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O Cosmopolitismo como ética política em Kant e Derrida

Universidade Federal do Rio de Janeiro


IFCS - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Filosofia Política
Nome: Cíntia Gonçalves Faria
DRE: 115090231

Resumo: Em Ideias para uma história universal do ponto de vista cosmopolita, Immanuel
Kant pretende (1724) criar uma relação entre ética e política. Para o filósofo, ao nos
dobrarmos sobre a história, encontramos uma relação causal, afirmando uma teleologia, uma
finalidade diante do mundo. Nesse sentido, o cosmopolitismo em Kant ocupa uma finalidade,
diz respeito a um engajamento de todos os homens numa história universal. Dialogando com
essa ideia kantiana, Jacques Derrida (1930) busca em O direito à filosofia do ponto de vista
cosmopolítico, colocar em questão qual filosofia está por trás do cosmopolitismo e de que
maneira o pensamento filosófico pode se abrir para além de si mesmo. Este trabalho pretende
apontar as tensões e horizontes em comum entre o pensamento de Kant e Derrida, em seus
limiares através da ideia do cosmopolitismo.

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O fundamento da filosofia política de Immanuel Kant (1724) é moral, rompendo com a ideia de um
bem comum e encontrando na razão transcendental a possibilidade para a ética, que seria determinada
categoricamente e universalmente; a ética seria um imperativo da razão. Essa razão, dotada de
entendimento, projeta as categorias a priori, que são condições de possibilidade para a experiência, na
natureza. Aquilo que está na origem dessas categorias, a coisa em si, não pode ser apreendido e por
isso o princípio das ações humanas está no âmbito do incondicionado. No âmbito dos fenômenos, ou
seja, do condicionado, estes dados do entendimento conformam e organizam os dados da sensação em
relações causais. A única exceção dessa causalidade seria a vontade, que para Kant é livre; Sendo
causal, as ações humanas estariam já determinadas e assim não se poderia questionar o que fazer; os
homens seriam como objetos meramente dados na natureza, impossibilitando a existência de uma
ética. O homem age livremente, de forma que essa liberdade não é causal e a partir disso há ética
possível. Essa liberdade diz respeito ao âmbito do incondicionado, sendo inapreensível o que a move e
o que está em sua origem.

‘’A maior intenção da natureza para a humanidade, ou seja, o desenvolvimento de todas as


predisposições naturais desta, só pode ser realizada na sociedade, e, mais precisamente em uma
sociedade que possua o maior grau de liberdade. Uma sociedade, portanto, na qual seus membros
lutem continuamente uns contra os outros e ainda na qual os limites dessa liberdade sejam
especificados e garantidos da maneira mais exacta, para que a liberdade de cada um seja consistente
com a dos outros.’’
(KANT, 2012, p. 31 e 31).

O imperativo ético por excelência seria o imperativo categórico, onde a ação é tomada como universal,
sendo uma ética puramente formal, demanda agir sobre as coisas de modo que essa ação possa ser
aplicada a todos. Já o imperativo hipotético não leva em consideração a liberdade do outro, sendo
apenas uma pura hipótese de causa e efeito.

O imperativo categórico implica em fazer da ação um princípio moral universal, não um universal
conteudista, apontando o que fazer. O universal em Kant é formal, suporta a diferença; não diz que
bem ou fim alcançar; encontra na própria ação não um meio, mas um fim em si mesma. Essa
finalidade diante do mundo é o que constituí uma teleologia causal no pensamento kantiano, não como
uma certeza factual – dizendo para onde se prosseguir, mas como uma certeza categorial, onde a ação
pode alcançar algo por vir. O engajamento dos homens numa história universal, nesse sentido, teria
como um fim o próprio ato em si mesmo, o engajar-se numa comunidade política e o caminhar em
direção desse porvir. O cosmopolitismo ocupa assim uma finalidade na história, todos a fazerem de sua
ação um princípio moral universal.

‘’Em última análise, todos devem sentir internamente que a natureza leva a humanidade a fazer,
inicialmente, tentativas imperfeitas, mas finalmente, após as devastações da guerra, após as quedas e
depois até mesmo do esgotamento completo dos seus poderes internos. [a natureza] impele a
humanidade a dar o passo que a razão poderia ter dito a ela para tomar sem todas essas lamentáveis
experiências: a abandonar o estado anárquico de selvageria e entrar em uma federação dos povos.’’
(KANT, 2012, p. 35).

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O cosmopolitismo não é um conceito kantiano, foi introduzido pelos cínicos, onde Diógenes apresenta
uma concepção negativa do cosmopolitismo: uma cidadania mundial, pautada no indivíduo e naqueles
que desprezam a convenção social. Kant rejeita fortemente o cosmopolitismo de Diógenes, pois esse
ignora as implicações políticas e geográficas de cada lugar, e principalmente, é um cosmopolitismo
ancorado no sujeito, que se desvencilha das responsabilidades morais. Já para os estoicos, o
cosmopolitismo pertence ao mundo e à humanidade em geral, onde todos compartilhariam de uma
mesma razão. É em Kant que o cosmopolitismo não é mais apenas uma moral, mas um dever moral,
político, onde há uma institucionalização do cosmopolitismo. A proposta kantiana do Direito das
gentes implica em um código jurídico para além dos Estados, um conjunto de leis que atinja cada
indivíduo no mundo, para além das fronteiras dos Estados. Dessa maneira, Kant inverte o projeto
contratualista e coloca o Direito como superior ao Estado, visando à criação de uma dimensão jurídica
para mediar e impedir os estados de guerra generalizada.

O cosmopolitismo para Kant teria duas principais tarefas: transcender o Estado, promovendo o acesso
ao Direito para além dessa instância estatal que poderia ameaçar o indivíduo, e criar uma mediação
entre os Estados para garantir que não se retorne ao estado de natureza anterior.

É preciso dizer que Kant não fala do Estado-nação, não podendo ser nacionalista, pois nação consiste
em um povo que ocupa um território e este é idêntico a uma determinada cultura, ideia essa que só
surge no século XIX. Para Kant, o Estado só pode se dissolver pelo patriotismo, implicando no fato de
que cada vez que se respeita mais o caráter jurídico nacional, mais se aproxima de respeitar
globalmente esse campo jurídico. Na exigência de lidar com o outro, há um engajamento local que
levaria a um engajamento global.

Em O direito à filosofia do ponto de vista cosmopolítico, Jacques Derrida (1930) coloca em questão
quem se confronta com o problema do direito à filosofia, onde ela acontece e onde ela tem lugar, quem
tem o direito de falar do ponto de vista filosófico.

Derrida aponta que a filosofia vem definindo um conjunto de regras pré-estabelecidas de tudo o que
vem a ser filosófico, colocando no âmbito do impensável ou indigno de ser pensado o que se excluiria
dessa definição. As tensões vividas ao pensar além do Estado, mas depender do mesmo para poder
falar em nome da filosofia deixam transparentes que há condições para que haja o direito à filosofia,
que há línguas e linguagens que limitam onde a filosofia pode se dar e que a cada momento, esses
limites são tensionados e necessitam se abrir.

‘’Um filósofo é sempre alguém para quem a filosofia não é dada, alguém que por essência deve
interrogar-se sobre a essência e a destinação da filosofia. E reinventá-la.’’
(DERRIDA, 1977, p. 14)

A proposta derridiana se dá em pensar o impensável, estar no limiar e na tensão entre a hospitalidade e


hostilidade enfrentadas na abertura ao outro em sua diferença. A ética não seria uma lei nem um
imperativo da razão, mas um apelo que manda sem comandar. Buscando escapar do binarismo e do
dualismo entre o universal e o particular, Derrida aponta a necessidade de se pensar de onde se fala

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quando se pretende falar sobre o todo, quando se coloca a questão de um universalismo que de certa
maneira é abstrato e romanesco; mas também não cede a um contextualismo, que acaba se tornando
um novo universal.

‘’(...) o texto de Kant, se anuncia e prescreve um ‘’estado cosmopolítico universal’’ (estado, Zustand,
no sentido de estado das coisas, da situação, da constituição real, não do Estado com um E maiúsculo),
se Kant define ao menos a esperança (Hoffnung) de tal estado, a esperança de que, após muitas
revoluções e transformações, ‘’finalmente (endlich)’’ esse cosmopolitismo se tornará um fato, se Kant
baseia essa esperança (que permanece uma esperança) no desígnio ‘’supremo da natureza’’ (was die
Natur zur hochsten Absicht hat), essa esperança é tudo salvo a expressão de um otimismo confiante e
sobretudo de um universalismo abstrato.’’
(DERRIDA, 1977, p. 15 e 16)

Seria preciso colocar em questão a história da filosofia, travar nas impossibilidades a esperança de algo
por vir. Para Derrida, o pensamento filosófico deveria ir além do próprio cosmopolitismo,
ultrapassando as fronteiras dos Estados e se orientando por uma hospitalidade incondicional, não mais
atrelada a uma história universal que carrega apenas uma memória greco-européia mas que se estende
para além das tradições hegemônicas.

“Não se trata de subtrair a filosofia à língua e àquilo que a prende para sempre ao idioma: não se trata
de promover um pensamento filosófico abstratamente universal e sem inerências no corpo do idioma,
mas ao contrário de pô-la em ação, cada vez de maneira original, em uma multiplicidade não finita de
idiomas a produzir eventos filosóficos que não sejam nem particularistas e intraduzíveis, nem,
tampouco, abstratamente transparentes e unívocos no elemento de uma universalidade abstrata.’’
(DERRIDA, 1977, p. 24)

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Referências

DERRIDA, Jacques. O direito à filosofia do ponto de vista cosmopolítico, 1977.


KANT, Immanuel. Filosofia da História: Textos Extraídos das Obras Completas de Kant. 1.ed.
Brasil: Ícone, 2012.

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