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Teoria da Literatura

Aula 3
Gêneros Literários: O gênero Lírico
Profª. Amanda Crispim Ferreira
Graduada em Letras (UEL)
Mestre em Estudos Literários (UFMG)
Doutoranda em Letras (UEL)
Objetivos

Pretende-se que ao final da aula o aluno consiga


identificar as especificidades do gênero lírico, bem
como as formas poéticas.
Os gêneros literários

Vimos que a literatura é a arte que se manifesta


pela palavra , seja ela falada ou escrita. Quanto à
forma o texto pode apresentar-se em prosa ou
verso. Quanto ao conteúdo, estrutura e, segundo os
clássicos, conforme a “maneira da imitação”,
podemos enquadrar as obras literárias em três
gêneros: lírico, dramático e épico.
Esses gêneros foram
evoluindo e se modificando
ao longo do tempo.
Gêneros literários clássicos:
A poética de Aristóteles

Falaremos da Arte Poética em si e das suas


modalidades, do efeito de cada uma delas, do
processo de composição a adotar, se se quiser
produzir uma obra bela, e ainda do número e
qualidade das suas partes. [...]
(ARISTÓTELES. A Poética. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo: Ars
Poética. 1993.
Edição Bilingue greco-português.)
A problemática dos gêneros literários
[...] A questão dos gêneros literários, que interessa tanto à
filosofia como à teoria da Literatura, está longe de se
considerar esgotada, e, da mesma forma que outros
problemas literários, continua viva e em pauta. A explicação
reside no fato de ser uma questão controversa: tudo
depende da posição historiográfica e filosófica assumida
pelo estudioso. Daí que existam, ou tenham existido, as
mais diferenciadas interpretações, desde a de Croce,
negando peremptoriamente
A problemática dos gêneros literários

a validade e a existência dos gêneros literários, até


a dos clássicos em geral, que os supunham
estratificados e hierarquizados segundo um
conceito mais ou menos imutável de ordem e de
regra. [...]
(MOISÉS, Massaud. A criação literária: introdução à problemática da
literatura. 4ed. São Paulo: Melhoramentos, 1971, p.31)
Peremptoriamente: de maneira decisiva, de modo categórico.
A problemática dos gêneros literários
Independentemente das teorias clássicas ou modernas,
[...] apontam-se tradicionalmente três gêneros – o
lírico, o épico e o dramático-, que se configuram em
formas ou manifestações como o poema, o romance, o
conto, a novela, a tragédia, a comédia etc., admitindo-
se variantes, formas mistas e o aparecimento de novas
realizações artísticas, a cada passo evidenciadas nas
rupturas dos movimentos de vanguarda.
(FILHO, Domício Proença. A linguagem
literária. São Paulo: ática, 2000, p.68)
Gênero lírico
O nome vem de lira, instrumento musical usado para
acompanhar os cantos gregos;
Quando um “eu” passa uma emoção/ Expressão de
sentimentos;
Apresenta forte carga subjetiva;
Geralmente é expresso em primeira pessoa.
Poema pouco extenso, já que o poeta procura apreender
um “estado” de seu “eu”, bastam-lhe poucos versos.
Pode ser transmitido em verso ou em
prosa.
“Amor” Clarice Lispector
Prosa poética
[...] Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde alguma
coisa tranquila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico,
triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu,
mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo
sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.
Acabara-se a vertigem de bondade.
E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do
espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração.
Antes de se deitar, como se apagasse uma
vela, soprou a pequena flama do dia.[...]
(LISPECTOR, Clarice. “Amor”. In:
MORICONI, Ítalo. Os melhores contos
do século. Rio de Janeiro: Editora Objetiva,
2000, p.212.)
Motivo (Cecília Meireles)
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
Até o final da Idade Média os poemas eram cantados,
a partir da separação entre o texto e o acompanhamento
musical a poesia passou a apresentar uma estrutura mais
rica.
A partir daí a métrica, o ritmo, a divisão das estrofes, a
rima, a combinação das palavras passam a ser mais
intensamente cultivados pelos poetas. Entretanto, os
elementos apresentados acima não são requisitos para a
poesia ser poesia. Os Modernistas, por exemplo, “abriram
mão” de tudo isso.
Vídeo:

Adélia Prado: O poder da poesia e do belo

Fonte:
https://www.youtube.com/watch?v=sisSlTXY6bM
Atividade 1

Discuta com seus colegas sobre o “poder”


transformador/ catártico da poesia.
A linguagem poética
Figuras de linguagem
Metáfora: é uma comparação implícita, sem o elemento comparativo.
“Seus olhos são luzes brilhantes.”
“Meu verso é sangue,”
Comparação: é uma comparação explícita, com elemento
comparativo.
“Seus olhos são como luzes brilhantes.”
“Meu verso é como sangue.”
Perífrase ou Antonomásia:
quando usamos expressões especiais para
falar de uma pessoa (antonomásia), um
lugar ou um animal (perífrase).
“A Cidade Maravilhosa recebe muitos
turistas no Carnaval.”
“A Dama do suspense lançou um novo livro.”
A linguagem poética
Figuras de linguagem
Metonímia: é a substituição de uma palavra por outra, quando entre
ambas existe uma relação de proximidade de sentidos que permite
essa troca.
“ Li Machado de Assis.” / “O estádio aplaudiu o jogador.”
Elipse: consiste na omissão de um termo que é facilmente identificado.
“Na estante, livros e mais livros.” (o verbo “haver” foi omitido)
Zeugma: omissão de um termo que já fora expresso anteriormente.
“Ele prefere um passeio pela praia; eu, cinema.”
Pleonasmo: repetição de ideias.
“Vi com meus próprios olhos!”
A linguagem poética
Figuras de linguagem
Hipérbato: consiste na inversão dos termos da oração.
“Correm pelo parque as crianças da rua.”
Hipérbole: É o exagero na afirmação.
“Já lhe disse isso um milhão de vezes.”/ “Morri de fome.”
“Quando o filme começou, voei para casa.”
Eufemismo: consiste na troca de termos ou expressões que
possam ofender alguém por outras mais suaves, seja por serem
indelicadas ou grosseiras.
“Ele virou uma estrela.” (ele morreu)
Sinestesia: combinação de termos que
remetem a diferentes sentidos do corpo
humano.
“Seu perfume é doce.” (olfato/paladar)
A linguagem poética
figuras de linguagem
Aliteração: repetição de sons consonantais.
“Vozes veladas, veludosas vozes.” (Cruz e Souza)
Assonância: repetição de sons vocálicos.
“Minha foz do Iguaçu. Polo sul, meu azul. Luz do sentimento nu.”
(Djavan).
“Na messe, que enlourece, estremece a quermesse…
O sol, celestial girassol, esmorece…
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo a fina flor dos fenos…”
(Um Sonho – Eugênio de Castro)

Aliteração do “s” e do “f”,


assonância do “é”.
A linguagem poética
figuras de linguagem
Prosopopeia: Atribuição de qualidades e sentimentos humanos a seres
irracionais e inanimados.
“As flores dançam ao vento”/ “Hoje até o sol está mais feliz.”
Antítese e paradoxo: A primeira, consiste na aproximação de palavra
ou expressões de sentido oposto.
“A areia, alva, está agora preta, de pés que a pisam.” (Jorge Amado)
“De repente do riso fez-se o pranto” (Vinícius de Moraes).
Já no paradoxo, a aproximação de palavras opostas causa uma
incoerência, uma contradição.
“Dor, tu és um prazer!” (Castro Alves)
“Amor é fogo que arde sem se ver.
É ferida que dói, e não se sente é um
contentamento descontente.”
(Camões)
Formas poemáticas
(algumas manifestações do gênero lírico):

Ode: é uma poesia entusiástica, de exaltação.


Hino: Poesia destinada a glorificar a Pátria ou louvar
divindades.
Elegia: é uma poesia lírica que fala de acontecimentos
tristes ou da morte de alguém.
Soneto: composição poética de 14 versos distribuídos
em dois quartetos e dois tercetos.
Soneto de Fidelidade (Vinicius de Moraes)
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
Soneto de Fidelidade (Vinicius de Moraes)
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):


Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

(MORAES, Vinicius de. Antologia Poética.


Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960,
pág. 96).
(Algumas) características do poema
Eu lírico ou eu poético: a voz que fala no poema. Não é
o poeta!
Ritmo: é o que dá movimento, musicalidade ao texto.
Alternância de som e silêncio.
Verso: Cada linha do poema, pode ser uma palavra ou
um conjunto de palavras que apresentam uma ordem
rítmica;
A classificação do verso é de
acordo com o número de sílabas
poéticas:
Que/ro/vi/vê-/lo em/ca/da/vão/mo/men/(to)
1 2 3 3 5 6 7 8 9 10
E em / seu/ lou/vor/hei/de es /pa/lhar/meu/can/(to)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
5 sílabas: verso pentassílabo ou redondilha menor (medida
velha);
7 sílabas: verso heptassílabo ou redondilha maior (medida
velha);
10 sílabas: verso decassílabo (medida nova);
12 sílabas: verso dodecassílabo ou alexandrino (medida nova);
Mais de 12 sílabas: verso bárbaro.
Estrofe: Agrupamento de versos no poema;
* Monóstico: só um único verso.
* Dístico: dois versos.
* Terceto: três versos.
* Quadra ou Quarteto: quatro versos.
* Quintilha: cinco versos.
* Sextilha: seis versos.
* Septilha: sete versos.
* Oitava: oito versos.
* Nona: nove versos.
* Décima: dez versos.
* Estrofe irregular ou bárbara: Mais
de 10 versos.
* Refrão ou Estribilho:
repetição da mesma estrofe em um
poema.
Soneto de Fidelidade
(Vinicius de Moraes)

De tudo ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):


Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

(MORAES, Vinicius de. Antologia Poética.


Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, pág. 96).
Rima: é a sucessão de sons fortes ou fracos repetidos
com intervalos regulares ou variados.
Classificação quanto a rima de combinações:
* Emparelhada: ocorrem de duas em duas (AABB)
* Alternadas: ocorrem de forma alternada (ABAB)
* Interpoladas: ocorrem de forma opostas (ABBA)
* Mistas: tudo embaralhado (ABACDCD)
De tudo ao meu amor serei atento A
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto B
Que mesmo em face do maior encanto B
Dele se encante mais meu pensamento. A
Atividade 2

Leia o poema a seguir e analise-o considerando a


forma poética, quantidade de versos, quantidade
de estrofes e temática.
Cântico do Calvário

À Memória de Meu Filho


Morto a l l de Dezembro
de 1863.

Eras na vida a pomba predileta


Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. — Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, — a inspiração, — a pátria,
O porvir de teu pai! — Ah! no entanto,
Pomba, — varou-te a flecha do destino!
Astro, — engoliu-te o temporal do norte!
Teto, caíste! — Crença, já não vives!
Correi, correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!
[...]

(VARELA, Fagundes. “Cântico do Calvário”. In:


Grandes poetas românticos do Brasil.
São Paulo: LEP, 1959. )
A contribuição romântica e modernista

Os poetas românticos romperam com os modelos


clássicos e propuseram a liberdade formal e
criativa, poemas constituídos de versos brancos
(sem rima) e versos livres (sem métrica).
Poesia expressiva.
“Este inferno de amar”
Almeida Garrett
Este inferno de amar - como eu amo! -
Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,


A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez...- foi um sonho -
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...

A morte de Chatterton, de Henry Wallès (1856)


A contribuição romântica e modernista

Já os modernistas foram mais radicais,


apresentando uma poesia com temas e linguagens
cotidianas e, chegando até a “abrir mão” do verso.
“Amor feinho”
Adélia Prado
Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque/
não fica velho.
Cuida do essencial;/
o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
“Amor feinho”
Adélia Prado
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero um amor feinho.

(PRADO, Adélia. Bagagem.


Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 97)
“O anel de vidro”
Manuel Bandeira
Aquele pequenino anel que tu me deste,
— Ai de mim — era vidro e logo se quebrou
Assim também o eterno amor que prometeste,
— Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,


Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, —
Aquele pequenino anel que tu me deste,
— Ai de mim — era vidro e logo se quebrou
“O anel de vidro”
Manuel Bandeira
Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste
(AZEREDO, Ronaldo. “Velocidade”. In:
CAMPOS, Haroldo de et alii. Teoria da poesia concreta.
São Paulo: Brasiliense, 1987, p.96.)
Pêndulo, E.M. de Melo e Castro (Portugal - 1961)
LUXO/LIXO – Augusto de Campos (1986)
Epitáfio para um banqueiro

(PAES, José Paulo. ANATOMIAS. São Paulo:


Cultrix, 1967, p. 17.)
Paulo Leminsk (Poesia pichada)
Máquina, Philadelpho Menezes
Vídeo

Cinco poemas concretos

Fonte:
https://www.youtube.com/watch?v=taHNoWInOf0
Referências
ARISTÓTELES. A Poética. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo: Ars Poética.
1993. Edição Bilingue greco-português
AZEREDO, Ronaldo. “Velocidade”. In: CAMPOS, Haroldo de et alii.
Teoria da poesia concreta. São Paulo: Brasiliense, 1987
FILHO, Domício Proença. A linguagem literária. São Paulo: ática, 2000.
MOISÉS, Massaud. A criação literária: introdução à problemática da
literatura. 4ed. São Paulo: Melhoramentos, 1971
MORAES, Vinicius de. Antologia Poética.Rio de Janeiro: Editora do
Autor, 1960
PAES, José Paulo. ANATOMIAS. São Paulo:
Cultrix, 1967
VARELA, Fagundes. “Cântico do Calvário”. In:
Grandes poetas românticos do Brasil.
São Paulo: LEP, 1959.

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