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REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA

GOVERNO REGIONAL
Cursos de Educação e
SECRETARIA REGIONAL DA EDUCAÇÃO
Formação
Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos do Estreito de Câmara de Lobos Decreto Legislativo
N.º do Código do Estabelecimento de Ensino 3102-202 Nº de Telefone: 291945614/15 Fax: 291947271
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Regional nº 17/2005/M,
de 11 de Agosto
GUIÃO DE LEITURA

Curso / Saída Profissional: Curso de Educação e Formação – Operador de Informática, Tipo 2


Nível de Qualificação do QNQ: 2 Data de Início: 18/09/2017 Ano/Turma: 2ºA/INF
Disciplina: Língua Portuguesa

Nome:_______________________________________ Nº Aluno: _________ Data: __ / __ / __

Lusíadas, de Luís Vaz de Camões – PARTE 1

Pág. 1
Proposição (canto I - estrofes Questionário:
1-3)
1. Explica a origem e a importância do
1
título “Os Lusíadas”.
AS armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana 2. Explica a função da Proposição.
Por mares nunca de antes navegados 3. Explica a condição que o poeta
Passaram ainda além da Taprobana, enuncia para conseguir realizar o
Em perigos e guerras esforçados que se propõe. Justifica com uma
Mais do que prometia a força humana, passagem do texto.
E entre gente remota edificaram
4. Indica a finalidade do poeta ao
Novo Reino, que tanto sublimaram;
evocar heróis da Antiguidade
2 Clássica e entidades da mitologia.
E também as memórias gloriosas 5. Analisa a Proposição, tendo em
Daqueles Reis que foram dilatando conta os elementos da epopeia.
A Fé, o Império, e as terras viciosas 6. Compara o início d’Os Lusíadas – As
De África e de Ásia andaram devastando,
armas e os Barões assinalados –
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando, com o começo da Eneida de Virgílio
Cantando espalharei por toda parte, – Arma virumque cano (“eu canto
Se a tanto me ajudar o engenho e arte. as armas e o varão ilustre”).
7. Esclarece os feitos através dos
3 quais os portugueses se tornaram
Cessem do sábio Grego e do Troiano célebres.
As navegações grandes que fizeram;
8. Na estância 3, o poeta alude a
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram; heróis da Antiguidade Clássica.
Que eu canto o peito ilustre Lusitano, Nomeia-os e identifica os atos
A quem Neptuno e Marte obedeceram. heroicos em que se distinguiram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta, 9. Demonstra que a alusão a Neptuno
Que outro valor mais alto se alevanta. e a Marte pretende reafirmar a
superioridade do povo português.

Pág. 2
Início da narração e Concílio dos Deuses (Canto I – estância 19 a
41)

19 Cum tom de voz começa grave e


Já no largo Oceano navegavam, horrendo:
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam, 24
Das naus as velas côncavas inchando; – «Eternos moradores do luzente,
Da branca escuma os mares se Estelífero Pólo e claro Assento:
mostravam Se do grande valor da forte gente
Cobertos, onde as proas vão cortando De Luso não perdeis o pensamento,
As marítimas águas consagradas, Deveis de ter sabido claramente
Que do gado de Próteu são cortadas, Como é dos Fados grandes certo intento
Que por ela se esqueçam os humanos
20
De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.
Quando os Deuses no Olimpo luminoso,
Onde o governo está da humana gente, 25
Se ajuntam em consílio glorioso, «Já lhe foi (bem o vistes) concedido,
Sobre as cousas futuras do Oriente. Cum poder tão singelo e tão pequeno,
Pisando o cristalino Céu fermoso, Tomar ao Mouro forte e guarnecido
Vêm pela Via Láctea juntamente, Toda a terra que rega o Tejo ameno.
Convocados, da parte de Tonante, Pois contra o Castelhano tão temido
Pelo neto gentil do velho Atlante. Sempre alcançou favor do Céu sereno:
Assi que sempre, enfim, com fama e
21 glória,
Deixam dos sete Céus o regimento, Teve os troféus pendentes da vitória.
Que do poder mais alto lhe foi dado,
Alto poder, que só co pensamento 26
Governa o Céu, a Terra e o Mar irado. «Deixo, Deuses, atrás a fama antiga,
Ali se acharam juntos num momento Que co a gente de Rómulo alcançaram,
Os que habitam o Arcturo congelado Quando com Viriato, na inimiga
E os que o Austro têm e as partes onde Guerra Romana, tanto se afamaram;
A Aurora nasce e o claro Sol se esconde. Também deixo a memória que os obriga
A grande nome, quando alevantaram
22 Um por seu capitão, que, peregrino,
Estava o Padre ali, sublime e dino, Fingiu na cerva espírito divino.
Que vibra os feros raios de Vulcano,
27
Num assento de estrelas cristalino, «Agora vedes bem que, cometendo
Com gesto alto, severo e soberano; O duvidoso mar num lenho leve,
Do rosto respirava um ar divino, Por vias nunca usadas, não temendo
Que divino tornara um corpo humano; de Áfrico e Noto a força, a mais s'atreve:
Com ũa coroa e ceptro rutilante, Que, havendo tanto já que as partes
De outra pedra mais clara que diamante. vendo
23
Onde o dia é comprido e onde breve,
Em luzentes assentos, marchetados Inclinam seu propósito e perfia
De ouro e de perlas, mais abaixo estavam A ver os berços onde nasce o dia.
Os outros Deuses, todos assentados 28
Como a Razão e a Ordem concertavam «Prometido lhe está do Fado eterno,
(Precedem os antigos, mais honrados, Cuja alta lei não pode ser quebrada,
Mais abaixo os menores se assentavam); Que tenham longos tempos o governo
Quando Júpiter alto, assi dizendo, Do mar que vê do Sol a roxa entrada.
Nas águas têm passado o duro Inverno;

Pág. 3
A gente vem perdida e trabalhada;
Já parece bem feito que lhe seja 34
Mostrada a nova terra que deseja. Estas causas moviam Citereia,
29 E mais, porque das Parcas claro entende
«E porque, como vistes, têm passados Que há-de ser celebrada a clara Deia
Na viagem tão ásperos perigos, Onde a gente belígera se estende.
Tantos climas e céus exprimentados, Assi que, um, pela infâmia que arreceia,
Tanto furor de ventos inimigos, E o outro, pelas honras que pretende,
Que sejam, determino, agasalhados Debatem, e na perfia permanecem;
Nesta costa Africana como amigos; A qualquer seus amigos favorecem.
E, tendo guarnecido a lassa frota,
Tornarão a seguir sua longa rota.» 35
Qual Austro fero ou Bóreas na espessura
30 De silvestre arvoredo abastecida,
Estas palavras Júpiter dizia, Rompendo os ramos vão da mata escura
Quando os Deuses, por ordem Com impeto e braveza desmedida,
respondendo, Brama toda montanha, o som murmura,
Na sentença um do outro diferia, Rompem-se as folhas, ferve a serra
Razões diversas dando e recebendo. erguida:
O padre Baco ali não consentia Tal andava o tumulto, levantado
No que Júpiter disse, conhecendo Entre os Deuses, no Olimpo consagrado.
Que esquecerão seus feitos no Oriente
Se lá passar a Lusitana gente. 36
Mas Marte, que da Deusa sustentava
31 Entre todos as partes em porfia,
Ouvido tinha aos Fados que viria Ou porque o amor antigo o obrigava,
Ũa gente fortíssima de Espanha Ou porque a gente forte o merecia,
Pelo mar alto, a qual sujeitaria De antre os Deuses em pé se levantava:
Da Índia tudo quanto Dóris banha, Merencório no gesto parecia;
E com novas vitórias venceria O forte escudo, ao colo pendurado,
A fama antiga, ou sua ou fosse estranha. Deitando pera trás, medonho e irado;
Altamente lhe dói perder a glória
De que Nisa celebra inda a memória. 37
A viseira do elmo de diamante
32 Alevantando um pouco, mui seguro,
Vê que já teve o Indo sojugado Por dar seu parecer se pôs diante
E nunca lhe tirou Fortuna ou caso De Júpiter, armado, forte e duro;
Por vencedor da Índia ser cantado E dando ũa pancada penetrante
De quantos bebem a água de Parnaso. Co conto do bastão no sólio puro,
Teme agora que seja sepultado O Céu tremeu, e Apolo, de torvado,
Seu tão célebre nome em negro vaso Um pouco a luz perdeu, como enfiado;
D' água do esquecimento, se lá chegam
Os fortes Portugueses que navegam. 38
E disse assi: – «Ó Padre, a cujo império
33
Tudo aquilo obedece que criaste:
Sustentava contra ele Vénus bela,
Se esta gente que busca outro Hemisfério,
Afeiçoada à gente Lusitana
Cuja valia e obras tanto amaste,
Por quantas qualidades via nela
Não queres que padeçam vitupério,
Da antiga, tão amada, sua Romana;
Como há já tanto tempo que ordenaste,
Nos fortes corações, na grande estrela
Não ouças mais, pois és juiz direito,
Que mostraram na terra Tingitana,
Razões de quem parece que é suspeito.
E na língua, na qual quando imagina,
Com pouca corrupção crê que é a Latina.

Pág. 4
39 Mercúrio, pois excede em ligeireza
«Que, se aqui a razão se não mostrasse Ao vento leve e à seta bem talhada,
Vencida do temor demasiado, Lhe vá mostrar a terra onde se informe
Bem fora que aqui Baco os sustentasse, Da Índia, e onde a gente se reforme.»
Pois que de Luso vêm, seu tão privado;
Mas esta tenção sua agora passe, 41
Porque enfim vem de estâmago danado; Como isto disse, o Padre poderoso,
Que nunca tirará alheia enveja A cabeça inclinando, consentiu
O bem que outrem merece e o Céu No que disse Mavorte valeroso
deseja. E néctar sobre todos esparziu.
Pelo caminho Lácteo glorioso
40 Logo cada um dos Deuses se partiu,
«E tu, Padre de grande fortaleza, Fazendo seus reais acatamentos,
Da determinação que tens tomada Pera os determinados apousentos.
Não tornes por detrás, pois é fraqueza
Desistir-se da cousa começada.

Pág. 5
Questionário:
1. Explica a relação que se estabelece entre a narração e a ação.
2. Caracteriza Júpiter.
3. Aponta as razões do pai dos deuses para apoiar os portugueses.
4. Baco, apoiado por alguns deuses, constitui a força oponente aos desígnios de Júpiter.
Explica as razões que o movem.
5. Vénus lidera as forças que apoiam a decisão de Júpiter. Refere os motivos que
justificam esse apoio.
6. Faz a caracterização física e psicológica de Marte, tenho em conta as estâncias 36 e
37.
7. Explicita as razões psicológicas que levam Marte a ser favorável aos Portugueses.
8. Determina a importância do Concílio dos Deuses.

Inês de Castro (Canto III – estância 118 a 135)


118 De dia, em pensamentos que voavam;
«Passada esta tão próspera vitória, E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Tornado Afonso à Lusitana terra, Eram tudo memórias de alegria.
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra, 122
O caso triste, e dino da memória «De outras belas senhoras e Princesas
Que do sepulcro os homens desenterra, Os desejados tálamos enjeita,
Aconteceu da mísera e mesquinha Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas
Que despois de ser morta foi Rainha. Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
119 O velho pai sesudo, que respeita
«Tu só, tu, puro Amor, com força crua, O murmurar do povo e a fantasia
Que os corações humanos tanto obriga, Do filho, que casar-se não queria,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga. 123
Se dizem, fero Amor, que a sede tua «Tirar Inês ao mundo determina,
Nem com lágrimas tristes se mitiga, Por lhe tirar o filho que tem preso,
É porque queres, áspero e tirano, Crendo co sangue só da morte indina
Tuas aras banhar em sangue humano. Matar do firme amor o fogo aceso.
120 Que furor consentiu que a espada fina
«Estavas, linda Inês, posta em sossego, Que pôde sustentar o grande peso
De teus anos colhendo doce fruto, Do furor Mauro, fosse alevantada
Naquele engano da alma, ledo e cego, Contra ũa fraca dama delicada?
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saüdosos campos do Mondego, 124
De teus fermosos olhos nunca enxuto, «Traziam-a os horríficos algozes
Aos montes ensinando e às ervinhas Ante o Rei, já movido a piedade;
O nome que no peito escrito tinhas. Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
121
Ela, com tristes e piedosas vozes,
«Do teu Príncipe ali te respondiam Saídas só da mágoa e saüdade
As lembranças que na alma lhe moravam, Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
Que sempre ante seus olhos te traziam, Que mais que a própria morte a magoava,
Quando dos teus fermosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
125 «Queria perdoar-lhe o Rei benino,
«Pera o céu cristalino alevantando, Movido das palavras que o magoam;
Com lágrimas, os olhos piedosos Mas o pertinaz povo e seu destino
(Os olhos, porque as mãos lhe estava (Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
atando Arrancam das espadas de aço fino
Um dos duros ministros rigorosos); Os que por bom tal feito ali apregoam.
E despois nos mininos atentando, Contra ũa dama, ó peitos carniceiros,
Que tão queridos tinha e tão mimosos, Feros vos amostrais – e cavaleiros?
Cuja orfindade como mãe temia,
Pera o avô cruel assi dizia: 131
«Qual contra a linda moça Policena,
126 Consolação extrema da mãe velha,
– «Se já nas brutas feras, cuja mente Porque a sombra de Aquiles a condena,
Natura fez cruel de nascimento, Co ferro o duro Pirro se aparelha;
E nas aves agrestes, que somente Mas ela, os olhos com que o ar serena
Nas rapinas aéreas têm o intento, (Bem como paciente e mansa ovelha)
Com pequenas crianças viu a gente Na mísera mãe postos, que endoudece,
Terem tão piadoso sentimento Ao duro sacrifício se oferece:
Como co a mãe de Nino já mostraram, 132
E cos irmãos que Roma edificaram: «Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
127 As obras com que Amor matou de amores
«Ó tu, que tens de humano o gesto e o Aquele que despois a fez Rainha,
peito As espadas banhando, e as brancas flores,
(Se de humano é matar ũa donzela, Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Fraca e sem força, só por ter subjeito Se encarniçavam, férvidos e irosos,
O coração a quem soube vencê-la), No futuro castigo não cuidosos.
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela; 133
Mova-te a piedade sua e minha, «Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Pois te não move a culpa que não tinha. Teus raios apartar aquele dia,
128
Como da seva mesa de Tiestes,
«E se, vencendo a Maura resistência, Quando os filhos por mão de Atreu comia!
A morte sabes dar com fogo e ferro, Vós, ó côncavos vales, que pudestes
Sabe também dar vida com clemência A voz extrema ouvir da boca fria,
A quem pera perdê-la não fez erro. O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Mas, se to assi merece esta inocência, Por muito grande espaço repetistes!
Põe-me em perpétuo e mísero desterro,
Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente, 134
Onde em lágrimas viva eternamente. «Assi como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
129 Sendo das mãos lacivas maltratada
«Põe-me onde se use toda a feridade, Da minina que a trouxe na capela,
Entre liões e tigres, e verei O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Se neles achar posso a piedade Tal está, morta, a pálida donzela,
Que entre peitos humanos não achei. Secas do rosto as rosas e perdida
Ali, co amor intrínseco e vontade A branca e viva cor, co a doce vida.
Naquele por quem mouro, criarei
Estas relíquias suas, que aqui viste, 135
Que refrigério sejam da mãe triste.» «As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
130
E, por memória eterna, em fonte pura Vede que fresca fonte rega as flores,
As lágrimas choradas transformaram. Que lágrimas são a água e o nome
O nome lhe puseram, que inda dura, Amores!
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Questionário:
1. Refere as características da tragédia clássica que estão presentes neste
episódio.
2. Estabelece uma relação entre o protagonista da tragédia clássica e Inês de
Castro.
3. Expõe os argumentos a que recorre Inês para dissuadir o rei de a mandar
matar.
4. Verifica-se que D. Afonso IV sofre uma evolução psicológica ao longo do
episódio. Determina os momentos dessa evolução.
5. Reflete sobre a culpabilidade de D. Afonso IV no assassinato.

Adamastor (Canto V – estância 37 a 60)


De disforme e grandíssima estatura;
37 O rosto carregado, a barba esquálida,
«Porém já cinco Sóis eram passados Os olhos encovados, e a postura
Que dali nos partíramos, cortando Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Os mares nunca d' outrem navegados, Cheios de terra e crespos os cabelos,
Prosperamente os ventos assoprando, A boca negra, os dentes amarelos.
Quando ũa noute, estando descuidados
40
Na cortadora proa vigiando,
«Tão grande era de membros, que bem
Ũa nuvem que os ares escurece,
posso
Sobre nossas cabeças aparece.
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos fala, horrendo e
38
grosso,
«Tão temerosa vinha e carregada,
Que pareceu sair do mar profundo.
Que pôs nos corações um grande medo;
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
Bramindo, o negro mar de longe brada,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!
Como se desse em vão nalgum rochedo.
– «Ó Potestade (disse) sublimada:
41
Que ameaço divino ou que segredo «E disse: – «Ó gente ousada, mais que
Este clima e este mar nos apresenta, quantas
Que mor cousa parece que tormenta?» No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
39
Pois os vedados términos quebrantas
«Não acabava, quando ũa figura
E navegar meus longos mares ousas,
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
Que eu tanto tempo há já que guardo e Os deixará dum cru naufrágio vivos,
tenho, Pera verem trabalhos excessivos.
Nunca arados d' estranho ou próprio
lenho; 47
«Verão morrer com fome os filhos caros,
42 Em tanto amor gerados e nacidos;
«Pois vens ver os segredos escondidos Verão os Cafres, ásperos e avaros,
Da natureza e do húmido elemento, Tirar à linda dama seus vestidos;
A nenhum grande humano concedidos Os cristalinos membros e perclaros
De nobre ou de imortal merecimento, À calma, ao frio, ao ar, verão despidos,
Ouve os danos de mi que apercebidos Despois de ter pisada, longamente,
Estão a teu sobejo atrevimento, Cos delicados pés a areia ardente.
Por todo o largo mar e pola terra
Que inda hás-de sojugar com dura guerra. 48
«E verão mais os olhos que escaparem
43 De tanto mal, de tanta desventura,
«Sabe que quantas naus esta viagem Os dous amantes míseros ficarem
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas, Na férvida, implacábil espessura.
Inimiga terão esta paragem, Ali, despois que as pedras abrandarem
Com ventos e tormentas desmedidas; Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
E da primeira armada que passagem Abraçados, as almas soltarão
Fizer por estas ondas insofridas, Da fermosa e misérrima prisão.»
Eu farei de improviso tal castigo 49
Que seja mor o dano que o perigo! «Mais ia por diante o monstro horrendo,
Dizendo nossos Fados, quando, alçado,
44 Lhe disse eu: – «Quem és tu? Que esse
«Aqui espero tomar, se não me engano, estupendo
De quem me descobriu suma vingança; Corpo, certo me tem maravilhado! »
E não se acabará só nisto o dano A boca e os olhos negros retorcendo
De vossa pertinace confiança: E dando um espantoso e grande brado,
Antes, em vossas naus vereis, cada ano, Me respondeu, com voz pesada e amara,
Se é verdade o que meu juízo alcança, Como quem da pergunta lhe pesara:
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte! 50
– «Eu sou aquele oculto e grande Cabo
45 A quem chamais vós outros Tormentório,
«E do primeiro Ilustre, que a ventura Que nunca a Ptolomeu, Pompónio,
Com fama alta fizer tocar os Céus, Estrabo,
Serei eterna e nova sepultura, Plínio e quantos passaram fui notório.
Por juízos incógnitos de Deus. Aqui toda a Africana costa acabo
Aqui porá da Turca armada dura Neste meu nunca visto Promontório,
Os soberbos e prósperos troféus; Que pera o Pólo Antártico se estende,
Comigo de seus danos o ameaça A quem vossa ousadia tanto ofende.
A destruída Quíloa com Mombaça.
51
46 «Fui dos filhos aspérrimos da Terra,
«Outro também virá, de honrada fama, Qual Encélado, Egeu e o Centimano;
Liberal, cavaleiro, enamorado, Chamei-me Adamastor, e fui na guerra
E consigo trará a fermosa dama Contra o que vibra os raios de Vulcano;
Que Amor por grão mercê lhe terá dado. Não que pusesse serra sobre serra,
Triste ventura e negro fado os chama Mas, conquistando as ondas do Oceano,
Neste terreno meu, que, duro e irado, Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno, que eu buscava. Estando cum penedo fronte a fronte,
Qu' eu polo rosto angélico apertava,
52 Não fiquei homem, não; mas mudo e
«Amores da alta esposa de Peleu quedo
Me fizeram tomar tamanha empresa; E, junto dum penedo, outro penedo!
Todas as Deusas desprezei do Céu,
Só por amar das águas a Princesa. 57
Um dia a vi, co as filhas de Nereu, «Ó Ninfa, a mais fermosa do Oceano,
Sair nua na praia e logo presa Já que minha presença não te agrada,
A vontade senti de tal maneira Que te custava ter-me neste engano,
Que inda não sinto cousa que mais queira. Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada?
Daqui me parto, irado e quási insano
53 Da mágoa e da desonra ali passada,
«Como fosse impossíbil alcançá-la, A buscar outro mundo, onde não visse
Pola grandeza feia de meu gesto, Quem de meu pranto e de meu mal se
Determinei por armas de tomá-la risse.
E a Dóris este caso manifesto.
58
De medo a Deusa então por mi lhe fala;
«Eram já neste tempo meus Irmãos
Mas ela, cum fermoso riso honesto,
Vencidos e em miséria extrema postos,
Respondeu: – «Qual será o amor bastante
E, por mais segurar-se os Deuses vãos,
De Ninfa, que sustente o dum Gigante?
Alguns a vários montes sotopostos.
54 E, como contra o Céu não valem mãos,
«Contudo, por livrarmos o Oceano Eu, que chorando andava meus
De tanta guerra, eu buscarei maneira desgostos,
Com que, com minha honra, escuse o Comecei a sentir do Fado imigo,
dano.» Por meus atrevimentos, o castigo:
Tal resposta me torna a mensageira.
Eu, que cair não pude neste engano 59
(Que é grande dos amantes a cegueira), «Converte-se-me a carne em terra dura;
Encheram-me, com grandes abondanças, Em penedos os ossos se fizeram;
O peito de desejos e esperanças. Estes membros que vês, e esta figura,
Por estas longas águas se estenderam.
55 Enfim, minha grandíssima estatura
«Já néscio, já da guerra desistindo, Neste remoto Cabo converteram
Ũa noite, de Dóris prometida, Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas,
Me aparece de longe o gesto lindo Me anda Tétis cercando destas águas.»
Da branca Tétis, única, despida.
Como doudo corri de longe, abrindo 60
Os braços pera aquela que era vida «Assi contava; e, cum medonho choro,
Deste corpo, e começo os olhos belos Súbito d' ante os olhos se apartou;
A lhe beijar, as faces e os cabelos. Desfez-se a nuvem negra, e cum sonoro
56
Bramido muito longe o mar soou.
«Oh que não sei de nojo como o conte! Eu, levantando as mãos ao santo coro
Que, crendo ter nos braços quem amava, Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
Abraçado me achei cum duro monte A Deus pedi que removesse os duros
De áspero mato e de espessura brava. Casos, que Adamastor contou futuros.

Questionário:
1. Analisa a descrição física e psicológica do gigante Adamastor.
2. Podemos distinguir dois momentos no discurso do Adamastor. Justifica.
3. Explica a mudança de comportamento de Adamastor.
4. Explicita as profecias do Gigante.
5. Resume a história amorosa do Gigante Adamastor.
6. Analisa a evolução do estado de espírito dos marinheiros portugueses, em
particular de Vasco da Gama.
7. Este episódio tem um caráter circular, uma vez que no final são retomados
elementos iniciais. Justifica esta afirmação.
8. Explica a simbologia deste episódio.

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