência de
176

monitoramento nas lagoas marginais em período extenso ao longo de uma


série histórica, uma vez que o estudo do regime hidrológico demonstrou
uma influência das vazões a eventos de escala regional e variabilidade anual
e interanual, assim, dependendo do ano monitorado ou observado a
interpretação poderá ser distinta da verdadeira dinâmica desses
ecossistemas amazônicos. Portanto, reconhecer a conectividade entre as
lagoas marginais e o rio Xingu consiste em reconhecer que a área impactada
é maior que o que foi previsto no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório
de Impacto Ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, e, mais ainda,
representa uma decisão política, que sugere a inviabilidade de construção
de hidrelétricas no médio Xingu.

REFERÊNCIAS

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178
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 179

Capítulo 10

RECUPERAÇÃO AMBIENTAL DE BACIAS HIDROGRÁFICAS:


INQUIETAÇÕES PRESENTES NO DIÁLOGO ENTRE O QUADRO
LEGAL INSTITUÍDO E A CIDADE
42
Eloisa Carvalho de Araujo
43
Maria Eduarda Guida Frazão Leite
44
Rainer Holzer

1 INTRODUÇÃO

O crescimento urbano desordenado ou mal planejado vem


conferindo aos rios urbanos papel, muitas vezes, oposto àquele
determinado para o cumprimento de suas funções ecológicas. Por outro, o
tratamento dado aos corpos hídricos vem requerendo novas visões frente à
necessidade de recuperação dos ambientes fluviais, parte integrante de
bacias hidrográficas. Segundo Silva-Sanchéz e Jacobi (2012), a degradação
dos recursos hídricos vem revelando tensões e conflitos e exigindo novas
posturas do planejamento urbano municipal, comprometidas com uma
cidade sustentável.
Alguns estudos (GARCIA et al., 2012; BARTALINI, 2014) apontam para
a preocupação em relação à falta de vitalidade dos rios, aos rios que se
tornam obstáculo aos avanços das cidades, sendo transformados em entes
invisíveis, perdendo sua função enquanto elemento da paisagem urbana.
Outros estudos (ZAHED et al., 2012; TUCCI, 2008; ROLNIK; KLINK, 2011),
inseridos na crítica à atuação da engenharia fluvial e hidráulica ressaltam

42
Arquiteta e urbanista. Doutora em Urbanismo pelo PROURB/FAU/UFRJ. Professora do
Departamento de Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da
EAU/UFF. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Processos de Urbanização, Cidades e Ambiente
(CNPq/UFF). E-mail: eloisa.araujo@gmail.com
43
Engenheira ambiental. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana da
UFRJ. Pesquisadora colaboradora do Grupo de Pesquisa Processos de Urbanização, Cidades e
Ambiente (CNPq/UFF). E-mail: meduardafrazao@gmail.com
44
Engenheiro ambiental. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana da
UFRJ. Pesquisador colaborador do Grupo de Pesquisa Processos de Urbanização, Cidades e
Ambiente (CNPq/UFF). E-mail: rainerholzer@hotmail.com
180

que as técnicas empregadas na recuperação de recursos hídricos, em geral,


privilegiam medidas estruturais, com foco na canalização de rios, controle
de enchentes e na eliminação de áreas de risco, entre outros aspectos. Para
esses autores, tais ações, geralmente pontuais, não consideram as
características ambientais da bacia hidrográfica nem as relações sociais
decorrentes, direcionando os rios urbanos a serem incorporados ao
mercado de solos das cidades.
Para Selles (2005), a descaracterização da função ecológica, além de
propiciar a expansão das cidades, criando ambientes impermeabilizados e
degradados, contribui para alterar o regime de vazões e potencializar riscos
de enchentes.
Também há estudos de autores que nos proporcionam a discussão de
estratégias para restauração de rios urbanos, como Riley (1998), Charg
(2000) e Meurer (2011). E, ainda, em um contexto de projeto integrado de
recuperação de bacia hidrográfica, podemos ressaltar as contribuições de
Hough (2005) e Mann (1973). Para Hough (2005), o tratamento a ser dado
aos rios urbanos deve observar seus ciclos hidrológicos. Mann (1973)
destaca que a relação entre corpos d´água e cidades está estreitamente
relacionada ao modo de vida dos habitantes. Ambos os autores ressaltam
que, na perspectiva ambiental, a saúde e a diversidade das funções de um
rio estão relacionadas ao bem-estar da população que usufrui de suas
águas.
45
Outros estudos mais recentes enfatizam que a recuperação dos
rios, nas cidades, a partir de ações estruturais e não estruturais está
diretamente relacionada à revisão de posturas, que considerem o mínimo
de impacto nos ecossistemas frente aos processos de urbanização. E, ainda
46
assim, para outros autores , há necessidade de previsão de associação às
ações de serviços ecossistêmicos, como infraestruturas verde e azul, como
requisito para qualificar o espaço e a vida das pessoas.
Nesse sentido, podemos compreender que a temática da
recuperação ambiental, no âmbito de bacias hidrográficas, vem sendo

45
Encontram-se aí as pesquisas desenvolvidas por Selles (2005), Silva et al. (2010), Holzer
(2017), Leite (2017) e Cazula (2010).
46
Situamos as pesquisas de Costa (2002), Britto et al. (2008), Ribeiro (2017), Rolo (2017), que
compartilham com a contribuição de Costanza et al. (1997).
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 181

ambientada, segundo Araújo, Ribeiro e Holzer (2016), por um novo sentido


de percepção do ambiente, sedimentado pela multi-interdisciplinaridade.
Para os autores, a percepção do ambiente degradado requer planos e
projetos associados a um quadro legal/institucional que venha a partilhar da
visão da bacia hidrográfica como unidade de planejamento ambiental e
territorial, associada a uma visão integrada, comprometida com a
recuperação sustentável do território.
Em um cenário nacional, o processo de recuperação ambiental é
previsto como base legal para a garantia da conservação e preservação do
meio ambiente. Sua importância ganha destaque como um dos objetivos da
Política Nacional de Meio Ambiente, disposta na Lei 6.938, de 31 de agosto
de 1981 (BRASIL, 1981).
Nesse contexto, pode-se, ainda, destacar a importância da garantia
do equilíbrio ambiental para a qualidade de vida da população e para o meio
ambiente, o qual é definido como bem de uso comum, pela Constituição
Federal (BRASIL, 1988).
Muito embora o quadro legal/institucional seja favorável, algumas
questões podem ser evidenciadas. Como conciliar a relação da sociedade
com o meio natural em que se insere, observando um recorte territorial,
como a bacia hidrográfica? Como ocorrem os processos de degradação? E
de que forma esses contribuem para a manutenção da relação atual entre
pessoas e natureza?
Utilizando as bacias hidrográficas como unidades de planejamento
territorial, percebe-se que as mesmas, espraiadas por todo o país,
apresentam suas características naturais modificadas. Um olhar especial
para bacias urbanas, entre elas as que se inserem em grandes cidades,
permite apontar mudanças no uso do solo, processos de urbanização e
ocupação, bem como a instalação de infraestrutura e equipamentos
urbanos como forma de alterações antrópicas no território,
descaracterizando seus ecossistemas e causando impactos negativos sobre
eles. Assim sendo, destaca-se a relação entre processos de degradação
ambiental e o desenvolvimento socioeconômico não sustentável.
Territórios com características alteradas podem ser considerados
como impactados, degradados, ou em processo de degradação, o qual pode
ser definido como a perda da qualidade ambiental e das condições naturais
182

de determinado ecossistema, acima de seu limite de resiliência, por ações


antrópicas (CARPANEZZI et al., 1990; SANCHEZ, 2006). Portanto, quando
uma bacia hidrográfica tem seu limite de resiliência ultrapassado, ela
necessita ser objeto de um processo de recuperação ambiental, para
resgate de seu equilíbrio e melhoria da qualidade de vida local.
Para contextualizar o tema, o presente texto pretende apresentar
uma discussão à luz do quadro legal instituído no Brasil, nas diferentes
esferas institucionais, cujas competências, em certos momentos revelam-se
conflituosas. Tal discussão fundamenta-se, para além de uma abordagem
47 48
conceitual , em experiências empíricas vivenciadas pelos autores ,
considerando o rio Icaraí situado no município de Niterói e o canal do
Mangue, na área central da cidade do Rio de Janeiro, ambos no Estado do
Rio de Janeiro. A análise das áreas, por meio de visitas pontuais, com caráter
de observatório, realizadas nos anos de 2016 e 2017, tornou possível a
discussão.

Figura 1 – Canal do Mangue Figura 2 – Rio Icaraí – trecho em parque

Fonte: olhares.sapo.pt - 2016 Fonte: ofluminense.com.br – 2017


Fonte: Fotos de Cristiano Henrique Ferraz.

Para tal, a estrutura do texto se apoia, para além da introdução, em


quatro seções. A segunda se propõe a tratar o tema a partir de um olhar
sobre as interfaces do quadro legal e a cidade, ressaltando os conflitos. A
terceira nos apresenta os desafios inseridos nas relações e experimentações
entre cidades e seus rios, com base na reflexão dos estudos de caso, do Rio

47
Originada a partir de uma revisão bibliográfica bastante abrangente.
48
Pesquisas realizadas no âmbito do Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq, “Processos de
Urbanização, Cidades e Ambiente”, integrante do Lupa – Laboratório do Lugar e da Paisagem,
PPGAU/EAU/UFF.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 183

Icaraí e do canal do Mangue, ambos afluentes da Baía de Guanabara. A


bacia do rio Icaraí está inteiramente dentro do município de Niterói tendo
2
área aproximada de 8 km , já a bacia do canal do Mangue está localizada no
2
município do Rio de Janeiro, com área de 45,4 km , ambas são consideradas
urbanas em toda sua extensão, sendo escolhidas para a pesquisa devido aos
problemas relacionados a inundações, condições de degradação ambiental e
ausência de função urbana dos seus cursos d´água. Nas considerações finais
são reafirmados os desafios imbricados na relação entre a cidade e seus rios
e caminhos a perseguir.

2 INTERPRETAÇÃO DO QUADRO LEGAL E SUA INTERFERÊNCIA NA CIDADE

Para compreender a relação da cidade com o rio nos dias de hoje é


importante referir-se ao quadro legal que trata dos recursos hídricos, nas
esferas federal, estadual e municipal. Principalmente às ações institucionais
e, se houver, às diretrizes legais que balizam e respaldam, ou deveriam
respaldar, todas as ações relacionadas com o agenciamento dos rios
urbanos.
Não se trata de se fazer um levantamento minucioso da legislação
relativa aos rios no Brasil, sobre este temos como referência o trabalho de
Barros e Barros (2009). Nesta seção é apresentada uma análise crítica, em
ordem decrescente de escala, das leis nacionais para as leis municipais, essa
sequência é adotada, pois as bacias estudadas, do rio Icaraí e do canal do
Mangue, encontram-se inteiramente dentro da área urbana dos municípios
de Niterói e Rio de Janeiro. Portanto, as interferências e ações
consequentes, no sentido da recuperação, estarão sujeitas ao crivo das leis,
principalmente as municipais, por conta da atribuição constitucional do
município de legislar com exclusividade sobre o uso do solo o que, por sua
vez, deve estar respaldado pelas leis em níveis superiores.
A Constituição Federal (BRASIL, 1988) não trata especificamente da
temática dos rios, citando-os apenas para regulamentar alguns usos muito
específicos em que são tratados como recursos. No entanto,
regulamentações gerais, especificamente o capítulo VI, sobre o meio
ambiente, impõem determinações legais para a sua proteção e
agenciamento, englobando, ainda que indiretamente, os rios.
184

É importante ressaltar que na Constituição Federal fica estabelecido


que a proteção do meio ambiente e o combate à poluição são de
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios (artigo 23, inciso VI). O artigo 225 do capítulo relativo ao Meio
Ambiente determina que “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida”. Nesse sentido os rios, como componente fundamental
do meio ambiente, deveriam ser protegidos e a sua poluição combatida em
todas as esferas de governo.
Importante observar que muito antes da promulgação da atual
Constituição a proteção dos rios e mananciais já era prevista na legislação
brasileira pelo Código de Águas de 1934, o qual determinava uma área não
edificante de 10 metros nas margens de todos os corpos d’água,
posteriormente pelo Código Florestal de 1965, que institui as Áreas de
Proteção Permanente (APPs). Ou seja, existem dispositivos legais no Brasil
que protegem os rios urbanos desde a década de 1930, os quais em muitos
casos não foram respeitados nos processos de urbanização e adensamento
das cidades.
A Lei Nacional das Águas, Lei 9.433/1997, que institui a Política
Nacional de Recursos Hídricos, cria diretrizes para a conservação dos
mesmos em todo o território nacional, determina a criação da Agência
Nacional de Águas (ANA) e também que sejam executados os Planos
Nacional e Estaduais de Recursos Hídricos. Entretanto, existem críticas por
parte de especialistas em recursos hídricos, como na citação a seguir:

Aprovada em 8 de janeiro de 1997, a Lei nº 9.433, mais conhecida


como Lei das Águas, pouco altera o status quo da água enquanto
patrimônio natural. Muitos autores e especialistas louvam a
“modernidade” e os “avanços” aportados à gestão das águas com a
edição desta nova lei. Baseiam-se no fato de ela ter se espelhado na
legislação francesa e nos princípios internacionais mais avançados
que regem a matéria. Contudo, nota-se que, em termos de proteção
da água – considerando-se sua importância ambiental, cultural ou
patrimonial –, a nova lei deixa muito a desejar. (CALASANS, 2013, p.
4).
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 185

Há, de fato, uma lacuna na legislação nacional que incide


diretamente sobre o modo como os rios são percebidos e apropriados,
como observa Calasans:

Apesar de, em seus fundamentos, a Lei das Águas afirmar que a água
é um recurso natural limitado, ela reconhece apenas o seu valor
econômico. Não se refere, em momento algum, ao seu valor
intrínseco, natural ou cultural (CALASANS, 2013, p. 4).

Desta forma, a Lei Nacional das Águas regulamenta os usos e


exploração dos recursos hídricos, mas não prevê a proteção dos rios quanto
aos impactos provenientes do uso e ocupação do solo, maiores responsáveis
pela degradação dos rios em áreas urbanas.
Previsto pela Lei Nacional das Águas, o Plano Nacional de Recursos
Hídricos de 2006, segue a mesma lógica e também ignora a questão do valor
intrínseco da água. Os recursos hídricos são tratados em âmbito nacional e
regional, sendo priorizadas questões como uso energético, usos agrícolas,
mineração, indústria, abastecimento humano e usos múltiplos, mas a água é
vista apenas como um recurso mineral. Em momento algum é abordado
diretamente o tema dos rios como componente vital dos ecossistemas
sejam florestais, rurais ou urbanos.
Diversamente da Lei Nacional de Águas, o Código Florestal, Lei
12.651/2012, considera os rios como recurso e patrimônio ambiental, como
corrobora Calasans (2013, p. 6). A Lei 4.771/1965 (primeiro Código Florestal)
já previa a proteção dos rios através da preservação da vegetação de sua
faixa marginal e de suas nascentes, enquadrando-as como Área de
Preservação Permanente (APP). A Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal)
amplia a largura da faixa marginal, entretanto, flexibiliza alguns aspectos
referentes à proteção dos cursos d’água. Em seu artigo 3º, inciso II, a Lei
12.651/2012 define APP como:

Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou


não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os
recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o
solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
186

O Código Florestal de 2012 considera como APPs as margens de rios


em áreas urbanas e não urbanas sem distinção; logo, as faixas marginais de
proteção em áreas urbanas também deveriam ser preservadas atendendo
às restrições seguintes, como previsto em seu artigo 4º, I, as faixas
marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos
os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de
largura.
Entretanto, diversamente da Lei de 1965, não é prevista a proteção
ambiental das faixas marginais de rios efêmeros e de cursos d’água não
naturais, ambos os termos não são definidos no texto da lei, esse fato pode
dificultar a preservação dos rios urbanos em especial os mais
desnaturalizados, que tendem a ter seu fluxo basal muito reduzido ou nulo,
sendo efêmeros devido à ação antrópica, e os rios que têm seus canais
modificados de forma que podem ser entendidos como um curso d’água
artificial.
Em princípio, a intervenção ou supressão da vegetação é vedada nas
APPs, no entanto, o artigo 8º prevê hipóteses em que isso pode ocorrer, no
caso “de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto
ambiental”. A Lei 12.651/2012 também determina que a regularização de
assentamentos de populações de baixa renda em zonas urbanas é de
interesse social (artigo 3º, inciso IX), portanto, em alguns casos, a
regularização fundiária é possível mesmo em APP.
Como o tema abordado está na interface entre o urbano e o
ambiental, também é importante versar sobre a legislação urbanística, em
nível federal. As Leis federais 6.766/1979, modificada parcialmente pela lei
9.785/1999 e posteriormente pela Lei 10.932/2004, dispõem sobre o
parcelamento do solo urbano em todo o território nacional. Não
necessariamente expressando preocupação ambiental, na Lei 10.932/2004,
em seu artigo 4º, item III, é determinado que para os loteamentos, ao longo
das águas correntes e dormentes, será obrigatória faixa não edificável de 15
metros de cada lado salvo maiores exigências de legislação específica. Este
dispositivo pode ser de grande valia para preservação e eventual
recuperação de rios urbanos. Este item consta na redação da Lei
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 187

6.766/1979, sendo modificado pela Lei de 2004, entretanto, apenas o termo


“non edificandi” foi adequado para “não edificável”.
Como no caso da Política e do Plano Nacional de Recursos Hídricos,
anteriormente abordados, para o Plano Estadual de Recursos Hídricos do
49
Rio de Janeiro , a água é um recurso a ser explorado com especial ênfase na
questão do abastecimento humano, tema bastante pertinente posto que o
Estado do Rio de Janeiro é bastante populoso e com população
majoritariamente urbana. Entretanto, em alguns pontos o valor ambiental
da água é considerado, como no caso do Programa de Estudos e Projetos
para Revitalização de Rios e Lagoas. Nenhum rio urbano está contemplado
nesse programa, porém este pode servir como referência para ações de
revitalização e recuperação em outros rios do Estado.
Já o Decreto Estadual 42.356/2010 flexibiliza a delimitação das faixas
marginais de proteção no Estado do Rio de Janeiro, sendo em alguns itens
menos restritivo que as Leis Federais 10.932/2004 e 12.651/2012, indo em
desacordo com as mesmas, pois uma lei estadual não pode ser menos
restritiva que uma lei em nível federal.
Tendo como base este decreto, o Instituto Estadual do Ambiente
(INEA) implementou a Norma Operacional Para Demarcação das Faixas
Marginais de Proteção e das Faixas Non Aedificandi de Cursos D’água no
Estado do Rio de Janeiro (NOP-INEA-33), que tem como finalidade orientar
os técnicos do órgão na delimitação desses casos a fim de emitir licenças de
operação de empreendimentos.
A Lei Orgânica, de maneira coloquial, pode ser entendida como a
“Constituição Municipal”, pois esta é a lei fundamental na esfera do
município, devendo todas as outras leis municipais respeitar suas
determinações. Todavia, a Lei Orgânica está subordinada às leis federais e
estaduais, sobretudo à Constituição Federal.
No que tange aos recursos hídricos, meio ambiente e urbanização, e,
consequentemente, aos rios urbanos, a Lei Orgânica do Município de Niterói
confere determinações de forma mais imediata sobre essas questões no

49
Este Plano foi concluído e posteriormente aprovado pelo Conselho Estadual de Recursos
Hídricos do Rio de Janeiro (CERHI-RJ) a partir de temas estratégicos apoiados na
sustentabilidade do uso da água. Fev. 2014.
188

Capítulo VII do Urbanismo, da Política Urbana, do Meio Ambiente, da Pesca


e da Política Agrícola e Agrária.
A Lei Orgânica institui a política de desenvolvimento urbano para o
município, que “tem por objetivo atender ao pleno desenvolvimento das
funções sociais da Cidade” (art. 303), entendido como direitos do munícipe,
em seu parágrafo primeiro:

Acesso à moradia, transporte público, saneamento geral básico,


energia elétrica, gás canalizado, iluminação pública, cultura, lazer e
recreação, segurança, preservação, proteção e recuperação do
patrimônio ambiental, arquitetônico e cultural e ter garantido a
contenção de encostas e precauções quanto a inundações. (Lei
Orgânica do Município de Niterói, art. 303, § 1°).

Esse mesmo artigo determina que o instrumento básico para


execução dessa política será o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
integrado, que deve atender a princípios como a aplicação de critérios
ecológicos, garantir a proteção do patrimônio natural e estabelecer o
zoneamento ambiental do município. Para o atendimento desses critérios
ecológicos é determinado, no primeiro parágrafo do artigo 304, que as
“micro bacias hidrográficas urbanas deverão ser consideradas como
unidades de planejamento para elaboração do Plano Diretor”. Desse modo,
a Lei Orgânica de Niterói condiciona diretamente o seu planejamento aos
seus rios, que estão localizados em um município totalmente urbano.
Ainda nessa seção, no artigo 308, as áreas de preservação
permanente (APPs) do município são definidas, como previsto na Lei Federal
4.771/1965 e na Resolução Conama 4/85, a partir dos parâmetros seguintes:

As coberturas vegetais existentes nas áreas de preservação


permanente são consideradas indispensáveis ao desenvolvimento
urbano equilibrado e não poderão ser removidas. (Lei Orgânica do
Município de Niterói, art. 308, parágrafo único).

Esse artigo é de grande importância na preservação e para futuros


projetos de recuperação dos rios do município, pois reitera que as faixas
marginais de proteção devem ser respeitadas mesmo na área urbana, além
disso, reporta-se ao Código Florestal, em sua versão vigente à época, ou
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 189

seja, a de 1965, na qual se determina que a margem de todo curso d’água é


APP.
Na Seção III: Do Meio ambiente, no art. 316 é determinado que o
município tenha como dever “garantir o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado”. Para atender a esta meta são estabelecidas
diretrizes para a Política Municipal de Meio Ambiente e criado o Sistema
Municipal de Meio Ambiente. Dentre elas deve ser destacado que uma das
diretrizes dessa política é a de promover a reposição da cobertura vegetal
do município, enfatizando o reflorestamento de áreas degradadas e
margens de rios, ou seja, a Política Municipal de Meio Ambiente respalda
ações no sentido de recuperar a cobertura florestal nas margens de rios
urbanos.
O Plano Diretor é a ferramenta básica para o planejamento urbano,
previsto pela Constituição Federal de 1988 (art. 182), sendo obrigatório para
todo município com mais de 20 mil habitantes; entretanto, só foi
regulamentado pela Lei Federal 10.257 de julho de 2001.
O Plano Diretor de Niterói em vigor, Lei Municipal 1.157, foi
aprovado pela Câmara Municipal em dezembro de 1992, posteriormente
alterado pela Lei Municipal 2.123/2004, fixa objetivos para preservar e
recuperar ecossistemas essenciais, no sentido de proteger os recursos
hídricos (artigo 38), entretanto, não estabelece diretrizes e determinações
para tal. No que diz respeito às questões referentes aos recursos hídricos, o
referido plano só trata do abastecimento de água potável e da drenagem
urbana.
No art. 71 são estabelecidas diretrizes para macro e microdrenagem
com vistas ao bom escoamento das águas pluviais, dentre essas podemos
destacar a adequação das faixas marginais de proteção de todos os cursos
d’água do município à calha necessária para vazões máximas, ao acesso para
manutenção e preservação da vegetação marginal, com indicação das
“áreas onde se faça necessário reflorestamento para garantia da eficácia do
sistema de drenagem”. Alguns rios do município são citados no Plano
Diretor, mas sempre relacionados a questões de drenagem de regiões
específicas do município, já o Rio Icaraí não é mencionado.
É importante ressaltar a inobservância à Lei Orgânica na execução do
Plano Diretor no que tange às questões referentes à água, pois seu valor
190

ambiental não é considerado, além do que as microbacias hidrográficas,


como a do rio Icaraí, não são utilizadas como unidade de planejamento. Para
o Plano Diretor de Niterói os rios são meros recursos para a drenagem
urbana, fato que corrobora a sua invisibilidade.
Atualmente está em tramitação, com vistas à aprovação na Câmara
Municipal, Projeto de Lei de novo Plano Diretor para o município de Niterói.
Embora o texto final ainda não tenha sido aprovado, a minuta e os relatórios
dos diagnósticos elaborados com o intuito de embasá-lo estão disponíveis
no site oficial da Prefeitura. A análise dos relatórios, no que tange à questão
das águas, demonstra uma tendência de tratar a água como recurso
expressando seu valor intrínseco. Nesse sentido, as unidades de
planejamento propostas no diagnóstico não contemplam as microbacias
hidrográficas do município, da mesma forma que no plano vigente, em
descumprimento a lei orgânica. Uma análise mais aprofundada do novo
Plano Diretor só será possível quando este for aprovado pela Câmara.
Podemos concluir esta seção observando que as leis referentes às
águas não abrangem rios urbanos, como o Rio Icaraí, pois os mesmos não
são um recurso hídrico sob o ponto de vista dessas leis tanto em âmbito
federal quanto estadual, as quais entendem a água como recurso mineral,
isso se deve ao fato de esses rios não serem uma alternativa viável de fonte
de água potável ou para geração de energia elétrica. Já em âmbito
municipal, o rio é visto como recurso para drenagem urbana, mesmo
existindo na legislação dispositivos que observem o valor ambiental dos rios.
Esse quadro legal corrobora para que o rio seja institucional e culturalmente
invisível.

3 RELAÇÃO ENTRE CIDADE E SEUS RIOS

Ao observar uma bacia hidrográfica dentro da cidade do Rio de


Janeiro, utilizando como exemplo a bacia do canal do Mangue, percebe-se
que sua capacidade de se recuperar das consequências dos impactos
causados por ação antrópica pode ser considerada baixa. Partindo do
princípio de que uma cidade se torna cada vez mais consolidada,
expandindo sua zona ocupada, demandando novas intervenções, e atraindo
mais pessoas para a zona urbana, percebe-se que seu ambiente natural
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 191

tende a ser cada vez mais modificado. Portanto, bacias hidrográficas


urbanas consideradas degradadas, quando avaliadas à luz de sua resiliência,
apresentam a tendência de ter seus impactos agravados, sem a capacidade
de mitigação e reversão dos mesmos. Os processos degradantes do
ambiente da bacia, portanto, tendem a ser acelerados ou apenas
continuados, se atitudes não forem tomadas.
Assim sendo, para a melhoria da qualidade ambiental desta porção
territorial, e da qualidade de vida da população urbana nela instalada,
processos de recuperação ambiental que visem à recuperação da resiliência
da bacia são esperados. Corroborando com esta visão, a reversão de
impactos e consequente conservação ambiental são necessários, de forma a
considerar uma visão sistêmica em relação às atividades realizadas no
território da mesma.
Alguns autores reafirmam que processos de recuperação ambiental
podem visar à melhoria da qualidade ambiental de determinada porção do
território. Tais medidas buscam, além da restituição de um ou mais
ecossistemas, uma condição não alinhada com a degradação, mas diferente
de sua original; procuram a restituição de um ecossistema o mais próximo
de suas condições originais; as técnicas de manejo que visem a tornar um
ecossistema novamente produtivo, assim como a obtenção de condições
para estabelecer um equilíbrio dinâmico (BRASIL, 2000; SANCHEZ, 2006).
Percebe-se, portanto, segundo Binder (1998), uma gama de
possibilidades quando se trata de processos de recuperação ambiental de
áreas degradadas. Dependendo de seu objetivo, das características da área,
da sua situação de degradação e da sua capacidade de resiliência, diferentes
abordagens podem ser adotadas.
Além disso, ao realizar uma abordagem sobre o território de uma
bacia hidrográfica, uma visão sistêmica é permitida, levando em
consideração os diversos fatores atuantes sobre o território e a sinergia
entre eles, bem como a forma como ela atua no ecossistema da bacia como
um todo. Assim, em uma bacia urbana, seja o caso do Canal do Mangue (RJ)
ou do Rio Icaraí (Niterói) observa-se a presença de variados elementos
socioeconômicos e ambientais, além de urbanísticos e políticos exercendo
influência sobre o território.
192

Os diversos tipos de abordagem para a recuperação ambiental e a


grande gama de fatores ativos em um território, além de sua sinergia,
podem ser considerados gargalos no processo de retomada de sua
qualidade ambiental. Há, dessa forma, a demanda de um conhecimento
vasto da bacia hidrográfica, seu território, suas características originais, e
padrões de intervenção, além da análise de suas dinâmicas para a definição
de uma estratégia.
É importante atentar-se, ainda, para os atores responsáveis pelo
desenvolvimento, sucesso e manutenção do processo de resgate da
qualidade do meio ambiente. Voltando novamente o olhar para a base legal,
a Constituição Brasileira traz o dever de preservação e restauração do meio
ambiente ao poder público e à coletividade (BRASIL, 1988). A Política
Nacional de Meio Ambiente traz, ainda, a imposição ao poluidor da
obrigação de buscar a recuperação do meio ambiente (BRASIL, 1981). Pode-
se, então, ressaltar a responsabilidade compartilhada pela qualidade
ambiental do território, chamando atenção para a sociedade civil como ator
responsável pela garantia da conservação e manutenção dessa qualidade.
É observado então outro desafio a ser enfrentado na recuperação
ambiental de bacias hidrográficas: a mudança na relação entre pessoas e
meio ambiente. As alterações trazidas pelo processo de ocupação de um
território acabam, portanto, por serem importantes na definição e
construção da relação entre a sociedade nele inserida e o meio ambiente e
recursos naturais locais.
Na bacia do canal do Mangue, por exemplo, percebe-se um padrão
de ocupação que não conversa com os elementos naturais da bacia. Corpos
hídricos artificializados, canalizados, enterrados; o lançamento de esgoto
sem tratamento em rios e córregos; casas virando suas costas para os rios
locais; a retirada de vegetação são exemplos de situações nas quais se pode
perceber o distanciamento da vida urbana do meio natural (LEITE, 2017).
Este distanciamento tem influência no comportamento da sociedade
local em relação ao meio em que vive. A percepção de pertencimento ao
seu território dá lugar ao sentimento de posse. A cidade e sua população
são construídas, então, não pertencendo àquele local, mas apropriando-se
do espaço. Dessa maneira, a dinâmica urbana é imposta ao território,
trazendo impactos ao funcionamento e equilíbrio de ecossistemas, sem a
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 193

inclusão dos seres humanos e suas atividades a eles. Entende-se, portanto, o


ser humano como ator externo que impõe atividades, sem, entretanto, fazer
parte da natureza.
Observa-se, ainda, a grande diversidade de ecossistemas afetados
por impactos antrópicos. Dentre eles, a rede hidrográfica que corta o
território. O ecossistema hidrográfico apresenta-se de forma bastante
alterada e sensível dentro dos limites de uma bacia hidrográfica urbana.
Alvo de descaracterizações diversas, a dinâmica hidrográfica se encontra
alterada, de forma a atingir setores da infraestrutura urbana, influenciando
também outros ecossistemas a ela relacionados, com seus problemas.
Grandes inundações são constantemente relatadas em cidades como
o Rio de Janeiro, com especial atenção à região da Praça da Bandeira,
inserida nos limites da bacia do canal do Mangue. O que também pode ser
associado ao quadro vulnerável da bacia do rio Icaraí, praticamente toda
impermeabilizada.
Canalizados, escondidos, espremidos entre prédios, identifica-se o
não protagonismo dos rios dentro de seu próprio território. A imposição da
cidade sobre o terreno calou seus rios, transformou-os em canais de
passagem para retirar as águas do convívio urbano, voltando suas costas
para eles, e estrangulando-os. A ocupação de suas margens, a retirada de
sua vegetação ciliar, a perda da sua biodiversidade, entre outros fatores
observados, podem mostrar a vulnerabilidade apresentada pela rede
hidrográfica de uma bacia urbana, como as bacias do canal do Mangue e do
rio Icaraí, com consequências na dinâmica das cidades. Pode-se considerar
esta questão, portanto, como mais um desafio para a recuperação
ambiental de uma bacia, tornando-se primordial, assim, trazer os corpos
hídricos para o convívio da cidade, como parte da paisagem e dinâmica
urbanas.
Dessa forma, observa-se a necessidade da recuperação de bacias
hidrográficas degradadas a partir de dois principais objetivos: de resgatar o
equilíbrio ecológico e a qualidade do meio ambiente e seus ecossistemas,
para seu melhor funcionamento; e de melhoria da qualidade de vida da
população local, trazendo de volta a importância de sua boa relação com o
território em que se insere.
194

De tal forma que outro desafio a ser enfrentado na recuperação


ambiental de bacias hidrográficas deve ser considerado: a mudança na
relação entre pessoas e meio ambiente. As alterações trazidas pelo processo
de ocupação de um território acabam, portanto, por serem importantes na
definição e construção da relação entre a sociedade nele inserida e o meio
ambiente e recursos naturais locais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A bacia hidrográfica como recorte espacial e unidade territorial de


planejamento traz a possibilidade de uma visão sistêmica projetada sobre os
problemas enfrentados pelo território, sejam eles socioambientais ou
jurídico-urbanísticos. Dentro dos limites de uma bacia é possível traçar uma
relação de interdependência entre os diversos ecossistemas ali presentes e
as atividades nela desempenhadas. O território da bacia pode ser visto
como um sistema interligado, com características únicas, que afetam umas
às outras. Torna-se possível, portanto, compreender a dinâmica de uma
localidade, os impactos nela encontrados, seja eles positivos ou negativos, e
suas possíveis causas ou situações de agravamento. A compreensão desta
dinâmica é fundamental para a realização do planejamento, sendo ele
socioeconômico, ambiental ou territorial, trazendo propostas e soluções
mais eficazes, levando em consideração a sinergia entre fatores exercidos
sobre o território. Dessa forma, a abordagem sobre a bacia traz clareza ao
fato de que seus elementos ambientais, socioeconômicos e políticos
interagem entre eles, e trazem modificações ao sistema, repercutindo direta
e indiretamente no espaço delimitado por seu contorno.
A abordagem da bacia como unidade territorial pode trazer, então,
uma reflexão a respeito da relação entre cidade e rio, enfatizando a
conexão, ou ausência de conexão, entre os agentes ativos de uma cidade,
sua população local e os corpos hídricos que se inserem em determinada
localidade. De modo que é possível a observação do afastamento entre
pessoas e águas urbanas, quando, por exemplo, casas viram suas costas
para os rios, ou os mesmos se encontram canalizados e cobertos. Essa perda
do protagonismo das águas no território de bacias urbanas pode ser
avaliada como um fator influente na descaracterização de uma bacia
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 195

hidrográfica, trazendo ainda uma distorção da função socioambiental das


águas e seu papel na dinâmica e equilíbrio ambiental para o meio. Afinal, rio
saudável contribui para uma cidade saudável.
Evidencia-se assim que a bacia como unidade de planejamento
pode desempenhar também papel decisivo para o conhecimento e
entendimento dos impactos ambientais resultantes do processo de
urbanização e expansão da ocupação. A percepção das mudanças antrópicas
causadas pelas alterações no uso do solo tem a capacidade de elucidar a
relação entre meio urbano e meio natural, entre cidade e ambiente em que
se insere. Esse entendimento se torna prioritário para a melhoria da
qualidade de vida da população urbana brasileira, para a qualidade do
ambiente urbano e para o desenvolvimento sustentável do território.
A sustentabilidade no desenvolvimento urbano, por sua vez, pode
possuir como centralidade as águas urbanas e seus ecossistemas. A água,
como componente essencial para a existência de vida e patrimônio do
planeta definido pela ONU (1992), encontra seu ciclo alterado pela ação
antrópica. Principalmente em ambientes urbanos, essas alterações são
claramente observadas, trazendo consequências para toda a dinâmica da
bacia. Portanto, considerar a bacia hidrográfica como base para o
planejamento e gestão de um território pode ser decisivo para seu sucesso.
No Brasil, apesar do aparato regulatório voltado ao ordenamento
do território ser apoiado nos limites administrativos, atenta-se, para a
adoção da bacia, como unidade territorial de planejamento e gestão
urbano-ambiental, para todo o território nacional. Espera-se trazer esta
diretriz para a prática, buscando efetividade e sustentabilidade em suas
ações.
E diante do contexto acima descrito, como conciliar o gerenciamento
e ações no território a partir de bacias hidrográficas e a manutenção dos
dispositivos legais/institucionais, tal como estão postos? Este nos parece ser
o maior desafio a ser enfrentado pela temática da recuperação ambiental de
bacias hidrográficas. E é o que se apresenta como um caminho a ser
perseguido pela pesquisa em curso.
196

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198
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 199

Capítulo 11

OS MEIOS MORFODINÂMICOS EM BACIAS HIDROGRÁFICAS: O CASO


DO CÓRREGO DO CARMO NO MUNICÍPIO DE ITUIUTABA/MG

50
Leda Correia Pedro Miyazaki
51
Maria Cristina Moreira Penna

1 INTRODUÇÃO

As inter-relações que envolvem as dinâmicas da sociedade e da


natureza e os efeitos e respostas no espaço geográfico é uma das discussões
que têm permeado as pesquisas geográficas no século XXI. Essa temática
tem se fortalecido na academia, principalmente por envolver uma
abordagem integrada de processos, sejam de origem natural ou antrópica,
com o intuito de analisar as implicações e os resultados dessa inter-relação
na paisagem. Essa inter-relação tem gerado alguns problemas de caráter
socioambiental, vinculados à degradação, que de maneira direta ou indireta
acaba afetando a qualidade tanto do ambiente quanto de vida da
população.
Neste contexto, uma das unidades de pesquisa mais utilizadas nos
estudos geográficos-geomorfológicos vinculados aos estudos de degradação
ambiental, seja nas áreas urbanas ou nas áreas rurais, são as bacias
hidrográficas. Isso acontece devido ao fato de integrar as inter-relações
entre as dinâmicas da sociedade e da natureza para poder compreender os
efeitos e as respostas do ambiente diante essa inter-relação.
Partindo dessa abordagem, procurar-se-á explanar sobre as
implicações decorrentes da inter-relação entre as dinâmicas da sociedade e

50
Doutora, Curso de Graduação em Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia
da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP), da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFU), campus Pontal. E-mail: lecpgeo@ufu.br
51
Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências Integradas
do Pontal (FACIP), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), campus Pontal. E-mail:
crispenna@ufu.br
200

da natureza e os impactos ambientais que ocorrem nas bacias hidrográficas


rurais e/ou urbanas. Dessa forma, propõe-se uma análise do processo de
ocupação da área de estudo com a finalidade de demonstrar como o espaço
está sendo produzido nas bacias hidrográficas, além de analisar como as
inter-relações entre as dinâmicas da sociedade e da natureza estão
impactando o ambiente e provocando o rompimento do equilíbrio dinâmico
dos processos naturais ligados diretamente à ação da sociedade.
Para tanto, escolheu-se como área modelo a bacia hidrográfica do
córrego do Carmo, uma bacia hidrográfica com uso misto, sendo este ligado
a atividades urbanas e rurais.
A geomorfologia tem contribuído de forma efetiva na compreensão
dos processos responsáveis pela evolução do relevo nas bacias hidrográficas
e tem subsidiado pesquisas que buscam recuperar e mitigar impactos
ambientais decorrentes da inter-relação das dinâmicas da sociedade e da
natureza. No entanto, é importante para esses estudos a apreensão dos
principais processos naturais que ocorrem em uma bacia e como a ação do
homem (dinâmica da sociedade) vem rompendo o equilíbrio dinâmico da
natureza.
Assim, serão abordados alguns princípios que guiarão a reflexão
sobre a temática abordada neste capítulo, sendo esses a explanação de
algumas teorias geomorfológicas, aspectos naturais que caracterizam as
bacias e os efeitos e as respostas do ambiente perante as intervenções
antrópicas a partir dos estudos de caso.

2 A QUESTÃO DA MORFODINÂMICA NAS BACIAS HIDROGRÁFICA:


TEORIAS, CONCEITOS E PROCESSOS

2.1. O EQUILÍBRIO DINÂMICO NA INTERPRETAÇÃO DA EVOLUÇÃO DO


RELEVO

A teoria do “Equilíbrio Dinâmico” pode ser considerada uma das


primeiras proposições estudadas pela geomorfologia nos anos 1960 que
embasou diversas pesquisas geográficas-geomorfológicas para se entender
como o relevo evolui e os principais processos operantes ligados ao
desenvolvimento das formas de relevo. Essa teoria tenta demonstrar como
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 201

os processos naturais ocorrem e que possuem um equilíbrio natural,


mantendo determinada harmonia de evolução das formas superficiais.
Segundo Casseti (2005, s. p.), o “autor que mais tem trabalhado no
enfoque acíclico do conceito de ‘equilíbrio dinâmico’ é Hack (1960)”, sendo
esse baseado na teoria geral dos sistemas de Bertalanfy (1937), vinculado à
linhagem epistemológica anglo-americana pós-davisiana.
A teoria do equilíbrio dinâmico trabalha com o conceito de que o
relevo é um sistema aberto onde ocorrem constantes trocas de energia e
matéria com outros sistemas terrestres, estando ligado à resistência
litológica. No entanto, existiam pesquisadores, como, por exemplo, Valter
Penck, que acreditavam que as formas superficiais (relevo) eram resultantes
da competição entre o levantamento da crosta e a erosão. Por outro lado,
pesquisadores como John Hack acreditavam que as morfologias eram
oriundas “de uma competição entre resistência dos materiais da crosta
terrestre e o potencial das forças de denudação” (CASSETI, 2005, s. p.).
Lembrando que foi a partir dos estudos de Gilbert (1877) que surgiu a
primeira tentativa de explanação da evolução do relevo com base no
equilíbrio dinâmico, e que Hack a utilizou com o intuito de explicar as
formas do vale Shenandoh, localizada na região dos Apalaches, a partir das
características da rede de drenagem e das vertentes (CASSETI, 2005).
Assim, para Hack (1960; 1975), o equilíbrio dinâmico envolvia a
compreensão de um balanço entre processos que ocorrem na paisagem,
sendo resultante de um estado de equilíbrio entre forças antagônicas (que
se combatem), que atuam sob taxas iguais e seus efeitos se anulam
reciprocamente.
Nesse sentido, o equilíbrio dinâmico é sustentado pelo ajuste
recíproco entre os processos de agradação e degradação do relevo, sendo
qualificado por Cristofoletti (1973) pelo balanço dos fluxos de matéria e
energia que entram e saem do sistema geomorfológico, ou, em outras
palavras, que os processos morfogenéticos se encontram balanceados com
as condições características do ambiente podendo ser considerados de um
lado pela resistência litológica perante a ação exógena representada pela
denudação.
Christofoletti (1973) afirma que o sistema geomorfológico consegue
atingir o estado de equilíbrio dinâmico quando ocorre um ajustamento das
202

formas do relevo com a entrada e saída de energia e matéria, pois o


gradiente dos canais fluviais passam a ser adequados à quantidade de água
e a carga acertado à resistência do leito, isso acontece de tal modo que o
trabalho seja igualmente distribuído em todo o segmento fluvial:

Toda alternância de energia, seja interna ou externa, promove


alteração no sistema, manifestada através da matéria, razão pela
qual os elementos da morfologia tendem a se ajustar em função das
modificações impostas, seja pelas forças tectodinâmicas, seja pelas
alterações processuais (mecanismos morfoclimáticos). Diante disso, a
morfologia não tenderia necessariamente para o aplainamento, visto
que o equilíbrio pode ocorrer sob os “mais variados panoramas
topográficos. (CASSETI, 2005, s.p.).

Partindo desse princípio, qualquer alteração que ocorra em um


ponto da bacia hidrográfica pode atingir as demais partes levando ao
estágio de desequilíbrio. Isso acontece devido à interdependência dos
elementos que fazem parte do sistema geomorfológico da bacia hidrográfica
considerando a teoria do equilíbrio dinâmico. Neste sentido Casseti (2005,
s.p.), afirma que:

[...] para Hack as formas de relevo e os depósitos superficiais


possuem uma íntima relação com a estrutura geológica (litologia) e
mecanismos de intemperização, embora deixando transparecer
maior valorização da primeira. O autor verificou que a declividade
dos canais fluviais diminui com o comprimento do rio e varia em
função do material que está sendo escavado. Por exemplo, na bacia
de Shenandoah ele observou (1965) que os canais nos arenitos
endurecidos possuíam um gradiente aproximadamente dez vezes
maior que os dos canais esculpidos nos folhelhos. Assim, o equilíbrio
é alcançado quando os diferentes compartimentos de uma paisagem
apresentam a mesma intensidade média de erosão.

O equilíbrio dinâmico nas bacias hidrográficas é identificado quando


os processos operantes, como a erosão e a deposição, apresentam-se com
as mesmas intensidades.
Outro aspecto importante a se considerar na teoria é que as forças
atuantes não são estáticas e sim dinâmicas. Casseti (2005, s.p.) explica que:

[...] qualquer alteração no fluxo de energia incidente tende a


responder por manifestações no comportamento da matéria,
evidenciando alterações morfológicas. Como exemplo, as mudanças
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 203

climáticas ou eventos tectônicos produzem alterações no fluxo da


matéria, até a obtenção de novo reajustamento dos componentes do
sistema. Algo intrínseco ao argumento de Hack é que o modelado do
relevo se adapta rapidamente às variações dos fatores de controle
ambiental. Desse modo, quando o sistema readquire o equilíbrio
dinâmico, desaparecem gradativamente as marcas relacionadas às
fases anteriores que estavam presentes na paisagem. O referido
equilíbrio poderá ser mantido ainda em condições de instabilidade
tectodinâmica, desde que os efeitos denudacionais acompanhem o
mesmo ritmo, o que já havia sido admitido anteriormente por Penck
(1929).

Quando ocorre a mudança da intensidade no fluxo de energia em


uma bacia hidrográfica (entrada de energia), que pode ser exemplificada por
meio da precipitação, esta poderá incidir diretamente no sistema bacia uma
vez que desencadeará alterações significativas no comportamento da
matéria, ou seja, nos sedimentos desprendidos, transportados e
depositados. No momento em que acontece essa alteração na dinâmica dos
processos naturais, a tendência é que o sistema geomorfológico de uma
bacia hidrográfica procure atingir um novo estado de equilíbrio dinâmico.
É importante constatar que Hack utilizou-se de relações dinâmicas
apresentadas por Gilbert (1877) e posteriormente por PencK (1924), em que
o “[...] mérito atribuído a Hack é o de estruturar um encadeamento lógico
na concepção sistêmica do modelado, em detrimento da visão fragmentada
do relevo” (CASSETI, 2005, s.p.).
A teoria foi fundamental para se compreender como o relevo de uma
bacia hidrográfica evolui e os processos responsáveis pela evolução
encontram-se em estado de equilíbrio dinâmico, caracterizado por um
movimento constante em que, a partir de um desajuste no sistema, a bacia
hidrográfica tenderá a procurar um novo ponto de equilíbrio entre os
processos naturais.
Jean Tricart (1957) utilizou a teoria do balanço morfogenético para
descrever quais os principais processos naturais responsáveis pela evolução
do relevo. Nessa abordagem, o relevo identificado em uma bacia
hidrográfica é compreendido a partir do balanço que ocorre a partir das
características existentes em determinada paisagem, sendo o balanço
morfogenético positivo ou negativo (CASSETI, 2005).
204

Na primeira situação, o balanço morfogenético de uma bacia


hidrográfica pode ser identificado como negativo quando a componente
perpendicular é superior à componente paralela, ou seja, quando a bacia
possui uma paisagem marcada com vegetação exuberante ou bastante
representativa e consiga atuar de forma a amortecer os impactos das águas
pluviais, diminuindo o colisão das gotas das chuvas diretamente com o solo,
ou até mesmo servindo como barreira de proteção. Assim, as águas pluviais
poderão escorrer pelos troncos de forma a atingir os solos com uma
velocidade reduzida, pois grande parte dessas águas irá infiltrar e percolar
no solo, favorecendo o processo de pedogênese. Por outro lado, uma
pequena parte irá escoar superficialmente, caracterizando a erosão natural
e fraca atuação do processo morfogenético. Quando a água percolante
atinge a rocha parental ocorre processo de intemperismo químico, que está
ligado diretamente à formação de solos e à pedogênese (CASSETI, 2005). O
balanço é negativo devido ao fato de favorecer a formação de solos, a
pedogênese e não a esculturação do relevo por morfogênese.
O balanço morfogenético é considerado positivo quando uma bacia
hidrográfica exibe uma paisagem com cobertura vegetal incipiente (arbustos
e vegetação de pequeno e médio porte, incluindo uma cobertura rasteira ou
até mesmo ausente). Isso facilitará o escoamento superficial em detrimento
da infiltração e percolação das águas pluviais. Assim, o impacto das gotas
oriundo das chuvas irá desagregar o solo, transportá-lo e depositá-lo nas
áreas de relevo mais baixas, formando um pacote de sedimentos advindos
do intenso processo morfogenético (CASSETI, 2005). Portanto, o balanço
torna-se positivo pelo fato de as condições do ambiente que compõem a
paisagem da bacia favorecerem a erosão natural nas encostas, ou o
processo morfogenético.
No entanto, Tricart (1977) propõe a teoria da Ecodinâmica, que busca
inserir na análise sobre a questão da evolução do relevo e o rompimento do
equilíbrio dinâmico dos processos naturais, aplicando uma taxonomia para
os meios, sendo facilmente aplicados aos estudos vinculados às bacias
hidrográficas. É a partir desta “teoria” geomorfológica pós-anos 1960 que o
homem é inserido como um agente externo que é capaz de desencadear de
forma direta ou indireta impactos ambientais. A ecodinâmica se constitui
em uma classificação que permite identificar ambientes distintos quanto a
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 205

estabilidade e instabilidade morfodinâmica, além de um ambiente em


estado de transição, sendo identificadas três grandes categorias: os meios
morfodinâmicos estáveis, os fortemente instáveis e os intermediários.
Os meios morfodinâmicos estáveis são aqueles que apresentam
superioridade da pedogênese em detrimento da morfogênese. Nesta
perspectiva, a paisagem de determinado local, ou de uma bacia hidrográfica,
caracteriza-se pela presença de uma cobertura vegetal exuberante, cuja
função é barrar de forma eficaz o desencadeamento de mecanismos
morfogenéticos. A dissecação do relevo é considerada moderada, pois sem
uma forte incisão dos cursos d’água as vertentes tendem a apresentar uma
lenta evolução. Outro aspecto marcante é a ausência de manifestações
vulcânicas que poderiam desencadear catástrofes ou desastres naturais. É
importante enfatizar que este meio morfodinâmico é embasado pelo
conceito de fitoestasia, que demonstra a importância da cobertura vegetal
que atua como um fator de estabilidade/equilíbrio da ação da radiação, da
chuva e do vento no ambiente (TRICART, 1977; PEDRO MIYAZAKI, 2014).
Os meios morfodinâmicos intermediários ou intergrades podem ser
entendidos como a passagem gradual do meio morfodinâmico estável para
o meio fortemente instável. Este meio é marcado pela coexistência e
influência constante da morfogênese e da pedogênese em determinada
paisagem, considerando a complexidade dos fenômenos naturais. Pode-se
dizer que este meio morfodinâmico é cambiante e sensível às intervenções
pontuais. O balanço entre a pedogênese e morfogênese encontra-se em
equilíbrio devido à presença de uma vegetação exuberante, que é
considerada como um controle biológico mais eficaz (TRICART, 1977;
FUSHIMI, 2012).
Os meios morfodinâmicos fortemente instáveis são aqueles que
possuem o predomínio da morfogênese, em detrimento a outros processos.
Este meio é marcado pelos eventos extremos que podem ser exemplificados
pela ação tectônica, em que vertentes íngremes apresentam-se instáveis
ainda que exibam cobertura vegetal densa. A forte instabilidade climática
também é um aspecto importante a ser considerado neste meio, pois
determinadas espécies vegetais possuem dificuldade de adaptação,
afetando a eficácia da função de fitoestasia. As oscilações climáticas naturais
tendem a ser menos intensas, provocadas em determinadas situações em
206

que o clima é responsável pela diminuição branda da vegetação,


influenciando o predomínio da morfogênese sobre a pedogênese. Neste
meio pode ser considerada ainda a degradação de origem antrópica, que
contribui para a superioridade da morfogênese, cujos solos são afetados
pela erosão. Nesse meio pode-se citar a erosão antrópica ou acelerada
como um dos principais exemplos de resistasia. Os fenômenos catastróficos
ligados aos escorregamentos assolam o manto regolítico antes presente no
local. Assim, a pedogênese acaba sendo descontínua, sendo os efeitos
anulados pela morfogênese. O ravinamento e o escoamento superficial
difusos, associados a outros processos, transportam os materiais que são
formados nas vertentes, aflorando dessa forma o material parental. A partir
do momento em que ocorre a intensificação do processo erosivo, a
instabilidade do meio morfodinâmico aumenta. Contudo, as ravinas
oriundas da intensificação do escoamento linear podem se estabilizar
passando de um meio instável para um intergrades, caso a cobertura
vegetal cresça (TRICART, 1977; CABRAL et al., 2016).
Assim, o princípio da Ecodinâmica pode ser muito bem aplicado nos
estudos de bacias hidrográficas, uma vez que possibilita identificar aspectos
de caráter natural atrelado a processos dinâmicos naturais em um estado
que vai do equilíbrio até o desequilíbrio.
Nesse sentido, a morfodinâmica constitui uma abordagem que
permite realizar uma análise do conjunto de processos interligados, sendo
responsáveis pela gênese e evolução do relevo, envolvendo principalmente
o ser humano. Casseti (2005, s.p.) refere que:

O conceito de processo morfodinâmico tem sido entendido


como aquele associado ao intemperismo atual, ou seja,
relacionado à escala de tempo histórica, incorporando-se às
diferentes formas de intervenções, destacando-se as
antropogênicas. Portanto, são processos mais restritos, tanto
no tempo quanto no espaço, sujeitos a oscilações ou ritmos
dos principais agentes naturais, como as chuvas,
considerando as modificações impostas pelo ser humano no
processo de apropriação do relevo.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 207

Assim, conhecer a morfodinâmica de determinada bacia hidrográfica


pode subsidiar uma série de ações, de medidas que visam à recuperação de
áreas degradadas.
Desse modo, as teorias abordadas foram fundamentais para embasar
a compreensão de dinâmica de evolução do relevo em uma bacia
hidrográfica, considerando em um primeiro momento apenas processos
naturais e, por fim, envolvendo o homem como um agente. É a partir da
inserção do homem como um agente modelador ou acelerador dos
processos naturais que as pesquisas sobre a morfodinâmica nas bacias
hidrográficas adquirem caráter integrado, incorporando na análise as
dinâmicas dos processos naturais e sociais-antrópicos.

2.2 A ANÁLISE DOS PROCESSOS MORFODINÂMICOS A PARTIR DA RELAÇÃO


SOCIEDADE E NATUREZA EM BACIAS HIDROGRÁFICAS

Em bacias hidrográficas naturais a dinâmica ocorre principalmente


devido às águas de origem pluvial e fluvial, que é o principal agente
modelador e modificador da paisagem. As águas assumem diferentes
estados e trajetórias, sendo entendida como um ciclo quando há entrada
nos sistemas terrestres, por meio de precipitação, que desencadeiam uma
série de processos e possíveis direções que dependem não só das
características da precipitação propriamente, mas, sobretudo, dos atributos
e condições das diferentes componentes por onde irá circular (BOTELHO,
2010).
Pensando-se no ciclo hidrológico, a água, ao atingir a superfície
terrestre com a presença da cobertura vegetal exuberante, assume diversos
caminhos. Parte pode ser interrompida pela copa das árvores e evaporar
para a atmosfera, ou pode escoar pelos troncos e atingir com menor
velocidade a superfície, podendo escoar superficialmente ou infiltrar e
percolar no solo. Isso dependerá das características intrínsecas do tipo de
solo, das condições do relevo, entre outros componentes. Ao infiltrar, a
água que percola irá abastecer as nascentes dos cursos d’água, ou atingir
profundidades, permitindo o aumento de volume de água nos lençóis ou
aquíferos freáticos. Caso ocorra o escoamento, pode provocar erosão do
tipo natural ou geológica, uma vez que o escoamento superficial provoca o
208

transporte e a deposição de sedimentos (que ocorre em um equilíbrio


dinâmico natural), ou contribui para o abastecimento dos cursos d’água de
uma bacia hidrográfica contribuindo para as enchentes ou cheias.
No entanto, quando uma bacia hidrográfica passa por um processo
de urbanização, os processos naturais que se encontram em um estado de
biostasia (equilíbrio dinâmico) são alterados, passando para uma situação de
resistasia (rompimento do equilíbrio dinâmico).
O processo de produção do espaço urbano transforma as
características naturais da bacia hidrográfica. Por exemplo, os topos, as
vertentes ao serem ocupadas sofrem transformação, isso ocorre por meio
da construção de taludes nas vertentes e processos de terraplanagem nas
áreas de topos, assim como nas vertentes. Além dessas transformações,
estes compartimentos geomorfológicos são impermeabilizados, provocando
um desequilíbrio no ciclo hidrológico local. Outro tipo de intervenção ocorre
quando são construídos os arruamentos, que acabam se transformando em
verdadeiros canais de escoamento artificiais, uma vez que o escoamento
superficial, conhecido como enxurradas, adquire velocidade devido à
ausência de resistência ao longo da via pavimentada, dessa forma,
sedimentos associados a resíduos sólidos são transportados e depositados
em áreas mais baixas do relevo.
Segundo Tucci (2001) o processo de urbanização provoca o acréscimo
de sedimentos na bacia hidrográfica, isso ocorre por causa das edificações,
também a intervenção nos terrenos (retirada de qualquer material sobre o
solo, como, por exemplo, a vegetação) para novos loteamentos, construções
de vias, entre outras obras. Os solos oriundos dessas áreas ficam expostos a
intempéries, desde o início do loteamento até mesmo quando ocorre o
início da ocupação.
Em bacias hidrográficas que possuem áreas urbanas são visíveis as
alterações da paisagem, principalmente devido ao uso e ocupação, que
alteram tanto o solo quanto o subsolo. Ambos ficam expostos e suscetíveis a
ação das águas pluviais que podem se manifestar em formas erosivas,
principalmente entre a fase que envolve o início do loteamento até o fim da
ocupação do relevo da bacia. A fase de consolidação do loteamento, que
representa o auge da impermeabilização da área, demonstra uma
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 209

diminuição da produção de sedimentos oriundos do processo inicial de


instalação do loteamento.
Os processos erosivos ocorrem não apenas nas áreas rurais, mas
também nas áreas urbanas. O solo exposto, decorrente de intervenção
antrópica, fica à mercê do efeito splash, quando os sedimentos são
desprendidos e deslocados devido ao impacto das gotas da chuva que, ao
atingirem o solo com grande velocidade, provocam o selamento do solo,
dando origem à formação das poças, e quando atingem o nível máximo de
armazenamento passam a escoar (GUERRA, 1999).
O solo, quando saturado, também inicia o processo de escoamento
podendo ocorrer de forma laminar, cuja forma homogênea atinge grande
área e retira camadas superficiais do solo. Em seguida, quando encontra
determinados canais, a água escoa de forma linear entalhando a superfície
do solo dando origem aos sulcos, as ravinas e até mesmo as voçorocas.
Todos os sedimentos deslocados e transportados são depositados nas áreas
mais baixas do relevo da bacia hidrográfica assoreando os cursos d´água, ou
contribuindo para a formação dos depósitos tecnogênicos, sendo camadas
de deposição formadas a partir da ação direta ou indireta do ser humano
(PEDRO MIYAZAKI, 2014).
Os sedimentos depositados nos fundos de vale e nos cursos d’águas
reduzem a capacidade de escoamento durante as cheias dos canais que
formam a rede de drenagem e as inundações se tornam mais frequentes
(COSTA; PEDRO MIYAZAKI, 2015). Este é outro processo de fácil
identificação nas bacias hidrográficas urbanas.
As inundações e enchentes são processos naturais decorrentes dos
períodos de chuvas torrenciais ou chuvas de longa duração (TOMINAGA;
AMARAL, 2012). A magnitude e a frequência das inundações estão
associadas a alguns fatores, tais como a intensidade e distribuição das
chuvas, a taxa de infiltração dessas águas no solo, além do grau de
saturação do solo e das características morfométricas e morfológicas da
bacia hidrográfica (REIS et al. 2012).
Considerando uma bacia hidrográfica em seu estado natural, os
compartimentos geomorfológicos identificados como fundos de vale
apresentam lento escoamento superficial das águas das chuvas, pois as
áreas de topo e as vertentes com cobertura vegetal exuberante contribuem
210

para uma maior infiltração em detrimento do escoamento superficial. Isso


interfere positivamente para o abastecimento do lençol e aquíferos
freáticos de uma bacia, contribuindo para manutenção do equilíbrio
dinâmico do ciclo hidrológico. No entanto, quando as bacias hidrográficas
são alteradas por meio da intervenção antrópica, estes fenômenos
(infiltração e escoamento) têm sido intensificados. As ações que envolvem a
impermeabilização do solo, a retificação do relevo, a canalização dos cursos
d’águas, contribuem para o aumento, a concentração do escoamento
superficial, que se deslocam rapidamente pelo relevo da bacia e intensificam
o acúmulo das águas superficiais nos fundos de vale e o assoreamento dos
cursos d’água.
O padrão de urbanização, cuja ocupação do relevo de uma bacia
hidrográfica impermeabiliza os fundos de vale e as vertentes, rompe o
equilíbrio natural dos processos, e, mesmo em cidades de topografia
relativamente plana e com pouco declive, onde, teoricamente, a infiltração
seria beneficiada, a situação é catastrófica durante os meses mais chuvosos
(TAVARES; SILVA, 2008).
Os cursos d’água em condições naturais (córrego com mata ciliar,
sem assoreamento, sem ocupação da área de planície de inundação entre
outras) apresentam uma dinâmica que envolve dois eventos, sendo estes as
enchentes ou cheias e as inundações. As enchentes podem ser
compreendidas como o aumento do nível de água de um rio ou de um
córrego, aumentando consequentemente a vazão, atingindo a cota máxima
do canal sem que as águas extravasem. Por outro lado, a inundação é
entendida como o transbordamento dessas águas, chegando à planície
aluvial ou de inundação. Esses são processos naturais que fazem parte da
dinâmica da natureza.
No entanto, existe um processo ligado aos cursos d’água em bacias
hidrográficas urbanas que se tornam áreas de risco devido à intervenção
antrópica, esses processos são conhecidos como alagamentos e as
enxurradas.
De acordo com o Ministério das Cidades e IPT (2007), o alagamento
pode ser definido como o “acúmulo momentâneo de águas em uma dada
área por problemas no sistema de drenagem, podendo ter ou não relação
com processos de natureza fluvial”. Todavia, muitas áreas que sofrem
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 211

periodicamente inundações e consequentemente alagamentos, sendo


consideradas áreas de risco, estão vinculadas à ocupação irregular de
planícies de inundação, compartimento de relevo que sofre inundações
periodicamente devido à dinâmica fluvial natural. As intervenções e ações
antrópicas decorrentes do processo de ocupação das bacias hidrográficas,
que favorecem o escoamento superficial concentrado e com alta energia de
transporte, dão origem às conhecidas enxurradas. Isso devido às
características naturais do curso d’água como a vazão, morfologia em V ou
aberto, declividade, a presença de mata ciliar, regime de chuvas, associadas
a intervenção antrópica como desmatamento, retificação e canalização dos
cursos d’água, impermeabilização das vertentes, ocupação das áreas de
planície de inundação entre outras.

3 OS MEIOS MORFODINÂMICOS NA BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO


DO CARMO-ITUIUTABA/MG

3.1 CARACTERÍSTICAS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO DO CARMO

A bacia hidrográfica do Córrego do Carmo localizada na porção


central do município de Ituiutaba/MG, exatamente nas coordenadas 19° 00’
S e 49° 50’ W, pode ser considerada como uma bacia hidrográfica mista, pois
abrange usos vinculados a atividades urbanas e rurais, ocupando uma área
equivalente a 2.979,1 hectares (Figura 1).
Em relação ao perfil longitudinal do canal fluvial principal da bacia
hidrográfica do córrego do Carmo, a nascente se encontra a uma altitude de
610 metros. Em relação à foz, onde as águas fluviais deságuam no córrego
Pirapitinga, foi identificada uma altitude de 522 metros, apresentando um
ângulo de inclinação do perfil longitudinal de aproximadamente 5°. O ângulo
de inclinação do terreno exerce influência nos processos de infiltração,
percolação e escoamento das águas pluviais.
212

Mapa 1 – Localização da bacia hidrográfica do córrego do Carmo

Fonte: Embrapa (2016).

Indica a possibilidade de maior infiltração de água no solo para


recarga de aquíferos, lençóis freáticos e a consequente ocorrência de
nascentes. Os terrenos que apresentam maior declividade, normalmente,
são desfavoráveis à infiltração de água da chuva (pedogênese), pois tendem
a aumentar o volume e a velocidade da enxurrada pela ação da força da
gravidade (morfogênese), fazendo com que o tempo para absorção seja
insuficiente.
O canal fluvial possui aproximadamente 10,7 quilômetros de
extensão e, junto com seus afluentes, a bacia apresenta padrão de
drenagem dendrítico, que se forma onde os talvegues não possuem
nenhuma orientação preferencial ou uma organização sistemática. É um
padrão típico de terrenos onde o substrato rochoso é uniforme, como os de
rochas sedimentares com acabamento horizontal ou de rochas ígneas ou
metamórficas maciças.
Em relação à hierarquia fluvial, a bacia hidrográfica se enquadra em
quarta ordem (STRAHLER, 1952), e recebe afluentes de terceira ordem que
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 213

chegam no máximo a quatro metros de extensão. De acordo com Strahler


(1952), a ordem é importante, pois quanto maior o número de afluentes
que um rio recebe, maior será sua vazão e disponibilidade hídrica.
Em relação aos tipos de solo, ocorre o predomínio dos latossolos
vermelhos, que são bastante profundos e sua origem está vinculada a
prolongadas condições climáticas tropicais quentes e úmidas, com relevo
plano (proporcionam a infiltração, a percolação) e a intemperização da
rocha matriz (LEPSCH, 2010). Esses tipos de solo reúnem algumas
características positivas como: suave inclinação do relevo, baixa
suscetibilidade à erosão, favoráveis ao trabalho das máquinas agrícolas e,
pela alta friabilidade e permeabilidade, possuem boas propriedades
internas.
A geologia que envolve a área de estudo possui rochas sedimentares
do Grupo Bauru, compostas pelas Formações Marília e Adamantina, além de
rochas do Grupo São Bento, que inclui a Formação Serra Geral (PEDRO
MIYAZAKI, 2016). Nas áreas de fundo de vale, onde houve entalhamento do
talvegue provocado pelo canal fluvial, é possível observar afloramento
rochoso de basalto da Formação Serra Geral, e nos relevos mais altos estão
os arenitos da Formação Marília.
Em relação às formas de relevo identificadas na bacia hidrográfica do
córrego do Carmo (Figura 2), identificaram-se quatro compartimentos
geomorfológicos que são: domínio dos topos suavemente ondulados das
colinas convexizadas; domínio das vertentes côncavas, convexas e retilíneas;
domínio das planícies aluviais e alvéolos, e domínio dos relevos residuais do
tipo tabuliformes. Os domínios dos topos suavemente ondulados das colinas
convexizadas apresentam-se quase planos, e essa característica favorece a
expansão territorial urbana por apresentarem terrenos mais planos e de
fácil ocupação.
214

Figura 2 – Geomorfologia da bacia hidrográfica do córrego do Carmo

Fonte: Pedro Miyazaki (2016).

A vegetação natural que se encontra na área de estudo é composta


por vegetação nativa de cerrado como palmeiras, buritis, arbustos e árvores
de pequeno porte com galhos retorcidos. Seus galhos são retorcidos devido
ao clima seco do cerrado, os quais precisam se adaptar para sobreviver.
Essas árvores possuem um sistema radicular extenso para buscar
água nas partes mais profundas do solo em períodos de seca. Suas raízes
podem alcançar até quinze metros de profundidade para retirar água. Nessa
profundidade podem alcançar a rocha favorecendo o intemperismo físico e
formação de solo.
No entanto, as características ligadas aos aspectos naturais
apresentados passaram por um intenso processo de transformação,
alterando a dinâmica natural dos processos, provocando desequilíbrio
dinâmico.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 215

3.2 O USO E OCUPAÇÃO COMO UM FATOR IMPORTANTE PARA ROMPER O


EQUILÍBRIO DINÂMICO DA BACIA HIDROGRÁFICA E A CLASSIFICAÇÃO DOS
MEIOS MORFODINÂMICOS

Os impactos ambientais identificados na bacia hidrográfica estão


atrelados à forma como tem ocorrido o uso e ocupação, e as intervenções
realizadas pelo ser humano, por meio da ação antrópica, têm provocado o
rompimento do equilíbrio dinâmico dos processos naturais, cujos meios
morfodinâmicos estáveis, intermediários e instáveis podem ser identificados
atualmente.
Para demonstrar como a dinâmica da sociedade tem afetado o
equilíbrio dinâmico dos processos naturais, a identificação dos tipos de uso
e ocupação encontrados na bacia hidrográfica do córrego do Carmo são de
suma importância (Figura 3).
A distribuição espacial de cada uso e ocupação presente na bacia
hidrográfica do córrego do Carmo se apresentam em quatro categorias:
pastagem, área urbana, vegetação natural e culturas.
O primeiro uso se refere à pastagem que abrange maior área da
bacia hidrográfica, que apresenta 68,53% e ocupa o relevo de colinas,
principalmente em locais onde se encontram topos amplos, suaves e
ondulados e vertentes convexas e côncavas, em que os solos predominantes
são os latossolos vermelhos. A pastagem pode ser considerada como um
fator que contribui na estabilização dos processos morfogenéticos,
impedindo que grande parte do solo seja desprendido, transportado e
depositado no fundo de vale. O escoamento superficial, de modo geral,
ocorre de forma moderada, ou seja, a intensidade do escoamento é
medianamente moderada, evitando que grande parte dos solos sejam
erodidos.
Os tipos de impactos identificados nesta área da bacia são sulcos e
ravinas. Assim, este setor da bacia hidrográfica do córrego do Carmo foi
classificado como meio morfodinâmico intermediário.
Nesse sentido, é necessária uma atenção especial no que envolve a
conservação dos solos a partir da utilização de técnicas de manejo
adequado. Isso evitaria a compactação e impermeabilização do solo com o
consequente risco de processos erosivos mais intensos e perda de
216

nutrientes. Além disso, o pisoteio do gado deve ser monitorado para evitar o
direcionamento e concentração de águas pluviais, além de ser mantido a
uma distância segura das áreas de preservação permanente existentes nas
margens dos cursos d’água.

Figura 3 – Uso e ocupação na bacia hidrográfica do córrego do Carmo

Fonte: Google Earth (2016).

A vegetação natural corresponde a 17,21% da área da bacia,


ocupando apenas uma pequena porção. Essa classe está vinculada às áreas
de preservação permanente (APPs), e não se encontram delimitadas e
isoladas dos demais usos, conforme estabelece o Código Florestal. A
vegetação natural encontrada junto aos fundos de vale e adjunta às APPs
impede que o solo fique exposto e sofra com os efeitos das ações climáticas,
como chuva e ventos. Encontra-se também em algumas áreas de topo do
relevo de colinas e dos relevos residuais, em áreas próximas às nascentes e
nos fundos de vale do canal fluvial principal e afluentes da bacia.
Nas áreas entre os topos e as nas altas vertentes côncavas
encontram-se algumas nascentes do córrego do Carmo, também é possível
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 217

identificar em fundos de vale com topografia suave a presença de planícies


aluviais com a presença de veredas (áreas planas e bastante úmidas)
ocupados por palmeiras, buritis. Também foram identificadas matas-galerias
à medida que os vales se alargam e apresentam formas em berço. Em áreas
mais distantes do perímetro urbano a vegetação natural se mostra mais
densa, e nos locais onde se encontra a malha urbana (os bairros foram
construídos e as ruas) ao longo do canal fluvial, a vegetação é praticamente
inexistente. Não se observam áreas verdes em meio à área urbana da bacia
hidrográfica.
É possível observar a presença de impactos ambientais vinculados a
esta classe, como, por exemplo, desmatamento, queimada clandestina,
focos de erosão como as voçorocas interdigitadas aos canais fluviais que
apresentam estabilidade por estar coberta de vegetação, além de alguns
pontos de assoreamento e solapamento das bordas dos cursos d’água.
Assim, o meio morfodinâmico estável está vinculado aos fundos de
vale onde se encontram o canal fluvial principal e afluentes, onde os
processos pedogenéticos tendem a ser mais intensos que os
morfogenéticos, apesar de serem identificados alguns impactos ambientais.
A área urbana corresponde a 12,04%, mais concentrada nas
proximidades da foz do canal fluvial e ocupa locais onde a topografia, bem
como o relevo de colinas suaves e vertentes com comprimento de rampa
longo e pouco declivoso foram ocupadas por loteamentos, residências,
arruamentos, que impermeabilizaram o relevo neutralizando o processo de
infiltração e percolação das águas pluviais e, consequentemente, a
pedogênese.
Essa situação privilegia o escoamento superficial e a concentração
das águas pluviais em determinados pontos da bacia hidrográfica. Isso tem
provocado problemas de ordem socioambiental, pois, devido à força do
escoamento, diferentes tipos de materiais são carreados e depositados nos
fundos de vale, além de obstruir as galerias de águas pluviais,
principalmente com o lixo e restos de materiais de construção. Essa
dinâmica tem contribuído para o aparecimento de pontos de alagamento
nas áreas urbanas. Outros problemas identificados se referem às queimadas
urbanas nas áreas de fundo de vale onde está o canal fluvial, as nascentes
de alguns afluentes do córrego do Carmo foram totalmente drenadas e
218

soterradas para que lotes fossem construídos na bacia, alterando a dinâmica


de escoamento, infiltração dos processos naturais. Portanto, essa classe
associada às características naturais e as intervenções antrópicas
apresentaram aspectos que se enquadram no meio morfodinâmico instável.
A ocupação por culturas possui 1,22% da área da bacia, que são
identificadas por pequenos cultivos de milho e feijão. Nas áreas de cultivo,
um problema potencial pode ser o solo exposto durante um período do ano
com ausência de cobertura vegetal. O solo nessas condições pode acelerar o
processo erosivo, que é um processo natural, porém, com interferência
antrópica pode se agravar muito, provocando arraste de materiais
inconsolidados e até voçorocas. Como agravante, a absorção de pesticidas
pelo solo pode contaminar a vegetação, a fauna e toda cadeia alimentar.
Assim, neste tipo de uso analisado com outros aspectos naturais e
antrópicos foi possível identificar essa porção da bacia como meio
morfodinâmico intermediário que pode transitar gradualmente para um
meio morfodinâmico instável.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A bacia hidrográfica do córrego do Carmo, mesmo apresentando


características naturais que podem ser favoráveis para a manutenção de um
meio morfodinâmico estável, sofre atualmente com as atividades urbanas e
rurais que impedem que isto ocorra.
A partir do momento em que o uso e ocupação na bacia desenvolve
essas atividades impactando negativamente sobre as formas de relevo, seja
direta ou indiretamente, os processos naturais sofrem alterações que não
permitem a ocorrência de um equilíbrio dinâmico considerado como ideal
para bacias hidrográficas.
Os impactos ambientais observados evidenciam a necessidade de
medidas preventivas e mitigadoras dos mesmos, de modo a garantir a
proteção do solo, do relevo, da vegetação natural, da qualidade da água e
dos recursos naturais como um todo. Se as ações antrópicas prosseguirem
sem considerar as características físicas naturais das bacias hidrográficas, o
processo de ocupação sempre irá comprometer essa proteção que deve ser
mantida.
Bacias hidrográficas: fundamentos e aplicações - 219

A geomorfologia tem um papel importante nesse sentido, servindo


como instrumento de orientação que pode contribuir com a elaboração de
políticas públicas como expansão urbana, delimitação de áreas de APP,
identificação de áreas vulneráveis a processos erosivos, uso e manejo
adequado do solo e desenvolvimento de atividades que respeitem as formas
de relevo. Desse modo, as bacias hidrográficas estarão mais bem protegidas
e seus recursos naturais preservados.

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