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Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 40(1):1-21.

Janeiro-Março de 2018 1

Pesca artesanal e as interferências sobre a atividade na


mesorregião central do Espírito Santo

Joelson Musiello-Fernandes1,*, Fernanda Vedoato Vieira1,


Roberta Maia Das Flores1, Lucas Cabral1 & Camilah Antunes Zappes1,2

RESUMO: A pesca artesanal é a principal atividade econômica da comunidade


pesqueira da Praia de Itapoã, Vila Velha, estado do Espírito Santo. Nesta área
da costa, a pesca sofre interferências da especulação imobiliária que induz
à perda de território pela comunidade bem como atrapalha a manutenção
da atividade tradicional. Neste sentido, o objetivo deste estudo é descrever
a pesca artesanal da Praia de Itapoã; avaliar a percepção dos pescadores e
moradores em relação às interferências na pesca e propor soluções para sua
manutenção, já que a continuidade da atividade local está ameaçada devido
aos empreendimentos imobiliários. Entre outubro e novembro de 2015 foram
realizadas 34 entrevistas semi-estruturadas, 15 com pescadores artesanais e 19
com moradores. Dentre os critérios, o pescador deveria ter a pesca artesanal
como principal atividade econômica e praticar a pesca no mesolitoral do
Espírito Santo e o morador não poderiam atuar na pesca e deveria residir na
Praia de Itapuã. Os pescadores são nativos da região enquanto os moradores
são originados do Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A pesca é
marinha sendo utilizadas embarcações de pequeno porte com a utilização dos
petrechos de rede de espera, linha com anzol, espinhel e arrasto de praia. As
interferências sobre a pesca são a sobrepesca, atividades portuárias e poluição
marinha. A especulação imobiliária na região está levando à perda do território
da comunidade pesqueira bem como interfere na manutenção da cultura local.

Palavras-chave: sobrepesca, especulação imobiliária, conhecimento


tradicional; sudeste do Brasil.

1
Programa de Pós Graduação em Oceanografia Ambiental, Universidade Federal do Espírito Santo. Av.
Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras, Vitória - ES. CEP: 29075-900.
2
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional,
Departamento de Geografia de Campos, Laboratório de Geografia Física. Rua José do Patrocínio, 71,
Centro, Campos dos Goytacazes – RJ. CEP: 28010-385
* Autor correspondente: joelson.pesca@gmail.com
2 Musiello-Fernandes et al.: Pesca artesanal na mesorregião central do Espírito Santo

ABSTRACT: (Artisanal fisheries and interference with activity in the


central mesoregion of Espírito Santo.) Artisanal fishing is the main
economic activity of the fishing community of Itapoã’s Beach, Vila Velha,
Espírito Santo state. In this area of the coast, fishing suffers interference from
real estate speculation that induces the loss of territory by the community
as well as disrupts the maintenance of traditional activity. In this sense, the
objective of this study is to describe the artisanal fishing of the Beach of
Itapoã; evaluate the perception of the fishermen and residents in relation to
interference in fishing and propose solutions for their maintenance, since the
continuity of local activity is threatened due to real estate. Between October
and November 2015, 34 semi-structured interviews were conducted, 15 with
artisanal fishermen and 19 with residents. Among the criteria, the fisherman
should have the artisanal fishing as main economic activity and practice
fishing in the mesolitoral of Espírito Santo and the resident could not act in
the fishing and should reside in Itapoã’s Beach. The fishermen are natives of
the region while the residents come from Espírito Santo, Minas Gerais and
Rio de Janeiro. The fishing is marine using small boats with the use of the
waiting net, line with hook, line and beach trawl. Interference in the fisheries
is overfishing, port activities and marine pollution. Real estate speculation in
the region is leading to the loss of the territory of the fishing community as
well as interfering in the maintenance of local culture.

Keywords: overfishing, real estate speculation, traditional knowledge;


southeastern of Brazil.

Introdução

Pescadores artesanais são trabalhadores que durante a prática da


atividade pesqueira podem atuar sozinhos ou com a participação de mão de
obra familiar ou não assalariada (Diegues, 2000; Clauzet et al., 2005). Este
grupo utiliza embarcações de pequeno porte com pouco aparato tecnológico e
artefatos considerados artesanais e desta maneira capturam espécies aquáticas
para a subsistência ou para a comercialização em pequena escala (Clauzet et
al., 2005). Assim, estes trabalhadores atuam em uma relação estreita com o
ambiente e sua cultura (Diegues, 2000).
Durante a prática da pesca artesanal, o pescador pode utilizar meios
próprios de produção ou por parcerias cujos trabalhadores podem atuar tanto
desembarcados quanto em embarcações com arqueação bruta menor ou igual
a 20 (vinte) (Brasil, 2009, Lei 11.959/09; Brasil, 2011 Instrução Normativa
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n.2, de 25 de janeiro 2011). Para a região sudeste, a pesca artesanal atua


principalmente até 5 milhas náuticas da costa (Portaria MPA/MMA, Nº 04, de
14 de maio de 2015). Apesar das características artesanais, a pesca artesanal
é um setor importante da economia do Brasil já que é responsável por 45%
da produção de pescado nacional (MPA, 2012).
Áreas costeiras são locais que possuem recursos naturais disponíveis
para a sobrevivência e desenvolvimento da cultura de comunidades pesqueiras
(Fitton et al., 2016). Segundo o Decreto n.º 6.040 (Brasil, 2007), tais áreas
podem ser consideradas territórios essenciais à reprodução cultural, social
e econômica dessas comunidades, sendo utilizados de maneira permanente
ou temporária. Interferências sobre o território dessas comunidades podem
alterar o estilo de vida de pescadores artesanais e degradar o ecossistema
costeiro. Exemplos de interferências são a sobrepesca, a especulação
imobiliária e políticas governamentais sem a participação pública (Hanazaki
et al., 2007; Oliveira et al., 2016; Abreu et al., 2017). Tais interferências se
tornam prejudiciais à prática da pesca já que a cultura pesqueira depende
de um ecossistema equilibrado e saudável para a extração e uso sustentável
de recursos naturais, bem como da participação ativa dos atores locais em
processos de tomadas de decisão sobre a conservação local (Diegues, 2000;
Zappes et al., 2016).
Uma das interferências sobre o modo de vida de comunidades
pesqueiras é a especulação imobiliária na zona costeira incentivada por
programas de expansão do modelo urbano-industrial e fomentada por governos
estaduais no país (Rios, 2016). Atualmente, políticas públicas incentivam
grandes empreendimentos contrapondo ao desenvolvimento da pesca artesanal
(Oliveira et al., 2016; Rios 2016; Zappes et al. 2016). No município de Vila
Velha, localizado na mesorregião do estado do Espírito Santo, sudeste do
Brasil, estão sediadas algumas entidades representativas, como a Colônia
de Pescadores de Vila Velha, a Cooperativa Mista de Pesca e associações de
pescadores distribuídas em alguns bairros (Fundação Promar, 2005). Dentre
estas associações existe a Associação de Pescadores de Itapoã situada na Praia
de Itapoã, no bairro de Itapoã. Neste bairro, as famílias que dependem da
pesca artesanal se instalaram na área em meados do século XIX e desde então
obtêm recursos com a prática da pesca artesanal (Celante, 2014; Proater, 2011).
Desde a década de 1980 a especulação imobiliária tem intensificado
na orla do município, especificamente na Praia de Itapoã (Jesus, 1984).
Este crescimento da construção civil alterou o modo de vida das famílias
pesqueiras mais antigas da área o que consequentemente desencadeou
problemas socioeconômicos (Celante, 2014). Atualmente, agentes municipais
de Vila Velha atuam confiscando barracas utilizadas pelos pescadores na
4 Musiello-Fernandes et al.: Pesca artesanal na mesorregião central do Espírito Santo

comercialização do pescado devido à precariedade da condição higiênico-


sanitária (Knox & Trigueiro, 2014). Além disso, em menos de 30 anos a
especulação imobiliária promoveu à remobilização de várias famílias de
pescadores que residiam na orla restando apenas 30 famílias residentes. Em
grande parte da linha de costa do estado, os investimentos do governo são
voltados para atividades produtivas e/ou extrativas industriais sem incentivos
à pesca artesanal (Trigueiro & Knox, 2013; Knox & Trigueiro, 2014).
A ausência de planejamento costeiro na orla de Vila Velha, aliado ao
crescimento urbano desordenado sobre o território da comunidade pesqueira
da Praia de Itapoã, tem provocado interferência na manutenção da pesca
artesanal local e causar conflitos socioeconômicos sobre as famílias que
dependem da atividade. O presente estudo utilizou ferramentas etnográficas
a fim de descrever a atividade de pesca artesanal praticada na área e as
interferências sobre tal atividade. Desta forma, o objetivo deste estudo é
descrever a pesca artesanal na Praia de Itapoã, município de Vila Velha, estado
do Espírito Santo; avaliar a percepção dos pescadores (residentes na área) e
moradores (não pescadores e residentes na área) relacionada às interferências
sobre a prática da pesca artesanal e possíveis soluções para conflitos a fim de
se manter a atividade na região.

Material e Métodos

Área de estudo. O município litorâneo de Vila Velha, estado do Espírito


Santo, sudeste do Brasil, apresenta uma extensão de 40 km de faixa litorânea
desde a Praia do Ribeiro até o Balneário da Ponta da Fruta (Proater, 2011).
Nesta área está localizada a Praia de Itapoã (200 21’S - 400 16’O) (Figura 1)
como uma das poucas comunidades pesqueiras artesanais ainda restantes na
região e onde está sediada a Associação de Pescadores da Praia de Itapoã
com aproximadamente 30 pescadores artesanais associadas e 30 embarcações
cadastradas (Martins & Doxsey, 2006; Trigueiro & Knox, 2013). O pescado
capturado pelos pescadores cadastrados nesta associação é comercializado
tanto por meio de atravessadores quanto pelos próprios pescadores em barracas
improvisadas na praia (Fundação Promar, 2005).
Ao longo de todo o litoral do Espírito Santo ocorreram inserções
econômicas dos setores industriais de energia e petróleo; portuária de
importação e exportação; e siderúrgica e de exportação e beneficiamento de
minério (Knox & Trigueiro, 2014). Com isto, desde a década de 1970 há uma
intensa especulação imobiliária na mesorregião do estado onde está inserida
a Praia de Itapoã. Atualmente, a área possui prédios residenciais de alto
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Figura 1. Localização da orla da praia de Itapoã, com destaque para a Associação


de Pescadores da Praia de Itapuã, município de Vila Velha, estado do Espírito Santo,
sudeste do Brasil.

padrão, o que torna discrepante o cenário entre a pesca artesanal e os grandes


empreendimentos imobiliários (Celante, 2014). Nesta realidade, diversas
famílias que dependiam da pesca artesanal são pressionadas a venderem
suas casas, pois não conseguem se sustentar como residentes na Praia da
Costa devido ao custo de vida que se tornou elevado com a intensificação da
construção civil de alta renda (Celante, 2014).

Coleta de dados. Entre os meses de outubro e novembro de 2015 foram


obtidas as informações sobre a pesca artesanal praticada na região e os
principais problemas relacionados à atividade na comunidade pesqueira
da Praia de Itapoã. Entrevistas etnográficas foram realizadas por meio de
questionários semi-estruturados com pescadores artesanais residentes na
região (n=15) e moradores não pescadores (n=19) da área, totalizando 34
entrevistas. Os moradores não pescadores foram entrevistados a fim de tentar
abordar não apenas a percepção dos pescadores, mas também a fim de saber
a opinião desses moradores sobre os problemas que envolvem a pesca e
6 Musiello-Fernandes et al.: Pesca artesanal na mesorregião central do Espírito Santo

desta maneira tentar identificar os diversos conflitos que podem interferir na


atividade praticada na região. Estudos relacionados ao tamanho amostral em
Etnociência sugerem que o intervalo entre 30 e 60 entrevistas é adequado
para levantamento de informações em um dado estrato populacional (Mason,
2010).
Na fase inicial do estudo foi aplicado o método da observação direta,
em que foram identificadas as atividades relacionadas à pesca (preparação
e manutenção dos petrechos, operação de pesca, desembarque pesqueiro,
beneficiamento e comercialização do pescado) (Jaccoud & Mayer, 2008). A
aproximação ao primeiro entrevistado foi realizada com o auxílio do presidente
da Associação de Pescadores de Itapoã, e a partir do segundo entrevistado
foi aplicada a técnica bola-de-neve (Bailey, 1982). A fim de minimizar a
possibilidade de tendenciamento das entrevistas com um mesmo grupo, a
técnica bola-de-neve podia ser interrompida e a aproximação ao entrevistado
seguinte ocorria de modo aleatório, a partir de encontro oportunístico em que
o entrevistador podia encontrar com um possível entrevistado ao se deslocar
pela área de estudo.
Para a seleção dos entrevistados foram definidos os seguintes critérios
para cada grupo: 1) pescador - deveria obrigatoriamente ter a pesca artesanal
como principal atividade econômica e praticar a pesca no mesolitoral do
Espírito Santo; 2) morador - não poderia atuar na pesca e deveria residir
na Praia da Costa. Cada entrevistado foi informado sobre os objetivos do
estudo, questionado se aceitava participar do mesmo, que os sobrenomes
não seriam anotados e que apenas o primeiro nome seria solicitado para que
o pesquisador pudesse se comunicar com o entrevistado (Librett & Perrone,
2010).
O questionário foi previamente elaborado contendo questões abertas e
fechadas específicas a cada grupo de entrevistados (Schensul et al., 1999). Os
questionários continham as seguintes categorias de perguntas: 1) Pescadores
- caracterização pessoal (sexo, idade, escolaridade, tempo de atuação na
pesca, naturalidade, número de residentes na família e tempo de residência na
Praia de Itapoã), caracterização da pesca (tipos de embarcações e petrechos,
principais espécies-alvo, e beneficiamento e modo de armazenagem do
pescado), interferências sobre a pesca e interferências das atividades de pesca
na área; 2) Moradores - caracterização pessoal (sexo, idade, escolaridade,
naturalidade/nacionalidade, profissão, número de residentes na família
e tempo de residência na Praia de Itapoã), interferências sobre a pesca e
interferências das atividades de pesca na área. As entrevistas foram realizadas
individualmente em formato de pergunta-resposta, para aumentar a confiança
entre as partes e nos dados gerados (Opdenakker, 2006).
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Análise dos dados. Os relatos foram organizados em categorias de acordo


com o questionário (Ryan & Bernard, 2000). A partir dessas informações
foi possível descrever a percepção dos pescadores e opinião dos moradores
da Praia de Itapoã em relação às interferências sobre a pesca artesanal e
geradas pela atividade na região. As comparações foram realizadas a partir
das frequências percentuais dos relatos das entrevistas. Ainda, para a análise
dos relatos foi utilizado o método da Triangulação por meio do cruzamento
das informações obtidas com as ferramentas etnográficas (observação direta
e entrevista com uso de questionário) (Teis & Teis, 2006). Na comparação
dos dados relacionados às ‘interferências que atingem o litoral, que poderiam
afetar a pesca’ e ‘causadas pela pesca na região’ com a literatura, foi utilizada
a técnica de informações repetidas em situação sincrônica (Goldenberg,
1999).

Resultados

Perfil dos entrevistados. Os pescadores entrevistados (n=15) são em sua


maioria do sexo masculino (n=14; 93%) com registro de apenas uma mulher
(n=1; 7%); as idades variam entre 15 e 76 anos e apresentam o ensino médio
incompleto. Estes pescadores atuam na pesca artesanal entre 15 e 40 anos e
são naturais do estado do Espírito Santo. Em suas residências moram entre
5 e 6 pessoas, dentre crianças e adultos. O tempo de residência na Praia de
Itapoã varia em ‘até 10 anos’ (n=7; 38%); ‘20 a 40 anos’ (n=4; 21%), ‘sempre
morou’ (n=4; 21%), ‘41 a 60 anos’ (n=2; 10%), ‘não sabe ou prefere não
responder’ (n=2; 10%).
O grupo de moradores entrevistados (n=19) é composto por homens
(n=10; 53%) e mulheres (n=9; 47%), com idades entre 15 e 76 anos e
ensino médio completo e em algumas situações ensino superior completo.
A naturalidade destes entrevistados varia entre os estados do Espírito Santo
(n=10; 53%), Minas Gerais (n=4; 21%), Rio de Janeiro (n=1; 5%) e 21%
(n=4) preferiu não responder. Em relação à profissão, os moradores são
principalmente comerciantes (n=6; 31%), e os demais distribuídos entre
serviços como atendente, do lar, mecânico, militar e professor. O tempo de
residência na Praia de Itapoã varia em ‘até 10 anos’ (n=8; 42%); ’20 a 40 anos’
(n=6; 31%); ’41 a 60 anos’ (n=1; 5%), ‘não sabe ou prefere não responder’
(n=4; 21%) e assim como os pescadores, em suas residências moram entre 5
e 6 pessoas, dentre crianças e adultos.
8 Musiello-Fernandes et al.: Pesca artesanal na mesorregião central do Espírito Santo

Figura 2. Vista da Praia de Itapoã, com destaque para as embarcações utilizadas na


prática da pesca artesanal, município de Vila Velha, estado do Espírito Santo. Ao
fundo evidência da especulação imobiliária a partir da intensa construção de grandes
edifícios residenciais.

Características da pesca artesanal na Praia de Itapoã. Na Praia de Itapoã


as embarcações utilizadas na pesca artesanal são de pequeno porte entre 5 e
8 m de comprimento podendo ser a remo ou motorizadas com baixa potência
e autonomia de apenas 1 dia de embarque (Figura 2). A pesca é praticada
principalmente no período da manhã (5:00hs às 12:00hs) e tarde (13:00hs às
17:00hs) aproximadamente. As áreas de pesca compreendem a faixa litorânea
do município de Vila Velha entre a Praia da Costa (20019’S - 40016’O) e a
Barra do Jucu (20024’S - 40018’O), principalmente no entorno das ilhas Pituã,
Boqueirão e Itatiaia. Os artefatos utilizados são a rede de espera (fundo e
boiada), linha com anzol, espinhel e arrasto de praia que ocorre no fim da
tarde diariamente (Box 1). As espécies descritas pelos pescadores como
principais alvos da pesca artesanal e os artefatos utilizados na sua captura
são descritos na Tabela 1.
Tabela 1. Principais espécies-alvo capturadas pela pesca artesanal praticada pela comunidade da Praia de Itapoã, município de Vila
Velha, estado do Espírito Santo, de acordo com os relatos dos pescadores entrevistados.
Família Petrecho
Etnoespécie Nome científico provável Hábito
provável de pesca

Anchova Pomatomidae Pomatomus saltator (1; 2) Pelágico Rede de espera

Pescada Sciaenidae Cynoscion sp. (1; 3; 4) Demersal Rede de espera

Corvina Sciaenidae Micropogonias furnieri (1; 2; 3; 4) Demersal Rede de espera


(1; 3)
Pescadinha Sciaenidae Isopisthus parvipinnis Demersal Rede de espera

Xixarro Carangidae Caranx crysos (1; 4) Pelágico Rede de espera

Sarda Scombridae Sarda sarda (1; 2; 3) Demersal Rede de espera/ Linha com anzol
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Tainha Mugilidae Mugil spp. (3; 4) Pelágico Rede de espera e Arrasto de praia
(1; 3; 4)
Baiacu Tetraodontidae Sphoeroides sp. Demersal Linha com anzol
(1; 2; 3)
Dourado Coryphaenidae Coryphaena hippurus Pelágico Espinhel/Linha com anzol

Peroá Balistidae Balistes capriscus/B. vetula (1; 2; 3) Demersal Espinhel/Linha com anzol

Sardinha Clupeidae Sardinella brasiliensis (3) Pelágico Arrasto de praia

Legenda: 1Freitas Neto et al., 2002; 2Martins & Doxsey, 2006; 3Freitas Netto & Di Beneditto, 2007; 4Hostim-Silva et al., 2013.
9
10 Musiello-Fernandes et al.: Pesca artesanal na mesorregião central do Espírito Santo

Box 1. Artefatos de pesca utilizados pela comunidade da Praia de Itapoã,


município de Vila Velha, estado do Espírito Santo.

1) Rede de espera: rede retangular formada por linhas entrelaçadas


feitas de fio monofilamento (náilon ou seda) que pode ser estendida
próximo à superfície, no meio na coluna d’água (boiada) ou próximo
ao fundo (rede de fundo). Apresenta boias e chumbadas a cada 2 m
de comprimento a fim de manter a rede esticada na coluna d´água. O
comprimento da rede alcança até 100 m de extensão, com altura entre 3 e
5 m, e malha que varia entre 4 e 10 cm entre nós adjacentes. O artefato é
lançado ao mar duas vezes ao dia com período de imersão de até 5 horas.
A sua utilização ocorre durante todo o ano dependendo da espécie-alvo.
2) Linha com anzol: fio monofilamento com 0,6 a 2 mm de espessura
e 60 a 100 m de extensão (linha principal) do qual podem partir linhas
secundárias. Neste artefato são instaladas bóias a cada 20 m e uma
única chumbada de até 1 kg. A linha com anzol é um artefato usado
manualmente e o tempo de imersão varia de 1 a 5 horas, no período da
manhã e tarde e usada durante todo o ano dependendo da espécie-alvo.
3) Espinhel: artefato confeccionado a partir da linha principal
composta de polipropileno e náilon, de onde partem perpendicularmente
fios mais curtos com um (1) anzol cada. Se posicionado ao fundo são
fixadas âncoras nas extremidades a fim de manter a estabilidade. A fim
de permitir a flutuabilidade da linha principal são instaladas boias. O
comprimento varia entre 300 a 1.000 m, pode ser utilizado durante todo
o ano dependendo da espécie-alvo tendo como preferências de uso no
início da manhã (5:00hs) e recolhido ao final da manhã. Restos de peixes
são utilizados como iscas.
4) Arrasto de praia: quando utilizado torna-se um evento na Praia de
Itapoã com a participação tanto de pescadores quanto moradores, isto
porque para tirar o artefato da água é necessária força conjunta de várias
pessoas. Composto por um pano de rede em formato retangular com
aproximadamente 200 a 300 m de comprimento, altura entre 3 e 4 m,
malha entre 6 e 10 cm e espessura da linha de náilon que varia entre 4 e
10 cm. Neste pano são fixadas entre 150 a 200 bóias na corda superior e
200 a 300 chumbadas na corda inferior. A malha do ensacador principal
varia entre 2 e 3 cm entre nós não adjacentes. Tal artefato é utilizado a
fim de formar um cerco para a captura de cardumes próximos à linha
de costa. Após a captura, o artefato é puxado de volta à praia sendo
geralmente utilizado no período da tarde durante todo o ano.
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O pescado quase que em sua totalidade é revendido pelos próprios


pescadores em barracas improvisadas por eles e instaladas no calçadão da
Praia de Itapoã. Este pescado pode ser revendido in natura (submetido ou não
à refrigeração e ainda cru) ou passa por processos iniciais de beneficiamento
(evisceração e filetagem) realizados nessas barracas. Tais barracas não são
licenciadas pela prefeitura e com isso frequentemente são confiscadas pelos
agentes municipais. Ainda, ocorre precariedade de higiene já que a limpeza
do pescado é realizada na própria praia sem seguir regras de manipulação de
alimentos exigidas pela vigilância sanitária do município. Todos os materiais
utilizados na prática da pesca são armazenados em pequenos depósitos
construídos pela prefeitura embaixo do calçadão da praia. Não existe um
porto de desembarque pesqueiro, com isso as embarcações são retiradas
manualmente do mar com auxílio de troncos e são deixadas ancoradas na areia.

Tabela 2. Causas da diminuição do pescado no litoral da mesorregião do estado


do Espírito Santo de acordo com os relatos dos entrevistados da Praia de Itapoã,
município de Vila Velha.

Causas Pescadores* Moradores*


Sobrepesca 10 7
Atividades portuárias e empresas na região 2 2
Poluição 2 2
Ausência de fiscalização 1 1
Abandono da atividade pelos pescadores - 1
Clima - 1
Não sabem - 1
Total 15 15
*Número de relatos.

Interferências e manutenção da pesca artesanal na Praia de Itapoã.


Todos os pescadores (n=15; 100%) e moradores entrevistados (n=19;
100%) identificaram a prática da pesca artesanal na Praia de Itapoã como
uma atividade comum à região. Segundo os entrevistados, esta atividade
está diminuindo já que o pescado está escasso. Como causas desta escassez
foram citadas a sobrepesca, atividades portuárias e de empresas instaladas
na região e poluição marinha (Tabela 2). Alguns moradores (n=4) não
12 Musiello-Fernandes et al.: Pesca artesanal na mesorregião central do Espírito Santo

souberam responder a causa da diminuição da atividade pesqueira. Ainda,


os pescadores e moradores descreveram que tais interferências sobre a pesca
artesanal intensificaram na região principalmente nos últimos 10 anos, mas
que algumas instituições poderiam auxiliar a fim de manter a atividade (por
exemplo: Órgãos ambientais, Governo, Instituição dos Pescadores, Capitania
dos portos, entre outros) (Tabela 3). Alguns pescadores descreveram mais
de uma instituição o que justifica o número de respostas (n=20) maior que
o número de entrevistados (n=15). Alguns moradores (n=3) preferiram não
responder.

Tabela 3. Instituições que podem auxiliar na manutenção da pesca artesanal de acordo


com os relatos dos entrevistados da Praia de Itapoã, município de Vila Velha, estado
do Espírito Santo.
Instituições Pescadores* Moradores*
Órgãos ambientais 5 1
Governo 5 6
Instituições dos pescadores 2 4
Capitania dos portos 7 -
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) 1 -
População - 1
Outros - 1
Não sabem - 3
Total 20 16
*Número de relatos.

Os pescadores (n=13; 86%) acreditam que as atividades relacionadas


à pesca artesanal e que são expostas na Praia de Itapoã como, as embarcações
na areia, os depósitos instalados debaixo do calçadão e as barracas para venda
do pescado, não agradam aos moradores que não pescadores. Por outro lado,
quando os moradores foram questionados sobre a ocorrência de interferência
da pesca artesanal na região, 89% (n=17) indicaram que a mesma não ocorre
e 12% (n=2) indicou interferência negativa relacionada à sujeira derivada de
limpeza do pescado e aspecto sujo das moradias dos pescadores.
Para os pescadores existe uma intensa pressão de desmobilização
(retirada das moradias dos pescadores) por parte das construtoras e da
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especulação imobiliária, além da ausência de incentivos para a manutenção


da pesca artesanal local. Estes incentivos estão relacionados à melhor
infraestrutura para os depósitos de armazenamento dos equipamentos e para a
comercialização do pescado na Praia de Itapoã. Ainda, segundo os pescadores,
este abandono por parte dos órgãos públicos desenvolve na comunidade
pesqueira um sentimento de marginalização perante a sociedade, o que
desestimula os próprios pescadores e seus filhos a continuarem a atividade. Os
pescadores descreveram que há um incentivo sobre a especulação imobiliária
já que é evidente o incremento da construção civil de edifícios luxuosos na
área.
Os entrevistados foram questionados sobre qual atividade deveria
ser manejada e receber incentivos a fim de buscar soluções para possíveis
problemas na Praia de Itapoã. Os pescadores indicaram em maior frequência
o incentivo e a manutenção da pesca artesanal (n=7; 47%) e os moradores
citaram a continuidade da construção de edifícios luxuosos e incentivo à
especulação imobiliária (n=15; 79%) (Tabela 4).

Tabela 4. Preferência de incentivo e manutenção de atividade na Praia de Itapoã de


acordo com os relatos dos entrevistados, município de Vila Velha, estado do Espírito
Santo.

Preferência de Atividades Pescadores* Moradores*


Construção de edifícios luxuosos 4 (27%) 15 (79%)
Pesca artesanal 7 (47%) 3 (16%)
Conciliar construção de edifícios luxuosos e pesca artesanal 2 (13%) 1 (5%)
Não sabe 2 (13) -
Total 15 19
*Número de relatos.

Discussão

Na comunidade pesqueira da Praia de Itapoã a pesca artesanal é


praticada quase que exclusivamente por homens com baixa escolaridade,
similar a outras regiões no estado do Espírito Santo (Musiello-Fernandes et
al., 2017). Esta é uma realidade da atividade no Brasil o que dificulta a busca
por empregos com melhores salários e intensifica a dependência financeira
dos pescadores pela pesca (Alencar & Maia, 2011; Dias & Oliveira, 2015).
14 Musiello-Fernandes et al.: Pesca artesanal na mesorregião central do Espírito Santo

As mulheres geralmente atuam no beneficiamento e comercialização do


pescado (Maneschy, 2000), mas no caso da comunidade pesqueira da Praia
de Itapoã, são principalmente os homens que realizam tais tarefas na própria
praia e já vendem o pescado ao consumidor final. Estes consumidores
geralmente são os próprios moradores da Praia de Itapoã que residem nos
condomínios residenciais de luxo construídos no entorno das casas dos
pescadores. Os moradores entrevistados são originados tanto do próprio
estado do Espírito Santo quanto dos estados vizinhos de Minas Gerais e Rio
de Janeiro, sudeste do Brasil. O município de Vila Velha apresenta atrativos
turísticos naturais de praias e ao mesmo tempo é uma região portuária com
grandes empreendimentos residenciais de luxo, o que atrai a atenção de novos
residentes que visitam o estado (Celante, 2014).
Tanto os pescadores quanto os moradores residem há vários anos na
Praia de Itapoã. Em relação aos pescadores este resultado é um indicativo de
que a pesca artesanal na região é uma atividade antiga cujo conhecimento
é construído ao longo dos anos por meio da cultura local dos seus atores e
que originou um elemento no setor sociocultural do estado (Diegues, 2000;
Jesus, 1984). Já para os moradores a justificativa está relacionada ao fato de
que em 1911 houve um incremento do Porto Tubarão, localizado em Vitória
(20019’S– 40020’O), capital do estado e município vizinho de Vila Velha. Este
incremento permitiu uma expansão urbana de toda a região, denominada por
Região Metropolitana da Grande Vitória na qual estão inseridos os municípios
de Vitória, Vila Velha, Cariacica, Viana, Serra, Fundão e Guarapari. Após esse
período, houve um incremento no setor da construção civil o que atraiu a
atenção de novos investidores e consequentemente novos moradores (Derenzi,
1995; Mattos, 2013).
A pesca artesanal praticada pela comunidade pesqueira da Praia de
Itapoã em Vila Velha é essencialmente costeira de pequena escala o que
corrobora com estudos anteriores sobre a pesca na região (Freitas Netto &
Di Beneditto, 2007; Martins & Doxsey, 2006). Os petrechos utilizados na
atividade permitem a captura das diversas espécies alvo descritas e também
são reportados em outros estudos para a área (Freitas Netto & Di Beneditto,
2007; Freitas Netto et al., 2002; Martins & Doxsey, 2006). A pesca na região
se enquadra no que a legislação brasileira considera como artesanal, sendo
tais características evidentes na atividade praticada em áreas tropicais (Brasil,
2009, Lei 11.959/09; Clauzet et al., 2005; Di Beneditto, 2001).
Na praia de Itapoã por não existir uma infraestrutura adequada ao
beneficiamento e revenda do pescado ocorrem conflitos entre os pescadores
e órgãos fiscalizadores municipais que frequentemente retiram do local as
barracas improvisadas para a comercialização do pescado. Ainda, os restos
Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 40(1). 2018 15

de pescado deixados na praia interferem na higiene e no saneamento básico


local e consequentemente em questões de saúde pública. A comunidade deve
ser responsabilizada em jogar este material em sacos de lixo apropriados e a
prefeitura deve ser responsabilizada por fazer a coleta deste lixo diariamente,
além de fazer o descarte em local apropriado.
Nesta área há vários anos, a comunidade pesqueira reivindica junto às
autoridades apoio voltado às melhorias de infraestrutura para a atividade de
pesca que envolve desde o desembarque, até financiamento para a compra de
material adequado de pesca a fim de ocorrer um incremento na produção e na
comercialização do pescado (Fundação Promar, 2005). Apesar dos depósitos
construídos pela prefeitura para o armazenamento dos equipamentos de pesca,
ainda são necessários incentivos públicos a fim de se manter a pesca artesanal
na Praia de Itapoã. Os pescadores da área apresentam uma renda financeira
pequena (Fundação Promar, 2005) o que dificulta um investimento da parte
deles próprios sobre estas demandas.
Apesar do estado em parceria com bancos fornecerem subsídios
e linhas de créditos para a pesca artesanal apenas um pequeno grupo de
pescadores foi atendido. Isso ocorreu devido ao clientelismo político ou
pelo fato de que a baixa renda dos pescadores não foi suficiente como
garantia aos financiamentos (Fernandes, 2007). Ainda, na década de 1990
foram implantados programas do governo de incentivo à pesca, mas não se
expandiram devido ao distanciamento entre a linguagem dos projetos e a
realidade dos pescadores (Fernandes, 2007). O que demonstra a importância
em se compreender a percepção dos atores locais envolvidos a fim de se
obter sucesso em programas de incentivo à pesca artesanal e garantir sua
manutenção.
A diminuição do pescado em todo o mundo está relacionada às
atividades antrópicas como a sobrepesca, a exploração de petróleo, as
atividades portuárias e a poluição derivada dessas atividades (Moyle &
Leidy, 1992; Coll et al., 2008; FAO, 2014; Faraco et al., 2016). O consumo
descontrolado dos recursos pesqueiros ocorre em todo o mundo em que
entre 75% e 80% dos principais recursos são plenamente explorados ou até
esgotados (Dias-Neto & Dornelles, 1996). Para os entrevistados, nos últimos
10 anos as principais interferências sobre a pesca artesanal no Espírito Santo
se relacionam à sobrepesca, às atividades portuárias e a poluição marinha. Para
o estado é registrado neste período um incremento de atividades portuárias
ao longo de toda a costa, além da sobrepesca (Vianna, 2009; Hostim-Silva et
al., 2013). Tanto as atividades derivadas de portos quanto a pesca intensiva
demonstram a ineficiência dos mecanismos de controle dos usos e recursos
causado pelo crescimento antrópico sem planejamento na região (Vianna,
16 Musiello-Fernandes et al.: Pesca artesanal na mesorregião central do Espírito Santo

2009). Este desequilíbrio ambiental na linha de costa pode intensificar conflitos


sócio-econômicos e culturais e induzir a perda de território terrestre (Fortunato
et al., 2008) como é o caso dos pescadores da Praia de Itapoã.
O sentimento de marginalização perante a sociedade e demonstrado
pelos pescadores indica o quanto a categoria se sente excluída de uma área
que tradicionalmente faz parte da cultura da pesca artesanal no estado do
Espírito Santo. Tal sentimento é incentivado pelo descaso de órgãos públicos
que utilizam modelos de políticas de modernização e gestão inoperantes
voltados para a pesca (Pereira et al., 2006). Estes modelos deveriam incluir
os pescadores nos processos de decisão a fim de valorizar a cultura e
identidade locais e desta maneira agregar o conhecimento dos atores que
atuam diretamente na atividade (Ditty & Rezende, 2013; Hanna & Jentoft,
1996; Vieira et al., 2015). Ainda, esta gestão compartilhada da pesca deveria
ser enfatizada pela participação dos órgãos de governo, organizações não-
governamentais, instituições de ensino e pesquisa junto aos pescadores
(Berkes et al., 2006; Pomeroy et al., 2007).
Os próprios pescadores e moradores identificam que deveria existir
a participação de diversas instituições a fim de se manter a pesca local.
Aparentemente, não existe interesse do poder público em se manter a pesca
artesanal na Praia de Itapoã, já que se percebe um incentivo à especulação
imobiliária e expulsão das famílias pesqueiras da área. Apesar dos moradores
identificarem que a pesca é uma atividade tradicional da Praia de Itapoã não
percebem sua importância cultural a partir do momento em que enfatizam
que a especulação imobiliária na região deveria receber ainda mais incentivos
do que a pesca artesanal. Esta especulação imobiliária pode incentivar a
decadência da pesca na região já que o espaço das moradias das famílias
pesqueiras está sendo consumido pelo mercado imobiliário (Celante, 2014).
Este comportamento da sociedade capitalista altera a valorização das tradições
e habilidades ligadas à cultura (Govindin & Miller, 2015), no caso específico
a uma desvalorização da cultura pesqueira artesanal.

Conclusões

A pesca praticada na Praia de Itapoã apresenta características de


pequena escala e é percebida pelos pescadores e moradores como uma
atividade tradicional da região. As famílias que dependem da pesca residem
há vários anos na área, mas atualmente estão perdendo seu território para
a especulação imobiliária crescente. Pescadores e moradores percebem
que a sobrepesca sobre os recursos e as atividades portuárias interferem na
Bol. Mus. Biol. Mello Leitão (N. Sér.) 40(1). 2018 17

manutenção da prática pesqueira local. Desta maneira, mostra-se importante


realizar o manejo participativo envolvendo instituições do poder público,
organizações não governamentais, instituições de pesquisa e ensino e a
comunidade pesqueira a fim de planejar a continuidade da atividade de pesca
com qualidade.
Diante do intenso crescimento da especulação imobiliária na Praia de
Itapoã, o poder público e o setor privado responsável pelos empreendimentos
imobiliários devem planejar o desenvolvimento social e econômico a fim de
garantir aos membros da comunidade pesqueira sua qualidade de vida desde
empregabilidade até manutenção da sua cultura de acordo com a realidade
que está sendo construída no local. Desta forma, as famílias que dependem
da pesca artesanal não se sentiriam marginalizadas e obrigadas a mudar para
outras áreas, como ocorre na comunidade da Praia de Itapoã.

Agradecimentos

Ao presidente da Associação de Pescadores de Itapuã, às famílias


pesqueiras e famílias de moradores da Praia de Itapuã. Os autores Joelson
Musiello-Fernandes agradece à FAPES (bolsa de doutorado Processo n°
70839743/15) e Camilah A. Zappes agradece à FAPERJ (E-26/203.202/2016)
e CNPq (400053/2016-0). Ao Programa de Pós-Graduação em Oceanografia
Ambiental da Universidade Federal do Espírito Santo. Os autores agradecem
ao Editor da Área e os revisores anônimos pelas contribuições ao manuscrito.

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